Selma Garrido Pimenta Professor Reflexivo No Brasil Genese

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  • Aproposta do Professor reflexivo no Brasil: gnese e cr-tica de um conceito discutir criticamente o conceito do professor reflexivo, amplamente apropriado e generalizado i S h n o s meios educacionais brasileiros. Para isso analisa suas razes | | fundantes de modo a compreender o seguinte paradoxo: essa pers-^|||pectiva conceituai tem se revelado extremamente importante para a

    Sleitura, compreenso e orientao do processo de formao depro->' V fessores, entretanto, tambm tem sido apropriada por diversos ato-i ! S r e s pesquisadores e reformadores educacionais, com perspectivas

  • Professor Reflexivo no Brasil gnese e crtica de um conceito

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  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Professor reflexivo no Brasil : gnese e crtica de um conceito / Selma Garrido Pimenta, Evandro Ghedin, (orgs.) - 4. ed. - So Paulo : Cortez, 2006

    Vrios autores. ISBN 85-249-0840-8

    1. Professores - Formao profissional I. Pimenta, Selma Garrido. II. Ghedin, Evandro.

    02-2061 CDD-370.71

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Professor reflexivo : Formao profissional: Educao 370.10

  • Selma Garrido Pimenta Evandro Ghedin (Orgs.)

    Bernard Charlot Evandro Ghedin Jos Carlos Libneo Jos Gimeno Sacristn Juarez Melgao Valadares

    Luiz Fernando Franco Maria do Socorro Lucena Lima Maria Isabel Batista Serro Marineide de Oliveira Gomes

    Rita de Cssia M. B. Borges Selma Garrido Pimenta Silas Borges Monteiro

    Professor Reflexivo no Brasil gnese e critica de um conceito

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  • PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL: gnese e crtica de um conceito Selma Garrido Pimenta e Evandro Ghedin (orgs.)

    Capa: DAC Preparao de originais: Carmen Teresa da Costa Reviso: Jaci Dantas de Oliveira e Agnaldo Alves Composio: Dany Editora Ltda. Coordenao editorial: Danilo A. Q. Morales

    Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorizao expressa dos autores e do editor.

    2002 by Organizadores

    Direitos para esta edio CORTEZ EDITORA Rua Bartira, 317 - Perdizes 05009-000 - So Paulo - SP Tel.:(l 1)3864-0111 Fax: (11)3864-4290 E-mail: [email protected] www.cortezeditora.com.br

    Impresso no Brasil outubro de 2006

  • Sumrio

    Introduo 7

    Parte I PROFESSOR REFLEXIVO: HISTORICIDADE DO CONCEITO 1. Professor reflexivo: construindo uma crtica

    Selma Garrido Pimenta 17 2. Reflexividade e formao de professores: outra oscilao do

    pensamento pedaggico brasileiro? Jos Carlos Libneo 53

    3. Tendncias investigativas na formao de professores Jos Gimeno Sacristn 81

    4. Formao de professores: a pesquisa e a poltica educacional Bernard Charlot 89

    Parte II EPISTEMOLOGIA DA PRTICA E AUTONOMIA DA CRTICA NA FORMAO DE PROFESSORES/AS 5. Epistemologia da prtica: o professor reflexivo e a pesquisa

    colaborativa Silas Borges Monteiro 111

    6. Professor reflexivo: da alienao da tcnica autonomia da crtica Evandro Ghedin 129

    7. Superando a racionalidade tcnica na formao: sonho de uma noite de vero Maria Isabel Batista Serro 151

  • 6 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL

    Parte III PROFISSIONAIS DA EDUCAO E AS MEDIAES NA FORMAO DO PROFESSOR REFLEXIVO 8. Redimensionando o papel dos profissionais da educao:

    algumas consideraes Maria do Socorro Lucena Lima & Marineide de Oliveira Gomes 163

    9. O professor diante do espelho: reflexes sobre o conceito de professor reflexivo Juarez Melgao Valadares 187

    10. O professor reflexivo-crtico como mediador do processo de inter-relao da leitura escritura Rita de Cssia Monteiro Barbugiani Borges 201

    11. Racionalidade tcnica, pesquisa colaborativa e desenvolvimento profissional de professores Luiz Fernando Franco 219

  • INTRODUO 7

    Este livro nasce da produo coletiva dos mestrandos e doutoran-dos alunos de disciplina que ministramos nos Programas de Ps-Gra-duao em Educao na Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo e da Universidade Catlica de Gois, nos anos de 2000 e 2001, como resposta a um conjunto de questionamentos nossos e que foram ampliados durante os cursos. Por oportuno, inclui textos de trs outros autores, preocupados com a mesma problemtica.

    A proposta inicial da disciplina era discutir criticamente o conceito de professor reflexivo, amplamente apropriado e generalizado nos meios educacionais. Para isso, se props uma anlise sistemtica que permitis-se ir s suas razes fundantes e analisar a sua gnese, de modo que se compreendesse o seguinte paradoxo: se essa perspectiva conceituai tem se revelado extremamente importante para a leitura, compreenso e orien-tao do processo de formao de professores, tem tambm sido apro-priada por diversos atores pesquisadores e reformadores educacio-nais que apresentam propostas claramente divergentes para esse pro-cesso. diante dessa problemtica que se faz necessrio avaliar, investi-gar, aprofundar, analisar e criticar a fecundidade de uma perspectiva te-rica para a formao de professores(as) na contemporaneidade brasileira.

    Inicialmente produziu-se um conjunto de indagaes surgidas ao longo do curso, que foram amadurecendo no decorrer das discusses. medida que o debate ia se desenvolvendo, o conceito apontava possibi-lidades de aprofundamento, mas tambm os seus limites na prtica formativa dos(as) novos(as) professores(as). Os textos que ora tornamos pblico, articulam uma reflexo sobre esses limites e possibilidades do conceito de professor reflexivo.

  • 8 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL

    A anlise crtica contida nos textos aqui reunidos expressa uma vi-so possvel sobre o conceito, no sendo obviamente a nica. Entende-mos que um conceito frtil possibilita infindas leituras e a fundao de novos conceitos. Acreditamos que a produo deste livro resultante dessa fertilidade.

    O livro tem como eixo articulador a necessidade de ler criticamente a realidade atravs de uma anlise sistemtica. Nesse sentido, cada autor(a) procura articular suas questes, expresses das preocupaes que emer-gem de seu cotidiano de pesquisa na ps-graduao, problemtica ge-ral. Se isso revela os limites do prprio trabalho, tambm demonstra que as possibilidades criativas de cada um(a) colocam a reflexo sobre o con-ceito num novo patamar de debate.

    Alm da questo central sobre a crtica ao conceito de professor reflexivo, h uma outra problemtica umbilicalmente ligada a ela que a questo da formao de professores. Por isso, os textos configuram um movimento que vai do conceito a possveis propostas ou leituras de formao que o tenham como horizonte de orientao. Esse movi-mento norteou a organizao dos textos em trs partes distintas e com-plementares. A primeira, Professor reflexivo: historicidade do conceito, apre-senta a gnese scio-histrica do conceito de reflexo e da perspectiva do professor reflexivo, analisando seus limites e suas possibilidades na formao de professores em diferentes pases e, em especial, no Brasil. A segunda prope-se uma reflexo sobre a Epistemologia da prtica e autonomia da critica na formao de professores. A terceira, Profissionais da educao e as mediaes na formao do professor reflexivo, complementando as anteriores, pe em discusso a ligao entre o conceito e a profissionalidade do professor. Assim, percorre-se uma caminhada que vai das reflexes propostas para a formao de professores s crticas ao conceito de professor reflexivo, e do conceito para as alternativas que nele se fundamentam.

    Parte I Professor reflexivo: historicidade do conceito

    Professor reflexivo: construindo uma crtica Selma Garrido Pimenta Analisa as origens, os pressupostos, os fundamentos e as caractersti-cas dos conceitos professor reflexivo e professor-pesquisador no movimento de valorizao da formao e da profissionalizao de professores sur-gido em diferentes pases a partir dos anos 1990, e a sua influncia em pesquisas e nos discursos de pesquisadores e de polticos brasileiros.

  • INTRODUO 9

    Procede a uma reviso conceituai a partir das propostas do norte-americano D. Schn e dos contextos nos quais se desenvolve. Aponta seus desdobramentos na rea de formao de professores e as princi-pais crticas a partir de diferentes perspectivas tericas e de pesquisa emprica. Analisa a apropriao desses conceitos no Brasil, situando um breve panorama histrico do movimento e das pesquisas sobre formao de professores anteriores disseminao do conceito. Apon-ta as bases polticas e ideolgicas em confronto nas polticas de forma-o de professores em anos recentes. Conclui pela necessidade da trans-formao do conceito, considerando as contradies que emergem de sua anlise.

    Reflexividade e formao de professores: outra oscilao do pensamento peda-ggico brasileiro? Jos Carlos Libneo O texto situa a reflexividade como conceito integrante do embate mo-dernidade ps-modernidade, referindo-se ao carter reflexivo da ra-zo, implicando a capacidade de pensar, a auto-reflexo, a intencionali-dade e o "empoderamento" dos sujeitos, frente realidade. Afirma que, no caso brasileiro, a concepo de professor reflexivo, de matiz pragm-tico, tende a se sobrepor aos demais significados da reflexividade. Em razo disso, o texto visa explicitar outros sentidos desse conceito, situar sucintamente sua histria no Brasil e discutir distines entre a reflexividade de matiz neoliberal e outras modulaes do conceito como a crtica, a dialtica, a hermenutica, a comunicativa, a comunitria, en-tre outras. Prope ao final uma concepo mais abrangente de formao de professores inspirada na teoria histrico-cultural da atividade e nas teorias recentes da ao e da cultura.

    Tendncias investigativas na formao de professores Jos Gimeno Sacristn Criticando a expanso generalizada de pesquisas no campo da for-mao de professores, indaga-se at que ponto so teis aos professo-res. Constri sua anlise a partir das duas grandes tendncias atuais: a ps-positivista e a ps-weberiana. Apresenta seis princpios a partir dos quais se deveria elaborar um discurso mais coerente com a reali-dade prtica dos professores, partindo da idia de um senso comum culto. Prope uma formao de professores baseada num racionalismo moderado na direo da modernidade; na vontade como sentimento que abre um caminho otimista enraizado na inteligncia; e no habus como forma de integrao entre o mundo das instituies e o mundo das pessoas.

