Selos & Moedas – Edição dedicada ao Bicentenário da abertura da Barra de Aveiro

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Redacção e Administração Clube dos Galitos Praça Dr. Joaquim de Melo Freitas, 3 • Aveiro Correspondência Apartado 906 • 3800-301 Aveiro E-mail: [email protected] • www.galitos.pt Registo de Imprensa Nº 42/467 Propriedade Secção Filatélica e Numismática do Clube dos Galitos Fundador Morais Calado Delegados / Correspondentes França Guy Podevin (Journaliste APPF - AIJP) 16, Avenue du Trocadéro • 44300 Nantes António Cândido Gomes de Almeida 11, Rue de L’ Oseraie • 10600 La Chapelle-Saint-Luc Director João Paulo A. Henriques dos Santos Director-Adjunto e Editor Jorge Luis P. Fernandes Comissão Editorial Joaquim César da Fonseca Brioso Manuel João Senos Matias Humberto José Ferreira da Silva Rodrigues Luís Miguel Santos Mendonça Nº 127 • Ano 39º • Abril de 2008 Execução gráfica Officina Digital - Impressão e Artes Gráficas, Lda. Lote 15 • Zona Industrial de Aveiro (Taboeira) Apartado 3059 • 3801-101 Aveiro Tel. 234 308 697 • E-mail: [email protected] Tiragem: 1.000 exemplares Depósito legal: Nº 24/ 82 Preserve a Natureza Impresso em papel reciclado CYCLUS – 100% reciclado Revista de Filatelia e Numismática S u m á r i o Limiar ................................................... 1 Editorial ............................................... 3 Abertura definitiva da Barra de Aveiro.................................... 5 Miradouro da Maximafilia .................... 19 Aveiro – Farol da Barra e Costa Nova do Prado Astrolábio Aveiro ................................. 22 História Postal ..................................... 25 O período áureo da navegação costeira em Portugal no transporte das correspondências Temas & Temáticas O Farol da Barra de Aveiro ........... 31 História Postal ..................................... 35 As comemorações dos 200 anos do Porto de Aveiro. Contributo histórico-postal. Notas & Moedas ................................. 48 O Bacalhau do Atlântico – “O fiel amigo” PREÇO: 3,00 Colaboram neste número Jorge Luís P. Fernandes João Paulo Santos Museu da Marinha – Lisboa Luís Brito Frazão J. Miranda da Mota João Pinheiro da Silva José Lobão Tello Fotografias e gravuras da capa cortesia da APA – Administração do Porto de Aveiro

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Redacção e AdministraçãoClube dos Galitos

Praça Dr. Joaquim de Melo Freitas, 3 • Aveiro

CorrespondênciaApartado 906 • 3800-301 Aveiro

E-mail: [email protected] • www.galitos.pt

Registo de Imprensa Nº 42/467

PropriedadeSecção Filatélica e Numismática

do Clube dos Galitos

FundadorMorais Calado

Delegados / CorrespondentesFrança

Guy Podevin (Journaliste APPF - AIJP)16, Avenue du Trocadéro • 44300 Nantes

António Cândido Gomes de Almeida11, Rue de L’ Oseraie • 10600 La Chapelle-Saint-Luc

DirectorJoão Paulo A. Henriques dos Santos

Director-Adjunto e EditorJorge Luis P. Fernandes

Comissão EditorialJoaquim César da Fonseca Brioso

Manuel João Senos MatiasHumberto José Ferreira da Silva Rodrigues

Luís Miguel Santos Mendonça

Nº 127 • Ano 39º • Abril de 2008

Execução gráficaOfficina Digital - Impressão e Artes Gráficas, Lda.Lote 15 • Zona Industrial de Aveiro (Taboeira)

Apartado 3059 • 3801-101 AveiroTel. 234 308 697 • E-mail: [email protected]

Tiragem: 1.000 exemplares

Depósito legal: Nº 24/ 82

Preserve a Natureza Impresso em papel reciclado

CYCLUS – 100% reciclado

Revista de Filatelia e Numismática

S u m á r i o

Limiar ................................................... 1

Editorial ............................................... 3

Abertura definitiva daBarra de Aveiro .................................... 5 Miradouro da Maximafilia .................... 19

Aveiro – Farol da Barra e Costa Nova do Prado

Astrolábio Aveiro ................................. 22

História Postal ..................................... 25

O período áureo da navegação costeira em Portugal no transporte das correspondências

Temas & Temáticas

O Farol da Barra de Aveiro ........... 31

História Postal ..................................... 35

As comemorações dos 200 anos do Porto de Aveiro. Contributo histórico-postal. Notas & Moedas ................................. 48

O Bacalhau do Atlântico – “O fiel amigo”

PREçO: 3,00

Colaboram neste número

Jorge Luís P. Fernandes

João Paulo Santos

Museu da Marinha – Lisboa

Luís Brito Frazão

J. Miranda da Mota

João Pinheiro da Silva

José Lobão Tello

Fotografias e gravuras da capa cortesia da APA – Administração do Porto de Aveiro

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Revista da Secção Filatélica e Numismáticado CLUBE DOS GALITOSAveiro, Abril de 2008 • Ano 39º • Nº 127

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O presente número de “Selos & Moedas” mostra-se com características especiais. Estas palavras já as escrevemos em relação à edição anterior da Revista; poderá parecer, assim, que esta afirmação está a converter-se num lugar comum, mas o certo é que os lugares comuns são sempre verdadeiros e por isso mesmo é que são lugares comuns. Este último conceito também já o expressámos noutra ocasião e noutro local, mas não fica mal aqui repeti-lo: não copiamos de outros apenas manifestamos o nosso sentir.

Afinal de contas, seria um óptimo sinal (e quanto desejaríamos que isso se concretizasse…) se em todos os futuros números da Revista pudéssemos insistir no lugar comum: “Selos & Moedas” apresenta-se, mais uma vez com características especiais”… para melhor, claro, nunca para pior!

Vamos tentar alcançar esta meta e para isso contamos com a boa vontade de todos; sa-lientamos, como é natural, neste caso específico, o esforço dos nossos estimados colaboradores que trabalharam para que os seus artigos (de grande valia, diga-se de passagem), cumprissem o que lhes era “exigido”: abordarem um tema directa ou indirectamente relacionado com o MAR. E todos esforçaram-se mesmo! O que não é figura de retórica, mas é a pura verdade. Sabemos que alguns dos artigos que aqui publicamos foram elaborados em condições algo insólitas; um dos colaboradores, até, marca a sua presença, apesar de estar a braços com graves problemas físicos.

Como antes manifestámos, praticamente todos os artigos publicados neste número da Re-vista focam temas marítimos. A razão é simples de explicar.

A Administração do Porto de Aveiro empenhou-se, de forma notável, em 2007 e neste ano de 2008, nas comemorações do 2º Centenário da abertura definitiva da Barra de Aveiro, aconteci-mento importantíssimo na História sócio-económica (e não só) da cidade e regiões limítrofes. Na realidade o Porto de Aveiro serve uma área importante, no contexto portuário do país.

A propósito, abrimos aqui um parêntesis, para referir de forma breve que foi pena que os CTT – Correios de Portugal não tivessem levado em conta a importância da efeméride, autorizan-do a emissão de um selo comemorativo. O que aliás não deixou de lhes ser sugerido.

A Secção Filatélica e Numismática foi convidada a integrar, na área da Filatelia, como é evi-dente, o leque de entidades empenhadas nas comemorações; convite que muito nos lisonjeou e honrou, pois a nossa colaboração inserir-se-ia numa programação de alto valor cultural, artístico e desportivo. Contribuímos com a publicação deste número especial da Revista “Selos & Moe-das”. Igualmente realizaremos, de 2 a 7 de Maio, a Mostra Filatélica do Mar, com cerca de trinta quadros expositores; todas as colecções a apresentar terão uma componente directa ou indirec-tamente relacionada com esta temática.

É uma modesta colaboração, mas que estamos certos não desmerece no conjunto do impor-tante programa gizado, que terá o seu ponto alto no dia três de Abril, data em que exactamente se comemoram os 200 anos da abertura da Barra.

Este número da Revista foi pensado para agradar a todos: filatelistas que tenham interesse por temas marítimos ou não e até numismatas; esperamos, ainda, que pessoas não ligadas à Filatelia possam interessar-se pelo seu conteúdo. Por isso, incluímos, para além do apontamento sobre a história da Barra de Aveiro, artigos de história postal, correio marítimo, temática, maxi-mafilia, moedas, medalhas, com farta reprodução de documentos, filatélicos ou não.

Esforçámo-nos por fazer o nosso melhor e fizemo-lo com muito gosto, satisfação e entusiasmo.

Jorge Luís P. Fernandes

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Azul é a água, imenso espelho líquido criado para que o moliceiro, envaidecido do porte garboso, se mire e remire. Branco é o sal, extraído do mar e empilhado em alvos cones à beira das salinas. Mas os encantos da Ria não ficariam completos com estas duas cores. Por isso a Natureza foi pródiga na paleta que utilizou para a tornar numa das mais singulares e atraentes paisagens.

Os verdes são dados, em pinceladas largas, pelas árvores que mergulham as raízes nas suas águas e pelos montes que, ao longe, sobem em direcção ao céu. O amarelo vem do sol que aquece os corpos, estimula a vida. O cinzento, em todos os tons, nas primeiras horas da manhã quando a neblina e a água se confundem até ao infinito.

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Viemos para ficar

Antes de mais, e como novo Director da “Selos & Moedas”, quero publicamente agradecer ao nosso Amigo Vítor Falcão o entusiasmo, profissionalismo e abnegação que sempre o carac-terizaram como Presidente desta Secção Filatélica e Numismática, bem como enquanto Director desta nossa publicação. Pretendemos que esta continue a ser um marco de referência na filatelia em Portugal e que se afirme como um meio de divulgação da Secção, do Clube, da Cidade e do País, além fronteiras.

A mudança é um processo natural. Novas pessoas substituem quem muito deu e ainda dá à filatelia portuguesa, mas o espírito, a dedicação e o empenho são pedras basilares que sempre nos guiaram nestas lides filatélicas.

Contamos com a sabedoria de quem já muito viveu para a filatelia para nos ajudar a guiar e a definir um rumo, que pensamos ser o mais adequado para os dias de hoje e para as exigências do bom coleccionismo que se pratica em Portugal.

Alguns meses passados após a nossa última organização filatélica, arregaçámos as mangas e embrenhámo-nos num novo desafio… a realização de uma mostra filatélica, dedicada ao tema MAR.

Este evento, integrado nas comemorações dos 200 anos da abertura da Barra de Aveiro e em coordenação com a Administração do Porto de Aveiro – A.P.A., dá-nos a possibilidade de mostrar a todos os coleccionadores (e não só), as maravilhas filatélicas que existem, alusivas a temas marítimos.

Foi com enorme satisfação que recebemos o convite e a confiança da APA, para nos jun-tarmos a eles nas comemorações da abertura da Barra ao tráfego marítimo, que constituiu uma importante efeméride para a nossa região.

Este número da “Selos & Moedas” será então, o reflexo desta aposta, onde o Mar será o assunto único que guiará todos os artigos nele apresentados.

Aproveitamos a oportunidade para agradecer uma vez mais, toda a disponibilidade e inte-resse dos nossos colaboradores e Amigos que, apresentam artigos de excelente qualidade filaté-lica e histórica. A filatelia é isso mesmo — dar a conhecer a cultura e o conhecimento.

A todos, o nosso Bem-Haja!

João Paulo Santos

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Abertura definitiva da Barra de Aveiro

Jorge Luís P. [email protected]

Anatomia de uma carta

A primeira carta que aqui se reproduz em gravura – um importante documento histórico-filatélico, saliente-se desde já – merece a nossa atenção, não só por a sua divulgação nos meios filatélicos ser oportuna na altura em que se comemoram os 200 anos da abertura da Barra de Aveiro, mas também porque se justifica a sua análise sob diferentes ângulos. Na realidade, no seu contexto intervêm três ilustres personalidades: o remetente, Luiz Gomes de Carvalho, Director da Obra da Barra de Aveiro; o destinatário, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Conselheiro de Estado; e por último, o Príncipe Regente D. João, que se tinha transferido para o Brasil com a sua Corte, em consequência da �ª Invasão Francesa, é largamente referi-do no texto da carta.

Mas para além das personalidades referidas o assun-to fulcral da carta respeita a um importantíssimo aconteci-mento da história de Aveiro: a abertura definitiva da sua Barra, que aconteceu em � de Abril de �808, facto que viria a reflectir-se de forma extraordinária no progresso da região.

Comecemos por uma brevíssima referência biográfica às personalidades envolvidas, mais orientada, como é na-tural para os aspectos que à Barra de Aveiro respeitam.

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À esquerda – D. João VI abriu os portos do Brasil, à livre navegação dos países amigos de Portugal. Foi uma medida de grande alcance político e económico. À direita – D. Maria I, no seu reinado foram

tomadas diversas medidas importantes em relação à Barra de Aveiro.

200 anos da Chegada Portuguesa ao Brasil

D. João (�7�9-�82�), Príncipe-Regente desde �792, por impedimento da Rainha sua mãe, D. Maria I, (atingida por grave doença) e que foi Rei de �8�� a �82�, sendo o sexto deste nome; retirou-se com a Corte para o Brasil, devido às invasões francesas, proporcionando à Colónia assinaláveis progressos. Por influência do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, adepto da transferência da Corte para a Colónia, D. João VI abriu os portos brasileiros às potências amigas. Sabe-se, pela copiosa documentação existente que, tal como sua mãe, sempre demonstrou muito interesse por Aveiro e pelo seu povo dadas as condições terríveis existentes na região, tanto sob o ponto de vista económico, como sanitário. Dava muita atenção aos relatos e justas reclamações que o povo, através dos diversos canais, lhe fazia che-gar às mãos.

