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SELEÇÃO SEMANAL DE NOTÍCIAS CULTURAIS Edição Nº 179 [27/02/2014 a 05/03/2014]

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SELEÇÃO SEMANAL DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 179 [27/02/2014 a 05/03/2014]

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Sumário

CINEMA E TV .............................................................................................................. 3  DIPLOMATIC NEWS AGENCY (PAQUISTÃO) - V Festival of Brazilian Cinema in Pakistan ..................... 3  AGÊNCIA BRASIL - Ancine lança editais de coprodução com Argentina e Uruguai ............................ 3  REVISTA CULT – 50 anos entre Deus e o Diabo ................................................................................ 4  

TEATRO E DANÇA ..................................................................................................... 6  EL PAÍS (ESPANHA) - Noches con sabor brasileño en El Cairo ......................................................... 6  O ESTADO DE S. PAULO - Vinícius em verso e prosa ......................................................................... 7  O ESTADO DE S. PAULO - Musical de Elis Regina chega a São Paulo após sucesso no Rio ............ 7  

ARTES PLÁSTICAS ................................................................................................... 8  O GLOBO – Diálogo com a dor .......................................................................................................... 8  THE WALL STREET JOURNAL (EUA) - Moving Beyond Brazil: the Work of the Late Artist Mira Schendel .......................................................................................................................................... 9  ISTOÉ - Castelos de areia ............................................................................................................... 10  FOLHA DE S. PAULO - Obras antigas são usadas para debater protestos ....................................... 11  FOLHA DE S. PAULO - Obras de brasileiros são vendidas nas primeiras horas de feira em NY ...... 11  

MÚSICA ..................................................................................................................... 13  VALOR ECONÔMICO - No bloco do samba-canção ........................................................................... 13  VEJA – O bloco do bolerão elétrico ................................................................................................. 17  KOMPAS (INDONÉSIA) - The Atmosphere of World Cup 2014 in Java Jazz ...................................... 19  O ESTADO DE S. PAULO – O tempo corre e alcança João Donato ................................................... 19  O GLOBO – "Vibe" de recomeço ..................................................................................................... 20  O GLOBO – Romântico possível ...................................................................................................... 22  O GLOBO – O "Batuqueiro" Gustavo da Lua sai em viagem solo em busca da própria voz .......... 22  FOLHA DE S. PAULO - Em novo trabalho, Romulo Fróes busca 'beleza onde não há' ..................... 23  

LIVROS E LITERATURA .......................................................................................... 24  O ESTADO DE S. PAULO – De volta á ficção ..................................................................................... 24  ISTOÉ - No tempo de José de Alencar ............................................................................................ 26  CORREIO BRAZILIENSE- Bienal seleciona participantes ................................................................... 27  O ESTADO DE S. PAULO – A construção de um autor e de uma obra .............................................. 27  O ESTADO DE S. PAULO - Febre nos EUA, cursos de formação de escritores se espalham pelo País ................................................................................................................................................ 28  

FOTOGRAFIA ........................................................................................................... 30  CARTA CAPITAL – O ouro nas linhas ............................................................................................... 30  

GASTRONOMIA ........................................................................................................ 31  PUBLICO (PORTUGAL) - “O pior inimigo da cozinha brasileira chama-se Alex Atala” ....................... 31  

MODA ........................................................................................................................ 36  FOLHA DE S. PAULO - Em Paris, Pedro Lourenço mostra peça de dupla face em desfile virtual ..... 36  

OUTROS .................................................................................................................... 36  O GLOBO - Unidos da Tijuca é a grande campeã do carnaval de 2014 ......................................... 36  

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CINEMA E TV DIPLOMATIC NEWS AGENCY (PAQUISTÃO) - V Festival of Brazilian Cinema in Pakistan Islamabad - The Embassy of Brazil in Islamabad is proud to present the V Exhibition of Brazilian Cinema in Pakistan, which will take place from February 27 to March 02 (from 6:00 p.m. on), at the Embassy (House 1, Street 72, F-8/3). The Embassy will showcase four awarded Brazilian movies, recently launched, representing different styles and approaches of the Brazilian cinema scene. The first movie, “Neighboring Sounds (2012)” portrays life in a middle-class neighborhood in present day Recife takes an unexpected turn after the arrival of an independent private security firm. The presence of these men brings a sense of safety, but also a good deal of anxiety to a community constantly worried about security. The movie was widely acclaimed by the critique and considered one of the 10 best movies of 2012 by the New York Times. It is a faithful portray of daily life in a transforming society that enjoys a better life but has to face its lasting. The second movie, “Craft (2010)”, tells the story of Bianca, an excellent actor who has to struggle with many small jobs impersonating movie divas and promoting events to make ends meet. Her luck begins to change after she gets the leading role in an international production and the director inspires the main character in Bianca’s own life and personality. The movie is actually based on the beginning of the real career of the main actor, Karine Telles. The directing and photography style, giving a very intimate perspective and promoting the proximity between the actors and the audience, project a realistic atmosphere sometimes similar to a documentary. Craft was awarded in several of the most important cinema festivals. The third movie, “Times of Peace (2008)”, is a simple and sensitive testimony not only to the power of art in bringing people together, but also to the relevance of the immigrants that went to Brazil in the after WWII period. It tells the story about a Polish man who arrives in Rio de Janeiro to settle in Brazil in 1945. The immigration officers, however, suspect he might be a Nazi looking to hide in the country. He then faces a strong interrogation by Segismundo (Tony Ramos), a former member of the political police used to complying orders without ever questioning them. The dialogue between the two men during the interrogation brings up the importance of art and sensibility in a time when only the horror of war seemed to be present. To end the Exhibition, the Embassy presents “Gonzaga: from father to son (2012)”,a movie based on conversations between Luiz Gonzaga, a famous singer and accordionist known as King of Baiao (a typican Brazilian music style), and his son,Gonzaguinha, also a famous singer in Brazil. The life of both characters is told through this dialogue, revealing the difficult family relations of two of the greatest talents of Brazilian music. Luiz Gonzaga, a poor boy from a village in Northeast Brazil, leaves his hometown to try life in the army and then moves to Rio de Janeiro. In order to provide for his wife and son, he takes the road playing baiao, which he learned from his father. To build the successful career that led him to be known as the King of Baiao, though, Gonzaga made important sacrifices on his personal life, which led to a difficult relationship with his son. AGÊNCIA BRASIL - Ancine lança editais de coprodução com Argentina e Uruguai Paulo Virgilio (03/03/14) Estão abertas desde sexta-feira (28) as inscrições para dois editais de coprodução com a Argentina e o Uruguai. No total, será investido, nas moedas locais, o equivalente a US$ 1,3 milhão, pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), pelo Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (Incaa), da Argentina, e pelo Instituto del Cine y Audiovisual del Uruguay (Icau). De acordo com os editais, serão feitos concursos para a concessão de apoio financeiro a projetos de produção de longas-metragens dos gêneros ficção, documentário ou animação, cujas filmagens ainda não tenham sido iniciadas até a data de abertura das inscrições. No Brasil, concorrem os projetos apresentados por produtoras brasileiras que participem na condição de coprodutoras minoritárias. Os

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projetos de coprodução que tenham participação majoritária brasileira devem ser apresentados pelos sócios locais na Argentina e no Uruguai. Este é o quarto ano consecutivo em que a Ancine lança editais de coprodução com os dois países vizinhos. Para o diretor-presidente da agência, Manoel Rangel, a continuidade dessa parceria tem produzido bons resultados. “O número de filmes coproduzidos entre o Brasil e esses dois países aumenta ano a ano, comprovando que eles hoje não se limitam apenas aos contemplados pelos editais, mas inclui todos aqueles que fazem contatos a partir do impulso para se inscrever neles". Por meio do edital com a Argentina serão selecionados dois projetos de coprodução majoritariamente brasileiros e dois projetos majoritariamente argentinos. Cada projeto selecionado receberá, em moeda local, recursos no valor correspondente a US$ 250 mil. As inscrições na Argentina devem ser feitas pelo Incaa. O concurso relativo ao Uruguai contemplará dois projetos, um majoritário de cada país, e cada um vai receber o equivalente a US$ 150 mil. No Uruguai, as inscrições de projetos majoritariamente brasileiros devem ser apresentadas ao Icau. O prazo de inscrição para os dois editais termina no dia 15 de abril. Os projetos devem ser encaminhados em envelope lacrado, por portador ou serviço de encomenda expressa para o endereço do Escritório Central da Ancine. Os regulamentos, formulários e a documentação necessária estão disponíveis para consulta no site da agência. REVISTA CULT – 50 anos entre Deus e o Diabo (fev/14) O filme já estava praticamente pronto quando os militares depuseram o presidente João Goulart e instauraram uma ditadura militar, em 31 de março de 1964, iniciando uma era de ausência de liberdade de expressão, torturas etc. Mas para a sorte do então jovem cineasta Glauber Rocha, o Ato Institucional Número 5 - que calaria de vez as vozes dissidentes - só viria quatro anos depois. Graças a esse finzinho de liberdade, Deus e o Diabo na Terra do Sol pôde estrear há 50 anos, se transformando no filme mais emblemático do Cinema Novo. O segundo longa de Glauber - o primeiro fora Barravento (1962) - foi a melhor tradução audiovisual até hoje da proposta de um movimento que, nos congressos de cinema nos anos 1950, deu seus primeiros passos com os filmes de forte influência neorrealista de Nelson Pereira dos Santos (Rio 40 Graus e Rio Zona Norte) e, posteriormente, com as problemáticas nacionais que tão fortemente foram discutidas pelos cineastas até o final dos anos 1960. Há 50 anos, Deus e o Diabo na Terra do Sol seria também indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes, onde, três anos depois, Glauber receberia o prémio da crítica internacional com Terra em transe (1967). Mas embora Terra em transe tenha sido seu filme mais premiado internacionalmente, foi Deus e o Diabo quem melhor traduziu a proposta de um movimento que influencia até hoje cineastas brasileiros, o cinema português e diretores de países de língua portuguesa na África. Seus filmes influenciaram inclusive a nova geração de cineastas dos Estados Unidos - os movie bratz dos anos 1960 que estavam ressuscitando Hollywood, como é o caso de Martin Scorsese, adorador das obras de Glauber a ponto de adquirir os direitos de restauração de três dos seus filmes. Deus e o Diabo na Terra do Sol iria instaurar para sempre no cinema brasileiro a Estética da Fome, estilo de linguagem, técnica e narrativa que explorava as mazelas do interiorzão do Brasil e suas razões política (coronelismo), religiosa (crítica feroz ao catolicismo), económica (dependência externa) e cultural (culto à cultura europeia e norte-americana). Tudo seguindo a premissa do Cinema Novo, muito bem definida pelo próprio Glauber na época, que dizia: "Nós não queremos Eisenstein, Rossellini, Bergman, Fellini, Ford, ninguém. Nosso cinema é novo não por causa da nossa idade (...) nosso cinema é novo porque o homem brasileiro é novo e a problemática do Brasil é nova e nossa luz é nova e por isto nossos filmes nascem diferentes dos cinemas da Europa (...) nossa geração tem consciência: sabe o que deseja. Queremos fazer filmes anti-industriais; queremos fazer filmes de autor, quando o cineasta passa a ser compreendido com os grandes problemas de seu tempo; queremos filmes de combate na hora de combate e filmes para construir um património cultural". No

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entanto, apesar de negar influências externas, tanto o filme quanto o movimento foram fortemente influenciados pelas escolhas temáticas, a fotografia e os enquadramentos do Neorrealismo Italiano, bem como pela Política dos Autores dos franceses da Nouvelle Vague - esta também influenciada pelo próprio Cinema Novo, especialmente Jean-Luc Godard, grande admirador de Glauber. Ao mostrar a seca devastadora do sertão nordestino -embora Glauber tenha filmado no norte de Minas Gerais -, o diretor optou por abrir bem o diafragma da câmera, de modo a "estourar" a luz sobre corpos, chão e objetos. Embora tenha sido "acusado" por parte da imprensa na época de não saber filmar, Glauber na verdade estava cometendo um "exagero de luz" em prol da Estética da Fome. Ao "estourar" na pele dos personagens, a luz do sol contribuía para a principal mensagem de Deus e o Diabo: que naquela terra a miséria era tão grande, a política tão destrutiva, a economia tão fraca, a cultura tão mínima e a religião tão opressora, que quem mandava na sorte dos cidadãos era apenas a luz do sol. Juntava-se à fotografia um roteiro impecável, com uma narrativa dividida em três fases. Na primeira, Manoel (Geraldo Del Rey) tem fé no seu trabalho braçal, acreditando que, ao dividir o gado com o coronel, poderia comprar suas terras e fazer sua própria plantação. Mas o coronel lhe dá um golpe e ele fica sem nada. Perdendo a fé no trabalho, ele e a mulher Rosa (Yoná Magalhães) começam a seguir o messiânico Sebastião (Lidio Silva), numa alusão direta ao António Conselheiro da Revolta de Canudos. Mas a tal terra frutífera prometida por Sebastião nunca chega, então Manoel perde a fé na fé religiosa e transforma-se em cangaceiro. É como se Glauber estivesse montando um paradigma da formação do Brasil e do porquê de alguns optarem pela bandidagem. Quatro décadas depois, Fernando Meirelles vai, de certa forma, apostar novamente nesta premissa em Cidade de Deus, quando então entra em voga o termo Cosmética da Fome, em que, ao contrário da triste e feia fome de Glauber, agora a miséria era estilizada, embelezada, adaptando-se aos novos tempos do audiovisual, com narrativas mais ágeis, imagens com toques publicitários e voltando-se para a problemática dos grandes centros urbanos. A principal intenção de Glauber Rocha com Deus e o Diabo na Terra do Sol era fazer um filme do povo para o povo, ou seja, retratar a condição da população para que ela mesma criasse consciência das causas - por isso o filme foi promovido com exibições gratuitas em várias cidades do sertão nordestino. No entanto, esta talvez tenha sido sua principal frustração para a vida toda. Praticamente nenhum filme do Cinema Novo foi sucesso de bilheteria. Isso porque, além de focar em temas sérios e negativos - numa época em que a TV ignorava as reais mazelas do Brasil em suas telenovelas -, a linguagem de Deus e o Diabo e dos demais filmes pedia um conhecimento prévio não só de história do Brasil, como referências culturais, cinematográficas. Para frustração de Glauber, quem conseguiu fazer o tal cinema do povo para o povo foram os diretores das chanchadas, subgênero cómico que ele odiava - por conta do roteiro superficial, entre outras razões -, mas que produziu filmes vistos por milhares de pessoas nas grandes cidades, em busca de simples entretenimento nos cinemas. Apesar disso, não foram as chanchadas que sobreviveram no tempo - embora tenham se metamorfoseado para as atuais comédias do cinema brasileiro -, mas sim o Cinema Novo, exibido e reexibido constantemente em mostras, cinematecas e entre estudantes de artes e comunicação, além de estudado em diversas teses de doutorado no mundo todo, como imagem marcante que o Brasil levou para o resto do planeta. Mas talvez o maior legado de Deus e o Diabo na Terra do Sol tenha sido jogar o cinema brasileiro à altura do melhor cinema feito no mundo naquele momento. Assim como Roberto Rossellini, que no Neorrealismo Italiano negou um diálogo com as outras formas de expressão artística porque o "cinema se bastava por si só", elevando-o à condição de arte em pé de igualdade com as demais, Glauber Rocha optou por ignorar as outras artes e virar as costas para Hollywood. Até a trilha musical era de brasileiros (Heitor Villa-Lobos), com letras criadas pelo próprio cineasta. Era o momento de afirmar radicalmente um estilo e uma linguagem tipicamente nacionais, colocando o cinema brasileiro - até então viciado em imitar ou satirizar Hollywood ou enaltecer o cinema europeu - na idade adulta artisticamente. Em pleno século 21, meio século após o lançamento de Deus e o Diabo, documentários e ficções brasileiras no cinema e na televisão não se cansam de referenciar esta forma tão distinta de narrar em audiovisual, que foi introduzida por Glauber e seus colegas cineastas.

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TEATRO E DANÇA EL PAÍS (ESPANHA) - Noches con sabor brasileño en El Cairo Ricard González El dramaturgo Marco Magoa estrena en Egipto una obra sobre la fusión de culturas y la experiencia agridulce de la emigración

Actores de 'Brasil ... una noite no Cairo'. (26/02/2014) Después de una incursión en el mundo de la política con su Zenocrate and Zenobia (the exiled), el actor y dramaturgo español Marco Magoa retorna en su última obra teatral a uno de sus temas favoritos: la fusión de culturas. Sin embargo, en esta ocasión, su punto de referencia no es la cultura española sino la brasileña. En Brasil ... una noite no Cairo”, estrenada la semana pasada en la capital egipcia, se inspira en los poemas de varios poetas

brasileños, como Vinicius de Moraes, Murilo Mendes y Manuel Bandeira para explorar la experiencia agridulce de la emigración. “Uno de los puntos de contacto entre las culturas árabe, y específicamente egipcia, y la brasileña es fruto de la emigración a finales del siglo XIX y sobre todo durante las primeras décadas del siglo XX, de cientos de miles de sirios, libaneses, palestinos y egipcios hacia allí en busca de un futuro mejor”, explica Magoa, que ha contado con la financiación de la Embajada de Brasil en El Cairo para su espectáculo, representado en el Teatro Falaki, prácticamente lleno en todas sus funciones. Nadia, una joven egipcia que vive en la capital egipcia, es la protagonista principal de la obra. Un día recibe la noticia de la muerte de su abuela en Brasil, donde había emigrado siendo una niña, junto con una caja de sus pertenencias en la que encuentra cartas, poemas, fotos, periódicos y música brasileña. A través de los recuerdos de su abuela, Nadia se interesa en recuperar la memoria de aquellos emigrantes, muchos de los cuales nunca volvieron a su tierra natal, y funda un grupo de descendientes de emigrantes que se reúne cada jueves en una azotea de El Cairo para compartir experiencias. “El tema de la emigración me interesa porque, después de varias décadas, España se ha vuelto a convertir en un país de emigrantes a causa de la crisis”, remarca el joven dramaturgo, que con “Brasil ... una noite no Cairo” estrena su cuarta obra seguida en Egipto, país que se ha convertido en su segunda patria. “Yo mismo soy un ejemplo de esta generación de jóvenes que se ve obligada marchar ante la falta de oportunidades. Ahora mismo, el alquiler de un teatro en Madrid es prohibitivo si uno no dispone de una generosa financiación”, agrega. A pesar de contar con unos recursos limitados, y gracias a la imaginación y al ingenio, la puesta en escena de la obra no desmerece la exuberancia de la cultura brasileña. Por el escenario, decorado con varios metros de hiedras de plástico, desfila un grupo de capoeira, una rúa carnavalesca y hasta un jaguar. Sin olvidar la presencia de la música brasileña, cuyas notas entona el propio Magoa, echando mano de la experiencia atesorada en su pasado como actor de zarzuela en Madrid. Representada sobre todo en una mezcla de árabe clásico y dialecto egipcio, el actor Alex Amaral, un brasileño afincado en España desde hace un par de décadas, aporta a la obra el sonido meloso de la lengua portuguesa. Amaral es el encargado de recitar los versos de varios poetas brasileños, entre ellos Thiago de Mello, Augusto dos Anjos, Chico Xavier y Elias Farhat. Este último, por cierto, de origen árabe. Sin duda, Brasil es un país de moda. Y más lo será este verano gracias al Mundial de fútbol. Pero Brasil tiene mucho más que aportar a la cultura global que las genialidades de sus astros del balón.

