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1 Revista da Faculdade de Educação Politica Educacional ISSN 1679-4273 Benedito de Oliveira Elizete B. Azambuja Elizeth G. dos Santos Lima Graciela Constantino Heloisa S. Gentil José Manoel R. Calleja Josete M. C. Ribeiro Laudemir Luiz Zart Maria Aparecida Morgado e Manoel Francisco de Vasconcelos Motta Maria Izete de Oliveira (Coord.) Faculdade de Educação/Unemat Unemat Editora

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Revista da Faculdade de Educação

Politica Educacional

ISSN 1679-4273

Benedito de OliveiraElizete B. Azambuja

Elizeth G. dos Santos LimaGraciela Constantino

Heloisa S. GentilJosé Manoel R. Calleja

Josete M. C. RibeiroLaudemir Luiz Zart

Maria Aparecida Morgado e Manoel Francisco de Vasconcelos MottaMaria Izete de Oliveira (Coord.)

Faculdade de Educação/Unemat Unemat Editora

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Revista da Faculdade de Educação

Revista da Faculdade de Educação: Política EducacionalRevista da Faculdade de Educação/ Unemat. Ano 1 n.1 /Jul-Dez.2003, Cáceres-MT

Conselho EditorialMaria Izete de Oliveira (Coordenadora)Eliane Siqueira de Medeiros LázariMaria Aparecida MorgadoManoel Francisco de Vasconcelos MottaTânia Maria Maciel Guimarães

RevisãoMirami Gonçalves Sá dos Reis

CapaGuilherme Angerames R. Vargas

Projeto Gráfico, Editoração e DiagramaçãoEduardo Melo Zinhani - UNEMAT Design

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UnematISSN 1679-4273_______________________________________________________________Revista da Faculdade de Educação/Universidade do Estado de Mato Grosso Política Educacional; coordenação de Maria Izete de Oliveira.- Ano 1, n. 1, (Jul-Dez.2003). Cáceres-MT : Faculdade de Educação/ Unemat Editora, 2003.

1. Educação 2. Política Educacional 3. Escola

168 p. CDU: 37 (051) 37.014.5(051)________________________________________________________________________

Índice para catálogo sistemático1. Educação - 37(051)2. Política Educacional – 37.014.5(051)3. Escola – 37 (051)

Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito da editora.

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Revista da Faculdade de Educação

Politica Educacional

Benedito de OliveiraElizete B. Azambuja

Elizeth G. dos Santos LimaGraciela Constantino

Heloisa S. GentilJosé Manoel R. Calleja

Josete M. C. RibeiroLaudemir Luiz Zart

Maria Aparecida Morgado e Manoel Francisco de Vasconcelos MottaMaria Izete de Oliveira (Coord.)

Faculdade de Educação/Unemat Unemat Editora

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ReitorProf. Taisir Mahmudo Karim

Vice ReitorProf. Almir Arantes

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós GraduaçãoProf. Laudemir Luiz Zart

Pró-Reitora de Ensino e GraduaçãoProfª.Maria Helena Rodrigues Paes

Pró-Reitora de Extensão e CulturaProfª. Solange Kimie Ikeda Castrillon

Pró-Reitor de Administração e FinançasProf. Wilbum de Andrade Cardoso

Pró Reitor de Planejamento e DesenvolvimentoInstitucionalProf. Marcos Francisco Borges

Diretora da Faculdade de EducaçãoProfª. Maria do Horto Salles Tiellet

REVISTA DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO

Política Educacional

EndereçoFaculdade de EducaçãoAv. Tancredo Neves, 1095 CavalhadaCáceres/MT CEP: 78.200-000Fone: 65 221 0036 / 65 221 0041Fax: 65 223 1290

[email protected]

Conselho EditorialMaria Izete de Oliveira (Coordenadora)Eliane Siqueira de Medeiros LázariMaria Aparecida MorgadoManoel Francisco de Vasconcelos MottaTânia Maria Maciel Guimarã[email protected]

Unemat EditoraAv. Tancredo Neves, 1095 - CavalhadaCáceres-MT – CEP: 78.200-000Fone: 65 221 0034 – Fax: 65 221 [email protected] / [email protected]

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Revista da Faculdade de Educação

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................................. 07Maria do Horto Salles Tiellet

ARTIGOSA UNIVERSIDADE E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE AVALIAÇÃO NO BRASIL ................................... 11Elizeth Gonzaga dos Santos Lima

ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS/ MOVIMENTOS SOCIAIS E RESISTÊNCIA .................................. 34Heloísa Salles Gentil

O DESENHO CURRICULAR DOS MESTRADOS ........................................................................................ 56José Manuel Ruiz Calleja

O FUNDEF E A RECONFIGURAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES EDUCACIONAISENTRE AS ESFERAS DE GOVERNO NO ESTADO DE MATO GROSSO ................................................ 77Josete Maria Cangussú

PLANEJAMENTO E SISTEMA DE INFORMAÇÕES .................................................................................. 98Laudemir Luiz Zart

PRÁTICAS TRANSGRESSIVAS DE JOVENS DE CLASSE MÉDIA E ALTERNATIVASEDUCACIONAIS .............................................................................................................................................. 120Maria Aparecida Morgado e Manoel Francisco de Vasconcelos Motta

DISCUTINDO O INTERCÂMBIO UNIVERSIDADE E REDE PÚBLICA ................................................. 135Maria Izete de Oliveira

COMUNICAÇÕES

REFLETINDO SOBRE O TRABALHO COM A LINGUA(GEM) NO CONTEXTO ESCOLAR .............. 147Elizete Beatriz Azambuja

AS ARTICULAÇÕES SOCIOPSICOPEDAGÓGICAS ENTRE AS CULTURASDA CRIANÇA PANTANEIRA E DA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO ................................................... 155Graciela Constantino

RESENHA ......................................................................................................................................................... 163Benedito de Oliveira

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS TEXTOS .................................................................................. 167

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APRESENTAÇÃO

O contato com várias revistas científicas durante a minha qualificação no períodode 1994 a 1996 e a necessidade de construir na UNEMAT um espaço para a socializaçãodos trabalhos investigativos independentes de estudos dos professores que retornavam àinstituição levaram-me a elaborar o projeto Separatas de Filosofia em 1997, aprovadopelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão em 1998.

A expectativa criada com esse projeto pensado para ocupar somente o espaçointerno da Unemat pretende ser superada com a Revista da Faculdade de Educação, quedeverá transpor o âmbito interno da instituição com duplo propósito: o primeiro, de apre-sentar a produção científica dos professores dos Cursos de Pedagogia dos Campi Univer-sitários de Cáceres e Sinop e de professores da Unemat através de temáticas relacionadasà educação e à escola; o segundo, de viabilizar através da política de permuta a possibili-dade de professores de outras instituições de ensino superior colaborarem com a Revistada Faculdade de Educação, integrando-nos no circuito nacional de discussão sobre edu-cação.

De 1997 a 2003 houve um acréscimo no número de professores qualificados e depesquisadores nos Departamentos de Pedagogia dos Campi Universitários de Cáceres ede Sinop, determinando a necessidade de um espaço para as publicações. Assim, a Revis-ta se coloca para expressar não somente o nível de qualificação do quadro docente doscursos de Pedagogia, mas também registrar o momento histórico de renovação e o saltoqualitativo vivenciado pelos referidos cursos. Conjuntura essa que constituiu referencialpara a definição dos temas, a serem tratados na Revista: educação e escola. O tema edu-cação, considerado no seu aspecto mais amplo, inclui seus contextos, modalidades, histó-ria, filosofia, sociologia, psicologia e política educacional, processo de ensino-aprendiza-gem e avaliação, enquanto que o tema escola, num aspecto mais restrito do ponto de vistada instituição de ensino, inclui gestão, currículo, proposta pedagógica, ambiente, cliente-la e profissionais.

Esta publicação é também fundamentalmente fruto da vontade política, da deter-minação e da persistência de professores que, em meio aos parcos recursos da Universi-dade, acreditam que podemos superar as dificuldades e concretizar os desejos. Desejoesse entendido como algo ligado à imaginação, à criatividade e à capacidade do homemde sonhar e superar obstáculos. A Revista da Faculdade de Educação é um desses sonhose a superação de obstáculos. E nesse sentido pretendemos garantir a sua longevidade,determinando algumas ações como: a qualidade dos textos e dos recursos gráficos; a

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garantia dos meios e condições de distribuição através da Unemat Editora; a unidadeformal com a definição clara de normas próprias de publicação; a constituição de umConselho Editorial com a participação de outras Instituições.

Não poderia deixar de registrar o apoio, para a publicação desta primeira edição,da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura e da Coordenação Administrativa da Unemat Edi-tora, através dos professores Aparecido de Assis e Marilda Fátima Dias Pereira; dosfuncionários Guilherme A. Rodrigues Vargas e Maria da Penha F. Antunes pela definiçãoda arte e produção gráfica; da Coordenadora da Revista, professora Maria Izete de Oli-veira; das professoras Eliane Siqueira de Medeiros Lázari, Tânia Maria Maciel Guima-rães e Mirami Gonçalves Sá dos Reis e da especial contribuição do professor ManoelFrancisco de Vasconcelos Motta, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Edu-cação da Universidade Federal de Mato Grosso, como integrante do Conselho Editorial.

A Revista que chega a público retrata o sonho não só particular, mas coletivo dosprofessores da Faculdade de Educação por representar um espaço destinado à veiculaçãoe socialização do conhecimento produzido pelos professores, enquanto parte integrantede suas trajetórias profissionais. Com essa posição, apresento artigos, comunicações eresenha cujos resumos são de responsabilidade de seus autores.

Laudemir Luiz Zart, mestre em Educação, no artigo “PLANEJAMENTO E SIS-TEMA DE INFORMAÇÕES: Esquema de inter-relações da gestão político-científica daUniversidade”, desenvolve uma reflexão sobre as relações de interdependência entre en-sino, pesquisa e extensão, na perspectiva de diálogo do conhecimento científico com osdemais saberes, apresentando uma discussão sobre o planejamento de políticas para ocampo das ciências.

José Manuel Ruiz Calleja, doutor em Ciências Pedagógicas, fundamenta em “ODESENHO CURRICULAR DOS MESTRADOS” uma metodologia para o desenhocurricular de mestrados, de caráter geral, sobre bases teóricas da Pedagogia e da Didática,como uma alternativa para reduzir ao mínimo indispensável seu caráter empírico. Aproposta baseia-se num modelo teórico que atende particularmente este processo de for-mação e reflete as características essenciais de seu desenho. Partindo da definição doObjeto do Egresso, o autor aborda especialmente os momentos da formulação do Perfil doMestre e do Plano de Estudos, oferecendo alternativas de solução para os problemasdetectados neste contexto.

Maria Izete de Oliveira, doutora em Psicologia da Educação, no artigo “DISCU-TINDO O INTERCÂMBIO UNIVERSIDADE E REDE PÚBLICA”, reflete sobre umdos papéis da universidade, ou seja, a disseminação de suas produções científicas, bemcomo a sua relação com a rede pública de ensino. Para tanto, toma como referência a

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pesquisa que realizou no mestrado que teve como objetivo investigar se as produções dapós-graduação são acessíveis aos profissionais das DEs (Delegacias de Ensino) da Capi-tal de São Paulo que atuam junto aos professores do ensino fundamental, e quais osfatores que possibilitam e dificultam o acesso a essas produções. Um ponto evidenciado éque esse acesso não pode ser analisado isoladamente. Nessa análise emergem aspectos darelação universidade e rede pública, e as contingências dificultadoras do acesso são rela-tivas às duas instituições.

Heloisa Salles Gentil, doutoranda em Educação, em “ESTADO E POLÍTICASPÚBLICAS/ MOVIMENTOS SOCIAIS E RESISTÊNCIA”, trata de concepções de Es-tado e de movimentos sociais com o intuito de compreender a constituição das políticaspúblicas em suas relações com a sociedade civil. Faz uma trajetória dos fundamentosfilosóficos sobre o Estado e uma breve revisão histórica, apresentando algumas caracte-rísticas do Estado ocidental contemporâneo. Em seguida, busca observar outra faceta doEstado: a sociedade civil manifestando-se através dos movimentos sociais, apresentandouma visão das políticas públicas como espaço de confronto entre sociedade civil e políti-ca.

Elizeth Gonzaga dos Santos Lima, mestre em Educação, propõe em artigo “UNI-VERSIDADE E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE AVALIAÇÃO NO BRASIL” uma re-flexão sobre a postura da comunidade acadêmica frente às Políticas Públicas de Avalia-ção Institucional que estão sendo desenvolvidas nas e pelas universidades, tomando comoobjeto de estudo o PAIUB e o PROVÃO. Apresenta a história da universidade e o seuredesenho no contexto sócio-econômico, discutindo a multiplicidade de funções, impos-tas pela nova ordem capitalista à educação superior e à emergência da avaliaçãoinstitucional.

Josete Maria Cangussú Ribeiro, mestre em Educação, no seu artigo “O FUNDEFE A RECONFIGURAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES EDUCACIONAIS ENTREAS ESFERAS DE GOVERNO NO ESTADO DE MATO GROSSO”, sintetiza em linhasgerais os resultados obtidos com a pesquisa referente aos efeitos do Fundo de Manuten-ção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEFsobre as funções e a qualificação docente no contexto do regime de colaboração entre aesfera estadual e municipal no âmbito do Estado de Mato Grosso. O número de matrícu-las e funções docentes da Educação Básica foram analisadas a partir do instrumentaljurídico do FUNDEF e dos preceitos fundadores da gestão entre as redes e sistemas. Apesquisa permitiu desvelar a reconfiguração da divisão de responsabilidade entre as esfe-ras administrativas governamentais e seus efeitos sobre as funções e a qualificação do-cente.

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Revista da Faculdade de Educação

Maria Aparecida Morgado, doutora em Psicologia da Educação e Manoel Francis-co de Vasconcelos Motta, doutor em Educação, no artigo “PRÁTICASTRANSGRESSIVAS DE JOVENS DE CLASSE MÉDIA E ALTERNATIVAS EDUCA-CIONAIS”, analisa a transgressão juvenil na classe média dentro do contexto brasileiro.Apontando para a predominância de pesquisas nos meios acadêmicos brasileiros sobre ajuventude das camadas populares, enquanto que as questões relativas à classe média e àtransgressão juvenil vêm sendo colocadas pela intelectualidade européia e norte-ameri-cana há meio século.

Nas Comunicações estão estudos que têm como objeto de investigação a Escola deAplicação e Valorização Humana “Lazara Falqueiro de Aquino”. O estudo “REFLETIN-DO SOBRE O TRABALHO COM A LÍNGUA(GEM) NO CONTEXTO ESCOLAR”,da professora Elizete Beatriz Azambuja, mestre em Lingüística, destaca alguns pontosreincidentes nas práticas pedagógicas que envolvem leitura e escrita, em que não sãoconsideradas as condições de produção e os sentidos são colocados como “transparentes”,“evidentes”, enfim, “naturais”. Sem acreditar em um discurso “salvacionista” de mudan-ça de vida pelo acesso à leitura e à escrita, aponta para a possibilidade de contribuição namudança de sentidos a partir do trabalho realizado no espaço escolar, visto ser este lugarde linguagem, de interpretação. E o estudo “AS ARTICULAÇÕESSOCIOPSICOPEDAGÓGICAS ENTRE AS CULTURAS DA CRIANÇA PANTANEIRAE DA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO”, da professora Graciela Constantino, mestreem Educação, investiga em uma amostra de 112 pais, 63 alunos e 18 professores asrelações que se estabelecem entre a cultura das crianças pantaneiras e ribeirinhas nocontexto da Escola de Aplicação. Conclui, entre as diversidades encontradas, que à dis-tância entre as culturas do aluno e a escola prejudica o processo de aprendizagem, e queé necessária uma maior valorização do local apesar de a escola promover o diálogo econdições de igualdade entre as diferenças.

A Revista traz ainda publicada, nesse primeiro número, uma Resenha de autoriado professor Benedito de Oliveira, mestre em Educação.

Desejo que a leitura dos textos aqui reunidos estimulem novas análises capazes degerar práticas de intervenção, de pesquisa, e provoquem a publicação de novos artigos.

Maria do Horto Salles TielletDiretora da Faculdade de Educação/Unemat

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A UNIVERSIDADE E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DEAVALIAÇÃO NO BRASIL1

Elizeth Gonzaga dos Santos Lima2

RESUMO: Este texto propõe uma reflexão sobre a postura da comunidade acadêmica frente àsPolíticas Públicas de avaliação Institucional que estão sendo desenvolvidas nas e pelas universi-dades, tomando como estudo o PAIUB e o PROVÃO. Para isso, apresenta a história da universi-dade e o seu redesenho no contexto sócio-econômico, discutindo a multiplicidade de função, im-postas pela nova ordem capitalista à educação superior e a emergência da avaliação institucional.

UNITERMOS: Universidade; avaliação institucional; participação; PAIUB; PROVÃO.

Discutir a educação superior hoje é mergulhar numa teia de relações complexas.Essa complexidade que circunda o contexto da educação superior é conseqüência dasprofundas e marcantes transformações sociais, econômicas, culturais e tecnológicas queinterferem nas relações sociais, mudam o cotidiano das pessoas e, conseqüentemente,interferem nas instituições, gerando o que Santos (1999) chama de crise institucional.Para este autor, “esta crise tem vindo a manifestar-se através da deterioração progressivadas políticas sociais, da política de habitação e da política da saúde à política da educa-ção, invocando a crise financeira”. (idem, p. 214) Essas transformações, que vêm ocor-rendo na sociedade e na educação superior, fazem parte de uma conjuntura internacionalmais ampla que pretende a reestruturação do Estado e da Educação.

Os ajustes sofridos pelo capitalismo impõem novas exigências, demandas e desa-fios à universidade. Estas mudanças e as novas exigências do mercado, apresentadas àeducação superior, levam a uma reflexão sobre a sua missão3 e ou funções, que se tornammúltiplas se levarmos em consideração a sua história e os desafios impostos pela novaordem capitalista. Esses são os dois enfoques que serão discutidos no primeiro momento

1 Artigo produzido a partir da dissertação de mestrado: “Avaliação Institucional - A experiência daUNEMAT: entrelaçando as vozes e tecendo os fios do silêncio”.2 Mestre em Educação, professora da disciplina Psicologia da Educação lotada no Departamentode Pedagogia do Campus Universitário de Cáceres- UNEMAT3 A concepção de missão que estou adotando, aqui, não se refere à política da qualidade total, masestá sustentada nas autoras Costa (1997) e Leite (2000) como definição coletiva da idéia de univer-sidade, sua função, seus objetivos macros para o agora e para o futuro.

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deste artigo; e no segundo momento, serão feitas abordagens sobre a emergência da ava-liação institucional no contexto da educação superior.

1.1 - Trajetória da Universidade e os desafios impostos pela nova ordem capitalista

Vivemos um período que não sabemos qual é, mas também sabemos que os velhose enraizados conceitos já não atendem mais ao que está emergindo. É o mundo da contin-gência, no qual as incertezas são predominantes. É nesse contexto incerto que se buscaconstantemente a melhoria das universidades. A universidade está em crise na medidaem que precisa responder satisfatoriamente às demandas externas, que são diversas econtraditórias. Segundo Dourado; Catani (1999), a conjuntura atual apresenta caracte-rísticas marcantes de um cenário complexo, contraditório e desafiador da sociedade.

Algumas das características da sociedade contemporânea podem ser descritas como:o avanço técnico-informacional ao lado de problemas como o aumento do desemprego,da fome, da violência, da miséria, da desigualdade e da exclusão social; a implementaçãode modelos de desenvolvimento econômico e social voltados para a competição tantoglobal como pessoal; o surgimento de novas bandeiras de lutas tais como o feminismo, areligiosidade, a luta pelos direitos dos excluídos (negros, índios, homossexuais, etc);questões que podem se tornar de natureza ética (a clonagem, o respeito aos direitos hu-manos, a convivência com a diversidade cultural, etc); a redefinição do papel da educa-ção, ou seja, a educação como bem econômico e estratégia para minimizar a pobreza e odesemprego. Essas são algumas das características que marcam a sociedade de hoje e éneste contexto que está inserida a universidade contemporânea.

Estas e outras questões que circundam a sociedade colocam em crise o modelotradicional de universidade, que hoje se apresenta com múltiplas funções. As mudanças,transformações, reformas e a crise que circunda as universidades devem ser estudadas eentendidas a partir do seu desenvolvimento histórico e de suas relações sociais.

Lançando um olhar para a dimensão temporal da universidade, Trindade (2000),apresenta 04 (quatro) períodos que marcaram a sua história. O primeiro período vai doséculo XII até o Renascimento. Esse período é marcado pela invenção da universidade naIdade Média. A marca predominante deste período é o domínio da Igreja romana sobre auniversidade.

O que se pode resgatar do modelo medieval é uma concepção deinstituição universitária com três elementos básicos: centralmentevoltada para uma formação teológico-jurídica que responde às ne-

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cessidades de uma sociedade dominada por uma cosmovisão cató-lica; com uma organização corporativa em seu significado originá-rio medieval e preservando sua autonomia face ao poder político eà igreja institucionalizada local. (TRINDADE, 2000, p. 13)

O segundo período começa no século XV, época em que a universidade começa areceber impactos das transformações sociais do capitalismo e do humanismo, rompe comos conceitos tradicionais da Idade Média e faz surgir um elemento novo que é a relaçãouniversidade e ciência. O terceiro período é marcado pelas descobertas científicas emvários campos do saber e do iluminismo do século XVIII, com a valorização da razão, doespírito crítico e da liberdade. O conhecimento não é algo transcendental, mas construídopelo próprio homem que passa a ser sujeito da história. O quarto período, que institui auniversidade moderna, começa no século XIX e se desdobra até os nossos dias, introdu-zindo uma nova relação entre Universidade/Sociedade, configurando os principais mo-delos das universidades atuais.

A universidade surge como um projeto da modernidade, com a idéia de buscarverdades universais, exigindo institucionalização igualmente única e buscar o conheci-mento desinteressado. Segundo Goergen (2000), a universidade moderna tem duas ver-tentes principais, o modelo alemão, que regride ao pensamento de Kant e enfatiza aautonomia especulativa do saber, e o modelo francês que se alinha ao pensamento deDescartes e coloca ênfase no caráter instrumental da universidade como provedora deforças profissionais. Assim:

Pode-se dizer que os objetivos da universidade moderna se defi-nem enquanto investigação especulativa ou investigação instrumen-tal, que deveria desembocar em melhoria e progressão social, mo-vimento do qual a universidade se compreendia sujeito, sendo aum tempo sua fonte e vigia críticos. (GOERGEN, 2000, p. 18)

No Brasil, a universidade chega tardiamente, apenas no século 20, o que nãosignifica que não se tenha tido ensino superior durante o Brasil Colônia, Império e iníci-os da República. Segundo Leite; Morosini (1992) as primeiras escolas isoladas, comcerto grau de sistematização, surgiram em 1808. Somente no século XX, surge a univer-sidade como nova figura jurídica.

A universidade no Brasil surge como modelo pleno da modernidade e recebe in-fluências do modelo francês e do modelo alemão, o que explica ter sido pensada com a

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função de buscar verdades que explicassem o homem e sua inserção no social, mas tam-bém como prestadora de serviços.

Para Leite; Morosini (1992), ao lado destes modelos surgiu um novo, denominadolatino-americano ou da democratização que acompanha a universidade crítica latino-americana e pretende contribuir para a transformação da ordem social. Modelo que acom-panhou a política governamental de modernização e que se refletiu no incentivo ao de-senvolvimento da ciência e da tecnologia, que teve auge nos anos 70, através do fomentoao crescimento do número de programas de pós-graduação.

O modelo alemão ou humboldtiano, o modelo francês ou da profissionalização e omodelo latino-americano ou da democratização influenciaram as universidades, que atéhoje apresentam funções sustentadas em vertentes diversificadas. Por um lado, a vertentefrancesa que tinha como função a prestação de serviços, função meramente técnico-pro-fissional, de domínio profissionalizante. Por outro lado, a vertente alemã que buscava osaber desinteressado, preocupava-se com a descoberta e a formulação da ciência, e não sesubordinava aos interesses do Estado. A universidade brasileira ainda recebeu influênciasdo modelo latino-americano que se caracterizava como processo de modernização dasociedade e transformação da ordem social, a partir do desenvolvimento da ciência e datecnologia.

Santos (1999) discute as funções da universidade, desde o seu surgimento, e dizque a universidade se desenvolve com as funções de busca de verdades, transmissão dacultura, ensino das profissões, investigação científica e educação dos novos homens. Afunção da universidade, seus modelos e concepções vão ser influenciados pelas rápidastransformações do capitalismo dos últimos trinta anos.

Segundo Silva Júnior; Sguissardi (1997), no período que se inicia pós-guerra atéos anos 70, o mundo viveu um modelo de desenvolvimento que se caracterizava pelaacumulação intensiva de capital, associada à produção e ao consumo de massa, tendo noEstado, a instituição estratégica produtora da sincronia entre a oferta e a procura, equilí-brio alcançado através de políticas de compensação social. Este modelo entra em crise namedida em que apresenta grande queda de produtividade em razão da obsoleta tecnologiaque lhe dava sustentação. O mundo capitalista caiu numa longa e profunda recessão,combinando baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, o que desencadeouuma mudança na economia e nas idéias neoliberais4. Segundo esses autores:

A vertente produtiva - estruturada a partir de uma base tecnológicade natureza metal-mecânica, organizada de acordo com os pressu-

4 O objetivo aqui não é aprofundar esta questão, estarei apenas definindo-a segundo Anderson inSader & Gentili apud Silva Júnior & Sguissardi (1997, 30) “O neoliberalismo nasceu logo depois

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postos tayloristas-fordistas, assentada em uma extrema divisão dotrabalho - tem na articulação da microeletrônica, da informática,da química e da genética, seu novo padrão tecnológico para a supe-ração da crise, através de um salto qualitativo de produtividade. Ocapital internacionalizou-se de maneira intensa e privada - atravésdos bancos e das multinacionais - diante das limitações impostaspelo mercado de um lado, e por outro, pelas condições históricasdos países-destino e pela possibilidade técnica de controle das in-formações, sustentadas na microeletrônica e na informática. O Es-tado- providência entra em colapso. Possui uma grande estrutura egastos e já não tem a mesma posição estratégica que ocupava du-rante a predominância do Fordismo. Este cenário possibilitou aemergência da ideologia neoliberal: a busca do Estado mínimo e dasoberania da lógica do mercado, em um momento em que o capitalnecessita estruturalmente de sua globalização e não de interferên-cia do Estado nos moldes do Fordismo. (SILVA JÚNIOR;SGUISSARDI, 1997, p.32)

O objetivo aqui não é aprofundar essas questões, mas apenas mostrar que no mo-delo econômico vigente, o mercado tornou-se o princípio unificador e auto-regulador dasociedade, que se encontra entregue às forças da concorrência, gerando umacompetitividade, na qual o princípio balizador passa a ser a eficiência e a qualidade.Estes se tornam os princípios fundamentais para a sobrevivência da sociedade. Os refle-xos destas mudanças na educação são claros. Se antes utilizava-se o discurso da igualda-de, da liberdade, da busca do conhecimento livre e desinteressado, do bem-estar da hu-manidade, hoje se utiliza o discurso da produtividade, da eficiência, da qualidade e dautilidade, em que prevalecem as leis do mercado. Nesse sentido, o conhecimento passa aser tratado como um produto, um bem de consumo. Dias Sobrinho (2000) comenta que aideologia da competitividade acabou exercendo influências determinantes sobre todos osoutros setores. As palavras-chaves neste modelo econômico de sociedade são: produtivi-dade, eficiência, efetividade, flexibilidade, confiabilidade, previsibilidade, comando, con-trole e gestão.

Inserida nesse contexto, a universidade passa a viver um conflito entre a sua fun-ção de ser produtora do conhecimento, que contribui para a transformação da sociedade,e, por outro lado, ter que se adaptar a uma situação de mercado e ser também prestadora

da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foiuma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. (...) Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte doEstado, denunciados como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas tambémpolítica”.

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de serviços para atender às exigências do mercado. Dessa forma, a universidade passa aser controlada e fiscalizada pelo Estado que tem a função de assegurar os direitos doscidadãos. Enquanto órgão provedor financeiro das universidades públicas, o Estado tema função de assegurar uma educação superior com qualidade e eficiência nos princípiosdo capitalismo. Para isso, elabora políticas de reformas, de fiscalização e controle dasações da universidade, contribuindo para a regulação social.

Para Trindade (2000), a lógica do modelo neoliberal para as universidades resultaem que:

A lógica do modelo é de que a universidade deve responder a diver-sas necessidades que lhe são externas, tornando-se cada vez maisuma organização multifuncional, indispensável e utilitária. Este novomodelo internacional, válido inclusive para os Estados Unidos, deveter uma forte ênfase na graduação e ser cada vez mais seletivo napesquisa, sendo que a prestação de serviços econômicos e sociaisfaz parte em igualdade da pesquisa de novos conhecimentos. (TRIN-DADE, 2000, p. 22)

Essa organização multifuncional da universidade cria pontos de tensão tanto norelacionamento das universidades com o Estado e a sociedade, como no interior daspróprias universidades. Nessa contextura e frente à crise de funções que a universidadevive e as polêmicas nas relações universidade/sociedade, Ristoff (1999) apresenta a pos-sibilidade de buscar um consenso, levando em consideração três aspectos fundamentais:

Primeiro, os interesses pelo avanço “desinteressado” da arte e daciência, segundo, os interesses explícitos de projetos de desenvol-vimento, construídos com a legitimação popular, exigindo uma atu-alização constante da base das habilidades tecnológicas (...) e ter-ceiro os interesses de indivíduos que compõe hoje a grande massade excluídos da educação superior e que vêem neste nível de edu-cação e na educação continuada não o avanço da ciência e da arte,não a sua inserção em projeto estratégico nacional, mas simples-mente a possibilidade de melhorarem as suas chances de ascensãosocial. (RISTOFF, 1999, p. 31)

A partir do exposto, observa-se que os avanços tecnológicos, as transformaçõessociais, econômicas e culturais exigem mão-de-obra qualificada para lidar com as inova-ções da ciência e da técnica. Essas mudanças exigiram da universidade uma responsabi-

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lidade social. Para Santos (1999), esse apelo à prática trouxe uma outra vertente para auniversidade, a orientação social e política, que constitui na invocação da responsabilida-de social da universidade perante os problemas do mundo contemporâneo. Essa exigên-cia pode ameaçar a investigação livre e comprometer a autonomia universitária. As uni-versidades sentem-se fragilizadas diante das políticas de regulação, controle e centraliza-ção de poder. Contribuem com esta análise as autoras Morosini; Leite (1997):

O surgimento do Estado Avaliativo se fundamenta, a curto prazo,em fatores conjunturais que implicam em análises financeiras, mu-danças econômicas e, também, na necessidade de mobilizar recur-sos humanos em nível nacional e internacional, diante dos desafiosenfrentados pela rearticulação do capitalismo internacional em buscada competitividade nos megablocos. (MOROSINI; LEITE, 1997,p.126).

Tal fato afeta diretamente as sociedades que em tempos dereordenação capitalista baseiam suas economias em práticas com-petitivas de mercado para as quais necessitam de competência ecriatividade, de novos conhecimentos e tecnologias. (...) Nessacontextura emergem os processos avaliativos. Via de regra estesprocessos têm mão única - do Estado para a Universidade. (LEITE,1997, p. 7)

As universidades enfrentam uma crise de identidade e têm sua missão questiona-da. Santos (1999, p. 220) discute essa questão como sendo uma crise institucional eafirma que a universidade só poderá resolver a crise institucional se decidir enfrentar aexigência da avaliação. Esse autor aborda a avaliação enquanto uma questão políticaque deve ser enfrentada pela universidade. Nesta visão, entendo que não significa aceitaro controle, a fiscalização e a regulação, mas pautar uma negociação no diálogo, fortalecidacom a comunidade interna e externa, capaz de decidir a missão e os objetivos da univer-sidade em função dos quais proceder-se-á a avaliação. É a partir da necessidade de buscara qualidade5 universitária que se coloca a avaliação institucional. “Não a eficiênciaprodutivista e a qualidade mercantilista, mas a eficácia democrática e a qualidade social

5 A concepção de qualidade que sustento aqui está delineada em Sobrinho (1995, p. 60) “A noçãode qualidade é uma construção social, variável conforme os interesses dos grupos organizadosdentro e fora da universidade. Os juízos de valor a respeito dessa instituição poderão divergir

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e pública”. (Dias Sobrinho, 2000, 167)É preciso ressaltar que discutir as funções da universidade e recolocá-la como

produtora de conhecimento não significa eximi-la de suas responsabilidades pela forma-ção profissional e técnica. Questionam-se, aqui, a valorização exacerbada da técnica e doprofissionalismo, o conhecimento numa visão meramente utilitária e o esquecimento dossujeitos que fazem uso destas técnicas, o esquecimento dos valores de humanização comoa solidariedade e a cooperação em detrimento do individualismo e da competição. Para-fraseando Ristoff (2001), é mais fácil caírem pontes e prédios por causa de engenheirossem ética e sem espírito de cidadania, do que por incompetência. A universidade deve serum espaço de produção do conhecimento para a formação de profissionais competentes,tanto técnica como eticamente, que atuem construindo uma sociedade mais justa e maishumana.

1.2 - Surgimento da Avaliação institucional e suas condições no Brasil

Segundo Requena (1995), a sistematização e origem da avaliação institucionaldeu-se nos Estados Unidos, e o período de 1930 a 1945 é considerado o início da históriada avaliação no setor educacional. Nesse período destaca-se a contribuição de RalphTyler com a avaliação centrada nos objetivos. Requena (1995) considera o período de1946 a 1957 como a “era da inocência”, devido ao interesse que a avaliação desperta,principalmente no campo da educação. O período de 1958 a 1972 é denominado de “Orealismo”, produzindo um auge na avaliação aplicada, devido ao apoio financeiro dasadministrações públicas e desenvolvendo-se como uma atividade de caráter próprio.Requena (1995) destaca ainda, nesse período, as avaliações de projetos e de currículos,em grande escala, financiadas com fundos públicos e com uma metodologia relacionadacom os conceitos de utilidade e relevância.

É interessante perceber como vai surgindo a necessidade de avaliar. Em 1965 épromulgada, pelo Presidente dos Estados Unidos, a Declaração de “Guerra contra a Po-

conforme grupos e segmentos considerem que a universidade responde ou não às suas respectivasprioridades e demandas”. Ainda na concepção de Cardoso (1991) apud Sguissardi (1997), “Nestaconcepção de qualidade, o que é central e decisivo se situa além da mera produtividade comomedida do desempenho de cada instituição, mas, diferentemente, toma como eixo norteador acapacidade de produção, intrinsecamente considerada, da instituição universitária. Trata-se menosde quanto se produz, a que velocidade e a que custo, mas principalmente do que se produz, certa-mente também considerando o tempo e o custo dessa produção. Trata-se de avaliar a importânciaacadêmica, científica, tecnológica, sociopolítica ou econômica da produção universitária”. (CAR-DOSO apud SGUISSARDI, 1997, p. 56)

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breza”. Isso implicou na destinação de grandes fundos para programas sociais, o queimpulsionou a necessidade de avaliar esses programas, para saber se os objetivos estavamsendo alcançados. Foram utilizados como instrumentos os testes estandardizados, que semostraram ineficientes, provocando a criação do “National Study Committee onEvaluation”. Stufflebeam fazia parte desse comitê, que tratou de revisar as distintas ava-liações que estavam sendo realizadas e recomendou o desenvolvimento de novas teorias emétodos para a avaliação, ou seja, a reforma do método Tyler. Recomendaram-se testesbaseados em critérios e normas e não mais em objetivos.

Para House (2000), a análise de sistema constituiu a principal perspectiva de ava-liação deste período, desenvolvida no Department of Defense, sendo secretário McNamara.Este modelo se define como medidas de resultados, pontuações de testes com a utilizaçãode dados quantitativos e medidas de resultados que se relacionam com os programasmediante análises de correlação com outras técnicas estatísticas. Desde 1965, esse enfoquese tornou também a principal perspectiva de avaliação no Department of Health, Educationand Welfare (Departamento de Saúde, Educação e Bem-estar).