  • 10 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL

    Formao de professores: a pesquisa e a poltica educacional Bernard Charlot O texto examina questes que o autor considera fundamentais para se pensar a formao de professores: o fato de as pesquisas no atingirem a sala de aula; a questo da relao entre a teoria e a prtica; as relaes entre as prticas dos alunos, as prticas dos docentes e as estruturas e as polticas educacionais. Afirma que os professores esto se formando mais com os outros professores dentro das escolas do que nas aulas das uni-versidades. A partir da, faz uma ponte entre a pesquisa na rea educa-cional e a formao de professores, distinguindo o trabalho do professor da funo de pesquisador. Diz que no existe um problema de dilogo entre teoria e prtica; o que existe um problema de dilogo entre dois tipos de teoria, uma enraizada na prtica e outra que se desenvolve na pesquisa e nas idias dos pesquisadores. Conclui expressando-se sobre o efeito das estruturas e das prticas educacionais do aluno e do professor.

    Parte II Epistemologia da prtica e autonomia da crtica na formao de professores

    Epistemologia da prtica: o professor reflexivo e a pesquisa colaborativa Silas Borges Monteiro

    O texto tece consideraes sobre os saberes da docncia na produo do conhecimento em educao e explicita as dicotomias entre teoria e prti-ca, apontando para uma sada fundada na prxis. Trabalha os conceitos de prtica e de teoria, estabelecendo uma relao intrnseca entre ambas, fundada em sua reviso. Caminha dessa relao teoria de professor re-flexivo, entendendo-a como uma "outra prtica", o que coloca em ques-to a possibilidade da pesquisa (colaborativa) da prtica. Busca no senti-do grego do labor uma fundamentao para a pesquisa colaborativa, apon-tada como alternativa a outros modelos de produo do conhecimento no campo educacional. Prope que a reflexo uma forma de labor que se torna co-labor na ao com os outros, fundamentando a pesquisa colaborativa neste dilogo (como prtica) coletivo.

    Professor reflexivo: da alienao da tcnica autonomia da crtica Evandro Ghedin

    Parte do pressuposto de que a tcnica por si mesma traz um processo de alienao imposto pelos meios de produo. A formao profissional do professor precisa abandonar este paradigma da tecnicidade para fun-dar-se num outro modelo que seja de carter reflexivo. Para tal, o texto faz trs movimentos, didaticamente distintos mas intimamente inter-

  • INTRODUO 11

    relacionados. O primeiro movimento vai do prtico-reflexivo autono-mia da prxis. Entende que a reflexo tem sentido como prxis, na dire-o marxiana. O segundo movimento vai da epistemologia da prtica autonomia emancipadora da crtica, numa crtica ao conceito de profes-sor reflexivo. O terceiro movimento vai da epistemologia da prtica do-cente prtica da epistemologia crtica. O horizonte da reflexo deve ser a crtica, no como fim em si mesma, mas como meio de redimensionar e ressignificar a prpria prtica.

    Superando a racionalidade tcnica na formao: sonho de uma noite de vero Maria Isabel Batista Serro O texto parte das posies de Schn na sua crtica racionalidade tcni-ca e prope a reflexo como instrumento de formao do professor. Exa-minando o conceito de "prtico-reflexivo" faz um contraponto com Elliot e Stenhouse, para negar que o professor, no seu processo de formao e na sua atuao profissional, possa ser um arteso, como prope Schn, porque no interior do sistema capitalista os professores das escolas p-blicas e das particulares no so donos de sua fora de trabalho, uma vez que esto inseridos numa relao de produo prpria do sistema capi-talista, em que o trabalhador vende sua fora de trabalho e, nesta condi-o, ele no dono de sua obra. Portanto, sua ao limita-se a ser traba-lhador pblico ou trabalhador privado e no um artista ou arteso.

    Parte III Profissionais da Educao e as Mediaes na Formao do Professor Reflexivo

    Redimensionando o papel dos profissionais da educao: algumas consideraes Maria do Socorro Lucena Lima e Marineide de Oliveira Gomes As autoras propem uma reflexo sobre a necessidade de redimensiona-mento do papel dos profissionais da educao, questionando o processo de interferncia dos novos paradigmas da cincia que condiciona e am-plia as atividades dos profissionais da educao na sociedade atual. Re-fletem sobre o papel e a funo da pedagogia e do pedagogo, inserindo-os como detentores de um conjunto de saberes que nascem da experincia, se constituem em saber cientfico e se transmitem como saberes pedag-gicos, confuindo para a construo da identidade do pedagogo. Sinteti-zam as alteraes legais sobre a formao dos profissionais da educao, levantando questes polmicas a serem enfrentadas no debate institucio-nal e propem uma outra qualidade para a formao docente.

  • 12 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL

    O professor diante do espelho: reflexes sobre o conceito de professor reflexivo Juarez Melgao Valadares Analisando aspectos da prtica reflexiva na literatura acadmica atual, tece um dilogo entre as idias nela contidas e uma prtica concreta de professor reflexivo no municpio de Belo Horizonte. Traz para a discusso alguns elementos relacionados importncia da autonomia do profes-sor na organizao e execuo de projetos pedaggicos. Partindo do con-ceito de profissional reflexivo, passa pelas crticas ao conceito de professor reflexivo, exemplifica uma prtica na escola e conclui numa perspectiva dialgica para a construo da autonomia do professorado.

    0 professor reflexivo-crtico como mediador do processo de inter-relaqo da leitura escritura Rita de Cssia Monteiro Barbugiani Borges

    Discute possibilidades de ao docente na orientao do processo de inter-relao da leitura escritura por meio de uma intertextualizao da teoria do professor reflexivo e da relao leitura escritura. Apresenta uma sntese da teoria, das contradies, dvidas e buscas do profissio-nal reflexivo como intelectual crtico e prope uma reflexo no sentido de pensar a inter-relao da leitura escritura no processo ensino aprendizagem nos cursos de nvel superior, destacando o papel do pro-fessor na orientao e formao de um leitor crtico e capaz de produzir a prpria autoria textual com um discurso reflexivo, crtico e criativo.

    Racionalidade tcnica, pesquisa colaborativa e desenvolvimento profissional de professores Luiz Fernando Franco O texto faz um movimento da crtica racionalidade tcnica aos saberes da experincia como objeto de conhecimento e de reflexo. Sintetiza as posies em torno dos conceitos de professor reflexivo e professor pesquisa-dor e busca demonstrar, atravs de pesquisa emprica, em depoimentos de professores, os componentes da racionalidade tcnica presentes na prtica cotidiana dos professores. Conclui por valorizar os saberes da experincia como imprescindveis para a formao de um profissional reflexivo.

    O presente livro, Professor reflexivo no Brasil: gnese e crtica de um conceito, deseja contribuir com o debate terico sobre formao de pro-fessores. Esperamos que os textos aqui reunidos possam ser teis aos professores em exerccio de sua profisso e aos futuros professores no sentido de ampliarem sua compreenso de questes que afetam o cotidia-no do trabalho docente nas escolas. Esperamos que contribua tambm

  • INTRODUO 13

    na anlise das pesquisas e das polticas na rea e que estimule novas anlises e investigaes em todos aqueles que, como ns, acreditam na necessidade de que os professores tenham seu estatuto profissional e social elevados, a fim de que possam contribuir para tornar efetiva uma educao de qualidade para todos.

    So Paulo, outubro de 2001 Selma Garrido Pimenta

    Evandro Ghedin

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  • PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 17

    PROFESSOR REFLEXIVO: construindo uma crtica*

    Selma Garrido Pimenta**

    Este texto teve sua origem no curso Anlise Crtica do Conceito de Professor Reflexivo que ministrei inicialmente junto aos alunos do Dou-torado em Educao na Universidade Catlica de Gois (2000)1 e junto linha de pesquisa Didtica, Teorias do Ensino e Prticas Escolares, no Ncleo de Estudos e Pesquisas sobre Formao de Professores, no Pro-grama de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da USP (2001). Teve por objetivos explicitar e discutir as origens, os pressu-postos, os fundamentos e as caractersticas do conceito professor reflexivo, com vistas a dispor aos alunos perspectivas tericas e dados de pesquisa emprica que lhes possibilitassem uma anlise crtica desse conceito. Considerando a importncia que assumiu no processo formativo dos ps-graduandos, passou a integrar a disciplina Formao de Professores: Tendncias Investigativas Contemporneas, sob a responsabilidade da autora e dos professores Maria Isabel de Almeida e Jos Cerchi Fusari, Feusp (2001). As anlises, as discusses, os debates e as crticas foram

    * O texto parte do Relatrio Parcial de Pesquisa (CNPq, 2002), com o ttulo A pesquisa na rea de formao de professores e as tendncias investigativas contemporneas terico-epistemolgicas-metodolgicas e polticas. Agradeo a Maria Amlia Franco e Valter Soares Guimares pela lei-tura e sugestes.

    ** Professora titular da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo. [email protected]

    1. Em convnio com o Programa de Ps-Graduao Educao Brasileira, da Unesp/ Marlia.

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    significativamente ampliados com a colaborao dos colegas e dos alu-nos e me estimularam a elaborar o presente texto, que incorpora contri-buies a partir da pesquisa emprica Qualificao do Ensino Pblico e Formao de Professores.2

    Sua proposta a de analisar as origens, os pressupostos, os funda-mentos e as caractersticas dos conceitos professor reflexivo e professor pes-quisador no movimento de valorizao da formao e da profissionaliza-o de professores surgido em diferentes pases a partir dos anos 1990 e a sua influncia em pesquisas e nos discursos de pesquisadores e de po-lticos brasileiros. Para isso procede a uma reviso conceituai do tema a partir das propostas do norte-americano D. Schn, seu principal formulador, e dos contextos nos quais se desenvolve. Aponta seus des-dobramentos conceituais na rea de formao de professores em dife-rentes autores e pases e as principais crticas a partir de diferentes pers-pectivas tericas e de pesquisa emprica por ns realizada. Analisa a apropriao desses conceitos no Brasil, situando um breve panorama histrico do movimento e das pesquisas sobre formao de professores, anteriores disseminao do conceito entre ns, evidenciando a fertili-dade do dilogo que ento se estabeleceu. Criticando a apropriao ge-neralizada dos conceitos, discute as bases polticas e ideolgicas em con-fronto nas polticas de formao de professores no Brasil nos anos recen-tes. Por fim, aponta para a necessidade da transformao do conceito, considerando as contradies que emergem de sua anlise.

    1. Professor reflexivo adjetivo ou conceito?

    Todo ser humano reflete. Alis, isso que o diferencia dos demais animais. A reflexo atributo dos seres humanos. Ora, os professores, como seres humanos, refletem. Ento, por que essa moda de "professor reflexi-vo"? De fato, desde os incios dos anos 1990 do sculo XX, a expresso "professor reflexivo" tomou conta do cenrio educacional, confundindo a reflexo enquanto adjetivo, como atributo prprio do ser humano, com um movimento terico de compreenso do trabalho docente. Para escla-recer a diferena entre a reflexo como atributo dos professores (adjetivo)

    2. Trata-se de pesquisa colaborativa coordenada pela autora, com a participao de Manoel Oriosvaldo de Moura, Elsa Garrido e Helosa Penteado, foi realizada em uma escola pblica estadual de So Paulo junto a 24 professores, responsveis pela formao de professores para as sries iniciais do ensino fundamental. Feusp-Fapesp, 1996-2000.