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O ESTADO DE S. PAULO - Vinícius em verso e prosa Musical revisita obra de Vinicius de Moraes, mas evita biografia do artista Maria Eugênia de Menezes (03/03/14) À primeira vista, o espetáculo Vinicius de Vida, Amor e Morte, com estreia prevista para sexta, se assemelha a outros da atual safra de musicais brasileiros. Para aqueles que resolveram dar as costas à Broadway e investir em produções nacionais, as biografias de artistas da MPB têm sido a principal fonte de inspiração. O movimento começou em 1998, quando o musical Somos Irmãs investigava a vida e as canções das irmãs Linda e Dircinha Batista, e se estende com força até hoje: o sucesso recente de Elis, a Musical, que chega a São Paulo em março, é evidência da longevidade do gênero. A música popular, no entanto, pode se prestar a outro tipo de uso no teatro. E é isso que o diretor Dagoberto Feliz e a cia. Coisas Nossas resolvem testar em Vinicius. Nessa homenagem ao poeta e compositor, os dados biográficos ficam de lado. Ocupa o primeiro plano o processo criativo do autor. A gênese de sua poesia. Sua maneira de se relacionar com a arte, com o mundo e, especialmente, com as mulheres. No cenário, a montagem já oferece ao público uma chave para a compreensão de sua proposta. Na cena inicial, que acontece fora da sala de teatro, os atores convidam os espectadores a adentrar em uma "casa", sem portas, janelas ou paredes. "Um espaço onírico", na definição do encenador. Lá, será possível confrontar-se com as muitas facetas de Vinicius: o romântico, o boêmio, o criador. Existe um lugar para o violão. A escrivaninha repleta de papéis e com uma garrafa de uísque sempre aberta. Um banco de praça para os encontros amorosos. Uma banheira – alusão ao lugar onde o escritor foi encontrado morto, em 1980. Esse é o segundo espetáculo do grupo. Antes, também sob a direção de Dagoberto Feliz, eles lançaram Noel, o Poeta da Vila e Seus Amores. À ocasião, o texto era assinado por Plínio Marcos e vinha pontuado por 28 canções do compositor carioca. Personagens essenciais à trajetória de Noel despontavam no palco, entre eles Aracy de Almeida – sua grande intérprete – e o desafeto Wilson Batista. Naquela obra, a cenografia remetia a um cabaré e os episódios mais marcantes da trajetória do sambista iam sendo desfiados. Na peça pela qual a cia. se aventura agora, o processo criativo foi distinto. Além de abandonar o viés biográfico, a obra não partiu de uma dramaturgia prévia, mas de um texto construído pelos próprios intérpretes. "É um espetáculo mais de sensações do que dados biográficos. Tem esse lado do delírio, do sonho", comenta Dagoberto, reconhecido principalmente por seu trabalho no grupo Folias D’Arte. O roteiro elege uma seleta de canções: das onipresentes Chega de Saudade e Minha Namorada até temas menos conhecidos como O Astronauta. Também lança mão de poemas e crônicas. Assim, quase tudo o que é dito durante a encenação foi escrito pelo próprio poetinha. Uma maneira de torná-lo uma presença constante em cena, ainda que nenhum ator encarne sua figura. Passados apenas alguns meses do centenário de nascimento de Vinicius, o tom de celebração é inevitável. O que não necessariamente quer dizer reverência. Curiosamente, as situações políticas abordadas não destoam tanto do contexto contemporâneo. Versos que fazem menções às mulheres, porém, podem provocar estranhamento. E são, por isso mesmo, tratados com ironia. Afinal, não se concebe hoje que alguém diga que uma mulher deve ser "feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor/ E para ser só perdão". Para Dagoberto, esse tratamento "crítico" dispensado à obra do escritor não quer dizer que "a poesia dele tenha perdido força com o tempo". "Mas alguns dos temas nos quais ele toca são percebidos hoje de maneira diferente." O ESTADO DE S. PAULO - Musical de Elis Regina chega a São Paulo após sucesso no Rio Mesmo com imprecisões biográficas, montagem emociona com a interpretação de Laila Garin Julio Maria

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(05/03/14) A vida da cantora Elis Regina, dramatizada no palco em forma de musical, chega a São Paulo no próximo dia 14, no Teatro Alfa. A montagem já foi vista no Rio de Janeiro por 80 mil pessoas e teve críticas das mais favoráveis desde sua estreia. A novidade no elenco é a substituição de Felipe Camargo por Tuca Andrada no papel de Ronaldo Bôscoli, segundo marido da cantora. Elis, A Musical tem roteiro de Nelson Motta e direção de Dennis Carvalho. O primeiro foi produtor e amante de Elis nos anos 70, quando ela ainda era casada com Bôscoli. O segundo foi amigo e confidente. A previsão de temporada é até dia 13 de julho e os ingressos, que vão de R$ 40 a R$ 160, já estão à venda pelo site do Ingresso Rápido (informações pelo telefone 5693-4000). Os episódios mais desconfortáveis da vida da cantora não são mostrados no musical. Seu envolvimento com drogas nos últimos dez meses de vida e casos extraconjugais que determinaram períodos importantes de sua carreira, incluindo o período ao lado de Motta que lhe rendeu três discos, não têm espaço na montagem. Personagens aparecem também em lugares trocados, em sequências sem fidelidade à biografia. Na montagem, quem a leva do Rio Grande do Sul para o Rio de Janeiro em 1964 é o produtor Carlos Imperial, o que não condiz com a realidade. E quem aparece como produtor do emblemático show Dois na Bossa, no Teatro Paramount, é o empresário Marcos Lázaro, e não o produtor Walter Silva, o Pica Pau. O espetáculo tem a seu favor, no entanto, momentos comoventes e bem coreografados, além de uma atuação da atriz Laila Garin no papel de Elis que chega a incomodar tamanho a semelhança sobretudo com a fala da cantora.

ARTES PLÁSTICAS O GLOBO – Diálogo com a dor 'Hora da razão', mostra de Nuno Ramos em cartaz na caixa cultural, é uma ode feita pelo artista à tristeza, um sentimento difícil para a maioria das pessoas

Luisa Duarte (02/03/14) Sofrimento em foco. Exposição conta com três grandes peças geométricas em vidro, rodeadas por 78 desenhos inéditos, que compõem a série "Munch" É muito comum confundirmos sofrimento com uma ausência da razão. Na mostra "Hora da razão", de Nuno Ramos, em cartaz na Caixa Cultural, a dor mais doída surge atravessada pelo pensamento, na verdade, aparece sob a égide da arte. Lugar onde dimensão sensível e inteligível se irmanam.

Lembrando Cézanne, "Quero conhecer, para melhor sentir; e sentir, para melhor conhecer." É igualmente comum ficarmos envergonhados quando sofremos. Ficar "baixo astral" cansa, não pega bem, nos afasta, isola. Será? Pois bem, Nuno faz uma ode belíssima a este estado de espírito tão comum e necessário, a tristeza, mas com o qual sabemos lidar tão mal na contemporaneidade. O título da exposição é inspirado em um samba homônimo de Batatinha (1924-1997). Diz a letra: "Se eu deixar de sofrer/ Como é que vai ser/ Para me acostumar?/ Se tudo é carnaval/ Eu não devo chorar/ Pois eu preciso me encontrar/ Sofrer também é merecimento/ Cada um tem seu momento/ Quando a hora é da razão/ Alguém vai sambar comigo/ Mas o nome não digo/ Guardo tudo no coração". Na contramão do imperativo do gozo, estamos diante do acolhimento do passo em falso. Mas não de forma vitimizada, longe disso. O sofrimento aqui nos chega sublime, digno do que é, de sua potencia, de sua dignidade. E não de maneira desdenhosa, pejorativa, ou vulgar.

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Para orquestrar essa ode à dor, que no fim é uma ode à vida pois nos aproxima de nós mesmos de maneira aguda, o artista reuniu as múltiplas linguagens que caracterizam seu fazer, pintura, desenho, escultura, música, escrita. "Hora da razão" é composta por três grandes peças geométricas em vidro que abrigam vídeos de compositores cantando o samba de Batatinha acima citado, são eles Nina Becker, Rômulo Froes e Eduardo Climachauska. Por cima de cada uma das peças desaba o breu derretido, como lastro de um pranto profundo, demorado, lento. Dentro desta lápide, a música. De dentro da tumba chega a voz do samba. Estamos próximos da "morte", da dor, e somos paradoxalmente regenerados, o pulmão infla e a vida torna-se mais vida. Ao redor das três peças vemos 78 desenhos inéditos, criados a partir de folhas de ouro, prata e bronze, tinta a óleo e carvão sobre papel que compõem a série "Munch". O nome se deve à utilização como elemento do sobrenome do pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944). Conhecido como um mestre na expressão da morte, do dilaceramento, Munch comparece aqui como uma bússola capaz de recordar que apesar do colorido presente em muitos dos desenhos, é de finitude que se trata. O nome Munch vira uma espécie de estratégia conceitual, um selo, um emblema, quase uma assinatura certas vezes. Esta série foi feita após a morte da mãe do artista, 78 foram os anos vividos por ela e, para cada um deles, um desenho. Há uma narrativa tecida ao longo dos desenhos que demanda tempo e uma vontade interpretativa. Sobre escolher Munch, Nuno afirmou: "o relógio como signo do autorretrato: quase sempre o trabalho de Munch parece pintado sobre a água, como se cada pincelada fosse um corpo caindo num lago. Acho que eu procurava esse lago". Essa busca permeia toda a exposição. Se a música é a arte que menos paga tributo ao que é físico, é desta ordem o contato com "Hora da razão", o que nos toca chega de maneira invisível. Uma mostra rara que nos doa uma experiência vital, que nos conecta com a dor do mundo, a dor em nós, sem que precisemos pedir licença para isso. A hora da razão para Nuno Ramos é encharcada de vida, e isso parece pressupor uma conversa íntima com a morte. THE WALL STREET JOURNAL (EUA) - Moving Beyond Brazil: the Work of the Late Artist Mira Schendel Until Recently, the European Emigré's Works Have Been Largely Restricted to a Domestic Audience By Kristiano Ang One of Max Schendel's early memories is of visiting the São Paulo apartment of his grandmother, Mira Schendel, and being astonished at the quantity and variety of her art lying around. But until recently, the works of the European émigré who had become one of Brazil's most prominent artists by the time of her death in 1988 have been largely restricted to a domestic audience. That changed with a 2009 Museum of Modern Art show, a four-month solo retrospective at London's Tate Modern last fall and, on Tuesday, an exhibition of about three dozen of her works at Hauser & Wirth's Upper East Side gallery. "In Brazil, she is very well-known," Mr. Schendel said, "but international interest has now begun." Born to Jewish parents in Switzerland in 1919, Ms. Schendel was raised in Italy and fled to Yugoslavia just before the outbreak of World War II. A decade later, she migrated to Brazil, where she began working as a drafter at a printer's shop and started painting and creating ceramics. In a bid to present what Olivier Renaud-Clement, the Hauser & Wirth show's organizer, called a "second introduction" to the artist, viewers will see a broad array of her work. It ranges from painted blocks of wood with abstract, angular slices of gold leaf applied over them, to alphabetic letters suspended within pieces of plexiglass and monotypes of seemingly random shapes and sizes molded by the artist's fingers onto rice paper. The works are priced at $45,000 to $1.2 million. The breadth, Mr. Schendel said, reflects how his "misplaced" grandmother, who spoke several languages but "all of them with a huge accent," was unable to conform to any particular artistic movement. "She might have been working with geometrical, constructivist things, but she was also doing watercolor flowers at the same time," he said.

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Mr. Renaud-Clement suggested that a common thread might be the ethereal feel of her more famous creations. "She was attracted to lightness," he said, pointing out Ms. Schendel's frequent use of diaphanous materials like plexiglass and rice paper. Also on display is "Still Waves of Probability," an installation of thousands of nylon threads cascading from the ceiling, juxtaposed against a line from the Old Testament imprinted on a nearby wall. Ms. Schendel created the piece for the 1969 São Paulo Biennale, which many Brazilian artists boycotted to protest the seizure of power by a military dictatorship in that decade. "At that time, most [installations] required pictures, but she felt the verse from the Old Testament made a point," Mr. Renaud-Clement said. "It is silent and carries a sense of stillness and absence with it." ISTOÉ - Castelos de areia Com trabalhos de artistas brasileiros e estrangeiros, exposição coletiva evoca contrastes entre ordem e caos por Paula Alzugaray O que Brasília, Marienbad e Berlim têm em comum? Categoricamente, não muito, mas essas três localidades se cruzam na exposição “Dispositivos para um Mundo (Im)Possível”. Pense em 1989, na queda do muro, no ápice da crise das utopias e no artista brasileiro Leonilson interessado no alcance político da arte. Estamos chegando perto. Se esses três lugares fossem associados a palavras, chegaríamos a utopia, ilusão, desconstrução. São precisamente esses três conceitos que dão sustentação à curadoria de Luisa Duarte, na Galeria Nara Roesler, em São Paulo.

Obra de Lais Myrrha (acima) desconstrói hierarquias Brasília, a cidade utópica projetada como obra de arte, é reinterpretada nesta exposição nas obras de Laercio Redondo e de Clarissa Tossin. A instalação “Restauro – Lembrança de Brasília” (2009), de Redondo, reproduz um dos painéis de azulejos criados por Athos Bulcão na capital federal. “O que poucos lembram é que a arte participativa brasileira começa em Brasília nos azulejos de Athos Bulcão”, diz o artista, que descobriu em pesquisa que os desenhos dos murais de Bulcão eram decididos pelos operários responsáveis por sua instalação, e

não por ele. Marienbad, a localidade fictícia do filme de Alain Resnais que remete à ilha de ilusões e simulacros do romance “A Invenção de Morel”, de Bioy Casares, é evocada em fotografia do artista argentino Jorge Macchi. A imagem mostra a imitação de um fragmento dos jardins de Versailles em um terreno na periferia de Paris. O resultado é uma espécie de miragem, posicionada entre obras e ruínas. A mesma dimensão ficcional de Marienbad pode ser encontrada no vídeo “Everything is Going To Be All Right”, do holandês Guido van der Werve, que registra um homem caminhando diante de um navio encalhado no gelo.

Instalação de Laercio Redondo (abaixo) faz citação de painel de Athos Bulcão Finalmente, Berlim, como símbolo da desmontagem, da desconstrução e da reorientação dos paradigmas de ordem mundial, está presente em toda a mostra. Está nas fotografias que Carlos Garaicoa tirou das ruínas urbanas de Havana, está na série de desenhos apagados de Carlos Bunga, está na instalação “Pódio para Ninguém” (2010), de Lais Myrrha – um pódio feito de pó de cimento prensado –, e está na aquarela “Leo Can’t Change the World”

(1989), pintada por Leonilson no ano da queda do muro.