O último período que Requena (1995) discute é a época do “profissionalismo” quevai de 1973-1993. Nesse período, a avaliação se consolida como profissão e um campopróprio de reflexão teórica. Há uma veiculação de comunicações entre os partidários dosmétodos positivistas/quantitativos e os que propõem métodos fenomenológicos/qualitati-vos. A partir de Ballart (apud Requena:1995), pode-se dizer que, nesse período, apenasno Canadá e em algumas organizações internacionais, além dos Estados Unidos, implan-tou-se uma avaliação sistemática das políticas públicas. A avaliação surge, também, nasUniversidades da Espanha, na perspectiva de verificação do funcionamento do sistema,um método para melhorá-lo. Assim, a avaliação institucional surge com a função deverificação e melhoria da qualidade dos serviços que a universidade presta à sociedade.

No Brasil, as primeiras experiências de avaliação da educação superior, realiza-das pelo poder público, acontecem, segundo Oliven (1989), na década de 70. Nesse perí-odo, a necessidade de avaliação e reforma do sistema universitário já era premente. ParaLeite (1997), no ensino superior brasileiro, a convivência com procedimentos avaliativosinstitucionais não é nova, ainda afirma citando Neves (1993), “o que é novo é a forma ea intensidade com que vem se debatendo a questão”. As iniciativas surgiram do própriogoverno central que desde 1977 vem avaliando sistematicamente o sistema de pós-gradu-ação, através da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superi-or - CAPES. Em 1983 o Ministério da Educação e Cultura - MEC cria o Programa deAvaliação da Reforma Universitária - PARU. O objetivo do PARU era conhecer as reaiscondições nas quais se realizavam as atividades de produção e disseminação do conheci-

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mento no sistema de educação superior. Segundo Leite, esse Programa vigorou até 1986e não teve muita expressão política.

Em 1986, é criado o Grupo de Estudos para a Reforma do Ensino Superior -GERES, que propõe um Programa de reformulação do ensino superior. Esse Grupo pro-pôs um processo de discussão amplo, visando uma nova política para as universidades. Adiscussão sobre a avaliação da universidade vai crescendo e instala-se uma polêmicaentre o MEC e as universidades. Buscava-se, portanto, uma proposta teórico-metodológicade avaliação capaz de fomentar o diálogo entre o MEC e as universidades, tendo comoprincípio a defesa da universidade pública. Em 1993, surge o Programa de AvaliaçãoInstitucional das Universidades Brasileiras - PAIUB, elaborado pela comunidade acadê-mica e legalmente viabilizado pelo MEC. Esse Programa foi enfraquecido com a implan-tação do Exame Nacional de Cursos - PROVÃO, em 1996.

“No panorama nacional é nos fins da década de 80, refletindo o momento mundi-al, que a avaliação da instituição como um todo se insere na concepção do EstadoAvaliativo6. Algumas universidades de forma isolada iniciam a avaliação neste período,porém, o processo massivo de avaliação institucional só é deflagrado na década de 90”.(Morosini; Franco, 1998, p. 4). Quanto a esta questão, Ristoff afirma que: “durante osanos de 1993 e 1994 o país viveu um momento realmente histórico no tocante a avalia-ção”. (Ristoff, 1999, p. 49). Nesse período há um consenso entre a comunidade acadêmi-ca sobre a importância de uma avaliação da universidade, desenvolvida por ela própria ecom princípios não apenas de controle, mas de busca da qualidade institucional, voltadapara a função social da universidade. “Um sistema não burocratizado de avaliação darealidade universitária no país se faz, também, necessário”. (Oliven, 1989, p.79)

Estarei aprofundando a discussão do Programa PAIUB, uma vez que seus princí-pios filosóficos e metodológicos, atualmente, vêm sustentando as avaliações das univer-sidades. Na UNEMAT essa avaliação está sendo desenvolvida pelo PAIUNEMAT - Pro-jeto de Avaliação Institucional da Universidade do Estado de Mato Grosso - PAIUNEMAT.

6 Esta expressão teve origem com Neave enquanto Estado supervisor. Para esse autor, o surgimentodo Estado Avaliador é o ponto da difícil combinação entre medidas que, a grosso modo, envolvedois pólos conflitantes: a delegação de responsabilidade pelo planejamento institucional de cadauniversidade individualmente e a responsabilidade do governo central de estabelecer políticasnacionais e objetivos amplos para a educação superior, ou seja, é a combinação da mão pesada doEstado com relação menos intervencionista com o mundo da academia. A avaliação é o ato essen-cial na articulação entre a formulação de políticas pelos governos centrais e a implementação eperformance no nível da universidade. (NEAVE, 1996, p. 66). Em nosso país parece que a figurado Estado Avaliador está sustentada no modelo de controle estatal. Segundo Santos Filho (2000, p.161) “Estado Avaliador” é uma nova forma de coordenação e regulação dos sistemas de educaçãosuperior e da relação entre Estado e universidade”.

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Ainda estarei discutindo sobre o PROVÃO, avaliação que foi implantada em 1996 peloMEC/SESU às universidades.

1.1.1 - PAIUB - Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasi-leiras

As iniciativas de auto-avaliação ou avaliação interna surgem na comunidade uni-versitária a partir da necessidade de buscar a qualidade das ações desenvolvidas pelaeducação superior de ensino, pesquisa, extensão e administração universitária. SegundoRistoff (1999), desde 1982 a bandeira da avaliação foi levantada pela Associação Nacio-nal dos Docentes do Ensino Superior (ANDES).

No início dos anos 90, saem à frente, no processo de auto-avaliação, algumasuniversidades, como a Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, a Universidadede Brasília - UnB, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, a Universida-de Federal de Minas Gerais – UFMG e a Universidade Federal do Paraná - UFPR, queconsolidaram experiências, mostrando que é possível avaliar as Universidades, com prin-cípios democráticos e participativos, desarraigados de exigências governamentais, supe-rando, assim, avaliações meramente quantitativistas, destinadas, exclusivamente, a con-trolar o sistema de educação superior.

A partir dessas experiências, em 1993, por iniciativa da Associação Nacional dosDirigentes das Instituições do Ensino Superior - ANDIFES, foi constituída uma comissãopara elaborar uma proposta de Avaliação Institucional para as Universidades. Participa-ram também, dessa Comissão, a Associação Brasileira de Reitores das UniversidadesEstaduais e Municipais - ABRUEM, Associação Nacional de Universidades Particularese Católicas, os Fóruns de Pró-Reitores de Graduação, Pós-Graduação, Planejamento eAdministração e docentes com experiência em avaliação e com representatividadeinstitucional. O documento final foi apresentado e aprovado por unanimidade na Reu-nião Plenária da ANDIFES em outubro de 1993, na cidade de Florianópolis. SegundoRistoff (1999), esse foi um momento histórico no tocante à avaliação.

A proposta aprovada na coletividade, por representantes de toda comunidade uni-versitária nacional, foi apresentada à Secretaria da Educação Superior - SESU/MEC, quepassou a exercer o papel de articuladora, viabilizadora e financiadora do processo. Foi apartir dessa proposta construída internamente pelas universidades e com o apoio da SESU/MEC que se originou o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasi-leiras - PAIUB. Para Ristoff, esse Programa foi concebido como instrumento fundamen-tal para a construção do projeto acadêmico-pedagógico e administrativo capaz de susten-

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tar as resistências a favor da universidade pública, ao focalizar a qualidade e exigir doEstado o financiamento para essa finalidade. Parafraseando Dias Sobrinho (1997), pro-duzir qualidade não depende apenas de uma instituição política e pedagogicamente orga-nizada, passa pela construção e reconstrução social e histórica, repugna objetivos puniti-vos ou constrangedores de indivíduos ou de grupos.

É preciso deixar claro que o PAIUB não é uma invenção genuinamente brasileira.Estruturalmente, ele acompanha o modelo clássico de avaliação adotado em vários outrospaíses, como por exemplo, a Holanda, a França e algumas regiões dos Estados Unidos,mas é preciso ressaltar que o documento final do PAIUB é uma soma de muitas idéias, éo resultado de um trabalho conjunto realizado pelas universidades. O Documento Básico- Uma Proposta Nacional, de 26 de novembro de 1994, apresenta como princípiosnorteadores do PAIUB: - a aceitação ou conscientização da necessidade de avaliação portodos os segmentos envolvidos; - o reconhecimento da legitimidade e pertinência dosprincípios norteadores e dos critérios a serem adotados; - o envolvimento direto de todosos segmentos da comunidade acadêmica na sua execução e na implementação de medi-das para a melhoria do desempenho institucional. Para Ristoff (1999), esses princípiospodem ser sintetizados como:

Globalidade - necessidade de avaliar todo complexo das atividades desenvolvidaspela instituição, desconsiderando avaliações que se pautam em apenas uma variável;

Comparabilidade - busca uma uniformidade básica de metodologia e indicadores,um linguajar comum dentro da universidade e entre as universidades. Não tem por objetivopromover rankings.

Respeito à Identidade Institucional - respeita a identidade das diversas institui-ções, a sua natureza, os seus objetivos, a sua vocação regional e a sua história;

Não Premiação ou Punição - busca construir uma cultura de avaliação, abando-nando a idéia de avaliação como classificação e abandona mecanismos de premiação oupunição;

Adesão Voluntária - aderir ou não ao PAIUB deve ser uma iniciativa da comuni-dade universitária, pois é ela que desencadeará todo o processo de avaliação Institucional;

Legitimidade - o projeto desenvolvido pelas IES precisa ter legitimidade técnica,ser conduzido de forma tecnicamente viável e confiável, evitando o quantitativismo e oimediatismo;

Continuidade - este princípio garante o caráter processual, contínuo e permanenteque tem a avaliação pelo PAIUB, não é somatória de momentos, mas é a garantia daconstrução da cultura da avaliação nas universidades.

O cerne da concepção do PAIUB está nesses princípios, que devem nortear cada

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um dos projetos das universidades. Tecnicamente, a proposta do PAIUB se resume daseguinte forma:

Compõe-se de dois momentos básicos: (1) a auto-avaliação e (2) aavaliação externa. Resumidamente, na primeira etapa, as univer-sidades organizam seus dados cadastrais, segundo um roteiro deindicadores nacionalmente definido, avaliam os currículos, as con-dições de trabalho, o desempenho do corpo docente, os processospedagógicos e organizacionais, avaliam enfim, o desempenho deseus cursos, identificando os seus pontos fortes e fracos, as suasomissões e potencialidades. Deste trabalho da primeira fase, deve-rá surgir um relatório analítico-interpretativo de cada um dos cur-sos e da instituição como um todo. Concluída esta primeira etapa,inicia-se a avaliação externa. Comissões, especialmente constituí-da para tal fim, analisam os dados apresentados, visitam a institui-ção e publicam relatório com a avaliação dos cursos. Destes relató-rios finais constarão recomendações sobre ações possíveis e neces-sárias para correção de rumos e aperfeiçoamento da instituição.Concluída esta segunda etapa, reinicia-se o processo. (RISTOFF,1999, p. 205 e 206)

No início de 1994, atendendo ao 1° convite do PAIUB, 59 Universidades implan-taram o projeto de Avaliação Institucional. Este grupo foi crescendo e em 1995 já eram 93as universidades inscritas. Segundo dados do PAIUB7, das 156 universidades brasileiras,entre Estaduais, Federais e particulares, 138 já desenvolvem a Avaliação Institucionalcom princípios do PAIUB.

Para Melo (1999, p. 12) “o PAIUB representou uma resposta organizada das uni-versidades brasileiras ao desafio de implantar um sistema de avaliação institucionalcentrada na graduação, visto que a pós-graduação à época, já vinha sendo avaliada”. Aimplantação do PAIUB pode ser classificada como um momento de implantação de umacultura de avaliação institucional nas universidades brasileiras, visto que a partir de ex-periências bem sucedidas, são propostas para as universidades algumas diretrizes comprincípios participativos de avaliação institucional. Esse processo desencadeou, nas uni-versidades, um debate com a comunidade universitária, que discutia os rumos da univer-sidade. O PAIUB não foi implantado como uma proposta para ser seguida, mas comouma proposta com o fim de subsidiar cada IES na construção do seu projeto de avaliaçãoinstitucional, levando em consideração as diversidades históricas e regionais.

7 Dados disponíveis no site: http://www.paiub.gov.br.. Acesso em:17 out. 2000.

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O PAIUB não é um modelo ideal para ser seguido pelas universidades. Ele éapenas um mapa, o caminho precisa ser construído pelas próprias universidades. Segun-do Ristoff (1999), não há pronto para o consumo um modelo ideal e único de avaliaçãopara o país. “Creio que é inútil procurá-lo. Ele precisa ser por nós construído”. (Ristoff1999, p. 62)

Em 1999, esse autor (Ristoff) publicou um artigo com o título AvaliaçãoInstitucional: Avanços e retrocessos, no qual faz uma avaliação da implantação do PAIUBe reafirma o valor desse Programa para as universidades, enumerando alguns fatores queasseguram a continuidade do Programa estar sustentando as avaliações da maioria dasuniversidades: (a) a sua construção coletiva e democrática; (b) a sua destemida exposiçãode princípios; (c) a sua metodologia flexível; (d) a sua promessa de resultados práticos esignificativos para a melhoria da qualidade do ensino, da pesquisa, da extensão e daadministração.

Esse autor comenta sobre as resistências que existiram na implantação do Progra-ma e diz que estas, raramente, eram frontais e acrescenta que a lateralidade da resistênciatalvez tenha sido e continua sendo a maior inimiga da avaliação. “Os adversários rara-mente põem em dúvida a necessidade da avaliação, mas sempre dizem e dirão que ométodo deixa a desejar, que as técnicas distorcem os resultados, que é preciso redefinir osobjetivos, que é preciso antes que sejam oferecidas melhores condições à instituição, queé enfim preciso adiar, adiar, adiar”. (idem, p. 94). Para esse autor, pela primeira vez nahistória da universidade, entendeu-se a partir do PAIUB que não era possível mais adiare esperar a proposta ideal, era necessário iniciar o trabalho para construir caminhospossíveis.

Em março de 2001, Palharini publicou um artigo na revista RAIES com o título:“Tormento e Paixão pelos Caminhos do PAIUB”. Esse artigo é o resultado de sua tese dedoutorado, na qual realizou-se uma avaliação do PAIUB em universidades federais daregião sul e sudeste. Após uma análise desse Programa, sugere:

A luz dos princípios que estruturam o PAIUB, seja procedida umarevisão na estrutura do Programa e na forma pela qual vem sendoconduzido de modo a: a) rever a relação do MEC com o ComitêAssessor do Programa, de modo a garantir-lhe maior independên-cia; b) agregar ao Comitê Assessor representantes indicados porcada uma das Regionais, dentre aquelas instituições que mais avan-çaram em termos de abrangência e evolução do programa, bemcomo representantes da sociedade civil e dos docentes; c) avançarna construção das diretrizes metodológicas que delineiem

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parâmetros para a integração dos dados quantitativos e queefetivamente estimule a análise qualitativa; d) incentivar o estabe-lecimento de referenciais institucionais para o processo de avalia-ção (projeto pedagógico e planejamento institucional); e) garantirmaior envolvimento de todas as instâncias deliberativas da insti-tuição e aproximar as atividades de avaliação com as deplanejamento institucional; f) fortalecer a alocação de recursos fi-nanceiros para o PAIUB (...) g) Fortalecer o PAIUB enquanto ins-trumento de referência do processo de recredenciamento das uni-versidades e/ou avaliação externa. (PALHARINI, 2001, p.26)

A partir dessa avaliação e da necessidade de dar continuidade ao PAIUB comomodalidade de avaliação institucional que deve sustentar e subsidiar a avaliação dasuniversidades, fortalecer ainda mais a avaliação construída pela própria universidadecom os princípios do PAIUB e por entender o PAIUB como uma proposta viável e exeqüível,no ano de 2000, houve uma reestruturação do Programa garantindo a permanência dosseus princípios teóricos e filosóficos de origem e inovando as questões metodológicas outécnicas de condução, que foi denominado PAIUB 2000. Essas discussões demonstramque o Programa não foi implantado como uma proposta acabada, mas como uma propos-ta que começava a ser construída e precisava ser fortalecida com as experiências de cadauniversidade.

Ao lado da avaliação pelo PAIUB, a partir de 1996 passam a acontecer tambémnas universidades, o Exame Nacional de Cursos - ENC, que se popularizou como PROVÃOe o Exame das Condições de Oferta. Essas políticas de avaliação contribuíram para oenfraquecimento político da avaliação pelo PAIUB nas Instituições de Ensino Superior –IES.

1.1.2 - Exame Nacional de Cursos - ENC

O Exame Nacional de Cursos - ENC, que se popularizou como PROVÃO, foiregulamentado em março de 1996, pela Portaria 249 do Ministério da Educação. Em 11de outubro de 1996, foi publicado o Decreto 2026, da Presidência da República, queestabelece os procedimentos para o processo de avaliação dos cursos e instituições deensino superior e as diferentes instâncias e modalidades das avaliações sob a responsabi-lidade do Ministério de Educação e Desporto. Esse Decreto foi revogado pelo Decreto3.860 de 09 de julho de 2001, que confere responsabilidade ao INEP para organização eexecução da avaliação dos cursos e instituições de educação superior.

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O PROVÃO foi implantado em 1996, iniciando com a aplicação nos cursos deDireito, Administração e Engenharia Civil, com a perspectiva de atingir todos os cursos.O PROVÃO é uma modalidade de Avaliação Institucional de iniciativa governamental,com o propósito de averiguar competências e habilidades das entidades universitárias. Aavaliação acontece a partir da aplicação de uma prova para os alunos da graduação nofinal do curso, portanto, avalia-se a partir de fragmentos do conhecimento de cada carrei-ra. A prova é igual para todas as universidades brasileiras, considerando o currículomínimo dos cursos.

Numa palestra proferida pela Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pes-quisas Educacionais - INEP, Profª Maria Helena Guimarães de Castro e publicada nasérie documental do MEC, a professora descreve o PROVÃO da seguinte forma:

O Exame Nacional de Cursos - mais conhecido como Provão - foiinstituído em 1996 e consiste de uma prova obrigatória, aplicada atodos os concluintes de determinados cursos de graduação. Oobjetivo principal do Exame é verificar a aquisição e a capacidadede uso das competências e habilidades gerais pertinentes às áreasavaliadas. A cada curso é atribuído um conceito de “A” a “E”, ten-do em conta o desempenho de seus alunos no teste. (CASTRO,2001, p. 32)

O instrumento de avaliação (prova) é de responsabilidade da SESU/INEP, a partirda definição dos objetivos dos cursos a serem avaliados. Quem define os objetivos são ascomissões de cursos compostas de até dez pessoas, em geral, indicadas pela comunidadeacadêmica. Com relação à elaboração das provas salienta Castro:

A partir de um trabalho, que é feito com a participação da comuni-dade acadêmica de cada área, são desenhadas as especificações daprova, com base no perfil que se espera ter do graduando, ao finalde cada curso avaliado. Os grupos de especialistas que elaboram asprovas são recrutados a partir de consultas às entidades e associa-ções de ensino, ao CNE, à SESU e às Comissões de Especialistasque atuam em outros programas da comunidade acadêmica. (idem)

Para o ministro Paulo Renato Souza, na entrevista publicada na revista do Provão(1996), o objetivo do PROVÃO é garantir um ensino de qualidade numa sociedade cadavez mais exigente, “não tenho dúvida de que o PROVÃO será mais um instrumento

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eficaz para melhorar a educação brasileira” (Souza, 1996, p. 5). Esclarece ainda que oMEC não fará um ranking das melhores universidades. Para ele, isso geraria um clima dedisputa pouco benéfico para o real objetivo do exame, que é fazer um detalhado Raio-Xdas precariedades do ensino, sem, no entanto, estabelecer o confronto em nome daerradicação das mazelas. Não obstante o discurso do Ministro, os resultados do primeiroPROVÃO foram amplamente divulgados pela imprensa, em 1997, e desde essa épocaconstituiu um perfeito ranking das universidades.

O PROVÃO foi concebido, politicamente a partir do MEC, de forma impositiva eautoritária. Para Ristoff (1999), o PROVÃO tem explícita uma proposta de ranqueamentodos cursos, e por conseqüência, das universidades, dos Estados e das regiões do país. Paraesse autor, teoricamente, essa concepção de avaliação já está superada. Com essa propos-ta, o PROVÃO “serve mais para premiar os fortes e execrar os fracos do que para cons-truir a melhoria da qualidade”. (p.222)

Para melhor visualização e para fins de apresentação didática e compreensão dascaracterísticas das modalidades de avaliação institucional PROVÃO e PAIUB, construí oquadro ao lado.

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PROVÃO (Exame Nacional de Cursos) PAIUB (Programa de AvaliaçãoInstitucional das Universidades Brasileiras)

Avaliação que tem origem e controle doMEC

Avaliação que tem origem nos Fóruns dediscussões da Comunidade Universitária.Foi no seu início articulada, viabilizada efinanciada pelo MEC.

Decisão do MEC/INEP - É obrigatório ea condução do processo está sob aresponsabilidade do INEP.

Decisão livre e espontânea da ComunidadeUniversitária - Adesão voluntária - Todo oprocesso é de responsabilidade daUniversidade.

O instrumento (Prova) é elaborado pelacomissão indicada por especialistas. Aescolha da data para aplicação e adivulgação dos resultados é de controle doINEP.

Todo o processo, inclusive a elaboraçãodos instrumentos, é decidido pelaComunidade Universitária, sustentadopelos princípios filosóficos e metodológicosdo PAIUB.

Avaliação fragmentada, resultadosimediatos.

Avaliação processual (resultados a curto,médio e longo prazo)

Resultados divulgados pela mídia, tornam-se públicos e com o ranking dos cursos edas universidades.

Os resultados são discutidos com acomunidade acadêmica, buscandoredimensionar as atividades desenvolvidas.

Foi implantado sem discussão com aComunidade Universitária.

Foi amplamente discutido com aComunidade Universitária. A adesão évoluntária e todo o processo éredimensionado ao longo das discussões.

É utilizado o mesmo instrumento para todasas IES.

Respeita a identidade regional e históricade cada IES

Quadro 1 - Comparação entre PROVÃO e PAIUB

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Considerações finais

O quadro acima, nos leva a uma reflexão sobre a nossa postura frente às modali-dades de avaliação que estão sendo desenvolvidas nas e pelas universidades. Se é neces-sário implantar um processo de avaliação como instrumento que busque a qualidadeuniversitária, é necessário também, profissionais que estejam dispostos a participar. Aavaliação enquanto instrumento de mudança deve ser participativa e democrática. Paraisso, é preciso vencer a omissão, o silêncio e a resistência da comunidade acadêmicafrente aos processos de avaliação.

Nesse sentido o princípio da responsabilidade social deve ser perseguido por todosque fazem a universidade: gestores, professores, funcionários, alunos, sindicatos, enfim,pela comunidade acadêmica. A responsabilidade social leva à reflexão, ao pensar e àcondução de um processo avaliativo democrático e participativo, porque é um processoque não tem “dono”, ele acontece nas relações intersubjetivas, na qual todos têm voz evez.

A responsabilidade social, a partir de Santos (2000), está sustentada na ética doconhecimento emancipação, que propõe uma ética que não está sustentada nem pelaciência e nem pelo utilitarismo, mas pela responsabilidade. A responsabilidade social noscoloca no centro de tudo que acontece e nos torna responsáveis pelo outro, seja ele o serhumano, um grupo social ou a natureza. É a ética que troca o individualismo pela solida-riedade, é a ética que não concentra o poder porque confia no outro como sujeito quetambém produz, é a ética que não pune o erro, mas busca formas alternativas para osacertos.

É preciso, portanto, superar a resistência e o silêncio frente aos processos de ava-liação que estão sendo desenvolvidos nas universidades, buscando a construção, comodiz Santos, de novas subjetividades capazes de vencer os silêncios e colocar em prática opilar da emancipação. Não basta ter o conhecimento emancipatório, não basta dizer queé a favor da avaliação democrática, não basta saber qual a melhor teoria para sustentaruma avaliação, é preciso contar com pessoas que estejam dispostas a usar este conheci-mento e transformá-lo em ação.

Não basta contratar experts em assuntos ou reunir os gestores das universidadespara elaborar projetos e propostas como o PAIUB, não basta elaborar mega-propostascom princípios emancipatórios, elaborar as políticas públicas com princípios democráti-cos, como diz House (2000), fundados na ética e na epistemologia subjetivista, se aspessoas que vão executar essas propostas não construírem o conhecimento emancipação

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ou se não vencerem os traumas e os bloqueios deixados pela história, que levam à omis-são, à resistência e ao silêncio; atitudes que nos impedem de pronunciar contra a hegemoniae os cânones impostos como verdadeiros.

Segundo House (2000), as formas e modalidades de avaliação devem ser discuti-das pela comunidade acadêmica de forma participativa desde a sua elaboração, momentoem que se estabelecem as normas, as regras, os procedimentos de condução, o que nafilosofia do liberalismo é chamado de contrato social. Estas normas devem ser estabelecidasdesde o processo técnico-metodológico até as tomadas de decisões, de maneira que todosos envolvidos possam participar ativamente, e isso implica buscar a responsabilidadesocial tanto de quem avalia como dos avaliados. Essas questões correspondem a umprocesso de avaliação sustentado na ética e na epistemologia subjetivista, nas quais asrelações intersubjetivas acontecem de forma recíproca, tanto avaliador como avaliadodesenvolvem o diálogo como forma de buscar as tomadas de decisão, visando o aperfeiço-amento institucional (interesse público), e abandona todas as decisões de caráter pessoal(interesse particular).

Para que se concretize essa idéia, é preciso compreender que somos partícipes doprocesso avaliativo. Não dá para criar alternativas enclausuradas em nós mesmos, é pre-ciso enfrentar a opressão, o medo da punição, o medo de errar, enfrentar os traumas dafala, da escrita e estar aberto a produzir conhecimento a partir do outro, na reciprocidade.Vencer o medo de estar aberto para críticas é também ter a humildade e sabedoria paracriticar. Assim, o princípio da eqüidade passa pela co-responsabilidade, cooperação aca-dêmica, pela compreensão solidária, pela comunicação intersubjetiva, pela compreensãode que a educação, como um direito de todos, deve ser também uma tarefa de todos,acrescentando-se, dessa forma, à avaliação institucional o princípio da responsabilidadesocial sustentado na emancipação.

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ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS/MOVIMENTOS SOCIAIS E RESISTÊNCIA

Heloisa Salles Gentil1

RESUMO: Neste artigo tratamos de concepções de Estado e de movimentos sociais como intuito de compreender a constituição de políticas públicas em suas relações com asociedade civil. Para isso fazemos uma trajetória em busca de fundamentos filosóficosacerca de Estado, uma breve revisão histórica e apresentamos algumas característicasdo Estado ocidental contemporâneo. Em seguida, buscamos observar outra faceta doEstado: a sociedade civil manifestando-se através dos movimentos sociais. Com issoapresentamos nossa compreensão das políticas públicas como espaço de confronto en-tre sociedade civil e política.

UNITERMOS: Estado; sociedade civil e sociedade política; políticas públicas; movi-mentos sociais; resistência.

Este trabalho2 visa apresentar algumas idéias sobre o Estado passando de algunsfundamentos filosóficos a uma perspectiva histórica e, em seguida, caracterizando o Es-tado em sua fase mais recente. De modo algum se pretende aqui esgotar esses temas, aocontrário, o que nos move a esta exposição é a tentativa de, a partir de um quadro maisamplo, elucidar, a seguir, a proposição e implementação de políticas públicas, em especi-al aquelas relativas à educação, tomando-as como materialização de ações do Estado,administrado por certo tipo de governo. Buscamos um contorno para abordar a formaçãode professores sob a luz das políticas públicas.

Outra discussão que trazemos é acerca de movimentos sociais e a noção de resis-tência com o intuito de tratarmos de um outro aspecto constitutivo do Estado segundoGramsci: a sociedade civil. Isto é, pretendemos uma discussão que possa abarcar as duasfaces desse Estado, a política e a civil.

1 Mestra em Educação, Professora da disciplina Sociologia da Educação, lotada no Departamentode Pedagogia do Campus Universitário de Cáceres e coordenadora do curso de Pedagogia dasLicenciaturas Plenas Parceladas, Unemat, doutoranda em Educação.2 Em sua maior parte integrante da Dissertação de Mestrado em Educação A formação de profes-sores – no balanço da rede entre políticas públicas e movimentos sociais, apresentada na UFRGSem fevereiro de 2002.

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Contar uma história a partir de uma única perspectiva é correr o risco de tornarlinear o que não é, pois a história é movimento, é multifacetada e constitui-se através deembates e conflitos. Assim, falar de movimentos sociais é, ao nosso ver, um contraponto,uma outra face, uma outra perspectiva sob a qual também se constitui e se pode contar amesma, ou outra história. Estamos cientes de que na maioria das vezes o Estado é perce-bido como algo monolítico e se usa indiscriminadamente “Estado” quando se fala dasações do governo que o assume enquanto instituição política; é o que ocorre quandodizemos políticas do Estado por exemplo. Desta maneira, esclarecemos aqui que estare-mos utilizando os conceitos gramscianos de sociedade política e civil, componentes doEstado, quando desejarmos destacar aspectos diferenciais de uma ou de outra dessasesferas.

1. O Estado: onde se faz visível a sociedade política

Concordamos com Hölfing quando diz que a concepção de Estado é fundamentalpara a compreensão das políticas que ele implementa em determinada sociedade, emdeterminado período histórico. E aproveitamos a distinção que ela faz entre Estado egoverno para iniciar nossa discussão acerca deste tema. Segundo a autora, o estado é

o conjunto de instituições permanentes – como órgãos legislativos,tribunais, exércitos e outras que não formam um bloco monolíticonecessariamente – que possibilitam a ação do governo” e este é oconjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos,técnico, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a soci-edade como um todo. (2001: 2)

Compreendemos, desta maneira, que o governo é responsável pelos aparelhos doestado e através deles encaminha e operacionaliza suas propostas na tentativa de materi-alizar sua concepção de sociedade, ou seja, o grupo (classe) que assume o governo traba-lha no sentido de impor seu projeto social a toda a sociedade através do uso das institui-ções que ficam a seu encargo. Assim as políticas públicas são a expressão desse projeto.

Para Gramsci

estamos sempre no terreno da identificação de Estado e Governo,identificação que é, precisamente, uma representação da formacorporativo-econômica, isto é, da confusão entre sociedade civil esociedade política, uma vez que se deve notar que na noção geralde Estado entram elementos que devem ser remetidos à noção de

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sociedade civil (no sentido, seria possível dizer, de que Estado =sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçadade coerção). (2000: 244)

Nesse sentido falar de Estado e de suas políticas implica em compreender que elese compõe de duas faces e que elas se complementam. A sociedade civil é lugar onde seluta pela hegemonia, mas também onde se sofre as conseqüências da coerção à base daforça pela sociedade política, quando esta não obtém o consenso necessário para gover-nar.

Em outro texto o próprio Gramsci, ao discutir liberalismo e sindicalismo, afirmaque esta distinção é recurso de método:

No primeiro caso[do liberalismo] especula-se inconscientemente(por um erro teórico no qual não é difícil identificar o sistema)sobre a distinção entre sociedade política e sociedade civil e seafirma que a atividade econômica é própria da sociedade, e a soci-edade política não deve intervir na sua regulamentação. Mas, narealidade, essa distinção é puramente metodológica, não orgânicae na vida concreta histórica, sociedade política e sociedade civilsão uma e mesma coisa. (Caderno 4, parágrafo 38)

Uma visão de senso comum a respeito de Estado certamente se aproximaria dascaracterísticas de instituições sociais descritas por Berger e Berger (1994: 193). Segundoesses autores, uma instituição social pode ser percebida pelo seu caráter de exterioridade(algo que está fora do indivíduo, que independe de seus sentimentos ou pensamentos arespeito), de objetividade (cuja existência é admitida por todo ou quase todo o gruposocial), de coercitividade (tem poder sobre o indivíduo e o exerce tanto pelo convenci-mento quanto pela força), de autoridade moral (pela legitimidade que lhe é conferida) ede historicidade (tem uma história construída em certo período de tempo que lhe dárespaldo entre os membros de uma sociedade).

O Estado não é uma entidade visível, palpável, nossas relações com ele se dãoatravés de várias agências, geralmente burocráticas cujas características se vinculam aformas de governo específicas, donde a facilidade em se tomar um pelo outro, Estado eGoverno. É através daquelas agências ou dos efeitos das políticas públicas que podemosperceber as ações do Estado. Com certeza, as características enumeradas por Berger nossão conhecidas dada a relação que temos, como todo cidadão, com os aparelhos queservem ao Estado. Mas essa experiência não basta para a compreensão do que seja oEstado ou de como ele está imbricado na vida em sociedade.

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Vemos na última característica citada, a da historicidade, a possibilidade de inici-ar um processo de compreensão do que seja a instituição social Estado. Estamos nospropondo a expor algumas idéias básicas de alguns dos “teóricos do Estado”, a fim detentarmos visualizar os fundamentos e filosofias em que historicamente se basearam asconcepções de Estado e estabelecer uma aproximação do que presenciamos enquantoEstado hoje.

1.1. Em busca dos fundamentos filosóficos do conceito de Estado

Para falar do Estado, numa perspectiva filosófica, podemos utilizar alguns pensa-dores dos séculos XVII e XVIII, conforme faz Nilda T. Ferreira, em seu livro Cidadania3,no qual sua escolha recai sobre Hobbes, Locke e Rousseau pelo fato de a partir de suasidéias ser possível discutir três princípios que fundamentam as teorias liberais tão pre-sentes na atualidade: Estado, mercado e comunidade. A seguir tentaremos sintetizar al-gumas das idéias desses pensadores expostas pela autora citada.

Para falar de Hobbes4 podemos iniciar com a frase comumente atribuída a ele: ohomem é o lobo do homem. Isto é, na ânsia de dar vazão aos seus instintos naturais e debuscar o melhor para si mesmo, o homem é capaz de qualquer coisa, este é o seu estadonatural. E por isso precisa reconhecer as vantagens de ter, acima da sociedade, um Estadoforte e soberano que se contraponha ao Estado Natural da humanidade (o Estado Civil)capaz de organizar e garantir a vida em sociedade, capaz de através de sua autoridadegarantir os interesses particulares na esfera pública (o que se torna bandeira do liberalis-mo). Segundo esse autor, o Estado, nem procede de uma instituição divina, nem temorigem natural, é criação humana tal e qual as leis. Homens constroem o Estado para sedefender dos outros homens. Sendo um ser de natureza social e dotado de razão, o ho-mem avalia seus interesses e em nome deles aceita a soberania do Estado, ciente de que oisolamento implica em vulnerabilidade. O homem não é movido por um sentimento es-pontâneo de cooperação, mas reconhece a vantagem de pertencer a uma organização.Nesse sentido, Hobbes diz que os homens reconhecem a necessidade do fator de coerçãono Estado, pois só a existência de punições os obriga a cumprir as leis. “O Estado Civil éa esfera pública onde os interesses particulares se realizam graças à existência de umaautoridade soberana que garanta a paz em troca de subordinação”. (FERREIRA, 1993:

3 Ver bibliografia.4 Hobbes, Thomas(1588-1679) filósofo político inglês, escritor de Leviatã, defensor do governoabsoluto a partir da renúncia dos direitos de cada um em favor de um soberano, a fim preservar aordem, tendo em vista que o “estado de natureza” do homem levaria a conflitos constantes.

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5 Locke, John.(1631-1704). Filósofo e político liberal inglês.. Defendia a idéia de que direitoscomo a vida e propriedade são inerentes ao homem e que a vida em sociedade se baseia em umcontrato social que visa a garantia daqueles.

63). Dessa forma, surge um pacto entre os indivíduos que concedem poderes ao Estado econseqüentemente criando uma modalidade de igualdade entre os indivíduos, a igualda-de frente ao Estado Civil, todos os governados são iguais em direitos e deveres.

Se fôssemos pensar em termos de cidadania em relação ao pensamento de Hobbespoderíamos encontrar um possível sustentáculo para tal idéia na igualdade frente ao esta-do que a concessão de poderes dos indivíduos ao soberano provoca. Mas são direitos dever garantida a manutenção da situação dos indivíduos, isto é, seus “direitos naturais”, oque não implica em garantir outra forma qualquer de igualdade e nem tampouco departicipação, pois os indivíduos cedem seus direitos nesse campo a um Estado.