D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Linhares, nasceu em �74� e morreu no Rio de Janeiro em �8�2. Foi diplomata (embaixador em Turim); empreendendo depois uma notável car-reira política, desempenhou de �79� a �80� vários cargos ministeriais nos Negócios Estrangeiros e Guerra, na Marinha e Ultramar, na Fazenda. Com a ida da Corte para o Brasil em princípios de �808, ocupou o elevado cargo de Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Guerra. Foi o impulsionador da política de abertura dos portos estrangeiros às nações amigas. Naquilo que mais directamente nos diz respeito, podemos considerar que este ilustre homem público foi o grande obreiro da abertura definitiva da Barra de Aveiro. Muitas das disposições legais referentes a este assunto têm a sua assinatura.

O Engenheiro Luiz Gomes de Carvalho, Director e Inspector das obras da Barra de Aveiro, nasceu em �� de Abril de �77� na Vila de Atalaia (Vila Nova da Barquinha) e faleceu em Leiria, em 7 de Junho de �82�. Foi aluno laureado da Academia Real de Fortificações, sendo promovido a Sargento-Mor do Real Corpo de Engenheiros; era também membro da Real Sociedade Marítima Militar e Geográfica.

Com a patente de Tenente Coronel foi Quartel Mestre General e Comandante dos Engenhei-ros nas campanhas contra os franceses, em �808. Era um engenheiro distinto; foi Director das obras da Barra desde o início dos trabalhos até à sua abertura em �808 e depois até �82�, data em que foi destituído por motivos políticos.

D. João VI embarca em Lisboa

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D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Ministro de D. João VI. A sua acção foi predominante na abertura definitiva da Barra.

Apesar dos brilhantes serviços prestados, especialmente no que respeita à abertura da Barra de Aveiro, obra que dirigiu com competência e abnegação, algumas das suas decisões técnicas foram por vezes contestadas. E, mais ainda, não obstante a sua brilhante folha de serviços, Luiz Gomes de Carvalho, agora Coronel, viu-se envolvido nas teias da política da época, e em princí-pios de Junho de �82�, foi preso, acusado de ser partidário do liberalismo. Nessa altura o partido absolutista governava Aveiro; foi solto, apesar das pressões exercidas para que voltasse a orien-tar as obras da Barra, dada a sua comprovada competência, assim não o entendeu a vereação da Câmara. Em reunião extraordinária realizada em 2� de Julho de �82�, com a presença de repre-sentantes do Clero, Nobreza e Povo, foi votada a sua destituição. Alegava-se, entre várias razões de carácter técnico (erros), que fez obras dispendiosas e inúteis e que tratava escandalosamente o povo de Aveiro (sic).

E terminava assim o libelo que atingiu este Homem notável: […] “continuando Luiz Gomes Carvalho a dirigir semelhantes obras, Aveiro se tornará inteiramente infeliz e desgraçada, sendo

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este o unânime voto do Clero, Nobreza e Povo, com o qual se conforma esta Câmara”.

Coisas da política, ontem como hoje!...

Os assuntos tratados na carta que analisamos são de-veras interessantes.

Luiz Gomes de Carvalho envia a D. Rodrigo de Sou-sa Coutinho cópia do ofício que em �0 de Setembro de �808 endereçou à Regência, comunicando […] “a abertura da Barra d’ Aveiro, empreza immortal que eternizará a Feliz Regência de S. A. R. e o sabio Ministério de V. Ex.ca que tudo venceo para a emprehender”. Relata depois os problemas que enfrentou no seu trabalho, […] “a fatal intriga que me quiz perder e perdia a grande obra destinada a salvar hum gran-de paiz” � […], não deixando de salientar que “Foi debaixo da escravidão do Usurpador [escrito com inicial maiúscula, note-se!] que esta grande ope-ração se ultimou” […], refere depois os prejuízos que supor-tou, pois que sofreu […] “huã diminuição consideravel do meu [seu] proprio soldo, mas he debaixo do Governo Pater-nal de S. A.R. Restaurado, que eu tenho a fortuna de o parti-cipar a V. Ex.ca” Prosseguindo, lembra outros serviços que prestou e exalta as qualidades dos Aveirenses: […] “depois de ter fortificado Aveiro, e armado o Povo, que fez prodigios de fidelidade, e de gratidão ao muito que devia a S.A.R.” 2

Continuando com a sua prolixa e empolada escrita, no estilo da época, chega Luiz Gomes de Carvalho, finalmen-

1 Refere-se à Região de Aveiro, no estilo da época.2 Referência à actuação do povo de Aveiro, durante as invasões francesa.

te, à questão pessoal que o motivava a dirigir-se a D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Para bem se entender o seu pensamento, nada melhor do que transcrever os parágrafos relevantes: […] “He com o maior respeito e a maior confiança que eu espero que V. Ex.ca solicitará junto do Throno

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huã recompensa digna de hum serviço tão assignadado, e de hum Principe Generoso, Justo e Liberal, e que V. Ex.ca tantas vezes me prometeu em seu Real Nome”.

E termina: muito modes-tamente diz que dadas as difi-culdades financeiras que o país atravessava, não o moviam in-teresses pecuniários e apelava, […] “eu rogo a V. Ex.ca de por na Presença de S. A. R. que o meu desejo he que S. A. R. me fassa huã graça toda honori-fica sem mistura alguma de intereces pecuniarios, por que alem dos motivos assima esta empreza de tanta gloria não deve ter outro prémio que não seja o das honras.”

Nas notas biográficas re-ferentes a Luiz Gomes de Car-valho que consultámos, não consta que lhe tivessem sido concedidos quaisquer títulos ou honras honoríficas. Antes pelo contrário, mais tarde so-freu fortes e injustas persegui-ções, como vimos.

Uma Abordagem Filatélica

Há peças filatélicas anti-gas que têm um carácter mar-cadamente histórico, sendo que estas peças de interesse histórico podem ter pouco ou nenhum valor no mercado fila-télico. Por outro lado, existem documentos de alto valor his-tórico, que têm também alto valor filatélico. À primeira vista estas asserções parecem dis-paratadas, pois pode conside-rar-se que, de uma maneira ou outra tudo viria a dar na mesma; contudo há uma diferença: é que documentos histórico-filaté-licos geralmente estão preservados em arquivos – e ainda bem –, como é o caso das cartas que estamos a analisar, que pertence ao acervo histórico da Administração do Porto de Aveiro.

Muitas cartas ou outros documentos históricos com interesse filatélico encontram-se res-guardadas em arquivos de entidades públicas ou privadas, em museus ou bibliotecas. Seria bom que pudessem ser estudadas e divulgadas (com as devidas garantias e cautelas, como é eviden-

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te, para evitar que, sendo desviadas, possam entrar no mercado filatélico), pois certamente al-guns pontos obscuros que ainda subsistem na Filatelia Portuguesa poderiam ser esclarecidos. As próprias cartas, no seu conteúdo escrito, podem ser valiosas pela informação que transmitem.

É por isso um prazer para nós podermos divulgar numa publicação filatélica esta interessan-te e valiosa carta�, considerando os aspectos históricos e filatélicos.

A carta de que falámos é datada de �4 de Outubro de �808. Como curiosidade e como po-derá ver-se na parte inferior da carta, nota-se que a data está escrita desta maneira: �4 de 8bro de �808. À primeira vista poderia pensar-se que a data se refere a Agosto, mas não é assim: esta data deve ler-se como acima se refere – �4 de Outubro de �808.

Note-se que o ofício antes referido dirigido a S. A. R. o Príncipe Regente, é datado de �0 de Setembro de �808, razão porque esta data nunca poderia ser de Agosto.

Para os menos conhecedores da escrita antiga, onde, como se sabe, eram usadas muitas abreviaturas, fazemos notar que aqui o algarismo “8” não representa um numeral ordinal, mas sim interpreta-se de alguma maneira em sentido fonético; assim: “7bro” = Setembro; “8bro” = Outo (oito) = Outubro; “9bro” = Novembro; “10bro” = Dezembro.

É interessante salientar-se que uma outra carta de Luiz Gomes de Carvalho4, dirigida a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, tem a data assim expressa: “10 de Xbro. de 1808” ou seja �0 de De-zembro de �808.

No Arquivo Histórico do Porto de Aveiro existem quatro cartas referentes às obras da Barra, tendo como destino o Rio de Janeiro, como se indica: carta de João Carlos Cardoso Verney, dirigi-da a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, datada de ��/Setº. de �808; três cartas de Luiz de Gomes de Carvalho, uma endereçada ao Príncipe Regente e duas dirigidas a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, datadas, respectivamente, de �0/Set.º, �4/Out.º e �0/Dez.º de �808.

Filatelicamente, sobre as quatro cartas, pouco há a dizer. Sendo datadas do ano de �808, pertencem ao período pré-adesivo que, como é sabido, vai do reinado de D. Manuel I, que por Carta de � de Novembro de ��20, nomeou o primeiro Correio-Mor (Luís Homem), até � de Julho de �8��, no reinado de D. Maria II, quando foram emitidos os primeiros selos portugueses, a que se convencionou chamar selos móveis ou adesivos. As cartas são do “Real Serviço”, como se vê nos endereços das capas. Não pagaram por isso, portes de correio, por estarem isentas, pelo que, como é evidente, não apresentam qualquer marca de porte.

Destas quatro cartas, lamentavelmente para os filatelistas, apenas “sobreviveram” duas capas. A primeira destas capas não tem qualquer marca dos correios demonstrando, assim, que muito provavelmente foi transportada por mão própria.�

A segunda capa, essa sim, tem muito mais interesse filatélico, embora o seu estado de con-servação não seja famoso; o carimbo nominal AVEIRO (AVR� do catálogo por fichas de A. Guedes de Magalhães e M. Andrade e Sousa – FPF, �978) certifica que a carta seguiu a via normal dos Correios, com isenção de portes, por se tratar de correspondência oficial.

Infelizmente as capas não apresentam quaisquer datas; desta maneira não é possível as-sociar as duas capas a qualquer das quatro cartas. Contudo, as capas pertencem a estas cartas, sem dúvida, pois originalmente encontravam-se no mesmo processo, como adiante vamos referir. Atrevemo-nos, no entanto, a formular a hipótese de que as capas que se perderam pertenciam à carta de João Carlos Cardoso Verney, endereçada a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, datada de ��/9/�808, por a letra ser muito diferente das outras, escrita em excelente caligrafia e, por ra-zões mais óbvias, a carta de Luiz Gomes de Carvalho, dirigida ao Príncipe Regente, datada de �0/9/�808.

Temos assim, para as duas capas as datas possíveis de �4/�0/�808 e �0/�2/�808.Se atribuirmos a data de �0/�2/�808 à capa com o carimbo nominal de Aveiro, teríamos de

alterar a data limite de utilização do carimbo AVR� (conhecido de �80� a 2�/Novº �808) de No-vembro para Dezembro. Talvez uma análise comparativa da escrita e das tintas nos desse algu-mas pistas, mas isso é trabalho de laboratório para especialistas…

3 Esta carta foi já reproduzida no livro “A Diáspora dos Ílhavos”, edição do Museu Marítimo de Ílhavo.4 Que também se encontra preservada nos arquivos da A.P.A.5 As cartas levadas por mão própria teriam de ser entregues obrigatoriamente no correio; de contrário, os

transgressores estavam sujeitos a pesadas coimas.

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O que podemos afirmar, com toda a certeza, é que as capas que se mostram pertencem a cartas circuladas entre �� de Setembro e �0 de Dezembro de �808; com algumas dúvidas reduzi-mos estas datas para um período de �4 de Outubro a �0 de Dezembro, de harmonia com a hipó-tese antes expressa.

E, para terminar este capítulo transcrevemos o título da capa do “dossier” original onde fo-ram preservadas as quatro cartas e as duas capas:

AVEIRO �808De João Carlos Cardoso VerneyLuiz Gomes de Carvalho(pertenceram estes documentos ao Real Arquivo de El-Rei D. João)Adquiridos ao Ex.mo Sr. Marquês do Lavradio recentemente falecido)

Esta valiosa informação merece-nos alguns comentários: para já, se algumas dúvidas hou-vesse, a autenticidade das cartas está à vista; por outro lado, tudo leva a crer que as cartas fo-ram adquiridas pela Junta Administrativa e Fiscal das Obras de Aveiro (que funcionou de �8�8 a �888). Mas em que data e quem era o Marquês do Lavradio que tinha as cartas em seu poder, já que várias ilustres personalidades usaram aquele título nobiliárquico?

Analisando datas e cargos tão marcantes, desempenhados pelos marqueses do Lavradio, nos séculos XVIII e XIX, como ministros, governadores/capitães generais em Angola e Brasil, e até vice-reis da Índia e Brasil, podemos considerar por exclusão de partes, que se trata de D. Antó-nio de Almeida (N. �794-M.�874), que em �807, com toda a sua família, seguiu com a corte para o Brasil; daí estarem as cartas em seu poder. E pela indicação (recentemente falecido) podemos admitir que as cartas foram adquiridas por volta de �874. Mas não há certezas.

Graças aos cuidados que Administração do Porto de Aveiro tem desenvolvido para a con-servação do seu arquivo histórico, é-nos possível divulgar a existência destes dois interessantes documentos nos meios filatélicos.

O que não podemos deixar de salientar, aproveitando para agradecer publicamente àquela entidade, as facilidades que nos concedeu para examinar os seus arquivos.

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O estado da Barra antes de 1808

Não cabe no âmbito destes apontamentos descrever de forma exaustiva a maneira como se formou o cordão dunar da Ria de Aveiro ao longo dos séculos; não teríamos, além do mais, com-petência para abordar este problema, que ainda hoje não está completamente estudado, e que no passado deu origem a opiniões divergentes e consequentes polémicas.