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Outro nexo comum à maioria dos trabalhos da mostra são os tons em branco e preto. O branco do mármore da arquitetura de Brasília, no vídeo de Clarissa Tossin, contrastado com o preto do carvão dos azulejos de Laercio Redondo, resulta no cinza do cimento, das pedras e do arame, que dão forma aos trabalhos de André Komatsu, Nicolás Robbio, Antonio Dias e Lucia Koch. Dessa orquestração de tons melancólicos resultam os humores niilistas da curadoria de Luisa Duarte. FOLHA DE S. PAULO - Obras antigas são usadas para debater protestos Fabio Cypriano (04/03/14) É muito oportuno --apesar de bastante raro por aqui-- que museus proponham uma reflexão sobre o atual contexto do país. A mostra "140 caracteres", em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), parte das manifestações públicas que ocorreram no país em junho do ano passado para revisitar seu acervo com questões que poderiam surgir desse fenômeno. A exposição ganha ainda destaque pelo caráter coletivo de sua concepção: foi organizada por 20 integrantes de um laboratório de curadoria do museu, sob a coordenação de Felipe Chaimovich, o diretor da instituição. O título indica uma das leituras que o grupo deu aos protestos: 140 é uma referência ao limite de caracteres para uma mensagem no Twitter, atribuindo assim às redes sociais um crédito pela iniciativa das mobilizações. Do título, a mostra conserva ainda o número de obras, trocadilho fácil, mas aceitável. Contudo, uma das primeiras questões é a baixa quantidade de obras contemporâneas que promovem uma reflexão de fato sobre o país. RESGATE A resposta a esse problema pode buscar dois caminhos: ou o museu tem poucas obras que tratam do país nos anos recentes, ou a produção atual parece distante das ruas, sendo que esta última possibilidade parece a mais correta. Assim, restou à curadoria um exercício de resgate, ao trazer muitas obras dos anos 1970 --que aí sim enfrentavam a ditadura de forma explícita, como em trabalhos em Marcello Nitsche e Rubens Gerchman. Ou então apresentar trabalhos recentes que ganham atualização após os conflitos, como os vidros quebrados de Iran do Espírito Santo ("Ato Único" 3 e 5) ou o cavalete de vidro com estilhaços de bala de Marcelo Cidade ("Tempo Suspenso de um Estado Provisório"). É um tanto estranho que as máscaras feitas por artistas para os bailes do museu sejam também expostas em referencia aos black blocs, assim como alguns textos de parede um tanto piegas, como "minha pátria é minha língua, verde grito de esperança". Mesmo assim, refletir o contexto a partir de um acervo é exercício necessário. FOLHA DE S. PAULO - Obras de brasileiros são vendidas nas primeiras horas de feira em NY SILAS MARTÍ ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK Nas primeiras duas horas do Armory Show, a mais tradicional feira de arte de Nova York, obras de brasileiros como Mira Schendel, Abraham Palatnik, Artur Lescher, Sérgio Sister e Vik Muniz já foram vendidas. À venda no estande das galerias Nara Roesler e Bergamin, duas das seis casas brasileiras na feira, as peças valendo entre US$ 30 mil e US$ 300 mil foram arrematadas ainda durante a abertura da Armory para convidados, na tarde desta quarta (5). No estande da paulistana Baró, obras de US$ 14 mil do artista mexicano Morris, que participou da última Bienal de São Paulo, também haviam sido vendidas. Esse é um momento de transição para o Armory Show. A feira que começou em 1999 passou por um período de decadência, trocou de diretor e agora tenta se restabelecer com a recuperação da

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economia norte-americana e diante da concorrência acirrada com a franquia nova-iorquina da feira britânica Frieze, que acontece em maio. "Enquanto a Frieze é mais 'avant-garde', a Armory é mais tradicional", diz Fabíola Ceni, diretora de vendas da Nara Roesler, à Folha. "Com a recuperação da economia aqui, há espaço para duas feiras em Nova York." Luciana Brito, galerista brasileira que está no comitê de seleção da Armory e tem um dos maiores espaços na feira este ano, não parava um minuto, emendando conversas com curadores e colecionadores. Seu estande tem obras clássicas de Waldemar Cordeiro, pioneiro do concretismo paulista. Muitas delas estavam na retrospectiva dedicada à obra do artista no Itaú Cultural no ano passado. CORREIO BRAZILIENSE – Coleção preciosa Exposição no Paço das Artes, em São Paulo, exibe 116 obras do colecionador Sérgio Carvalho, de Brasília. Ele possui mais de 1,3 mil peças, um dos maiores acervos privados da capital Nahima Maciel

Fotografia de Amanda Melo faz parte da coleção de Sérgio Carvalho: busca por jovens artistas e a descoberta de talentos move o colecionador (05/03/14) Não era o mundo das artes plásticas que fascinava Sérgio Carvalho lá pelo fim da década de 1990. Na época, o advogado se encantava mesmo era pela música e se enfronhava no mundo da produção musical de Brasília. Produziu discos de Beth Ernest Dias, Fernanda Aquino e Renato Vasconcelos. Aos poucos, começou a comprar obras de arte. E a gostar. O apreço cresceu e as compras isoladas viraram mania antes de começar a tomar forma de coleção. “Hoje, sou viciado”,

brinca Carvalho. A música ainda tem lugar cativo na vida do advogado, mas a arte ganhou lugar afetivo e físico. Em casa, ele construiu uma reserva técnica que logo ficou pequena. Aos poucos, precisou distribuir as obras pelo escritório e casa de amigos e parentes. Ao todo, ele contabiliza mais de 1,3 mil obras em uma das maiores coleções privadas de arte contemporânea de Brasília. A curadora Denise Mattar conhece Carvalho há algum tempo e acompanhou o crescimento da coleção. Quando recebeu a proposta de realizar uma exposição no Paço das Artes, em São Paulo, fez uma conexão curiosa: Carvalho admira artistas jovens, em início de carreira, e boa parte dos nomes guardados na casa no Lago Sul passou pela instituição paulista, conhecida pela vocação para incentivar novas gerações. Duplo olhar, em cartaz no Paço das Artes de São Paulo, reúne 116 obras da coleção de Sérgio Carvalho, organizadas didaticamente em grupos cujas temáticas ajudam a fazer um panorama das questões que preocupam os artistas brasileiros contemporâneos. Denise adotou como critério os temas afins. “À medida que fui construindo, inevitavelmente vieram à tona temas da arte contemporânea”, conta. Organizada em seis grupos, Duplo olhar é também um reflexo da maneira como Carvalho coleciona. “O trabalho tem que encher os olhos. Se isso acontece, compro mesmo. E se gosto muito de determinando artista, tento ter o máximo de obras que puder”, revela o colecionador, que não gosta muito de aparecer. Carvalho ficou surpreso e emocionado com a leitura feita por Denise. “Descobri que é possível um monte de leituras”, diz. “Cada curador vai ter uma visão diferente. E eu continuo nessa tentativa de estar descobrindo gente.” Organização Artistas que usam estratégias como acúmulo e ressignificação de objetos foram agrupados sob o título de Non sense stories. São obras nas quais a quantidade de objetos sobrepostos é fundamental

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para a linguagem do artista. Aqui entraram Nelson Leirner, Barrão, Eder Santos e Fábio Baroli, com uma pintura de acumulação de camadas de tintas. Em Memórias, segredos e afins, Denise incluiu artistas que trabalham com fatos acontecidos, revistos e reorganizados. Instalações como Ressaca tropical, de Jonathas de Andrade, mergulham nessa temática. A maquete de uma construção parcialmente destruída e tomada por vegetação exuberante remete a um passado talvez catastrófico. Memórias também fazem parte da obra de Jurandir Valença, que passou dias enfurnado em uma biblioteca em busca de capas de livros antigos para fotografar. Referências é um módulo divertido, formado por obras nascidas da reflexão sobre o próprio fazer artístico. Emmanuel Nassar bebe na arte popular, André Teraiama constrói uma instalação frágil e precária para depois fotografar e filmar a si mesmo na tentativa de escalá-la e Nelson Leirner debocha do mercado em Sohteby’s, montagem feita com o catálogo da casa de leilões. Tessitura é palavra comum no meio musical e Denise achou apropriado abrigar sob essa ideia de conjunto de sons recorrentes de uma peça musical um grupo de artistas cujas obras têm ritmo, forma e cor. Uma instalação de Regina Silveira, uma série de imagens de Hildebrando da Costa sobre os brise-soleil de prédios brasilienses e um ensaio de Guilherme Isnard sobre a Praça Roosevelt antes de ser destruída compõem o módulo. As paisagens contemporâneas também ganharam um agrupamento especial, assim como a fotografia, reunida sob o título de Luz. A mostra se encerra com Narrativas, coincidentemente o módulo com o maior número de brasilienses. Aqui entraram Camila Soato, Elder Rocha, Luciana Paiva e Nazareno. E como Sérgio Carvalho gosta de descobrir novas tendências na arte, ele também acaba de adquirir uma performance do grupo Empreza, coletivo de Goiânia que prefere manter segredo sobre o conteúdo do trabalho. Aquisições de performances são negociações que envolvem ideias, e não um produto final, detalhe que intrigou o colecionador. A performance do Empreza será realizada durante o lançamento do catálogo da exposição, em março, em São Paulo. MÚSICA VALOR ECONÔMICO - No bloco do samba-canção Por Zuza Homem de Mello

Caymmi, o elo da época de ouro da música brasileira com a da sua modernidade (28/02/14) Dá para imaginar como compunham suas canções o baiano Dorival Caymmi e o gaúcho Lupicínio Rodrigues, cujos centenários de nascimento são lembrados neste ano? Inspirados em fontes tão distintas quanto a distância entre a Bahia e o Rio Grande do Sul, como se refletia a influência de suas origens nas melodias e nos versos? Ao confrontar as obras de ambos, levados por essa mera coincidência cronológica, afloram revelações mais fartas do que se

imagina. Começo pelas diferenças. Enquanto Lupicínio é "dark", usando uma linguagem pontiaguda para falar diretamente com o sentimento dos perdedores, Caymmi é exultante e solar em sambas, canções e cantigas. Lupe mergulha de corpo e alma na atmosfera do baixo-astral; Caymmi decola impulsionando para o alto-astral do começo ao fim. Se a obra de Caymmi não se filia a nenhum compositor anterior e, mais surpreendente, não deixa sucessores - como já foi dito pelo historiador Jairo Severiano -, a de Lupicínio tem inegável proximidade com a fase de maior repercussão de Herivelto Martins. No fim dos anos 1940, o cantor Francisco Alves gravou canções de ambos, "Nervos de Aço" em 1947 e "Caminhemos" em 1948,

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que, postas em confronto, sugerem ser do mesmo autor. Lupe e Herivelto são possivelmente os maiores expoentes, em sua época, da canção romântica voltada para o dramático.

Jair Rodrigues, Aracy e Elis, intérpretes dos sambas-canção de Lupicínio Pode-se conjecturar o processo de composição de Lupicínio. Instigado pela boemia dos cabarés gaúchos, pelos desenlaces amorosos - vividos, presenciados ou imaginados -, Lupe trilhou um processo criativo semelhante ao de Noel Rosa: rapidamente transportava enredos de divergências entre personagens para os versos de mais uma canção, expondo aí seu tema predileto, a variada gama de sentimentos entre dois extremos, a paixão e o ódio, que na relação amorosa

podem de uma hora para outra converter-se num só sentimento. Frequentemente narradas na primeira pessoa, o que sublinha sua obra, as canções eram dotadas de letras com uma comunicabilidade direta espantosamente crua e natural. Essa predileção obsessiva pela temática de conflitos desenrolados no cenário de bares e alcovas é a essência da obra de Lupicínio Rodrigues. E essa obsessão acabou por cunhar uma expressão que sela o autor como seu compositor máximo: a do samba-canção dor de cotovelo. Embora o samba-canção "Êta Dor de Cotovelo" seja do compositor santista Lucio Cardim, um emulador natural da linha lupiciniana. Jair Rodrigues, Aracy e Elis, intérpretes dos sambas-canção de Lupicínio O sucesso das canções de Lupicínio, que persiste até hoje e atinge todas as classes sociais pela abundância de nuances no relacionamento amoroso, era solidificado pelas derrotas e perturbações entre dois personagens ou três, em grande parte: o homem, a mulher e a rival. Ou a mulher desejada, o que se julga o tal e o que vem a ser o tal. Cada canção prova diferentes gradações dos miseráveis estados de infidelidade, ressentimento, traição, sofrimento, ciúme, adultério, despeito, vingança, desamparo, melancolia, dor, remorso, ingratidão, solidão, falsidade, saudade, nostalgia, ódio, paixão, mágoa, fingimento, culpa, separação, frustração, obsessão, mentira, desilusão, incompreensão, arrependimento, ilusão, sonho e amargura. São palavras que fundamentam o vocabulário de sua obra, ainda que esporadicamente possam vir à tona sensações de felicidade, amizade, tolerância, devaneio, prazer ou compreensão na sua porção menor. Esse giro quase ininterrupto em torno de uma só temática poderia pôr em risco a grandeza de sua obra, não fosse sua percepção melódica. A essência boêmia no espírito de Lupicínio impelia-o intuitivamente às melodias que se encaixavam e combinavam admiravelmente com suas descrições, que, beirando a singeleza, atingem em cheio o espírito perene dos que buscam febrilmente e a todo risco apenas um momento de amor. No primeiro estudo significativo sobre o mais exaltado compositor gaúcho, "Lupicínio Esquecido?", de 1967, o poeta Augusto de Campos, que com perspicácia o compara a Nelson Rodrigues, afirma que "suas músicas podem lidar com o banal, mas não são banais" e propõe com justeza a fenomenologia da "cornitude" constante em sua obra. Identifico, no entanto, em Lupicínio um modo original, um modo frágil de tratar a "cornitude", com uma ponta de autocomiseração que pode ser validada como apreço, pois ele não teme tornar-se risível ou mesmo ridículo pelos chifres, estado teoricamente depreciativo, mas que, ao contrário, é nele inspiração poderosa, como também em momentos culminantes da prosa e da poesia. Ao cantar suas músicas, como o fez por dois meses em decantada temporada paulistana na boate Oásis, nos anos 1950, Lupicínio dividia o palco com a cumplicidade de uma parte considerável da plateia masculina. E feminina também. Entre os grandes intérpretes de Lupicínio, Francisco Alves e Jamelão foram os mais dedicados, ainda que Ciro Monteiro, Quitandinha Serenaders, Linda Batista, Elis Regina, Paulinho da Viola, Gal Costa e Zizi Possi tenham gravado magistralmente pelo menos uma de suas canções. Entre cantores desse naipe, quem, contudo, mais se envolve com a dramaticidade dos versos e a pungência das melodias é, como fora Noel Rosa, o próprio Lupicínio. Dotado de uma voz débil, supera a impropriedade de um grande cantor, segundo cânones ultrapassados, com interpretações embargadas e contundentes nas poucas, mas preciosas gravações, que deixou. Nada mais emocionante que ouvir o autor cantar suas canções.

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Que o digam os fãs de Dorival Caymmi que tiveram a ventura de vê-lo num palco. Caymmi é o elo da época de ouro da música brasileira com a da sua modernidade. Num palco foi o cantor mais charmoso e dengoso de seu tempo, valendo-se com absoluta naturalidade de expressões faciais marcantes, ora revirando os olhos para o alto, ora fazendo com a boca um biquinho, ambas passíveis de errôneas interpretações. Em Caymmi, e unicamente nele, eram encantadoras. Aquele olhar representava uma manifestação de alegria e o biquinho, talvez um beijinho disfarçado. Em 1965, Caymmi deixou Elis Regina suspirando, rendida com sua presença avassaladora. Recém-chegado de uma apresentação no programa de Andy Williams na televisão americana, foi convidado para "O Fino da Bossa" da TV Record atacando irresistivelmente "Lá Vem a Baiana" e "Saudade da Bahia" para depois dividir com ela seu sucesso do momento, "Das Rosas", a valsa com recitativo, iniciada em 1957 e finalizada sete anos depois. Com ternura na voz convincente e delicada, tessitura de barítono, interpretação enfeitiçada e completo domínio sobre a dinâmica do par voz/violão, Caymmi era fascinante não importa quem mais estivesse no palco. O que se ouvia em uma performance de Caymmi - o uso do violão como um complemento da voz e não um guia harmônico - é uma de suas marcantes criações e representa a herança que seria retrabalhada pelo seu conterrâneo João Gilberto e em seguida por Gilberto Gil e Moraes Moreira, também baianos. Essa foi uma das novidades que Caymmi plantou na canção brasileira. Em entrevista concedida a Roberto Jardim para o "Folhetim", em 1979, Caymmi descreve seu modo de criação abordando a tão comentada lentidão do processo, que, já se viu, podia durar anos: "Existe o tema, do tema você desenvolve, eu não faço nada mais do que isso. Quando o tema se apresenta a ponto de ser uma canção, inesperadamente a canção sai. E eu só faço nessa condição. Por isso sou conhecido como preguiçoso. Eu não faço a canção a não ser espontaneamente, eu não tenho fábrica de canções". Suas composições se ramificam em gêneros tão característicos que, deve-se ressaltar mais uma vez, é inútil querer compará-lo com quem quer que tenha atuado na canção brasileira de qualquer época. Com 23 anos, portando uma mala e um livro de Stefan Zweig, desembarcou do Itapé no Rio, em 1938, onde esperava conseguir trabalho como ilustrador, o que praticava ao mesmo tempo que a música em Salvador. Aos poucos, foi mostrando os balangandãs e acarajés da boa terra que tiveram o condão de lhe indicar e abrir o caminho para sua arte. Trouxe para o Sul encantos da Bahia na forma de três vertentes, que já desenvolvia em paralelo, numa divisão proposta por ele mesmo no seu livro "Cancioneiro da Bahia": canções do mar e dos pescadores, tais como "O Mar" e "É Doce Morrer no Mar", genericamente descritas como praieiras, um gênero que só ele cultivou; canções sobre motivos folclóricos, por ele recolhidas na Bahia, "da boca criadora do povo em rodas de samba, em brinquedos infantis, em festas populares", como "Roda Pião" e "A Preta do Acarajé"; e sambas, os assim chamados de remelexo, como "O Que É Que a Baiana Tem?" ou "Você já Foi à Bahia?". A parte mais original da obra de Caymmi reside nas canções praieiras, temática nunca abordada, nem antes nem depois, em que revela com elevado grau emocional e profundidade personagens e cenários justificados por ele mesmo ao se descrever como "nada mais que um homem do cais da Bahia, devoto eu também de Iemanjá". O pescador ("o pescador tem dois amor/ um bem na terra /um bem no mar"), a jangada ("Seu Bento foi na jangada/ e a jangada voltou só"), o vento ("Vamos chamar o vento"), a partida ("vou trabalhar/ meu bem-querer"), o perigo ("pescador não vá pra pesca / na noite de temporá"), a sereia ("Minha sereia é moça bonita/ nas ondas do mar aonde ela habita"), o desfecho ("É doce morrer no mar/ nas ondas verde do mar"), a praia, as ondas e o mar ("O mar quando quebra na praia/ é bonito, é bonito") integram esse mundo à parte na canção brasileira, um mundo calcado na poética praiana tangida pela sonoridade. O violão de Caymmi nas canções praieiras rodeia sua voz com tamanha propriedade ("Lenda do Abaeté") que não se consegue concordar com nenhum outro pano de fundo que possa superar com tanta singeleza suas interpretações nas canções do mar. É nas canções sobre motivos do folclore que o baiano Caymmi se aproxima do pernambucano Luiz Gonzaga, de trajetória artística praticamente idêntica na viagem definitiva de suas vidas, ao deixar o Nordeste para tentar carreira na então capital federal. O Rio, sede inquestionável da Música Popular