Um segundo pensador, reconhecido como fonte do pensamento liberal, Locke5,insiste na idéia de que o os homens fazem um pacto, cedem sua liberdade em função davida em sociedade, um contrato social entre homens antes isolados em seu estado denatureza, mas, diferentemente de Hobbes, ele afirma a existência de uma moral naturalque diz ao Homem para não prejudicar seus semelhantes. A própria razão lhe ensinariaisso. Apesar dessa moral natural, surge a desigualdade entre os homens a partir de umacriação humana: o dinheiro. Até então o trabalho de cada indivíduo era a essência de suapropriedade, mas com as trocas, que são legítimas, pois esse é um princípio do mercado,a possibilidade de propriedade passa a ser sem limites e isso os torna desiguais. SegundoLocke, o que importa é garantir a liberdade individual para participação de cada um nomercado. Para ele não há diferenças de classes, não há diferenças entre aquele que vendeo produto de seu trabalho ou o que vende a própria força de trabalho, importante é agarantia da liberdade de participar do mercado, componente da esfera privada, que éautônoma. Essa autonomia é valor inerente à cidadania civil. “A cidadania aparece comouma metamorfose na qual o indivíduo concreto se torna um ser abstrato, impessoal e, porisso mesmo, igual a todos os outros”. (Ferreira, 1993: 87), uma igualdade diante da lei. Opacto para que o Estado garanta a vida social não elimina os direitos naturais dos indiví-duos, eles continuam existindo inclusive para que possam controlar e limitar o poder dosoberano, pois esse é um poder consentido, pressupõe credibilidade e expectativas, não éilimitado como afirmava Hobbes. Nesse caso, a possibilidade de uma democracia diretano que diz respeito à legislação seria o instrumento de controle dos indivíduos sobre oEstado e a cidadania seria garantida por essa igualdade impessoal diante dele. Não sequestiona condições de participação ou de entrada no mercado.

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Rousseau6 é o terceiro pensador do qual trazemos algumas idéias a respeito deEstado. Para começar é preciso dizer que também para esse autor havia uma diferençaentre o estado natural dos homens e o estado civil, e a passagem de um para o outro sóseria/era possível mediante uma convenção. Mas Rousseau apresenta uma idéia de estadonatural que tem sido considerada romântica, pois àquele estado estariam ligadas algumasvirtudes humanas. Para ele, o homem é naturalmente pacífico, livre e piedoso, o interessede cada um é o interesse da comunidade, onde não há distinção do público e do privado.A sociedade civil teria surgido a partir da idéia de propriedade, que segundo Rousseau éum engano, e com ela surgira a desigualdade entre os homens. O pacto social que gera oEstado, gera uma ordem social legalmente constituída mas cujos dirigentes não têm auto-ridade legítima, donde a necessidade de os governos recorrerem à força e à coerção paragarantir a existência do grupo. A lei vem para legalizar o que naturalmente é ilegal,aquilo que não corresponde ao Estado natural. A coerção só seria válida se ocorresse emfunção do interesse da comunidade, pois a vontade geral seria o amálgama da coesãosocial e, quanto ao mercado, jamais poderia ser autônomo. Para Rousseau o cidadão éaquele que inibe sua inclinação a centrar-se em si mesmo e encontra plenitude na experi-ência política em favor da comunidade. É nesse sentido que o pensador valoriza a educa-ção, ela é fundamental para a formação do cidadão, pois a sociabilidade só se desenvolveem sociedade e a politização pode resgatar a força de comunidade que tem como princí-pios a igualdade, a justiça, a liberdade, a identidade e a comunhão. Seria preciso umamobilização política constante para se exercer a cidadania.

No pensamento desse autor já se anunciam algumas idéias que fundamentariamconceitos posteriores de cidadania: a igualdade, a liberdade, a justiça, no entanto em suasidéias essas noções estariam vinculadas a um estado natural dos indivíduos e, portanto,não precisariam ser colocadas em discussão como direitos a serem defendidos ou garan-tidos por um Estado, apenas trabalhados pela educação.

Os três pensadores apresentados trazem aspectos que podem contribuir com algu-mas questões por nós colocadas quando diante do problema da relação do Estado com aspolíticas públicas e a sociedade civil e seus movimentos. A concepção que se tem hoje doque seja o Estado na sociedade contemporânea está ligada a algumas dessas idéias: umainstituição dotada de poder coercitivo, que tem como função garantir a livre presença dosindivíduos no mercado e seus direitos políticos de participação na concessão de poderes a

6 Rousseau, Jean-Jacques. (1712-1778) filósofo social e político franco-suíço. Escreveu Do contra-to social (1762) onde defendia a idéia da necessidade de um estado soberano controlado por umaforma de democracia direta para garantir a “vontade geral”.

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quem assume a condução política da sociedade. Por outro lado, os movimentos sociaisparecem se pautar em princípios de comunidade e lutar por uma cidadania política quecontenha a idéia de uma participação, que possibilite uma forma de igualdade além dosdireitos fundamentais, o que provoca modificações na concepção de Estado.

1.2. Abordagens históricas da constituição do Estado

Em uma perspectiva histórica poderíamos nos valer de inúmeros outros pensado-res e seus estudos acerca da origem, do desenvolvimento e do papel do Estado, mas paraos fins deste trabalho basta que apresentemos de maneira bem resumida alguns pontos devista, apenas para ilustrar as abordagens possíveis sobre o mesmo tema.

O Estado, na forma mais aproximada da que concebemos hoje no mundo ociden-tal, tem sua origem na Idade Moderna. A partir do século XV o Estado passou a ser aúnica instituição com monopólio legítimo da força, assim como a única a prestar serviçospúblicos. O desenvolvimento do capitalismo comercial e o fim das relações feudais trou-xeram consigo o reforço da proposição da não intervenção estatal na economia. Amodernidade e o racionalismo levaram a uma busca de justificativa e de legitimaçãoracionais do Estado orientados pelo pensamento liberal. Hobbes e Locke têm sido seuspensadores mais reconhecidos por defender a idéia, conforme já vimos, de que o Estadodeve ser absoluto a fim de garantir a liberdade individual, a propriedade e a paz para arealização de negócios, ou seja a idéia de um Estado que garanta o mercado livre. Base-ado na distinção entre a esfera pública e a esfera privada, o mercado e os negócios perten-cem à esfera privada na qual o Estado não dever interferir. Este tipo de pensamentoacerca de Estado acaba por lhe conferir um papel de atuação efetiva nas relações entre osmembros da sociedade, pois a noção de público garante-lhe um espaço próprio em quesua presença e poder são reconhecidos como legítimos.

Uma característica fundamental do poder político no Estado moderno é a legitimi-dade. Max Weber7, ao estudar as relações de poder e de dominação afirmou que essalegitimidade pode vir da tradição, do carisma ou por racionalidade (no sentido de eficá-cia). Neste último fator se encontraria a legitimidade do Estado moderno. Dessa maneira,ao Estado são delegadas as funções de administração da prestação de serviços públicos eo monopólio legítimo da força, ficando a seu encargo também os exércitos. Segundo

7 Weber, Max .( 1864-1920) sociólogo alemão, um dos fundadores da sociologia. Autor de Econo-mia e sociedade (entre outros) defendia a idéia de uma sociologia compreensiva, isto é, que bus-casse interpretar e explicar o comportamento social.

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Bobbio (1987), nas monarquias, estados estamentais, a legitimidade fundamentava-se natradição de um compromisso do monarca com o povo, mas em estados com forma demo-crática de governo o princípio da legitimidade passa a se fundamentar no consenso. Arepresentatividade seria a característica marcante sobre a qual repousaria a possibilidadedesse consenso, questão bastante relevante e polêmica na atualidade, mas que não noscabe neste momento discutir8.

Uma outra visão, de caráter filosófico, sobre o Estado é a de Hegel9: o Estado seriao fundamento da sociedade, a expressão racional da vontade coletiva por meio da moral,do direito, da política, expressão do espírito objetivo que se realiza no campo da cultura.O Estado superaria a contradição entre o público e o privado, pois a sociedade civil, lugardas atividades econômicas é onde prevalecem os interesses privados, traz em si rivalida-des que implicam na necessidade de soberania do Estado. Este, por sua vez, busca o bemcoletivo, os interesses públicos e universais, à medida em que é expressão da razão.

Uma outra interpretação de fundamentação econômica para o surgimento do Esta-do foi desenvolvida por Engels10 para quem é a propriedade privada que dá origem ànecessidade do Estado: a propriedade gera a divisão do trabalho que provoca a divisão dasociedade em classes e assim nasce o poder político. O estado surge então para manter odomínio de uma classe sobre a outra, recorrendo inclusive à força para impedir a anar-quia permanente.

Com o nascimento da propriedade individual nasce a divisão dotrabalho, com a divisão do trabalho a sociedade se divide em clas-ses, na classe dos proprietários e na classe dos que nada têm, coma divisão da sociedade em classe nasce o poder político, oe, cujafunção é essencialmente a de manter o domínio de uma classe so-bre outra recorrendo inclusive à força, e assim a de impedir que asociedade dividida em classes se transforme num estado perma-nente de anarquia (BOBBIO, 1987: 74).

Na mesma vertente de pensamento, Marx11 , concordando com Engels, afirma que

8 Para ampliar essa temática ver Bobbio, bibliografia final.9 Hegel, George Wilhelm Friedrich (1770-1831) filósofo, alemão, teórico da dialética, autor deFenomenologia do Espírito (1807), considerava o mundo como a evolução do espírito em direçãoà racionalidade. Segundo ele o racional é o real10 Engels, Friedrich (1820-1895) filósofo alemão, parceiro de Karl Marx em idéias e publicações.Autor de A origem da família, da propriedade e do estado, entre outros.11 Marx, Karl (1818-1883) cientista social, filósofo e revolucionário alemão. Conhecido por inú-meras obras entre elas O capital, Contribuição à crítica da economia política. Crítico do sistemacapitalista e teórico das lutas de classe, defensor do fim do Estado e da sociedade comunista.Grande parte dos conceitos da Sociologia têm sua origem no pensamento de Marx.

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o que confere poder ao Estado é a dominação de classe, ele (o Estado) é o reflexo dascontradições da sociedade civil e está a serviço da classe dominante, não possui um inte-resse próprio no bem comum como supunha Hegel, ao contrário, defende os interesses deuma classe, garantindo sua dominação sobre outra. Essa dominação só chegaria ao fimapós a revolução da classe trabalhadora o que levaria ao fim da instituição Estado.

Gramsci12 é o autor que avança na compreensão marxista do papel do Estado aotrabalhar com conceito de hegemonia e ao propor que se considere, como um recursometodológico, o Estado subdividido em duas esferas:

A sociedade política na qual se encontra o poder repressivo da clas-se dirigente (governo, tribunais, exército, polícia) e a sociedadecivil, (constituída pelas associações dita privadas) na qual essa classebusca obter o consentimento dos governados, através da difusão deuma ideologia unificadora destinada a funcionar como cimento daformação social (GRAMSCI apud FREITAG, 1984: 37).

Para a manutenção do Estado, dessa estrutura de poder, faz-se necessária a junçãoda sociedade civil, onde se expressa a persuasão e o consenso, com a sociedade política,detentora dos meios de repressão e da violência. A dominação do Estado pode ser obtidaatravés da hegemonia na esfera da sociedade civil e/ou através da ditadura, uso de força,pela sociedade política. A hegemonia é conseguida através dos aparelhos ideológicos doEstado, daí a grande importância atribuída às escolas e à educação em geral.” O Estadotem e pede consenso, mas também “educa” este consenso através das associações políti-cas e sindicais que porém, são organismos privados, deixados à iniciativa privada daclasse dominante” (GRAMSCI, 2000: 19).

Segundo Gramsci a luta política pode então se travar na esfera da sociedade civil,que ele considera um lugar de livre circulação de ideologias. A classe dominante, pormeio de seus intelectuais orgânicos, elabora e faz circular suas ideologias em busca dahegemonia, inclusive pelas políticas públicas que implementa. Usando conceitos desteautor poderíamos dizer que a educação seria o mecanismo de transformação da filosofiada classe hegemônica em senso comum das classes subalternas, sob controle do Estado,quando este assume a educação como coisa pública.

No entanto, “o pequeno grau de liberdade que necessariamente precisa haver na

12 Gramsci, Antonio (1891-1937) teórico social, socialista revolucionário italiano, cuja obra seconstitui na maior parte por trechos escritos enquanto esteve preso na Itália durante o governo deMussolini. Cadernos do Cárcere, publicados postumamente. Seu conceito de hegemonia inovou apercepção marxista da luta de classes.

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sociedade civil, para se conseguir a dominação pelo consenso e garantir a hegemonia daclasse no poder é a chance da liberação da classe subalterna”. (FREITAG, 1984: 42). Ouseja, na luta pela hegemonia há um espaço que pode ser ocupado pelas classes subalter-nas, pois elas também possuem seus intelectuais orgânicos que, por sua vez, trabalhamnesse sentido, produzindo uma contra-ideologia. Essa idéia nos parece fundamental nosentido de reafirmar que o jogo de forças é constante nas relações políticas e que hámovimentos originados na sociedade civil e que podem colocar em cheque a sociedadepolítica, alterando suas ações ou subvertendo mesmo as relações de poder estabelecidas.

O Estado é certamente concebido como organismo próprio de umgrupo, destinado a criar as condições favoráveis à expansão máxi-ma desse grupo, mas este desenvolvimento e esta expansão sãoconcebidos e apresentados como força motriz de uma expansãouniversal, de um desenvolvimento de todas as suas energias “naci-onais”, isto é, o grupo dominante é coordenado concretamente comos interesses gerais dos grupos subordinados e a vida estatal é con-cebida como uma contínua formação e superação de equilíbriosinstáveis (no âmbito da lei) (...) em que os interesses do grupodominante prevalecem, mas até um determinado ponto, ou seja,não até o estreito interesse econômico-corporativo (GRAMSCI,2000: 41-42).

Essas concepções de Gramsci parecem permitir uma análise da participação dosmovimentos sociais no sentido de criação e implementação de outras possibilidades derelações sociais que não aquelas impostas de cima para baixo, da classe dirigente para asubalterna, da sociedade política para a sociedade civil.

1.3. O Estado na sociedade contemporânea

Conforme afirma Torres (2000: 109) e o que estamos tentando expor, as análises arespeito de Estado podem ser feitas sob diversos enfoques: o da política liberal, onde oque importa é a soberania do Estado e uma noção de cidadania com base na liberdade eigualdade individuais (todos iguais ante o Estado); sob o enfoque da democracia liberal,cujo aspecto prioritário seria a representação política e a responsabilização, os acordosdo pacto democrático de governo que levam ao controle desde os próprios indivíduos atémesmo ao controle do Estado. Ou ainda na ótica marxista , na qual o Estado é órgão depoder e coerção e as relações que se estabelecem a partir dele são de dominação, mesmocom obtenção de consenso e representação. Ou na perspectiva da sociologia política de

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Weber, onde importa analisar os mecanismos institucionais do Estado, o exercício deautoridade do Estado através desses mecanismos. Ou, acrescentaríamos ainda, sob a óticade Gramsci na qual o foco é a luta pela hegemonia e consenso, o que possibilita espaçopara reações e transformação.

São as diferentes formas de governo e suas respectivas ações que dão visibilidadeao Estado e estas têm estreitas relações com os sistemas econômicos, assim, o que temguiado diretamente essas formas de ser do Estado na sociedade ocidental é o desenvolvi-mento e a mutação constante do capitalismo. O desenvolvimento do mercantilismo e oinício da industrialização, aliados ao racionalismo da modernidade possibilitaram ahegemonia das idéias liberais: um Estado não intervencionista, o mercado livre para seauto-regular.

“A idéia do estado liberal centra-se na noção de poder público separado, ao mes-mo tempo, tanto do governado quanto do governante, e que constitui suprema autoridadepolítica dentro de limites precisos” (Torres, 1995: 109). Idéia que traz como conseqüên-cia a visão de um Estado neutro, que fosse capaz de trabalhar pelo bem comum, idéia quefundamenta a legitimidade dada ao Estado com base em sua competência.

Conforme já vimos, o pensamento liberal se caracteriza por essa separação dasinstâncias do público e do privado, por reduzir a intervenção do Estado no campo indivi-dual, considerando que as questões relativas ao mercado são pertencentes ao campo doprivado. Pode-se falar de liberalismo ético, liberalismo político (contra o absolutismo,pelo contratualismo por consentimento), voto, representação, autonomia dos poderes elimitação do poder central; liberalismo econômico (defesa da propriedade privada dosmeios de produção, livre iniciativa, competição, Estado mínimo, equilíbrio que vem dalei de mercado). Mas a grande contradição com a qual o Estado se depara é promoversimultaneamente o acúmulo de capital e a manutenção da legitimidade do sistema capi-talista e, nesse sentido, seu papel é de mediador de crises e de contradições.

Para o liberalismo clássico o Estado deveria deixar o mercado livre para a auto-regulação, mas as experiências históricas levaram ao liberalismo de cunho social, que sepropôs a rever o papel do Estado na economia, intervir na produção e distribuição de bense garantir no mínimo serviços sociais de segurança, assistência ao trabalhador.

As diferentes opções em matéria de políticas estão ligadas às diferentes visões deEstado. E a democracia como forma de governo vem justificar a legitimidade do Estadoatravés da participação via representação, cujo risco é o de se ter apenas uma garantiaformal dessa participação.

Já no século XX o papel do Estado foi sendo revisto com o desenvolvimento docapitalismo e a organização da classe trabalhadora contestando sua não participação nas

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vantagens do desenvolvimento produtivo, com a necessidade de manutenção da reprodu-ção das forças produtivas e as dificuldades enfrentadas pelo próprio mercado. Dentro dopensamento liberal foram ganhando espaço as questões sociais, e o Estado cumprindoum papel que lhe era conferido, de mediador passou a gestor. Surgiram os Estados debem-estar social. O Estado assumiu para si a tarefa de intervir na produção e garantiralguns serviços sociais aos trabalhadores, através das chamadas políticas públicas soci-ais.

O Estado de bem estar social representa um pacto social entre o trabalho e ocapital, onde se busca garantir as condições de produção e reprodução do capital adotandopolíticas sociais que garantam também mínimas condições para o trabalhador. A esferapública passa a assumir tarefas relativas à educação, saúde, moradia, lazer... retirando-asdo campo do mercado. Por outro lado participar do mercado assumindo inclusive o con-trole de produção de alguns setores da economia

Caracteriza-se pela emergência de uma intensa e progressiva inter-venção planejada da economia para evitar a fúria da desordem pro-duzida pelo mercado. O Estado passou a ter controle de áreas estra-tégicas – petróleo, energia, minérios, telecomunicações – tornan-do-se, ele próprio, um produtor e a implementar uma série de im-postos progressivos para poder estimular determinados setores comsubsídio, garantir as condições gerais de funcionamento da produ-ção capitalista e, também, dar resposta à crescente organização daclasse trabalhadora que reivindicava direitos sociais num contextode ampliação do bloco socialista (FRIGOTTO, 1996: 81).

Vários autores têm citado a década de 1960, no Brasil, como marco do desenvol-vimento do mercado interno e período de substituição das importações. Este períodocoincide com o chamado Estado ditatorial, sob regime de governo militar e caracteriza-sepelo intervencionismo do Estado na sociedade civil. Conforme afirma Torres (2000),este tipo de Estado foi responsável, em toda a América Latina, pela modernização dasociedade e da cultura e exerceu atividades protecionistas na economia.

O que podemos notar é que no Brasil não chegamos a ter um Estado liberal radicale nem tampouco um Estado de bem estar social. No entanto, acompanhando o processode globalização e sofrendo suas influências, o Estado brasileiro está entrando em umaoutra fase, onde contraditoriamente, no campo econômico a tendência é adotar os princí-pios neoliberais, entretanto no campo social não se deixou, e até se tem implementadomaciçamente, políticas públicas de cunho liberal democrata, cujos princípios estariamligados a um Estado de bem estar. No entanto, as condições sociais de produção e as

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relações sociais em nosso país não possibilitam a implementação desse tipo de Estado, oque deixa a situação sob uma espécie de camuflagem.

O papel do Estado vem sendo sobretudo o de garantir a manutenção das relaçõescapitalistas em seu conjunto e não só os interesses do capital (Offe:1989). Mas as crisesno capitalismo são sucessivas e a crise mais atual tem gerado inúmeras críticas às políti-cas públicas, responsabilizando-as pela sobrecarga ao Estado, o que geraria sua inoperância.

O Estado-Nação vem sendo cada vez mais destituído de poder paraexercer controle sobre a política monetária, definir o orçamento,organizar a produção e o comércio, arrecadar impostos de pessoasjurídicas e honrar seus compromissos visando proporcionar benefí-cios sociais.Em suma, o Estado-Nação perdeu a maior parte de seupoder econômico, embora detenha ainda certa autonomia para oestabelecimento de regulamentações e relativo a controle sobre seussujeitos (CASTELLS, 2000: 298).

Numa tentativa de volta aos princípios do liberalismo clássico, surge o que se temdenominado de neoliberalismo, corrente de pensamento geradora de ações políticas eeconômicas que também se pauta na não intervenção do Estado no mercado, defendendoa idéia de Estado mínimo. Ao Estado cabe a função de arbitrar e não de regular os confli-tos que possam surgir na sociedade civil, seu princípio básico é a liberdade para todos osindivíduos participarem do mercado; proprietários e trabalhadores é que devem estabele-cer suas relações. O mercado passa a ser o elemento determinante de todas as relações.Sob essa ótica, as políticas sociais de cunho protecionista seriam entraves à liberdadeproclamada. Há que se pensar sobre qual o espaço para o público13 nesse tipo de pensa-mento.

Para Gentilli o neoliberalismo é um complexo processo de construção hegemônicaque se implementa tanto por reformas econômicas, políticas, jurídicas como por estraté-gias culturais que visam legitimar as reformas propostas. O neoliberalismo tem dadoênfase à dimensão cultural da hegemonia pois, compreende que essa dimensão é umespaço de construção política. Com sua retórica tem trabalhado em função da reconstru-ção discursivo–ideológica da sociedade, a construção de um novo senso comum tendo porbase princípios neoliberais (1996: 11). Esses princípios já haviam sido enumerados porHayek14 na década de 1970 e só recentemente têm ganhado espaço.

13 J.Gimeno Sacristán faz discussão pontual e muito interessante sobre isso no texto Educaçãopública: um modelo ameaçado. in:Escola S.A. ver bibliografia.14 Hayek, Friedrich August von. (1899-1992) economista e cientista político de origem austríaca.

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No que diz respeito às políticas educacionais, por exemplo, há uma transferênciasem mediação de princípios empresariais para o campo educacional. A educação é consi-derada mais um produto em oferta no mercado e nesse sentido precisa se adaptar a umaoutra lógica, a da mercadoria. E as novas políticas são justificadas por uma vasta argu-mentação. É preciso uma “reforma administrativa, para garantir a qualidade dos servi-ços, para isso é também necessário reformar currículos e atualizar professores. A educa-ção funciona mal porque foi marcadamente penetrada pela política, porque foi profunda-mente estatizada”. (GENTILLI, 1996: 18-19). Práticas coletivistas devem ser substituí-das por um sistema meritocrático. Noções equivocadas de direitos, igualdades, enfim decidadania fizeram com que se desprezasse o valor individual da competição e para umasociedade comandada pelo mercado isso é primordial. “O modelo de homem neoliberal éo cidadão privatizado, o “entrepreneur”, o consumidor” (id, p.21) o que se vê é amaterialização de um profundo individualismo no campo das relações sociais(FRIGOTTO, 1996: 87).

A ideologia mais veiculada pelo neoliberalismo é a de que não há nenhuma outrasaída para o mundo a não ser ajustar-se ao processo de globalização. Esse ajuste se dariapela desregulamentação, um Estado mínimo, um mínimo de direitos garantidos aos tra-balhadores, o mercado regulando todas as relações sociais. Isso leva à privatização oumercantilização dos direitos sociais garantidos pelo Estado de bem estar ou, no caso doBrasil, pela Constituição. (id., p.84 - 85)

Em suma, a visão comum que se tem é de que o poder do Estado se baseia em forçae coerção legítimas sobre a sociedade civil, e que sua exterioridade e objetividade o tor-nam uma instituição “imóvel”, não fugindo da definição de instituição social de Berger(1997). Também já é parte do senso comum, o poder de dominação de classe do Estado,mas o que pretendemos estar demonstrando durante este trabalho é a existência da possi-bilidade de uma contra-hegemonia, como afirma Gramsci. A sociedade civil não se pautaem definições acadêmicas de Estado para agir, para se organizar, para reivindicar, masem sua experiência histórica, absorve e/ou re-significa vários conceitos referentes a suasrelações com o Estado tais como: direitos, deveres, participação, representação e cidada-nia entre outros, cujas representações podem ser percebidas em seus movimentos.

2. Movimentos sociais e resistência: a sociedade civil em ação

Defensor da idéia de Estado-mínimo, do liberalismo econômico e da economia de livre mercado,condena a democracia social e o estado de bem-estar como precursores do totalitarismo. EscreveuO caminho para a servidão (1944).

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Ao utilizarmos o pensamento de Gramsci em nossas análises, nos armamos de umconceito de Estado que distingue a sociedade política da sociedade civil. Tal conceito nosinteressa aqui, reafirmamos, no sentido de possibilitar uma observação a respeito dasações concretas que essa sociedade denominada por ele de civil desencadeia. Ações degrupos privados, provenientes de fora das instituições públicas, oriundas de organizaçõessociais onde se trava constantemente a luta pela hegemonia, onde se constituem as ideo-logias e contra-ideologias. Por isso, tratamos também de movimentos sociais; conformeexplicitamos a seguir, consideramos como a outra face: a sociedade civil em ação.

Tendo em vista a idéia de que às ações do Estado estão imbricadas as ações dasociedade civil, apresentamos a seguir algumas idéias acerca de movimentos sociais, quepoderiam ser considerados então como a outra face dessas relações.

Alain Touraine apresenta-nos a possibilidade de estudar os movimentos sociaiscomo condutas coletivas de historicidade, isto é, “a ação conflitante de agentes das clas-ses sociais lutando pelo controle do sistema de ação histórica” (1997: 335). Para esclare-cer sua afirmação, Touraine explica que um movimento social é diferente de uma condutacoletiva gerada por uma crise organizacional, por exemplo, pois só o movimento socialimplica em “luta contra um adversário e pelo controle da mudança” (id., p.338) e nãoapenas por maior participação em um mesmo sistema. Os movimentos sociais caracteri-zam-se por questionar a dominação do sistema de ação histórica, isto é, “o controle dodesenvolvimento social” (id., p.345).

Para esse autor a definição de movimentos sociais se faz através da combinaçãode três princípios: de identidade, de oposição e de totalidade. Quanto à identidade, eleentende que a prática das relações sociais situa e define o movimento; no conflito o grupoafirma ou constrói sua solidariedade e “é esta expressão de si que faz aparecer o princípiode identidade” (id., p.346) . No que diz respeito ao princípio de oposição, só é possívelfalar de um movimento social se for possível definir um contra-movimento ao qual ele seopõe, e é no conflito que surge o adversário. Esse conflito, segundo Touraine, “é semprevivido como um conflito de classes” (id., p.346) E a totalidade se manifesta quando maisdo que uma posição contra o adversário, mais do que se definir pelo conflito, o movimen-to expressa sua oposição ao sistema como um todo, quer dizer vislumbra a possibilidadede uma alternativa para o desenvolvimento social.

Mas o autor faz um alerta: os movimentos sociais não são sempre totais e assimpode não ser possível definir seus participantes por classes. Um movimento regional oucultural pode ser manifestação de um movimento social. Para ele:

O essencial é reconhecer que um movimento social não é a expres-

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são de uma contradição: ele faz explodir um conflito. É uma condu-ta coletiva orientada, não no sentido de valores da organização so-cial ou no da participação em um sistema de decisão, mas no senti-do do que está em jogo nos conflitos de classe, isto é, do sistema deação histórica (TOURAINE, 1997: 348).

É importante ressaltar ainda a respeito do pensamento de Touraine sobre os movi-mentos sociais que, em sua visão, eles não poderiam existir em sociedades totalitárias,pois é preciso haver uma certa autonomia por parte das instituições políticas, isto é,concomitantemente à dominação de classes na sociedade, é preciso haver a possibilidadede limitação dessa dominação através da “resistência e autonomia da atividade técnica epela oposição dos próprios trabalhadores” (id., 1997: 365).

Compreendemos tal afirmativa no sentido de que os movimentos sociais seriam amanifestação dessa resistência possível por parte da sociedade, independente do tipo dedominação a que esteja submetida (desde que não seja total); em especial referimo-nos aosistema capitalista, predominante na sociedade contemporânea. Parece-nos possível apro-ximar tal idéia do pensamento de Gramsci de que em busca da hegemonia as classesdirigentes precisam obter o consenso e não fazer uso apenas da violência e, para tanto, énecessário um espaço de opções (nem que seja mínimo e se pretenda monitorá-lo) para osdominados. E é nesse espaço que está a possibilidade de uma contra-hegemonia paraGramsci ou uma resistência para Touraine.

Segundo Castells, pensador espanhol contemporâneo, a questão da identidade émais marcante do que aparece no pensamento de Touraine. Ela é o elemento aglutinadorde grupos e movimentos sociais e não apenas um dos princípios desses. A sociedadecontemporânea e suas características estão levando a identidade a ser aspecto centraldessa questão.

Há um movimento conflitante, conforme afirma Castells, entre tendências deglobalização e de identidade. A sociedade em redes caracteriza-se, entre outras coisas,pela globalização induzida pela tecnologia, em especial aquela que se refere à informa-ção; pelo surgimento de novos movimentos sociais, principalmente os relacionados àidentidade e pelo novo papel das instituições do Estado nas relações. Os movimentossociais e as políticas são resultantes dessa interação entre a globalização, o poder deidentidade e as instituições de Estado. Para Castells, considera-se como movimentossociais as “ações coletivas com um determinado propósito cujo resultado, tanto em casode sucesso como de fracasso, transforma os valores e instituições da sociedade” (2000:20).

Podemos observar na sociedade contemporânea inúmeros movimentos que se arti-

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culam em torno de identidades e que, segundo o mesmo autor, são expressões poderosasde identidade coletiva que desafiam a globalização em função da singularidade cultural edo controle das pessoas sobre suas próprias vidas e ambientes. Sua tese é de que o proces-so de globalização tecnoeconômica que vem moldando nosso mundo está sendo contesta-do e será, em última análise, transformado, a partir de uma multiplicidade de fatores, deacordo com diferentes culturas, histórias e geografias.

O contexto da sociedade em redes é que favorece o surgimento de identidades e deacordo com Castells elas poderiam ser compreendidas, para efeito de estudo, consideran-do sua dinâmica com o contexto histórico, em três formas e origens distintas: a identida-de legitimadora, que teria na sua origem as instituições dominantes, como é o caso dealguns nacionalismos; a identidade de resistência, cujos atores seriam aqueles que estãoem posições dominadas na sociedade e para sobreviver resistem e organizam sua vivênciaem princípios diferentes dos dominadores e a identidade de projeto, que na construção deuma nova identidade já tem como objetivo redefinir sua posição na sociedade, buscandopara isso a transformação da estrutura social. Estaria aqui o pressuposto para uma novateoria da transformação social possível nas sociedades em rede. Neste aspecto haveriauma aproximação com o pensamento de Touraine, pois o movimento de caráter identitárioseria um movimento social na medida que objetivasse essa mudança mais radical, for-mulasse um projeto de sociedade, visasse uma transformação social, um controle sobre odesenvolvimento social.

Não há como desvincular essa discussão daquela a respeito de Estado à medidaque institucionalmente é o Estado (em sua face de sociedade política) que coordena eorganiza a vida em sociedade como um todo, e é contra esse Estado que se manifestam osmovimentos sociais, que chegam a ter um projeto de transformação social, os que sefundamentam em uma identidade de projeto15.

3. Políticas públicas: espaço de confronto entre sociedade civil e sociedade política

As políticas públicas sociais surgem a partir de necessidades geradas por um de-terminado estágio do desenvolvimento do capitalismo. E, segundo nos relata Hölfing,(2001) a ciência política distingue dois referenciais a partir dos quais elas podem serequacionadas: exigências a partir de interesses e necessidades de trabalhadores organiza-dos ou imperativos do próprio processo de produção capitalista, tornando-se mediadorasentre interesses. O Estado moderno que assumiu orientações liberais se afastou do campo

15 Conceito trabalhado por Manuel Castells, para maior aprofundamento ver bibliografia.

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da economia, considerando que tais atividades pertenciam à esfera privada, e assumiuum papel de mero “juiz de contendas” do mercado. No entanto, o próprio avanço docapitalismo acabou por exigir, para a reprodução do sistema como um todo e não apenasde uma classe dentro dele, que fossem tomadas atitudes de cunho mais social em favor daclasse de trabalhadores, que cada vez se tornava mais expoliada. Uma das contradiçõesbásicas do sistema capitalista é que ao ampliar sua capacidade produtiva através da ex-ploração dos trabalhadores, cria paralelamente a necessidade de maior mercado consu-midor. Nesse sentido, torna-se necessário que a capacidade de consumo dessa classe avanceem proporção aos avanços das tecnologias e das forças produtivas. Assim, chegou o mo-mento em que o Estado precisou intervir para garantir essas condições. Além disso, aprópria classe trabalhadora vem crescendo numericamente e adquirindo experiência deorganização em favor de seus interesses, e dessa maneira passa a exigir sua parte de“proveitos” nesse desenvolvimento. O Estado vê suas funções acrescidas: ao papel demediador nas atividades de mercado soma-se a necessidade de ser também interventor. Afim de garantir a continuidade do processo e na qualidade de instituição pública, passa aagir através da proposição e execução de políticas sociais, públicas para não intervirdiretamente no mercado. Através delas o Estado passa a garantir à classe trabalhadoracondições mínimas de integração ao sistema. São garantias de salário desemprego, previ-dência, acesso parcial ao sistema de saúde e educação entre outras.

Dessa forma, como já dissemos, surgem os Estados chamados de bem-estar socialou democracias liberais, que embora apoiados inicialmente em princípios liberais reco-nhecem a necessidade de se atender a necessidades mínimas da classe trabalhadora e ofazem através de políticas sociais.

Aspecto a ser ressaltado é que as políticas públicas apresentam um sentido com-pensatório e por vezes atingem seus objetivos em estados desse tipo, “de bem estar soci-al”, onde as questões relativas a necessidades básicas da sociedade aparentemente estãoresolvidas.

Mas as exigências quanto às políticas públicas são diferentes em cada sociedade epor vezes cresce o grau de tensão entre a sociedade civil e o Estado, principalmentequando e onde cresce o número de excluídos do sistema.

Por diferentes razões, entre as quais estão o caráter populista dealgumas experiências e a presença de uma distribuição de rendaextremamente desigual, na América Latina, as formações estataiscom forte intervencionismo na sociedade civil têm pontos de contatocom o modelo do estado de bem estar social, mas também contamcom grandes divergências (...) (TORRES (1995: 113)

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Mesmo enfrentando uma situação em que as necessidades básicas da populaçãonão estavam, como ainda não estão hoje, sendo atendidas, o Estado autoritário da décadade 1960/70 foi o responsável pela expansão e diversificação da educação no Brasil, poisconsiderava o gasto em educação como investimento, um princípio condizente com afilosofia liberal em que se apoiava. Uma política pública com um caráter também decontenção de conflitos sociais, conforme estaremos expondo mais adiante quando tratar-mos das políticas educacionais no Brasil.

Para grande parte da população são as políticas públicas que dão visibilidade aoEstado. É no contato com elas que os sujeitos tomam posição com relação às ações doEstado e o avaliam. É um instrumento de poder nas mãos da classe dirigente, especial-mente potente no que diz respeito à construção da hegemonia, e por outro lado é tambémuma arena de lutas para movimentos organizados da sociedade.

Segundo Azevedo (1997: 60), as políticas se articulam ao projeto de sociedade emcurso, projeto esse construído “pelas forças sociais que têm poder de voz e decisão e que,por isto, fazem chegar seus interesses até o Estado e à maquina governamental”. Essepercurso para chegar a “ter voz” é o que se subentende ou se espera de uma democraciarepresentativa, o que muitas vezes fica só na expectativa, pois a realização da representa-ção assume diversas e equivocadas formas em relação ao seu sentido original. Mas, comojá dissemos, geralmente essa articulação se dá no embate com outras forças ou até outrosprojetos. Algumas vezes, as forças que se posicionam contra ou a favor de determinadapolítica podem agir em função de situações momentâneas, mas na medida em que vãocom isso estabelecendo novas relações sociais, podem estar contribuindo com a constru-ção de um outro projeto de sociedade.