É notório que são inúmeros os testemunhos escritos de diversas épocas e proveniência vá-ria, documentando a catastrófica situação que se vivia em Aveiro e sua região, devido à instabi-lidade da barra que agora se abria e logo fechava ou deixava de ter condições, e acentuava-se a sua deslocação cada vez mais para sul. As actividades económicas paralisadas (nomeadamente a produção de sal), as precárias condições de sanidade e os indíces demográficos reflectiam, e de que maneira, este estado de coisas.

Mas o certo é que o povo da região, a Câmara e outras autoridades, jamais se conformaram, e denodadamente lutaram contra a situação, como também está fartamente documentado.

É claro que não cabe no âmbito destes simples apontamentos o estudo aprofundado desta problemática ao longo dos séculos, pelo que vamos concentrar-nos, neste capítulo, no período que antecede a abertura definitiva da Barra – isto é, nos últimos anos do reinado de D. José I e reinados de D. Maria I e do Príncipe Regente, mais tarde D. João VI.

Sabe-se que em ��8� um engenheiro holandês fez tentativas para abrir a barra sem suces-so. Em �7��, D. José I, atendendo aos insistentes apelos do povo e autoridades – a Câmara, a Nobreza e o Povo – por Provisão de 27 de Maio criou a Superintendência das Obras da Barra de Aveiro. Simultaneamente, foi lançado um imposto a que se chamou o Real de Água, que incidia sobre o vinho e as carnes, abrangendo as Câmaras da Comarca de Esgueira. Imposto polémico, muito se discutiu sobre ele.

Nesta data a barra estava totalmente fechada. Tentativas feitas por competentes engenheiros hidráulicos, na sequência daquela decisão real, saldaram-se por um fracasso total pois a abertura definitiva nunca foi conseguida: o mar é quem tinha a última palavra! Assim aconteceu em �7��, �7�8, �777 (ainda no reinado de D. José I) e �780 e �79�, já no reinado de D. Maria I.

À direita: gravura extraída do livro Descripçam dosPortos Marítimos do Reyno de Portugal, por João Teixeira, Cosmógrapho de sua Magestade – Anno de 1648 (Cortesia do Museu da Marinha – Lisboa)

Abrindo aqui um parêntesis, vale a pena debruçarmo-nos sobre umas das tentativas de romper a barra, acontecimento deveras curioso, protagonizado por um ilustre aveirense que de-notando grande amor à sua terra demonstrou que poderia superar as experiências frustradas do Governo.

Em �7�7 o Capitão-mor de Ílhavo, João de Sousa Ribeiro da Silveira, apresentou ao Rei D. José I um enérgico protesto, em nome da popu-lação, ao mesmo tempo oferecendo-se para fa-zer um “regueirão”, que estabeleceria a ligação da Ria com o mar, num local mais a Sul, perto de Mira. Por aviso de 27 de Janeiro daquele ano foi instruído o Superintendente da Barra para que este concedesse a devida autorização. E por que se chamou a esta abertura um “re-gueirão”? Os dignos engenheiros, ciosos dos seus títulos e cargos, nunca permitiriam que um simples curioso (embora altamente credenciado noutras áreas) abrisse uma “barra”.

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Transcrevemos do Arquivo Distrital de Aveiro: […] “Escolhido definitivamente o local, bem em frente do chamado Forte Velho, duas léguas ao norte da Barra que então existia, João de Sousa Ribeiro aí concentrou oitenta juntas de bois e mais de duzentos homens e a 11 de Feve-reiro de 1757 iniciou a sua epopeia, a abertura da vala para o mar. Esta devia ter 20 braças de largura e teria de atravessar o areal de mais de 300 braças, isto é, mais de 600 metros. Durante sete semanas seguidas, João de Sousa Ribeiro não se afastou do local, nem sequer para ir a casa.

O regueirão, à medida que ia sendo aberto, era protegido de um lado e do outro por esta-cadas de pinheiros. Ao fim de sete semanas deu o trabalho por terminado, mas embora na Ria se encontrasse grande quantidade de água, não a considerou suficiente para entrar no regueirão e provocar o que pretendia: não só romper o areal, mas abrir uma barra ampla e profunda”.

O Capitão-mor era persistente: vieram mais juntas de bois, alargou-se a vala, reforçou-se a estacaria e esperou-se por uma ocasião propícia para fazer a abertura. A melhor oportunidade seria quando a Ria registasse uma cheia que, com um suficiente volume de água, arrastasse para o mar as areias. Assim aconteceu em 8 de Dezembro desse ano de �7�7.

Simbolicamente, quis o Capitão-mor que fosse o seu filho João de Sousa, ainda criança, que com a ajuda de alguns trabalhadores desse as últimas enxadadas no areal, estabelecendo a liga-ção com o mar. As águas da Ria, resultantes de uma grande cheia, correram com impetuosidade para o mar, arrastando consigo enormes quantidades de areia, como previsto. A nova Barra, modestamente chamada de “regueirão”, resultou tão bem que ficou com uma abertura de boca e com profundidade suficientes para que nela navegassem barcos; contudo, não se tratava de uma solução definitiva, como todos concordaram.

O Capitão-mor João de Sousa Ribeiro, diz-se, gastou uma pequena fortuna nesta obra e foi considerado um verdadeiro benemérito pelas Câmaras da Região de Aveiro. O “regueirão” aberto (transcrevemos novamente) […] “acabou por ser de felicidade para Aveiro”.

Foi pena que esta “felicidade” durasse apenas alguns anos pois, como vimos, várias expe-riências feitas no sentido de se conseguir uma barra definitiva não resultaram, como aconteceu também no caso do “regueirão” (ou “desaguadouro”) tentado mais tarde, em �79�, junto à Cape-la da Senhora das Areias na costa de S. Jacinto, que foi rapidamente destruído pelo assoreamen-

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to, devido à força do mar. Este “desaguadouro”, que custou 40000 cruzados, foi solicitado pela Câmara a Sua Majestade a Rainha D. Maria I em sessão de � de Maio de �79�.

Finalmente, por ordem de 2 de Janeiro de �802, o Príncipe Regente D. João, pressionado pelas frequentes reclamações do povo de Aveiro e da sua Câmara, com o evidente apoio e inci-tamento do seu Ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, encarregou os engenheiros Coronel Ou-dinot e Luiz Gomes de Carvalho de darem início aos trabalhos de um nova Barra, aberta em � de Abril de �808, que ainda hoje subsiste.

Pela copiosa documentação existente, de que pode facilmente dar-se conta quando se con-sultam os quarenta e dois volumes do “Arquivo do Distrito de Aveiro”, que foram publicados de �9�� a �972, manancial de extraordinária importância em relação à História de Aveiro e sua região, podem tirar-se, à partida, sobre o tema, algumas conclusões óbvias: a primeira é que o povo de Aveiro e a sua Câmara e ainda outras autoridades, ao longo dos tempos nunca deixaram de pugnar pela “sua” Barra; a segunda é que D. José I, no final do seu reinado e depois, espe-cialmente, D. Maria I e seu filho D. João VI (enquanto Príncipe Regente, mais tarde Rei), sempre olharam com grande interesse e carinho para o gravíssimo problema que persistia havia séculos e que tanto afectava a vida do povo da região. Do mesmo modo, o todo poderoso Ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho nunca descurou o assunto, sustentando perante o Príncipe Regente, com grande empenho e entusiasmo, a causa da Barra de Aveiro.

O Coronel Engenheiro Luiz Gomes de Carvalho é o Homem que se segue!…

3 de Abril de 1808: A abertura definitiva da Barra de Aveiro

Em �7 de Outubro de �778 a Câmara de Aveiro, dado que as obras mais recentes em nada resultaram, encarregou o ilustre cidadão aveirense José Leandro da Costa Monteiro Rangel de Quadros de se deslocar à Corte com a incumbência de solicitar a mercê régia para a abertura da Barra. Em � de Março de �788, a Câmara queixa-se de novo à Rainha que então ordena a execu-ção de obras; contudo, a Barra continuava fechada quando, mais uma vez, a �� de Abril de �794, a Câmara mandatou o Doutor Manuel Joaquim Lopes Negrão no sentido de solicitar providências ao Príncipe Regente para a continuação das obras. Novas e prementes queixas levaram o Gover-no a concentrar-se empenhadamente nesta importante questão.

Lá diz o velho rifão: “Água mole em pedra dura…” O clarividente Ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho encarregou, em �802, os engenheiros Tenente-Coronel Reinaldo Oudinot e Sar-gento-Mor Luiz Gomes de Carvalho de elaborarem um plano para a abertura da nova Barra; apro-vados de imediato os planos, os trabalhos começaram ainda nesse ano de �802, sob a direcção dos dois engenheiros. Num ano apenas, resolveu-se um problema para o qual, se vinham procu-rando soluções desde o século XVII!

Em �80� Reinaldo Oudinot foi destacado para um novo cargo na Ilha da Madeira, ficando a direcção dos trabalhos exclusivamente sob a ordens de Luiz Gomes de Carvalho que, daí em diante, com o seu entusiasmo e competência seria a alma do empreendimento que teve o seu ponto alto em � de Abril de �808, data importantíssima na História de Aveiro e de que agora se comemoram, com grande dignidade, os duzentos anos.

Por aviso régio de três de Dezembro de �80� Luiz Gomes de Carvalho foi encarregado de di-rigir as obras da barra, na ausência do Coronel Engenheiro Oudinot, que viria a falecer na Ilha da Madeira em �807, sem testemunhar a concretização de um projecto de que foi um dos autores e que toda a vida acarinhou. O Sargento-Mor de Engenharia, deste modo, assumiu definitivamente a inspecção e direcção das obras, o que aliás já vinha acontecendo desde �802; isto apesar das dificuldades de toda a ordem e a clara oposição de alguns sectores, que vinha enfrentando.

Nos anos de �80� e �807, perante o atraso dos trabalhos, o povo mostra-se revoltado. A ria estava transformada num pântano, as febres grassavam e a quina, pelo seu preço, não estava ao alcance dos pobres. Em �808, uma grande cheia inundou a parte baixa da cidade, causando enormes prejuízos e incómodos; perante esta situação, Luiz Gomes de Carvalho, depois de uma tentativa frustrada realizada em Fevereiro de �808, resolveu abrir a barra, o que aconteceu no dia � de Abril, domingo, pelas 7 horas da tarde.

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Os resultados não tardaram a mostrar-se: as águas, nas ruas inundadas da cidade baixaram três palmos em 24 horas e três dias depois já toda a cidade estava limpa.

Encontrava-se definitivamente aberta a Barra, que algum tempo depois apresentava já uma profundidade de �8 a 24 palmos na baixa-mar e 24 a �0 palmos na preamar.

Transcrevemos dois interessantes testemunhos que salientam a satisfação e euforia que se vivia. Um deles é do próprio punho de Luiz Gomes de Carvalho e faz parte da sua carta datada de �0 de Setembro de �808, dirigida a Sua Alteza Real, o Príncipe Regente:

“O dia trez de Abril deste prezente anno foi o ventuoso dia d’ Abertura da Nova Barra de Aveiro; elle foi, em certo modo, hum segundo dia de creação em que se operou, como por hum prodigio, huã conveniente e necessaria separação das agoas, e dos terrenos, que estavão na mais fatal confuzão: É este Grande Bneficio, que V. A. R. preparava a estes Povos desde muito tempo, fez despertar, como eu fui testemunha, a saudade constante que os Povos mais interes-sados nesta Obra consagravão ao Seu Legitimo Auzente Soberano quando gemia debaixo da escravidão e tyrania de que o Ceo, auxiliando os nossos proprios exforsos, e os dos nossos ami-gos, acaba de resgatar-nos.

A nova Barra de Aveiro he a melhor de Portugal depois da de Lisboa; ella fará duplicar o valor de toda a Provincia da Beira, e com o tempo a sua população: Por effeito della já estão enchutos, e restituidos á Lavoura campos que estavam submergidos, e outros, que hião perder-se para sempre, que podem produzir annualmente dous milhoens de alqueires de milho e feijão: As vastas Marinhas d’ Aveiro, que estavão condenadas a huã perpetua submersão, são hoje das mais ricas do Reino.”

O outro testemunho insere-se na “Memória sobre a nova Barra d’ Aveiro aberta em 3 d’ Abril de 1808” da autoria do oficial da Marinha de Guerra Isidoro Francisco Guimarães:

“Se houvessem suficientes fundos p.a continuar os trabalhos desta interessante obra, que exigem que sejão grandes, certam.te esta Barra seria a prim.ra de Portugal depois da de Lx.a, e a Cidade mui opulenta pello commercio exterior, porq dali as mercadorias podão ser transportadas p.a dffrentes partes da Provincia da Beira com mas facilid.e que da Cid.e do Porto, e seguir-se-hião alem disso p.a a Cid.e e p.a o Reino todos os proveitos que se costumão tirar de huñ Porto commercial pela franqueza da sua Barra.”

Para salentar o melhoramento é prova bastante um facto histórico, a que não tem sido dada grande relevância, mas que é importante para demonstrar o magnífico estado da Barra, definiti-vamente fixada. Durante as invasões francesas, deu entrada no porto de Aveiro, em �� de Maio de �809, um comboio marítimo inglês, com cerca de 40 navios (o número é divergente, segundo as diversas fontes), transportando mantimentos e munições para as tropas anglo-lusas que se dirigiam para Norte, a fim de combater o Marechal Soult. Note-se que a entrada de tantos navios demorou apenas cerca de uma hora, o que não pode deixar de causar admiração. Foi responsá-vel por este notável feito, o oficial da Marinha de Guerra Isidoro Francisco Guimarães, autor da “Memória” atrás referida.