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    e o movimento que se denominou professor reflexivo (conceito), procedere-mos a uma gnese contextualizada desse movimento.

    Como professor de Estudos Urbanos no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA) at 1998, Donald Schn realizou atividades re-lacionadas com reformas curriculares nos cursos de formao de profis-sionais. Observando a prtica de profissionais e valendo-se de seus estu-dos de filosofia, especialmente sobre John Dewey,3 prope que a forma-o dos profissionais no mais se d nos moldes de um currculo normativo que primeiro apresenta a cincia, depois a sua aplicao e por ltimo um estgio que supe a aplicao pelos alunos dos conhecimen-tos tcnico-profissionais. O profissional assim formado, conforme a an-lise de Schn, no consegue dar respostas s situaes que emergem no dia-a-dia profissional, porque estas ultrapassam os conhecimentos ela-borados pela cincia e as respostas tcnicas que esta poderia oferecer ainda no esto formuladas.

    Assim, valorizando a experincia e a reflexo na experincia, conforme Dewey, e o conhecimento tcito, conforme Luria e Polanyi, Schn pro-pe uma formao profissional baseada numa epistemologia da prtica, ou seja, na valorizao da prtica profissional como momento de constru-o de conhecimento, atravs da reflexo, anlise e problematizao desta, e o reconhecimento do conhecimento tcito, presente nas solues que os profissionais encontram em ato. Esse conhecimento na ao o conheci-

    3. Em sua tese de doutorado (1983), Schn estuda Dewey, alm de Polanyi, Wittgenstein, Luria e Kuhn. Autores que lhe do base para configurar uma pedagogia de formao profis-sional. De Luria, quando estuda o desenvolvimento cognitivo de camponeses propondo-lhes problemas e observando seus processos de compreenso e de resoluo e extrai a importncia de seus conhecimentos tcitos (cf. Michael Polanyi). De Dewey, o conceito de experincia com-preendida como mais do que a simples atividade, envolvendo os elementos ativo (tentativas, experimentos, mudana) e passivo, quando experimentamos, passamos, sofremos as conse-qncias da mudana. Nesse sentido, "a experincia uma ao activo-passiva; no prima-riamente, cognitiva. Mas a medida do valor da experincia reside na percepo das relaes ou continuidades a que nos conduz" (p. 192). Portanto, "sem algum elemento intelectual [a reflexo] no possvel nenhuma experincia significativa"... "O pensamento ou reflexo (...) o discernimento da relao entre aquilo que tentamos fazer e o que sucede em conseqn-cia" (p. 199). Tambm "pelo pensamento ns prevemos [hiptese] as conseqncias (...) o que significa uma soluo proposta ou tentada (p. 208). Para que a hiptese seja aperfeioada necessrio que se analise cuidadosamente "as condies existentes e o contedo da hiptese adotada acto que se chama raciocnio. Ento, a soluo sugerida a idia ou teoria tem que ser posta em prova, procedendo-se de acordo com ela. Se acarretar certas conseqncias, determinadas mudanas no mundo, admite-se como valiosa, Se tal no se der, modificamo-la e fazemos novas experincias" (p. 208). (Dewey, John. Democracia e educao. Trad. de Godofredo Rangel e Ansio Teixeira. So Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1952).

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    mento tcito, implcito, interiorizado, que est na ao e que, portanto, no a precede. E mobilizado pelos profissionais no seu dia-a-dia, confi-gurando um hbito. No entanto, esse conhecimento no suficiente. Fren-te a situaes novas que extrapolam a rotina, os profissionais criam, cons-trem novas solues, novos caminhos, o que se d por um processo de reflexo na ao. A partir da, constrem um repertrio de experincias que mobilizam em situaes similares (repetio), configurando um co-nhecimento prtico. Estes, por sua vez, no do conta de novas situa-es, que colocam problemas que superam o repertrio criado, exigindo uma busca, uma anlise, uma contextualizao, possveis explicaes, uma compreenso de suas origens, uma problematizao, um dilogo com outras perspectivas, uma apropriao de teorias sobre o problema, uma investigao, enfim. A esse movimento, o autor denomina de refle-xo sobre a reflexo na ao. Com isso, abre perspectivas para a valorizao da pesquisa na ao dos profissionais, colocando as bases para o que se convencionou denominar o professor pesquisador de sua prtica.4

    Assim, encontramos em Schn uma forte valorizao da prtica na formao dos profissionais; mas uma prtica refletida, que lhes possibi-lite responder s situaes novas, nas situaes de incerteza e indefinio. Portanto, os currculos de formao de profissionais deveriam propiciar o desenvolvimento da capacidade de refletir. Para isso, tomar a prtica existente (de outros profissionais e dos prprios professores) um bom caminho a ser percorrido desde o incio da formao, e no apenas ao final, como tem ocorrido com o estgio.5

    2. A fertilidade das contribuies de Schn no campo da formao de professores

    As idias de Schn rapidamente foram apropriadas e ampliadas em diferentes pases, alm de seu prprio, num contexto de reformas

    4. Dentre os autores que inicialmente colocam as questes de professor pesquisador para a rea de formao destes esto Elliot (1993) e Stenhouse (1984 e 1987).

    5. Aos interessados em aprofundar a anlise das propostas de Schn e suas teorias, con-sultar, especialmente, Schn, D. The Reflective Practitioner how professionals think in action. Londres: Temple Smith, 1983, e Educating the Reflective Practitioner tomar a nem design for teaching and learning in the professions. San Francisco: Jossey Bass, 1987. Este tambm em espa-nhol: Laformacin de profesionales reflexivos hacia un nuevo diseno de la ensenanza y el aprendizaje en Ias profesiones. Madrid: Paids, 1992. Ver tambm Nvoa, Antnio (coord.). Os professores e sua formao. Lisboa: Ed. Dom Quixote, 1992, obra que rene textos de vrios autores em tomo da perspectiva de professor reflexivo, inclusive um texto de Schn.

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    curriculares nas quais se questionava a formao de professores numa perspectiva tcnica e a necessidade de se formar profissionais capazes de ensinar em situaes singulares, instveis, incertas, carregadas de conflitos e de dilemas, que caracteriza o ensino como prtica social em contextos historicamente situados. Por outro lado, tambm se indagava sobre o papel dos professores nas reformas curriculares. Seriam estes meros executores das decises tomadas em outras instncias? Pesquisas j vinham apontando a importncia da participao destes e da incorpo-rao de suas idias, seus conhecimentos, suas representaes, na elabo-rao das propostas a serem implantadas. O reconhecimento destes como sujeitos participantes das propostas se constitua em requisito impres-cindvel no sucesso da implantao de mudanas. E o conceito de profes-sor reflexivo apontava possibilidades nessa direo.

    A ampliao e a anlise crtica das idias de Schn (e a partir delas) favoreceram um amplo campo de pesquisas sobre uma srie de temas pertinentes e decorrentes para a rea de formao de professores, temas inclusive ausentes nas preocupaes de Schn.

    Uma das primeiras questes tematizadas dizia respeito aos curr-culos necessrios para a formao de professores reflexivos e pesquisa-dores, ao local dessa formao e, sobretudo, s condies de exerccio de uma prtica profissional reflexiva nas escolas. O que ps novamente em pauta de discusso as questes organizacionais, o projeto pedaggico das escolas, a importncia do trabalho coletivo, as questes referentes autonomia dos professores e das escolas; as condies de trabalho, de carreira, de salrio, de profissionalizao de professores; a identidade epistemolgica (quais saberes lhes so prprios?); os processos de for-mao dessa identidade, incluindo a vida, a histria, a trajetria pessoal e profissional; as novas (e complexas) necessidades colocadas s escolas (e aos professores) pela sociedade contempornea das novas tecnologias, da informao e do conhecimento, do esgaramento das relaes sociais e afetivas, da violncia, da indisciplina, do desinteresse pelo conheci-mento, gerado pelo reconhecimento das formas de enriquecimento que independem do trabalho; das novas configuraes do trabalho e do de-semprego, requerendo que os trabalhadores busquem constantemente re-qualificao atravs de cursos de formao contnua etc.

    Nesse contexto, no que se refere aos professores, ganhou fora a formao contnua na escola, uma vez que a se explicitam as demandas da prtica, as necessidades dos professores para fazerem frente aos confli-tos e dilemas de sua atividade de ensinar. Portanto, a formao contnua

  • 22 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL

    no se reduz a treinamento ou capacitao e ultrapassa a compreenso que se tinha de educao permanente.6 A partir da valorizao da pes-quisa e da prtica no processo de formao de professores, prope-se que esta se configure como um projeto de formao inicial e contnua articulado entre as instncias formadoras (universidade e escolas7).

    3. Primeiras crticas: mercado de conceitos

    O ensino como prtica reflexiva tem se estabelecido como uma ten-dncia significativa nas pesquisas em educao, apontando para a valo-rizao dos processos de produo do saber docente a partir da prtica e situando a pesquisa como um instrumento de formao de professores, em que o ensino tomado como ponto de partida e de chegada da pes-quisa. Concordando com a fertilidade dessa perspectiva, cabe, no entanto, indagar: que tipo de reflexo tem sido realizada pelos professores? As reflexes incorporam um processo de conscincia das implicaes so-ciais, econmicas e polticas da atividade de ensinar? Que condies tm os professores para refletir?

    Sem dvida, ao colocar em destaque o protagonismo do sujeito pro-fessor nos processos de mudanas e inovaes, essa perspectiva pode gerar a supervalorizao do professor como indivduo. Nesse sentido, diversos autores tm apresentado preocupaes quanto ao desenvolvi-mento de um possvel "praticismo" da decorrente, para o qual bastaria a prtica para a construo do saber docente; de um possvel "individua-lismo", fruto de uma reflexo em torno de si prpria; de uma possvel hegemonia autoritria, se se considera que a perspectiva da reflexo suficiente para a resoluo dos problemas da prtica; alm de um poss-vel modismo, com uma apropriao indiscriminada e sem crticas, sem compreenso das origens e dos contextos que a gerou, o que pode levar banalizao da perspectiva da reflexo. Esses riscos so apontados por vrios autores.

    Para Liston & Zeichner (1993), no entender de Rocha (1999), "a re-flexo desenvolvida por Schn aplica-se a profissionais individuais, cujas

    6. Sobre as diferenas entre educao permanente e formao contnua, ver a tese de Maria Socorro Lucena Lima, A formao contnua de professores nos caminhos e descaminhos do desenvolvimento profissional. Faculdade de Educao Universidade de So Paulo, 2001.

    7. Sobre a relao universidades e escolas, ver Fiorentini et al. (1998); Pimenta, Garrido & Moura (2000); Zeichner (1998).