Para essa mesma autora, as políticas públicas hoje se pautam na divisão social dotrabalho, numa sociedade dividida em setores, daí que o surgimento de uma política paraum setor ocorre a partir do momento em que a questão daquele setor se torna socialmenteproblematizada, amplamente discutida, exigindo atuação do Estado (AZEVEDO, 1997:61). Mais uma vez vale ressaltar o importante papel da organização social dos diversossetores e sua capacidade de articulação para levar adiante seus projetos, o que novamentesuscita a discussão sobre representação em sociedades democráticas.

Aspecto importante a respeito das políticas sociais é o de sua relação com osfatores culturais dos espaços a que se destinam. Hölfing define como fatores culturais

Aqueles que historicamente vão construindo processos de repre-sentação, de aceitação, de rejeição, de incorporação das conquistas

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sociais por parte de determinada sociedade.com freqüência, locali-za-se aí procedente explicação quanto ao sucesso ou fracasso deuma política ou programas elaborados; e também quanto às dife-rentes soluções e padrão adotados para ações públicas de interven-ção. (2001: 8)

Para uma concepção de Estado de cunho neoliberal, as políticas públicas são to-madas como entraves ao desenvolvimento e responsáveis pela crise que estão passando ospaíses desenvolvidos.

Mas toda política pública, ainda que parte de um projeto de dominação, reflete,como arena de luta e como caixa de ressonância da sociedade civil, tensões, contradições,acordos e desacordos políticos, às vezes de grande magnitude (TORRES, 1995: 110).Isto é, as políticas públicas não podem ser consideradas sob o enfoque de uma ação demão única, como se os dirigentes de uma nação agissem de acordo com princípios decomunidade, de solidariedade ou reconhecessem os direitos sociais de todos os cidadãose soberanamente decidissem e organizassem a vida social. Uma política costuma serplanejada e executada em reação a movimentos da sociedade civil ou concomitante aeles. Na maioria das vezes acaba constituindo-se em uma mediação de interesses diver-gentes e retratando as tensões da qual foi fruto.

Como diz Boaventura Sousa Santos (1997), é preciso construir um novo significa-do de democracia que articule democracia representativa com a democracia participativae ainda que se revejam as relações sociais e o sentido de “políticas”. Na sociedade em quevivemos estar atento às identificações regionais e locais e tê-las como referência para adiscussão, elaboração e execução de políticas públicas pode ser o caminho viável. Pensaruma educação para todos é pensar na diversidade possível de educações e pensar dessamaneira implica reconhecer as diferenças. Trabalhar com elas é então tarefa ainda maisárdua, para ser realizada necessita do envolvimento da sociedade civil. Nesse sentido, éque as políticas públicas são sempre um movimento de troca contínua entre o Estado e asociedade, e a participação substancial é o único meio de se garantir a qualidade de umademocracia, que não se restrinja ao voto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Revista da Faculdade de Educação

Politica Educacional

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O DESENHO CURRICULAR DOS MESTRADOS

José Manuel Ruiz Calleja *

RESUMO: Neste trabalho fundamenta-se uma metodologia para o desenho curricularde mestrados, com um caráter geral, sobre bases teóricas da Pedagogia e a Didática,como uma alternativa para reduzir ao mínimo indispensável seu caráter empírico. Aproposta baseia-se num modelo teórico que atende particularmente este processo deformação e reflete as características essenciais de seu desenho. Partindo da definiçãodo Objeto do Egresso abordam-se especialmente os momentos da formulação do Perfildo Mestre e do Plano de Estudos, oferecendo alternativas de solução para os problemasdetectados neste contexto.

PALAVRAS CHAVE: Pós-graduação; Mestrado; Pedagogia; Didática mestrado; De-senho curricular.

Apreciam-se na literatura especializada, dentre outras, algumas considerações arespeito do caráter principal ou central da pesquisa nos processos de mestrado. Estudan-do estas análises, comprovamos seu caráter de regularidades empíricas, basicamente re-sultado da experiência e observação destes processos de formação, o qual resulta de fatoinsuficiente, para argumentá-los teórica e cientificamente.

Historicamente, os aportes científicos em qualquer ramo do saber, têm sido muitasvezes precedidos de uma determinada intuição, de um conhecimento prévio sobre o des-conhecido na ciência, que pode ficar expressado na própria ciência, porém também naexperiência das pessoas que vincularam-se com fatos e fenômenos reais, como partici-pantes diretos ou observadores. É assim que abordamos uma fundamentação do mestradoe de seu desenho curricular, considerando que as análises que apresentamos constituemuma aproximação teórica em uma perspectiva científica e pedagógica desses processoseducativos.

Cientes à margem da polêmica sobre se a pedagogia é hoje ciência constituída ouem processo de constituição, assumimos pelo menos a existência de um determinadocorpo teórico, que resulta em si mesmo necessário e suficiente para explicar nosso objetode estudo, auxiliado de outras ciências, especialmente das denominadas como ciências daeducação. Partimos da tese que o mestrado é um processo formativo de caráter docente eeducativo, sendo que as considerações formuladas como resultado dos estudos deste pro-cesso como objeto científico, nos permitiram estabelecer que seu fundamento teórico e

* Doutor em Ciências Pedagógicas. Master em Educação Superior. Professor e Pesquisador daUniversidade de Pinar del Río, Cuba. e Co-orientador do Minter em Educação UNEMAT/UFRGS/CAPES.

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metodológico sustenta-se basicamente nas teorias gerais da pedagogia e didática geral.Definido o objeto de estudo como o processo docente e educativo para a formação

de mestres, a elaboração de um modelo teórico como abstração da realidade, permitiu suaanálise e caracterização. Os fundamentos metodológicos que permitiram caracterizar eexplicar nosso objeto de estudo e seu desenvolvimento, integraram-se a partir dos enfoquessistêmico, causal, dialético e genético, apoiados pelas teorias da direção, a atividade e acomunicação.

Ao caracterizar o processo modelado como um sistema, puderam-se precisar asrelações que o caracterizam, determinando sua organização e estrutura interna, tantocomo a dinâmica e desenvolvimento do objeto em si mesmo e em relação com o médio.Isto facilitou estudar as relações causais entre os componentes, estabelecendo os níveis eo sentido de sua dependência assim como quais relações são fundamentais e quais não.Permitindo também estabelecer aquelas relações de caráter dialético como as que deter-minam contradições entre os componentes e geram o movimento e desenvolvimento doobjeto.

7O mestrado: concepções gerais e lógica de desenho.

O processo docente e educativo do mestrado tem todas as características geraisdos processos da pós-graduação, além de suas especificidades essenciais que permitemidentificá-lo como uma forma particular da formação pós-graduada. Poderíamos definiro mestrado da seguinte forma: processo de formação pós-graduada que proporciona aosgraduados universitários domínio profundo dos métodos de investigação, ampla culturacientífica e conhecimentos avançados num campo do saber, desenvolvendo habilidades ecompetências para o trabalho docente, de investigação e desenvolvimento.

Desta definição podem-se inferir certas características que refletem seu vínculocom os processos de criação de cultura e enriquecimento do saber humano, com o desen-volvimento científico através da investigação. O mestrado é, antes de tudo, um processoformativo de tipo docente, no qual a investigação é preponderante com respeito à atividadeacadêmica, em função de que o mestrando em sua aprendizagem, atua sobre seu objeto detrabalho, como objeto de estudo ou investigação, convertendo a atividade de pesquisanum modo específico de atuação.

O mestrando vai assimilando e integrando novos conteúdos de uma forma essen-cialmente diferente à de outros processos formativos, na relação que estabelece comosujeito que aprende, com seu objeto de estudo, durante a investigação que percorre noprocesso. Nesta óptica, os métodos e a apropriação dos conteúdos são de uma natureza e

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dinâmica diferentes, com a participação mais ativa que protagoniza o sujeito da aprendi-zagem, convertido ao mesmo tempo em investigador.

É assim que o mestrado contribui à formação de recursos humanos para a ciência,o qual realiza-se propiciando domínio da cultura científica atual e precedente, mas prin-cipalmente enriquecendo-a com novos conhecimentos. Esta é a essência desta formação.A intenção do mestrado é de formação, se desenvolve principalmente mediante a investi-gação científica, resolvendo problemas científicos, é certo, porém com o objetivo de for-mar investigadores, diferenciando-se assim dos processos puros de investigação e tam-bém de outros processos docentes, tanto de graduação como de pós-graduação.

Analisado o objetivo como estado desejado do objeto, é uma visão de futuro (carátersubjetivo), que como projeção se formula no presente, porém como resultado medível(caráter objetivo), se alcançará apenas quando for superada a brecha entre o estado atuale o desejado, é assim que o objetivo converte-se no componente reitor do processo.

A relação entre problema, objeto e objetivo, resulta essencial e pode verificar-seem diferentes níveis de generalização. A necessidade social de formação, vai sistemati-zando-se e concretizando em cada processo formativo por níveis e subsistemas. Nessaconcretização se particularizam os objetos e, portanto, os problemas e os objetivos emnível de cada processo docente específico, ou seja, ao mudar o problema, muda o objeto eo objetivo.

Os campos de ação e modos de atuação dos futuros egressos terão uma expressãodidática nos objetivos e conteúdos do processo de formação, como conhecimentos, habi-lidades competências e valores, que são assimilados pelos mestrandos em seu desenvolvi-mento e permitem que se formem como investigador. A formação de capacidades para adocência, se alcança ao mesmo tempo que sua formação como investigador.

No mestrado o objeto do egresso é a ciência, os problemas a resolver são científi-cos e existem nesse objeto como necessidade social de encontrar uma solução paradesenvolvê-lo. Os objetivos de formação refletem os conteúdos em termos dos sistemasde conhecimentos próprios do objeto e de outras ciências que contribuem para seu estudo,assim como as habilidades e competências para resolver os problemas, junto aos valoresque caracterizam seus modos de atuação como investigador e membro da sociedade.

O científico não nasce, forma-se, e o mestrado é parte desse processo de formação,é uma possível etapa na formação de investigadores (Hernández,1998:39). Tal é a essên-cia deste processo, seu objetivo mais geral como expressão de uma necessidade social.Não é o único processo formativo com estas intenções, porém o mestrado constitui defato uma etapa de iniciação no mundo fascinante da investigação.

O conteúdo é o conjunto de conhecimentos, habilidades, competências e valores,

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que caracterizam o objeto, neste sentido tem um caráter objetivo. No mestrado, os con-teúdos caracterizam ao menos um ramo do saber humano, representados pelo acúmulo deconhecimentos que seguem uma certa lógica, mas também pelas habilidades expressadasatravés do método da ciência e o método da investigação científica. Os valores estãoexpressos na própria ciência e na significação que o sujeito outorga ao seu objeto deestudo. No mestrado a ordem do conteúdo segue a lógica da ciência, do método científicoe da metodologia da investigação, possibilitando refletir a lógica de seu modo de atuaçãodesde os primeiros momentos de sua formação.

O objetivo determina o conteúdo e a estrutura que este assume no processo. Oconteúdo é função do objetivo, a relação entre objetivo, conteúdo e método, determina adinâmica essencial do processo. O método é a via, ou modo de desenvolver este processo,guia a assimilação do conteúdo para alcançar o objetivo. No mestrado, o objetivo deter-mina que o método, no geral, tenda a níveis de assimilação criativos com um alto grau deindependência cognitiva. A relação entre objetivo e método, tem um caráter dialético,convertendo-se na contradição fundamental do processo e fonte de seu desenvolvimento.No contexto do mestrado, o vínculo entre conteúdo e método expressa a relação entre osujeito com seu objeto de estudo: a ciência. O mestrando, convertido em investigador,atua sobre um objeto real como parte importante de sua formação, o qual dá uma conotaçãorelevante ao método de investigação.

Nas instituições de educação superior, o vínculo entre os processos de formação eos de investigação científica, se alcança de diversas formas, porém o que pode conside-rar-se como uma verdadeira interseção é o vínculo apreciado no mestrado e doutorado,que se incluem com semelhante grau de profundidade e sistematização, ao próprio pro-cesso da investigação científica.

Não existe um consenso na distinção entre princípio e regularidade, desta formaconsideramos como regularidades, as manifestações concretas que caracterizam o com-portamento de um objeto e atuam como normativas, até certo ponto de obrigatória obser-vância, nas quais podem incidir determinadas leis que não foi possível abstrair do proces-so estudado. A contradição entre o objetivo mais geral do mestrado, de formar investiga-dores como recursos humanos para a ciência e as vias idôneas para alcançá-lo, analisadascomo as características os riscos mais essenciais que deve apresentar este processo deformação, constitui a origem destas regularidades, que enunciamos da seguinte forma:1.- Caráter principal da investigação como componente de organização do processo; 2.-Prioridade da formação científica especializada com relação à geral e básica; 3.- Altosníveis de criatividade e independência cognitiva e 4.- Altos níveis de flexibilidade docurrículo com a participação ativa do mestrando. Estas regularidades conformam um

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sistema necessário e suficiente, com ajuda das quais pode-se caracterizar melhor o pro-cesso, de forma mais específica e singular, compreendendo sua essência.

Nestas abordagens dos elementos essenciais do processo do mestrado, aplicandoenfoques diversos e integrados nas análises, evidenciam-se suas características,especificidades estruturais e sua dinâmica, numa primeira aproximação que considera-mos suficiente para a extensão e intenções deste trabalho.

Abordando agora aspectos mais específicos do desenho curricular do mestrado,pode-se apreciar que este segue uma lógica própria que pode-se expressar em determina-das etapas de execução, as quais teoricamente guardam uma certa ordem, ainda quando amesma nem sempre aprecia-se estritamente na prática. As etapas são as seguintes: 1.-Determinação dos problemas gerais que são prioridades no ramo do saber; 2.- Determi-nação dos objetos específicos ou campos de ação; 3.- Determinação do objeto do egressodo mestrado; 4.- Elaboração do modelo ou perfil de egresso do mestre e 5.- Elaboração doplano de estudos

Os processos docentes de qualquer tipo existem para cumprir uma necessidadesocial. Esta missão ou encargo social se concretiza num modelo pedagógico, que nodesenho deve expressar-se, com linguagem própria, nos objetivos gerais do tipo de egres-so que se pretende formar. Este modelo inclui os riscos mais significativos e fundamen-tais da personalidade do egresso, a partir das características sociais, políticas e ideológi-cas, que respondam às necessidades sociais, e, como modelo ideal, reflete o vínculo coma sociedade, ou seja, pedagogicamente expressa a relação do processo de formação com ocontexto social

Uma formulação geral e hipotética do encargo social poderia ser a seguinte: For-mar investigadores altamente qualificados, capazes de resolver problemas científicos pre-sentes num ramo do saber, com sentido de compromisso social, uma concepção científicado mundo, demonstrando na prática valores éticos, estéticos e morais.

Ao desenhar os mestrados, requer-se tomar em conta as políticas, que em nívelsocial guiam e caracterizam as linhas de desenvolvimento definidas como prioridades,no ramo do saber ou ciência na qual se formarão os futuros mestres. Atendendo a taisprioridades, é possível delimitar problemas gerais, que como necessidades sociais imedi-atas, devem ser resolvidos. Nesta perspectiva, é possível delimitar campos de ação maisconcretos em função das necessidades mais importantes e urgentes da sociedade, eviden-ciando-se como regularidade, a prioridade da formação científica especializada com rela-ção à geral e básica.

Na determinação do objeto do egresso, a partir dos problemas presentes e com umcritério mais ou menos amplo do objeto de estudo de uma ciência, se precisa tanto o

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objeto de estudo, como os modos de atuação e se vão perfilando e determinando as linhasgerais de investigação. A análise dos campos de ação e linhas de investigação, constitui oponto de partida para definir os perfis terminais que podem estabelecer-se. No objeto doegresso do mestrado, se precisam os problemas que neste se manifestam e devem serresolvidos pelo investigador.

Na formulação do perfil do egresso, serão considerados tanto o aspecto instrutivocomo o educativo, ou seja, sua educação em função dos riscos mais significativos e funda-mentais da personalidade do egresso, que será capaz de demonstrar em sua atividadecomo investigador; porém também o instrutivo, que contempla seus modos de atuaçãoexpressados nas invariantes de habilidades, tanto como as invariantes do conhecimentoque constituem o núcleo ou aspectos essenciais das teorias que aplica na solução dosproblemas.

Num enfoque didático, percebem-se no modelo do mestre, as relações entre objetivoe conteúdo, como expressão das relações do sujeito com seu objeto de estudo no processode formação. Na atualidade, geralmente acontece, que ao abordar o objeto de estudo deuma ciência, se requer um enfoque multi e interdisciplinar, este é um aspecto essencial.

Uma vez determinado o modelo do egresso, este permite a elaboração do plano deestudos, que em termos gerais e partindo dos objetivos do egresso(finais), supõe a resolu-ção de três tarefas: a seleção dos conteúdos, a estruturação dos conteúdos e a determina-ção de tempos.

Assim, aprecia-se a lógica geral do processo de desenho curricular do mestrado,que requer a participação de seus executores, com um critério permanente de avaliação eaperfeiçoamento do programa.

Metodologia de desenho do mestrado.

Propomos uma metodologia de caráter geral para o desenho curricular dosmestrados, que tem como premissa, o caráter geral de uma alternativa que não estabeleceuma normativa rígida, de rigorosa ou estrita observância, senão que permita a necessáriaflexibilidade do processo, seu ajuste a diferentes condições de realização e o desenvolvi-mento criativo do mesmo pelos executores.

A lógica do desenho do mestrado, pode analisar-se associada à elaboração de doisdocumentos básicos que caracterizam seu processo: o Perfil do Mestre e o Plano de Estu-dos, embora na sua dinâmica deve refletir o constante e necessário aperfeiçoamento.Reconhecemos, que no desenho do mestrado, é importante o trabalho conjunto coordena-do e de consenso de todos os que intervêm neste processo, inclusive dos professores e até

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seria muito conveniente, sempre que possível, a participação dos mestrandos. É assimque nesta óptica e seguindo a lógica explicada, analisamos mais amplamente cada etapa.

A elaboração do perfil do egresso é um ponto de partida do desenho curricular,onde se determinam os objetivos de formação em seu caráter mais geral, como objetivosfinais de um processo educativo, que expressam em termos de resultados, as transforma-ções que se pretendem alcançar no sujeito da aprendizagem, referidas a todos os aspectosde sua personalidade e que se alcançam através da instrução e a educação.

Num enfoque da teoria da direção, a elaboração do perfil do egresso, como modeloideal, se identifica com as funções de planejamento e de controle, ao constituir a projeçãode um “estado desejado” expressado em resultados finais, que servem de guia para aexecução do processo e ao próprio tempo como padrão de comparação e avaliação dosresultados reais alcançados.

Analisando o modelo teórico estabelecido por N. F. Talizina, no referente aoplanejamento curricular, que toma em conta como premissas, as exigências da teoriageral da direção e as regularidades do processo de assimilação dos conhecimentos, enten-de-se que o modelo dos objetivos de ensino (o para que ensinar?), se resolve em diferentesplanos do currículo (Corral,1992:142).

No desenho curricular do mestrado, analisamos estes planos como: 1.- objetivosfinais, identificados com o perfil do mestre, 2.- como objetivos parciais ou intermédios,referidos a ciclos de formação, disciplinas, cursos e módulos, e 3.- como objetivos especí-ficos de uma atividade docente acadêmica ou de investigação.

A determinação do perfil do egresso do mestrado, como objetivos finais, o colocano primeiro plano do desenho e dentre outros aspectos supõe definir um conjunto deproblemas, que como necessidades sociais, devem ser resolvidos pelo egresso. Partir dadeterminação destes problemas, significa tomar em conta as relações do processo com ocontexto social, desde os primeiros momentos do desenho curricular.

Ao estudar as necessidades sociais de caráter geral, que se expressam nas políticase alinhamentos estabelecidos, que definem o conjunto de prioridades de desenvolvimentono ramo do saber em que se formarão os mestres, faz-se possível, com um sentido dediagnóstico, determinar a existência de um conjunto de problemas gerais cuja soluçãoresulta estratégica.

Estes problemas gerais expressam-se habitualmente em forma de situações pro-blemáticas, ou seja, como problemáticas que contêm problemas diversos mais concretos,embora também de caráter geral. Esta característica nem sempre permite delimitar clara-mente os correspondentes objetos específicos ou campos de ação, inclusive seu grau degeneralidade pode conduzir a que estas situações problemáticas apareçam associadas e

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integrando mais de um campo de ação.Tais situações problemáticas em si mesmas, representam uma contradição dialética.

A situação social problemática reflete-se, com maior ou menor precisão, no problemacientífico, no qual se constata a contradição entre o conhecimento das necessidades dasociedade em determinadas ações práticas e o desconhecimento das vias e meios pararealizar estas ações (OSIPOV,1988:114).

Na prática, as etapas de determinação dos problemas gerais que são prioridadesno ramo do saber, com um critério de diagnóstico e a determinação dos objetos específi-cos ou campos de ação, se executam em interação e de forma interativa. Isto permitedeterminar um inventário de problemas, ainda gerais, porém mais precisos em corres-pondência com os campos de ação nos quais manifestam-se. O inventário de problemasconstitui uma premissa para a determinação do objeto do egresso do mestrado, ao preci-sar-se a partir daqui os problemas e campos de ação que o conformarão. A precisão doobjeto do egresso é uma condição fundamental deste processo de formação e um aspectoessencial de seu desenho, precisar o objeto atua como condição para garantir o vínculocom o contexto social.

Toda ciência tem seu objeto, sua lógica e métodos próprios que a vinculam comuma parte da realidade. O objeto de estudo de uma ciência é seu objeto do conhecimento,definido como: aspectos, propriedades e relações dos objetos, fixados na experiência eincluídos no processo da atividade prática humana, investigados com um fim determina-do em umas condições e circunstâncias dadas (ROSENTAL,1973:344).

O objeto do egresso compreende tanto o objeto de estudo onde se manifestam osproblemas científicos, como os modos de atuação para resolver estes problemas e que seidentificam de modo mais geral com a investigação científica.

Para determinar o objeto do egresso, como foi dito, se parte dos problemas presen-tes e com um critério mais o menos amplo do objeto de estudo de uma ciência, se preci-sam tanto os campos de ação como os modos de atuação. É assim que o objeto do egressose determina propriamente dentro do objeto da ciência na qual se formará o mesmo comoinvestigador, onde exercerá sua ação e se manifestam os problemas científicos que reque-rem ser resolvidos.

O objeto de estudo do mestrado define-se como o conjunto de objetos específicosou campos concretos do ramo do saber em que se formará o mestre, ou seja, a parte doobjeto da ciência onde se desempenhará e na qual se manifesta um grupo de problemasque necessita ser resolvido.

Seria ingênua a pretensão de abarcar, no processo de formação do mestrado, todoo sistema de conhecimentos referidos ao objeto de uma ciência. Desta maneira, o objeto

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de estudo do mestrado, delimita-se ao precisar um conjunto de problemas dentro do in-ventário e ficará constituído por um ou mais objetos específicos ou campos de ação deuma ciência, que formam parte de seu objeto mais geral.

Sem a intenção de uma rigorosa interpretação filosófica dos conceitos de todo,parte e totalidade; assumimos que o todo, pode ser considerado como uma parte darealidade ao construir e definir um objeto de estudo. Vista a totalidade como exigênciaepistemológica do raciocínio, a totalidade não são todos os fatos, senão uma ópticaepistemológica desde a que delimita campos de observação da realidade, os quais permi-tem reconhecer a articulação em que os fatos assumem sua significação específica(ZEMELMAN,1987:18).

Consideramos interessante refletir a respeito de que a formação de recursos hu-manos para a ciência não se alcança, como solução de uma necessidade social em suatotalidade, com o mestrado. A formação científica é um processo de longo prazo e suma-mente complexo, aliás caracterizado pela dinâmica do progresso científico e tecnológico,com o surgimento constante e a ampliação dos sistemas de conhecimentos.

Além disso, o perfil de ingresso do mestrado, supõe altos níveis de partida e deformação geral e básica em diferentes ciências, sendo assim que este processo tende entãoa uma certa especialização científica num campo do saber. Desde o desenho do mestrado,aprecia-se como regularidade a prioridade da formação científica especializada com rela-ção à geral e básica.

Para determinar o objeto de estudo do egresso, não basta que existam necessidadessociais, como expressão dos problemas que a ciência deve resolver, é preciso que a insti-tuição que realiza o desenho e execução do programa do mestrado, cumpra com umconjunto de condições, entre as quais se encontram as de assegurar os recursos humanos,materiais e financeiros, porém a mais importante é a de contar com a experiência cientí-fica e de investigação, a qual garanta a qualidade do processo de formação. Desta formaas condições da instituição atuam como referência indispensável e fatores que limitam adefinição do objeto de estudo do mestrado.

Ser conseqüentes com as condições da experiência científica institucional, tendena prática à definição do objeto de estudo do mestrado, a partir das linhas de investigaçãocientífica que executa a instituição, o que também assegura sua consolidação neste cam-po. Quando os interesses científicos da instituição, ficam em correspondência com osinteresses da sociedade no ramo do saber, tende-se a garantir a pertinência social doprograma do mestrado.

Na determinação do objeto de estudo, se examinam e precisam os problemas queneste se manifestam, num processo interativo e analítico. A precisão dos problemas per-

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mite caracterizá-los desde os pontos de vista de sua complexidade e profundidade, assimcomo prever o alcance provável de suas soluções nos planos teórico e prático, que orien-tarão a investigação. Tais análises, ajudarão a determinação dos objetivos instrutivos eservirão posteriormente de base para a seleção do problema concreto de investigação queo mestrando abordará em seu trabalho de tese, para o qual não se exige, geralmente nomestrado, um aporte teórico ao sistema de conhecimentos da ciência.

O problema científico é sempre uma interrogante cognitiva e, neste caso, poderí-amos caracterizá-lo como uma interrogação cuja resposta não aparece na soma total deconhecimentos existentes. Esta resposta há de obter-se só como resultado do processo deinvestigação (Bueno,1994:46).

Os modos de atuação, como atividade mediante a qual o egresso age sobre seuobjeto de estudo, representam os métodos científicos de investigação e solução dos pro-blemas e refletem uma tendência geral em sua formação, a qual lhe permitirá atuar sobrediferentes objetos de estudo dentro do ramo do saber.

Nos egressos do mestrado, identifica-se como modo de atuação mais geral, a in-vestigação; ela é uma atividade básica generalizada, mediante a qual pode resolver osproblemas presentes em seu objeto de estudo. Isto marca uma diferença importante comrespeito aos processos de elaboração de perfis profissionais, nos quais, geralmente, seconstata a existência de várias atividades básicas generalizadas, conformando um siste-ma, mediante as quais são resolvidos os problemas presentes no objeto da profissão.

Atualmente, nas teorias de desenho curricular, aceita-se geralmente como válido emais efetivo, o enfoque que considera o modelo do egresso como modelo de sua atividade,a diferença de outras concepções tradicionais que o consideram como o modelo de suasqualidades ou como o modelo de seus conhecimentos.

Concebida a atividade como o processo no qual os indivíduos se relacionam comos objetos da realidade, esta possui uma estrutura na qual se identificam seus componen-tes e as relações entre eles. Assim, identificam-se o sujeito que atua sobre o objeto parasua transformação; os meios que são utilizados pelo sujeito para transformar o objeto econstituem o sistema de ações que realiza e os instrumentos que utiliza, sejam materiaisou ideais; os objetivos da atividade que dão a esta um sentido e direção para o resultadofinal e por último, também as condições específicas nas quais se executa a atividade, queatuam como contexto e fator de delimitação da mesma.

Analisando os métodos de solução dos problemas desde o enfoque da teoria daatividade, pode-se aplicar o método teórico de sua análise em cada tarefa que executa oinvestigador científico ou pesquisador, identificar seus componentes (sujeito, objeto, meios,objetivo e condições específicas), comparar estas tarefas e agrupá-las segundo o critério

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de seu objetivo, que é o elemento do sistema que estrutura e rege as relações entre oscomponentes; então, ao estabelecer suas especificidades e relações, se chega à conclusãode que é a investigação a atividade básica generalizada que executa um pesquisador. Aaplicação de métodos empíricos nos leva também à mesma conclusão.

Toda ciência tem suas formas e meios particulares de organizar e desenvolver aatividade científica e de investigação, que são definidos a partir de seu método e lógicapróprios e das características de seu objeto de estudo (fenômenos e processos); isto defineas diferenças entre as tarefas que executam os investigadores em cada ramo do saber,ainda quando o fundamento filosófico e metodológico da investigação seja comum. Ali-ás, no caso de uma mesma ciência ou ramo do saber, mudam as dimensões, formas emeios, como resultado de seu desenvolvimento, o que condiciona novas tarefas para oinvestigador, em seus esforços por descobrir e explicar a essência dos fatos, fenômenos eprocessos, assim como suas relações no âmbito da natureza, a sociedade e o pensamento.A identificação e precisão destas tarefas, independentemente de suas características esingularidade, pode realizar-se mediante os métodos empíricos tradicionais combinadoscom o método teórico da análise da atividade.

Analisar as tarefas permite apreciar melhor os componentes educativos, que refe-rindo-se aos sistemas de valores humanos, fazem parte do processo de formação e serefletirão nos modos de atuação como requisitos e contexto referencial, principalmentemediante a comunicação. A identificação das tarefas que caracterizam os métodos desolução dos problemas, além de permitir a precisão dos modos de atuação, contribui parao trabalho posterior de seleção dos conteúdos e determinação dos objetivos intermédios eespecíficos.

O objeto de estudo do egresso do mestrado, pode analisar-se, desde um enfoquesistêmico, como a parte de um todo e como um todo composto por partes. No processo deformação do mestre, este faz uma seleção de objetos mais específicos, do sistema maisamplo que representa o objeto do egresso, principalmente por duas razões: a) escolhe umperfil terminal determinado e b) define o objeto específico de sua investigação comotrabalho de tese; ainda quando isto acontece e tais objetos específicos podem diferenciar-se entre si, seu modo de atuação sobre qualquer um deles, sua atividade básica generali-zada, segue sendo a investigação.

Os objetivos instrutivos são formulados em função das invariantes das habilidadese dos conhecimentos. Considerando as invariantes de habilidade como as que constitu-em a essência da execução das tarefas da futura atividade do egresso e que são determina-das a partir dos modos de atuação. As invariantes do conhecimento se determinam par-tindo dos núcleos teóricos das ciências que integram o objeto de estudo. A integração no

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objetivo da habilidade e o conhecimento, baseia-se no critério de que sempre a primeiracontém o segundo.

Em síntese, os objetivos gerais instrutivos, formulam-se de maneira que expres-sem as invariantes de habilidade que respondem a seus modos de atuação e também asinvariantes do conhecimento expressadas nas ciências cuja lógica interna possibilita for-mar os modos de atuação; aliás precisando seus níveis de assimilação e profundidade.

Na atualidade, ao abordar o objeto de estudo de uma ciência, se requer um enfoquede multi e interdisciplinaridade, então, geralmente, na formulação dos objetivos instruti-vos, se considerarão, com o mesmo caráter explicado anteriormente, aquelas outras ciên-cias cujos conteúdos intervêm, tanto no processo de investigação, como no processo doconhecimento do objeto, ou seja, no metodológico e no epistemológico.

No modelo do egresso, contemplam-se os objetivos gerais instrutivos e os objetivosgerais educativos. Ao concretizar o encargo social em função do egresso que se pretendeformar, se determinam os objetivos gerais educativos atendendo a seu caráter de investi-gador, de gerador ou criador de cultura para a sociedade, com um sentido de compromis-so social e motivado para isso; com um caráter filosófico da concepção científica domundo; com um caráter ético, estético e moral, como expressão de valores fundamentaisde sua personalidade. Mas também poderíamos acrescentar, como uma característica oucondição que aparecerá sempre de forma mais ou menos explícita: com um determinadocaráter político e ideológico.

Se o perfil do mestre é a imagem ideal do egresso, não se pode deixar de conside-rar as qualidades mais gerais que também caracterizarão seus modos de atuação. Isto seexplica da seguinte forma: a unidade dialética que relaciona os objetivos educativos e osinstrutivos, condiciona que os primeiros são mais gerais e transcendentes que os segun-dos e conseqüentemente, os segundos se subordinam aos primeiros, o que implica quenão se pode identificar ambos pólos da unidade e também que no processo se dão unidos(ZAYAS,1999:61).

Um problema que se apresenta na elaboração do modelo do egresso, ao definirseus objetivos gerais, é a consideração das habilidades docentes. A consideração de habi-lidades docentes no perfil do egresso do mestrado, dirime-se nos limites entre a profissãoe a ciência. Nem todos os mestrados têm de considerar explicitamente a formação dehabilidades ou capacidades docentes. Considerando os casos específicos dos mestradosnas denominadas Ciências da Educação, e sob outras concepções consideradas acadêmi-cas, dirigidas a graduados universitários que se desempenham na docência, nestes casosas habilidades próprias da aplicação dos métodos de investigação científica e os sistemasde conhecimentos, métodos e lógica próprios destas ciências, que são adquiridos no

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mestrado, são consubstanciais à atividade profissional do docente, considerada em suaacepção mais geral, como a direção dos processos docentes e educativos e um de cujoscomponentes de organização é o investigativo. Na atividade do pessoal docente, a inves-tigação constitui uma atividade básica generalizada da profissão.

Definir habilidades ou capacidades docentes, além das de investigação, nos perfisdo egresso do mestrado, é um caso particular que deve ser estudado com maior profundi-dade, como um problema específico que surge destas análises, nos limites conceptuaisentre os processos de formação profissional e de formação acadêmica de investigadorescientíficos. Por não considerá-lo como um assunto que possa afetar significativamentenossas análises e suas conclusões, além de outros fatores causais, analisamos apenas oassunto em seus aspectos gerais que podem constituir elementos de partida para umaposterior análise mais essencial e profunda. De qualquer maneira, as análises empíricase teóricas do objeto estudado, demonstram, que definir explicitamente habilidades oucapacidades docentes, além das de investigação, nos perfis do egresso do mestrado, nãonega o caráter principal do componente investigativo nestes processos de formação.

As invariantes do conhecimento e habilidade, de conjunto com os objetivoseducativos do egresso, permitem elaborar o perfil do mestre. Na definição do perfil domestre, também se considera o problema da linguagem em que devem expressar-se osobjetivos, de maneira que reflitam a atividade principal do egresso, a investigação. Osistema de objetivos gerais educativos, precisados para este egresso a partir do encargosocial, e o sistema de objetivos gerais instrutivos, se integram no modelo ou perfil doegresso do mestrado.

A determinação da correspondência entre objetivos e conteúdos, desde uma con-cepção didática da relação dialética entre objetivo e conteúdo, que expressa a contradiçãofundamental do desenho, permite, elaborar o perfil do egresso considerado este como omodelo ideal de mestre que se pretende formar.

O perfil ou modelo ideal do egresso do mestrado, como objetivos finais de suaformação, é a base para a elaboração do plano de estudos. Este perfil, concebido como omodelo de sua atividade, permite entender o plano de estudos como: a parte do currículoque expressa o sistema de ações e relações pedagógicas que orientam a atividade deaprendizagem do estudante (CORRAL,1992:155).

O plano de estudos é a modelação do processo de formação de capacidades oucompetências e também de valores do mestrando em função da execução com sucesso desua atividade como egresso. É assim, que na elaboração do plano de estudos pode-seconsiderar, como é usual, as tarefas de seleção de conteúdos, de estruturação dos conteú-dos e de determinação de tempos.

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Na elaboração do plano de estudos do mestrado, também se manifestam, com umsentido de desenho curricular, as relações entre os componentes do processo docente eeducativo, assim como a relação entre sua derivação e integração.

Um aspecto essencial refere-se ao estabelecimento dos objetivos intermédios ouparciais, referidos às disciplinas, módulos ou outros tipos de agrupamentos de conteúdos.As limitações que apresenta o método baseado na decomposição dos objetivos finais outerminais do egresso em objetivos intermédios e estes de sua vez em objetivos mais espe-cíficos, e partindo destes, em cada nível ou subsistema de organização fazer a seleção dosconteúdos para alcançá-los; faz com que este método não ofereça um critério efetivo paraa elaboração do currículo. Este, separa os momentos da seleção e estruturação dos con-teúdos, da consideração das tarefas do egresso e dos objetivos terminais expressados noperfil, debilitando o processo de seleção e de integração em sua direção, colocando emperigo a pertinência real do plano de estudos e por extensão a própria pertinência socialdo programa do mestrado.