Por outro lado, são conhecidos muitos documentos atestando que a salubridade de Aveiro melhorou bastante depois da abertura da Barra. A venda de quina, confirmam os boticários, bai-xou consideravelmente. Uma certidão pedida pelo Director das Obras ao Bispo da Diocese, trans-mite-nos elementos estatísticos do maior interesse:

�802 �7�

�80� ���

�804 ��2

�80� �42

�80� 2�� 89��00 Réis

�807 �8� 744200 Réis

Custos dos remédios distribuídos gratuitamente aos pobresAno Mortes

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Números elucidativos, sem dúvida!Como dizia Luiz Gomes de Carvalho em carta datada de �0/�2/�808, dirigida a D. Rodrigo de

Sousa Coutinho, então no Brasil com a Corte, tudo corria bem na cidade: […] “Igualmente dou a V. Ex.ca a not.a de que em Aveiro já não ha doenças nem os boticários vendem Quina. A Barra vai sempre m.to boa. Ha sal e ha pão, etc. etc.”

Depois da abertura da Barra

�808 �29 �4742� Réis

�809 49 �297�0 Réis

�8�0 94

�8�� �4�

Custos dos remédios distribuídos gratuitamente aos pobresAno Mortes

Há sal e há pão – meia dúzia de palavras com enorme significado! Vale a pena meditar nes-ta curta frase…

Luiz Gomes de Carvalho, “contra ventos e marés” (nunca um rifão foi tão ajustado…) man-teve-se como Director das Obras da Barra até �82�, demonstrando sempre grande competência e empenhamento, agora no melhoramento e continuação dos trabalhos; foi destituído por motivos políticos, como já vimos.

Bibliografia

Arquivo do Distrito de Aveiro: Várias ReferênciasChristo, António e Gaspar, João Gonçalves: Calendário Histórico de Aveiro.Conde, Bartolomeu: Origem da Ria de Aveiro.Neves, Francisco: Resumo Histórico da Barra de Aveiro, in Arquivo do Distrito de Aveiro

– vol. XIIINeves, Francisco: Reflexões históricas sobre a Barra de Aveiro, de Almeida Coimbra, in Ar-

quivo do Distrito de Aveiro – vol. XIXNeves, Francisco: Documentos Relativos à abertura da Barra de Aveiro, in Arquivo do Distri-

to de Aveiro – vol. XXIINeves, Francisco: Breve história da Barra de Aveiro, in Arquivo Distrital de Aveiro – vol I Pi-

menta, Belisário: A Barra de Aveiro em �809, in Arquivo do Distrito de Aveiro – vol. VIII (�942)Nova Enciclopédia Larousse (Círculo de Leitores)Fonseca, Senos da, Ílhavo – Ensaio monográfico (do século X ao século XX)Souto, Alberto: Um comboio marítimo inglês no Porto de Aveiro em �809, in Arquivo do Dis-

tritol de Aveiro – vol. VII

Notas do autor:

• Gravuras das páginas 7, 8, 9, ��, �� e �8 (cartas) e fotografias das páginas � e �4, cedidas pela APA. Gravura da página ��, cortesia do Museu da Marinha – Lisboa.• Não se conhece qualquer retrato de Luiz Gomes de Carvalho.

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Aveiro – Farol da Barra e Costa Nova do Prado

João Pinheiro da Silva

Em Aveiro, para lá chegar tome a Estrada Nacional �09, que o conduzirá à Barra, passando junto das salinas, com os seus montes cónicos de sal, alguns cobertos de palha ou canízia para defesa e protecção da erosão das chuvas e dos fortes ventos da região, que muitas vezes sopram com intensidade. Esta região salina, característica de Aveiro e actualmente em forte declínio, com a maior parte das marinhas, velhinhas de séculos, têm vindo a desaparecer, transformadas em viveiros de enguias. Os tempos difíceis e a concorrência desenfreada deixaram em precária situação económica o garboso e esforçado marnoto, que labutava nelas.

Continuando, lá para diante, sobressaem os depósitos de combustível e a pouca distância, o considerado porto marítimo de Aveiro, hoje bem apetrechado com enorme movimento de carga e descarga de mercadorias das actividades comerciais e industriais de quase todo o distrito. Actualmente, este porto rivaliza com o de Leixões, dotado recentemente de doca seca.

Encontrando-se depois já na típica Gafanha da Encarnação e acompanhando uma longa enfiada de casas baixas, encontra-se a figura inconfundível do farol da Barra (Fig. �), conhecido por toda esta zona costeira do distrito. O farol tem a forma cilíndrica, adelgaçando na parte superior, e encontra-se pintado com largas faixas paralelas de vermelho e branco. Foi construído

Fig. 1 – Afinsa 1803 – Yvert 1700. 1987 – Faróis da costa portuguesa. Oblit. ord. de 1º dia de Gafanha da Encarnação, de 12/06/1987.

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sobre um forte maciço de betão de � metros de espessura , assente por sua vez em estacas de pinho verde. No interior, corre uma escada de caracol com 27� degraus, que permite ao faroleiro chegar ao lanternim, que emite uma luz viva, com um alcance de cerca de 20 milhas, destinada a romper a natural escuridão do mar.

Fig. 2 – Afinsa 1788 – Yvert 16871987 – 75 anos de turismo. Oblit. ord. de 1º dia, de Tocha, de 10/02/1987.

Fig. 3 – Afinsa 1721 – Yvert 16421985 – Arquitectura Popular Portuguesa. Oblit. ord. de 1º dia, de Praia de Mira, de 20/08/1985.

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Fig. 4 – Afinsa 2701 – Yvert 24252000 – Dia do Pescador. Oblit. ord. de 1º dia, de Gafanha da Boa Hora, de 31/05/2000.

Nota: Algumas destas legendas foram extraídas de livros das Selecçoes do Reader’s Digest.

Inaugurado em �89�, continua a ser um dos faróis mais altos de toda a costa portuguesa, com �� metros acima do nível das águas. Pegado ao farol, há um anexo que abriga a potente sirene, popularmente conhecida por “ronca da barra” que alerta a navegação em dias nevoentos para a proximidade da costa.

Continuando para sul e quase paredes meias com a praia da Barra, chegamos à Costa Nova do Prado, ou Costa Nova como é designada, com uma praia airosa e bonita, com uma extensa avenida ajardinada ao longo da ria. Como povoação é vistosa, pois os antigos palheiros tem sido substituídos e cedido o lugar a moradias de alvenaria com a mesma forma e cor das anteriores construções.

Este tradicional palheiro, construção típica dos pescadores da orla marítima, que proliferou pela costa portuguesa, de Espinho ao Cabo Mondego (Fig. 2), tem os dias contados, embora tornando-se residências de veraneantes, os quais realçaram com cores garridas as tábuas das fachadas, dando à povoação uma característica invulgar. Porém, apesar de tudo, a extinção ainda não é completa, como sucede na praia de Mira (Fig. �), onde ainda hoje se encontram um ou outro palheiro rústico.

Outro aspecto verdadeiramente regional da praia, além do conhecido palheiro, é a faina da pesca do arrasto, que ainda se pratica, mas já em menor escala e importância de antigamente. Essa pesca em qualquer praia do litoral norte era, e ainda é, um espectáculo que atrai um elevado número de curiosos, desde o lançamento da embarcação ao mar, a sua chegada à praia, a alagem da rede, a sua abertura, a formação da lota e a inevitável venda do peixe (Fig. 4). As redes eram aladas por juntas de bois, sucederam-se os tractores, que puxam as redes, ou então o trabalho é feito por mulheres, idosos e mesmo crianças em quase toda costa.

Segundo a tradição local, foi desta praia que saíram as primeiras tripulações dos bacalhoeiros, em demanda dos bancos da distante terra Nova.

A Costa Nova é merecedora de uma visita, principalmente aos seus restaurantes muito típicos e saborear a caldeirada de enguias, a tiborna de bacalhau, etc, ou o seu belo marisco.

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O astrolábio “Aveiro” foi achado na ria de Aveiro a 29 de Março de �994 pelo Sr. Manuel Ferreira Paiva Santos, tendo sido depositado no Museu de Marinha pela Secretaria de Estado da Cultura. Apresenta gravada na face principal a data ��7�, bem como marcas atribuídas ao seu fabricante.

O astrolábio náu-tico é utilizado a bor-do dos navios dos Descobrimentos a partir dos finais do século XV. Resultante da simplificação do astrolábio planisfé-rico ou astronómico, cuja utilização está documentada desde a Idade Média para efec-tuar cálculos geométri-cos, o astrolábio náutico servia para a medição da distância zenital do Sol.

O astrolábio é constituído por um anel graduado, com dois diâmetros ortogonais, ao centro do qual gira um ponteiro, denominado me-declina, que tem por sua vez duas pínulas perfuradas no centro. Era através destes orifí-cios que se “pesava o Sol”, fazendo pontaria

Astrolábio

Astrolábio Náutico (Planisfério de Diogo Ribeiro, 1529)

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a um dos seus raios, de modo a projectá-lo no convés do navio.

Os primeiros astrolábios eram feitos de madeira ou de chapa de metal, mas não tardou até que se co-meçassem a fabricar astrolábios de cobre.

Actualmente, a designação atribuída a cada astro-lábio resulta do nome do navio de que são provenien-tes ou do local onde foram encontrados.

Cerca de metade dos astrolábios existentes (mui-tos deles recuperados pela arqueologia náutica, cerca de �0) é de origem portuguesa. Contam-se entre os mais conhecidos fabricantes de astrolábios os portu-gueses Agostinho de Gois Raposo, Francisco Gois ou João Dias.

Estes instrumentos náuticos têm por dimensões médias: �7� a 2�0 mm de diâmetro; espessura de �0 a 20 mm; peso 2 a � quilogramas.

Texto e imagem do Astrolábio Aveiro por cortesia do Museu da Marinha.

Bibliografia

Medir as estrelas, por António Estácio dos Reis, Edição dos CTT - Correios de Portugal (Clube dos Coleccionadores).

Arqueologia sub-aquática. Astrolábio náutico ATOCHA III, 1605

Astrolábio do séc. XVI

Astrolábio séc. XVI

Astrolábio náutico DUNDEE, 1555

A “pesar o sol”. O astrolábio náutico, utilizava-se pendurado ao

nível da cintura.

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O período áureo da navegação costeira em Portugal no transporte das correspondências

J. Miranda da Mota, A.I.E.P.Real Academia Hispánica de Filatelia

[email protected]

1. Os meios de transporte terrestre usados pelos Correios

Antes da criação do ofício de Correio-Mor, em ��20, o transporte de cartas e de encomendas de pequeno volume particulares ou oficiais, no nosso país, era efectuado pelo recoveiro ou almo-creve que a pé ou em cima de um burro (e por primitivos caminhos, dada a falta de estradas) se ia encarregando dessa tarefa.

No período dos Correios-Mores (��20-�797), com a rede de Correios Assistentes criados nas principais localidades por nomeação Régia até ��0� (Filipe II) e, a partir dessa data, escolhidos pelo Correio-Mor, o serviço de condução e distribuição das correspondências passou a ser exe-cutado por estafetas e postilhões que se deslocavam a pé ou a cavalo. Para este último efeito, o Correio-Mor nomeava, de acordo com as necessidades e em locais convenientes, os chamados mestres da posta que tinham a responsabilidade de disponibilizar os cavalos de posta para os correios quando estes necessitassem. Estávamos no tempo em que o transporte de correspon-dência entre Lisboa e o Porto demorava uma semana.

Com a nacionalização dos serviços dos Correios, ocorrida em �797, o Estado chamou a si a responsabilidade de procurar melhorar estes serviços. Nesta ordem de ideias, e apesar de o estado de conservação das poucas estradas existentes no séc. XVIII e princípios do XIX não ser o melhor (as primeiras estradas começaram a ser projectadas e construídas no reinado de D. José), foi criada em �798 a primeira mala-posta portuguesa para transportar pessoas e correspondên-cias no troço entre Lisboa e Coimbra. A viagem inaugural ocorreu em �7 de Setembro e passados seis anos essa carreira teve de ser extinta perante um acumular de prejuízos de exploração a que não foram alheios a falta de passageiros e as dificuldades para vencer o mau estado da estrada. O tempo gasto nesse percurso era então de 40 horas.

Os problemas com as irregularidades do serviço dos correios eram vários e frequentes e mantiveram-se durante bastantes anos tendo, em �8�7, o Ministro dos Negócios Estrangeiros (que ao tempo tutelava os Correios) afirmado perante as Cortes: “São obvias aquellas causas que produzem essas irregularidades, e bastará por certo apontar as do péssimo estado das nos-sas estradas, a falta de pontes, o máo estado das postas, e a falta de segurança nos caminhos públicos”.

Antes da inauguração da Mala-Posta entre o Carregado e Coimbra em 2� de Maio de �8��, uma carta enviada por terra de Lisboa para o Porto, ou vice-versa, levava normalmente três ou quatro dias a chegar ao destinatário, sendo o transporte assegurado por estafetas que se deslo-cavam a pé ou a cavalo. A partir dessa data e até �8��, o correio entre essas cidades passou a demorar apenas dois dias.

Com a conclusão das obras de ligação do Alto da Bandeira (Vila Nova de Gaia) à Ponte Pensil em �� de Outubro de �8��, a Mala-Posta do Carregado, que trazia as correspondências de Lisboa, passou a poder entrar directamente no Porto. Esta viagem demorava �4 horas para per-correr os �00 quilómetros (�0 léguas métricas) e a carruagem tinha capacidade para acomodar 8 passageiros.

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2. A navegação costeira

Em simultâneo com o transporte das malas das correspondências internas por via terrestre, os nossos serviços postais foram recorrendo (embora não sistematicamente), aos barcos à vela que se dedicavam à cabotagem da nossa costa levando pessoas e mercadorias. Esses barcos veleiros estavam dependentes, em grande medida, dos ventos e do estado do mar pelo que o horário das carreiras não tinha regularidade, sendo essa uma das razões por que os Correios ge-ralmente não anunciavam as saídas desses barcos.