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Brasileira da época, era o destino inevitável para quem alimentasse o desejo de proclamar sua atividade como cantor de rádio. Ao atuar como memorialistas de cantos populares anônimos, Gonzaga e Caymmi se deixaram levar pelos costumes e melodias de suas origens, o que exerceu forte motivação nas obras que constituíram. Caymmi preservou trechos de pregões de rua, motivos populares e cantigas de roda, estribilhos de rituais e pontos de candomblé em nagô, sambas do tempo da escravidão, cantos e parlendas infantis, cantigas de ninar entoadas "pelos doces lábios maternais" segundo ele próprio, um precioso material nativo sem procedência registrada que seu apurado senso estético e sua memória impediram perder-se em definitivo. Essa é a riqueza de diminuto valor comercial inversamente proporcional à sua valiosa contribuição para a cultura brasileira. Os sambas sacudidos de Caymmi têm uma brejeirice ("Deixa de lado essa coisa de dengosa/ anda Rosa, vem me ver" em "Rosa Morena") e um requebro próprios, diferentes do samba carioca, bem mais adotado pelo Brasil afora, em especial durante o período carnavalesco. "O samba carioca tem uma forma especial, uma malícia de ritmo que obedece a um sincopado que nada tem a ver com o remelexo do samba baiano", esclareceu Caymmi ao crítico Tárik de Souza. O samba baiano, cuja levada foi evidenciada recentemente no estupendo CD ao vivo da baiana Mariene de Castro "Santo de Casa", tem na obra de Caymmi esse requebro langoroso ("Ela mexe com as cadeiras pra cá/ ela mexe com as cadeiras pra lá" em "A Vizinha do Lado"), essa meiguice envolvente ("Tudo, tudo na Bahia / faz a gente querer bem" em "Você já Foi à Bahia?"), essa sensualidade buliçosa ("Esse diabo sambando é mais mulher/ e se eu deixar ela faz o que bem quer" em "Lá Vem a Baiana") que são logo sentidos no ar e na pele ao descer do avião no aeroporto de Salvador. Da Bahia emana desde o primeiro momento o estado de espírito mais contagiante do Brasil. É idêntica à sensação que se tem em Nova Orleans. Pois foi justamente esse contágio que deixou o mundo da música do Rio de juízo virado desde que Dorival Caymmi lá chegou. Nada do sestroso Caymmi tem a ver com o passional Lupicínio Rodrigues. Terminam aqui as diferenças. O ponto de contato entre os dois reside na maior parte da obra do gaúcho e na porção menor das canções do baiano. Reside no samba-canção. Os "tô de mal com você" com que seu filhinho Dori esbravejava contra o pai eram um tema. Um bom tema que, sua sensibilidade e cultura musical levou-o a perceber, não combinava com um samba de remelexo, pedindo um rumo novo. Assim nasceu "Marina", o primeiro samba-canção na obra de Caymmi. Não é que morando no Rio já havia quase dez anos Caymmi tivesse deixado a Bahia de lado. Vivendo no Rio criaria ainda "A Lenda do Abaeté" (1948), "Canoeiro" (1950), "Maracangalha" (1956), "Eu Fiz uma Viagem" (1956), a suíte "História dos Pescadores" (1956), "Das Rosas" (1964) e terminaria "João Valentão" em 1953, novas obras-primas de sua espremida produção em pouco mais que cem canções. No entanto, como um cantor adotado pelo Rio, adorado no meio artístico e benquisto na alta sociedade carioca iria ignorar que novos temas à sua volta poderiam sugerir sambas-canção? Braguinha já fizera "Copacabana", Ary fizera "Na Batucada da Vida" e "Inquietação" nos anos 1930 e apostaria novamente no samba-canção compondo "Risque" em 1952. Assim, posso entender que Dorival Caymmi absorveu a atmosfera da zona sul do Rio para criar os mais de dez requintados sambas-cancão que compõem a quarta e valiosa ramificação de sua obra: "Marina" (1947), "Saudade" (1947), " Adeus" (1948), "Nunca Mais" (1949), "Você não Sabe Amar" (1950), "Sábado em Copacabana" (1951), "E Eu sem Maria" (1952), "Não Tem Solução" (1952), "Nem Eu" (1953), "Tão só" (1953), "Rua Deserta" (1954) e "Só Louco" (1956). Alguns deles com recitativos, alguns em avançada sequência harmônica e todos na temática da relação amorosa. Enquanto Lupicínio determina em "Nunca": "Nunca!/ Nem que o mundo caia sobre mim/.../ as pazes contigo eu farei", Caymmi aconselha em "Nunca Mais": "Terminar nosso amor/ para mim é melhor/ para nós é melhor/ convém a nós/ convém amor". Eis o espaço que distancia os sambas-canção de um gaúcho e de um baiano. Eis também o porquê de o samba-canção unir suas obras, cada qual cultivada à sua maneira, mas em torno de um gênero fundamental da Música Popular Brasileira, pois é nele que está presente a modernidade melódica e harmônica que conduziria fatalmente, graças à genialidade de João Gilberto, Tom e Vinicius, ao desabrochar da bossa nova, que abriria cabeças para a nossa mais destacada forma de arte, a música popular.

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Convém, neste ponto, ressaltar que além de Lupicínio e Caymmi também se comemora em 2014 o centenário de uma das mais representativas vozes femininas em torno do samba-canção: Aracy de Almeida, nascida no subúrbio carioca de Encantado. A voz fanhosa de quem canta pelo nariz foi motivo para desclassificá-la como cantora extraordinária que foi, uma imperdoável falta de percepção. Em rádio, cantou pela primeira vez em 17 de agosto de 1934 na Rádio Educadora, ocasião em que ela e Noel Rosa se cruzaram. Foi o ponto de partida da amizade, de uma vida dedicada à obra do poeta da Vila, gravando pela primeira vez parte de suas composições, como "Feitiço da Vila", "Palpite infeliz" e "X do Problema" - esta Noel lhe entregou ainda quente no Café Trianon, rabiscado no papel de um maço de cigarros Odalisca. Também recebeu dele no leito de morte o pungente "Último Desejo". Talvez os sambas-canção de Noel tivessem permanecido esquecidos, como estiveram depois de sua morte, em 1937, não fosse a determinação de Aracy em programá-los no repertório da sua temporada de quatro anos, iniciada em 1948, na concorrida boate Vogue. A obra de seu querido protetor, amigo de mesa de bilhar, de cerveja Cascatinha, de boemia em cabarés, ressurgiu e foi regravada em grande estilo a partir do álbum de discos de 78 rotações que envolvia Aracy de Almeida e o arranjador Radamés Gnattali em 1950 com soberbas interpretações de seis de suas canções. Repetiram a dose um ano depois e, daí em diante, a música de Noel Rosa se elevou para o posto que sempre mereceu. Araca era um caso à parte: vestia-se com modelos exclusivos do costureiro Dener revezados com calças folgadas, a ponto de ser tachada de sapatão. "Nerusca de pitibiriba" - costumava rejeitar nas expressões de gíria da qual se servia e abusava com inteligência e sem receio em qualquer situação, no meio de grã-finos ou de motoristas de caminhão. Em ambos era o centro das atenções. Professava e lia a "Bíblia", divertia-se com livros de sacanagem, possuía quadros de museu, era uma figura sem par no meio musical e naquele pelo qual ficou conhecida nos últimos anos, jurada dos programas de Silvio Santos. Como se fosse possível apagar da história a intérprete por excelência do samba-canção. Neste ano será celebrado o centenário dessas três figuras que o professaram: a Dama do Encantado, Aracy de Almeida (19/8/1914-20/6/1988), o passional Lupicínio Rodrigues (10/9/1914-27/8/1974) e o sábio Dorival Caymmi (30/4/1914-16/8/2008). Preconizaram a grandeza da Música Popular Brasileira pelo mundo. VEJA – O bloco do bolerão elétrico Novo febrão musical da Bahia, o arrocha, surgido nos bailes e nas boates populares, já tem seu primeiro hit nacional. E influencia a música sertaneja Sergio Martins e Jonne Roriz Os encantos da praia baiana de Itapuã foram cantados (e talvez exagerados) por Vinícius de Moraes e Dorival Caymmi. Mas o público do Língua de Prata, casa de shows do lugar, não quer saber de bossa nova ou samba tradicional. Ele veio ouvir Nara Costta. que, no dia 7, estava lá para lançar seu novo disco — produzido de forma independente e distribuído para todos os que compraram ingresso. "Lu poderia ter feito essa festa em qualquer outro lugar. Mas jamais abandonaria meu público", diz ela, do palco, para um grupo de fãs cujo visual parece muito com o seu próprio: silhuetas generosas realçadas por vestidos curtos e justos e frondosas cabeleiras. A apresentação de Nara passa por alguns contratempos. Após a segunda música, cai a luz no Língua de Prata. Os frequentadores mais exaltados manifestam sua frustração quebrando garrafas de cerveja no chão. Pouco tempo depois, com a energia restabelecida, Nara Costta retoma seu repertório de bolerões dramáticos e baladas do pop internacional, interpretadas no mais puro embromation — quando o cantor substitui a letra original por uma engrolação que soa vagamente como o inglês. O público, então, mostra a que veio o arrocha, o ovo febrão musical da Bahia: dança grudado, enroscado. Ou, em uma palavra, "arrochado" O arrocha é o maior fenómeno popular baiano depois do estouro da axé music? em meados dos anos 1990. Originou-se no Recôncavo Baiano, mais especificamente em Candeias, a cerca de 45 quilómetros de Salvador — ou, ainda mais especificamente, nas boates frequentadas pelo público

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pobre da cidade. Os cantores que lá se apresentavam costumavam se valer de teclados com batidas programadas, dispensando os serviços de um baterista. Os mais sofisticados também traziam ao palco um guitarrista e um saxofonista (e o saxofone hoje é peça essencial do arrocha). As serestas e os boleros executados por essas minibandas induziam o público a dançar apertadinho. Ou, como se diz no Nordeste: os casais "se arrochavam". "Depois de um tempo, ninguém dizia mais que ia ao baile ou à seresta. Dizia que ia no arrocha", explica o cantor Pablo, pioneiro no uso do termo para definir o que agora tem sta-tus de novo estilo musical (embora seja quase sempre apenas uma versão mais acelerada do velho bolero). Ex-vocalis-ta do Asas Livres, Pablo foi um dos primeiros desbravadores do género, ao lado de Márcio Moreno (que hoje se converteu em cantor evangélico) e Tayrone Cigano. A maior parte dos "arrocheiros" lança discos em esquema independente, mas Pablo chegou a outro patamar: grava pela Som Livre, selo das Organizações Globo. Sua banda não usa mais as irritantes batidas eletrônicas do teclado: ele dá shows acompanhado de bateria, percussão e até naipe de metais. O cantor se apresentou na última noite do Festival de Verão, evento tradicional de Salvador, sempre estrelado pela primeira linha do pop, rock e axé baianos. Os astros do arrocha são de origem humilde. Muitos eram arrimo de família. Pablo, que hoje faz show em casas caras, conta que desde os 7 anos foi obrigado pelo pai a se apresentar na noite. "Era cantar ou apanhar*', lembra. Silvanno Salles engordava a renda familiar vendendo puba — uma massa extraida da mandioca — e frutas na feira. Salles nasceu com uma mão atrofiada e sofreu, de verdade, o que hoje se trivializou com o nome de bullying. "Muita gente caçoa de mim pelas costas. Mas o meu lema sempre foi Talenv bem ou falem mal mas falem de mim'" diz o cantor, com impecável exibicionismo pop. As letras do arrocha são diretas, de fácil assimilação e, como se tornou quase obrigatório na música popularesca, repletas de insinuações sexuais meio infantilizadas. Eis Bilu Bilu, hit de Pablo: "Como criança em seus braços / Eu me sinto um rei de sangue azul / Gosto quando encosta em meu nariz / E faz bi-lu bilu bilu bilu". Os dois sucessos mais recentes de Silvanno Salles (ambos compostos por Kardec Souza) fazem mais a linha "ostentação". Despedida de Casado comemora um divórcio ("A festa é minha, vou chamar quem eu quiser / Vou tornar todas até não aguentar em pé") e Minha Doblô alude ao carro. Sil-vanno, aliás, tem um Camaro, uma Paje-ro e um Corvette, todos brancos. Diferentemente do sertanejo e do axé, o arrocha ainda enfrenta resistência entre o público das classes A e B. "Há uma mistura de preconceito social e estético, pois é um género que faz sucesso nos bailes de periferia, e seus astros não são exatamente o que se convencionou chamar de 'gente bonita"5, analisa Hagamenon Brito, crítico musical do Correio da Bahia e criador do termo "axé music". Mas o bolerão elé-trico já encontra guarida entre nomes do novo pop baiano. As cantoras Taís Nader e Marcela Bellas criaram composições inspiradas no arrocha. O Baia-naSystem, grupo que faz um ebó sonoro de música baiana, reggae e dub, usou o arrocha na canção Terapia. "Nós tínhamos uma base na qual identificamos células do arrocha. Decidimos usá-la na canção, sem medo. Mas não foi nada pensado", desculpa-se o guitarrista Roberto Barreto. E o baiano Lucas Mattos Karr, que usa o incrível pseudónimo Kart Love, já canta em bailes de arrocha destinados a um público que jamais pisaria no Língua de Prata — ele é o criador do "arrocha universitário". Enquanto na casa de shows de Itapuã os casais dançam grudadi-nhos, como manda o nome do género, no show de Kart Love na cidade de Lauro de Freitas os jovens pulam como se estivessem numa balada sertaneja. Protegido de Pablo, com quem gravou Vai Lembrar, Kart Love defende o arrocha dos detratores. "Falam mal das letras. Mas se você pegar urna canção como November Rain, do Guns N' Roses, vai perceber que a letra parece saída de um disco de arrocha", compara. O arrocha ainda está longe de alcançar a repercussão nacional de que a axé music gozou. Mas os cantores de sertanejo universitário farejaram o potencial comercial do estilo. Rene Júnior, gerente artístico do segmento popular da gravadora Som Livre, reconhece elementos de arrocha em canções como Camaro Amarelo, de Munhoz e Ma-riano, e Vem ni M/m, Dodge Ram, de Israel Novaes (note-se a linha temática automobilística, presente também em Silvanno Salles). Outros sertanejos estão indo direto à fonte: Gusttavo Lima escolheu como canção de trabalho Fui Fiei sucesso de Pablo. O baiano não gostou muito: "Fiquei chateado. Mas sei que no Nordeste as pessoas vão escutar mais a minha versão que a do Gusttavo". O arrocha só rompeu o bloqueio regional de fato com o estouro de Lepo Lepo, do Psirico. Para Márcio Victor, cantor e líder do grupo de pagode (e um dos percussionistas mais requisitados do país), a composição seria o "arrocha do futuro": mistura o bolerão elétrico — com seu indefectível saxofone—a elementos de sertanejo e pagode. Lançada em setembro de 2013, Lepo Lepo desde então vem ganhando bailes e rádios — e, claro, com a própria

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coreografia, item carnavalesco essencial na Bahia. Não escapou da regrava-cão sertaneja: o cantor Cristiano Araújo a incorporou ao repertório. Lepo Lepo impulsionou a carreira de seus autores, Magno Sant'anna e Filipe Escandurras (de batismo, Felipe Costa Silva: o nome artístico é uma homenagem ao guitarrista Edgard Scan-durra, do grupo de rock Ira!). Eles também são autores de Fui Fiel, a tal canção de Pablo que foi gravada por Gusttavo Lima. Mas é graças a Lepo Lepo que o cacife da dupla subiu (durante a entrevista que eles deram a VEJA, num lobby de hotel em Salvador. Sanfanna foi abordado por um empresário em busca de uma canção com o mesmo potencial: "Você não tem um Lepo Lepo para mim?"). Sanfanna pensa em patentear a expressão e não esconde o incomodo de ainda ser desconhecido. "Ontem, no shopping, tocou a música numa loja de bonés e um amigo meu disse ao vendedor que a composição era minha. O sujeito não acreditou. Disse que era do Márcio Victor, do Psi-rico", indigna-se. Ah, sim, embora a coreografia da canção inclua movimentos de erotismo não muito sutil, seus autores afirmam que "lepo lepo" significa — veja só que singelo — apenas "amor". "Ê o antifunk ostentação. Todo mundo fala de dinheiro e carro, mas a gente queria mostrar o sujeito que não tem nada a oferecer além de amor", explica Sanfanna. Duas décadas após o estouro do axé, o arrocha prepara as armas para mais uma amorosa invasão baiana. KOMPAS (INDONÉSIA) - The Atmosphere of World Cup 2014 in Java Jazz The atmosphere of Brazil, which will host the World Cup 2014, is in the Jakarta International Java Jazz performances or Java Jazz Festival this year. Some flavors of samba jazz performances will be parting of the 10th Year Edition of the Java Jazz Festival, which will be held in JIExpo Kemayoran, Central Jakarta, 28 February-2 March 2014. "We are very proud of the performances of this festival which has entered its 10th year. We have a fantastic program this year, we had 50 Brazilian artists who will take part in the Java Jazz festival to enliven the World Cup," said Program Director Java Jazz Mr. Paul Dankmeyer at press conference at Hotel Borobudur, Central Jakarta, Wednesday (26/02/2014). Dankmeyer explained, jazz samba flavor will be presented by music artists from Brazil, among others, Tania Maria, Thiagu Gentil e Robertinho Silva, The Bossanova of Paula Morelenbaum, and Thais Motta & Marvio Ciribelli. In addition to them, a number of international music artists have been confirmed to appear. "For Friday (28/02/2014), you can watch Jammie Cullum, Snarky Puppy, Ron King Big Band. Saturday, you can watch Incognito, which is popular in Indonesia. Then on Sunday, there is the daughter of legendary jazz musician Nat King Cole, Natalie Cole, and there are also performances Tribute to George Duke, jazz musician who recently passed away, "said Dankmeyer. Dankmeyer added, edition 10 years of Java Jazz in a day will present 60 performances, during the three days there will be more than 180 shows, and 385 foreign music artists plus a thousand more Indonesian music artists will take part. O ESTADO DE S. PAULO – O tempo corre e alcança João Donato Julio Maria (01/03/14) Quarenta e um anos depois de gravar Quem É Quem, João Donato fez o primeiro show com o repertório deste álbum de 1973 na noite de quinta-feira,no Sesc Pinheiros. Causou comoção com nostalgia, riso com sutileza, surpresa com êxtase e um certos entimento de culpa. Quando se passam 41 anos para que um disco considerado o mais importante da carreira de um homem de 80 e um dos mais nobres da discografia brasileira chegue ao palco (a Revista Billboard já o considerou assim e Caetano Veloso acaba de colocá-lo em sua lista pessoal, enviada ao jornal espanhol El País), é porque algo de sério deu errado. A gravadora o desprezou, os críticos não entenderam, as pessoas não o compraram. Não importa mais. Pouco tempo depois de Donato subir ao palco, bastava estar vivo para sentir a felicidade sendo beliscada por algum sentimento qualquer de impotência. Não há em Donato uma nota que o faça difícil, um experimentalismo que o torne intransponível. A demora que o mundo levou