A formulação de objetivos intermédios se alcança de maneira mais efetiva quandoé resultado de um processo de ajuste mútuo, de conjunto com a seleção e estruturação deconteúdos. Neste sentido, e na medida em que se precisam os conteúdos vinculados aosobjetivos terminais, conformam-se os objetivos parciais que uma determinada seleção eestruturação de conteúdos há de cumprir, atendendo à relação que se estabeleça com osterminais, o tipo de estruturação e distribuição no tempo e as características concretas doprocesso docente, inclusive, as peculiaridades de estudantes e professores. Os objetivosintermédios têm um caráter docente e são definidos neste contexto (CORRAL,1992:156).

Atendendo às considerações anteriores, analisaremos as tarefas da elaboração doplano de estudos, em função de uma proposta geral, cujos passos ou fases de execução naprática, nem sempre podem-se identificar tão claramente, nem respeitam uma seqüênciaestrita predeterminada em sua execução. A proposta atende principalmente à aplicaçãode critérios teóricos para a elaboração desta parte do currículo do mestrado, com a inten-ção de reduzir ao mínimo indispensável os critérios empíricos de seu desenho.

Partir dos problemas e das tarefas necessárias para suas soluções é a premissa paraa determinação dos conhecimentos, habilidades, competências e valores, que deve assi-milar o egresso e permite estruturar cientificamente, com um critério didático, o conteú-do do processo de formação do mestre a partir da relação entre as categorias de problema,objetivo e conteúdo.

Para a seleção dos conteúdos há de considerar-se sua correspondência com osobjetivos terminais e se atenderá aos seguintes critérios: 1.- a metodologia da investiga-ção própria do objeto; 2.- o caráter de meio ou instrumento e 3.- a lógica da ciência.

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O primeiro critério refere-se aos conteúdos próprios das metodologias particula-res de investigação dos objetos de diferentes ciências, assim se distinguem, por exemplo,a metodologia das investigações econômicas, pedagógicas, sociológicas, etc.

O segundo critério atende à seleção daqueles conteúdos que têm um caráter demeio ou instrumento para a execução das tarefas de investigação de cada objeto determi-nado e são utilizados em função destas e não como um fim em si mesmos.

O terceiro critério refere-se aos conteúdos científicos que explicam o objeto deestudo. Neste sentido deve-se considerar o caráter multi e interdisciplinar que pode re-querer o estudo de um objeto, para fazer a seleção dos conteúdos apropriados que contri-buam à solução dos problemas nele presentes.

Fazer a seleção dos conteúdos segundo estes critérios, tende a garantir sua corres-pondência com o perfil do egresso, partindo de sua relação com as tarefas que executapara resolver os problemas. Um aspecto importante na seleção dos conteúdos é o nível departida dos mestrandos, que supõe uma formação geral e básica precedente a respeito dedeterminados conteúdos, os quais o mestrado não tem que repetir.

A seguinte tarefa, de estruturar os conteúdos que foram objeto da seleção, tem umenfoque didático e constitui a primeira aproximação geral ao processo de formação desdeseu desenho. Supõe agrupá-los em unidades, determinar as formas de organização doensino mais convenientes e definir em geral a estrutura de organização que estabelece asrelações entre os agrupamentos de conteúdos, principalmente em uma seqüênciametodológica, porém também com um critério de integração, numa estrutura espaço-temporal.

E quanto ao agrupamento de conteúdos nos mestrados, o tradicional é a disciplinaàs vezes denominada de curso, e mais recentemente aparece o módulo, embora não des-cartamos outros tipos além dos mencionados. De outra parte, o trabalho de investigaçãoou de tese, pode considerar-se como um agrupamento geral que integra todos os conteú-dos do programa.

Na prática, as disciplinas costumam se agrupar mais geralmente em ciclos deformação que podem atender a diferentes critérios de classificação. Consideramos possí-vel e útil para os fins de organização do processo, o estabelecimento destes grupos maisgerais de conteúdos, sempre que manifestem um sentido de integração e uma orientaçãoà seqüência metodológica do processo de assimilação.

Considerando o plano de estudos como um sistema, os agrupamentos de conteú-dos representam subsistemas, que em sua integração permitem alcançar os objetivos fi-nais do perfil ou modelo do egresso, a integração converte-se neste sentido, num elemen-to chave de sua organização. Os agrupamentos mais convenientes serão aqueles que ga-

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rantam, por sua integração no programa, uma formação que permita aos egressos, en-frentar e resolver problemas complexos e de múltiplas faces, com um profundo conheci-mento teórico do objeto de estudo, só assim se alcançarão as capacidades ou competênci-as de um verdadeiro investigador.

Os módulos são uma alternativa, que como todas, têm suas vantagens e desvanta-gens; não defendemos nenhuma forma em especial, mas, acima de tudo, a necessáriaintegração dos conteúdos, que pode utilizar qualquer via conveniente em cada caso parti-cular, porém que permita o melhor resultado em função de alcançar os objetivos termi-nais de formação.

Definir as formas de organização do ensino correspondentes a cada agrupamentode conteúdos é outro dos passos a desenvolver nesta tarefa de estruturação. Entendemoscomo forma de organização espacial aquela em que se manifesta a relação entre o profes-sor e os estudantes, e entre os próprios estudantes, na que além disso se desenvolvem osmétodos de ensino e aprendizagem, mediante os quais os estudantes se apropriam doconteúdo e se alcançam os objetivos (ZAYAS,1999:146). É assim, que apreciamos nestatarefa uma concepção didática expressada na relação entre objetivo, conteúdo e método.

Na elaboração do plano de estudos do mestrado, a definição das formas de organi-zação por agrupamentos de conteúdos, permite orientar as relações destes últimos com oprocesso de formação, porquanto definem as relações entre professor e mestrando e emsentido geral tem um forte vínculo com os métodos a utilizar no próprio processo. Embo-ra, consideramos que a precisão das formas de organização, não deve, neste momentoessencial de planejamento e organização, ultrapassar os limites de suas concepções maisgerais, devido que a determinação de formas ou tipologias mais precisas, corresponde aosmomentos de execução do processo, pelos professores e mestrandos. Isto contribui a ga-rantir os altos níveis de flexibilidade, que como regularidade manifesta o mestrado, des-de um enfoque das formas e também dos métodos de ensino associados a elas.

A tarefa de estruturação dos conteúdos, culmina com a determinação da estruturade organização mais conveniente, na que se concreta o plano de estudos. Tem de seconsiderar o sistema de objetivos e conteúdos e também as condições concretas em que serealizará, atendendo às variantes de organização, à distribuição de atividades docentes ea uma seqüência dos conteúdos com um enfoque didático.

A distribuição de atividades docentes e a seqüência de conteúdos definem-se demaneira simultânea. A distribuição supõe colocar os conteúdos numa estrutura temporal,segundo suas formas de organização mais gerais, por períodos de tempo. No mestrado seutilizam diferentes variantes estruturais para esta distribuição, algumas precisam os perí-odos por anos, semestres, trimestres, etc., incluindo neles as atividades acadêmicas e de

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investigação; outras variantes consideram um período acadêmico inicial concentrado,seguido de um período investigativo mais amplo que culmina com a apresentação e defe-sa da tese. As disciplinas, módulos ou outros agrupamentos de conteúdos, colocam-se deacordo com as estruturas selecionadas e atendendo às seqüências mais convenientes.

O trabalho de pesquisa, integra todos os conteúdos do plano de estudos, destaforma se reflete nos agrupamentos de tipo acadêmico, porém a experiência indica a con-veniência de colocar na estrutura algumas atividades tais como seminários de dissertaçãoou outras similares, vinculadas diretamente à investigação e dirigidas a garantir suaexecução, gradual e desde os momentos iniciais do mestrado, mas também sua centralidadeque se manifesta na regularidade do caráter principal do componente investigativo. Ge-ralmente, na estrutura de organização aparecem também os períodos de elaboração dotrabalho de tese, como expressão escrita do trabalho de investigação e seus resultados. Nomestrado, a investigação se incorpora ao currículo como eixo de integração, e todos osdocentes devem participar de um modo ou outro no processo investigativo, que se conver-te na estratégia básica de ensino (HERNÁNDEZ,1998:43).

No mestrado, a seqüência na qual se colocam os conteúdos na estrutura de organi-zação, segue a lógica do método científico, da metodologia da investigação e a lógica daciência que explica o objeto de estudo, desta forma se pode refletir no processo de ensino-aprendizagem a seqüência da atividade básica do egresso, ou seja, seu modo de atuação,desde os primeiros momentos de sua formação. Este critério se complementa com o tra-dicional de colocar os conteúdos desde os mais simples aos mais complexos.

Outro assunto a considerar na definição da estrutura, é o tipo de currículo, comrespeito ao qual existem diferentes classificações e outras tantas denominações, porémno geral todas tendem a dois tipos extremos e um intermédio, baseados no critério de suaflexibilidade. Nesta perspectiva, considera-se como fechados (rígidos ou muitoestruturados), aqueles que apresentam uma variante de organização na qual os conteúdose sua seqüência temporal ficam claramente definidos em períodos de tempos obrigatóri-os. No outro extremo, os denominados abertos (flexíveis ou não-estruturados), permitemque as atividades docentes sejam selecionadas, de acordo com os requerimentos do pro-grama, porém de conjunto com as características e interesses do estudante, pode até nãoexistir uma lista predeterminada de matérias a cursar ou atividades docentes definidasem seqüências, às vezes define-se só os objetivos do programa, o perfil de ingresso e ascaracterísticas de professores e estudantes; a determinação dos conteúdos é realizada,geralmente pelos orientadores, para cada estudante, como parte de suas funções tutorais.

Para os mestrados, consideramos como mais conveniente a seleção de variantesintermédias entre as duas extremas explicadas anteriormente. O currículo fechado limita

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o relativamente alto nível de flexibilidade e a participação ativa do mestrando, que cons-titui uma regularidade deste processo de formação, e o currículo aberto é mais próprio dodoutorado que tende ao máximo nível de flexibilidade. A aplicação de variantes intermédiasde currículo, que poderíamos denominar de semi-flexíveis, permite, entre outros aspectosconsiderados como vantagens, incluir disciplinas não obrigatórias e outras opções queofereçam possibilidades ao mestrando de escolher o caminho ou via alternativa maisconveniente a seus interesses de formação especializada, respeitando o perfil de egresso.

A terceira tarefa na elaboração do plano de estudos, se resolve a partir da seleçãoe estruturação dos conteúdos e consiste na determinação de tempos e créditos a cadaatividade letiva, assim como à tese e outras atividades não letivas que se programem.

Apesar de que na medida em que ficam resolvidas as tarefas anteriores, se ga-nham elementos para determinar a importância relativa e nível de aprofundamento decada conteúdo, até hoje a determinação dos tempos tem um caráter eminentemente empíricoe depende da experiência acumulada pelos que desenham o programa e os professores,em versões anteriores do mesmo ou de outros similares.

A integração dos conteúdos tem de ser prevista, desde seu desenho, mediante adeterminação das formas mais convenientes dos componentes acadêmico e investigativoe no vínculo que ambos manterão durante o processo de formação, principalmente medi-ante uma orientação metodológica que permita, na fase de implementação, selecionar osmétodos mais apropriados para alcançar altos níveis de criatividade e independênciacognitiva, esta é uma regularidade do mestrado. A integração se alcança como resultadode uma correta concepção sistêmica dos componentes do processo e sobretudo atendendoà dialética das relações entre objetivo, conteúdo e método.

A prática reflete algumas experiências positivas e interessantes com respeito atipos de formas de organização, que além das mencionadas, como seminários de disserta-ção ou de discussão das investigações e outras similares, podem complementar-se com aelaboração de artigos científicos, participação em eventos, projetos, etc., consideradas noprograma como atividades letivas e não-letivas. Tais experiências tendem a reforçar ocaráter central da investigação, como forma fundamental do componente investigativo eatividade integradora principal.

A seleção dos métodos concretos de ensino é uma prerrogativa do professor, a qualdeve reger-se no aspecto acadêmico, por uma orientação de caráter criativo, com base naproblemática e a heurística, porém que propiciam níveis de assimilação criativo. O méto-do investigativo como estratégia fundamental de ensino, a investigação contemplada nodesenho como forma de organização, expressa as relações deste com seu orientador.

O sistema de avaliação, considerando os objetivos e apoiando-se nos métodos,

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será integrador dos conteúdos, tendendo a níveis criativos, que constate o resultado daformação do mestrando, que contribua a prepará-lo não só para o exercício final de defe-sa de sua tese, senão com vistas ao mais importante, sua atuação como investigador. Istoimplica, desde um enfoque didático, ser conseqüentes com as relações entre objetivo,conteúdo, método e também entre objetivo, método e avaliação.

Análises das linhas de desenvolvimento definidas como mais importantes e prioridades num ramo do saber

Diagnóstico dos problemas gerais que são prioridades no ramo do saber

Determinação dos objetos específicos ou campos de ação

Inventário de problemas concretos e seus objetos específicos ou campos de ação

Determinar o objeto do egresso

Determinar os problemas que conformarão o objeto de estudo

do mestrado Determinar os Modos de atuação

Definir o (os) campo (s) de ação

Métodos de solução

DESENHO CURRICULAR DO MESTRADO

Determinar as invariantes de habilidade

Determinar as invariantes do conhecimento

Determinar os objetivos educativos do egresso

Elaborar o Perfil do Mestre determinando a correspondência entre objetivos e conteúdos

Determinar os objetivos do egresso do mestrado que contemplam o instrutivo e o educativo

Elaborar o Plano de Estudos determinando os agrupamentos de conteúdos mais convenientes e seus objetivos correspondentes

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A modo de conclusões:

Esta metodologia é resultado de uma investigação sobre a didática específica dosmestrados, que pretende aportar alguns elementos à didática da pós-graduação, muitopouco estudada até o hoje. Consideramos que esta metodologia, teórica e pedagogica-mente fundamentada, permite aperfeiçoar o desenho curricular do mestrado, garantindosua dinâmica, sem constituir um esquema rígido que limite sua necessária flexibilidade.Desta maneira, se pode otimizar o desenho curricular com um enfoque científico, dimi-nuindo ao mínimo indispensável seu nível empírico.

Modelando teoricamente o processo, foi possível estudar sua estrutura e dinâmicaa partir dos componentes que o integram e estabelecer um sistema de regularidades ne-cessário e suficiente, que atuam como manifestações concretas deste processo particular.Foram considerados com as propostas deste trabalho.

Concretizando, a metodologia é resultado de um trabalho de investigação, queresume todo um conjunto de analises sob pontos de vista pedagógicos, conceptuais,metodológicos e organizacionais do problema e o objeto de estudo e constitui uma alter-nativa de solução de aplicação prática no contexto do aperfeiçoamento dos desenhoscurriculares dos mestrados.

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O FUNDEF E A RECONFIGURAÇÃO DASRESPONSABILIDADES EDUCACIONAIS ENTRE AS ESFERAS

DE GOVERNO NO ESTADO DE MATO GROSSO*

Josete Maria Cangussú Ribeiro1

RESUMO: Este artigo sintetiza em linhas gerais os resultados obtidos com a pesquisa referenteaos efeitos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizaçãodo Magistério - FUNDEF sobre as funções e a qualificação docente no contexto do regime decolaboração entre a esfera estadual e municipal no âmbito do Estado de Mato Grosso. O númerode matrículas e funções docentes da Educação Básica foram analisadas a partir do instrumentaljurídico do FUNDEF e pelos preceitos fundadores da gestão entre as redes e sistemas. Permitiudesvelar a reconfiguração da divisão de responsabilidade entre as esferas administrativas gover-namentais, e seus efeitos sobre as funções e a qualificação docente.

UNITERMOS: FUNDEF; Gestão e Financiamento; Regime de Colaboração, Valorização doMagistério

Legalmente constituído, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do EnsinoFundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF – teve o início de operações emjaneiro de 98, inaugurando, assim, um novo modelo de gestão administrativa e financeirados recursos destinados à educação. A vinculação dos recursos a este Fundo e a sua libe-ração periódica conforme art. 69 da Lei 9.424/96 estipulando os prazos para os repassesdos valores devidos à Educação, constituem um divisor de águas do modelo de gestãofinanceira da educação pública no Brasil. Marcam um novo período na história da políti-ca educacional brasileira, concretizando parte das proposições e metas definidas nos fórunsdemocráticos, da primeira metade da década de 90.

O FUNDEF nasce trazendo no seu corpo a marca da partilha e no seu espírito oobjetivo de valorização do magistério. A partilha dos recursos arrecadados em cada esta-do e seus municípios, conforme o número de alunos matriculados nas respectivas redesde ensino, vem estampando uma nova configuração na oferta da Educação Básica e nouso dos recursos financeiros públicos. Os municípios, que com a operação do FUNDEFviram os seus recursos sendo redistribuídos com o estado ou outros municípios, desenca-

* Artigo extraído da dissertação de mestrado, apresentada na UFRGS: O FUNDEF em Mato Gros-so, colhendo frutos e reparando arestas: estudo dos seus efeitos sobre as funções e a qualificaçãodocente.1 Mestra em Educação, professora da disciplina Estrutura do Ensino lotada no Departamento deLetras do Campus Universitário de Tangará da Serra e. Coordenadora do Grupo de Pesquisa emGestão e Financiamento da Educação na Unemat.

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dearam um processo de expansão das suas redes, com o objetivo de “não perder recursospara o Fundo”, expressão comum entre os administradores públicos.

A vinculação de 15% de grande parte dos recursos a uma conta específica, exer-cendo a própria agência financeira a função de redistribuir os recursos nas contas vincu-ladas do Estado e Municípios, inibe a prática viciada dos desvios dos recursos destinadosconstitucionalmente à educação, usual por parte dos gestores públicos estaduais e muni-cipais.

Não prescinde, porém, do acompanhamento e fiscalização da sociedade. Aindahoje, ouvem-se denúncias de casos de desvios de finalidades dos recursos destinados àeducação, de atrasos de pagamento de pessoal, de ingerência política junto aos conselhos,com traços coronelistas, de superfaturamento de obras, razões que mobilizaram a socie-dade organizada em torno da definição de uma outra política educacional para o País.Alguns setores, é verdade, defendem a vinculação não apenas de 15 % dos recursos, masa sua integralidade, destinando-os ao Fundo, não apenas ao Ensino Fundamental, mas àEducação Básica, para incluir as etapas de Educação Infantil, Ensino Médio e a modali-dade de Educação de Jovens e Adultos, outros ainda cobram tão somente, o cumprimentodo Título Financiamento da Educação, consignado na LDB.

Aumento de matrículas e agilidade municipal

Em estudo comparativo entre os valores distribuídos aos municípios mato-grossenses no ano de 1997, referentes às transferências, com os valores distribuídos em1998 e 1999, sob a égide do novo ordenamento jurídico estabelecido pelo FUNDEF,realizado pela Secretaria de Estado de Educação, verifica-se que 30% dos municípiosmato-grossenses receberam como cota-parte do FUNDEF um valor superior aos recursosdistribuídos em 97. Portanto, este aumento de recursos, foi viabilizado pela redistribuiçãodos recursos de 70% dos municípios, além da esfera estadual, que em tese, tiveram suascondições para valorização do magistério e melhoria da qualidade reduzidas.

Este acréscimo de recursos recebidos por tais municípios, deve-se a que possuíamuma fatia maior de responsabilidade na oferta do Ensino Fundamental, beneficiando-secom esta política de equalização, ou a que possuem uma baixa arrecadação de impostos etransferências, beneficiando-se, neste caso, da redistribuição igualitária com base no va-lor per capita, estabelecido pela Lei 9.424/96. Todos adquirem, em tese, melhores condi-ções financeiras para a oferta do Ensino Fundamental.

Em termos gerais tem-se no ano de 1998, um total de 515.551 alunos matricula-dos, sendo 298.739 (57.95%) na rede estadual e 216.812 (42.05% ) na municipal. Verifi-

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Politica Educacional

ca-se, portanto, que a esfera estadual tem aproximadamente 81.927 alunos a mais que oconjunto dos municípios. Quando se analisa o ano de 2001, constata-se que esta propor-ção foi alterada, com diminuição na diferença de alunos entre as duas esferas administra-tivas. Ainda que ambas as esferas tenham aumentado suas matrículas, a municipal foimais célere que a estadual.

A configuração ora apresentada revela, portanto, que houve uma significativa al-teração na ordem da divisão de responsabilidades com a oferta do Ensino Fundamentalno Estado, com um número significativo de municípios assumindo um número maior dematrículas. É primordial contudo, compreendermos a natureza desta municipalização dematrículas, como tem sido efetivada e como poderia ser idealmente, uma municipalizaçãocom responsabilidades compartilhadas e assumidas solidariamente, gerando justiça, de-mocratização e qualidade na educação.

Na realidade, a situação em Mato Grosso pode ser caracterizada apenas como umprocesso de assunção de responsabilidades por iniciativa solitária dos gestores da políticaeducacional. A proporcional municipalização, por isso, tem sido caricaturada como umaprefeiturização da Educação. Não há um movimento de transferência de encargos doestado aos municípios, generalizadamente, neste sentido é importante verificar sobre agestões única e compartilhada existentes no estado de Mato Grosso.

FUNDEF - ganhos e perdas

A redistribuição dos recursos altera a disponibilidade financeira tanto da esferaestadual quanto das municipais, levando tanto o Estado quanto os Municípios, acontabilizar determinado valor como ganhos ou perdas derivadas do FUNDEF, conformese verifica em peças do balancete do Estado de Mato Grosso, referentes aos anos de 1998,1999 e 2000.

Portanto, a expansão das redes municipais, com o aumento de suas matrículas,vem impactar a esfera estadual, acarretando a redução das suas responsabilidades, e tra-zendo conseqüências sobre o número e o tipo de funções docentes, bem como a qualifica-ção dos profissionais que necessitam. A engenharia do FUNDEF, interpretada pelacontabilização de ganhos ou perdas, tem levado os municípios a expandir as matrículascom o objetivo único de evitar, aparentemente, perdas de recursos financeiros, ou supos-tamente melhorar os seus ganhos. À gestão compartilhada não tem significado planejarracionalmente a oferta educacional, tendo em vista a otimização dos recursos.

Analisando, no balancete financeiro da esfera governamental estadual, especifica-mente o quadro demonstrativo dos recursos aplicados em 1999, constatamos que, da

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Revista da Faculdade de Educação

receita líquida arrecadada de R$ 1.286.867.257,40, foram aplicados na educação323.502.143,54, ou seja 25,14%. Destes, R$ 298.155.596,81 foram contabilizados comodespesas da esfera estadual, sendo contabilizados como perdas do estado com o FUNDEFum total de R$ 25.346.546,73.

As perdas do Estado de Mato Grosso, contabilizadas no balancete de 2000, totalizamR$ 39.152.450,33. Foram transferidos ao Fundo Estadual de Manutenção e Desenvolvi-mento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério em 2000, R$ 217.213.405,61,e recebidos deste R$ 178.060.955,28, dado a proporção de alunos atendidos.

Ainda, analisando o quadro dos recursos aplicados em educação, na esfera estadu-al nos exercícios financeiros de 1995, 1996 e 1997, podemos constatar que além de cons-tar um percentual superior aos 25% exigidos legalmente, está consignado que o paga-mento dos inativos e pensionistas não está computado dentro destes percentuais. Este é,naqueles anos, considerado despesa computada como encargos gerais do Estado-Secreta-ria de Estado de Administração. Porém, nos balancetes dos anos subseqüentes, relativosa 1998, 1999 e 2000, os gastos com os inativos e pensionistas passaram a ser ali compu-tados.

O quadro abaixo demonstra o valor por aluno, efetivado desde a implantação doFUNDEF:

Quadro I

Quadro Demonstrativo do valor aluno anual do FUNDEF - Mato Grosso, 1998- 2001

Fonte: Para 1998, 1999 e 2001Seduc/Asseplan;para 2000,-http//www.stn.fazenda.gov.br.

ANO VALOR ALUNO/ MT VALOR ALUNONACIONAL

1ª - 4ª 5ª - 8ª/ED.ESP. 1ª - 4ª 5ª - 8ª/ED.ESP.

1998 434,38 434,38 315,00 315,00

1999 495,21 495,21 315,00 315,00

2000 528,00 554,40 333,00 349,00

2001 573,60 602,28 368,00 381,15

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Politica Educacional

Como podemos depreender, os valores mínimos por aluno/ano, resultantes da ra-zão entre o montante de recursos destinados ao fundo e o total de alunos matriculados noensino fundamental regular e especial, nas esferas estadual e municipal, desde a suaimplantação, foi superior ao valor mínimo fixado no âmbito nacional. O FUNDEF emMato Grosso não recebe, portanto, nenhuma complementação da União, operando ape-nas com os recursos oriundos das receitas no âmbito estadual.

O valor por aluno no Estado de Mato Grosso representa para alguns municípiosganhos significativos, que em princípio deveriam converter-se em melhoria do padrão dequalidade ofertado. Para outros municípios significa perdas, já que antes do FUNDEFoperavam com um valor maior por aluno. Contudo, se carece de estudos que permitamverificar com mais precisão os ganhos e perdas nos municípios, se sabe de antemão, queestes valores estão aquém do padrão de qualidade almejado, ainda que não esteja bemdefinido e acordado.

O Conselho Estadual de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manu-tenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério doEstado de Mato Grosso, criado pela Lei N.º 6.880, de 23 de maio de 1997, cujos membrosda primeira composição foram nomeados pelo ato governamental, publicado no DiárioOficial datado de 21de janeiro de 1998, teve sua instalação a partir de 1º de janeiro de1998.

Sendo, o acompanhamento e o controle do FUNDEF por parte dos conselheirosum dos meios considerados adequados à garantia de correção ética e transparência nasaplicações dos recursos financeiros, mas, ao mesmo tempo, estratégia importante para ademocratização da gestão administrativa e financeira dos recursos públicos destinadosconstitucionalmente à educação, torna-se pois, imprescindível, uma aproximação dofuncionamento deste Conselho no Estado de Mato Grosso. Vistoriando o livro de atasdeste conselho, desde a sua implantação até o ano de 2001, conclui-se que o mesmo nãofuncionou plenamente, encontrando-se parte considerável deste período paralisado.

Cabe, contudo, uma maior reflexão acerca do não funcionamento dos conselhos,buscando as reais causas. Quem são os conselheiros? Quais as suas condições de partici-pação? Como foram feitas as suas escolhas? Até onde vão os poderes de representação e aliberdade de participação? A quem de fato representam? Em quais fóruns e espaços davida educacional participam? Quais outras formas de acompanhamento além da análisede balancetes e contas podem ser viabilizadas?

Promover fóruns onde o debate dos problemas relacionados à gestão financeira,administrativa e pedagógica possa fluir, privilegiar o espaço dos auditórios, onde o diálo-go multicultural possa transcorrer, onde os diversos atores envolvidos direta e indiretamente

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na vida educacional possam se pronunciar, podem constituir estratégias adequadas paraque os problemas relacionados à gestão da política educacional possam ganhar maiortransparência, e iniciativas de solução possam ser viabilizadas no plano do coletivo, con-trapondo a ordem individualista e competitiva.

Regime de competição X regime de colaboração

Embora o FUNDEF traga em sua gênese a idéia de socialização, partilha igualitá-ria e de respeito às diferenças, quando deposita em um único fundo os recursos das duasesferas de governo, e divide por um valor per capita, recebendo cada esfera a fatia derecursos proporcional ao tamanho de sua responsabilidade na oferta do Ensino Funda-mental, verificamos que o terreno em que foi implantada esta idéia encontrava-se bastan-te árido, enfraquecido pela cultura da competição, acirrado por estes próprios mecanis-mos de distribuição dos recursos, revelando assim a face contraditória deste Fundo.

Frente a esta face contraditória, os termos referentes ao regime de colaboração,consignados no conjunto de leis educacionais vigentes, não têm sido suficientes para darcorpo à idéia de colaboração entre os entes federados. Os fóruns de debates coletivos, emtorno da política educacional e de seu planejamento, visando adequar-se aos novos meca-nismos, não têm sido suficientes para fortalecer a colaboração, cedendo espaço ao regimede competição e à disputa por um número maior de alunos, especialmente naqueles mu-nicípios onde o percentual de responsabilidades na oferta do Ensino Fundamental erainferior à sua capacidade, se considerado o valor mínimo por aluno permitido pelo Fun-do.

Ressalta-se contudo, que esta disputa acirrou-se ainda mais, em razão do baixovalor mínimo por aluno, definido nacionalmente desde a implantação do FUNDEF, quetem isentado a União de complementar os Fundos estaduais, entre estes o de Mato Gros-so, que tem ficado numa média superior ao valor mínimo definido nacionalmente, insu-ficiente, porém, para continuar ofertando o padrão de ensino praticado em muitas redes.

Este valor por aluno deixaria de ser mínimo, caso se definisse o custo aluno qua-lidade de que fala a Emenda 14 e a Lei do FUNDEF, bem como a própria LDB, aindacarentes de regulamentação, e assim, muitos municípios que continuam tendo recursosretidos ao Fundo não os teriam, haja vista que este valor por aluno possibilitaria a cadamunicípio receber um montante maior de recursos, comparado com os que recebematualmente, proporcional portanto, a um padrão de qualidade previamente definido,alocando recursos suficientes para atender com qualidade a demanda educacional e, con-seqüentemente valorizar o magistério.

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Politica Educacional

Na prática ocorre que, ao reter no Fundo o percentual de 15% dos recursos vincu-lados ao FUNDEF e após a sua redistribuição, o valor recebido de volta por muitos muni-cípios, bem como pela esfera estadual, é inferior ao valor retido. Frente às perdascontabilizadas, a saída encontrada por muitos municípios, é oferecer atendimento paraum número maior de alunos, possibilitando, por um lado, reduzir as perdas ou obter umareceita melhor, mas por outro, requer provavelmente a redução de qualidade, pois osrecursos recebidos são também divididos por um número maior de alunos, observando-se, por exemplo, salas superlotadas com número de alunos superior ao estabelecido.

O FUNDEF e a divisão de responsabilidades entre as esferas governamentais

O FUNDEF, ao juntar os recursos distribuídos às esferas governamentais combase nos critérios constitucionais consignados pela Emenda 14 e reparti-los conforme asresponsabilidades assumidas por cada dependência administrativa, abalou consolidadasestruturas de redes e sistemas de ensino, reconfigurando o mapa de divisão de responsa-bilidades entre os entes federados.

No Estado de Mato Grosso, a responsabilidade da esfera estadual com a EducaçãoInfantil, estimada em 1991, em 49%, na metade da década já havia se reduzido, atingin-do em 1996, 33,79 %. Após o FUNDEF, a tendência se aprofunda, pois decresce brutal-mente na segunda metade, reduzindo para 2,85 % em 2000, chegando a apenas 1.604crianças matriculadas.

Por outro lado, verificou-se um crescimento vertiginoso das responsabilidades daesfera municipal. No ano de 1991 encontravam-se matriculadas na rede municipal 9.907crianças, representando 25,15 % no conjunto das matrículas das três esferas administra-tivas. Este número, no final da década, chegou ao total de 43.361 matrículas no ano de2000, com os municípios do estado assumindo 77,15 %, no conjunto total das responsa-bilidades entre as esferas administrativas com esta etapa educacional. Nesse período cons-tata-se também, a redução de 6% nas responsabilidades da esfera particular.

O gráfico ao lado mostra o percentual de responsabilidades de cada esfera admi-nistrativa:

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Se no início da década a esfera estadual mantinha quase 50 % das responsabilida-des, podemos constatar, no final da década, conforme demonstra o gráfico referente aoano 2000, uma inversão total desta responsabilidade, com o município assumindo quaseque totalmente a responsabilidade das matrículas da esfera pública.

O mecanismo de gestão financeira, instalado com o FUNDEF, levou a esfera esta-dual a acelerar o processo de desoneração das despesas com a Educação Infantil. Tendo60 % de grande parte dos impostos e transferências, vinculados à educação automatica-mente vinculados ao Fundo, e uma vez que a Constituição Federal, com a Emenda 14, noArt. 211, em seus parágrafos 2º e 3º, e a conseqüente Lei de Diretrizes e Bases dasEducação Nacional n.º 9.394/96, estabelecem que os Estados e o Distrito Federal, atuarão

49%

25%

26%

0%FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR

20%

77%

3% 0%FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR

Gráfico 1.1

Responsabilidades com a oferta da Educação Infantil entre as esferas admi-nistrativas. Mato Grosso, 1991 e 2000.

Fonte:1991 Seduc/Asseplan/Dmie.2000: Mec/Inep/Secuc/Asseplan/D.mie

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Politica Educacional

prioritariamente no Ensino Fundamental e Médio, e os Municípios no Ensino Funda-mental e Educação Infantil, não seria então, conveniente ao Estado, continuar ofertandomatrículas nesta etapa.

Se por um lado cumpriu o que diz a legislação, por outro, não considerou ospreceitos do artigo 11 da Lei Complementar 049/98. Não foram constatadas medidasadministrativas, no âmbito da Gestão Única, que impedissem impactos sobre o númerode funções docentes com implicações sobre a qualificação, oportunidade estratégica, parafortalecer os laços do regime de colaboração no Estado.

Embora a política educacional em Mato Grosso tenha dado passos importantes emdireção ao fortalecimento do regime de colaboração no Estado, este ainda é frágil. Mes-mo estando consignado na Constituição Estadual, que, neste Estado, as esferas governa-mentais organizarão de forma articulada os seus sistemas de ensino, preceituando na LeiComplementar 049/98, os princípios orientativos da chamada gestão única, ainda nãoregulamentada em Lei própria.

O que se constatou de fato, foi a desoneração da esfera estadual com a EducaçãoInfantil, sem que houvesse o planejamento articulado entre as esferas administrativas,com compromissos coletivos assumidos, evitando ocorrências como a redução das matrí-culas da pré-escola, e a excedência de profissionais qualificados na esfera estadual, quepor sua vez, haviam conquistado a poder de muita luta, a sua Lei de carreira.

Enquanto a política educacional avança em passos lentos, como podemos consta-tar nos números de matrículas da Educação Infantil, as crianças vão deixando para trás ainfância, levando consigo, a eterna marca de ter-lhes sido negado, de fato, o direito aoacesso a esta etapa educacional, consignado na legislação como oferta de vagas e nãocomo obrigatoriedade. Estas marcas, conforme revela a ciência da educação, permanece-rão latentes durante todo o processo de desenvolvimento educacional, e se vêem refletidas,nos índices de evasão, de repetência, de custo aluno e de qualidade.

A configuração, desenhada na dinâmica das matrículas do Ensino Fundamentalno ano 2000, revela a tendência do contínuo crescimento da oferta educacional na esferamunicipal, e a gradativa redução na estadual. A tendência de aumento das matrículas, naesfera municipal, já se verificava desde o início da década, quando foram estabelecidasna Constituição Federal, as responsabilidades de cada esfera governamental na oferta daEducação Básica, cabendo o Ensino Fundamental a estas duas esferas administrativas,tendo como princípio constitucional o regime de colaboração.

Contudo, verificava-se um crescimento lento, e uma visível disparidade no custoaluno, operado por ambas as redes. A esfera municipal, com um percentual menor deresponsabilidades, em alguns municípios com arrecadação melhor, inseria componentes

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curriculares diferenciados, passando a imagem de um padrão de qualidade melhor, pa-gando melhores salários, instalações e condições materiais superiores à esfera estadual, oque seria adequado e obviamente justo, como já dito, se não fosse a precarização e osucateamento da esfera estadual, e se não fossem além de tudo, os tradicionais desvios derecursos financeiros ocorridos, não ainda extirpados em muitos lugares, mesmo com ocontrole mais rigoroso, possibilitado pelo FUNDEF, infelizmente sobre, apenas, partedos recursos.

Veja no gráfico abaixo o comparativo da evolução das matrículas dos anos de1997 e 2000, das séries iniciais e finais:

Gráfico 1.2

Matrículas no Ensino Fundamental nas séries iniciais e finais,por esfera administrativa. Mato Grosso, 1997 - 2000

Fonte : Mec/Inep/Seduc/Asseplan/Dmie

Fica assim registrado o decréscimo das matrículas nas séries iniciais na esferaestadual e um leve aumento nas séries finais, contudo, inferior ao decréscimo naquelas,indicando a tendência de redução do tamanho da esfera estadual e o crescimento daesfera municipal, tanto nas séries iniciais quanto nas finais.