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    mudanas que conseguem operar so imediatas: eles no conseguem al-terar as situaes alm das salas de aula. Esses autores acreditam que Schn tinha a conscincia dessa limitao dos profissionais reflexivos. Para eles Schn no especifica as reflexes sobre a linguagem, os siste-mas de valores, os processos de compreenso e a forma com que defi-nem o conhecimento, quatro elementos fundamentais, sem os quais os professores no conseguem mudar a produo do ensino, de forma a faz-lo segundo ideais de igualdade e justia. E mais, s a reflexo no basta, necessrio que o professor seja capaz de tomar posies concre-tas para reduzir tais problemas. Os professores no conseguem refletir concretamente sobre mudanas porque so eles prprios condicionados ao contexto em que atuam". Nesse sentido, Liston & Zeichner "conside-ram que o enfoque de Schn reducionista e limitante por ignorar o contexto institucional e pressupor a prtica reflexiva de modo indivi-dual. Afirmam que isto ocorreu porque o autor no se colocou por obje-tivo elaborar um processo de mudana institucional e social, mas so-mente centrar-se nas prticas individuais. Afirmam que Schn concede aos profissionais a misso de mediao pblica, facilitadores do dilogo pblico nos problemas sociais, mas no inclui qual deveria ser o com-promisso e a responsabilidade pblica dos professores" (Freitas, 1999). 8

    Zeichner (1992) "entende que a concepo de interveno reflexiva proposta por Schn, a partir de Dewey, uma forma de sustentar a inco-erncia em se identificar o conceito de professor reflexivo com prticas ou treinamentos que possam ser consumidos por um pacote a ser aplica-do tecnicamente. E isso que, a seu ver, vem ocorrendo com o conceito: um oferecimento de treinamento para que o professor torne-se reflexivo. A nosso ver, esse 'mercado' do conceito entende a reflexo como supera-o dos problemas cotidianos vividos na prtica docente, tendo em con-ta suas diversas dimenses. Essa massificao do termo tem dificultado o engajamento de professores em prticas mais crticas, reduzindo-as a um fazer tcnico. Contraditoriamente, esse fazer foi o objeto de crtica do conceito professor reflexivo, como vimos. O esvaziamento do sentido tambm se d na identificao do conceito com a adjetivao da reflexo entendida como atributo do humano e do professor, portanto" (Castro et al., 2000). 9

    8. Rocha, Celina Abadia da & Freitas, Raquel A. M. M. foram alunas do doutorado da UCG em 1999. Os trechos citados referem-se a seus trabalhos de snteses do curso.

    9. Castro et al. Foram alunos do curso ministrado em 2000, na FE-USP. Os trechos citados referem-se a seus trabalhos de snteses do curso.

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    Discorrendo sobre o tema, aponto (Pimenta, 2000) que o saber do-cente no formado apenas da prtica, sendo tambm nutrido pelas teo-rias da educao. Dessa forma, a teoria tem importncia fundamental na formao dos docentes, pois dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma ao contextualizada, oferecendo perspectivas de anlise para que os professores compreendam os contextos histricos, sociais, cultu-rais, organizacionais e de si prprios como profissionais.

    Prez-Gmez (1992), referindo-se a Habermas, pontua que a refle-xo no apenas um processo psicolgico individual, uma vez que im-plica a imerso do homem no mundo da sua existncia, um mundo car-regado de valores, intercmbios simblicos, correspondncias afetivas, interesses sociais e cenrios polticos. Nesse sentido, quanto aborda-gem da prtica reflexiva, torna-se necessrio estabelecer os limites pol-ticos, institucionais e terico-metodolgicos relacionados a esta, para que no se incorra numa individualizao do professor, advinda da descon-siderao do contexto em que ele est inserido. A transformao da pr-tica dos professores deve se dar, pois, numa perspectiva crtica. Assim, deve ser adotada uma postura cautelosa na abordagem da prtica refle-xiva, evitando que a nfase no professor no venha a operar, estranha-mente, a separao de sua prtica do contexto organizacional no qual ocorre. Fica, portanto, evidenciada a necessidade da realizao de uma articulao, no mbito das investigaes sobre prtica docente reflexiva, entre prticas cotidianas e contextos mais amplos, considerando o ensi-no como prtica social concreta.

    Contreras (1997) se destaca dentre os autores que realizam uma anlise crtica da epistemologia da prtica, decorrente da perspectiva da reflexo, para tambm apontar suas possibilidades. No livro La autonomia dei profesorado realiza uma sistematizao dessa crtica a partir de dife-rentes autores.

    Quanto concepo do professor como investigador desenvolvida por Stenhouse, os vrios autores concordam que este no inclui a crtica ao contexto social em que se d a ao educativa. Assim, reduz a investi-gao sobre a prtica aos problemas pedaggicos que geram aes parti-culares em aula. Para Kemmis (1985), por exemplo, a centralidade na aula como lugar de experimentao e de investigao e no professor como o que se dedica, individualmente, reflexo e melhoria dos problemas uma perspectiva restrita, pois desconsidera a influncia da realidade social sobre aes e pensamentos e sobre o conhecimento como produto

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    de contextos sociais e histricos. Nesse sentido, h que se aceitar a afir-mao de Giroux (1990) de que a mera reflexo sobre o trabalho docente de sala de aula insuficiente para uma compreenso terica dos elemen-tos que condicionam a prtica profissional. Tambm Lawn (1988) anali-sa que uma coisa identificar o lugar onde o professor realiza sua fun-o; outra reduzir o problema a esse lugar. Por isso, o processo de eman-cipao a que se refere Stenhouse mais o de liberao de amarras psico-lgicas individuais do que o de uma emancipao social.

    Concordando com a crtica desses autores, entendo que a supera-o desses limites se dar a partir de teoria(s), que permita(m) aos pro-fessores entenderem as restries impostas pela prtica institucional e histrico-social ao ensino, de modo que se identifique o potencial trans-formador das prticas. Na mesma direo, Libneo (1998a) destaca a importncia da apropriao e produo de teorias como marco para a melhoria das prticas de ensino e dos resultados. Contreras (1997) cha-ma a ateno para o fato de que a prtica dos professores precisa ser analisada, considerando que a sociedade plural, no sentido da pluralidade de saberes, mas tambm desigual, no sentido das desigual-dades sociais, econmicas, culturais e polticas. Assim, concorda com Carr (1995) ao apontar sobre o carter transitrio e contingente da pr-tica dos professores e da necessidade da transformao da mesma numa perspectiva crtica.

    4. De crticas e de possibilidades

    Ao colocar o papel da teoria como possibilidade para a superao do praticismo, ou seja, da crtica coletiva e ampliada para alm dos contextos de aula e da instituio escolar, incluindo as esferas sociais mais amplas e ao evidenciar o significado poltico da atividade docen-te, esses autores apresentam, no reverso da crtica ao professor reflexi-vo e pesquisador da prtica, a fertilidade desses conceitos para novas possibilidades. Esse movimento, que coloca a direo de sentido da atuao docente numa perspectiva emancipatria e de diminuio das desigualdades sociais, atravs do processo de escolarizao, interes-sante porque impede uma apropriao generalizada e banalizada e mesmo tcnica da perspectiva da reflexo. O que se faz presente, por exemplo, no discurso sobre as competncias, que, como se ver, nada mais significa do que uma tecnicizao do trabalho dos professores e de sua formao.

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    4.1. Da reflexo individual coletiva

    Para compreender esse movimento, duas questes so fundamen-tais: o que se entende por teoria e seu papel na reflexo e a compreenso de que a reflexo necessariamente um processo coletivo.

    A) O papel da teoria Para Gimeno (1999), a fertilidade dessa epistemologia da prtica

    ocorrer se se considerar inseparveis teoria e prtica no plano da subje-tividade do sujeito (professor), pois sempre h um dilogo do conheci-mento pessoal com a ao. Esse conhecimento no formado apenas na experincia concreta do sujeito em particular, podendo ser nutrido pela "cultura objetiva" (as teorias da educao, no caso), possibilitando ao professor criar seus "esquemas" que mobiliza em suas situaes concre-tas, configurando seu acervo de experincia "terico-prtico" em cons-tante processo de re-elaborao.

    Assim, a teoria como cultura objetivada importante na formao docente, uma vez que, alm de seu poder formativo, dota os sujeitos de pontos de vista variados para uma ao contextualizada. Os saberes teri-cos propositivos se articulam, pois, aos saberes da prtica, ao mesmo tem-po ressignificando-os e sendo por eles ressignificados. O papel da teoria oferecer aos professores perspectivas de anlise para compreenderem os contextos histricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profissionais, nos quais se d sua atividade docente, para neles intervir, transformando-os. Da, fundamental o permanente exerccio da crtica das condies materiais nas quais o ensino ocorre e de como nessas mes-mas condies so produzidos os fatores de negao da aprendizagem.

    B) A reflexo coletiva Para superar esses problemas Zeichner (1992), a partir de pesquisas

    que desenvolve junto s escolas e aos professores, formula trs perspec-tivas a serem acionadas conjuntamente: a) a prtica reflexiva deve centrar-se tanto no exerccio profissional dos professores por eles mesmos, quanto nas condies sociais em que esta ocorre; b) o reconhecimento pelos professores de que seus atos so fundamentalmente polticos e que, portanto, podem se direcionar a objetivos democrticos emancipatrios; c) a prtica reflexiva, enquanto prtica social, s pode se realizar em cole-tivos, o que leva necessidade de transformar as escolas em comunidades de aprendizagem nas quais os professores se apoiem e se estimulem mutua-mente. Esse compromisso tem importante valor estratgico para se criar as condies que permitam a mudana institucional e social.

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    4.2. Da reflexo reflexo crtica. Ou: do professor reflexivo ao intelectual crtico

    Giroux (1990), apontando os limites da proposta de Schn, desen-volve a concepo do professor como intelectual crtico, ou seja, cuja re-flexo coletiva no sentido de incorporar a anlise dos contextos escola-res no contexto mais amplo e colocar clara direo de sentido reflexo: um compromisso emancipatrio de transformao das desigualdades sociais. Se essa perspectiva, de um lado, retira dos professores a capaci-dade de serem autores isolados de transformaes, de outro, confere-lhes autoridade pblica para realiz-las. Com efeito, a capacidade eman-cipatria e transformadora dos professores e das escolas como esferas democrticas s possvel se considerar os grupos e setores da comuni-dade que tm algo a dizer sobre os problemas educativos. Portanto, h que se abrir a prtica educativa aos grupos (incluindo as universidades) e prticas sociais comprometidas com a contestao popular ativa.