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para abraçá- lo pode ter explicações metafísicas no tempo e no espaço. Em 1956, quando a bossa nova começava a ser desenhada, sua cabeça estava no jazz e na música afro-latina do final dos anos 60. Em 1973, quando o soul se alinhava com a música brasileira, suas mãos já tocavam em algum piano do século 21. Donato pagou o preço por viver os anos errados nos lugares certos. A prova dos nove foi tirada na noite em que Quem É Quem foi executado nota a nota, faixa a faixa, com alguns improvisos e um tanto de histórias que fizéramos 31 minutos e 48 segundos do disco original virarem 1h30. Como se o tempo ajustasse os ponteiros com o universo, sua música sai hoje sem poeiras de bossa nova nem pretensões de vanguarda cool. O mundo, 40 anos depois, o alcançou. A seu lado estávamos sete instrumentistas do Bixiga 70, jovem grupo de São Paulo, dos mais celebrados nos últimos anos por fazer um instrumental hipnótico e embriagado de funk, música africana e caribenha. Uma sensação que enche as casas de shows em que se apresenta e que bem poderia estar no estúdio da Odeon, em1973,gravando justamente Quem ÉQuem. A música de Donato tem sua força no groove,o que ele prefere chamar de looping. Esses giros incessantes e cheios de suingue, de baixo unido em matrimônio com bateria, guitarra em riffs malandros e uma cama de metais sobrepostos para deixar as teclas do Fender Rhodes brincarem à vontade, são a chave que o deixa atemporal. A estética “ nova” dos anos 70, ressuscitada pela lógica de movimentos cíclicos,sustenta algumas dezenas de formações que passaram a se colocar de joelhos diante da imagem de homens como João Donato e Eumir Deodato nas últimas décadas. As diferenças de idade e gerações desaparecem quando o pianista chama Mariana Aydare Tulipa Ruiz para cantá-lo. À vontade em um universo que sempre foi delas também, não se comportam como se cantassem um clássico de Tom Jobim com 10 toneladas nos ombros, mas como quem acaba de descobrir uma canção nova e fresca. Mariana não dançou mais por falta de espaço em Cala Boca Menino e cantou com leveza, sem parecer viver um pesadelo por substituir a voz original de Nana Caymmi em Mentiras. Tulipa, sentada ao lado do pianista, se entregou como criança em A Rã, entusiasmou- se com Flor de Maracujá e pintou o quadro mais belo da noite quando cantou a sinatriana Até Quem Sabe, caminhando por cantos perigosos da alma. Marcos Valle tinha de estar lá em Cadê Jodele Fim de Sonho. Foi ele quem insistiu com a Odeon para que gravasse o disco de Donato em 1973. Muito a contragosto, e só depois de Marcos Valle prometer cuidar do amigo, a companhia aceitou a gravação como se fizesse um favor. E fez. Só teve o azar de não viver no mesmo tempo e no mesmo espaço que João Donato. O GLOBO – "Vibe" de recomeço Som maduro marca novo disco dos Raimundos, 20 anos depois da estreia fonográfica Com lançamento digital marcado para a primeira quinzena de março, ‘Cantigas de roda’, realizado com a ajuda dos fãs, busca reeditar a vibração que marcou, há 20 anos, o primeiro disco da banda Silvio Essinger (03/03/14) RIO - Em 2014, fatalmente os caçadores de efemérides iriam se deparar com o aniversário de 20 anos de “Raimundos”, álbum de estreia do grupo brasiliense de mesmo nome. Cruza improvável do punk hardcore cheio de impropérios dos Ratos do Porão com o forró de duplo sentido ao quadrado do sanfoneiro Zenilton, o disco arrombou as rádios (com as faixas “Selim”, “Be-a-bá”, “Puteiro em João Pessoa”), arrebatou adolescentes rebeldes e arremessou o grupo nos principais palcos do país. A data redonda proporcionaria uma feliz oportunidade para lembrar o legado de um dos principais nomes do rock brasileiro em sua maturidade... se ele não estivesse aí, ainda fumegando, raivoso e sacana, lançando mais um disco de inéditas, “Cantigas de roda”. — Não dá para comparar esses dois discos, o primeiro vai ser sempre o primeiro — zanga-se o guitarrista (e hoje também vocalista) Digão. — O que eu vejo de comum entre o “Raimundos” e o “Cantigas” é a espontaneidade, são discos viscerais. Eles têm sagacidade, foram feitos na raça mesmo. O primeiro era mais tosco e esse agora tem a vibe do recomeço.

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Com lançamento digital marcado para a primeira quinzena de março, o novo disco é o primeiro de inéditas dos Raimundos desde “Kavookavala”, de 2002, que o grupo gravou após a saída do vocalista Rodolfo Abrantes. Digão assumiu os vocais e chamou o guitarrista Marquim para auxiliá-lo. O baixista Canisso saiu em 2002 e, depois disso, a banda viveu tempos incertos. Em 2007, a volta de Canisso e a entrada do baterista Caio deram injeção de vida ao grupo, que lançou em 2011 o CD e DVD ao vivo “Roda viva”. — Desde a volta dos Raimundos que a gente procurava se restabelecer. Com calma, azeitamos a banda. Não queríamos nada apressado — conta o vocalista, que nos últimos anos se dedicou também à dupla folk Dênis e Digão (“meio sertaneja, malucona”), agora deixada de lado (Dênis, por sinal, é o atual empresário dos Raimundos). Em busca da vibe perdida, o quarteto voltou à casa do pai de Digão em Brasília, onde foram feitas as primeiras músicas do grupo, ainda nos anos 1980. Lá, compuseram boa parte do material de “Cantigas de roda”. — A gente foi na fonte mesmo. Foi uma coisa muito pé no chão — assegura o vocalista. — Não queríamos fugir do que é o Raimundos. Num disco em que, como diz, “há certas novidades, mas sem exageros”, Digão não consegue escapar, contudo, do espectro do ex-integrante Rodolfo, que saiu da banda após uma conversaão religiosa e hoje ministra cultos na igreja Bola de Neve. — As pessoas sempre atribuíam todas as letras do grupo ao Rodolfo, mas ele não fazia tudo — informa Digão. —Realmente, ele escrevia a maioria das letras, mas muito vinha da gente. “Eu quero é ver o oco”, “Me lambe” ... começaram comigo e com o Canisso. O Raimundos tem uma forma de falar as coisas que não é literal demais. Tem que botar a imaginação para funcionar. Para gravar “Cantigas de roda”, os Raimundos — banda independente desde o fim do contrato com a Warner — recorreu ao site de campanhas de financiamento coletivo Catarse. Dispunha-se a arrecadar R$ 55 mil , mas a resposta dos fãs foi melhor do que esperavam: bateram a marca dos R$ 120 mil. — Nossos fãs foram peças-chave para esse disco. Nesse período difícil das gravadoras, nessa matemática louca do mercado, eles nos deram uma injeção de confiança — diz o músico. Acostumados a gravar com produtores estrangeiros, os Raimundos decidiram deixar “Cantigas de roda” nas mãos de Billy Graziadei, vocalista do grupo americano pioneiro da fusão de rap e metal Biohazard. Billy é dono de um estúdio em Los Angeles, o Firewater, onde o grupo (exceto Canisso, que não conseguiu visto) passou duas semanas gravando o disco (o produtor veio depois ao Brasil para completar o trabalho com o baixista). — Não era um megaestúdio, mas era tudo de que a gente precisava — conta Digão. — E o Billy é um cara que tem a mão do rock’n’roll. A gente não precisava de luxos e de glamour. O que a gente precisava era de um som de rock. Circuito de festivais Atração de grandes festivais como o Circuito Banco do Brasil (em novembro passado), do Planeta Atlântida (no começo do mês) e do Lollapalooza (em abril), os Raimundos não saem da estrada. Eles esperam fazer o lançamento carioca de “Cantigas de roda” no Circo Voador (“a nossa casa”, derrama-se Digão) e se surpreendeem com a renovação do seu público. — Os moleques que tinham quatro anos de idade quando os Raimundos estavam bombando hoje podem ir aos shows — comemora ele, sem exagerar, porém, no otimismo em relação ao momento do rock no país. — Tô achando o brasileiro tão bundão, a cada dia mais preconceituoso e politicamente correto. As bandas estão certinhas demais, sem criatividade, pensando só em fazer música para o rádio. O rock veio para transgredir, não para agradar. Sou muito chato para gostar de algo, tenho que gostar muito. A pior coisa de se dizer é “essa bandinha é tão legal!”. O legal é o começo do ruim.

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A insatisfação de Digão se estende à política brasileira, como se pode ver na canção que encerra o disco, a dura “Politics”. — Tudo começou muito bem nas manifestações de junho, me bateu uma esperança grande. Mas depois entraram os interesses políticos que desvirtuaram tudo e acabou virando baderna, coisa de vagabundo. Infelizmente, a gente perdeu um momento muito interessante. O GLOBO – Romântico possível Num disco que cita nos versos referências como Leonard Cohen e Noel Rosa, o paulistano Gustavo Galo estreia solo em canções de amor contundentes e leves Leonardo Lichote

(04/03/14) Curioso o número de referências que saltam, citadas nominalmente, nas canções de "Asa", disco de estreia solo do paulistano Gustavo Galo. Cantor e principal compositor da Trupe Chá de Boldo, o artista lista ao longo das onze faixas nomes como Patti Smith ("Um garoto"), "Rita Zeca Cauby Mutantes" ("Cantei, cantei"), Noel Rosa ("Asa"), Leonard Cohen ("Cama") e Clementina de Jesus ("Nosso amor é uma droga"). Mas Galo não usa do procedimento para traçar uma teia-bula que supostamente explicaria sua música. É bem mais interessante que isso - o artista é mais que uma soma das referências. O compositor carrega - seja desenvolvido do zero, seja trazido da combinação de suas influências citadas ou das que dispensam a citação, como Walter Franco, de quem ele grava "Eu te amei como pude (Feito gente)", e Tom Zé, de quem se aproximou ao participar do

EP "Tribunal do feicebuqui"- o romantismo possível, o drama tornado leve pela autoironia ou pelo olhar distanciado que os personagens lançam sobre si mesmos. Não há cinismo, porém. A frase de Franco "Eu te amei como pude" é, nesse sentido, uma síntese da equação romantismo-realidade. Em "Tomara", por exemplo, a imagem forte do "Enterrei meu coração numa praça" é suavizada pelo humor (triste, mas humor) do "organizo saraus de vermes/ Aos sábados/ Domingos/ Feriados" e pela conclusão sobre o coração enterrado: "Tomara que nasça". Os exemplos são muitos. Há a declaração de amor sem peso, mas contundente, de "Cama" ("Se eu decidir ficar/ Sonhe com algo bacana/ Faça de conta que vai/ Tudo bem"). Ou o alerta da distância que se estabeleceu entre o casal em "Só": "Eu só sei/ Que a sala ficou imensa/ (...) Eu só sei/ Que viver só não consigo". Galo tem a companhia de parceiros como Arruda, Peri Pane e Marcelo Segreto. Outros nomes se agrupam no disco, que traz entre seus convidados Lirinha, Alzira E., Mauricio Pereira e Ava Rocha. Apoiando as letras, a música de Galo. Cultor da canção, ele cruza os caminhos de Chico Buarque e dos malditos, as trilhas do brega dos 1970 e da São Paulo mais Cool Dos 2000 - sempre mirando o encontro verso-melodia. A produção de Gustavo Ruiz e Tatá Aeroplano é primorosa, não só pela navegação por diversos gêneros como também pelo uso de timbres originais dentro deles - ouça o classic rock funkeado de "Eu te amei como pude", com cello, Rhodes e guitarra fuzz, ou o minimalismo épico de "Asa". É a faixa-título aliás, que encerra o belo disco - que começara com um coração enterrado - com o verso "A terra goza". O GLOBO – O "Batuqueiro" Gustavo da Lua sai em viagem solo em busca da própria voz Percussionista da nação zumbi lança seu primeiro disco de forma independente Carlos Albuquerque

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Um novo ritmo. Disco do músico, que também fez parte do Sheik Tosado, tem participações de Fernando Catatau, Pupilo e Rodrigo Brandão (05/03/14) Gustavo Da Lua gira em torno do próprio eixo. Quem for ouvir as músicas do seu álbum de estreia, "Radiantesuingabrutoamor", disponível em streaming há algumas semanas, vai encontrá-las rodando em uma ordem inversa à do disco físico, que chega às lojas no começo do mês. Ou seja, a primeira a tocar vai ser "Camel toes", com sua levada de surf music, que, na

verdade, é a faixa que encerra o CD e o vinil, que sai em maio. Segundo o percussionista da Nação Zumbi, a ideia era mostrar que a ordem dos fatores não altera o seu produto final, lançado de forma independente. - Achei que seria legal oferecer à esses primeiros ouvintes uma disposição inversa do disco original, com as faixas em ordem trocada, para mostrar que a unidade do disco poderia se manter mesmo assim - explica ele. Independentemente da ordem, as 13 potentes faixas do disco - que tem flertes com coco, carimbó, bolero, hip-hop e Jovem Guarda - revelam um artista surpreendentemente seguro à frente do próprio trabalho, após anos atuando com a Nação, com o Sheik Tosado (do qual foi um dos fundadores, ao lado de China) e com Otto, Los Sebozos Postizos e Seu Jorge & Almaz. - É um resumo de tudo o que eu gosto, de tudo o que ouvi, de tudo o que eu toquei. Quis fazer um disco bem livre - conta Da Lua, natural de Olinda e residente de São Paulo há 12 anos. O desejo de partir em viagem solo se deu em 2010 quando Da Lua foi convidado por Fernando Catatau para interpretar uma das músicas que o líder do Cidadão Instigado estava compondo para a trilha do filme "Transeunte", de Eryk Rocha. Foi a partir dali que o percussionista partiu em busca de sua própria voz e do seu próprio estilo. Comecei a compor mais intensamente desde então, até chegar às 13 faixas do disco. Foi um desafio encontrar não apenas minha própria sonoridade e estilo de compor, mas também a minha própria voz, já tendo trabalhado com tantos cantores, inclusive o Chico (Science ) - diz ele sobre o disco, que tem participação de Rodrigo Brandão, Pupilo, Jr Black e do próprio Catatau. - Acho que acabou ficando um grande tratado sobre relacionamentos amorosos, com muito ritmo por trás. É o batuqueiro se encontrando como compositor. FOLHA DE S. PAULO - Em novo trabalho, Romulo Fróes busca 'beleza onde não há' MORRIS KACHANI DE SÃO PAULO Na noite de uma quarta-feira chuvosa, o cantor e compositor Romulo Fróes reuniu sua turma para apresentar, em clima de ensaio aberto, na pequenina Casa de Francisca, em São Paulo, suas mais recentes canções, fruto de parcerias com o artista Nuno Ramos, entre outros. Na plateia, estavam presentes o "pós-sambista" Rodrigo Campos, o rapper Criolo e a cantora Juçara Marçal, que, com voz potente, vem se afirmando na cena independente —ela acaba de disponibilizar um trabalho, "Encarnado", para download gratuito em seu site. Acompanhado por um baixo acústico e uma guitarra (ficou faltando o saxofone, a cargo de Thiago França, do Metá Metá), Fróes subiu ao palco para apresentar as 17 canções de "Barulho Feio", quinto CD de sua carreira, a ser lançado neste ano. Por que "Barulho Feio"? "Minha única certeza é com relação ao título que escolhi. Porque se trata de buscar a beleza onde não há, criar algo belo com elementos que a priori não o são", diz Fróes. Isso se traduz em canções envoltas em atmosfera enigmática, com elementos distorcidos, criando uma sensação de caos —como a guitarra que se sobrepõe à voz ou um baixo que faz a música ir

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para trás. É, de certa forma, a evolução do experimentalismo que se desenha desde seus trabalhos anteriores.

O cantor e compositor Romulo Fróes Mas nunca Fróes chegou tão longe ao experimentar. É a transgressão da canção clássica que está em pauta, mas sem abrir mão dos fundamentos. Por mais que apareça picotada ou desconstruída, a forma persiste, e a voz e o violão de Fróes são o eixo. "Barulho Feio" é também uma canção em parceria com Nuno Ramos. Fróes foi seu assistente por 16 anos, inclusive durante a polêmica dos urubus na Bienal de 2010. Cercados por uma rede, três urubus faziam parte da obra "Bandeira Branca", de Ramos. Após protestos, o Ibama revogou a autorização que havia concedido e a obra foi desmontada. A música trata do episódio: "Ninguém cantará, ninguém sambará, ninguém pintará, ninguém vai se lembrar de mim". A música de Fróes sempre dialogou com a arte, seja pela sonoridade, seja pela narrativa das composições, sobre temas que aparentemente não tratam de um assunto específico, com imagens fortes. O artista plástico Clima é outro parceiro nas letras. O músico também pretende lançar uma releitura de

músicas de Nelson Cavaquinho até 2015. Embora seja um dos expoentes de uma geração que revirou a MPB, rejeita rótulos: "É difícil falar em nova geração, quando já estou fazendo 43 anos", diz. Para ele, o denominador comum entre sua música e, digamos, a de Mallu Magalhães, Cidadão Instigado, Tulipa Ruiz ou Curumin é a falência da indústria musical. "Somos de uma geração que precisou encontrar meios para produzir, divulgar e construir carreira. A internet é nossa igreja e a diversidade, nossa praia. Agora, falar de MPB e tentar colocar todos debaixo de um guarda-chuva a esta altura é bizarro". A apresentação terminou sob aplausos calorosos. Em fase final de gestação, "Barulho Feio" já mostra consistência única. Ninguém sai do show como entrou.