A adopção da via marítima para o transporte das correspondências de Lisboa para o Porto e vice-versa teve suporte no Aviso de 2 de Janeiro de �8�� que dizia: “sendo constante a grande

dificuldade que presentemente se experimenta em conservar a communicação por terra entre esta Cidade e a do Porto, deve lançar-se mão de todos os meios, que possão concorrer para con-seguir tão importante objecto; por este motivo, partindo frequentemente Embarcaçoens desta Ci-dade para o Porto, seria conveniente remetterem-se por ellas as Mallas que estiverem prontas, não deixando contudo de continuár a expedição por terra quando houvér oportunidade. Determina-se assim que nenhuma Embarcação parta para o Porto sem levár a Malla do Correio.” As dificulda-des a que o Aviso aludia tinham essencialmente a ver com os frequentes ataques aos correios por salteadores, que apareciam nas estradas por todo o lado, para os espoliarem.

Com o aparecimento dos navios a vapor nas primeiras décadas do séc. XIX, a importância dos barcos à vela foi diminuindo mas sem desapare-cer e, a partir de �82�, iniciou-se a exploração de carreiras a vapor na costa portuguesa. Uma carta transportada pelos vapores passou a demorar apenas um dia, em condições normais, a ir de Lisboa ao Porto, o que se traduziu numa grande vantagem em rapidez (e, de certo modo, em se-gurança se ignorarmos os perigos das condições adversas do mar e do vento) em relação às al-ternativas de transporte por via terrestre, mesmo “os da borda do Már” que eram mais seguros sobretudo em tempo de luta armada.

Como nota técnica refira-se que os barcos a vapor eram a princípio movidos por meio de rodas e, com o seu desenvolvimento e aperfei-çoamento, a propulsão passou a ser por meio de hélice.

É de assinalar o relevante papel da navega-ção costeira nos períodos de guerra. Primeiro, ainda no tempo só dos barcos veleiros, durante a Guerra Peninsular com as Invasões Francesas (�807-�8��). Mais tarde, já com os barcos a vapor, nas Lutas Liberais (�8�2-�8�4), quando D. Pedro IV se envolveu em confronto armado com seu ir-mão D. Miguel, e na Guerra da Patuleia (�84�-�847) com o país em hostilidades durante cerca de nove meses que só terminariam com a assinatura da Convenção de Gramido em 29 de Junho de �847. Os Paquetes Ingleses a vapor deram uma preciosa ajuda no transporte das correspondên-cias entre Lisboa e o norte do país enquanto duraram estes dois últimos conflitos.

Dois dias depois da assinatura da Convenção de Gramido, zarpou de Lisboa a Rasca “Encan-tadora” em direcção a Aveiro trazendo a bordo passageiros e encomendas, tendo depois rumado ao Porto. Não há referência ao transporte de malas do correio mas é conhecida uma carta com

Fig. 1

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destino à cidade do Porto que o mestre da embarcação fez chegar ao destino sem passar pelos serviços do correio como seria obrigatório. Será que em Aveiro terá sido deixada correspondên-cia, mesmo sem terem sido cumpridos também os procedimentos legais?

Para além da carreira regular de cabotagem de barcos a vapor entre as duas principais ci-dades do Reino, uma outra se estabeleceu na costa portuguesa entre Lisboa e o Algarve, com o mesmo carácter mas com menor importância em termos comerciais.

Na fig. � mostra-se um mapa com as principais rotas de cabotagem da costa portuguesa, onde se pode observar a localização de dezasseis dos principais portos (de Norte para Sul): Ca-minha, Viana do Castelo, Porto, Aveiro, Figueira da Foz, S. Martinho do Porto, Lisboa, Setúbal, Sines, Lagos, Vila Nova de Portimão, Albufeira, Faro, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António.

Aliás, importa assinalar que nas suas viagens ao longo da costa, os navios a vapor não faziam escala sempre nos mesmos portos nem sequer sempre em todos aqueles por onde pas-savam. De qualquer modo, a escala para tomada ou desembarque de passageiros e de malas do correio fazia-se quase sempre ao largo em frente à barra desses portos.

Para além das malas do correio que os navios transportavam fechadas (só excepcionalmen-te isso não se verificava), era permitido aos passageiros e à tripulação do navio levar cartas em mão desde que à chegada as entregassem às autoridades. Normalmente quem recebia essas correspondências eram os funcionários da Alfândega que se encarregavam de as encaminhar para o Correio (o Regulamento Postal de �8�� estabelecia que à chegada do vapor um Empregado do Correio se apresentaria na Alfândega para ser conduzido a bordo e receber as malas e as cartas avulsas de que os Capitães e passageiros fossem portadores).

No período de �82� a �8�4 (ano da conclusão da linha do caminho-de-ferro de Lisboa a Vila Nova de Gaia), serviram na carreira de cabotagem a vapor Lisboa-Porto os seguintes barcos que transportaram malas com correspondência: Conde de Palmella (1821), Luzitano (1823), Restaura-dor Lusitano (1824-1828), Península (1836-1837), Porto (1837-1852), Quinta do Vesuvio/Vesúvio (1838-1859), Cisne (1854-1855), Falcão (1847, 1848 e 1851), Duque do Porto (1853-1859), D. Pedro V (1855-1856), Lusitania (1856-1864) – que numa das viagens embateu no iate “Senhora da Piedade”, afundando-o, no dia 28 de Maio de �8�9 um pouco a sul de Aveiro, Lisboa (1860-1864) e Maria Pia (1863-1864). É curioso assinalar que as correspondências co-nhecidas vindas do Bra-sil para o Porto, seguiam sempre de Lisboa para a cidade de destino por via terrestre, apesar de esta via ser mais demorada do que a marítima. Simples coincidência?

A f ig . 2 reproduz uma carta de porte sim-ples (peso até � oitavas de onça), datada de 2� de Julho de �8��, envia-da do Porto para Lisboa por via marítima, tendo sido transportada em mão no vapor D. Pedro V que saiu da cidade de origem nessa data e entrou no porto de Lisboa no dia seguinte conforme atesta a marca datada de Lisboa Fig. 2

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de 27/7/�� batida no verso. A carta apresenta na frente, batido a preto, selo fixo impresso de 40 réis, por ter sido enviada porteada, importância que o destinatário pagou para a receber. A peça ostenta ainda o raro carimbo com cercadura limão “TERRA”, do período pré-adesivo, batido a preto em Lisboa e que era utilizado para marcar na face a correspondência de Correio Marítimo Doméstico que não ostentava qualquer marca de origem.

Vamos analisar agora outra carta, apresentada na fig. �, que circulou também entre as nos-sas duas principais cidades, mas agora de Lisboa para o Porto e que é curiosa. Está datada de 27 de Outubro de �8�8 e, nesse mesmo dia, foi entregue no correio que a marcou com o carimbo circular datado e inutilizou o par de selos que perfazem �0 réis (porte duplo – peso entre � e � oitavas de onça) com o carimbo de pontos “�” em uso.

A carta tem manuscrita, no canto superior esquerdo, a indicação Luzitania que o remetente lhe colocou com a intenção de assinalar que a carta devia seguir por via marítima na viagem des-se vapor de Lisboa para o Porto prevista para 28 de Outubro.

No verso, a carta apresenta carimbo octogonal datado de chegada ao Porto de 29/�0/�8�8.Como o carimbo circular datado de Lisboa não é de correio marítimo e a carta não ostenta o

carimbo oval datado em uso no correio marítimo doméstico, pergunta-se: a carta terá sido trans-portada por via marítima ou terrestre?

A favor do percurso marítimo está o facto dela ter chegado no dia previsto (29/�0/�8�8) para o barco a vapor entrar na barra do Douro no Porto (um dia de viagem) e ter a indicação manus-crita Luzitania.

A favor da via terrestre há o carimbo circular datado de Lisboa e o tempo de transporte que, neste caso, foi de dois dias conforme era habitual no período de �8�� a �8��.

Tendo em conta que se desconhecem registos da data de chegada ao Porto do Luzitania, que deveria ter partido da capital a 28 de Outubro, é de concluir que a carta seguiu na mala do correio por via terrestre. Será que a viagem do barco não se pode realizar nessa data e a carta seguiu, por esse motivo, por correio terrestre? Tudo indica que sim.

Aqui está um caso típico do correio marítimo em que as indicações que os remetentes co-locavam nas cartas podem não corresponder ao percurso que efectivamente a correspondência acabou por seguir, tal como se verifica também que nem sempre as cartas transportadas por via marítima ostentam a indicação manuscrita do navio.

A carreira de vapores entre Lisboa e Vila Real de Santo António, servindo o litoral alenteja-no e algarvio, apenas se iniciou em �8�4. Desde esse ano e até �8�4, nela operaram os seguintes barcos (que levavam e traziam malas do Correio regularmente e transportavam frequentemente um reduzido número de passageiros e pouca mercadoria, o que não favoreceu a exploração des-ta rota): D. Fernando (1854-1858), Algarve (1855-1856), Vesúvio (1859), Tejo (1859), Freia (1859-1860) e D. Luiz (1853-1856 e 1864).

Fig. 3

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Observemos agora na fig. 4 uma carta comprovadamente transportada na mala do correio numa das viagens desta carreira regular de vapores entre a capital e o Algarve.

A carta está datada de 9 de Abril de �8�4, é de porte simples (peso até � oitavas de onça) e circulou por via marítima, pelo vapor D. Luiz, de Lisboa até Vila Nova de Portimão de onde terá seguido por terra para o destino em Lagoa. Foi entregue no correio em Lisboa em �0 de Abril, que a marcou na face com o carimbo oval datado em uso para o Correio Marítimo Doméstico, e a partida do vapor deu-se no dia �� como estava previsto. Deve ter chegado ao destinatário a �2 ou �� de Abril.

Para além destas duas carreiras regulares, houve outros vapores mercantes portugueses que realizaram viagens ocasionais na nossa costa no período em análise (�82�-�8�4). A actividade de cabotagem destes barcos, dado o carácter esporádico, é pouco conhecida e a descoberta de uma peça que tenha sido comprovadamente transportada por um destes vapores será sempre de grande interesse para o estudo do nosso Correio Marítimo Doméstico.

Estão neste caso os seguintes vapores que realizaram viagens ocasionais isoladas ou em pequeno número entre diversos portos: Tejo (1838-1842), Bomfim (1839), Condessa do Farrobo (1844-1852), Valença (1845), Conde de Tojal (1853), Visconde de Athouguia (1860), Alcântara (1861), Torre de Belém (1863) e Mendes Leal (1864).

O transporte das correspondências internas por via marítima haveria de sofrer uma profunda alteração no séc. XIX com o surgimento do comboio. Com o advento da via-férrea, todos os ou-

tros meios de transporte das malas postais, que não o comboio, deixaram de ter interesse para esse fim.

A rede ferroviária entretanto implantada no Reino constituiu uma grande melhoria a nível das comunicações terrestres. Em 7 de Julho de �8�4 foi concluída a importante linha do caminho-de-ferro de Lisboa a Vila Nova de Gaia. Esse percurso passou a fazer-se em cerca de dez horas, menos de metade do tempo gasto na via marítima.

Entretanto, hoje em dia, o comboio demora já menos de três horas a fazer a ligação de Lisboa ao Porto e, com o transporte aéreo, a distância entre as duas maiores cidades do país é percorrida actualmente em cerca de meia hora!

Longe vão os tempos da importância da navegação costeira para o transporte das corres-pondências do nosso Correio Marítimo Doméstico.

Bibliografia

Magalhães, A.G. (�977). Cartas Vindas do Brasil pelos Paquetes Transatlânticos, Victor Si-marro, Porto.

Sousa, M.M.A. (s/d). Temas de História Postal – Período Pré-Adesivo, CTT, Lisboa.Vieira, A. (�988). Subsídios para a História do Correio Marítimo Português, NFACP, Porto.

Fig. 4

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O Farol da Barra de Aveiro

Manuel João [email protected]

Começamos a navegar há muitos anos. Na incessante busca de recursos, rotas de comércio, outros povos e domínios, os mareantes aventuraram-se e afastaram-se cada vez mais da costa. Assim, os navegadores necessitam de pontos de referência que lhes indique que o lar está perto, avise de perigos, de locais de abrigo e permitam localização na imensidão do mar.

Os faróis existem desde a antiguidade. O primeiro, o famoso Farol de Alexandria, foi cons-truído na Ilha de Pharos, daí o nome Farol, cerca de �00 AC. O farol de Alexandria, uma das sete maravilhas do mundo, destruído por um sismo em ��2�, construído em mármore branco com cer-ca de ��� m de altura. A sua luz seria vista a �00 km, ainda hoje o farol mais potente do mundo.

Fenícios, Gregos, Romanos construíram faróis por todos os seus impérios. Na Idade Média mais faróis existiam em Espanha, Itália, França e Inglaterra. Em Portugal, os primeiros foram edi-ficados na Torre do Convento de São Francisco (Cabo de São Vicente) e na barra do Porto.

No princípio acendiam-se fogueiras no solo, ou em torres construídas para o efeito, utili-zando madeira, carvão e mais tarde mechas mergulhadas em azeite ou óleo. Eram escolhidos os locais mais altos da costa, sinalizando perigos e servindo de orientação. Por vezes também ser-viam de armadilhas para assaltar os mareantes mais incautos, fazendo-os naufragar em baixios e falésias.

Avanços tecnológicos, como o candeeiro de dupla corrente de ar, a associação da chama com reflectores (primeiro planos, depois parabólicos) e lentes de vidro aumentaram o alcance dos faróis. Foi introduzido o movimento rotativo e, na segunda metade do séc. XIX, generalizou-se a utilização do petróleo e do gás acetileno. A electricidade, aplicada nos finais do séc. XIX, universalizou-se no séc. XX. Os progressos da electrónica, energias renováveis (foto voltaica, painéis solares, etc) telemonitorização, equipamentos de emergência, GPS e DGPS constituem a realidade dos faróis dos nossos dias.