Os gráficos abaixo demonstram as responsabilidades dos entes federados com a

0

142.147146.078

26.970

0

169.595

35.77425.074

0

119.854

185.901

18.379

0

188.642

81.078

17.766

1ª A 4ª 5ª A 8ª 1ª A 4ª 5ª A 8ª

1997 2000

FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR

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Politica Educacional

oferta do Ensino Fundamental, no início e final da década de 90:Gráfico 1.3

Responsabilidades com a oferta do Ensino Fundamental entre as esferas ad-ministrativas. Mato Grosso, 1991-2000

Fonte: Seduc/Asseplan/Dmie. 2000: Mec/Inep/Seduc/Asseplan/Dmie

O gráfico demonstra portanto, a redução das responsabilidades com a oferta edu-cacional nesta etapa de ensino por parte da esfera estadual e, o expressivo aumento dasresponsabilidades da esfera municipal. Sabe-se que no Ensino Fundamental, na idade de7 a l4 anos, reconhecido como regular, as estatísticas dão conta de que o Brasil e, especi-

0% 10%

25%

65%

FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR

RESPONSABILIDADES ENSINO FUNDAMENTAL - 2000

0%

44%

0%50% 6%

FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR

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Revista da Faculdade de Educação

almente Mato Grosso, já estão prestes a universalizar a sua oferta. O desafio maior con-centra na oferta do Ensino Fundamental para a população acima de 14 anos, conhecidacomo demanda reprimida, que por várias razões não teve acesso ou foi excluída da esco-la, formando portanto uma grandiosa demanda potencial, a ingressar nesta modalidadede ensino. Passamos assim, a focalizar mais detidamente a Educação de Jovens e Adul-tos.

Educação de jovens e adultos

Os números dão conta de que, em Mato Grosso, 189.566 pessoas com idade de 15anos ou mais, ou 11,9% da população, não têm acesso ao direito elementar da educação,que é o de ler e escrever. Os números dos(as) que ainda não tiveram acesso ao EnsinoFundamental aumentaram sensivelmente. Diante destes números, a Secretaria de Estadode Educação estabeleceu como meta reduzir a taxa de analfabetismo entre as pessoas comidade de 35 a 49 anos, de 17% para 5%, até o final de 2003. Isto eqüivale a alfabetizar50.000 pessoas em dois anos. (www.seduc.gov.br).

Compare na tabela abaixo, a dinâmica de matrículas nesta modalidade de ensino,nos anos de 1997 e 2000:

Tabela 1.1

Matrículas na Educação de Jovens e Adultos, por esfera administrativa MatoGrosso, 1997 e 2000

Fonte: Mec/Inep

Esfera Administrativa 1997 2000 %

Federal 157 0 -100,00

Estadual 51.871 52.539 1,29

Municipal 8.122 5.701 -29,81

Particular 2.747 2.428 -11,61

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Politica Educacional

A redução foi verificada na esfera federal que extinguiu de vez a sua pequenaparticipação na oferta, seguida da esfera municipal que reduziu-se em quase 30% e aindaa esfera particular que encolheu em 11,61%, ficando assim, amplamente caracterizada aredução da oferta do Ensino de Jovens e Adultos na vigência do FUNDEF no Estado deMato Grosso.

Na esfera estadual não foi verificada a redução, manteve-se a oferta com um au-mento mínimo de 1,29% nas matrículas. Contudo, sabe-se que nesta esfera várias salasde aulas foram transformadas em salas de aceleração, regulamentadas em portaria daSecretaria de Estado, dentro do esquema de reorganização dos ciclos de aprendizagem.Estas salas de aceleração passaram a ser contadas como Ensino Fundamental regular eportanto, suas matrículas passam a contar para fins de distribuição do Fundo. Este é,assim, um dos efeitos do FUNDEF na gestão da oferta no Estado de Mato Grosso.

O impacto maior nos números de matrículas foi verificado na esfera municipal,mas não se sabe se seus alunos foram contabilizados no ensino regular, nas salas deaceleração ou se, de fato, foram fechadas as classes de jovens e adultos (ensino supletivo).O que se sabe pelos registros estatísticos, é que a Educação de Jovens e Adultos, navigência do FUNDEF teve o número de matrículas total reduzido. Se concordamos comas diretrizes curriculares que é imprescindível a esta modalidade de ensino uma identida-de própria, cujos tempos e espaços sejam adequados ao alunado, e que classes de acelera-ção são vocacionadas às crianças e aos adolescentes com atraso em sua escolaridade, etêm sua própria dinâmica, tem-se, portanto, que as classes de jovens e adultos não podemser confundidas com classes de aceleração.

E, ainda, não podemos deixar de considerar, que se por um lado, a inclusão dosalunos da modalidade de Educação de Jovens e Adultos nas salas de aceleração, venha afazer justiça com a parcela da população antes excluída do Ensino Fundamental, incluin-do-a na contagem para fins de redistribuição dos recursos do FUNDEF, por outro, dimi-nui o valor por aluno, já que o bolo de recursos tem que ser fatiado de forma a contemplarum número maior de alunos, reduzindo assim as possibilidades de oferecer-lhes um ensi-no de melhor qualidade. Isto acontece dado que reduzem também, as condições paravalorizar o magistério, em termos de salários e condições estruturais e pedagógicas dasescolas, já que a ampliação do atendimento, exige número maior de profissionais, impli-cando em mais despesas.

A derrubada do veto à Lei do FUNDEF, que levou à proibição da contagem dasmatrículas desta modalidade de ensino, para fins de redistribuição dos recursos, é algopremente. Só desta forma teremos a possibilidade de colocar nas salas de aula mato-grossenses e brasileiras, milhares de jovens e adultos excluídos do processo educacional.

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Contudo, para garantir um padrão de qualidade desejável e uma real valorização domagistério, a derrubada deste veto, deve acontecer junto com a melhoria do custo alunoqualidade, exigindo assim, esforços redobrados da sociedade brasileira para garantir aEducação de qualidade para todos. Aqui neste ponto, uma Reforma Tributária que venhaa redistribuir riquezas, e a permitir um controle mais rigoroso da arrecadação fiscal, éimprescindível, já que a educação, assim como as demais políticas públicas, alimenta-sedos impostos e demais tributos.

Outra possibilidade concreta de se obter um valor mínimo por aluno, melhor doque o atualmente praticado é a ampliação da oferta educacional, inclusive para esta mo-dalidade de ensino, e o perdão ou renegociação da impagável dívida externa, que emrazão do pacto de estabilização fiscal, confisca 20% das receitas públicas em cada esferaadministrativa para fins de pagamento dos juros. O pagamento de juros sobre a dívida doBrasil e demais países, consideramos injusto, reduz as possibilidades de se colocar nassalas de aula um número maior de crianças, jovens e adultos, de alargar os horizontes dacidadania e de que todos sejamos mais felizes. Acelerar as ações, em âmbito nacional einternacional, para resolver este problema da dívida é uma proposta em pauta para a EJAe toda a política de educação.

Os efeitos do FUNDEF sobre as funções e a qualificação docente

A reconfiguração na oferta da Educação Básica entre as esferas governamentais,implementada a partir da segunda metade da década de 90, deveria ser processada sob aégide do regime de colaboração, porém, o enfraquecimento da legislação no que tange àgestão conjunta dos sistemas e redes de ensino, agravada com a lógica da divisão daEducação Básica em três etapas operadas pelo FUNDEF, quando, da sua composição e doseu destino exclusivamente ao Ensino Fundamental, etapa cuja oferta pública compete àsesferas governamentais estadual e municipal, contribuiu para o agravamento da culturacompetitiva entranhada no corpo social, que tem limitado ao longo da história esta cola-boração, imprimindo ao mesmo tempo, uma lógica de desresponsabilização pública coma oferta educacional da Educação Básica em suas três etapas.

A reorganização da oferta educacional passou portanto, a ser processada sob estalógica, com a esfera estadual se desincumbindo da Educação Infantil, sem levar em contao regime de colaboração entre as esferas administrativas e, mantendo então, as duasesferas a responsabilidade com a oferta do Ensino Fundamental.

Este processo tem gerado impactos sobre a gestão administrativa e pedagógica dasredes e sistemas de ensino. Estes impactos podem ser verificados especialmente sobre a

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organização do trabalho docente, com efeitos sobre o número das funções e a qualificaçãodos profissionais, gerada pelo processo de descentralização da oferta educacional condu-zido a partir desta lógica.

Estes efeitos, sobre as funções docentes e a qualificação dos profissionais, têmafetado, especificamente, o número de funções docentes em ambas as esferas administra-tivas governamentais, ou seja, a esfera pública estadual e municipal. De um lado, é aesfera municipal que tem ampliado os seus limites de oferta educacional do Ensino Fun-damental e Infantil. De outro lado, é a esfera estadual que em alguns lugares reluta pararepassar o Ensino Fundamental aos municípios; este quadro tem inviabilizado oplanejamento coletivo entre as esferas administrativas públicas.

Estes efeitos na redução do tamanho das responsabilidades governamentais, quetêm por sua vez gerado impactos sobre o número de funções docentes, sofrem, também,os efeitos oriundos do próprio conceito atribuído ao trabalho docente, e o seu trato en-quanto funções, divididas em várias jornadas, como conseqüência da própria lógica deorganização do conhecimento epistemológico dual, dividido, fragmentado e disciplina-do, injetado em pequenas doses, a partir de ações individualizadas dirigidas por cadadocente, em espaços e tempos também delimitados conforme esta organização, além daspróprias condições estruturais, especialmente as financeiras, em que têm operado as re-des e sistemas de ensino.

Os impactos da descentralização da Educação Infantil em Mato Grosso são bas-tante evidentes sobre as funções e a qualificação docente. Obviamente que a extinção daoferta de matrículas na esfera estadual, trouxe também a extinção das funções docentesdesta etapa educacional nesta esfera administrativa. Consoante com as matrículas naprimeira metade da década, da totalidade das funções docentes nas três esferas adminis-trativas, uma média aproximada de 50 % encontrava-se vinculada à esfera estadual em-bora, já a partir de 1994 o número de funções docentes nesta esfera tenha começado adeclinar, enquanto a esfera municipal inicia um ritmo lento de crescimento até meadosda década, tomando um forte impulso da segunda metade em diante.

A partir da segunda metade da década, constata-se a contínua redução das funçõesdocentes na esfera estadual, e o crescimento destas na esfera municipal. No ano de 1998aconteceu a redução abrupta das matrículas da Educação Infantil, conforme demonstradonos estudos das matrículas nesta etapa de ensino, impactando automaticamente sobre asfunções docentes. O total de 975 funções docentes existentes em meados da década, redu-ziu-se a um número inexpressivo de 88 funções ao final, com uma redução portanto, de887 funções docentes na esfera estadual.

A esfera municipal, que no início da década, possuía um total de 443 funções

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docentes, representando 23 % dos docentes atuantes na Educação Infantil, aumenta paraum total de 1.925 funções, representando 69 % do total das funções docentes nesta etapade ensino, enquanto que a esfera particular também apresenta uma redução de aproxima-damente 12 % de funções docentes, dado à redução das matrículas.

No gráfico de linhas, podemos visualizar o crescimento ascendente destas funçõesna esfera municipal, desde o início da década, ganhando um forte impulso da metade dadécada em diante, ao mesmo tempo em que revela a queda vertiginosa na esfera estadual:

Gráfico 2.1

Funções Docentes na Educação Infantil, por esfera administrativa. Mato Gros-so, 1991 - 2000

Fonte:1991 e 1995-Seduc/Asseplan/Dmie. 2000-Mec/Inep/Asseplan/Dmie.

Com esta redução de funções docentes, a partir de 1998, a rede estadual de ensinotem enfrentado problemas nas atribuições de aulas para o quadro de pessoal efetivo,agravado com a redução das funções docentes, também nas séries iniciais do EnsinoFundamental, conforme veremos adiante, verificando-se um número crescente de profis-sionais excedentes, sendo denominados pela Secretaria de Educação como remanescen-tes2. Profissionais estes, do quadro efetivo, enquadrados na carreira via concurso público,em sua maioria habilitados em pedagogia ou em magistério, aos quais, hoje, são atribuí-

1925

777975

884

88813

443

1.149

597

1991 1995 2000FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR

2 Remanescentes: denominação dada aos profissionais do quadro efetivo da rede estadual de ensi-no, atuando em áreas consideradas diferentes da sua habilitação.

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das aulas em outras áreas e funções carentes de profissionais com habilitação em licenci-aturas específicas.

O princípio do regime de colaboração consignado na Constituição Federal, naConstituição Estadual e na Lei Complementar 049/98, em seu artigo 11, que implanta aGestão Única, com a finalidade de implementar progressivamente o Sistema Único deEducação Básica, não foi suficiente para provocar o planejamento da oferta educacionalentre as esferas administrativas, neste momento de descentralização da Educação Infan-til.

O planejamento racional, entre estado e município, conferiria um caráter deresponsabilização estatal a esta política. A sua falta portanto, imprime a esta política umcaráter de desresponsabilização, podendo ser classificada como uma política de caráterneoliberal. A esperança da comunidade educacional, de ver fortalecida a solidariedade eo planejamento coletivo entre as esferas governamentais, se volta agora, para os espaçosde elaborações dos planos municipais e estadual de educação.

Quando analisamos a divisão de responsabilidades com a oferta do Ensino Funda-mental e a esfera governamental a qual encontram-se vinculados os profissionais, consta-tamos que o percentual de funções docentes da esfera estadual, quando analisado noconjunto da totalidade das funções docentes no Estado, reduziu. Das funções docentes doEnsino Fundamental no início da década, 62,4 % encontravam-se vinculadas à esferaestadual; este percentual reduziu ao final da década para 46,3%, face ao crescimento donúmero de profissionais da esfera municipal.

Constatamos por outro lado, um crescimento fabuloso do número de funções do-centes no Ensino Fundamental da esfera municipal que, no início da década possuía5.396 funções, passando ao final para 12.272, representando 42,9% do total. Este cresci-mento de funções docentes na esfera municipal pode ser visto como um dos efeitos doFUNDEF. Se houve o aumento de matrículas no Ensino Fundamental na esfera munici-pal, obviamente que aumentaram também as funções docentes.

A redução das funções docentes na esfera estadual, no Ensino Fundamental, re-presenta, em números, apenas 146 funções, o que contudo não expressa a realidade ob-servada. A redução das matrículas das séries iniciais nesta esfera administrativa, na últi-ma década, só no Ensino Fundamental ultrapassou a casa de vinte mil; temos ainda aredução da Educação Infantil demonstrada anteriormente e, portanto, a redução das fun-ções docentes também ocorreu em números superiores a estes.

Mais uma vez, aqui, fica demonstrado que a expansão das redes municipais,conduzidas nas trilhas da competição, causa prejuízos para ambas as esferas administra-tivas, com implicações sobre os custos financeiros e pedagógicos, a qualidade do proces-

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so educacional e a valorização do magistério.É aqui que o calor do debate dos fóruns representativos, participativos e democrá-

ticos faz a diferença: socializa e humaniza a política educacional, contrapondo à lógicaneoliberal economicista que simplesmente contabiliza e divide, deixando que a competi-ção defina os rumos e o destino de milhões de pessoas. A excedência de pessoal na esferaestadual em razão do processo de municipalização das matrículas, não tem sido apreen-dida pelos instrumentos estatísticos tradicionais ou, se tem sido, não está sendo revelada.

Suscita ainda indagar, qual o fundamento filosófico desta municipalização? Jáque é de conhecimento público que os recursos disponibilizados não contemplam umcusto aluno qualidade e a competição tem comprometido a colaboração, ficando caracte-rizada a simples transferência de responsabilidades da oferta educacional do Ensino Fun-damental para os municípios. Resta saber qual formatação jurídica e filosófica terá amunicipalização no Estado de Mato Grosso, já que na legislação que regulamenta o Sis-tema Estadual de Ensino, a gestão única é concebida como a ante sala de um chamadoSistema Único.

Verificando e comparando o número de funções docentes na Educação de Jovens eAdultos, no período entre 1997 a 2000, oferecido pelo INEP, constatamos uma leve redu-ção das funções docentes na esfera municipal, e também na particular. Esta redução,mesmo que em pequeno percentual, confronta com a realidade educacional de Mato Grossoe o déficit de oferta de ensino nesta modalidade, estado que se constitui fronteira agrícolacom fluxo migratório constante, recebendo os trabalhadores (as) e seus filhos (as), dediversas partes do País, parte considerável sem, ao menos, a escolaridade fundamentalcompleta. Situa-se portanto, nesta modalidade de ensino, uma das maiores demandas,podendo se deduzir, assim, os prejuízos ocasionados pela não contagem das matrículaspara fins de redistribuição dos recursos do FUNDEF, e o não cumprimento dos princípiosdo regime de colaboração, a começar pela União.

A contabilização destas matrículas para fins de redistribuição do FUNDEF, auto-maticamente impactaria sobre o valor mínimo por aluno e aqui reside a importância dadefinição do custo aluno qualidade e da Complementação da União, elementos basilarespara a compreensão da concepção do FUNDEF, e que merecem ser devidamenteequacionados, quando se trata da ampliação das matrículas, especialmente desta modali-dade de ensino, onde reside a grande demanda reprimida, encontrando-se aqui a princi-pal razão do veto, sobre a contagem das matrículas de Jovens e Adultos na função desuplência, feito ao artigo 2º inciso II da Lei 9.424/96.

Quando se pensa na ampliação das matrículas de Educação de Jovens e Adultos, épreciso, também, que seja equacionado o princípio do regime de colaboração, para além

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das articulações entre esfera Estadual e municipal e, neste sentido, compreender o papelda União na política de ampliação da Educação de Jovens e Adultos, e a importância docusto aluno qualidade. Este é um exercício fundamental, não podendo diante do déficitexistente, ficar limitado à responsabilidade do Estado e Municípios, e às parcerias, comosupõem as orientações governamentais. É preciso políticas públicas firmes, e comprome-tidas com o resgate desta dívida social pública.

Da redução de matrículas, seguida da redução das funções docentes na esferamunicipal, chega-se à redução de direitos, mas não é só isso. Quando realizamos a inter-secção deste conjunto de situações, com o outro conjunto de elementos já conhecidos,como a redução das matrículas na Educação Infantil e no Ensino Fundamental das sériesiniciais, com a conseqüente redução das funções docentes seguida da remanescência depessoal, da esfera estadual, trazemos à luz o resultado negativo desta política, conduzidanas trilhas da competição e da desresponsabilização pública estatal, com a oferta educa-cional de qualidade, em todas as etapas e modalidades de ensino.

Extrai-se desta equação, os efeitos do FUNDEF sobre as funções e a qualificaçãodocente no contexto do regime de colaboração, entre a esfera estadual e a municipal etem-se, como resultado, que o problema da remanescência de pessoal qualificado naesfera estadual de ensino no Estado de Mato Grosso, não reside na qualificação dos do-centes, mas circunscreve-se às relações e articulações havidas entre as esferas públicas. Asituação se agrava pela inexistência de recursos financeiros suficientes para garantirparâmetros de qualidade desejados.

Quando confrontamos a demanda, para EJA com o perfil de profissionalsubjacente às diretrizes curriculares para esta modalidade de ensino, obtém-se a deman-da para a qualificação continuada, já que na esfera estadual excede pessoal com formaçãoinicial, especialmente para a primeira fase do currículo desta modalidade de ensino,indicando, ao mesmo tempo, a urgência de um planejamento participativo e solidárioentre as esferas públicas, que dê conta de colocar a gestão dos sistemas e redes de ensinonos trilhos da colaboração solidária, e imprimir efetivamente a justiça na educação.

Estas constatações acerca da valorização do magistério e da divisão de responsa-bilidades com a oferta educacional entre as esferas governamentais, verificadas na égidedo FUNDEF, mas que deitam suas raízes na historicidade da política educacional brasileria,indicam que soluções “prudentes e decentes”, definidas e encaminhadas em fórunscoletivizados, cujas regras tragam o firme propósito de construir o Estado de direitos, hátanto tempo negado à maioria da população, oferecido apenas a uma parcela reduzida deeleitos, urgem por serem estabelecidas e dinamizadas, gerando, concretamente, açõesefetivas restauradoras da dignidade humana, da valorização do magistério, da qualidade

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PLANEJAMENTO E SISTEMA DE INFORMAÇÕES:Esquema de inter-relações da gestão político-científica da Universidade.

Prof. Msc. Laudemir Luiz Zart1

RESUMO: Neste texto desenvolvemos uma reflexão sobre as relações de inter-dependência entre oensino, a pesquisa e a extensão, numa perspectiva de diálogo do conhecimento científico com osdemais saberes. Apresentamos ainda uma discussão sobre o planejamento de políticas para ocampo das ciências.

UNITERMOS: Universidade, Ciência, Planejamento, Informação, Inter-dependência.

Esta reflexão tem a intenção de colaborar no processo de pensar a inter-relação ea interdependência da pesquisa, do ensino, da extensão e da pós-graduação na Universi-dade do Estado de Mato Grosso. Partimos do princípio de que a UNEMAT, como insti-tuição nova2 pode e deve pensar as suas atividades político-administrativas e científico-pedagógicas sob alguns parâmetros básicos. Estabelecê-los e manifestá-los é uma neces-sidade premente para um planejamento participativo e estratégico na universidade. Apre-sentaremos neste texto a relação entre as dimensões principais que precisam ser pensadaspara se fixar diretrizes estratégicas que possam orientar as ações institucionais: o ensino,a pesquisa, a extensão e a pós-graduação.

Quando se refere à universidade, fala-se geralmente de Instituição de Ensino Su-perior. Ressalva-se o ensino. Aliás condição “sine qua non” para haver a possibilidadedo desenvolvimento da pesquisa e da extensão. Esta é uma defesa básica da correnteepistemológica e metodológica crítico-social dos conteúdos (Libâneo:1990). Este pensa-mento tem como base a afirmação que o conhecimento foi construído e acumulado no

1 Professor de Sociologia da Educação lotado no Departamento de Pedagogia do Campus Universi-tário de Sinop, mestre em Educação, Coordenador de Projeto de Pesquisa na Área de EducaçãoAmbiental e da Sócio-Economia Solidária e atualmente Pró-Reitor de Pesquisa e Pós~Graduaçãoda Unemat, E-mail: [email protected] A Universidade do Estado de Mato Grosso - Unemat, com sede em Cáceres, foi criada em 1978através do decreto municipal n.º 120 como Instituto de Ensino Superior de Cáceres - IESC. Em1985 foi estadualizada, tornando-se entidade fundacional autônoma, vinculando-se à Secretaria eCultura do Estado. Em 1989 passou a denominar-se Centro de Ensino Superior de Cáceres, con-quistando o direito de eleger seus dirigentes através de dados universais. Em 1990 ocorre o pro-cesso de expansão, criando-se o Núcleo de Ensino Superior de Sinop. Em 1992 a instituição passaa denominar-se Fundação de Ensino Superior de Mato Grosso - FESMAT, através da lei comple-mentar n.º 144. Em 1997, através de Lei Complementar n.º 30 de 13 de dezembro passa a possuiro caráter jurídico e institucional de Universidade.

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transcorrer da história da humanidade, esta, organizada social e economicamente sob aperspectiva e a estrutura das sociedades de classes sociais (Marx:1991). Predominante-mente, as representações, os conceitos, as ideologias, as ciências e as tecnologias inven-tadas, sempre foram para atender aos interesses de grupos e/ou de classes sociais deter-minadas. Neste sentido, para a compreensão do presente da humanidade faz-se misterelucidar a sua evolução na história. Para explicitá-la, não estamos isentos, de lermos osautores “antigos”, principalmente os clássicos (Freire, Shor:1993). Afinal, o pensamentodestes estão presentes no cotidiano dos nossos dias, consciente ou inconscientemente. Opensamento historicamente construído atinge-nos diretamente, como ação viva e comoresultado de políticas públicas e na orientação da vida particular. Estando certa esta tese,podemos tranquilamente afirmar que este pensamento é concreto, isto é, ele nos envolvecomo teoria e como prática ou tecnologia. Ele é realidade. É um “real concreto” quedeve ser desvendado, deve se tornar um “real-pensado”(Libâneo:1990,145). Isto é, arealidade se mostrará e/ou a consciência/inteligência descobrirá o real, devendo estabele-cer uma relação dialetizada entre objeto e sujeito.

Desta forma, ao desenvolver o ensino, o professor, na condição de agenteorganizador das relações de aprendizagem deve levar em consideração todo o contextosócio-cultural no qual está inserido, para pensá-lo e para mudá-lo. Para tanto deve evi-denciar a “atividade humana transformadora, a partir de relações econômicas e históri-cas; ou seja, concebe o aluno como ser educável, sujeito ativo do próprio conhecimento,mas também como ser social, historicamente determinado, indivíduo concreto (síntese demúltiplas determinações), inserido no movimento coletivo de emancipação humana”(Id.Ib.,128).

Esta assertiva nos conduz para um compromisso: pensar o homem como um serconcreto localizado, espacial e temporal, que necessita emancipar-se da sua condição denão-livre e de não-criativo. Condição não dada, mas historicamente construída, comotal, possível de transformação.

Mas podemos nos perguntar, todo homem será capaz de transformar? Ao verifi-carmos que o ato transformador exige criatividade, liberdade, consciência, temos que,obrigatoriamente imaginar que a mente de quem pode transformar terá que ser livre,criativa e consciente. Como chegar a tal situação? Provavelmente não é um ato ou umprocesso simples, mas algo que poderá ser dolorido, que machuca, pois afinal, uma men-te que sempre viveu e vive no sossego ou na preguiça, a partir do instante em que éobrigada a tornar-se ativa e começar a ver a realidade e a compreendê-la, começa a seassustar, e quer no primeiro instante fugir, desesperando-se frente à possibilidade de nãomais viver “deitado em berço esplêndido”, mas de obrigar-se a encarar a realidade con-

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traditória e complexa; pensá-la para poder superá-la. Os primeiros momentos de deses-pero não representam nada mais que o desestruturar, o desmontar e o desconstruir verda-des, dogmas, certezas, afirmações e simplismos. O desespero e a “bagunça mental” é uminstante necessário para quem sempre viveu grandes verdades, para quem não se questi-ona e para quem não se pergunta.

A própria pergunta torna-se dolorida. O “por que” é desconcertante para aqueleque quer se proteger. Mas o “por que” é necessário para todo aquele que quer pensar arealidade nas suas contradições, isto é, que sente a necessidade intelectual de complexificar(Morin: 1996) o raciocínio para poder chegar mais perto da realidade.

Onde o professor e o aluno podem complexificar o pensamento? A complexificação,forma de pensar um conjunto amplo de inferências e de variáveis para se responder a umaproblematização, pode-se dar em todos os instantes do ensino, da extensão e principal-mente, aliás “locus” privilegiado, da pesquisa.

Mas como pensar a pesquisa, o ensino, a extensão e a pós-graduação? Em primei-ro lugar podemos questionar a própria estrutura da universidade que divide as dimensõesdo pesquisar e do ensinar; que planeja (ou não planeja) a pesquisa de maneira desconexacom o ensino: que rompe estruturalmente, que estanca e que não dinamiza.

Ao pensar desta forma, podemos de princípio imaginar que somos obrigados paramelhorar a universidade de mudar a estrutura organizacional, ou o organograma da ins-tituição. Analisamos que este não é o grande problema, e mais, que não é a saída “mudara estrutura”, pelo menos no sentido como nos referimos - limitadamente - troca de nomese algumas funções em órgãos - o que muitas vezes é denominado de reforma estrutural(aliás, como se fazem algumas reformas curriculares - mudar disciplinas na ordem). Oque afirmamos é que há situações-condições que vão além e são muito mais importantesde serem pensadas, que é a metodologia de administrar as relações na universidade.Quando falamos em administrar, referimo-nos a relações, e aí se coloca a problemáticaprincipal, por que o conceito “relação” nos proporciona visualizar dinamismo, movi-mento e inter-relações. Neste sentido, conseguimos oportunizar a idéia que a estruturadepartamental, que é em si fechada e estática; que a estrutura disciplinar, que é em sicelular; que a estrutura das pró-reitorias, que é em si molecular; não são por sua própriaestrutura o problema. Quando nos referimos a problema, temos como objetivo, adinamização ou não da universidade. Dessa forma, podemos afirmar que a dinamizaçãorelacional da universidade depende de uma mentalidade, de uma cultura gerencial, quepor sua vez depende de um planejamento, (fixar metas, objetivos, instrumentos deoperacionalização e avaliação); que depende do conhecimento da realidade que deve serinterpretada, que depende dos objetivos que queremos e precisamos alcançar como orga-

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nização coletivizada.Desta forma, acreditamos que já conseguimos deixar evidenciado que todas as

partes estão sempre em relação com o todo. Portanto, não é permissível imaginar, e piorainda, realizar políticas estanques numa instituição. Nesta relação não excluímos o com-portamento do professor, que se fecha na sua disciplina e não consegue ir além do livro-guia que adotou, talvez para não ser desafiado em novas leituras, para não buscar novosconceitos e assim guardar-se na sua tranqüilidade existencial.

Queremos deixar bem claro que fazer universidade é complexo e que para isto faz-se necessário o constante planejar e replanejar, que passa pelo fixar de objetivos de curto,médio e longo prazos, e mais, que pensar a universidade é função de todo sujeito que nelaestá, professor, aluno e funcionário.

Com base neste espírito, queremos colaborar com algumas idéias. Não necessari-amente corretas, mas idéias. Para pensar a pesquisa, o ensino, a extensão e a pós-gradu-ação apresentamos o seguinte diagrama:

Legenda: Campo A - Pesquisa, Campo B – Ensino, Campo C – Extensão, Campo D – Pesquisa-Ensino, Campo E – Ensino–Extensão, Campo F – Pesquisa-Extensão, Campo G – Pós-Graduação.

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Denominamos cada espaço de campo, para podermos deixar evidenciado que den-tro de cada limite estabelecido, há um conjunto de variáveis interdependentes a seremconsideradas. Assim o Campo A refere à pesquisa, o campo B ao ensino, o campo E àextensão, o campo D refere-se à intersecção entre pesquisa-extensão, o campo E entrepesquisa e ensino e o campo F entre o ensino e a extensão. O campo G é o encontro entretodos os momentos, o da Pós-Graduação. Afirmamos o seguinte: para todos os campos épreciso ter um planejamento específico, mas como o próprio diagrama já explicita, há asrelações e as inter-relações dos campos. Portanto, ao pensarmos a totalidade dos campos,é preciso planejar de forma a incorporar o todo e as suas relações.

Campo A – Pesquisa.

Iniciamos afirmando que a pesquisa é um momento especial, entre todos os cam-pos. Ao fazer tal afirmação, não estamos simplesmente graduando os campos, mas dan-do um sentido diferenciado à pesquisa, isto é, a pesquisa é o estilo, é o ser, é a forma, é arelação, é a dinamização para a construção do saber: livre e criativa, por isso desafiadora.

A pesquisa, por princípio, é o campo do “por que”. O “porquê” só surge nasmentes indignadas, curiosas, livres e criativas. Estas mentes são necessárias, e, elas nãosão natas, elas se fazem em relações sócio-históricas determinadas, portanto, elas se cri-am e se recriam continuamente. Elas se fazem com conceitos, com teorias, commetodologias e com práticas. Por isso, não são metafísicas, mas históricas, processuais edinâmicas. Isto quer dizer, a mente que questiona e indaga, não questiona e não indagado nada, mas a partir de algo, de uma realidade, de um concreto (Kosik:1976). É a partirdo concreto que se instala a pesquisa, que se faz emergir a curiosidade.

Mas como se pode chegar à curiosidade? Em primeiro lugar destacamos queestamos acostumados a procurar respostas exatas. Muitas indagações, ainda são dirigidasà procura de uma resposta final e fechada. Acreditamos que este proceder não ocorre semmotivos, mas é resultante de um estilo de educação instalada no Brasil - uma educaçãodirecionada e executada com base nos princípios filosóficos do positivismo, do funciona-lismo e do estruturalismo. Princípios estes que são lineares: pergunta-resposta. Mas,“desde Einstein, acredita-se que é mais importante para o desenvolvimento da ciênciasaber formular problemas do que encontrar soluções” (Cervo e Bervian:78,50), isto por-que a formulação de problemas pressupõe o conhecimento de soluções prévias, que serãonovamente questionadas ou problematizadas. Desta forma, teríamos que nos indagarsobre as grandes questões que nos envolvem e para iniciarmos, poderíamos nos pergun-tar, o que é uma universidade, por isso mesmo, qual é o seu papel no meio onde se

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localiza?Podemos desenvolver um raciocínio para demonstrar tal concepção. Se nós, na

nossa condição de indivíduos, estamos ao redor de crianças, como no Centro Educacionalde Sinop - CES (escola municipal na qual estudam filhos de operários), que não conse-guem desenvolver ou não alcançam a hipótese alfabética3 em tempo hábil (no própriofixado pela escola), podemos ter frente a esta situação duas posturas diferenciadas: aprimeira, ligada a uma mente não curiosa: recebemos a informação do fato e não o inda-gamos. Podemos até por um momento, talvez por motivações dos outros que estão aonosso redor, ter uma reação, dizendo que estas crianças que não aprendem são estruturaspsíquicas e sociais resultantes da condição econômica dos seus pais, mas sem indagarporque a condição econômica dos pais é aquela na qual vivem - fato concreto. Chegamosaté a ter pena, fraternizamo-nos com elas, doamos algum alimento ou alguma roupa(principalmente nas campanhas públicas), mas termina por aí a nossa ação. Não hámaiores esforços, mesmo porque temos a impressão (por isso mesmo sem pesquisa) queas crianças pobres e desestruturadas (não porque são pobres) constituem-se num proble-ma de destino ou de pré-destinação. A segunda postura diferencia-se desta. Ela é curiosae indigna-se com a condição-real que encontra pela frente. Não deixa de indagar e criti-car (atitude que se dá na própria ação, por isso não é externa ao processo). Se, nestesentido, constatamos que crianças não conseguem se alfabetizar, curiosamente iremosperguntar o “porquê” de tal situação. Quereremos encontrar as razões, não unilineares,

3 O projeto GEPAC - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização e Cidadania - Departa-mento de Pedagogia - Sinop, acompanhou a trajetória de 417 educandos (as) do Centro Educacio-nal de Sinop, escola pública da rede municipal de Sinop que atende 1.400 alunos de pré à 4ª série.O público alvo do projeto, ou os 417 alunos na fase de alfabetização, são crianças que provém defamílias de trabalhadores que predominantemente exercem suas atividades na indústria madeirei-ra ou em atividades ligadas a estas. O emprego da indústria madeireira caracteriza-se pela suainstabilidade provocando constantes migrações do empregado de uma empresa para outra. A ins-tabilidade no trabalho tem sua correspondência na escola. Da mesma forma que ocorre a migraçãodos pais trabalhadores, dá-se a transferência do educando de escola para escola. Assim expressamas professoras-pesquisadoras no projeto: “Sinop e região sobrevivem, economicamente da indús-tria madeireira, a qual gera uma alta rotatividade de seus funcionários pelas serrarias da região,onde as crianças ficam sujeitas às multitransferências, perdendo pedagogicamente o vínculo afetivoe o fio condutor do processo de aprendizagem.” (Gepac:1997). Constatou-se no decorrer do ano de1996 nas primeiras séries do Centro Educacional de Sinop a rotatividade de 21% dos alunos matri-culados. A este índice de flutuação escolar, acresce-se o percentual de 35,30% de retenção, alémdos 12% das situações denominadas de pseudo-aprovações, características das crianças que “nãoconseguem acompanhar o conteúdo da segunda série por não terem atingido a compreensão daescrita alfabética.” Podemos acrescentar que estes dados estatísticos revelam procedimentos téc-nicos e metodológicos através dos quais a escola reproduz o processo de exclusão social e econômicainerente à estrutura de sociedades constituídas em classes sociais.