LIVROS E LITERATURA O ESTADO DE S. PAULO – De volta à ficção Antonio Gonçalves Filho Mais conhecido como crítico de arte, autor de livros fundamentais sobre El Greco, Amilcar de Castro, Goeldi e Nelson Felix, entre outros, o paulistano Rodrigo Naves volta à ficção 15 anos depois de sua estreia com O Filantropo. Seu novo livro, A Calma dos Dias, é igualmente uma obra literária híbrida. Em prosa poética, Naves combina ensaios, pequenas crônicas do cotidiano, reflexões sobre comportamento e perfis de artistas amigos. Tudo isso com o extraordinário talento de um professor de arte avesso à comunicação arbitrária. Em A Calma dos Dias, a linguagem deixa de ser puramente instrumental para estabelecer um vínculo afetivo com o leitor. Trata-se de um esforço reconstrutor de um homem que esteve à beira da morte, à deriva entreocéu e sabe-se lá que estação infernal. Naves, felizmente, continua entre nós. E bem. Ele vai autografar seu livro no dia 22, no Centro Universitário Maria Antonia. A Calma dos Dias chega antes às livrarias (dia 7). É provável que muitos

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de seus leitores tenham conhecido alguns dos amigos de Naves citados na obra (Mira Schendel, José Paulo Paes, Willys de Castro), mas não da maneira como ele os descreve. Essa forma híbrida inventada pelo escritor é um instrumento linguístico submisso ao onírico, não ao mundo da razão, na fronteira de uma revolução morfológica que dispensa o léxico incompleto dos gramáticos, como se estivesse trazendo o cinema para o interior da linguagem literária, dando à palavra um uso particular. O grande crítico literário João Moura Jr., um dos amigos cujo perfil ele tenta (de forma heroica) definir no novo livro, disse, a respeito de O Filantropo, que a “promiscuidade de gêneros” em seu livro de estreia na ficção produzia de imediato um “choque moderno”. Com efeito, trata-se de uma experiência literária pós- cubista, em que a fragmentação dos elementos, ao decompor seus personagens em partes, tentava reconstituilos em sua integridade. Curiosamente, no melhor perfil de A Calma dos Dias, o do poeta José Paulo Paes (1926-1998), de quem Naves foi grande amigo, essa modernidade se traduz na evocação de Merleau-Ponty pelo autor. O fenomenólogo francês dizia (a respeito de Cézanne) que “o melhor de um artista deve ser buscado em sua obra”, resistindo à ideia de cruzar biografia e trabalho. Naves,porém,comenta que são “neuróticos renitentes” como Cézanne que entendem de salvação. Como explicar de outra forma os “epigramas econômicos” de Paes, anteriores ao livro Prosas Seguidas de Odes Mínimas, sem considerar o agravamento da doença do poeta ? De forma semelhante, como justificar a opção pelos epigramas por Naves sem considerar a urgência desse homem, monumento da crítica no Brasil, de compreender os estados experimentados por ele no hiato entre vida e morte? Não é uma inconfidência. Após breve nota introdutória, emque Naves fala de seu retorno à prosa e justifica a natureza híbrida do livro,o autor declara: não está se despedindo. “Acontece que as forças diminuem e julguei por bem me desfazer de parte da bagagem.” Lembra um pouco o personagem John Grant, do perturbador livro de Kenneth Cook,Sobressalto(Wake in Fright), cruzando o árido outback australiano ed espejando sobre a areia os seus livros. Grant, um professor, como Naves, é então conduzido à escada de descida ao purgatório, cercado por caçadores de cangurus que o fazem beber e voltar à mais aberrante barbárie. Em passagens do livro,Naves recorda também suas noites selvagens e etílicas com os amigos (como na narrativa O Balcão e Meu Amigo João). Não chega a matar cangurus, como John Grant, mas faz, a exemplo do professor australiano, um balanço da própria vida e se vê – ele e o amigo João – como “duas corujas velhas, esperando do álcool, das drogas, da noite e dos amigos muito mais do que eles poderiam oferecer”. A forma curta desses relatos torna evidente que a literatura buscada por Naves é a do compromisso comavida, com a própria experiência existencial, o que não significa necessariamente sucumbir ao docudrama ou ao naturalismo rasteiro. Se a descontinuidade do tempo na tela levou à criação do cinema de poesia d ePasolini, no conjunto de textos curtos de Naves é a poesia que anula o tempo e conduz a uma técnica narrativa que inverte essa ordem, como no poema Queda (Cair assim/sem peso/comoum/sabiá). Pasolini, ao falar da morte, em La Religione del Mio Tempo (1961), diz que volta a ela (a morte) como um emigrado a seu país, redescobrindo- o com medo e raiva. A morte está incluída nesse estado, distante para ser percebida, mas próxima demais para seri gnorada – como na visão do sabiá que cai sob o olhar de Naves. É necessário cruzar afronteira entre os gêneros (prosa e poesia, por exemplo) para entender melhor a filosofia – que não é outra coisa além de meditação sobre a morte, como assinalou o historiador Philippe Ariès. Não se conclua por isso que falte humor no livro. O exemplo do ensaio Maritacas, sua incursão no mundo da moda, é divertidíssimo. Nele, Naves compara meninas de top cintura baixa a um bando de maritacas ruidosas que “alegram uma árvore inteira” e são extremamente volúveis. Ele, como todos os outros homens, custam a entender por que, antes de tudo, essas calças devem cair,sendo suportadas apenas pelos ilíacos. Por que, afinal, ceder à gravidadeantes que amorte imponha a esses corpos uma desconfortável queda? Impossibilitado de responder à pergunta, Naves volta-se para o exame da uniformização cultural que, em nossos dias, obriga essas pobres escravas da moda a usar calças incompatíveis com suas cinturas finas e coxas grossas. Voltando ao habitat natural, Naves dedica ao professor de Literatura José Antonio Pasta, irmão do pintor Paulo Pasta, um dos melhores textos de A Calma dos Dias. Nele, o crítico discute a aproximação entre arte e vida e a dimensão lúdica de obras contemporâneas, que reduzem o espectador à condição de idiota. É contra a noção de paródia e comércio artístico (Jeff Koons, por

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exemplo) que se insurge. Os malefícios do capital são denunciados no conto Teoria do Cão. Nele, um homem adota o cachorro de um mendigo, após sua morte, para em seguida ser conduzido pelo vira-lata àsruas e viver da caridade alheia. Enfim, um trágico moderno. ISTOÉ - No tempo de José de Alencar Longa pesquisa histórica revela ambiente e influências do pai do romance nacional, em nova obra de Ana Miranda Ana Weiss José de Alencar inventou o romance brasileiro. Machado de Assis o chamava, por isso, de “o chefe da literatura nacional”. Cearense que levou para as letras a cultura indígena, foi também crítico, dramaturgo, deputado e ministro da Justiça, tendo vivido apenas 48 anos. Mas nasceu Cazuzinha, filho com saúde instável de um padre com uma mulher da mesma família. E se aproximou do poder tendo sido neto da primeira presa política do Brasil, a republicana Bárbara do Crato. Esse é o recorte da pesquisa de Ana Miranda para seu novo romance. “Semíramis” (Companhia das Letras) refaz o caminho de Alencar a partir de seus antepassados de um interior cearense descrito algumas vezes com imagens e cenas extraídas dos próprios textos do autor, que a escritora planejava retratar há muito tempo. O romance nasceu de uma conversa com a também escritora (e também cearense) Rachel de Queiroz (1910-2003), outra descendente de dona Bárbara, a heroína republicana. “Comecei a escrever em 2009. Desde então tentei diversas entradas, uma delas era a Rachel de Queiroz me falando sobre Bárbara do Crato, versão que acabei deixando, mas pude assim recolher muita vivência sertaneja desde quando os Alencar se estabeleceram no Cariri pernambucano”, conta Ana Miranda, em entrevista à ISTOÉ. Quem narra as bifurcações da árvore genealógica dos Alencar é a voz de Iriana, personagem inventada por Ana, que também aqui homenageia os estudos psicológicos femininos de Alencar, como “Lucíola”, “Diva” ou “Senhora”. Órfã deslocada dos papéis femininos do período, e irmã de Semíramis, uma verdadeira diva do romantismo europeu, “dona da brancura de um camafeu num país em que as moças bebiam vinagre para ficarem pálidas”. E tudo começa quando a pequena sertaneja desajustada parte em viagem na companhia do avô a fim de visitar a família amiga, os Alencar, traçando um percurso do Crato ao Alagadiço Novo, locais reais do Cariri cearense, que remetem aos romances da terra de José de Alencar. “Fui ao Crato diversas vezes, olhei a serra azul, a noite azul, as paisagens ali e em volta, mas lá hoje é outra cidade, então precisei viajar ao Crato antigo lendo livros de um viajante, um morador... Foram as viagens que fiz lendo os textos da época que me permitiram transformar na Iriana, a narradora, com integridade”, conta Ana. “Houve o recolhimento de expressões, palavras, comportamentos, tudo o que me sensibilizava eu ia guardando, usando quando possível.” Chegando ao destino, a menina presencia os últimos dias de gravidez de Ana Josefina. Num parto silencioso e feliz, a “amasiada” de padre Martiniano – nora de dona Bárbara – dá à luz Cazuzinha, cujo crescimento se torna o maior objeto de atenção de Iriana e assim a história de Alencar começa a ser contada. “A ordem dos fatos, as datas, os acontecimentos correspondem à biografia de Alencar”, diz Ana Miranda. “Mas o núcleo ficcional é o universo de Iriana e Semíramis e tudo o que elas apresentam é fictício. Assim, toda a vida do escritor se torna ficção, apresentada por uma narradora inventada.” As trocas de cartas entre a viuvinha do sertão e a irmã que se casa com pompa e circunstância no Rio compõem o jogo com que a escritora apresenta o espírito dúbio que tomava conta da cultura nacional da gestação da República. Com licença ficcional, mas sem tirar o pé da história da literatura, agrega personagens como os escritores Machado de Assis, Gonçalves Dias e Castro Alves, que, de fato, se relacionaram com o protagonista. “Castro Alves, de passagem, vem mostrar o lado generoso de Alencar, estimulando novos autores; mas também compõe os costumes no Rio de Janeiro”, conta ela, que morou durante 30 anos no Rio.

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As leituras de Iriana e suas interpretações sobre a produção de seu “para sempre” Cazuzinha mostram como a formação da literatura nacional pôde influenciar os costumes do período e de tudo o que veio a partir de então. “As leituras mudam nosso pensamento. Para o bem, para o mal”, conclui a narradora dessa história sobre as reverberações frutíferas da obra de José de Alencar, mas também sobre o silêncio do que nasce e morre sem deixar galho, fruto ou exemplo. CORREIO BRAZILIENSE- Bienal seleciona participantes Nahima Maciel (04/03/14) Os autores de Brasília têm até amanhã para se inscrever no edital que vai selecionar os lançamentos a serem realizados durante a 2ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura. O edital apresenta a possibilidade de inscrição em oito categorias — biografia, conto, crônica, infantil, juvenil, poesia, romance e reportagens — e todos os livros devem estar na primeira edição. Do total de inscritos, uma comissão selecionará 18 obras que serão lançadas durante o evento, programado para acontecer entre 12 e 21 de abril. Segundo Nilson Rodrigues, coordenador geral da bienal, essa é apenas uma das fases de seleção de autores de Brasília na programação do evento. Rodrigues e Luiz Fernando Emediato, curador da Bienal, foram criticados por alguns escritores presentes no auditório da Biblioteca Nacional durante o lançamento do evento, no fim de janeiro. Na época, a lista de convidados ainda não estava fechada e incluía apenas autores de fora da cidade. “Quando dizem que a programação do escritor local ainda vai ser feita isso já mostra que o escritor de Brasília vai ficar em segundo plano”, disse Marco Polo Haickel, maranhense radicado em Brasília, no dia do lançamento. Para Nilson Rodrigues, a reclamação não faz sentido. “Eles deviam olhar a programação (da bienal) passada. Na outra bienal, eles não ficaram de fora”, lembra. “Não há razão nenhuma para excluir escritores de Brasília nem de outro lugar. Agora, não dá para colocar todos os escritores de Brasília, assim como não dá para colocar todos os escritores do Brasil. A Bienal é do livro, não é para atender uma ou outra corporação.” Programação variada Entre os autores da cidade confirmados para participar da festa estão Nicolas Behr, Tetê Catalão, Severino Francisco e Marcos Bagno. O diretor de teatro Hugo Rodas também está na programação dedicada às leituras dramáticas. Ele vai dirigir Besame Mucho, peça que encenou no início da década de 1980. Os autores que quiserem concorrer ao Prêmio Brasília de Literatura têm mais uma semana para se inscrever. São oito as categorias e o primeiro colocado de cada uma leva um prêmio de R$ 30 mil. Para o segundo lugar, o prêmio será de R$ 10 mil. Podem concorrer apenas livros publicados entre janeiro de 2012 e dezembro de 2013. No total, a Secretaria de Cultura, que organiza a Bienal em parceria com o Instituto Terceiro Setor (ITS), distribuirá R$ 320 mil em prêmios. Na última edição, o total de inscrições chegou a 1.600 e o concurso premiou autores como Antonio Prata, Dalton Trevisan, Fernando Morais e Affonso Romano Sant’Anna. Segundo a organização da Bienal, até agora houve mais de 1.000 inscrições. O ESTADO DE S. PAULO – A construção de um autor e de uma obra (05/03/14) Em Clevelândia do Norte, vila militar na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, Elena, mulher do major Marcelão, conhece Pierre, major da legião estrangeira, e vivem um caso de amor que desperta no marido traído o desejo de vingança. Essa história, contada por um jornalista local a um jornalista forasteiro durante um passeio de barco pela região, é a trama de Terminália, livro que Roberto Taddei nunca pensou em escrever – e sua estreia literária. Ele já era aluno do mestrado de criação literária da Universidade de Columbia, em Nova York, quando veio de férias para o Brasil em 2008 e acompanhou estudantes de jornalismo em uma breve viagem à Amazônia. Na volta, duas figuras ao fundo de uma foto chamaram sua atenção e veio a ideia de um conto.

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Em vez de mergulhar no romance que deveria entregar no final do curso, continuou escrevendo o conto que cresceu, virou romance e tomou o espaço do projeto inicial. Foram duas versões, em inglês, até a entrega do livro à banca. Como diploma na mão, voltou ao Brasil com a missão de traduzir o livro e acabou reescrevendo a obra. A versão lançada agora é a quarta feita por Taddei, que trabalha hoje naquele projeto adiado, e que será o segundo da trilogia que idealizou para discutir a ideia de limite e fronteira ( geográfica,docorpo emoral) e sua relação com a ideia de identidade brasileira. Por estar sozinho num país estranho, onde ninguém o conhecia e onde se comunicava numa língua que não era a dele, Taddei pode deixar para trás modelos que talvez seguisse e percebeu a necessidade de construção de um eu autoral. E esse processo de construção deveria ser, na opinião do escritor,o objetivo das oficinas. “A oficina forma o autor; ela não ensina a escrever. E isso se faz provocando essa consciência autoral. O que é ser um autor? Qual é a postura de um autor? Como um autor lêo texto de um outro escritor? Nos Estados Unidos, a maneira como você escreve é problema seu. O que interessa lá é a discussão do seu texto e do texto dos outros.” /M.F.R. O ESTADO DE S. PAULO - Febre nos EUA, cursos de formação de escritores se espalham pelo País Há para todos os níveis, objetivos, gostos e bolsos, e muitos deles com início nas próximas semanas Maria Fernanda Rodrigues (05/03/14) Roberto Taddei era jornalista, mas queria ser escritor. Socorro Acioli já tinha lançado alguns livros infantis e juvenis, mas queria dar um salto mais alto. Ele arrumou a mala em 2007 e foi fazer mestrado em criação literária na Universidade de Columbia, em Nova York. Ela penou, mas conseguiu, em 2006, uma vaga num diminuto, mas ao que parece transformador, curso com o escritor colombiano Gabriel García Marquez em Cuba. Da experiência tão particular de cada um surgiu um livro – o dele, Terminália, era obrigação, a dissertação de seu mestrado; o dela, A Cabeça do Santo, a promessa feita ao ídolo de que jamais abandonaria seu projeto literário. Taddei e Acioli foram longe. Investiram tempo e dinheiro, e voltaram satisfeitos. As obras que escreveram chegam agora às livrarias – num momento em que cursos como os que procuraram fora do País se tornam cada vez mais profissionais e frequentes por aqui. Claro, ainda não são tão abundantes como nos Estados Unidos, terra das oficinas de escrita criativa onde, estima-se, há 500 delas. Tampouco há algum ministrado por um prêmio Nobel, como era o de Cuba. No entanto, há opções para todos os níveis, objetivos, gostos e bolsos, e muitos deles com início nas próximas semanas (veja o box ao lado). Pioneiro no ensino do ofício da escrita, o gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil criou sua oficina – por onde passaram nomes como Daniel Galera, Michel Laub e Luisa Geisler – há quase 30 anos. E vem, nesse tempo todo, acompanhando o interesse do brasileiro por cursos de formação de escritor. "O crescimento foi espantoso. Quando comecei, as pessoas procuravam a oficina para melhorar o texto; hoje, procuram-na com a decisão de tornarem-se escritores", comenta. Sua oficina anual, realizada na PUC de Porto Alegre e com vagas apenas para 2015, deu cria. Em 2010, a universidade gaúcha abriu turmas de mestrado e doutorado em Escrita Criativa. A jornalista Rosangela Petta foi aluna de Assis Brasil em 2010. Ainda não publicou um livro, mas da experiência trouxe para São Paulo o próprio curso. Naquele mesmo ano, ela fundou, com o apoio do professor, a Oficina de Escrita Criativa. Há, aqui, um programa como o de Porto Alegre, anual e já com vagas esgotadas para 2014. Mas há uma série de outras oficinas, mais expressas, começando agora para quem quer escrever biografia, conto, crônica, livro infantil, etc., ou para quem quer apenas melhor a escrita. O escritor João Silvério Trevisan é dono de uma das mais longevas oficinas paulistas – está na ativa há 27 anos – e defende o ensino da escrita. "Não acho que a literatura caia do céu. A musa não existe. Ela morreu de fome por falta de pagamento de direitos autorais", brinca. Sobre essa questão, Assis Brasil cita Maiakovski: "É a técnica que liberta o talento."

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Para Trevisan, é importante que o aluno tenha um projeto, uma ideia do que será a sua obra. E foi isso que Socorro Acioli aprendeu com García Marquez. "Ele dizia que é preciso saber a história que pretendo contar assim como sei resumir o conto da Chapeuzinho Vermelho", diz. "Se eu não tiver clareza do meu universo ficcional, o leitor nunca terá e a narrativa não vai funcionar. Outra dica que levei para a vida foi a de só sentar para escrever quando tiver o eixo da narrativa definido – começo, meio, fim." Depois da experiência cubana, a escritora fez outros três cursos – dois com o americano Robert McKee e outro com o mexicano Guillermo Arriaga. Seu livro A Cabeça do Santo foi planejado de 2006 a 2010 e escrito entre 2010 e 2013, e antes de ser lançado os direitos já tinham sido vendidos para a Inglaterra. Ele conta a história de Samuel, que sai em busca do pai e encontra abrigo na cabeça de uma estátua de Santo Antonio. Descobre, assim, que tem o dom de ouvir as orações das moças, passa a arranjar casamentos e a fazer chantagens. Mas essa história não ficou só na escrita do livro. "Minha tese de doutorado, defendida no dia 18, foi esse romance e um ensaio teórico sobre o processo de criação a partir do livro A Preparação do Romance, de Roland Barthes." Já Roberto Taddei, na volta de sua temporada nova-iorquina, transformou sua casa em sala de aula até que foi chamado para ser professor da recém-criada pós-graduação latu sensu Formação de Escritores, do Instituto Superior de Educação Vera Cruz. Hoje, é um dos coordenadores do curso e trabalha em outros dois romances. Aos aspirantes a escritor, Assis Brasil deixa cinco dicas: "Ler muito, escrever muito, acompanhar a crítica literária em periódicos, ouvir a avaliação de bons leitores e, se possível, frequentar uma oficina literária reconhecida por seus frutos." A construção de um autor e de uma obra Em Clevelândia do Norte, vila militar na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, Elena, mulher do major Marcelão, conhece Pierre, major da legião estrangeira, e vivem um caso de amor que desperta no marido traído o desejo de vingança. Essa história, contada por um jornalista local a um jornalista forasteiro durante um passeio de barco pela região, é a trama de Terminália, livro que Roberto Taddei nunca pensou em escrever – e sua estreia literária. Ele já era aluno do mestrado de criação literária da Universidade de Columbia, em Nova York, quando veio de férias para o Brasil em 2008 e acompanhou estudantes de jornalismo em uma breve viagem à Amazônia. Na volta, duas figuras ao fundo de uma foto chamaram sua atenção e veio a ideia de um conto. Em vez de mergulhar no romance que deveria entregar no final do curso, continuou escrevendo o conto que cresceu, virou romance e tomou o espaço do projeto inicial. Foram duas versões, em inglês, até a entrega do livro à banca. Com o diploma na mão, voltou ao Brasil com a missão de traduzir o livro e acabou reescrevendo a obra. A versão lançada agora é a quarta feita por Taddei, que trabalha hoje naquele projeto adiado, e que será o segundo da trilogia que idealizou para discutir a ideia de limite e fronteira (geográfica, do corpo e moral) e sua relação com a ideia de identidade brasileira. Por estar sozinho num país estranho, onde ninguém o conhecia e onde se comunicava numa língua que não era a dele, Taddei pode deixar para trás modelos que talvez seguisse e percebeu a necessidade de construção de um eu autoral. E esse processo de construção deveria ser, na opinião do escritor, o objetivo das oficinas. "A oficina forma o autor; ela não ensina a escrever. E isso se faz provocando essa consciência autoral. O que é ser um autor? Qual é a postura de um autor? Como um autor lê o texto de um outro escritor? Nos Estados Unidos, a maneira como você escreve é problema seu. O que interessa lá é a discussão do seu texto e do texto dos outros."