Mas e o que fazer quando não há visibilidade? Em situações de chuva e nevoeiro todos estes progressos podem não chegar. Nestas ocasiões utilizam-se sinais sonoros e, a “ronca” per-tence ao imaginário infantil de muitos de nós.

O Farol em construção.

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Os primeiros sinais sonoros utilizados foram os canhões. Depois sinos, trombetas, sirenes a ar comprimido e, por fim, sereias eléctricas e vibradores electromagnéticos.

Já recentemente, após o desenvolvimen-to do GPS foram instaladas estações DGPS em muitos faróis permitindo localização muito precisa e facilitando a navegação.

Em Portugal, até ao reinado de D. José I, a sinalização das costas portuguesas era pra-ticamente inexistente, por vezes a cargo de particulares recorrendo a fogueiras e tochas. Em �7�8 foi publicada uma lei para se cons-truírem seis faróis na costa portuguesa: Ilhas Berlengas, Nossa Senhora da Guia, Fortaleza de S. Lourenço, S. Julião da Barra, barra da cidade do Porto e Vila de Viana.

Entre a Nossa Senhora da Guia, em Cas-cais, e o Porto a navegação continuou a ser auxiliada recorrendo a fogueiras, tendo exis-tido uma num local elevado (provavelmente uma duna) a Sul da actual barra de Aveiro.

A topografia da região de Aveiro, baixa, com elevações à distância, induzia frequen-temente os mareantes em erro, pelo que, os sinistros marítimos eram frequentes. Com a abertura definitiva da barra de Aveiro em �808 a necessidade de iluminar esta costa era mais do que imperiosa.

Todavia, apesar da Internet e outros de-senvolvimentos, ontem como hoje a distância entre Lisboa e o resto do reino é a mesma. O farol do Cabo Mondego começou a construir-se em �8�� e, em Janeiro de �8��, o então Ministro da Obras Públicas, António Maria de Fontes Pereira de Melo mandou publicar portaria em que: “...o director das obras pú-blicas do distrito de Aveiro, de combinação com o capitão daquele porto, e com o direc-tor - maquinista dos faróis do reino, trate de escolher o local nas proximidades da barra que for mais próprio para a construção de um farol…”. A mesma portaria também mandava prevenir o funcionário de que o farol se enco-mendaria à França!

Nesses tempos prevalecia a ideia que a torre de sinais do Forte da Barra poderia servir para a construção de um farol. Todavia, aquela comissão terá estudado aprofundada-mente o assunto e emitiu parecer, em Julho de �8�8, propondo como adequado um local a 200 metros daquela torre, perto do final do paredão da barra.

Em �8�2 o insigne parlamentar aveirense José Estêvão pediu na Câmara dos Deputados a construção do farol da barra de Aveiro. De-

Postal máximo – Selo AFINSA, 1803Variante: Obliteração ordinária da Costa Nova

do Prado, estação postal sazonal, que funcionava muito perto do farol.

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pois, em Setembro de �8�� Manuel Firmino de Almeida Maia, Presidente da Câmara de Aveiro, apresentou a El-Rei D. Luís uma petição a rogar a construção de um farol na barra de Aveiro. O que é certo é que poucos dias depois, ainda em Setembro de �8��, o Duque de Loulé mandou publicar portaria “Manda Sua Majestade El Rei que o director das obras públicas do distrito de Aveiro trate de confeccionar um projecto e orçamento de um farol para ser colocado próximo à barra de Aveiro, tendo em vista na elaboração daquele trabalho técnico as indicações constantes da portaria de 28 de Janeiro de 1856, excepto na parte que respeita ao local para a colocação do farol, que deverá ser o que se acha indicado no parecer dado em 11 de Julho de 1858…”.

E os naufrágios, as perdas de bens e vidas continuavam…O projecto ficou concluído em Maio de �884 e, por portaria de Julho desse ano, foi incum-

bido da execução da obra o Engenheiro Silvério Augusto Pereira da Silva. As obras começaram em Março de �88� e o farol foi inaugurado em fins de �89�, tendo custado cerca de �� contos, pouco mais de 2�0 euros.

Tratava-se de um aparelho de �ª ordem “…montado em cima de uma torre a 58 metros acima do nível médio do oceano com grupo de quatro clarões brancos de 24 em 24 segundos, alcance de 20 milhas, e sector de 180º alumiando todo o horizonte… para o caso de nevoeiro

Faróis da Costa Portuguesa (1987): autógrafo de Maluda (nome artístico de Maria de Lurdes Ribeiro), autora dos desenhos.

Fontes Pereira de Melo, o notável estadista do séc. XIX, que modernizou Portugal: construíu caminhos de ferro, estradas, pontes, telégrafos, faróis; deu grande impulso aos transportes terrestres e correios.

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tem um aparelho de sinal sonoro que produz som de 15 em 15 segundos… os anexos servem de habitação aos empregados e depósitos…” (segundo manuscrito anexo ao projecto do farol). A fonte luminosa seria a incandescência pelo vapor de petróleo e o sinal sonoro produzido por uma trompa de ar comprimido.

O projecto indica que a fundação da torre é em betão maciço, com seis metros de espes-sura e assenta sobre estacas à altura das marés mais baixas. As alvenarias consistem em grés vermelho de Eirol e alguns granitos.

Localização: Latitude 40º�8,�4’N Longitude 08º44,79’W

Em �929 procederam-se a grandes reparações, em �9�� foi electrificado e, em �947 o apa-relho foi substituído por um outro menor de �ª ordem. O farol passou a ser alimentado pela rede de distribuição de energia em �9�0. O ascensor foi montado em �9�8, tornando mais fácil ascender ao topo da escadaria de 27� degraus em caracol. Finalmente foi automatizado em �990. Actualmente tem um alcance de 2� milhas náuticas, é o farol mais alto do país, �� metros acima do nível do mar e �2 metros de altura (segundo a Wikipedia o terceiro maior do mundo), com o número nacional 9� e internacional D-20��.

Em �987 os CTT emitiram a série Faróis da Costa Portuguesa, com concepção e desenho da conhecida pintora Maluda (Maria de Lurdes Ribeiro), em que está representado o Farol da barra de Aveiro.

Referências bibliográficas:

“Faróis de Portugal”, Marinha Portuguesa – Ciência Viva, ISBN 972-9780�-9-�“O farol da barra de Aveiro”, Francisco Ferreira Neves in Arquivo do Distrito de Aveiro.“Subsídios para a história do farol da barra de Aveiro”, Francisco Ferreira Neves in Arquivo

do Distrito de Aveiro.Wikipedia, vários.

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As comemorações dos 200 anos do Porto de Aveiro.Contributo histórico-postal.

Luís Brito Frazão. [email protected]

Noticias da Barra de Aveiro. Em carta de 18 de Dezembro de 1815 um amigo meu me diz de Aveiro o seguinte:

“Agora no meio de uma horrorosa tempestade chega um Bergantim grande1 a esta costa, e em baixa-mar: entrou felizmente, e tudo se salvou.

Que tal lhe parece uma Barra, que tem agua em baixa-mar para grandes Ber-gantins; e que nenhuma cheia do Vouga embaraça de haver enchente e corrente para dentro do Porto, e que pode salvar de tantos naufrágios os que o buscam, quando o mesmo Douro rejeita pelas suas pesadas aguas, de Inverno, às vezes 15, 20 e 30 dias consecutivos?”

Jornal de Coimbra, NºXLIV, II parte, pag.�48, de 2� de Setembro de �8��.

1. Introdução

Comemoram-se este ano os 200 anos da abertura da barra e do porto de Aveiro. O seu con-tributo para o desenvolvimento da cidade e da região poderão ser avaliados nas publicações que comemorarão a efeméride. O tema tem naturalmente várias vertentes, e quando fui contactado pelo Jorge Fernandes, era de prever que me fosse pedida uma contribuição no domínio da histó-ria postal do porto de Aveiro, dado que um estudo sobre a historia postal de Aveiro (cidade) já foi publicado2 em �999.

É o pouco que conseguimos encontrar sobre este tema que se apresenta de seguida.

Século XIX

2. Apresentação do problema

Num país de tradição e vocação marítima como o nosso, resultante da sua estratégica loca-lização, com uma extensa costa e uma actividade de subsistência desde sempre ligada ao mar, aparece como corolário da gesta do seu povo a vocação marítima, ligada às actividades tradicio-nais do mar, mas também a um espírito inovador na procura de terras desconhecidas.

È dentro deste espírito que muito cedo se começaram a desenvolver os primeiros núcleos portuários, situados nos estuários dos rios que banhavam as cidades mais importantes do reino, naquelas por onde se pudesse fazer o escoamento de mercadorias ou o entreposto de produtos de importação.

1 Refere-se ao Brigue Prussiano Neptune, Cap. John Araut Blenk, entrado a 19 de Dezembro na barra de Aveiro por arribada.2 L. Frazão. O correio de Aveiro na primeira metade do seculo XIX. “Selos e Moedas” ano 33º – nº108.

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E sendo em Lisboa que se situava a capital do reino, natural foi a predominância que este porto teve em relação a todos os outros. Mas rapidamente se constatou que para o vinho oriun-do da região do Douro, o sal produzido em Setúbal ou em Aveiro, os cereais do Alentejo ou do Algarve, seria mais rentável se fosse embarcado em portos próximos dos locais de produção, do que serem enviados para a capital para daqui seguirem aos seus destinos. Tanto mais assim, que o transporte até Lisboa se fazia por via marítima, dada a deficiente qualidade da rede de estra-das do nosso país no início do século XIX.

O aumento gradual de intercâmbio marítimo com Inglaterra, fez com que outros países se interessassem pelas trocas por via marítima com Portugal, sobretudo aqueles que tinham pro-dutos que podíamos consumir, como o ferro, as madeiras, o milho, para citar somente três que veremos aparecer com frequência no movimento do porto de Aveiro.

No apogeu da época dos descobrimentos, o porto de Lisboa era considerado como o mais importante da Europa atlântica, em grande parte devido ao movimento dos navios portugueses que vinham ou partiam para o Ultramar, mas também das embarcações estrangeiras que deman-davam Lisboa na procura das especiarias do Oriente.

É neste contexto de franco desenvolvimento das comunicações marítimas, nacionais, ultra-marinas e internacionais, que se procede à abertura de vários portos em Portugal, sendo o de Aveiro aberto somente em �808. Dizemos somente, pois que a sua abertura foi tardia, prejudica-da pela proximidade da Barra do Douro, que terá feito pensar a alguns que tal empreendimento não seria necessário.

Do movimento de entrada e saída de embarcações nos diferentes portos do país, levando e trazendo mercadorias para os mais diversos destinos, surge com o corolário as comunicações epistolares entre os envolvidos no tráfico marítimo, mas também dos particulares desejosos de se corresponder com alguém que vivesse num porto para onde uma determinada embarcação ia sair.

E é aqui que surge o começo da nossa história relativa ao Porto de Aveiro.Uma vez aberta a barra, e com o início de uma actividade que veremos já bastante intensa

em �8��, a avaliar pelo numero de embarcações entradas e saídas, como eram tratadas as cartas transportadas pelas embarcações que demandavam o porto de Aveiro?

Como eram marcadas, que porte lhes seria aplicado, quem e onde se fazia tal marcação e taxação?

3. O movimento postal dos portos do continente

Nos primeiros �� anos do século XIX, as duas únicas classes de correspondência marítima que podiam entrar em Portugal por via marítima (e no porto de Lisboa), eram as cartas oriundas do ultramar e as cartas estrangeiras chegadas pelo paquete de Inglaterra�.

O contrabando das cartas do comércio, que utilizavam outras vias (tanto marítimas como terrestres) fez com que fosse promulgada legislação onde se admitia a possibilidade de haver um outro tipo de cartas de origem marítima, as cartas estrangeiras chegadas por navios, e onde ao mesmo tempo se sujeitavam os prevaricadores a pesadas multas. No preâmbulo de uma ex-posição pedindo medidas contra o contrabando de cartas e dirigida ao ministro que tutelava os correios, diz o subinspector dos correios, Lourenço António de Araújo:

“…desde que estou no correio há mais de quatro anos ainda não apareceu carta alguma desta natureza,…”

3 Para além destas existia também a classe das cartas da Europa além de Hespanha, transportadas por via terrestre por Espanha.

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Em resposta a esta exposição, datada de 2 de abril de �8��, e de ouitras que se lhe segui-ram, entendeu o principe Regente, mandar publicar a Portaria que segue. É ainda de realçar que a marcação e taxação das cartas estava associada à prática da saúde, medida importantísima para evitar a propagação de epidemias.

Inserção 1

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As cartas entradas por esta via passaram a ser identificadas pela aposição à entrada em Lis-boa da marca «C. Est. de N», conhecida desde �8��.

Inserção 2

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Foi preciso esperar por �82�, para que no Porto se tomassem medidas equivalentes quanto á entrada de cartas estrangeiras chegadas por navios, passando a ser usada a marca «Barra do Porto».

Figura 1 – Baltimore, 8 de Abril de 1818, Lisboa 18 de Maio.

Figura 2 – Terra Nova, 11 de Agosto de 1825, Porto 2 de Setembro.

E assim se manteve a legislação postal relativamente á entrada de cartas marítimas até �8��, a fazer pensar que a correspondência marítima entrava por Lisboa e pelo Porto, muito embora a legislação referisse específicamente “todos os portos do país”. E ainda refere que no caso de entrada de cartas em outros portos de mar deste reino, devem estas ser dirigidas ao respectivo correio assistente

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E se é manifesto que a maior parte do tráfego marítimo (e também postal) se fazia por aqueles dois portos, não é menos verdade que conhecemos cartas entradas por Vianna do Mi-nho, pela Figueira da Foz, por Sesimbra, por Setúbal e por Faro, confirmando a excepção à regra.