    Para Contreras, Giroux expressa claramente o contedo da tarefa docente, mas no aponta como os mesmos podem realizar a transio de tcnicos reprodutores e mesmo reflexivos individualmente, para inte-lectuais crticos e transformadores. Da, abre-se a perspectiva de pautar inmeros temas sobre o trabalho docente, as organizaes escolares e os sistemas de ensino e de formao inicial e contnua dos professores. nesse contexto que temas como a gesto, o tempo de ensinar, os currcu-los, o projeto poltico pedaggico, o trabalho coletivo, a identidade dos professores, sua autonomia relativa foram colocados em pauta. O que efetivamente ocorreu no cenrio educacional dos anos 1980 e 90 em dife-rentes pases.

    Prosseguindo a anlise da perspectiva crtica de Giroux, Contreras (1997) aponta o risco de esta no ultrapassar o nvel de discurso, uma vez que no est sustentada na anlise das condies concretas das esco-las, no oferecendo, portanto, uma anlise das mediaes possveis para sua efetivao. H que se entender que a escola no homognea e os professores no so passivos. Por isso se faz necessrio analisar como estes podem manejar processos de interao entre seus interesses e os valores e conflitos que a escola representa, para melhor entender que possibilidades a reflexo crtica pode ter no contexto escolar. Por um lado, as finalidades educativas apresentam um discurso de preparar para a vida adulta com capacidade crtica em uma sociedade plural. Por ou-tro, o trabalho docente e a vida da escola se estruturam para negar estas finalidades. E nesse paradoxo que os professores, para resistir s pres-ses que o contexto social e institucional exercem sobre eles, acabam re-

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    duzindo suas preocupaes e suas perspectivas de anlise aos proble-mas internos da aula. A compreenso dos fatores sociais e institucionais que condicionam a prtica educativa e a emancipao das formas de dominao que afetam nosso pensamento e nossa ao no so espont-neas e nem se produzem naturalmente. So processos contnuos de desco-berta, de transformao das diferenas de nossas prticas cotidianas.

    5. As pesquisas sobre formao de professores no Brasil

    Nos incios dos anos 1990, especialmente com a difuso do livro Os professores e sua formao, coordenado pelo professor portugus Antnio Nvoa, trazendo textos de autores da Espanha, Portugal, Frana, Esta-dos Unidos e Inglaterra, com referncias expanso dessa perspectiva conceituai tambm para a Austrlia e o Canad, e com a participao de significativo grupo de pesquisadores brasileiros no I Congresso sobre Formao de Professores nos Pases de Lngua e Expresso Portuguesas, realizado em Aveiro, 1993, sob a coordenao da professora Isabel Alarco, o conceito de professor reflexivo e tantos outros rapidamente se disseminaram pelo pas afora. Os dois colegas portugueses passaram a vir ao Brasil com grande freqncia, a partir de convites das universida-des, depois das associaes cientficas, depois dos governos e das esco-las particulares. Considerando a riqueza da colaborao de ambos e suas qualidades como intelectuais e pesquisadores, nos perguntamos o por-qu da admirao dos educadores brasileiros por eles. Ou, de outro modo, por que suas pesquisas e suas experincias no campo da formao de professores, a partir das contribuies de Schn, foram to ampla e rapi-damente disseminadas? Certamente porque aqui encontraram um terre-no frtil. Como se configurava, ento, o contexto da formao de profes-sores no Brasil?

    Alguns antecedentes

    A formao de professores um antigo e caro tema em nossa hist-ria.1 0 Muitas pesquisas j haviam sido produzidas sobre o assunto, antes das influncias citadas.

    10. No mbito deste texto me deterei ao perodo a partir dos anos 1960. Para examinar a questo desde as suas origens, bem como para ampliar a anlise, consultar Brezinski (1987); Fusari & Cortese (1989); Gonalves & Pimenta (1990); Pimenta (1994), entre outras.

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    Nos idos dos anos 1960, Aparecida Joly Gouveia e outros autores da rea de Sociologia da Educao na USP j vinham inaugurando a pesquisa em educao no pas. Dentre eles, Luiz Pereira, utilizando da-dos do Censo Escolar do Brasil, Inep, 1965, em sua pesquisa denomina-da Magistrio primrio numa sociedade de classes (1969), constatava que a caracterstica mais marcante do magistrio primrio estava no fato de ser uma ocupao quase exclusivamente feminina, apontando como um fator da desvalorizao relativa da profissionalizao docente, uma vez que pautada em caractersticas missionrias, de instinto maternal, pa-cincia e abnegao e de baixos salrios, poucas horas dirias de traba-lho e prestgio ocupacional insatisfatrio. Fatores esses aceitveis para o trabalho de uma mulher de classe mdia alta, em uma sociedade e uma cultura essencialmente baseadas no trabalho masculino, suporte da fa-mlia. A sociedade brasileira, no entanto, ser profundamente alterada a partir dos anos 1960, com o desenvolvimento do capitalismo urbano, apontando para uma desqualificao do trabalhador em geral, o que pe em pauta a necessidade do trabalho da mulher para o sustento da fam-lia, especialmente da professora que podia conciliar trabalho e afazeres domsticos. Por outro lado, o trabalho urbano vai ampliar a demanda social por escolarizao bsica.

    Tambm o Instituto Nacional de Pesquisas Pedaggicas (INEP), 1 1 rgo do governo federal criado e dirigido por Ansio Teixeira, realiza-r importantes e significativas pesquisas sobre a formao de professo-res realizada ento nas Escolas Normais de Ensino Mdio. Essas pes-quisas colocaram em evidncia o distanciamento e a impropriedade dessa formao em confronto com as necessidades de uma escolarida-de bsica de qualidade, para uma populao significativamente amplia-da e que trouxe para os bancos escolares as crianas dos segmentos

    11. O Inep, criado no incio dos anos 1940, iniciou em julho de 1944 a publicao da Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos (RBEP), responsvel pela divulgao do pensamento educacional brasileiro e das pesquisas sobre formao de professores, at meados dos anos 1980. Alm disso, foi um dos principais promotores para a organizao das Conferncias Na-cionais de Educao (CNEs) 1965/6/7, e que foram inviabilizadas pela ditadura militar. Pos-teriormente, nos anos 1980, entidades de educadores da sociedade civil (Ande, ANPEd, Ce-des), reeditaram sob a sigla de Conferncias Brasileiras da Educao (CBEs), responsveis pela divulgao do pensamento e das pesquisas j ento produzidas nas Faculdades de Edu-cao e nos Programas de Ps-Graduao em Educao, criados em 1969, a partir do amplo movimento de anlise crtica da realidade educacional brasileira, que colocou em pauta a importncia da educao no processo de democratizao poltica, social, econmica e cultu-ral, trazendo propostas de polticas pblicas compromissadas com justia e igualdade social.

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    sociais at ento excludos. Alm de insuficientes numericamente "44% dos professores primrios que ensinam em nossas escolas so improvisados e sem formao" (Censo Escolar do Brasil, Inep, 1965) > com formao no alm da 2 a srie primria, as Escolas Normais pade-ciam de uma tradio elitista em seu currculo, distanciado das neces-sidades da prtica, que colocavam desafios que as professoras no es-tavam preparadas para enfrentar, ou mesmo no se dispunham a faz-lo (cf. Pinheiro, 1967).

    Essas pesquisas mostravam que o Curso Normal no partia da an-lise da realidade (na linguagem de hoje poderamos dizer que no reali-zava pesquisa da prtica, no possibilitava a reflexo dos professores), no preparando os futuros professores para enfrent-la. O distanciamento entre os cursos de formao e a realidade da escola primria foi assim diagnosticado na pesquisa de Pinheiro (1967: 160): "(...) embora os alu-nos estudem Psicologia e Sociologia, no adquirem atitude psicolgica e sociolgica adequadas para enfrentar, no futuro, problemas concretos (...) Ao aluno no dada a oportunidade de refletir sobre os problemas relacionados com a escola primria e que esto a exigir solues."

    As pesquisas sobre a Escola Normal prosseguiram, especialmente depois que esta foi significativamente modificada pela Lei 5692 / 71, que tornou obrigatria a profissionalizao no Ensino Mdio. 1 2 O Ensino Normal passou a ser, a partir de ento, apenas uma das habilitaes profissionalizantes, tendo sofrido significativas transformaes em seu currculo, com reduo de sua carga horria especfica. A Habilitao Magistrio (HEM) assumiu, assim, um carter difuso no Ensino Mdio, perdendo, contraditoriamente, quase totalmente sua dimenso pro-fissionalizante 3 3 e distanciando-se da realidade das escolas primrias. As prticas decorrentes dessa medida legal caminharam, pois, na con-tramo do que apontavam as pesquisas realizadas pelo Inep (cf. Pi-menta, 1994).

    As pesquisas desse perodo subsidiaram os debates e as novas pro-postas amplamente discutidas nas Conferncias Brasileiras de Educao (CBEs), nos anos 1980. De modo geral, apontavam para a necessidade de se proceder a uma transformao paulatina da formao dos professores para a escolaridade bsica a ser realizada no ensino superior. Para isso,

    12. Diante de inmeras presses, a profissionalizao foi tornada opcional a partir de 1982. 13. Ver a propsito Brezinski (1987); Candau (1986); Cysneiros (1980); Farias (1983); Gatti

    & Rovai (1977); Lelis (1983); Mediano (1987); Piconez (1988); Pimenta (1994), entre outros.

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    tambm concorria a intensa discusso sobre os cursos de pedagogia e a especificidade dos pedagogos, muitas vezes identificados tambm como professores, pois comportavam, dentre suas habilitaes, a Habilitao Magistrio, que certificava os pedagogos como professores das discipli-nas pedaggicas dos cursos de formao de professores em nvel de 2o

    grau (antigo Curso Normal). Ora, se poderia formar professores que atua-riam nas sries iniciais, tambm poderia (e mesmo deveria) formar pro-fessores para o magistrio nessas sries.3 4 E importante, sobre o assunto, destacar as experincias que passaram a ser realizadas por diferentes universidades que em convnio com sistemas pblicos passaram a for-mar, nos cursos de pedagogia, professores habilitados para as sries ini-ciais, inclusive se propondo e, eventualmente, realizando pesquisa como parte do processo formativo. Esses cursos passaram a assumir um car-ter de formao inicial e contnua, ao mesmo tempo, na medida em que se destinavam a professores que j atuavam, mas sem a formao em nvel superior.3 5

    A produo acadmica na rea de educao foi significativamente impulsionada com a criao dos cursos de ps-graduao na rea.26 Al-guns programas tiveram expressiva contribuio na anlise crtica da educao brasileira.37 Privilegiando um referencial marxista e gramsciniano na anlise dos problemas educacionais e da escolaridade no pas, confi-guravam um espao de resistncia ento ditadura militar. Incorporan-do as contribuies das vrias disciplinas que se ocupavam da educao como a Sociologia, a Antropologia, a Filosofia, a Economia, alm da pr-pria Pedagogia, produzindo as primeiras dissertaes e teses, esses pro-gramas foram determinantes para a anlise crtica da escola e da educa-o bem como para o recorihecimento da importncia (relativa e no exclu-siva) da educao escolar nos processos de democratizao da socieda-de. Valorizao essa que caminhava na perspectiva de superao das anlises reprodutivistas, sem negar o carter ideolgico da educao, mas compreendendo-a como um espao de contradies.