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FOTOGRAFIA CARTA CAPITAL – O ouro nas linhas Livro organiza os 50 anos da arte urbana do fotógrafo Carlos Moreira. por Rosane Pavam

Chamem-no Carlos Moreira. Cinquenta anos atrás, um dos maiores fotógrafos brasileiros decidiu desfazer de um golpe o inverno da alma e a inadequação ao mundo. Abandonou a economia, apenas cursada para acalmar os pais sobre seus destinos, e partiu para a aventura nas ruas. Flanou por São Paulo atrás de vestígios dos homens nas calçadas e nos cemitérios. E reproduziu tudo o que lhe saltava aos olhos, sem nunca, a partir daí, pausar. Eis que representaria o existente enquanto revelasse as sombras do outrora grande centro da cidade, navegando em oscilante baleeiro rumo à caça de

personagens. No decisivo ano de 1964, daquele seu convés de metáforas, combateu o Leviatã sem bala ou alçapão.

Em águas trêmulas. A sobreposição de imagem capturada à Anenida Angélica. A rua, para Carlos Moreira, significou esse oceano de inconsciência e espiritualidade retratado à perfeição no Moby Dick de Herman Melville. Tão logo uma Leica lhe caiu nas mãos, viu-se entranhado em um novo e duro ofício, mas, na contramão dos tempos vigentes, não guerrilhou por ele. Foi, em lugar disso, o fotógrafo para quem caçar, de modo a revelar-se, representou o principal sentido de viver. Nada do condicionamento dos estúdios, nada de fotojornalismo. Distante da

quentura dos acontecimentos, ele roubou da vida uns instantes eternos, elegante como o gato, atento como o pássaro ao fugir. Essencialmente, olhou para os lados, como ensinou o francês HenriCartier-Bresson, jamais esquecido da linha de ouro que guiava a um só tempo sua cabeça, o olho e o coração. Agora que a editora Tempo d’Imagem, associada às Edições Sesc, lança São Paulo (204 págs., R$ 95), sob a organização de Rosely Nakagawa, o fotógrafo aparece ao grande público com a inteireza de sua poesia geométrica, iniciada após a desilusão com a frieza normativa do Foto Cine Clube Bandeirante, mas muito próxima da proposição livre do grupo Novo Ângulo. O volume organiza cem imagens de 700 mil por ele colhidas desde os tempos em que somente seria possível ao escritor Júlio Verne compreender a máquina fotográfica sem filme. O livro representa um grande momento para esse artista de imagens definitivas que ainda fotografa todos os dias, em São Paulo, Santos ou Buenos Aires, muito alegre, sem jamais lamentar a possível inexistência de homenagens, exposições ou edições de Prêmio Jabuti para suas descobertas. É a fotografia, especialmente o que o artista entende por ela, o que faz Carlos Moreira, como diz sua conselheira, sócia e assistente de três décadas Regina Martins, “acordar embriagado”, sem se dar conta do que pensam de sua embriaguez. “Quando me aproximei dos 50 anos de fotografia, temi estar morto”, diz a CartaCapital em seu estúdio na Barra Funda, no mesmo prédio onde ele e Regina ocupam dois apartamentos residenciais. Desde quando, consagrado, significará que não vive? Moreira pensa muito, começa e termina um raciocínio com a perfeição do círculo, longe de se iludir. Principalmente, agita-se na cadeira de estofado avermelhado em seu misterioso andar térreo. Ele não tem as respostas, porque está no mundo para perguntar. Ainda hoje, mal começa um caminho, percebe outro a percorrer. As tantas ideias contrastam com seu ambiente de trabalho e reflexão, nunca iluminado ao excesso, os móveis onde quase sempre estiveram. É ali que, semanalmente, manta ao colo, ele traça aos fotógrafos e

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aos enfileirados candidatos à fotografia sua particular história do ofício, a única muitas vezes feita por qualquer um em qualquer tempo. Seus toques de mestre tiveram início em 1971, quando, convidado a dar aulas de Fotografia da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, passou a refinar com prazer o olhar dos outros e, de quebra, o seu próprio. A partir de 1990, as lições passaram a ser ministradas no endereço em que hoje vive. Houve tempo em que imaginou abandonar os alunos para apenas se dedicar àquilo que é. Mas, reviravolta esperada, neste momento não pensa mais assim. Agora, além de fotografar, quer dar aulas até morrer, ali mesmo na gruta de sabedoria onde se acumulam seus livros sobre os grandes da imagem, de Cartier-Bresson a Robert Frank, de Ernst Haas a André Kertész, e também aqueles inúmeros sobre pintura, colocados em estantes de aço sob ordem rigorosa e particular. Os desenhos e as telas de autoria dele próprio se espalham entre as lembranças naquele térreo. A câmera com fole, a velhíssima tevê, a manta sobre o colo nos dias não raro frios e, claro, as fotos, como a de Cartier-Bresson com a xícara aos lábios, somam-se na decoração ao pequeno ventilador. Os olhos de um visitante, portanto, enchem-se de serviço enquanto o fotógrafo jamais descansa. Se muitas vezes chega a uma definição sobre o ofício, pode no dia seguinte rejeitá-la. Tendo aprendido a meditar na sofrida e estonteante Índia, usufruído Nova York e pausado algum tempo em Tóquio, pratica o raciocínio como um vinho saboreado em goles de gravidade. Neto de pintora que estudou em Florença mal terminado o século XIX, filho da mulher sensível e observadora que a seu lado, dentro do carro, notava os passantes enquanto seu pai fazia visitas médicas, Carlos Moreira surge longevo e inquieto como quase todos os grandes fotógrafos do século XX. Mesmo agora, aos 77 anos, passa por menino. Por isso talvez ande aborrecido com a transcendência que ele mesmo, e sempre, perseguiu em sua arte. É um fotógrafo apolíneo, visualiza as linhas perfeitas, mas crê que uma mudança sem volta se encarne nele em direção ao que desce. Foi-se o tempo em que se realizava ao imitar a lua clássica no céu claro. Agora, ele a quer refletida na água trêmula. Menos inspirado no suíço-americano Robert Frank, que a certa altura de seu trabalho canônico, com a morte dos filhos, pintou o sangue nas paredes, e mais como o russo Alexey Brodovitch, que rompeu a norma ao fazer o movimento fluir no balé, em lugar de congelá-lo, Carlos Moreira quer seguir uma ideia de D. H. Lawrence sobre a poesia. O romancista inglês a via em dois tipos, a tradicional e a do presente. A primeira, cristalina, completa, infundia-se no artista com um senso de eternidade. A segunda, imperfeita, nada consumava. Sua opção é clara entre as duas. “Busco a imanência não pela vontade, mas em razão de uma dinâmica psicológica”, ele explica. “Em vez de andar atrás da luz transcendente, branca, procuro a luz enterrada, colorida, porque me convenci de que há perfeição na profundeza.” Carlos Moreira vencerá o enigma estético? O certo é que tudo fará rumo a uma categoria superior de alegria.

GASTRONOMIA PUBLICO (PORTUGAL) - “O pior inimigo da cozinha brasileira chama-se Alex Atala” Alexandra Prado Coelho Quando começou, o Brasil não acreditava nele. Ingredientes da Amazónia? Porquê? Mas o mundo acreditou, e Alex Atala tornou-se muito maior do que alguma vez imaginara. Hoje, o chef do D.O.M. está no topo, entre os melhores. Mas avisa que a cozinha brasileira não se pode resumir a ele. “Se não se criar uma nova geração, ela vai sumir.” Pub Este é o tempo de Alex Atala. E o que faz um cozinheiro quando chega ao topo? Quando é admirado e invejado, quando se torna um dos grandes do seu país, é considerado uma das pessoas mais influentes do mundo e todos querem saber o que ele pensa? O que lhe passa pela cabeça? O desejo de voltar apenas a cozinhar? A ideia de deixar tudo e sair de cena? A vontade de salvar o mundo? A angústia do futuro?

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O brasileiro Atala faz, com o espanhol Ferran Adrià e o dinamarquês René Redzepi, parte de uma geração de homens que usaram a cozinha para transformar os seus países — e o mundo. Quando atravessa o seu restaurante, o D.O.M., em São Paulo, sente-se uma ligeira emoção a percorrer a sala, os olhares seguem-no discretamente quando entra na cozinha. É um homem grande, imponente, cabelo grisalho, muito curto, barba ruiva a ficar grisalha, hoje mais comprida do que há uns anos, braços tatuados, sorriso simpático, olhar penetrante. Aproxima-se das mesas para cumprimentar alguns clientes. Um deles, sentado sozinho a uma mesa, termina a refeição e aguarda o momento de poder falar com o chef na cozinha. Atala autografa-lhe o livro que acabou de lançar — D.O.M. – Redescobrindo o Ingrediente Brasileiro — e deixa-se fotografar com ele. Daí a pouco está sentado à nossa frente numa mesa na sala superior do D.O.M. Já tem mais pessoas à espera lá em baixo. É mais “um dia corrido”. E, sim, o futuro preocupa-o. “Já disse e vou continuar a repetir: o maior inimigo da cozinha brasileira chama-se Alex Atala. É verdade. Se a gente não criar uma nova geração, a cozinha brasileira vai sumir. Ela não pode ser mais minha. A cozinha brasileira só vai existir se ela não for minha, se for do povo, se for de outros chefs; senão, ela morre.” A fama tem destas coisas. Ao princípio, no Brasil, ninguém parecia acreditar muito no rebelde tatuado que cozinhava com ingredientes exóticos com nomes que ninguém, pelo menos em São Paulo ou no Rio, conseguia pronunciar. “Muitas pessoas conseguiram ficar famosas no Brasil depois de fazerem sucesso fora, porque o Brasil nunca acreditou na semente, sempre acreditou na flor. Mas a flor, para crescer, tem de nascer de uma semente”, diz. “A minha reputação foi toda construída fora do Brasil para depois ser reconhecida cá dentro. Se eu dependesse desse reconhecimento do Brasil, talvez nunca tivesse chegado onde cheguei.” O Brasil esqueceu-se do Brasil Com o tempo, o mundo primeiro, e o Brasil depois, foi reconhecendo esse trabalho que Atala fez, de recuperação de ingredientes, e, cada vez mais, dizer Atala era dizer Amazónia. O que é que o chef procurou na Amazónia? Uma cozinha brasileira original, pura, indígena? Os ingredientes que representam o Brasil antes da colonização pelos portugueses? Uma Amazónia idealizada? “Uma das palavras mais conhecidas do mundo é Coca-Cola. O mundo inteiro conhece a garrafa, o mundo inteiro tem a memória de um sabor. Palavra tão conhecida como essa é Amazónia. O mundo inteiro tem uma imagem, ninguém conhece o sabor. Eu tinha um elemento internacional para trabalhar e usei. O Brasil, mais uma vez, pegou e olhou só lá de fora, e depois trouxe aqui para dentro. Foi o Brasil que se esqueceu de falar do próprio Brasil.” Mas Amazónia, sendo uma palavra tão forte, colou-se a Atala, e ficou mais difícil explicar que o seu trabalho passa por outros ingredientes que existem no Brasil e que não vêm necessariamente da Amazónia. “Uma das primeiras frutas que trabalhei neste restaurante, e que ficaram famosas, chama-se ‘cambuci’. As pessoas falavam ‘nossa, essa é uma fruta da Amazónia’. Mas nós temos um largo em São Paulo que se chama Largo do Cambuci. Essa fruta é daqui, de São Paulo. Há é uma miopia colectiva, as pessoas acham que tudo é Amazónia e querem esquecer o resto do Brasil. É natural que o mundo ficasse fascinado pela Amazónia, como deveria ser natural o Brasil ser fascinado pelo Brasil, e não pelas notícias que vêm de fora.” Alex cresceu, tornou-se grande, o mundo já fala da Amazónia, o Brasil também. E de repente todos querem ser iguais a ele. Como se faz?, perguntam-lhe. “Há chefs amigos que vêm aqui falar comigo: ‘Puxa, como é que ninguém me reconhece, você conseguiu tudo, eu não consigo nada.’ Só falta falar que ele cozinha melhor do que eu”, diz, soltando uma gargalhada. “E eu digo para ter calma, porque às vezes não é só cozinhar bem, é passar uma mensagem bem. É importante entender isso. É preciso uma mensagem que acrescente e que seja adequada ao momento que você está passando.” Não há fórmulas. É preciso ter algo autêntico para dizer e fazê-lo no momento certo. “A Espanha enviou essa mensagem para o mundo na hora que o mundo estava cansado de ouvir falar da cozinha francesa. A cozinha francesa não estava em crise, o mundo estava era cansado de França, França,

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França. Aparece um espanhol [Ferran Adrià] e toda a atenção se vira para ele. O Brasil tinha muito boas cozinhas regionais, e tinha chefs que faziam boa cozinha francesa ou italiana, e então apareceu um cara fazendo cozinha brasileira. É natural que esse cara fosse chamar a atenção. Agora, se outro cara quer chamar a atenção no Brasil e vai fazer a mesma coisa que eu, ele não vai conseguir a mesma atenção, vai conseguir metade. Mas se ele fizer outro trabalho que seja autêntico ele vai ganhar essa atenção.” E é preciso que apareçam (como já estão a aparecer) essas outras vozes da cozinha brasileira — até para garantir que Atala não se torna o pior inimigo desta, e que tudo não começou e não acaba com ele. O problema é que hoje toda a gente tem muita pressa, ninguém quer esperar. “A gente tem que conter as nossas ansiedades, principalmente quando falamos de tempo e de cozinha. A nouvelle cuisine foi uma moda passageira, durou uns 15 anos. O Ferran Adrià é um fenómeno, mas ele começou a existir para o mundo no ano 2000. As pessoas tendem a olhar a gastronomia com a velocidade que a Internet quer. Mas ela é orgânica, é humana, é natural, tem o tempo dela. Essas maturações vão acontecer.” Muito aconteceu já no último meio século, diz. “Houve a nouvelle cuisine, a onda da Espanha, o locavorismo [comer os produtos que existem na região em redor, princípio defendido, por exemplo, pelo Noma, de Redzepi, em Copenhaga]. Cinquenta anos, só? São 50 anos de revoluções. Se nós conseguirmos só pegar na essência desses 50 anos, sem evoluir, mas aplicando-a nos próximos 50, a cozinha vai ser sensacional. Só que ela tem a possibilidade de continuar a evoluir. Eu vou repetir: as pessoas têm miopias, tendem a olhar para estas coisas como um ano, dois. ‘Ah, o Ferran Adrià já acabou, não tem mais nada para falar.’ Vamos entender que estes movimentos são longos.” Rubens Kato Já ninguém é diferente por fazer espuma É altura de introduzir uma pequena provocação. Dias antes tínhamos almoçado com Carlos Alberto Dória, gastrónomo, crítico, estudioso, pensador e autor, juntamente com Atala, do livro Com Unhas, Dentes & Cuca – Prática Culinária e Papo-Cabeça ao Alcance de Todos (editora Senac). E o que diz Dória? “Este movimento de renovação gastronómica é pendular. Tem um momento de técnica e um momento de ingrediente. Desde que fechou o elBulli [o restaurante de Adrià], vejo uma orfandade internacional de chefs. Mas por que fechou? Porque cumpriu o seu papel. Qualquer chef sabe hoje as técnicas que o Ferran usava. Ninguém se diferencia mais por fazer espuma, isso morreu. Então, a competição desloca-se para outro terreno e, depois do fenómeno Noma, desloca-se para os ingredientes. Então você assiste a essa peregrinação pelo Brasil de chefs como o Alex Atala, a Ana Luísa Trajano [do restaurante Brasil a Gosto, também em São Paulo] e tantos outros, em busca de coisas diferentes. Acho que é uma coisa que terá o seu momento e passará. Não é possível você sustentar uma culinária à base de uma descoberta por dia.” Concorda, Atala? “Discordo, discordo, discordo. Historicamente, a cozinha é evolutiva, nunca de maneira ordenada, mas sempre evolutiva. A gastronomia nunca descartou nenhuma das fases por que passou, nem de Carême [França, 1783-1833], nem de Escoffier [França, 1846-1935], nem de Point [França, 1897-1955], nem de Bocuse [França, 1926], nem de toda a nouvelle cuisine, e seguirá não descartando nada nem ninguém. Pelo contrário, nós vivemos hoje um momento mundial onde a gastronomia é cada vez mais generosa, menos competitiva e mais aberta a receber informações da tecnologia ou da antropologia, das ciências exactas e das ciências humanas, e isso faz com que a gente viva uma cozinha de paz, de alegria, de sublimação, de prazer. As pessoas tentam categorizar muito. É impossível.” Mas este é, pelo menos no Brasil, um momento em que os ingredientes se sobrepõem às técnicas. “Porque nós no Brasil temos essa riqueza. Como cada time de futebol, cada literatura, cada filosofia, nas suas regiões ganha os contornos dessa região. Hoje, na América do Sul, a gente tem uma efervescência de novos chefs trabalhando, todos com muito boa técnica, mas todos muito debruçados no ingrediente, que é a nossa maior riqueza. Diferente talvez da Europa, onde os ingredientes já são todos conhecidos e a técnica é o caminho evolutivo.” A diferença é grande. “Se pensarmos nesta ideia de ir ao mato e encontrar os seus próprios produtos, a Europa hoje conta, entre algas, verduras, legumes, flores, cogumelos, umas 400 espécies selvagens diferentes. Num primeiro levantamento que fizemos no Brasil, muito raso, sem grande