Considerando que a entrada por Vianna terá acontecido por a barra do Porto se encontrar encerrada, o mesmo argumento se aplicando às barras de Sesimbra e de Setúbal em relação à de Lisboa, já tal não poderemos avançar em relação a Faro ou da Figueira da Foz.

Inserção 3

Figura 3 – Madeira, entrada por Setubal, e Lisboa a 27 de Março 1833

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E sobre a barra de Aveiro?

3. O movimento da barra de Aveiro.

O que dispomos, no momento da redacção destas notas sobre o movimento da Barra de Aveiro, foi retirado do «Jornal de Coimbra», números XXXVIII, parte II, até ao numero XLI, parte I, numa série de artigos intitulados

«Diários das Embarcações, que entraram e saíram na Barra de Aveiro desde Janei-ro até ao fim de Julho (e depois até ao fim de Dezembro) de 1815, pelo Desembargador Fernando Afonso Giraldes4.»

Figura 4 – Rio de Janeiro, 27 de Fevereiro de 1845, entrada por Cezimbra e depois para Lisboa.

Figura 5 – Dartmouth, 27 de Janeiro de 1831, entrada na Figueira da Foz, entregue ao Correioassistente que a fez seguir para o Porto onde chegou a 8 de Março.

4 O Desembargador Fernando Afonso Giraldes era o Superintendente da Barra de Aveiro.

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A análise do movimento da barra de Aveiro nesse ano de �8��, revela alguns pontos de in-teresse, dos quais destacaremos os seguintes:

�. As maiorias das embarcações que demandavam o porto eram nacionais e oriundas dos portos do continente.

2. Chegavam a Aveiro “em lastro”, onde carregavam Sal.�. E x c ep c i o na lmen t e

entravam em Aveiro embarcações inglesas, suecas, e espanholas, descarregando ferro e madeiras, ou em las-tro para carregar sal.

4. Em todo o ano somen-te uma embarcação entrou (ou saiu) com destino ao ultramar, na ocorrência para o Rio de Janeiro.

�. Durante o ano de �8�� , somente fo i dada entrada a uma embarcação arribada, isto é, que entrou na barra para procurar abrigo.

Os pontos citados têm interesse para o movimento da barra, mas em nada avançam no aspecto postal, dado que, como já referimos, somente em �8��, e no porto de Lisboa foi considerada a possibilidade de haver correspondência estran-geira chegada por navios (ex-tensiva ao Porto em �82�).

Seria necessário dispor-mos dos dados do movimento da barra de Aveiro nos anos subsequentes�, e em particular a partir da década de �0, para eventualmente se poderem ti-rar ilações postais.

Na figura seguinte apre-senta-se o movimento da barra de Aveiro relativa aos meses de Novembro e Dezembro do ano de �8��, tal como vie-ram publicados no Jornal de Coimbra.

Inserção 4

5 No momento em que escrevemos estas linhas esperamos pela necessária autorização para ter acesso ao Arquivo da barra do Porto de Aveiro, afim de colher dados de datas posteriores.

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4. A situação postal.

Até ao momento não conhecemos qualquer documento postal escrito no período entre �799 e �8��, que tivesse entrado pela barra de Aveiro, no qual tivesse sido aplicado o porte de carta estrangeira, para depois ser enviada para o seu destino, (que poderia ser a própria cidade de Aveiro).

Referimo-nos até agora sómente às cartas estrangeiras, omitindo as cartas nacionais oriun-das de um outro porto de onde saísse uma embarcação para Aveiro.

Se as cartas estrangeiras, caso existam, são identificáveis por um porte marítimo, de um valor básico de 240 réis, tal não acontece com as cartas nacionais. O porte territorial aplicava-se com base nos valores das tabelas do regulamento de �80�, que não distingue uma carta marítima de uma terrestre.

Acresce ainda que se a carta fosse entregue ao correio expedidor, temos muitas dúvidas em que a via marítima fosse utilizada, pois as carreiras da posta eram terrestres, com saídas das ma-las em dias fixos, e era esse o meio de transporte utilizado.

Por outro lado se a carta viesse em mão de um tripulante ou passageiro de um navio de-mandando a barra de Aveiro, o mais natural era ser entregue em mão, em contravenção com os regulamentos postais; ou ser lançada no correio de Aveiro, e a partir daí tratada como uma carta oriunda de Aveiro (para as cartas para fora da cidade).

E se não conhecemos nenhuma carta contrabandeada para Aveiro, já o mesmo se não po-dera dizer em relação a uma carta saída em mão de Aveiro, com destina a Lisboa, e que aí foi apreendida na Alfandega Grande.

Inserção 5

Em qualquer dos casos não conhecemos nenhum documento postal abonatório das hipóte-ses formuladas, pelo que nos resta esperar pelo aparecimento desse(s) documento(s) e dar por terminada esta primeira parte.

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Século XX

5. Uma marca da Capitania do Porto de Aveiro em documento postal de 1916.

O documento que se ilustra na figura �, faz parte pelas suas características da categoria dos documentos muito interessantes para o filatelista.

Em primeiro lugar, porque foi escrito em Aveiro no período da �ª guerra mundial, por um militar francês que aí se encontrava destacado; depois porque foi porteado no correio, o que foi feito pela aplicação da marca T, com cercadura; finalmente, ou melhor, e sobretudo, porque lhe foi aposta a marca da «Capitania do Porto de Aveiro», a tinta violeta. Ao olhar critico do leitor não terá escapado que este postal, dirigido a França, não foi devidamente franqueado, pelo que de certa maneira não será de estranhar a marca de porteado.

Figura 6

À participação de Portugal na �ª guerra mundial sempre foi dado o devido relevo, nomea-damente através do Corpo Expedicionário Português e da sua actuação em terras de França. Uma outra vertente, também de índole militar nas menos tratada, é a da presença de tropas francesas em Portugal, em missões específicas de vigilância costeira. E dentro destas cabe destacar a pre-sença de navios patrulhas franceses com base no Porto de Leixões, assim como de uma esqua-drilha de hidroaviões franceses, estacionados na base de S. Jacinto.

Estes aviadores franceses chegaram a Aveiro em Abril de �9�8, e aí permaneceram até 8 de Dezembro de �9�8�.

Uma análise mais atenta ao postal e ao seu texto, revela o cuidado tido na narrativa, carac-terístico da época que se vivia, o que não impediu que fosse visado pela Censura do Porto, con-forme marca aplicada no postal. Revela ainda a inscrição F.M. (franchise militaire) denotando que o expedidor esperava que o seu postal pudesse ser enviado isento de porte, o que não aconte-ceu, conforme já vimos. Em Julho de 2000, no numero �� do «Jornal de Filatelia», comentávamos este facto do seguinte modo:

“Este porteamento, aliás sem consequência para o destinatário, foi feito pelo correio de Aveiro, por este não ter sido notificado da isenção a militares franceses, pese embora a utiliza-ção da marca da Capitania do Porto de Aveiro; mas denota uma falta de sensibilidade para um problema postal que certamente se resolveria com uma consulta aos órgãos competentes.”

6 Veja-se por exemplo a obra «Hidroaviões nos céus de Aveiro», por João Duarte Nunes.

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Dizíamos ainda, que a correspondência expedida pelos militares franceses em serviço em Portugal devia beneficiar de isenção de porte, e que este isenção só poderia ser dado por Portugal.

Assim ficamos pois era este o estado dos nossos conhecimentos na altura.Anos mais tarde, tivemos a grata surpresa de receber do nosso confrade Guilherme Rodri-

gues, as cópias dos ofícios que de seguida se transcrevem, e que vêm esclarecer de um modo definitivo, o que na altura vínhamos avançando, assim como explicar a razão de ser do porte aplicado no postal da figura �.

Os documentos que se apresentam são suficientemente explícitos sobre a matéria que vi-mos abordando, pelo que não nos merecem qualquer comentário.

Do que vem transcrito, resta dar o destaque que merece a frase do ofício da Administração Geral dos Correios e Telégraphos da Republica Portuguesa, onde se diz:

Por despacho de Sª Ex.ª o Secretário de Estado do Comércio com data de 20 (de Maio de 1916) foi determinado a isenção de franquia para a correspondência enviada para França pelo pessoal do Centro de Aviação.

Prova-se assim que estamos perante uma isenção postal Portuguesa, (e não francesa, como obstinadmente continua a ser avançado por alguns).

Escolhemos este tema, já tratado anteriormente em publicações da especialidade, por es-

Inserção 6

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Inserção 7

tarmos perante um singular exemplo da aplicação de uma marca civil num documento postal, procurando-se com a sua aplicação obter uma isenção de porte, que só um mês mais tarde veio a ser contemplada.

Voltaremos ao tema, mas por agora damos por terminadas estas linhas, pois que é do bi-centenário da abertura da barra e do porto de Aveiro estamos tratando.

Nota: Os documentos reproduzidos, embora de grande valor documental, apresentam falhas de letras no lado direito devido a uma digitalização inicial defeituosa.

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O Bacalhau do Atlântico – “O fiel amigo”

José Lobão [email protected]

Introdução

O meu caro amigo Jorge Fernandes propôs-me a elaboração de um escrito numismático relacionado com a região de Aveiro e que se integrasse no tema do MAR. Ora, só me ocorreu o “bacalhau”, não só porque tenho algumas peças representando este peixe, mas também porque há �� anos vivi durante � meses na Base Aérea de São Jacinto. Apesar de tão longo período, al-gumas recordações estão bem vivas. Entre as mais fortes estão as lembranças do constante odor a bacalhau a secar na vizinha aldeia do mesmo nome, assim como as magníficas bacalhoadas comidas em bacalhoeiros acostados no seu porto pesqueiro.

Quando aceitei esta “tarefa” nada sabia sobre o bacalhau, além de ele ser um peixe do Norte, ameaçado de extinção, com o qual se confeccionam maravilhosos pratos, os quais, acom-panhados por um bom “tinto Alentejano” são manjares dos deuses.

Portanto, tudo o que abaixo escrevi é produto de uma exaustiva pesquisa na Internet e não produto da minha ciência ou conhecimento directo (salvo o saber e conhecer muito bem que o “bacalhau com todos à Alentejana”, regado com uma boa “reserva tinta”, também dessa região, é um prazer tão grande e uma enorme alegria para a alma, que nem no Olimpo se encontrava).

Tenho que confessar que essa pesquisa, embora muito cansativa, nomeadamente para quem está com duas “asas” diminuídas, foi um fascinante exercício intelectual e, até histórico e científico. Porém, muito fica por dizer…

Os bacalhaus pertencem á família dos Ganídeos, género Gadus e dividem-se por três es-pécies: Bacalhau do Atlântico, G. morhua; bacalhau do Pacífico, G.macrocephalus e bacalhau da Gronelândia, G. ogac.

Embora as três espécies sejam comercializadas em Portugal, as duas últimas são principal-mente vendidas congeladas, embora também apareçam salgadas e vendidas como se fossem o verdadeiro “ fiel amigo”…

Porém, este bacalhau seco – salgado, indispensável para a cozinha portuguesa – é exclusi-vamente, o do Atlântico ou da Noruega.

Passamos, portanto, a dar algumas notas sobre este peixe, cujo nome, segundo o Dicionário Universal da língua Portuguesa, tem origem do latim “ baccalaureu” assim como da história da sua pesca e comercialização, da qual, sem qualquer dúvida, Portugal, nomeadamente Aveiro, são parte importante.

Bio – Ecologia

O “nosso” bacalhau encontra-se em climas temperados e frios do Hemisfério Norte, (dos continentes Europeu e Norte-Americano) desde as águas pouco profundas do litoral, até às profundezas próximas da plataforma continental. Mais detalhadamente, esta espécie distribui-se desde a Groenlândia à Carolina do Norte; ao largo da Islândia; assim como ao longo das costas da Europa desde o nordeste de Espanha (baia de Biscaia ou da Gasconha) até ao mar de Barents (parte do Oceano Árctico, localizado a norte da Noruega e da Rússia). Este, representa a mais importante zona de alimentação para este peixe, mas a sua maior população actual encontra-se nas águas do Árctico Norte-Oriental, ou Árctico Norueguês.

É um peixe estenoterno, o que significa que só pode viver a determinadas temperaturas (frias) pelo que anda em constante roda-viva entre a Noruega, Terra Nova, Islândia, Canadá

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e Alasca. Ao sul da Noruega e até à baia de Biscaia, encontra-se em reduzidas quantidades e principalmente durante o Inverno

A profundidade do seu habitat depende da latitude e da temperatura da água. Contudo e na generalidade, os jovens preferem as águas costeiras pouco profundas; por outro lado, os peixes adultos podem ser encontrados até aos �00 m, embora, por norma, se encontrem principalmente entre os ��0 e 200m.

O bacalhau do Atlântico é muito prolífero e a fecundidade depende do tamanho. As fêmeas adultas, mas de reduzido porte, têm posturas de cerca de 2.� milhões de ovos; nas maiores aquela pode atingir 9 milhões de ovos, numa única desova. A maturidade sexual é alcançada entre os 2 e os 4 anos, mas alguns peixes não a atingem antes dos 7 anos. A desova verifica-se entre Janeiro e Abril, com um pico em Março / Abril, a profundidades próximas dos 200 metros e quando a temperatura das águas varia entre 4 e 6˚ C.

Os ovos são “plânctónicos” (portanto com inúmeros predadores, incluindo grandes baleias) e a incubação demora entre 8 e 2� dias. Esta grande amplitude deve-se á temperatura média das águas durante o “choco”. As larvas têm cerca de 4mm de comprimento, mas nas primeiras �0 semanas aumentam cerca de 40 vezes o tamanho inicial. Este rápido crescimento continua nos primeiros anos de vida: 8 cm aos � meses, �4 a �8 ao fim do primeiro ano; 2� a �� no fim do segundo ano e cerca de �0 cm aos � ou 4 anos. Depois, o crescimento passa a ser mais lento.