    14. Sobre os problemas, embates e discusses a respeito dessas questes, ver os Docu-mentos da Anfope (1994 em diante); Gonalves & Pimenta (1990); Libneo (1998b); Libneo & Pimenta (1999); Brezinski (1996 e 1999).

    15. Importantes experincias foram ento desenvolvidas como a da Universidade Fede-ral do Mato Grosso. Ver Almeida (1996); Monteiro & Speller (1999).

    16. A ps-graduao foi institucionalizada com a Lei da Reforma Universitria, 5540/68. 17. Destaque-se o de Filosofia da Educao, da PUC-SP, sob a coordenao do prof.

    Dermeval Saviani, em So Paulo, e os Programas da PUC-RJ, Unicamp, UFMG, dentre outros.

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    Estava, assim, aberto o caminho para se colocar a educao e a es-cola em questo. 2 5 Inclusive a formao de professores, no apenas para a escola bsica, mas para as demais sries, formao essa ento realizada nos cursos de licenciatura. As anlises produzidas evidenciavam a au-sncia de projeto formativo conjunto entre as disciplinas cientficas e as pedaggicas, o formalismo destas, o distanciamento daquelas da reali-dade escolar, alm do desprestgio do exerccio profissional da docncia no mbito da sociedade e das polticas governamentais prejudicando seriamente a formao de professores.7 9 Essas pesquisas foram produzi-das tambm no mbito do movimento de reviso dos currculos do cur-so de pedagogia, que depois se ampliou para a reviso dos cursos de formao de educadores, incluindo as licenciaturas, originando a Asso-ciao Nacional de Formao dos Profissionais da Educao (Anfope).

    A par da produo acadmica e das experincias de formao de professores para as sries iniciais que vinham sendo realizadas no mbi-to de universidades, durante os anos 1980, aps a redemocratizao po-ltica com a retomada das eleies diretas, governos democraticamen-te eleitos incorporaram, em seus programas educacionais, muitas das contribuies produzidas nos anos das CBEs. No que se refere forma-o de professores, inmeras foram as transformaes ocorridas na en-to Habilitao Magistrio, tendo surgido alternativas que caminhavam na direo de tornar a formao mais diretamente voltada aos proble-mas que as prticas das escolas apontavam. 2 0 Entendia-se que era neces-srio que os professores tivessem slida formao terica para que pu-dessem ler, problematizar, analisar, interpretar e propor alternativas aos problemas que o ensino, enquanto prtica social, apresentava nas esco-las (cf. Pimenta, 1994; Andr & Fazenda, 1991; Fusari & Pimenta, 1989). Essa compreenso suscitou novas propostas curriculares tanto nas legis-laes estaduais quanto nas prticas nas escolas, possibilitadas por am-plos Programas de Formao Contnua, promovidos por Secretarias de Educao com assessoria de universidades. Uma anlise dessas propos-tas permite que nelas se identifique a importncia que colocavam na pes-quisa da prtica como proposta formativa, especialmente quando se refe-riam aos estgios.

    18. Ilustrativo desse movimento foi o seminrio "A didtica em questo", realizado na PUC do Rio de Janeiro, em 1983, coordenado pela profa. Vera Candau, que gerou livro homnimo.

    19. Ver as pesquisas realizadas por Fvero (1987 e 1992). 20. Exemplo destas foi o Projeto Cefam (Cavalcante, 1994).

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    Para a elaborao dessas propostas foi muito significativa a contri-buio das pesquisas qualitativas e de anlise do cotidiano escolar.2 1 Ao expor a importncia da anlise das prticas dos professores em seus con-textos, colocava em evidncia a escola como espao institucional de pr-ticas coletivas. A compreenso dos processos de constituio do saber fazer docente no local de trabalho abria caminhos para o estudo da esco-la nos cursos de formao e para novas possibilidades de se articular a formao inicial e a contnua, atravs especialmente dos estgios.2 2

    Ao mesmo tempo, crescia o entendimento da importncia de se ele-var a formao dos professores das sries iniciais ao ensino superior, o que acabou tomando corpo na Proposta para o texto legal da nova LDBEN, que foi aprovada em decorrncia da Carta Constitucional de 1988. 2 3 O texto que passou a integrar a LBDEN/96, resultado de inme-ras presses, apenas em parte contemplou as demandas dos educadores no que se refere formao de professores para as sries iniciais. Mante-ve-a no nvel mdio, por mais dez anos. Para realiz-la no nvel superior, no entanto, em vez de se valer das inmeras pesquisas e experincias que vinham sendo realizadas pelos governos estaduais e pelas universi-dades que j apontavam para a importncia do fortalecimento destas na realizao dessa formao, criou-se uma nova instituio, os Institutos Superiores de Educao (ISE), fora da universidade e cujo modelo j vi-nha sendo amplamente questionado em diferentes pases que haviam optado por esse caminho, como por exemplo, Argentina, Portugal, Espanha, dentre outros.2 4 Essa instituio no desenvolver pesquisa, mas

    21. Ver Andr (1995). 22. Ver Pimenta (1994). 23. O captulo sobre Educao que consta da Constituio aprovada em 1988 foi elabora-

    do pelos educadores brasileiros, a partir da ampla mobilizao promovida pelas entidades ento promotoras das CBEs, e que culminou no texto aprovado na Assemblia Final da IV Conferncia Brasileira de Educao, realizada em Goinia, em setembro de 1986 (ver Carta de Goinia, in: Cunha, 1998). Nessa mesma Assemblia foi constitudo o Frum Nacional em Defesa da Escola Pblica, envolvendo outras entidades e sindicatos de educadores (Andes e CNTE) e da sociedade civil (ABI, OAB, entre outras). Esse Frum deu prosseguimento atua-o poltica junto aos rgos representativos (executivo, legislativo e judicirio), pois na se-qncia da Carta Constitucional iniciou-se o movimento pela elaborao das Leis Orgnicas, dentre as quais a da Educao (LDBEN). Novamente as CBEs, especialmente a de Braslia (1988), foi o espao privilegiado para o qual convergiram as vozes dos educadores e da qual saiu a proposta dos mesmos para a nova LDB.

    24. Ver Menezes (1996), produto de seminrio realizado em So Paulo para uma avalia-o das reformas no campo da formao de professores, empreendidas pela Frana, Argenti-na, Portugal, Inglaterra, Tailndia e Brasil.

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    to-somente ensino, comprometendo significativamente o conceito e a identidade do profissional a ser formado.

    No espao de tempo entre a aprovao da Constituio de 1988 e a da LDBEN de 1996, o ento Ministrio de Educao,2 5 com a colaborao de vrias entidades e fruns de educadores de todo o pas, realizou a Conferncia Nacional de Educao para Todos (1993), precedida de en-contros regionais, que consolidou e aprovou o Plano Decenal de Educa-o para Todos (1993 2003), que seria nas palavras do ento ministro implementado "(...) Com os recursos constitucionais [acrescentados de outros, como Banco Mundial], mas fundamentalmente os que existem e esto assegurados pela Constituio" (Anais da Conferncia Nacional de Educao, 1993:11). Desse Plano consta, fato indito, um amplo acor-do, negociado e assumido entre os sindicatos e os governos estaduais e municipais, para a elevao salarial dos professores de todo o territrio nacional, definida num piso salarial mnimo.2 6 Pela primeira vez, nos anos recentes, se colocava em pauta, no mbito governamental, a indissociabilidade entre qualidade de formao e condies de trabalho e de exerccio profissional (especialmente salrios). Contribuiu para isso a intensa movimentao dos sindicatos de professores empreendida nos anos 1980. Com a assessoria de intelectuais das universidades, os sindi-catos foram incorporando e produzindo conhecimento que lhes permi-tia avanar, a partir das tradicionais lutas por melhores salrios, para a importncia de melhor se explicitar as demais condies necessrias ao exerccio profissional, com vistas a uma melhoria da qualidade das esco-las. A foi se colocando em pauta as questes sobre profissionalizao e desenvolvimento profissional dos professores.

    No entanto, a valorizao profissional, incluindo salrios e condi-es de trabalho, foi totalmente abolida dos discursos, das propostas e das polticas do governo subseqente, que passou a normatizar exausti-vamente a formao inicial de professores e a financiar amplos progra-mas de formao contnua.

    A partir dessa breve retrospectiva sobre a formao de professores em nosso pas, pode-se perceber as preocupaes temticas que configu-

    25. Tendo por Ministro o prof. Murlio Hingel. 26. Ver, a propsito, o captulo XIII dos Anais, intitulado "Educador: formao, profis-

    sionalizao e compromisso", no qual participaram, como relatores dos documentos elabora-dos pelas entidades envolvidas, os professores Jos C. Fusari, Selma Garrido Pimenta e Carlos Abicalil, dentre outros (pp. 841-848).

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    raram o solo que acolheu as colaboraes dos pesquisadores estrangei-ros. Numa tentativa de sntese, pode-se apontar os seguintes: a valoriza-o da escola e de seus profissionais nos processos de democratizao da sociedade brasileira; a contribuio do saber escolar na formao da ci-dadania; sua apropriao como processo de maior igualdade social e in-sero crtica no mundo (e da: que saberes? que escola?); a organizao da escola, os currculos, os espaos e os tempos de ensinar e aprender; o projeto poltico e pedaggico; a democratizao interna da escola; o trabalho coletivo; as condies de trabalho e de estudo (de reflexo), de planejamento; a jornada remunerada, os salrios, a importncia dos pro-fessores nesse processo, as responsabilidades da universidade, dos sin-dicatos, dos governos nesse processo; a escola como espao de formao contnua, os alunos: quem so? de onde vm? o que querem da escola? (de suas representaes); dos professores: quem so? como se vem na profisso? Da profisso: profisso? E as transformaes sociais, polti-cas, econmicas, do mundo do trabalho e da sociedade da informao: como ficam a escola e os professores?

    Foi nesse solo profundamente revolvido que as contribuies de Nvoa, Alarco, Schn e outros foram bem-vindas. Ao menos para que pudssemos olhar para outras experincias, considerando-as como um dos possveis critrios para analisar as nossas questes, caminhos e propostas.