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mas multilineares, multidimensionais e multifacetárias. Na postura de curiosidade, por-tanto de investigação e de pesquisa, não nos satisfazemos com aquilo que o fenômenorevela de imediato, mas vamos além dele. Questionamos o fenômeno, fazemos ele sedesvelar cada vez mais. Neste sentido, a nossa postura frente a uma criança pobre nuncaserá de pena, de compaixão ou fraternidade escravizadora. Será de solidariedade,pesquisando e elucidando os fatores sócio-culturais da estrutura que a estruturou: tanto aestrutura econômica, quanto a psicossocial. Esta atitude leva à libertação, porque com-preendemos que não é o destino que está em jogo, mas o livre-arbítrio, de homens emulheres, que fazem e produzem a história. Compreendemos então que tudo é cultural,portanto feito pelo homem na história e que nesta é possível a mudança e transformação.Esta postura nos elucida que criança pobre é resultante de políticas públicas, da relaçãocapital-trabalho, portanto de decisões, de vontades e de interesses. Compreendemos quepara mudar a realidade sócio-econômica que produziu a criança pobre, há a necessidadede políticas que sejam eficazes para promover a mudança. A curiosidade se dá quandoindagamos sobre as possibilidades de mudanças e sobre o histórico que constituiu a rea-lidade da forma real e relacional como ela se apresenta.

A pesquisa nos leva para perto da realidade e nos faz realidade. Com ela podemosquestionar e sermos questionados. Indagamos e duvidamos das teorias e das práticas.Uma pesquisa sobre segurança de trabalho4, pode-nos demonstrar o quanto as relações detrabalho-capital, numa região como o Norte de Mato Grosso - setor madeireiro - estãoatrasadas. Atrasadas em relação aos próprios avanços do capitalismo, (imaginem sepensarmos a sua superação!!). Enquanto em regiões desenvolvidas do primeiro mundo ede maior avanço nas Regiões Sul e Sudeste brasileiro, teoriza-se e pratica-se aautomatização (que reporta a outro problema - o desemprego estrutural), enquanto pen-sadores falam da sociedade pós-industrial e pós-moderna (superação da razão instrumen-tal), e na sociedade informacional; vivemos num meio concreto-real que não superou,portanto, que está nas relações de trabalho características do princípio do capitalismo noséculo XVIII na Inglaterra. Condição analisada por Marx ao se referir à mais-valiaabsoluta, processo através do qual, o capitalista, detentor dos meios de produção (terras,

4 O Relatório do Projeto “Educação para Segurança do Trabalho dos Prof. Fiorelo Pícoli, MiltonLuiz Neri Pereira e Josivaldo Constantino dos Santos demonstra que ocorreram acidentes de traba-lho em 67,65% das 34 empresas investigadas. Destas, 85,29% não possuem a CIPA e 94,11% nãotem técnico em segurança. Esta estatística é um demonstrativo local do que ocorre a nível doBrasil que é apontado como um dos campeões mundiais em acidente de trabalho, e o estado deMato Grosso lidera no Brasil com o “maior coeficiente de acidentes”, e no Estado de Mato Grosso,conforme o relatório, que se embasa em dados do INSS/MT, “ocorre o maior número de acidentesde trabalho.”

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fábricas), aumentava bruscamente a jornada de trabalho (até 16 horas/dia); explorava otrabalho das mulheres e das crianças, pagando-lhes por este trabalho menos que o perce-bido pelos homens. A esta situação, ainda temos que acrescentar o ambiente insalubre noqual se desenvolve o trabalho, que causa além das doenças respiratórias, a poluição cau-sada pela queima de resíduos da indústria da madeira. Ainda, a violência aplicada nopróprio corpo pelo trabalho brutal na madeira, que se realiza sem equipamentos adequa-dos de proteção.

Estes dois exemplos ilustrados servem para compreendermos como a pesquisa éfundamental para o fazer universidade e o fazer educação. Com a pesquisa, temos apossibilidade de olharmos para a realidade, geograficamente próxima e não ficarmoscegos, mas termos uma compreensão cognoscitiva do objeto próximo. Se esta relaçãonão se der, poderá ocorrer a seguinte equação: o dado geograficamente próximo poderáestar distante cognoscivamente, enquanto o geograficamente distante poderá estarcognoscivamente próximo, isto é, ser compreendido. Esta assertiva poderá serexemplificada da seguinte forma: a economia de Sinop gira em torno da madeira - con-creto real; quando o pesquisador indaga sobre a madeira, este não se indaga simplesmen-te sobre um pedaço de pau, mas sobre um concreto que é uma “determinação de múltiplasdeterminações”, isto é, a madeira que passa a ser gente (no sentido da humanização damercadoria em Marx), passa a ser relação de trabalho, mercado, representações, signos.Ao questionar a madeira, ao transformar o concreto real num concreto pensado, o pesqui-sador traz para perto, isto é, torna conhecido o estranho, desvendando-o. Para isto, faz-se necessário estudar e entender todas as relações em torno do concreto-real, portanto,buscar as múltiplas determinações, isto é, complexificar o pensamento.

Este procedimento possibilita que a educação - que trabalha com o real pensado -não se dê de uma forma alienante, mas ocorra uma visualização, um desvendar do ato, dofato, do dado e das relações que se dão no nível econômico, social, cultural, histórico,educacional.

Para Demo, a pesquisa ainda proporciona a construção de uma “cidadania compe-tente”, ou uma “qualidade política”, visto que a “escola deveria ser a imagem viva emesmo agressiva do contrário [da não competência]. Nela nada se passa mecanicamen-te. Antes, tudo precisa virar saber pensar, aprender a pensar, aprender a aprender, emnome de uma cidadania capaz de permanentemente reconstruir-se” (1996 b,25).

Demo ilustra que a pesquisa não é uma atividade especial para doutores, emboravire especial quando desenvolvida por doutores pesquisadores. Ela tem na escola, nopróprio ensino, o espaço para o desenvolvimento, para o indagar e para o investigar.

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Campo B - Ensino.

O ensinar deve ser encarado como uma atividade especialíssima. Sem ela nãohaverá pesquisa. Com este raciocínio afirmamos a importância da escola, entendendoesta não como um local físico-funcional-burocrático, mas como uma atitude. Esta atitu-de é aquela na qual a escola-instituição é especialista, e sobre a qual muitas teorias jáforam criadas: a alfabetização ou a técnica de homens e mulheres, seres concretos, dedominarem os códigos e signos linguísticos que permitem a comunicação. Signos pelosquais a humanidade registrou e legou para gerações futuras as suas descobertas e osprocessos pelos quais passaram os longos caminhos que levaram a resultados finais, comopor exemplo, a descoberta do fogo e logo após o seu controle e o seu uso.

Para demonstrar a importância do ato de ensinar, podemos fazer uso de um exem-plo cotidiano da escola, e este exemplo é o alfabetizar. Recuperamos a definição anterioronde a escola aparece como uma atitude. A atitude pela qual ocorre um processo desocialização, pela qual a criança é conduzida a apreender os signos, os valores, a cultura,as crenças, os rituais, a ciência e a tecnologia produzida e legada pela humanidade. Aeducação terá desta forma o poder do exercício da cidadania de homens e mulheres que seintegram no fazer cotidiano e histórico da humanidade.

Queremos ainda raciocinar sobre o ato de ensinar num outro nível, no qual já sesaiba ler. Neste nível, considera-se que todo homem e toda mulher dos nossos tempostenha a competência da aquisição e assimilação do conhecimento produzido. Desta for-ma, é que se faz necessário a leitura e a absorção da história da filosofia, compreendendopor esta todo saber acumulado. Assim, estudar os gregos, ler Sócrates, significa compre-ender a cultura ocidental; estudar Locke significa entender o iluminismo - filosofia fundanteda modernidade; estudar Galileu é tornar claro o próprio método científico; estudar Marxé ter condições de interpretar as relações estabelecidas no sistema capitalista. Com istoqueremos demonstrar que no ensino, em todos os níveis, respeitando a especificidade decada um, temos a necessidade de estudar os clássicos, ou, como o pensamento se cons-truiu e se fez na história. Desta condição, nenhuma disciplina, nem a própria ciência estáisenta.

O que diferencia é o método, ou a postura do professor em sala de aula. Já ilustra-ram vários autores e diversas correntes pedagógicas, que o professor adota uma metodologiax ou y conforme sua visão de mundo e sua visão de homem, podendo esta opção estar ounão explicitada. Esta possibilidade do professor fazer a opção da conduta filosófica doseu trabalho só se torna inválida nos sistemas de governo que adotam o regime de exceçãopara conduzir as coisas do Estado e por extensão da Sociedade.

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Desta forma, numa sociedade democrática, na qual o professor na condição decidadão, pode optar por uma corrente filosófica, ou várias que se aproximam entre elas,poderá ter atitudes diferenciadas. O professor poderá: a) querer que seus alunos decoremum texto sem desenvolver uma reflexão em relação a ele, ou mesmo fazer decorar a tabelaperiódica sem ao menos explicitar a razão desta atitude; b) fazer com que seus alunosaprendam muitas técnicas, julgando isto como “ser prático”, negando a reflexão filosófi-ca - tirando-a do currículo do ensino médio - por exemplo. Julga este professor - com estaatitude - que estará preparando o aluno para a vida, isto é, para o mercado de trabalho, epara tanto não é necessário filosofar - ou, pensar; c) fazer com que o aluno aprendapensar, mas apesar desta atitude, ele próprio não está muito interessado em pesquisar, emler, em inovar, isto é, o professor vê nesta metodologia uma forma de se fazer maisfolgado; d) fazer com que o aluno aprenda a aprender. Esta atitude é a mais rigorosa,que exige o maior volume de informações, a maior capacidade reflexiva e mais leitura.Defende a filosofia, não só como disciplina, mas fundamentalmente como atitude, isto é,como postura que desenvolve o raciocínio argumentativo, que busca a complexidade eque dialetiza. Nesta atitude, o professor busca sempre o aluno como companheiro, por-que sabe que em toda relação pedagógica há sempre um momento de aprendizagem e deavaliação. Esta atitude tem de ser necessariamente de modéstia, isto é, ser capaz de ouvirpara que possa ser ouvido. São atitudes relacionais, portanto de respeito e de responsabi-lidade. É essencialmente a atitude de pesquisa - que requer curiosidade e que exige oporquê. Isto exige disciplina, que não é uma imposição comportamental - no entanto origor científico. Neste sentido, ser companheiro do aluno não significa deixar com quefaça o que quiser, mas que faça dentro de um espírito de liberdade, que estabelece que aúnica liberdade é a liberdade de fazer. Esta liberdade não aceita a liberdade do não-fazer.Portanto, ela é exigente. Somos livres para fazer.

É esta última atitude que consideramos a mais correta, porque ela pressupõe apesquisa. Conforme propõe Demo (1996 B), a pesquisa é o fundamento do ensinar,“quem ensina deve pesquisar, quem pesquisa deve ensinar”. Nesta relação, Demo acre-dita que se fugirá da atitude copista e reprodutivista e se inaugurará uma educação ondese cria e recria, na qual se instala a competência individual e coletiva para elaborar opróprio conhecimento. Pode-nos parecer algo distante, porém se formos capazes, sabere-mos fazer da própria sala de aula um “locus” de constante pesquisa. Ainda, ao trabalharo ensino enquanto atitude de pesquisa, há a condição preliminar de construção do saber,a partir do concreto, que por ser uma determinação de múltiplas determinações, constrói-se a compreensão do real e do concreto na história. Isto é, conseguimos entender asconjunções econômicas e sócio-políticas que se estabelecem em relação à madeira, quan-

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do buscamos na história da filosofia, como nos referimos anteriormente, conhecer a evo-lução do pensamento que deu a base ao pensamento hegemônico. O pensamento emvigor é construído historicamente, por isso, para compreendê-lo e interpretá-lo, só mes-mo conhecendo a história.

Mas o que fazer com o conhecimento produzido? Como fazer com que a grandemassa da população que não tem acesso à universidade, e pior ainda, ao ensino de pri-meiro grau? Para encontrar uma saída, a universidade inventou a extensão.

Campo C - Extensão.

Diferenciamos, para elucidar nosso pensar, duas formas não somente distintas,mas antagônicas de realizar a extensão universitária. A primeira chamaremos de dialógica,que é a competência de estabelecer relações de inter-dependência e inter-aprendizagementre a universidade e a sociedade. A extensão dialógica possui como configuração rele-vante a atitude problematizadora e investigadora dos agentes da universidade. Por ou-tro, temos como referência a extensão que denominamos de unidirecional, pela qual auniversidade tem como objetivo levar para fora de si própria todo o conhecimento produ-zido e assimilado no interior da instituição. Por este olhar, define-se que há um outro quenecessita do saber da universidade e leva este, não na forma de conquista, mas como umadádiva. A unidirecionalidade tem como características relações de dominação do conhe-cimento científico sobre as demais formas de saber.

Podemos nos questionar: qual tipo de extensão é necessária para a Universidade epara a Sociedade? Esta questão supõe um modelo de Universidade e de Sociedade. Pri-meiro, a extensão unidirecional se faz necessária se pensarmos a universidade e a socie-dade distantes uma da outra. Se planejarmos uma universidade fechada sobre si mesma.Se construirmos uma universidade que tem medo da sociedade. Mas a extensão, nosentido unidirecional e unilateral, deixará de ser necessária se ocorrer uma inter-relaçãoefetiva entre a Universidade e a Sociedade, isto é, quando houver o entendimento de quea sociedade não é um objeto passivo, receptor do conhecimento elaborado na universida-de, mas compreendida como um agente ativo na construção e reconstrução do conheci-mento.

Fundamentalmente, nesta perspectiva, diferimos a extensão dialógica da extensãounidirecional, no sentido de que a primeira questiona o conhecimento elaborado e oreelabora, enquanto que a segunda se limita na transmissão do conhecer para outros. Narelação unidirecional temos duas partes envolvidas: a) o sujeito transmissor, que tem ostatus de quem conhece e precisa levar o conhecimento a outrem – este o agente univer-

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sitário; b) o receptor, que deve receber um conhecimento e uma cultura – estes os indiví-duos disformes da sociedade. Nesta metodologia, a universidade estará fazendo o papelde mantenedora do “status quo” presente na sociedade, pois não terá a possibilidade deelaboração de um novo conhecimento capaz de promover a ruptura. A relação da univer-sidade com a sociedade não causa um retorno qualitativo, nem para a universidade esequer para a sociedade.

Se pensarmos e praticarmos a extensão dialógica, tomaremos sempre uma atitudede investigação, a relação entre a Universidade e a Sociedade muda. A extensão deixaráde ter a conotação de dominação, domesticação, invasão cultural, sobreposição de visõesde mundo, presentes no seu campo semântico, conforme explicitada por Freire (1977),quando analisa a origem e a prática das universidades estadunidenses. Freire gesta umaepistemologia em que há a relação dialética entre o educador e o educando. Explicita quea partir do instante em que o educador-pesquisador se colocar também numa situação deeducando e se tornar um educador-educando (Freire e Shor:1986), permitirá que o edu-cando manifeste o conhecimento acumulado pela experiência e se torne um educador,isto é, um educando-educador. Nesta relação, todo educador e todo educando se colocamnuma situação de investigação e de relativização de visões de mundo. Portanto, o caráterautoritário-dominante presente na prática e na visão da extensão unidericional perde asua característica. Isto não significa que o educador não deva ter conhecimentos e infor-mações acumuladas, significa apenas que ele tem uma postura de quem sabe que sabe,porém que não sabe tudo, por isto mesmo capaz de aprender, e, aprender com outro - narelação. Sabe ainda, que o outro, com quem dialoga, também sabe, mas que poderáampliar o saber com o seu saber. Portanto, dois saberes que se colocam frente a frente eestabelecem uma relação, para construir e reconstruir o conhecimento.

Não poderá então a universidade tentar mudar o meio social ou educacional noqual está inserido com o temor de impor ao outro uma visão de mundo? Afirmamos oseguinte: a universidade existe exatamente para provocar-promover mudanças. O quediferencia é a forma como ela se dispõe a desenvolver o trabalho. A idéia que está sendodefendida, neste texto, é a relativização do ato de transformar. Neste sentido, encontra-mos na tese da pesquisa-ação (Thiollent:1997), uma visão e uma orientação de investiga-ção que não se resguarda no intra-muros da universidade, mas que tem a ousadia decolocar-se o desafio de buscar soluções para os problemas sociais. Associamos esta visãoao conceito que denominamos de extensão dialógica. Estas posturas, contêm todo o rigorda ciência, o desenvolvimento teórico, o rigor conceitual, a formulação de problemas, ademonstração e/ou a argumentação, os passos metodológicos. O que diferencia a pesqui-sa-ação e a extensão dialógica das demais é que elas requerem a participação de sujeitos

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problematizadores, que não estão no centro da elaboração e legitimação das ciências nasuniversidades, no sentido das estruturas tradicionais.

A pesquisa-ação e a extensão dialógica podem e devem substituir a extensãounidirecional unilateral. Por quê? Na postura da pesquisa-ação e a extensão dialógica,o “pesquisador” tem a capacidade de envolver a sociedade, isto é, fazer da pesquisa e daextensão momentos educativos para os sujeitos da sociedade, que serão oportunizados apensar a sua própria realidade. Isto significa dizer, que o “pesquisador” se coloca numasituação de dúvida e sabe que sabe e que o outro também sabe, mesmo que seja um sabermágico ou mistificado. Mas terá como postura levar em consideração o saber do outropara reconstruí-lo, porém com o outro, nunca sem ou só para o outro.

A pesquisa-ação e a extensão dialógica se diferenciam da extensão unidirecional,por reconhecerem o outro como um sujeito cognoscente, capaz de pensar a sua realidade.Enquanto a postura da extensão unilateral é de quem sabe para quem necessita saber, apostura da pesquisa-ação e da extensão dialógica é comunicacional, isto é, o “pesquisa-dor” recebe a problemática, e ao tentar construir uma solução, ao se dirigir com a comu-nidade ao problema que deve ser resolvido, tem a consciência que será educado, sofreráuma ação que questionará a sua ação, e ainda a sua ação irá influenciar a ação e o pensardo outro. Assim, o “pesquisador” terá constantemente elementos para serem pensados einterpretados. O meio proporcionará elementos empíricos que devem ser elaboradosteoricamente. Nesta relação, o “pesquisador” e os agentes sociais serão constantementeprovocados e politizados, por isso, desenvolvem a capacidade de indignar-se, rompendocom a passividade institucionalizada, desafiando as estruturas fechadas e estáticas, por-que o diálogo é dinâmico e questionador, portanto, transformador.

Campos Interseccionais.

Ao analisarmos os campos D, E e F, percebemos as instâncias e os momentos dainter-relação. Neste sentido podemos afirmar que os campos não estão isolados. Assim,a instituição ao pensar e desenvolver o ensino deve planejar e executar a pesquisa e aextensão. Ao colocar as três dimensões em relação, criam-se três campos diferenciados,com características qualitativamente variadas.

Assim, a pesquisa isolada, poderá se tornar uma atividade elitizada e tecnocratizada,estando mais voltada ao atendimento de parâmetros burocráticos e formais, do que estaratenta a demandas concretas, que devem ser problematizadas. Ao estabelecer relaçõescom o ensino e a extensão, a pesquisa toma rumos que deverão corresponder às necessi-dades que serão evidenciadas na própria relação. Desta forma, ao desenvolver o ensino,

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o educador põe em dúvida e em questionamento toda situação existencial e teórica naqual está envolvido. O existencial e a teoria, condição para haver interpretação, sãomomentos, portanto , partes de um processo todo, que tem seu “locus” especial do reali-zar-se no campo de intersecção D, no encontro entre a pesquisa e o ensino.

O encontrar-se, ou, o ir ao encontro, portanto a direção, entre duas partes é indife-rente neste caso. Isto é, não importa qual o campo que se realiza por primeiro, a pesquisaou o ensino, visto que os dois momentos devem ser colocados numa relação dialógica.Procedendo assim, teremos um ensinar que se apega na pesquisa para se qualificar, oudito de outra forma, o ensino torna-se pesquisa. A mesma relação é válida para a pesqui-sa. Ao fazermos acontecer a pesquisa, engloba-se o campo do ensinar, que qualifica apesquisa e se faz ensino. Ao estender sua prática de investigação, o educador se educa narelação e na ação, no ato e no processo, através dos quais se confrontará com situações econdições existenciais novas, que requerem novas interpretações, portanto, um repensare um recriar a teoria. E, é nesta relação que o educador se faz educador. O educador seeduca continuamente ao fazer ensino e pesquisa, pois ambos os campos exigem e reque-rem aprendizagem. O educador não está isento de aprender, por isso, de pesquisar e deensinar.

Nesta relação há a produção do conhecimento, há a evidenciação da realidadeempírica e há a teorização do real. É esta relação que torna o processo dialógico edialetizado. Isto porque os contrários e as contradições se manifestam, aliás têm todas aspossibilidades de emergirem. Emergência que revela novas problemáticas, que induz anovas perguntas e que produz mentalidades curiosas e criativas.

Nos campos E e F, podemos afirmar que as relações que ocorrem são semelhantesao campo anterior, principalmente quando compreendemos a extensão não no camposemântico da dominação, porém no estabelecimento da comunicação, visto que esta éuma atitude que estabelece relações de interferência entre o transmissor e o receptor.Neste sentido o transmissor passará em certos instantes da comunicação a ser receptor, eo receptor será o transmissor de mensagens, de signos e de sinais.

Isto vale dizer que nos campos E e F, devemos essencialmente estabelecer umarelação comunicacional, por isso dialógica. Por esta característica terão como instru-mento a absorção das contradições que ocorrem no processo. Assim, o professor-pesqui-sador ao comunicar seu conhecimento terá a oportunidade de avaliar a qualidade doconhecimento produzido e induzir a novas pesquisas, visto que na relação que estabelececom um público: acadêmico ou não, receberá a provocação para ir em busca de outrassoluções não contidas no objeto delimitado na pesquisa que produziu um conhecer. Nes-ta relação, irá se sair da impressão e do “eu acho” e estabelecer atitudes de rigor científico

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(porém não de rigidez - estático), para alcançar a radicalidade, a profundidade e a inten-sidade da exploração de uma problemática. A radicalidade criará novas atitudes e novasposturas, tanto no agir científico como no agir político, visto que transmutará a visão demundo, passando da aparência do fenômeno para a essência, portanto, mais perto darealidade. Assim, a radicalidade é uma condição necessária para se conhecer o real e oconcreto, para se sair da imprecisão e do improviso.

É na comunicação que o educador se educará e educará a outros, que por sua vezse educarão e educarão o educador. Somente esta relação dialógica deve nos interessarnos campos E e F.

Campo G - Pós-Graduação.

Uma universidade só consegue alcançar o rigor científico se investir na qualifica-ção constante e contínua do corpo docente. A pós-graduação (mestrado-doutorado), é ocampo que deve ter atenção privilegiada na universidade, visto que, a docência é a ala-vanca para estabelecer pesquisa, ensino e extensão (comunicação) de qualidade. A uni-versidade se qualifica, quando qualifica os profissionais que nela atuam.

A qualificação dos profissionais na universidade é o próprio estabelecer relaçõesqualitativas nos serviços que são da sua especialidade. Sob este prisma podemos afirmar,para a qualificação docente convergem o planejamento e as atividades tanto do ensino,quanto da pesquisa e da extensão. Isto é, há uma relação direta entre o qualificar docorpo docente com o qualificar das atividades institucionais. Assim, ao pensarmos apesquisa, a extensão e o ensino, haveremos de pensar a pós-graduação, visto que estainfluencia o cotidiano do professor na sala de aula e no desenvolvimento de projetos deinvestigação.

Sendo esta tese verdadeira, não pode a universidade pensar em se fazer, sem fazeracontecer a qualificação do corpo professoral e administrativo. Desta forma, a exigênciade qualidade na pesquisa, na extensão e no ensino é uma condição que passa pelo grau demestrado e doutorado. Esta hipótese pode ser defendida no sentido de quanto maior for aexperiência em discussões teóricas e acadêmicas, quanto maior for a prática da pesquisae da extensão, rigorosamente acompanhada, para a consolidação da capacidade dos pro-cedimentos metodológicos e teóricos, tanto melhor será o proceder e o encaminhar deprojetos de pesquisa, de extensão e de ensino.

Neste sentido, ao planejarmos a universidade, ou um departamento, os mentores-executores de políticas institucionais, haveremos de visualizar a qualificação como apolítica que instrumentalizará e possibilitará o ganho qualitativo. A qualidade se expres-

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sa nas discussões acadêmicas, na atualização constante em relação à dinâmica dos temasdo mundo contemporâneo, na compreensão e assimilação da complexidade do sistemasocial, do ser humano e as relações que o homem e a mulher estabelecem com o meioambiente. Expressa-se ainda na lucidez da proposição de soluções e de projetos nas áreaseducacionais, humanas, sociais, econômicas, históricas, etc., enfim, questões e respostasproblemáticas do meio no qual se insere.

Este conjunto amplo e complexo requer do profissional de uma universidade mui-ta habilidade e nitidez para lidar com as complexas exigências que lhe são propostas.Para atender a tais solicitações, a universidade só poderá corresponder com um quadroque condiga com o grau da demanda. A demanda ou a recusa da instituição, será ampli-ada ou encolhida conforme a competência em proporcionar alternativas. Esta condiçãodependerá da capacidade ou não dos profissionais que fazem a universidade.

Planejamento de Políticas Científicas.

O planejamento e o estabelecimento de políticas científicas requerem e pressu-põem a verificação e o conhecimento das necessidades teóricas, metodológicas e técnicasinerentes à comunidade acadêmica, à sociedade e ao Estado. A definição das políticasinstitucionais e sociais para o desenvolvimento da ciência, representa uma estratégiapara a superação de situações e condições sócio-econômicas, culturais e políticas de gru-pos sociais determinados ou para o conjunto da humanidade, esta numa visão universalista.

Esta distinção nos oportuniza à apresentação da ciência enquanto constructo bási-ca ou pura e enquanto ciência aplicada. As considerações que ilustraremos a seguir estãopresentes nas reflexões epistemológicas do pensador argentino Mário Bunge. Argumen-ta o autor que a ciência e a comunidade científica são sistemas, isto é, um conjunto“complexo cujos componentes estão ligados entre si, de maneira que [...] qualquer mu-dança em um dos componentes afeta os outros e, com isso, todo o sistema”(1980,41).

A perspectiva sistêmica de construção, de análise e de interpretação da ciência edas outras realidades, exige a incorporação de fatores múltiplos, das multi-dimensões edas relações de interdependência entre os diversos elementos ou partes que compõem otodo, sabendo-se o todo distinto da simples soma ou sobreposição das partes, contendoqualidades que não estão presentes nas partes. Esta postura conduz para uma metodologiaholística, isto é, que realiza a leitura das partes em interdependência com o todo. Criam-se nestas inter-relações comunicações que colocam em comunicação as células formado-ras do sistema.

Esta tese nos coloca frente a um problema que requer atenções reflexivas e práti-

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cas que nos capacitem para incorporar as totalidades das partes constituintes de um todoe a leitura das inter-relações do todo. Este encaminhamento nega a política das priorida-des e efetua encaminhamentos que priorizem as relações entre os setores. Bunge afirmaque a “...adoção de políticas de prioridade (por exemplo, em favor da ciência aplicada)retardam o desenvolvimento integral da Ciência e, com isso, o da cultura”(Ib. 41).

Associar o desenvolvimento da ciência à cultura pressupõe afirmar que oplanejamento e a fixação de diretrizes para a ciência não é de exclusividade da comuni-dade interna da universidade. Esta ultrapassa os limites institucionais estabelecidos pe-las barreiras jurídicas e burocráticas para atingir o campo da negociação política entre osdiversos interesses existentes na estrutura que compõe a organização e as relaçõessocietárias. Esta proposição é exigente no sentido que avança na institucionalização dascapacidades argumentativas e comunicativas entre os membros que constituem e repre-sentam os interesses e as interpretações das partes.

Este procedimento possibilita a aprendizagem do exercício da democracia, en-quanto o “eu” se põe na relação com o “outro” e estabelecem comunicações para a defini-ção de métodos e de regras para a administração dos interesses das partes constituintes dedeterminadas relações. Urge uma questão: como encaminhar e resolver nas políticaspúblicas a definição entre a ciência básica, a ciência aplicada ou o investimento de recur-sos financeiros e humanos em tecnologia em detrimento da ciência?

Trabalharemos primeiro algumas definições para debater a questão. Bunge explicitaque a ciência básica ou pura, teórica ou experimental tem como objetivo contribuir parao enriquecimento do conhecimento da humanidade”(26) não tendo uma aplicação imedi-ata, portanto, não é planejada para ser executada a fim de resolver um problema localiza-do e particular. Porém a pesquisa básica “...se propõe a descobrir leis que possam expli-car a realidade em sua totalidade.” (31).

A ciência aplicada destina-se para empregar o conhecimento básico na resoluçãode determinados problemas, isto é, “se propõe a controlar determinados setores da reali-dade com a ajuda de todos os tipos de conhecimento, especialmente os científicos”(31).A ciência aplicada trabalha com os conhecimentos universais, com os princípios filosófi-cos, com as proposições sociológicas e com as leis científicas. Não se restringe, no entan-to, a simples aplicação do conhecimento já produzido, mas avalia e testa metodologiasque levam a novos conhecimentos, estes, todavia mais restritos e localizados. A aplica-ção da ciência tem uma íntima relação com estudos de “problemas de possíveis interessessociais”(30) culminando o projeto com a “...produção de um protótipo”(26). O objetivoprimordial da ciência aplicada é “projetar artefatos e planejar linhas de ação que tenhamalgum valor prático para algum grupo social”(31).

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Estabelece-se assim uma distinção entre a ciência básica e a aplicada, este fato nãorepresenta que ao se “distinguirem tipos de atividades não implica separá-las”(27). Nosprocessos inter-relacionais estabelecidos “há um fluxo [e refluxo] incessante entre a pes-quisa básica e a aplicada, desta para a técnica e desta para a economia (produção,comercialização e serviços)”(27). A ciência ao produzir conhecimento oferece a basepara o desenvolvimento técnico que aprimoram os produtos que por sua vez devolvempara a ciência e para os cientistas novos e mais avançados equipamentos parainstrumentalizar o desenvolvimento da pesquisa e o aprofundamento do conhecimento.

A distinção entre a ciência básica e a ciência aplicada requer uma opção quandorefletimos sobre o estabelecimento de políticas científicas. Bunge nega a priorização deuma em detrimento de outra. Efetuando-se políticas primordiais, quebram-se as inter-relações sistêmicas próprias da visão holística defendida pelo autor. Podemos nos ques-tionar, como desenvolver ciência básica que somente trará resultados em longo prazo eque não tem um interesse endereçado e imediato, num país e num continente de pobres ede pauperização das populações, manifestando-se problemas sociais como fome, analfa-betismo, doenças, falta de habitação, etc., que necessitam de resoluções imediatas? Ébem verdade que estes problemas sociais precisam de respostas governamentais e depolíticas públicas que definam metodologias de resolução imediata. Esta não pode ser,no entanto uma justificativa para que um país em desenvolvimento não invista em pes-quisa de base. A ciência, de base e a aplicada, deve ajudar a resolver os problemas de umpaís ou de uma localidade. Reconhece Bunge que o “...desenvolvimento científico fazparte do desenvolvimento cultural”(47), portanto, toda ciência se incorpora na resoluçãode problemas colocados pela humanidade, mudando sim, a natureza do problema poden-do ele ser puramente cognoscitivo ou técnico-prático. Entre nós percebemos, no entanto,que esta visão não é a postura predominante. Frente à proposição de projetos de pesquisacientífica surge imediatamente um questionamento que procura desvelar a utilidade dospossíveis resultados a serem alcançados no menor período de tempo. Esta forma dequestionamento traz inerente a proposição da negação da pesquisa básica para a constru-ção com exclusividade da pesquisa aplicada.

As posturas e procedimentos distintos no desenvolvimento da ciência, são dife-renciados por Bunge em três conjuntos categóricos. Uma primeira postura é aquela queopta por uma política de importação de tecnologia, de instrumentos, bens e serviços,justificando os custos financeiros e o tempo necessário para o desenvolvimento da pes-quisa, desestimulando, com isso, a produção de conhecimento e de uma inteligêncialocal. A esta postura Bunge denomina de “dependência (ou colonialismo)”(61). Umencaminhamento distinto deste descrito, toma posição de fechar-se sobre si mesmo com-

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batendo a importação e o intercâmbio entre países. A esta postura Bunge chama de“independência (ou nacionalismo)” que tem como característica proteger a cultura nati-va e a busca de soluções imediatas para os problemas do país. Este procedimento nega aconstrução da ciência básica, porque requer métodos e técnicas pragmatistas. Uma ter-ceira postura é denominada por Bunge de (interdependência (ou universalismo)”(61).Esta metodologia pressupõe a universalidade da ciência e se esforça em formar pesquisae pesquisadores locais, com a colaboração e o intercâmbio de teorias, de instrumentaiscom os centros científicos mais desenvolvidos e por isso “favorece o reforço dainterdependência cultural de todas as regiões”(61).

O reconhecimento da interdependência cultural sistêmica exige o estabelecimentode políticas de integração e de intercâmbio dos pesquisadores. Para a efetivação de talproposição Bunge indica a necessidade de seguir e realizar seis pontos que apresentamosna íntegra, para melhor elucidar o pensamento. As proposições explicitam posturas pes-soais do pesquisador até a concretização de políticas institucionais:

“(1) Quanto mais disposto o pesquisador estiver a se especializar e aprenderciências correlatas, maior será o rendimento de seu trabalho. Por outro lado, a especi-alização excessiva, o cortar os vínculos de um componente do sistema científico com osdemais, bloqueia o fluxo de informações e corta as asas da imaginação científica.

(2) Quanto mais integrado estiver o pesquisador em suas comunidades científi-cas (local, nacional, regional e internacional), maior será o rendimento do seu trabalho.Por outro lado, o pesquisador que se mantém isolado não pode estar atualizado, nem podereceber ou dar estímulo; consequentemente, sua produção baixa de qualidade ou se aca-ba.

(3) O desenvolvimento de toda ciência exige o desenvolvimento das ciênciascorrelatas: é multidisciplinar [transdisciplinar]. Por outro lado, o atraso de uma ciênciafreia o desenvolvimento das demais.”

(4) Toda ciência para se desenvolver necessita da colaboração internacionaldireta (através do intercâmbio de pessoas) e indireta (pelo intercâmbio de informações).Ou seja, o desenvolvimento científico é multinacional e transnacional. Por outro lado, onacionalismo científico (e, em geral, o nacionalismo cultural) conduz à estagnação.

(5) O desenvolvimento da comunidade científica de uma nação depende tanto dofortalecimento dos centros científicos locais quanto de sua integração em um sistemacientífico nacional, e da cooperação deste com outras comunidades científicas (nacio-nais, regionais e internacionais). Por outro lado, a ausência de integração ou sistematiza-ção, tanto em nível nacional quanto em nível internacional, bloqueia o avanço científico.

(6) A liberdade de troca de informações científicas e de movimento dos pesquisa-

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dores é indispensável para o desenvolvimento de toda comunidade científica, seja local,nacional, regional ou internacional. Por outro lado, a censura e as restrições à liberdadede viajar (seja por motivos políticos ou econômicos), na medida em que enfraquecem osvínculos que mantêm unidos os sistemas científicos (em diversos níveis), desintegram-nos e os tornam estéreis.” (45-46).

Estas possibilidades são realizáveis em instituições universitárias, em políticasgovernamentais, a partir de grupos de pesquisadores que possuam a competência de ges-tão da explicitação de estratégias de ação, do estabelecimento de objetivos, da fixação demetas, da elucidação dos métodos de operacionalização, da articulação dos recursos hu-manos, da viabilização de equipamentos e instrumentais teóricos, metodológicos e mate-riais para o desenvolvimento da ciência, da destinação de recursos orçamentários e finan-ceiros e a gestão de políticas de divulgação e publicação das atividades e dos resultadosdas pesquisas.

Estas orientações devem ser gestadas a partir de metodologias embasadas em umaengenharia institucional que promova a participação dos pesquisadores e da sociedade noplanejamento e na execução das políticas científicas para a universidade e para o estado,que devem estar voltadas para a efetivação da elevação do nível cultural e tecnológico doconjunto do sistema social.

A política científica estabelecida a partir de uma visão de planejamento sistêmicoé exigente na articulação e comunicação das proposições grupais e institucionais. Acomunicação é uma proposição que chama o dinamismo, o movimento, a participaçãocriativa e crítica, o desenvolvimento criterioso de ações e teorias que possibilitam o in-ventar da ciência e da sua popularização. Estas proposições somente serão efetuáveis seocorrer uma gestão das políticas científicas que não se fixam rigidamente no controle dosproponentes e realizadores da pesquisa científica através dos meios burocráticos e dapriorização da racionalidade protocolar da lógica interna dos processos, em detrimentoda agilidade dos meios para o atendimento das atividades fins, ou seja, a articulaçãodinâmica, eficaz e prioritária para a produção científica.