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estudo, achámos entre oito e dez mil variedades com grande potencial. Só de cogumelos talvez a gente consiga mais de mil. E estamos falando de um terreno que foi muito pouco estudado ainda, de uma área que tem muitas possibilidades. Os sul-americanos encontram hoje a sua melhor forma de expressão através do ingrediente, sim, mas acho que essa é uma solução para a América do Sul, não para o mundo.” Carlos Alberto Dória vê algumas dificuldades nesta estratégia. O que é hoje um ingrediente “brasileiro”? “Os ingredientes têm uma história, são descobertos, são esquecidos, redescobertos, transformados. Muitos chefs acham que a mandioca brava, venenosa, é um produto natural. Não é. É um produto desenvolvido pelos índios como defensivo agrícola contra os predadores. Você pega os feijões, por exemplo. São brasileiros? Tinha brasileiros, mas há os que vieram de África, da Ásia. Os portugueses fizeram uma grande transacção internacional de ingredientes e as pessoas hoje consideram-nos afectivamente. A manga, que muita gente considera brasileira, é indiana.” É por isso, defende o especialista, que a ideia de uma culinária nacional, indígena, “está fora do seu tempo, porque não existe mais nação”. “Claro que há uma tentativa de fazer uma cozinha étnica, mas duvido desse projecto. O [chef peruano] Gaston Acúrio, há dois ou três anos na feira San Sebastian Gastronomika, disse que ia fazer uma apresentação mas não trazia nada do Peru. Disse: ‘Os meus colegas vieram cheios de produtos, e eu do Peru trouxe o ceviche, mas o ceviche onde está? Não o trouxe na mala, ele está na minha cabeça. Vou pegar nos vossos peixes e fazer o ceviche’.” Tucupi e arroz com feijão No Brasil, a grande força tem sido a Amazónia — e agora, cada vez mais, o cerrado, que tem uma diversidade de produtos provavelmente mais do que a Amazónia. Mas há, segundo Dória, uma questão de “legitimidade” e de “legibilidade” desta nova cozinha brasileira. Para explicar esta ideia, o melhor é recorrer a um texto do próprio: “Legitimidade se refere a algo ‘brasileiro’, a exemplo o tucupi [líquido retirado da mandioca, usado em vários pratos da culinária amazónica], mesmo para quem jamais o tenha experimentado — o que é a maioria da população brasileira. Afinal, é nativo e suficientemente enraizado em parcela do nosso vasto território. Legibilidade diz respeito a algo que, nativo ou exótico aclimatado, é reconhecido claramente como ‘brasileiro’, a exemplo do arroz com feijão que todo o mundo conhece.” No mesmo texto, intitulado Legitimidade e Legibilidade da Gastronomia Brasileira, no qual analisa estes dois caminhos seguidos por diferentes chefs (o da comida mais popular e o da mais exótica), Dória refere-se a Atala. “Alex Atala, há anos, tem feito um esforço hercúleo para se apropriar da ‘amazonidade’ em nossa culinária de ponta. Para tanto, lança mão do tucupi, jambu [uma erva que provoca uma dormência na boca], priprioca [erva parente do junco e do papiro], formigas. Sabemos identificar o quanto de simbólico há nisso tudo, mas só o tucupi é ‘popular’ na Amazónia, a priprioca nem sequer é comestível para os caboclos. A formiga — reminiscência das culinárias indígenas de norte a sul do país — hoje ocupa o papel de metonímia da culinária amazónica.” Quando falamos de exotismo, estamos a falar de um nicho, explica Dória à Revista 2. “Se perguntar para as pessoas aqui em São Paulo, ninguém conhece tucupi — é um ingrediente que não tem uma legibilidade fácil. Só o pessoal de uma camada gourmet aceita experimentar essas coisas mais estranhas.” E mesmo assim as resistências são grandes, tanto à estranheza como à recuperação de comidas mais populares. Dória conta que Mara Sales, que recentemente transferiu o seu restaurante Tordesilhas, do outro lado da Avenida Paulista para a selecta zona dos Jardins (onde fica a maioria dos restaurantes mais in de São Paulo), se queixava que alguns dos clientes nesta nova localização achavam que “farinha de mandioca é comida de pobre”. “E ela tinha mudado apenas quatro ou cinco quadras [quarteirões]. Estamos a falar de um pedaço de cidade mínimo, mas o facto é que a maioria das pessoas não atravessa a Paulista.” Falemos então de formigas. Para Atala, elas são muito mais do que a apropriação simbólica da culinária indígena. Elas são “deliciosas”. E são uma forma de nos pôr a pensar em questões de sustentabilidade e do futuro da alimentação. “A reacção das pessoas é de fascínio”, conta o chef. “Eu só sirvo uma formiga, a saúva, e ela é realmente uma delícia. Vem uma por prato, com abacaxi gelado, a pessoa come e é uma

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explosão de sabor. Acho que quando se encontra um insecto que seja realmente delicioso é justo usá-lo, mas não é por isso que vou pegar em todos os insectos e colocá-los no meu restaurante.” Quanto aos preconceitos que possam existir, tem argumentos para os derrubar. “Hoje o mundo tem fazendas dedicadas à produção de insectos, que são vendidos para fazer rações para animais. Porque é que animal pode comer e a gente não pode? Porque é que é aceite como ração e não como alimentação, quando alguns insectos têm dez vezes mais proteína que um pedaço de carne? O Food and Drug Administration norte-americana aceita 86 partes por milhão de insectos na manteiga de amendoim e 74 partes por milhão no chocolate. Nós comemos insectos.” Percebe-se pela rapidez e entusiasmo com que fala que este é um argumento que já repetiu muitas vezes. “Mas vamos imaginar que comer insectos é uma porcaria. A gente não come merda, pois não? A gente não come vómito, pois não? O que é o mel? É vómito de abelha. Existe um exercício de abrir as nossas cabeças para olhar essas possibilidades de outra maneira. Nós comemos mel, e mel é secreção de insecto. Devia ser nojento para a gente, mas é delicioso. Existem possibilidades, sim, e elas não podem ser descartadas. Principalmente quando a gente fala do teor de proteína e do número de vidas que podem ser salvas por essa possibilidade.” Quanto ao aspecto dos insectos, “sim, é feio, tão feio quanto o do camarão ou do caranguejo”. Estávamos a falar de formigas, e agora estamos a falar de formas de ajudar o mundo. Porque é isso que se espera também hoje de um chef que uma revista como a Time colocou entre as 100 figuras mais influentes do ano passado. E Atala tem essa preocupação. O uso que faz dos ingredientes é também uma forma de ajudar produtores e populações. “Usando estes ingredientes hoje no Brasil e na América do Sul, e principalmente se os conseguirmos exportar para a Europa — porque há grandes produtos que já saíram das Américas —, podemos ajudar as pessoas, a cultura, pode existir um benefício social, económico, ambiental e cultural.” "Ninguém acerta à primeira" Mas há também o reverso da medalha. Como aconteceu com a quinoa peruana, o sucesso de um produto no mundo pode significar que o seu preço sobe e que as populações que o usavam como base da sua alimentação deixam de ter acesso a ele. “É facto. A alimentação é uma actividade vital, a maior rede social do mundo não é o Facebook, é a cozinha, e é natural que ela tenha defeitos. Mas a gente não pode fazer dos defeitos a razão da nossa vida. Sempre vai haver problemas. A Internet tem problemas. Vamos tirar a Internet das nossas vidas? Ninguém acerta à primeira. Eu nunca fiz uma receita e ela ficou pronta na primeira vez, nunca escrevi uma carta e ela ficou pronta logo. A gente vai construindo através dos erros, relendo, aprendendo.” Reconhece os problemas. “Eu nunca discordaria que o nosso modelo de mercado é escolher uma quinoa, jogar para o mundo, e tudo o resto que ficou para trás, esquece. Mas acredito que uma nova filosofia de cozinha tem de ser imposta, que é a do extrair e devolver. Eu não posso ir só à Amazónia e tirar da Amazónia, isso foi feito a vida inteira. Está na hora de devolver para a Amazónia, e às vezes devolver não é só dar dinheiro. Às vezes, se você der dinheiro, estará só aumentando os problemas sociais. Você precisa de devolver tendo em atenção as necessidades de cada comunidade, tribo ou região.” Mas acredita no futuro. “O mercado é um problema mas não podemos fazer dele o nosso vilão nem o nosso deus. Se o mercado fosse a maior força na minha vida, eu nunca faria cozinha brasileira. Comecei a fazer cozinha brasileira e as pessoas chamavam-me louco. Hoje o Brasil inteiro orgulha-se disso e sinto-me feliz. Então vale a pena. [Com os projectos sociais, de trabalho com produtores] a gente não mudou a vida de uma família ou de dez famílias, a gente mudou a vida de uma região inteira. Devolveu a alegria, deu um horizonte a quem já achava que não ia ter mais. Eu acredito que a cozinha bem exercida é uma ferramenta social muito importante e que a gente vai aprender a lidar com isso.” Estamos ainda a aprender, e a geração seguinte — essa na qual Atala deposita a esperança de que continuará a trabalhar para manter a cozinha brasileira viva — vai ser melhor que a actual. “Sou cozinheiro há 27 anos e quando comecei a ser cozinheiro já não era só isso, já era preciso ter competências administrativas, saber gerir uma cozinha. Nesses anos, uma série de outras coisas aconteceram: começámos a dar aulas, a escrever livros, a falar na televisão, a usar o computador.

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Tudo isso era novo para a gente. Assim como a nova geração aprendeu a usar o computador melhor que nós, vai também aprender a usar os ingredientes melhor do que nós, e a geração a seguir melhor ainda. Esta é uma evolução que a cozinha pode ter: mais consciência, mais sabedoria, uma acção um pouco mais profunda no acto de não somente servir comida.”

MODA FOLHA DE S. PAULO - Em Paris, Pedro Lourenço mostra peça de dupla face em desfile virtual PEDRO DINIZ ENVIADO ESPECIAL A PARIS (05/03/14) A moda brasileira foi representada em Paris pelos estilistas Pedro Lourenço e Barbara Casasola. Lourenço apresentou seu inverno num desfile virtual, como faz há três temporadas. Inspirado nas casas californianas dos anos 1960, o estilista mostrou um trabalho primoroso de técnica têxtil, com parkas dupla face e itens que podem ser usados separadamente. "Queria me desvincular um pouco do vestido e mostrar peças que a mulher pudesse misturar umas com as outras'', diz o o designer. Já Barbara Casasola, menos conhecida, desponta no cenário europeu com coleções minimalistas, nas quais masculino e feminino se fundem em peças de alfaiataria. A estilista aposta em variedade, com opções mais acessíveis que as do varejo de luxo internacional. Pink, preto, nude e elementos militares, como o abotoamento duplo, formam o inverno de Casasola.

OUTROS O GLOBO - Unidos da Tijuca é a grande campeã do carnaval de 2014 Enredo sobre Ayrton Senna garante o tetracampeonato à escola de Paulo Barros Salgueiro, Portela, União da Ilha, Imperatriz e Grande Rio também subiram no pódio

Desfile da escola de samba Unidos da Tijuca na Marquês de Sapucaí no Rio de Janeiro. (05/03/14) RIO — No ano em que a morte do tricampeão mundial de Fórmula 1 Ayrton Senna completa 20 anos, a Unidos da Tijuca, que homenageou o piloto com o enredo “Acelera, Tijuca!”, correu por fora e ganhou o título: a escola de Paulo Barros é tetracampeã do carnaval carioca. Numa disputa acirrada com o Salgueiro, que acabou em segundo lugar, a amarela e azul da Tijuca assumiu a liderança e venceu por um décimo, com 299.4 pontos. Também subiram ao pódio, que no mundo do samba tem seis colocações, Portela, União da Ilha,

Imperatriz e Grande Rio, respectivamente em 3º, 4º, 5º e 6º lugares. A Império da Tijuca, que ascendera à elite do carnaval do Rio no ano passado, voltou para a Série A, enquanto a Unidos do Viradouro conseguiu retornar ao Grupo Especial. Este é o terceiro campeonato de Paulo Barros como carnavalesco da Unidos da Tijuca — ele comandou os desfiles de 2010 e 2012, e o primeiro título foi conquistado em 1936. Paulo Barros imprimiu uma marca na escola em sua estreia, há dez anos, com as alegorias vivas. E, a medir pela

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avaliação do presidente da escola, Fernando Horta, sobre a vitória, a Unidos da Tijuca se firma como a Imperatriz Leopoldinense dos anos 1990, nos tempos de Rosa Magalhães. — Foi difícil, mas não foi uma surpresa. Ayrton Senna, o maior ídolo do país, não perderia esse campeonato. O pódio é nosso.Vi o desfile. A Tijuca não cometeu erro algum, e quem menos erra leva — resumiu Horta, que acompanhou a leitura das notas no Sambódromo e atribuiu o êxito da escola à boa administração. — Temos uma administração que trata bem os profissionais. Os parabéns não são só pra mim, são para a comunidade que desfila e para todos os segmentos. Além disso, temos hoje a melhor bateria do carnaval. Problema de dinheiro a escola não tem. Eu pago, e pago bem. Paulo Barros também tinha uma explicação para as razões da vitória: — Trabalho cada quesito o mais minuciosamente possível, justamente para não perder pontos. Tem quesitos que não dependem muito de mim, mas tento ajudar. Um exemplo foi o da bateria: este ano escolhi uma roupa bem leve, para não atrapalhar o trabalho dos ritmistas — afirmou. O mestre de bateria, Casagrande, que conquistou quatro notas 10, fez coro com Horta e Paulo Barros. — Sabíamos da nossa capacidade. É a vitória de muito trabalho e do meu entrosamento com os outros ritmistas. Eu disse a eles que o importante era não errar, e nós não erramos — afirmou Casagrande, que foi ovacionado na quadra da escola, na Zona Portuária, para onde seguiram os integrantes e a torcida após o resultado da apuração. Alegria da comissão de frente Ao contrário do que aconteceu na comemoração dos outros títulos da escola, desta vez a distribuição de cerveja foi gratuita. A diretoria da Unidos da Tijuca comprou e ofereceu duas mil caixas da bebida, segundo Horta. Era tanta gente no local por conta da festa que a pista lateral da Avenida Francisco Bicalho, na altura da quadra, no sentido Ponte Rio-Niterói, teve de ser parcialmente fechada. O troféu de campeã do carnaval foi levado para lá, e os torcedores choravam de alegria e gritavam, em coro, “É campeã”. Lá, os integrantes da comissão de frente faziam uma festa à parte: dentro de um dos camarotes, os bailarinos chegaram a pegar a coreógrafa Priscila Motta, jogando-a para o alto. Tanta felicidade era para comemorar as notas máximas que a apresentação do grupo, que representava a corrida maluca, recebeu. — É o resultado de três intensos meses de trabalho e dedicação da equipe. São cinco anos de ótimas notas. Esse é um grupo que abre mão de suas vidas para se dedicar à escola — afirmou Rodrigo Negri, coreógrafo da escola. O carnavalesco Paulo Barros não acompanhou a apuração no Sambódromo, indo direto para a festa na quadra. A família de Ayrton Senna não apareceu porque mora em São Paulo. Mas a confiança no campeonato era tanta que a diretoria e vários componentes da escola lotaram o espaço reservado para a Unidos da Tijuca na Praça da Apoteose, para a leitura das notas, já cedo. A rainha de bateria, Juliana Alves, foi uma delas. E parecia rezar, com as mãos unidas e a cabeça baixa, esperando o décimo do desempate durante boa parte do tempo. A escola começou a liderar a partir do quesito conjunto, o oitavo a ser conhecido. — (Quase) na última volta, a consagração — disse Juliana, citando a letra do samba deste ano. — Não estava rezando. Afinal, as notas já estavam lançadas, não havia como mudar o resultado. Estava com as mãos juntas, apertadas, para conter minha expectativa. Este foi o segundo ano em que a atriz desfilou à frente dos ritmistas: — Este ano a gente estava muito mais entrosado. Não sou uma rainha de bateria. Sou uma irmã dos ritmistas. Estou ali para, com meu corpo, exaltar a potência do samba.

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O puxador Tinga também estava lá, acompanhado do filho, Rafael, um dos autores do samba — um dos poucos quesitos em que a agremiação não “gabaritou” com quatro 10: as notas foram 9.7, 9.8, 9,8 e 9.10. — A sensação é de dever cumprido. Foi um trabalho forte, procuro ajudar a agremiação. E Rafael vai entrar na história da escola — disse o pai, orgulhoso, acrescentando que continua na Unidos da Tijuca. — O Horta já disse: você não vai sair. O presidente da escola, no entanto, não quis adiantar muita coisa sobre o próximo carnaval. Principalmente sobre o enredo: — Só divulgo enredo dos meus concorrentes. Império da Tijuca volta para a Série A Com apenas uma nota dez no quesito evolução, o Império da Tijuca não conseguiu garantir a vaga no Grupo Especial em 2015. A agremiação, que voltara à elite após 17 anos, levou para a Marquês de Sapucaí o enredo “Batuk” e abriu a noite de domingo. A expectativa era boa entre os integrantes da escola que foram até a Praça da Apoteose para acompanhar a apuração. O presidente Antonio Carlos Teles, o Tê, confiava principalmente em dois quesitos para garantir a permanência no grupo. — Fizemos um grande desfile, tínhamos samba e enredos muito bons — comentou. A diferença do Império da Tijuca para a São Clemente, que ficou uma posição acima, foi de 2,7 pontos, e o somatório no quesito fantasia foi 0,5 abaixo da Vila Isabel, 10ª colocada, que teve evidentes problemas nesse segmento. Antes do carnaval, o carnavalesco Júnior Pernambucano já adiantara que havia renovado com a agremiação e que o enredo será afro, uma característica da verde e branca.