    6. A centralidade nos professores como fundamento de polticas educacionais: de possibilidades e de crticas

    Nos pases que adentraram por um processo de democratizao social e poltica, nos anos 1980, saindo de longos perodos de ditadura como Espanha e Portugal, identifica-se o reconhecimento da escola e dos professores como protagonistas fundamentais nesse processo. O que le-vou esses pases a realizarem significativas alteraes nos seus sistemas de ensino, elevando a formao dos professores da escola bsica para o nvel superior (fenmeno que ainda se encontra em processo), investin-do na formao inicial e contnua, no desenvolvimento das instituies escolares e elevando o estatuto de profissionalizao dos professores, incluindo a reestruturao do quadro de carreira, das condies de tra-balho e dos salrios. Nesses pases, os temas acima referidos ganharam espao nas universidades e nas pesquisas, colaborando para a proposi-o das polticas educacionais e de formao de professores, o que ocor-

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    reu tambm nos sindicatos, s vezes em colaborao com as universida-des e com os sistemas pblicos.2 7

    Do ponto de vista conceituai, as questes levantadas em torno e a partir do professor reflexivo, investindo na valorizao e no desenvolvi-mento dos saberes dos professores e na considerao destes como sujei-tos e intelectuais, capazes de produzir conhecimento, de participar de decises e da gesto da escola e dos sistemas, trazem perspectivas para a re-inveno da escola democrtica. O que o contraposto da concepo de professores na racionalidade tcnica, caracterstica dos anos 1970, que resultou em controle cada vez mais burocrtico do trabalho destes, evi-denciando uma poltica ineficaz para a democratizao do ensino, sem resolver a excluso social no processo de escolarizao.

    A bibliografia produzida nesses pases foi amplamente difundida no Brasil, a partir dos anos 1990, especialmente com a obra de divulga-o coordenada por Antnio Nvoa, Os professores e sua formao, 1992. Esse livro contempla textos de autores de pases como Portugal, Espanha, Estados Unidos, Frana, Inglaterra, o que evidencia a rpida apropria-o e expanso dessa perspectiva conceituai. Tambm nesses pases, es-pecialmente Espanha, se produzir, nas universidades, importante crti-ca s teorias de Schn e de Stenhouse, o que pode ser analisado nas obras de Gimeno Sacristn, (1992,1994 e 1999); Prez-Gmez (1991,1992 e 1995) e Contreras Domingo (1997), 2 8 dentre outros, como vimos. A centralida-de colocada nos professores traduziu-se na valorizao do seu pensar, do seu sentir, de suas crenas e seus valores como aspectos importantes para se compreender o seu fazer, no apenas de sala de aula, pois os professores no se limitam a executar currculos, seno que tambm os elaboram, os definem, os re-interpretam. Da a prioridade de se realizar pesquisas para se compreender o exerccio da docncia, os processos de construo da identidade docente, de sua profissionalidade, o desenvol-vimento da profissionalizao, as condies em que trabalham, de status e de liderana.

    Em decorrncia tambm de extenso e significativo intercmbio en-tre seus pesquisadores e os colegas estrangeiros, assistimos a uma rpi-

    27. Ver, a propsito, a tese de Almeida, Maria Isabel de. O sindicato como instncia forma-dora dos professores: novas contribuies ao desenvolvimento profissional. So Paulo: Faculdade de Educao, USP, 1999.

    28. Em outros pases tambm pode se verificar o desenvolvimento dessas crticas: Ingla-terra Kemmis, S. (1985, 1987 e 1989) e EUA Zeichner (1991); Lislon & Zeichner (1993) e Giroux (1990).

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    da apropriao e expanso dessa perspectiva conceituai no Brasil. O que explicaria essa apropriao? Por que essas idias foram frteis em nosso meio acadmico e poltico? Qual o cenrio das pesquisas sobre formao de professores em nosso pas? O que j havamos produzido? Quais ce-nrios sociais e polticos tnhamos sobre formao de professores, esco-laridade, democratizao escolar e social? Quais as demandas que esta-vam colocadas aos pesquisadores e s polticas de formao? Como se configuravam essas polticas?

    Mas essa perspectiva conceituai tambm tem sido rechaada, s vezes, com excessiva veemncia no meio acadmico. Talvez por certo temor (ou xenofobia), uma vez que questiona os limites do iderio de formao de professores predominante entre ns. Alm do desprestgio que sofrem na prpria academia e nas agncias de financiamento de pes-quisas, os cursos de formao de professores permanecem numa lgica curricular que nem sempre consegue tomar a profisso e a profissio-nalidade docente como tema e como objetivo de formao. Muitas vezes seus professores desconhecem o campo educacional, valendo-se do aporte das cincias da educao e mesmo das reas de conhecimentos especfi-cos desvinculados da problemtica e da importncia do ensino, campo de atuao dos futuros professores.2 9

    Apropriado rpida e excessivamente, de um lado, e descartado tam-bm rapidamente, por outro, parece-nos oportuna a empreitada de an-lise crtica do conceito professor reflexivo no Brasil.

    6.1. A centralidade nos professores nas polticas neoliberais30

    A educao um fenmeno complexo, porque histrico. Ou seja, produto do trabalho de seres humanos e, como tal, responde aos desafios

    29. Inmeras pesquisas tm sido produz ias denunciando essas qucotes, contribuindo para um; melhor compreenso dessa formao a partir de estudos crticos e analticos das prticas ae formao desenvolvidas nas universidades, mas tambm trazendo contribuies significativas do campo prtico dos cursos de licenciatura e do camj erico para novos encaminhamentos aos cursos de formao. E importante destacar que essas pesquisas tm /ort-uo, como unanimidade, que ? universidade o espao formativo por excelncia da docncia, uma vez que no simples formar para o exerccio da docncia de qualidade e que a pesquisa o caminho metodolgico para essa formao. Ver, a propsito, Guimares (20G1) e Rios (2001).

    30. Nos limites deste texto, faremos apenas um breve comentrio sobre esse assunto, com vistas a colocar bases para a tese que exporemos a seguir sobre os projetos em confronto no

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    que diferentes contextos polticos e sociais lhe colocam. A educao re-trata e reproduz a sociedade; mas tambm projeta a sociedade que se quer. Por isso, vincula-se profundamente ao processo civilizatrio e hu-mano. Enquanto prtica histrica tem o desafio de responder s deman-das que os contextos lhe colocam.

    Quais seriam estes desafios hoje? Pelo menos dois: a) sociedade da informao e sociedade do conhecimento; b) sociedade do no-emprego e das novas configuraes do trabalho.

    No que se refere sociedade da informao e do conhecimento, necessrio distinguir os dois termos. Hoje a informao chega em gran-de quantidade e rapidamente a qualquer ponto do planeta. Identificada como uma instituio que transmite informaes, a escola, na tica neo-liberal, tenderia a desaparecer, porque no apresenta a eficcia dos meios de comunicao nesse processo. Nessa perspectiva, a educao se resol-veria colocando os jovens e as crianas diante das informaes televisivas e internticas. Portanto, o professor poderia tambm ser dispensado. Um exemplo dessa lgica a poltica que vem sendo implantada em diferen-tes estados, com a instalao do tele-ensino, no qual as escolas so equi-padas com redes de televiso que transmitem os programas das discipli-nas, gerados por uma central e que coloca os professores como monitores. Essa poltica permite uma grande economia aos sistemas, pois em cada sala de aula h um monitor no lugar de cinco professores em uma 5a srie, por exemplo. A tarefa destes proceder a mediao entre os pro-gramas de todas as reas do currculo e os alunos. Essa poltica ilustra claramente a lgica do estado mnimo, caracterstica do neoliberalismo. Algumas pesquisas sobre esse sistema3 1 tm revelado que os resultados dessa prtica empobrecem significativamente a qualidade da aprendi-zagem, operando uma nova forma de excluso social pela incluso quan-

    Brasil. Em outros textos deste livro pode-se encontrar um aprofundamento dessa anlise, as-sim como em Torres, Rosa M. "Tendncias da formao docente nos ano 1990". In: Novas Polticas Educacionais: crticas e perspectivas. So Paulo: PUC-SP, 1998; e Fonseca, Marlia. "Os financiamentos do Banco Mundial como referncia para a formao do professor". In: Bicudo & Silva Jr. Formao do educador e avaliao educacional: formao inicial e contnua. So Paulo: Ed. Unesp, 1999.

    31. Ver Bodio, Idebaldo S. Sobre o cotidiano das classes de tele-ensino de uma escola da rede pblica estadual do Cear. Tese de doutorado. So Paulo: Feusp, 1999; Braga, Ktia Regina, A universalizao do tele-ensino nas escolas pblicas estaduais de Io grau e a democratizao do saber: o caso de Camocin. 1997. Dissertao de mestrado. Fortaleza: UECE, 1997; Cavalcante, Maria Marina Dias. A prtica do orientador de aprendizagem na TVE-CE. Um estudo comparativo das dcadas de 1980 e 1990: caso de Boa Viagem. Fortaleza: UFC, 1998.

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    titativa no processo de escolaridade. No mercado competitivo, por exem-plo, esses alunos tero reduzidas oportunidades de insero.

    Reconhecendo, no entanto, a quantidade e a velocidade das infor-maes na sociedade de hoje, cabe estabelecer a diferena entre informa-o e conhecimento. Conhecer mais do que obter as informaes. Co-nhecer significa trabalhar as informaes. Ou seja, analisar, organizar, identificar suas fontes, estabelecer as diferenas destas na produo da informao, contextualizar, relacionar as informaes e a organizao da sociedade, como so utilizadas para perpetuar a desigualdade social. Trabalhar as informaes na perspectiva de transform-las em conheci-mento uma tarefa primordialmente da escola. Realizar o trabalho de anlise crtica da informao relacionada constituio da sociedade e seus valores, trabalho para professor e no para monitor. Ou seja, para um profissional preparado cientfica, tcnica, tecnolgica, pedaggica, cultural e humanamente. Um profissional que reflete sobre o seu fazer, pesquisando-o nos contextos nos quais ocorre.

    S.2. Dos saberes s competncias; reduzindo a docncia a tcnicas

    No que se refere ao tema das novas configuraes do trabalho, o no-emprego uma das caractersticas da sociedade globalizada das in-formaes. Nesta o trabalho autnomo descarta as conquistas trabalhis-tas, que so dispendiosas para os empregadores, incluindo o Estado. Para conseguir trabalho e sobreviver, o trabalhador desempregado necessita buscar, por sua conta, requalificaes. E a pode-se compreender a imen-sa valorizao hoje conferida aos programas de formao contnua trans-formando a educao em um grande mercado. No que se refere aos pro-fessores, por exemplo, nos anos 1980 na Amrica Latina, seus j baixos salrios foram corrodos por uma inflao galopante, levando-os ao multiemprego ou ao abandono da profisso. A conseqncia foi um au-mento de professores no diplomados, leigos, com precria estabilidade e em precrias condies para ensinar. Os programas econmicos adotados para conter a inflao, por sua vez, aumentaram os problemas sociais gerando maior pobreza e trazendo para a escola e seus professo-res novas demandas de atendimento, o que gerou o investimento de gran-des recursos em programas de formao contnua, por parte do estado, cujos resultados se perdem por no terem continuidade e no se confi-gurarem como uma poltica de formao que a articula formao ini-cial e ao desenvolvimento das escolas. Nesse quadro, "so ilusrias as

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    propostas de baratear a formao (...) em licenciaturas rpidas ou curtas, que so apenas um verniz que d ttulos; a educao superior [nas uni-versidades, acrescento] deve ser requisito para formar professores" (Sandoval, 1996: 10-11).