Esta espécie atinge uma maior longevidade do que as suas parentes, podendo atingir os 2� anos. É também maior e, em épocas já recuadas, capturaram-se indivíduos com 2 metros de comprimento e 9� kg de peso. Contudo, actualmente, raros são os exemplares que ultrapassam os �0 kg e a média ronda os �2.

O bacalhau do Atlântico é um superpredador e, dentro desta categoria, pode ser considerado omnívoro. Caça durante a noite e nas primeiras e últimas horas do dia e a alimentação é muito variada: vermes, lulas (Fig.�), caranguejos, camarões, lagostas, lulas, diversos moluscos, nomeadamente peregrinos e mexilhões, assim como variados peixes, incluindo da sua própria espécie. Portanto, são também canibais, sendo os grandes bacalhaus importantes predadores dos jovens. Durante a fase larvar, os bacalhaus alimentam-se de zooplâncton, larvas de cefalópodes, assim como de outros pequenos crustáceos e pequenos peixes. Anteriormente ao actual declínio, a população de bacalhaus, no seu todo, constituía o maior factor de controlo de diversas espécies, tais como arenques, capelim (Fig. 2), macaréus, camarões (Fig. �) e caranguejos da neve (Fig. 4). Actualmente, devido à drástica diminuição das populações do bacalhau do Atlântico, as suas presas tiveram uma explosão populacional.

Entre os principais predadores naturais do bacalhau do Atlântico adulto encontram-se abadejos, tubarões e esqualos, golfinhos e orcas (Figs. � e �).

Fig. 2

Fig. 3

Fig. 4Figs. 5 e 6

Fig. 1

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A Pesca do Bacalhau pelos Portugueses

Até cerca de ��00, Portugal obtinha o bacalhauatravés do comércio com os bascos.Embora não exista unanimidade entre os diversos autores, parece que os primeiros

bacalhoeiros da região de Aveiro surgiram na Terra Nova em ��0�. Durante o reinado de D. João III, a sua pesca era bastante explorada e a frota de navios pesqueiros chegou a beirar os ��0 bacalhoeiros. Estes, saíam em Maio, para pescarem durante o período de desova do bacalhau em águas menos profundas, regressando em Outubro.

A perda da independência para os espanhóis em ��80 dificultou a pesca no Novo Mundo, tornando-a um tanto perigosa, ameaçada por franceses e ingleses, inimigos da Espanha. A pesca naquela região foi então interrompida e Portugal passou a importar o bacalhau.

Por volta do século XIX, cerca de �00 anos depois, a pesca do bacalhau reanimou-se e em �89� constítuiu-se a Parceria Geral de Pescarias, Lda. e sob forma de parceria marítima as pescas voltaram a acontecer. Dos anos �0 aos �0 do século XX aquela pesca começou também a ser feita nas proximidades da Groenlândia e volta a fornecer a Portugal mais de 80% das suas necessidades de bacalhau. Na década de �9�0, Portugal já tinha �� navios bacalhoeiros. Porém a frota era antiquada, em madeira, com alguns navios sem ao menos um motor auxiliar. Daí até �940 a frota aumentou em mais �� navios e, na mesma época, os primeiros arrastões começaram a participar da pescaria, aumentando consideravelmente a concorrência. Cerca de �9�0 os resultados das pescarias são reduzidos e a frota de navios começa a diminuir consideravelmente, inclusive devido às quotas máximas para as frotas estrangeiras, determinadas pelo Canadá nas suas águas territoriais, em �970. Estas limitações foram seguidas por outras, unilaterais e internacionais Com tudo isto, hoje há apenas um muito reduzido número (salvo erro, menos de uma dúzia) de navios portugueses que se dedica à pesca do bacalhau.

Em resultado, Portugal importa actualmente quase todo o bacalhau salgado e seco que consome. Também importa muito bacalhau “verde”, que é salgado e curado nas próprias indústrias portuguesas, como a Riberalves, localizada em Torres Vedras

Até finais do séc. XIX, as embarcações portuguesas enviadas à pesca do bacalhau eram de madeira e à vela, sendo praticada a pesca à linha, a partir dos dóris ( esta modalidade continuou até ao uso exclusivo de arrastões) Tratava-se de uma prática muito trabalhosa, apenas rentável em regiões onde abundava o peixe. O artigo de Teresa Reis, sobre a Pesca do Bacalhau, retrata um pouco desta aventura:

“Na pesca do bacalhau, tudo era duplamente complicado. Maus-tratos, má comida, má dormida...Trabalhavam vinte horas, com quatro horas de descanso e isto, durante seis meses. A fragilidade das embarcações ameaçava a vida dos tripulantes” dizia Mário Neto, um pescador que viveu estes episódios e pode falar deles com conhecimento de causa.

Quando chegava à Terra Nova ou Groenlândia, o navio ancorava e largava os botes. Os pescadores saíam do navio às quatro da manhã e só regressavam à mesma hora do dia seguinte, com ou sem peixe e uma mínima refeição: chá num termo, pão e peixe frito. No navio, o bacalhau era preparado até às duas ou três da manhã. Às cinco ou seis horas retomava-se a mesma faina. Isto, dias e dias a fio, rodeados apenas de mar e céu. ... Vidas duras...!”

Breves notas sobre aspectos económicos e das guerras do bacalhau

O bacalhau tem sido um importante produto económico, desde o tempo dos Vikings (c. 800 AC). Estes, utilizaram-no nas suas viagens e cedo o bacalhau seco encontrou um bom mercado na Europa do Sul. Este mercado dura há mais de �000 nos “países dos Vikings”, atravessando períodos muito conturbados e continua a ser um importante negócio para os países do Norte com águas com boas populações de bacalhaus.

Depois dos Vikings, foram os bascos os principais produtores de bacalhau salgado, mas esta posição foi ocupada pelos portugueses desde o século XV e durante vários séculos.

O bacalhau seco – salgado era adequado às necessidades da época, como produto não perecível (pelo facto de poder ser salgado, e manter suas características gustativas) e que aguentava longas jornadas. As longas travessias pelos Oceanos duravam longos meses.

Naturalmente, um alimento com tais qualidades (abundante, de longa conservação, com

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altas qualidades gustativas e de rápida aceitação pelos povos que o provavam) teve uma enorme importância social e económica para diversos países.

Do mesmo modo, essas importâncias originaram alianças e tratados, assim como conflitos entre Estados.

Em Portugal, a importância económica, directa ou indirecta do bacalhau foi enorme e começou desde que o começámos a pescar. Além da importância comercial e do fornecimento de pescado não perecível aos navios e ao povo habitando o interior do país, os impostos recebidos pelo Estado provenientes desta actividade iniciaram-se em ��9�, no reinado de D. Manuel, ocasião em que era cobrado o dízimo da pescaria da Terra Nova nos portos de Entre-Douro e Minho. Esta importância continuou até hoje, embora, como é óbvio, tenha vindo a diminuir progressivamente, devido a diversos factores, tais como: reduzida actividade pesqueira, seguida do aumento da importação de bacalhau, divulgação dos sistemas de refrigeração, comerciais e domésticos por todo o país, com a consequente diminuição da necessidade em pescado conservado por diversas formas, aumento do preço da bacalhau, diminuição do poder de compra do povo e produção industrial de animais, originando o aparecimento de proteínas relativamente baratas, logo acessíveis ás classes menos privilegiadas.

Para a Inglaterra, a pesca do bacalhau foi sempre de enorme importância económica, nomeadamente devido a sua proximidade com os bancos pesqueiros. Esta importância originou diversas alianças, tratados e conflitos. Por exemplo, em ���0, Portugal e a Inglaterra firmaram um acordo contra a França, para defenderem a pesca de bacalhau; em ���2, o controlo da pesca do bacalhau na Islândia deflagrou num conflito entre ingleses e alemães; em ��8�, a Inglaterra envolveu-se noutro grande conflito com a Espanha.

Estas “Guerras do Bacalhau”, com maior ou menor violência continuaram, tendo-se verifi-cado conflitos entre a Inglaterra e a Dinamarca, em �89� e �89�, devidos ao controlo da pesca do bacalhau nas ilhas Faroe administradas por o último daqueles países. Mais recentemente, entre �9�8 e �97�, a Inglaterra voltou às “guerras do bacalhau”, desta vez com a Islândia. Estes três conflitos foram devidos aos aumentos das águas territoriais pelo último país.

O desenvolvimento da costa Nordeste do Continente Americano deve-se, em grande parte, ao bacalhau e muitas vilas e cidades foram criadas e prosperaram perto dos locais de pesca deste “ouro oceânico”. O bacalhau era apelidado “Newfoundland currency,” e era tão importante para a economia De Nova Inglaterra que uma escultura em madeira de um bacalhau estava pendurada na Casa dos Representantes de Massachetts, em Boston.

Porém, em consequência do colapso da população da bacalhaus nas águas Canadianas no início da década de �990 o Canadá fechou a pesca daquele peixe em �992. Embora esta proibição total tenha sido parcialmente levantada em �997, surgiram sérios problemas económicos na Província de Newfoundland.

Desde os Vikings até hoje, que o bacalhau do Atlântico ou da Noruega é de enorme importância económica para este país. Actualmente, ele é o principal pólo mundial de pesca e de exportação de bacalhau.

Finalmente, neste muito breve resumo sobre a importância do bacalhau, resta-me dizer que os mais importantes subprodutos são o óleo de fígado de bacalhau (obviamente extraído do fígado) e a pele, a qual é utilizada para a produção de colas

Situação actual das populações de bacalhau do Atlântico

A pesca excessiva dos últimos �0 anos, aliada à modernização da indústria pesqueira. levou a que os cardumes fossem substancialmente reduzidos

O primeiro país a tomar medidas para salvar as suas populações de bacalhaus do Atlântico

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foi o Canadá, o qual baniu a sua pesca em �992. Devido a pressões de lobbings comerciais esta proibição foi parcialmente levantada em �997. Contudo, segundo “International Council for the Exploration of the Sea” a recuperação da população do bacalhau da zona Atlântica daquelas águas tem sido muito reduzida, o que alias parece ser uma generalidade, ou seja as reduzidas populações de bacalhaus, de todas as espécies, não parecem recuperar facilmente mesmo depois da pressão da pesca ser diminuída ou mesmo terminada.

Em consequência, em 200�, o Committee on the Status of Endangered Wildlife (COSEWIC) do Canadá colocou as populações de bacalhau do Atlântico vivendo nas águas da Newfoundland e do Lavrador, na lista das espécies em perigo e foi anunciada a proibição infinita da pesca no Golfo de São Lourenço e na costa Nordeste da Newfoundland.

Pelo seu lado, em 2000 o Fundo Mundial Para A Natureza (WWF), 2000, colocou o bacalhau do Atlântico na sua Lista das Espécies em Perigo., laborando um relatório no qual informava que a população total daquele peixe tinha diminuído em 70% nos últimos �0 anos e que se esta diminuição continuasse os bacalhaus desapareceriam em �� anos. Este relatório foi contestado pela Noruega, a qual, na base do saudável estado da população de bacalhau no mar de Barents, não concordava com o mesmo relatório. Em 2004, o WWF concordou sobre o bom estado daquela população piscícola, ressalvando contudo que esse estado não continuaria por muito tempo, devido à pesca ilegal, quotas de pesca demasiadamente altas e desenvolvimento industrial.

Como uma espécie já ameaçada e potencialmente em vias de extinção, as quotas de pesca do bacalhau foram severamente reduzidas pela Comissão Europeia já a partir de 200�.

Adivinham-se porém tempos conturbados com a Noruega, um dos países que mais pesca o “Gadus Morhua”, a recusar-se a aceitar as restrições, por não integrar a Europa dos 2�. Já em �7��, Peter Daas, no Trumpet of Nordlnd, perguntava: “Se o bacalhau nos abandonar, a que nos agarraremos? O que levaremos a Bergen para trocar por ouro?”

Tal pressagia um futuro em que o “fiel amigo” dos portugueses se vá transformar num luxo a que muitos não terão acesso. Portanto, se gostam de bacalhau apreciem-no enquanto ele ainda está disponível

O bacalhau na linguagem popular e no rifoneiro

Naturalmente, “bacalhau” ou derivados, ocupa lugar de relevo nestes aspectos, nomeadamente em Portugal, mas não só.

Entre eles, cito: “Bacalhau de porta de tenda” e “seco como um bacalhau” – pessoa muito magra, “Bacalhoeiro” – indivíduo abrutado, grosseiro; “Cheirar a bacalhau” – cheirar mal, por falta de higiene; “Enterro do bacalhau” – mascarada popular, realizada em diversas regiões de Portugal, depois da Quaresma, assinalando o fim do período de abstinência (festejo popular mais frequente no passado do que actualmente); “dar (ou ficar) em água de bacalhau” – dar em nada, malograr-se; “levar com o bacalhau no rabo” – ser posto fora de algum lugar, com ingratidão; “Para quem é, bacalhau basta…” – não são necessários grandes esmeros com pessoa insignificante, que não merece ou vale melhor; qualquer coisa serve… (desactualizado, pois o bacalhau já não é comida dos pobres…); “bacalhau ou bacalhoada” – aperto de mão entre amigos.

Do Brasil, escolhemos “Banho de bacalhau” – sova aplicada com azorrague.Na África do Sul, os portugueses eram ironicamente apelidados de “Bacalawus”, em

desafronta do epíteto de “bifes” utilizado pelos portugueses de Moçambique para designarem os sul-africanos.

É também curioso que ao longo da costa ocidental de Africa, todo o peixe seco e salgado é chamado de “bacalau”( ou por outra corruptela muito semelhante).

Bibliografia

Internet – Numerosos artigos, de diversos autores;Picão Tello, M.da S., �972, O MEU JARDIM ZOOLÓGICO; Os animais na linguagem popular e

no rifoneiro; dactilografado, 224 pag. Arquivos pessoais