    No entanto, no que se refere aos professores, o trabalho ainda se realiza, em sua maioria, sob a forma de emprego, apesar de j se anuncia-rem novas formas, como o trabalho autnomo e terceirizado (h escolas que contratam os servios de professores de Educao Fsica, por exem-plo, atravs dc academias). E outras, como a monitoria, que altera a iden-tidade dos professores em termos dos saberes necessrios e do significa-do destes na formao dos alunos.

    Quais as conseqncias das mudanas na empregabilidade para a organizao e o funcionamento da escola?

    H alguns anos nos debatamos com a questo da diviso do traba-lho no interior da escola, apontando as graves conseqncias que o tra-balho fragmentado com os conhecimentos trazia qualidade da escolarizao. A crtica a esse modelo a de que o ensino por fragmentos das reas do saber dificulta, e por vezes inviabiliza, pensar a relao co-nhecimento sociedade e a contribuio que os saberes disciplinares podem oferecer s problemticas humanas e sociais. O projeto coletivo e interdisciplinar da escola aponta possibilidade para a superao dessa fragmentao. Ora, terceirizar e despojar os professores de suas especia-lizaes nas reas do conhecimento torna impossvel o projeto de escola coletivamente construdo, a partir da reflexo sobre os problemas da educao escolar. nessa reflexo conjunta que se confere o significado s reas de conhecimento. Assim, por exemplo, na rea de Educao F-sica, trabalhar o corpo como desenvolvimento fsico, emocional, comunicacional na escola muito diferente de trabalh-lo como consu-mo, o que ocorre nas academias. So perspectivas educacionais muito diferentes.

    A partir desse breve panorama da sociedade neoliberal, possvel perceber que a centralidade nos professores posta pelas demandas de democratizao nas sociedades que haviam sado de perodos de dita-dura e que buscavam a implantao de um modelo da social-democra-cia que propiciasse uma maior e mais efetiva justia e eqidade social, econmica, poltica, cultural, na qual a escolarizao (e os professores) teriam contribuio fundamental, tambm se faz presente, com outra direo de sentido. Nas propostas do governo brasileiro para a forma-o de professores, percebe-se a incorporao dos discursos e a apro-

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    priao de certos conceitos, que na maioria das vezes permanecem como retrica. E o caso, por exemplo, do conceito de professor reflexivo, que suporia significativa alterao nas condies de trabalho dos professo-res nas escolas com tempo e estabilidade, ao menos, para que a reflexo e a pesquisa da prtica viessem a se realizar. Ou so efetivamente implan-tados, como as polticas deformao contnua, mas fragmentadas como vimos. Ou ainda as reformas na formao inicial que esto configurando um aligeiramento geral, acompanhadas de explcitas e s vezes sutis desqualificaes das universidades para realizar essa formao, e mes-mo da desqualificao e da falta de incentivos para as pesquisas sobre formao de professores que estas tm realizado em escolas pblicas, gerando significativo conhecimento sobre as necessidades para as polti-cas de formao e de desenvolvimento profissional dos professores, das escolas e mesmo dos sistemas de ensino.

    No contexto dessas polticas importa menos a democratizao e o acesso ao conhecimento e apropriao dos instrumentos necessrios para um desenvolvimento intelectual e humano da totalidade das crian-as e dos jovens e mais efetivar a expanso quantitativa da escolaridade, mesmo que seus resultados sejam de uma qualidade empobrecida. Ou por isso mesmo. E, quando esses resultados so questionados pela socie-dade, responsabilizam-se os professores, esquecendo-se que eles so tam-bm produto de uma formao desqualificada historicamente, via de regra, atravs de um ensino superior, quantitativamente ampliado nos anos 1970, em universidades-empresas.

    Por outro lado, sob a ameaa de perda do emprego real ou mesmo simbolicamente atravs do desprestgio social de seu trabalho, e tam-bm frente s novas demandas que esto postas pela sociedade contem-pornea escola e aos professores, so eles instados a uma busca cons-tante de cursos de formao contnua, muitas vezes s suas expensas. Nessas polticas os professores tambm adquiriram centralidade, o que se constata pelo refinamento dos mecanismos de controle sobre suas ati-vidades, amplamente preestabelecidas em inmeras competncias, con-ceito esse que est substituindo o de saberes e conhecimentos (no caso da educao) e o de qualificao (no caso do trabalho). No se trata de mera questo conceituai. Essa substituio acarreta nus para os professores, uma vez que o expropria de sua condio de sujeito do seu conhecimen-to, como se pode perceber a partir da citao a seguir:

    Na Frana, at o incio dos anos 1980, a rea de recursos humanos utilizava-se da noo de qualificao (...) a temtica da qualificao construiu-se e desen-

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    volveu-se em universos sociais com organizaes aparentemente estveis, onde as pessoas adquiriam os saberes que lhes permitiam assumir postos de traba-lho estveis. Aos poucos, com as recentes mudanas ocorridas no setor produ-tivo, esta situao se alterou, originando uma distncia entre o conjunto de saberes que o trabalhador detm e o conjunto de disposies necessrias para manter um posto de trabalho. (...) A noo de competncia emerge nesse con-texto. (Silva, 1999: 94, sobre Dugu, 1996, Dugu, Le Botef, Minvielle, 1996)

    Nesse sentido, o discurso das competncias poderia estar anuncian-do um novo (neo)tecnicismo, entendido como um aperfeioamento do positivismo (controle / avaliao) e, portanto, do capitalismo. "O capital est exigindo, para sua reproduo, novas qualificaes do trabalhador" (Silva, 1999:87). O termo competncia, polissmico, aberto a vrias inter-pretaes, fluido, mais adequado do que o de saberes/qualificao para uma desvalorizao profissional dos trabalhadores em geral e dos pro-fessores. Competncias, no lugar de saberes profissionais, desloca do tra-balhador para o local de trabalho a sua identidade, ficando este vulner-vel avaliao e controle de suas competncias, definidas pelo "posto de trabalho". Se estas no se ajustam ao esperado, facilmente poder ser descartado. Ser assim que podemos identificar um professor? No esta-riam os professores, nessa lgica, sendo preparados para a execuo de suas tarefas conforme as necessidades definidas pelas escolas, estas, por sua vez, tambm com um modelo nico, preestabelecido? Onde estaria o reconhecimento de que os professores no se limitam a executar curr-culos, seno que tambm os elaboram, os definem e os reinterpretam, a partir do que pensam, crem, valorizam, conforme as concluses das pesquisas? (cf. Hargreaves, 1996).

    Por outro lado, o termo tambm significa teoria e prtica para fazer algo; conhecimento em situao. O que necessrio para qualquer tra-balhador (e tambm para o professor). Mas ter competncia diferente de ter conhecimento e informao sobre o trabalho, sobre aquilo que se faz (viso de totalidade; conscincia ampla das razes, dos desdobramen-tos e implicaes do que se faz para alm da situao; das origens; dos porqus e dos para qu). Portanto, competncia pode significar ao imediata, refinamento do individual e ausncia do poltico, diferente-mente da valorizao do conhecimento em situao, a partir do qual o professor constri conhecimento. O que s possvel se, partindo de co-nhecimentos e saberes anteriores, tomar as prticas (as suas e as das es-colas), coletivamente consideradas e contextualizadas, como objeto de anlise, problematizando-as em confronto com o que se sabe sobre elas e

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    em confronto com os resultados sociais que delas sc esperam. Os saberes so mais amplos, permitindo que se critique, avalie e supere as com-petncias.

    Assim, cabe indagar:

    Ser a escola [e os cursos de formao de professores, acrescentamos] respon-svel pelo desenvolvimento de competncias, ou ser ela responsvel pela for-mao bsica do indivduo, que ter pela frente o desafio de tomar-se compe-tente, ao longo de sua vida, somando educao obtida na escola sua expe-rincia de vida e de trabalho? (Silva, 1999:101)

    Essa lgica coloca no trabalhador a responsabilidade para estar per-manentemente buscando novas competncias. O que est disponvel no mercado da formao contnua, em que se esto transformando os progra-mas de educao.

    7. Uma sntese: projetos em confronto

    A anlise empreendida no presente texto coloca em evidncia a in-discutvel contribuio da perspectiva da reflexo no exerccio da docncia para a valorizao da profisso docente, dos saberes dos professores, do trabalho coletivo destes e das escolas enquanto espao de formao con-tnua. Isso porque assinala que o professor pode produzir conhecimento a partir da prtica, desde que na investigao reflita intencionalmente sobre ela, problematizando os resultados obtidos com o suporte da teo-ria. E, portanto, como pesquisador de sua prpria prtica.

    As crticas apresentadas indicam os seguintes problemas a essa pers-pectiva: o individualismo da reflexo, a ausncia de critrios externos potenciadores de uma reflexo crtica, a excessiva (e mesmo exclusiva) nfase nas prticas, a inviabilidade da investigao nos espaos escola-res e a restrio desta nesse contexto. Essas crticas emergem no apenas de anlises tericas dos diferentes autores, mas tambm de pesquisas empricas que realizamos.3 2 A partir delas possvel apontar possibili-dades de superao desses limites que sintetizamos a seguir:

    a) Da perspectiva do professor reflexivo ao intelectual crtico reflexivo; ou: da dimenso individual da reflexo ao seu carter pblico e tico.

    32. Pimenta, Garrido & Moura (2000); Almeida (1999); Lima (2001).

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    b) Da epistemologia da prtica prxis; ou: da construo de conheci-mentos por parte dos professores a partir da anlise crtica (terica) das prticas e da ressignificao das teorias a partir dos conhecimentos da prtica (prxis).

    c) Do professor-pesquisador realizao da pesquisa no espao escolar como integrante da jornada de trabalho dos profissionais da escola, com a colaborao de pesquisadores da universidade. Ou: 1) instaurar na escola uma cultura de anlise de suas prticas, a partir de problematizao das mesmas e da realizao de projetos de coletivos de investigao, com a colaborao da universidade; 2) reforar a importncia da universidade na forma-o, com processos formativos que tomem a realidade existente (as esco-las, por exemplo) como parte integrante desse processo e no qual a pes-quisa o eixo central.

    d) Da formao inicial e dos programas de formao contnua, que podem significar um descolamento da escola, aprimoramento individual e um corporativismo, ao desenvolvimento profissional. Ou: considerar o desenvol-vimento profissional como resultante da combinao entre a formao inicial, o exerccio profissional (experincias prprias e dos demais) e as condies concretas que determinam a ambos. Assim, "a prtica profis-sional implica na atuao coletiva dos professores sobre suas condies de trabalho incitando-os a se colocarem em ou