O movimento sistêmico cobra a quebra do isolamento e se articula e se dirige nadireção do outro para a superação dos limites intelectuais e materiais que aprisionam ospesquisadores nos seus recantos e rincões. Estas proposituras podem ser realizadas atra-vés de procedimentos que Luna denomina de “programa de pesquisa [através do qual]cada tema importante é analisado, decomposto lógica e teoricamente, encadeado em rela-ção ao conhecimento que deve ir sendo produzido. Esse procedimento, mais do querevelar esperteza por parte do pesquisador, revela profissionalismo: cada etapa concluídaé divulgada, submetida à crítica, reformulada e adaptada em relação ao conhecimento já

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avançado pelo próprio pesquisador e pelos demais. Não faz sentido, portanto, que justa-mente pesquisadores iniciantes se aventurem em uma pesquisa singular (que mais pro-priamente deveria constituir um programa de pesquisa) em busca de sentido e relevânciapara seus resultados”(1997,38).

A linguagem de “programa” é ao nosso analisar a mais adequada para a gestão depolíticas científicas, porque tem a capacidade de romper com a solidão e um certo heroísmoindividual e estabelece movimentos e dinamizações que economizam tempo, dinheiro eenergia particular e institucional. Programas Institucionais de pesquisa, de ensino e deextensão, estabelecem buscas, interações e construções coletivas do conhecimento emgeral e do científico em particular. Vale a pena no mínimo questionar as linguagenscorrentes, por que estas não são expressões ingênuas, porém carregam na sua significa-ção uma carga simbólica que inaugura procedimentos e ações que burocratizam e tornamrígidos os processos institucionais ou podem estabelecer mecanismos processuais queimpulsionam a leveza e a agilidade nos caminhos estabelecidos para a produção científi-ca.

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PRÁTICAS TRANSGRESSIVAS DE JOVENS DA CLASSE MÉDIAE ALTERNATIVAS EDUCACIONAIS

Maria Aparecida Morgado, 1

Manoel Francisco de Vasconcelos Motta 2

RESUMO: Práticas transgressivas de jovens da classe média são geralmente interpretadas comodecorrentes de transtornos emocionais, como descaminhos educacionais da ordem de uma crisenos valores. Essas abordagens não correspondem à complexidade do fenômeno. Desde 1950, ajuventude da classe média ocidental vem sendo associada a comportamentos vinculados à trans-gressão, tornados mais ou menos visíveis pelos veículos de comunicação. Entendida como práticade jovens oprimidos, com a intensificação do processo de modernização urbana e industrial atransgressão também passa a ser vinculada aos jovens da classe média. Depois das mobilizaçõesestudantis e das manifestações pacifistas e contraculturais das décadas de 1960 e 70, dadesmobilização político-cultural dos anos 1980, a transgressão adquire dimensão de problemasocial nos anos 90: não há necessidade ou causa aparente que explique a participação de jovensda classe média em crimes contra o patrimônio e contra a vida. Nos meios acadêmicos brasilei-ros predominam pesquisas sobre a juventude das camadas populares. Questões relativas à classemédia e à transgressão juvenil vêm sendo colocadas pela intelectualidade européia e norte-ame-ricana há meio século. Este artigo analisa a transgressão juvenil na classe média dentro docontexto brasileiro.

UNITERMOS: Educação; juventude; classe média; transgressão.

A aparente liberdade respeitada pelas medidas inoperantes nadamais é do que controle imperceptível.

(Skinner)

Com freqüência práticas transgressivas de jovens da classe média são inter-pretadas como decorrentes de transtornos emocionais, ou, então, de descaminhos educa-cionais da ordem de uma crise de valores. Esse tipo de abordagem é freqüente em maté-rias jornalísticas. Tal interpretação do fenômeno não corresponde à complexidade dosfatos. Entende-se que o estudo da transgressão juvenil na classe média deve privilegiarum enfoque político-pedagógico.

1 Doutora em Psicologia Social pela PUC-SP, Professora do Programa de Pós-Graduação em Edu-cação da Universidade Federal de Mato Grosso.2 Doutor em Educação pela USP, Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uni-versidade Federal de Mato Grosso.

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A reflexão feita neste ensaio fundamentou o conjunto de estudos empreendidos noprojeto de pesquisa Práticas Transgressivas de Jovens da Classe Média e AlternativasEducacionais, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa “Educação, Jovens e Democracia”no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso.

Desde a década de 50, a juventude da classe média ocidental vem sendo associadaa comportamentos recorrentes vinculados à transgressão, tornados mais ou menos visí-veis pelos veículos de comunicação (CARMO, 2001). A expressão do fenômeno na classemédia norte-americana ganha dimensão cinematográfica no clássico Juventude Transvi-ada. Até então associada quase tão somente a práticas de jovens de segmentos sócio-econômicos oprimidos, a transgressão juvenil também adquire a relevância de práticasocial típica de jovens da classe média no Brasil, a partir da intensificação do processo demodernização urbana e industrial.

Em termos bastante gerais, depois das mobilizações estudantis (IANNI, 1968) edas manifestações pacifistas e contraculturais das décadas de 60 e 70, da desmobilizaçãopolítico-cultural dos anos 80, a transgressão juvenil na classe média adquire dimensão degrave problema social nos anos 90 (ABRAMO, 1997).

Presentemente, mais do que presa da toxicomania, mais do que compelida à trans-gressão pela dependência química, fundamentalmente a juventude de classe média temsido apresentada como um problema social, pois não há uma necessidade ou causa apa-rente para explicar, por exemplo, a freqüentemente noticiada participação de jovens daclasse média em crimes contra o patrimônio (Folha de São Paulo, 15/02/2000, 1-4), ou,então, em crimes contra a vida dos próprios parentes nos quais o componente financeirotambém parece estar presente (Folha de S. Paulo, 09/11/2002, C-3).

A apresentação da juventude de classe média como problema social é comum emmatérias jornalísticas como se lê no exemplo a seguir. Educado em tradicional colégioalemão do Rio de Janeiro, o jovem F.B., de 17 anos, morador do bairro Laranjeiras, zonasul da cidade, teria começado a comprar drogas no vizinho morro do Cerro-Corá, aproxi-madamente três anos antes do início de fevereiro do ano 2000, quando foi assassinadojunto de outros cinco jovens. Dois anos antes, F. B. saiu da casa da família, mudando-separa o morro, onde passou a trabalhar no tráfico de drogas. As inúmeras vezes que seuspais foram ao local, para lhe pedir que voltasse, não conseguiram persuadi-lo: escondia-se, entrando pelas vielas do morro. Foi morto no episódio que teria resultado da disputaentre grupos rivais de traficantes (Folha de S. Paulo, 21/02/2000, 1-7).

O caso da jovem Suzane von Richthofen, de 19 anos, também não é raro. Confor-me foi noticiado, na noite de 30 de outubro de 2002 a estudante de direito da alta classemédia paulistana participou do assassinato dos pais junto com o namorado Daniel, de 21

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anos, e de Chiristian, irmão de Daniel. Seus pais, Manfred e Marísia, foram assassinadoscom golpes de bastão de ferro enquanto dormiam, na casa situada no bairro Brooklim. Ajovem teria declarado às autoridades policiais que eram freqüentes as desavenças entreela e o pai que se opunha a seu namoro com Daniel. Também teria declarado que, tendosomente mais um irmão menor de idade, pretendia viver com o namorado depois querecebesse sua herança. Desde as primeiras notícias jornalísticas, o episódio foi objeto deanálises de teor psicopedagógico (Folha de S. Paulo, 09/11/2002, C-3).

Nos meios acadêmicos, predominam pesquisas focalizadas na juventude das ca-madas populares. É o que se pode ler em publicações das quais os livros a seguir consti-tuem exemplos: Ideais na adolescência: falta de perspectivas na virada do século; Galerascariocas: territórios de conflitos e encontros culturais; Gangues, galeras, chegados erappers. O primeiro resulta de pesquisa realizada com jovens da periferia de São Paulo.Os dois últimos resultam, respectivamente, de estudos desenvolvidos em Brasília e noRio de Janeiro e que foram replicados em outras capitais brasileiras.

Questões relativas à classe média e às práticas transgressivas de seus jovens filhosvêm sendo colocadas em relevo pela intelectualidade européia e norte-americana há dé-cadas. Os dois clássicos A nova classe média (White Collar), de C. Wrigt Mills, e Trans-gressão e controle, de Albert Cohen, são conhecidos do público acadêmico brasileirodesde, pelo menos, as décadas de 1950 e 1960. A recente edição brasileira do livro Acorrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo, de RichardSennett, reaviva o debate iniciado há meio século.

Após a Segunda Grande Guerra Mundial, em Educação após Auschwitz, TheodorAdorno sentencia:

Para a educação, a exigência de que Auschwitz não se repita é pri-mordial. Precede de tal modo quaisquer outras, que, creio, não devanem precise ser justificada. Não consigo entender como tenha me-recido tão pouca atenção até hoje. Justificá-la teria algo de mons-truoso em face da monstruosidade que ocorreu. Mas que a exigên-cia e os problemas decorrentes sejam tão subestimados testemunhaque os homens não se compenetraram da monstruosidade cometi-da. Sintoma esse de que subsiste à possibilidade da reincidência,no que diz respeito ao estado de consciência e inconsciência doshomens. Todo debate sobre parâmetros educacionais é nulo e indi-ferente em face deste — que Auschwitz não se repita. Foi a barbárie,à qual toda educação se opõe (1994, p. 33).

Em Eros e civilização, inicialmente publicado em 1955, Marcuse vincula as

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tendências anticivilizatórias da cultura de massas à descentralização das funções da fa-mília, ocorrida nas sociedades capitalistas mais avançadas. Interpreta o fenômeno en-quanto aperfeiçoamento dos mecanismos de dominação: na família burguesa dos perío-dos anteriores, pai e mãe eram facilmente identificados como agentes da dominação, oque produzia, ao mesmo tempo, as condições da submissão e as condições da revolta.Agora:

(...) a dominação torna-se cada vez mais impessoal, objetiva, uni-versal, e também cada vez mais racional, eficaz e produtiva. (...) Asociedade emerge como um sistema duradouro e em expansão dedesempenhos úteis; a hierarquia de funções e relações adquire aforma de razão objetiva: a lei e a ordem identificam-se com a pró-pria vida da sociedade. No mesmo processo, também a repressão édespersonalizada: a restrição e arregimentação do prazer passamagora a ser uma função (e resultado ‘natural’) da divisão social dotrabalho (MARCUSE, 1969, p. 91).

A despersonalização da repressão também resulta em uma fria dinâmica da des-truição através da tecnologia, praticamente impossível de ser atingida por qualquer me-dida pedagógica.

E o fato da destruição da vida (humana e animal) ter progredidocom o progresso da civilização, da crueldade, o ódio e o extermíniocientífico do homem terem aumentado em relação à possibilidadereal de eliminação da opressão — essa característica dos estágiosmais recentes da civilização industrial possuiria raízes instintivasque perpetuam a destrutividade para além dos limites de toda aracionalidade (Op.cit. p. 90).

Em Infância e sociedade, publicado em 1963, Erik Erikson analisa que, a partirda adolescência, o papel da sociedade, em geral, e da história contemporânea à vidaindividual constituem forças cruciais na determinação do destino pessoal. Em Identida-de, juventude e crise, publicado no emblemático ano de 1968, o autor avalia oinconformismo exibicionista e perigoso, manifesto por grupos de jovens motociclistas,como aproximação “da identidade potencialmente criminosa, que se alimenta da rejeiçãopelos outros” (p. 26). Critica a forma como o comportamento dos jovens é apresentadopelos veículos de comunicação: “E, de fato, é assim (como invasores vindos de um outroplaneta) que a juventude está sendo atualmente retratada nos meios de comunicação demassa. E esses meios, devemos sublinhar, já não se contentam em ser intermediários da

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comunicação; impertinente e eficazmente, arvoram-se em mediadores entre as gerações”(p. 29). Conforme Erik Erikson, eximindo-se da sua função educativa de mediadores,porque “fascinados e absorvidos num mundo de invenções mecânicas e de poder de com-pra”, os pais escapam à “formidável questão do novo significado das gerações num uni-verso tecnológico” (p. 29). Preconiza:

(...) enquanto uma nova ética não alcançar o progresso, pressenti-mos o perigo de que os limites da expansão tecnológica e da afir-mação nacional talvez não sejam determinados por fatos ou consi-derações éticas conhecidos ou, em resumo, por uma certeza de iden-tidade, mas por uma caprichosa e despreocupada verificação doalcance e do limite da supermaquinaria que, assim, toma o lugarque, em grande parte, cabia à consciência humana (ERIKSON, 1987,p. 33).

As reflexões dos autores acima referidos e o fenômeno social que anima estaexposição impõem algumas indagações. Que lições as instituições da sociedade ocidentaltiraram de tragédias genocidas, como o holocausto nazista, como o intervencionismonorte-americano? Que lições tiraram de O mal-estar na civilização, no qual, já em 1930,Sigmund Freud mostra a ação anti-social da “humana inclinação para a agressão e para adestruição”, como expressão da falta de racionalidade da sociedade que lhe é contempo-rânea e como obstáculo contra o qual a civilização muito terá que lutar? Que lições essasinstituições tiraram do Maio de 1968, da juventude francesa, da Primavera de Praga, dajuventude eslováquia, da desobediência civil dos jovens norte-americanos, que se recusa-ram a ir para a Guerra do Vietnã? Que lições tiraram da ascensão do autoritarismo mili-tar na América Latina, entre as décadas de 1960 e 1970? Que lições tiraram doenfrentamento de jovens brasileiros à Ditadura Militar, instalada em 1964?

Sobre o declínio da mediação reguladora na socialização realizada pela institui-ção escolar, em 1973 Georges Snyders pergunta Para onde vão as pedagogias nãodiretivas?

Receamos que a não diretividade, apesar das aparências parado-xais, não consiga dar liberdade bastante ao aluno, autonomia bas-tante à classe; receamos que seja infinitamente menos revolucioná-ria do que julga ser, do que pretendia ser. (...) É por isso que asnossas críticas não têm qualquer ponto comum, não querem ter qual-quer ponto comum, com a consciência tranqüila e satisfeita queainda não percebeu, ou que tenta mascarar, a realidade dos proble-mas criados pelos não diretivistas — consciência tranqüila que não

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se abriu à exigência dos alunos e de jovens, ou que julga poderresponder a isso por alguns compromissos: um pouco de liberdade,uma dose de amabilidade, bastante ‘aperto’. O sucesso das teoriasnão diretivistas, a tentação que constituem para um grande númerode professores, e dos mais apaixonados, são testemunho da realida-de das contradições que denunciam: mas é também a confusão da-queles que são levados a receber uma palavra nova como se fosse aúnica possível (SNYDERS, 1978, p. 09-10).

Em carta a um colega de escola Freud fala de sua experiência como aluno doLiceu onde estudou na juventude. Em artigo escrito para o volume comemorativo doaniversário de cinqüenta anos de fundação desse Liceu vienense, lembra a carta ao colegae, com profunda sensibilidade, já refletira sobre a importância educativa da autoridadepedagógica.

Como psicanalista, estou destinado a me interessar mais pelos pro-cessos emocionais que pelos intelectuais, mais pela vida mentalinconsciente que pela consciente. Minha emoção ao encontrar meuvelho mestre escolar adverte-me de que antes de tudo, devo admitiruma coisa: é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobrenós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciênci-as que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mes-tres. É verdade, no mínimo, que esta segunda preocupação consti-tuía uma corrente oculta e constante em todos nós e, para muitos,os caminhos das ciências passavam apenas através de nossos pro-fessores. Alguns detiveram-se a meio caminho dessa estrada e parauns poucos — porque não admitir outros tantos? — ela foi porcausa disso definitivamente bloqueada”(FREUD, 1914, v. XIII, p.286).

Em A cultura do narcisismo, analisando a “abdicação da autoridade” implicadaem propostas de natureza não diretiva, entendidas como a correspondência da esfera daprodução nas demais esferas da vida social, em 1983 Christopher Lasch considera:

A aparência de permissividade esconde um sistema de controle ri-goroso, tão mais efetivo porque evita confrontações diretas entreautoridades e as pessoas sobre as quais procuram impor sua vonta-de. Porque as confrontações provocam discussões a respeito de prin-cípios, as autoridades, sempre que possível, delegam a disciplina aterceiros, de modo que possam ficar como conselheiras, ‘pessoasdo recurso’ e amigas”(1983, p. 223).

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Alguns anos depois, o mesmo fenômeno é problematizado no Brasil. Nicolaci-da-Costa vê nessa “aparência de permissividade” a ausência “de uma linha divisória entre opúblico e o privado”; analisa que isso potencializa formas de controle jamais alcançadaspor quaisquer pedagogias tidas como tradicionais: “Ao se expressarem livremente napresença de observadores atentos e treinados (professores e seus assistentes), e que dis-põem de tempo, as crianças facultam a seus agentes socializadores uma observação mi-nuciosa e penetrante de todos (ou quase todos) os aspectos de seu fazer e de seu ser”(NICOLACI-DA-COSTA, 1987, p. 87).

Em Da sedução na relação pedagógica, publicado em 1995, Morgado consideraque as formas dissimuladas, sedutoras, de exercício abusivo da autoridade derivam suaeficácia da negação sistemática de afetos originários inconscientes que concorrem paraestruturar a relação professor-aluno.

(...) a sedução na relação pedagógica não se deve ao campotransferencial e sim à maneira como esse campo se estrutura e semantém. Professor e aluno têm corpos, têm emoções: seria pedir-lhes demais que compartilhassem somente interesses intelectuais.(...) Existe um ponto em que o campo transferencial favorece osobjetivos da relação pedagógica. Trata-se daquele ponto em que oprofessor aceita a transferência mas não reage a ela da forma que oaluno gostaria. Aceita sua ternura respeitosa e afetuosa para ajudá-lo a trabalhar; e no lugar da sedução contratransferencial, ao amorexacerbado e ao ódio, põe o conhecimento que legitima sua autori-dade pedagógica”(MORGADO, 2002, p. 122 a)

Sobre a socialização, no sentido lato, em O mínimo eu, Christopher Lasch analisaque a vida cotidiana na sociedade pós-industrial “passa a ser um exercício de sobrevivên-cia” — sobrevivência psíquica em tempos difíceis —, em que “raramente se olha paratrás, por medo de sucumbir a uma debilitante nostalgia; e quando se olha para frente, épara ver como se garantir contra os desastres que todos aguardam”. Conforme o autor,nesse cenário em que se perdeu a confiança no futuro, sitiado, “o eu se contrai” (1986, p.09); preconiza que

uma nova cultura (...) deve se fundamentar num reconhecimentodestas contradições na experiência humana (tensão entre aspira-ções ilimitadas e compreensão limitada, entre imortalidade e finitudecativa, entre unidade e separação), não em uma tecnologia que ten-ta restaurar a ilusão de auto-suficiência; ou, por outro lado, em umarecusa radical da individualidade que procura restaurar a ilusão da

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unidade absoluta com a natureza (Op.cit. p. 14).

Já em 1946, no ensaio Eclipse da Razão, Max Horkheimer advertira sobre a apa-rência de objetividade da denominada razão instrumental, forma irascível da aparenteracionalidade voltada para fins imediatos: “O avanço dos recursos técnicos de informa-ção se acompanha de um processo de desumanização”. Entende que “a tendência moder-na para traduzir qualquer idéia em ação (...) é um dos sintomas da atual crise da cultura:a ação só pela ação de modo algum é superior ao pensamento e talvez lhe seja até inferi-or” (p. 06). Sobre a exigência de flexibilidade imposta pelo “modo contemporâneo daprodução”, avalia que também “maiores são as exigências de adaptação (...) às condiçõesmutáveis”; essa facilidade de transição de uma atividade à outra de modo algum se tra-duz “em maior tempo para a especulação”: desgarrado de “padrões absolutos de conduta,de ideais universalmente estabelecidos”, o homem contemporâneo tornou-se “tão com-pletamente livre que não precisa de padrões, exceto o seu próprio”; paradoxalmente,“esse aumento de independência conduziu a um aumento paralelo de passividade” (p.107-108). Considera que a “crise da razão se manifesta na crise do indivíduo”; nessemomento social de “autopreservação”, em que não existe “um eu a ser preservado”, amáquina expeliu o maquinista, pois “a razão tornou-se irracional e embrutecida” (p.139). Como conseqüência, “o cego desenvolvimento da tecnologia reforça a exploraçãosocial” e pode “transformar o progresso em seu oposto, o barbarismo completo” (p. 145).O autor vê a existência de “uma moral em tudo isso: a individualidade é prejudicadaquando cada homem decide cuidar de si mesmo. À medida que o homem comum se retirada participação nos assuntos políticos, a sociedade tende a regredir à lei da selva, queesmaga todos os vestígios de individualidade” (p. 146).

Tangenciamento das contradições inerentes à experiência humana; crescente efi-cácia da dominação dissimulada na impessoalidade da autoridade; desvanecimento dalinha divisória entre a vida pública e a vida privada; ação irrefletida mascarada na apa-rência de objetividade da razão instrumental; cultura da personalidade em detrimentodos ideais e padrões universais de conduta; tentativa de resgatar a impossível auto-sufici-ência por meio da tecnologia; adaptação à progressiva exigência de flexibilidade masca-rada em independência; crise da individualidade, no desprezo por assuntos políticosinstitucionais, na hipervalorização das idiossincrasias, na busca de restauração da ilusó-ria unidade absoluta com a natureza, na vida social cada vez mais atomizada;descentralização das funções da família, acompanhada da atrofia de funções das outrasinstituições mediadoras tradicionais da sociedade; crescente interferência dos veículos decomunicação nos modos de interação social.

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Esses históricos traços culturais da sociedade capitalista contemporânea, que tam-bém vieram estruturando-se na sociedade brasileira, ficam ainda mais evidenciados coma implantação do denominado modelo neoliberal, intensificado na década de 1990. RichardSennett aponta que as características predominantes desse “novo capitalismo” se esten-dem da esfera do trabalho para as demais esferas da vida social, conformando o própriocaráter individual.

Figura de autoridade é alguém que assume responsabilidade pelopoder que usa. Numa hierarquia de trabalho do velho estilo, o che-fe pode fazer isso abertamente declarando: ‘Eu tenho o poder, sei oque é melhor, me obedeçam.’ As modernas técnicas de administra-ção buscam fugir do aspecto ‘autoritário’ de tais declarações, masfazendo isso os administradores conseguem escapar também de serresponsáveis por seus atos. (...). O repúdio da autoridade e da res-ponsabilidade nas próprias superficialidades do trabalho em equi-pe flexível estrutura a vida de trabalho diária (...). Esse jogo depoder sem autoridade na verdade gera um novo tipo de caráter. Emlugar do homem motivado, surge o homem irônico. (...). Uma visãoirônica de si mesmo é a conseqüência lógica de viver no tempoflexível, sem padrões de autoridade e responsabilidade (SENNETT,1999, p. 136-137).

A nova faceta do modo de produção capitalista não apenas isenta o Estado dafunção de regulação da sociedade, como também deixa a mediação antes exercida pelasinstituições socializadoras tradicionais por conta da mesma auto-regulação. Pode-se di-zer que o fenômeno corresponde à prevalência, à reprodução e à intensificação da verten-te histórica dos valores liberais de não limitação aos interesses do mercado sobre a ver-tente histórica do ideário liberal representada pela cultura iluminista de civilização.

O entendimento iluminista, que concebe o ideário liberal vinculado a raízes maisdemocráticas, pode ser encontrado na primeira metade do século XX na obra de intelec-tuais como Bertrand Russell e Harold J. Laski. Mais recentemente, essa idéia está presen-te em A democracia liberal: origens e evolução, prestigiado texto de C. B. Macpherson.No Brasil, essa posição política é defendida por Sérgio Paulo Rouanet, em As razões doiluminismo.

A aparente flexibilização do controle social dissimula uma pluralidade de contro-les ainda mais severos e eficazes advindos de todas as direções. A mediação das relaçõestravadas na vida social pela autoridade visível e limitada é suplantada pela abdicaçãodessa autoridade em favor de incontáveis autoridades invisíveis e ilimitadas regidas pela

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batuta aparentemente neutra e apolítica do denominado mercado. Isso se dá na direçãoinversa àquela em que, retirado da sua natureza biológica, animal e instintual, o indiví-duo foi introduzido na história das relações que engendram a sociedade humana.

Esse modo de funcionamento social facilita o caminho para práticas anticivilizaçãojustamente porque se baseia em normas aparentemente reguladas por forças naturais eimpessoais contra as quais nenhuma ação humana limitante é possível. Richard Rortyassinala as decorrências dessa dinâmica para a educação: “Não posso imaginar uma cul-tura que socializou sua juventude de maneira a deixá-la continuamente em dúvida sobreseu próprio processo de socialização” (1989, p. 73-74).

Para os jovens, cuja experiência passada é breve e cujo futuro está todo por cons-truir, a inexistência de mediações e o progressivo afrouxamento das relações sociais a queestão expostos parece resultar numa vivência cujo impacto é aterrador. Submetidos a umjogo no qual as regras em permanente mutação nunca são previamente conhecidas, qualé o horizonte possível? O horizonte juvenil pode deslocar-se para o passado, para a visadaretrospectiva, para a transgressão das normas do jogo em desuso cujo funcionamento éconhecido.

Qual é o projeto da sociedade brasileira para a educação das gerações mais novas?Permissivas na aparência, despóticas na raiz, o que suas instituições têm feito quando aspretensas intervenções educativas falham? Nos anos 1950, apelou-se para a moral e osbons costumes piedosos. Depois, apelou-se para o psicólogo. Isso, na classe média. Dascamadas empobrecidas e miseráveis sempre se soube o destino social: não houve projetocivilizatório que as incluísse.

Filhos da omissão, os jovens brasileiros são candidatos a quê? Filhos dapermissividade autoritária são educados para quê? Filhos da despótica razão embrutecida,são formados para quê? Para um suposto lugar social do qual são excluídos antes mesmoda maturidade? Levantamentos apontam jovens entre 15 e 29 anos como a faixa etáriamais atingida pela morte por causas violentas: homicídios, acidentes e suicídios. Os mes-mos levantamentos indicam que os jovens de classe média vêm sendo incluídos nessasestatísticas (MORGADO, 2002 b).

Porém, como se viu, é mais no noticiário policial que nas páginas acadêmicas quejovens da classe média podem ser localizados. Não é sem estupefação que os autores dasmatérias jornalísticas comentam o envolvimento desses jovens no tráfico de drogas e emcrimes contra o patrimônio. É o que se pode ler na reportagem denominada Crise devalores leva classe média ao crime, diz antropólogo (Folha de S. Pulo, 21/02/2000, 1-7).Na visão usual, jovens que têm suas necessidades fundamentais atendidas não teriammotivos para praticar esse tipo de transgressão.

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Entretanto, o predomínio do biológico sobre o histórico, do instintual sobre osocial, tem correspondência nos funcionamentos subjetivos individual e coletivo orienta-dos para a descarga imediata de impulsos primitivos. A expressão desse funcionamentopsíquico — comum aos seres humanos, em geral, e não aos desvalidos, em particular —parece ganhar em recorrência quanto mais são atrofiadas as instâncias mediadoras davida social (MORGADO, 2001). Em termos psicossociais, as práticas transgressivas dejovens da classe média em foco podem então ser entendidas como decorrentes da descar-ga destrutiva sem a mediação dos processos psíquicos secundários que refreiam e subli-mam a descarga pulsional imediata.

A regulação imperceptível, sem regras explícitas, exercidas pelo aparato de que sevalem as elites privilegiadas políticas e economicamente, caminha no sentido inverso aoda civilização: resulta em opressão tanto mais eficaz quanto mais dissimulada em libera-ção. Como mostrou o criador da Psicanálise, o sofrimento social produz o mal-estar doindivíduo.

Em circunstâncias que lhe são favoráveis, quando as forças men-tais contrárias que normalmente a inibem se encontram fora deação, ela (a inclinação para agressão) também se manifesta espon-taneamente e revela o homem como uma besta selvagem, a quem aconsideração para com sua própria espécie é algo estranho (FREUD,1930, v. XXI, p. 133-134).

Em 11 de setembro de 2001, a destruição das duas torres do World Trade Center,em Nova York, e de parte do Pentágono, em Virgínia, levou o governo dos Estados Uni-dos da América do Norte a iniciar ofensiva militar contra o Afeganistão, país do orientemédio, onde estaria sediada a liderança supostamente responsável pelos ataques. Com achancela política da maior parte das autoridades governamentais do planeta, jovens fo-ram mandados para um combate genocida, cujas maiores vítimas foram famintos adultose crianças afegãos.

Na manhã de 20 de março de 2002, a despeito do veto da maioria dos paísesintegrantes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), da oposição da maio-ria dos governos de todas as nações do planeta, do repúdio do Vaticano e a despeito dorechaço dos milhões de participantes da maior manifestação popular mundial de que já seteve notícia, os Estados Unidos da América do Norte iniciaram uma ofensiva militarcontra o Iraque, também situado no Oriente médio, a pretexto de ali instaurar a democra-cia.

Ao abordar que a repetição de eventos na história da humanidade é apenas apa-

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rente, Karl Marx (1978, p.17), considera que“Hegel observa em uma de suas obras quetodos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, porassim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, asegunda como farsa” .

A reconhecida crueldade do extermínio em massa e as chagas sociais deixadaspelo holocausto nazista ainda não parecem ter alcançado a força pedagógica de conter orecurso ao imediatismo militarizante como meio de resolução finalista dos conflitos polí-ticos. Quais lições a sociedade ocidental poderá extrair dos recentes episódios belicososmaniqueístas, anticivilização, em que novamente os jovens são ordenados a matar?Auschwitz está repetindo-se como farsa trágica e as conseqüências disso para a educaçãodas novas gerações são, talvez, bem mais óbvias do que se poderia supor.

No campo político democrático, à direita e à esquerda, há mais de um século aobviedade está sendo enfatizada por intelectuais e militantes, do movimento operário,dos movimentos sociais, do movimento sindical e dos partidos políticos. No momento emque a Segunda Grande Guerra Mundial do Século XX era iminente, Harold J. Lasckirefletiu sobre o que estava levando ao fracasso da Paz de Versalhes:

Não o previram; e, no entanto, estava escrito na história do libera-lismo. Como doutrina, era, efetivamente, um subproduto do esfor-ço da classe média para ganhar o seu lugar ao sol. Ao realizar suaemancipação, esqueceu não menos completamente do que os seuspredecessores que as reivindicações de justiça social não estavamesgotadas com sua vitória (LASCKI, 1973, p. 183)”.

O contexto considerado, em vez de apontar para uma crise de valores, revela quea transgressão juvenil na classe média brasileira mais parece sintonizada com o esgota-mento civilizatório das propostas sócio-educativas burguesas contemporâneas. Tais pro-postas ascenderam e se globalizaram em contraposição ao ideário burguês ocidental pre-dominante no período iluminista, que enfatizava a universalização dos valores democrá-ticos de liberdade, igualdade e fraternidade.

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DISCUTINDO O INTERCÂMBIOUNIVERSIDADE E REDE PÚBLICA*

Maria Izete de Oliveira1

RESUMO: Esse artigo tem como finalidade provocar uma reflexão acerca de um dos papéis dauniversidade qual seja a disseminação de suas produções científicas, bem como, a sua relaçãocom a rede pública de ensino. Para tanto, tomo como referência a pesquisa que realizei nomestrado que teve como objetivo investigar se as produções da pós-graduação são acessíveis aosprofissionais das DEs (Delegacias de Ensino)2 da Capital de São Paulo que atuam junto aosprofessores do ensino fundamental, e quais os fatores que possibilitam e os que dificultam oacesso a essas produções. Um ponto evidenciado é que esse acesso não pode ser analisado isola-damente; nessa análise emergem aspectos da relação universidade e rede pública. E, as contin-gências dificultadoras do acesso são relativas às duas instituições.

UNITERMOS: Intercâmbio; universidade; produções; escola; rede pública.

A literatura referente à educação possui uma gama de conhecimentos, que vãodesde reflexões sobre os constructos teóricos até propostas de intervenção pedagógica,visando minorar os problemas que as escolas de ensino fundamental, dentre outros ní-veis, enfrentam no seu cotidiano.

Ainda assim, essa é uma questão bastante polêmica e requer muita reflexão ecomprometimento por parte dos profissionais da educação. Um exemplo claro da com-plexidade dos problemas educacionais é a pesquisa realizada por Barreto (1983) nasescolas de ensino fundamental da periferia de São Paulo. Constatou-se, nessa pesquisa,que os problemas na escola são muitos e de diversas naturezas: a indisciplina, dificulda-des de aprendizagem, metodologias de ensino, sistema de avaliação, dentre outros. Nesseestudo a pesquisadora solicitou aos professores que “relatassem uma dificuldade específi-ca, do ponto de vista metodológico, que tivessem sentido em sua atuação em sala deaula”, e deparou com a ocorrência de problemas tanto de origem técnico-pedagógica, quese referem à insegurança do professor nas habilidades para administrar uma sala de aula,quanto de ordem do comportamento dos alunos, como a indisciplina, os problemas emo-cionais, a apatia, o roubo, a falta de higiene e saúde e o interesse exacerbado pela sexua-lidade.

Esta constatação nos mostra a importância da pesquisa na área de Educação que,

* Relato de pesquisa realizada na PUC/SP no Programa de Psicologia da Educação – Dez. 1998.1 Doutora em Psicologia da Educação pela PUC/SP , Professora da Faculdade de Educação daUNEMAT e Coordenadora da Revista CRESCER da FAED-UNEMAT.2 Na nossa realidade Mato-grossense a Delegacia de Ensino equivale a Assistência Pedagógica.

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no mínimo, deveria abrir espaço para discussões dos problemas educacionais, envolven-do tanto os pesquisadores quanto os professores que atuam no ensino fundamental emédio.

Esta preocupação justifica-se por serem as produções da pós-graduação conside-radas, pelos autores estudados (Cunha 1979; Franco 1984; Göergen 1985; Sousa 1994 eGauthier 1996 etc), como grande contribuição, enquanto subsídios teóricos, para auxiliaro professor em sua prática pedagógica uma vez que, para ensinar, o educador não pode sevaler apenas de seu “talento”, “bom senso” ou da experiência adquirida, “ele deve pos-suir também um corpus de conhecimento que o ajudarão a ´ler` a realidade e a enfrentá-la.” (Gauthier et al: 5). E quem, senão a universidade, tem a responsabilidade de produ-zir e divulgar esse corpus de conhecimento?

Göergen (1985:206), por exemplo, ressalta que a universidade sempre teve comoobjetivo cultivar e transmitir o saber e acrescenta, em um outro artigo, que “a pesquisa,que é busca de conhecimentos e explicações sobre aspectos obscuros da realidade, temseu objetivo maior exatamente na divulgação final de seus resultados, para que estespossam servir a outros, para que possam ser usados”. (Göergen,1986:10).

Partindo dessa premissa, não podemos nos esquecer que é atribuição da universi-dade sustentar-se no tripé: pesquisa, ensino e extensão, sendo que a extensão universitá-ria, segundo Botomé (1996), “tem sido apontada como forma de estender à sociedade apesquisa feita na universidade, caso contrário, a pesquisa não sai do âmbito da academiae seus conexos. (...) a extensão da pesquisa não é outra coisa que o acesso a ela e aos seusresultados”. (apud Oliveira:1998). Assim, a divulgação das produções é um compromis-so com a comunidade estabelecido pela extensão universitária.

Se o valor da pesquisa educacional está, justamente, na contribuição que ela podetrazer para a educação e, se a universidade é o principal locus de produção desses conhe-cimentos, então, um desafio se nos apresenta: é preciso fazer com que esses novos conhe-cimentos cheguem às escolas públicas para que possam ser utilizados pelos seus agentesem benefício da educação. Essa é, sem dúvida, uma das formas de a universidade estarcumprindo com seu papel social no sentido de contribuir para a qualidade do processoeducacional.

É fato que o acesso, ou não, a essas produções não pode ser analisado isolada-mente; nessa análise emergem aspectos da relação universidade3 e rede pública. E, comcerteza, as contingências dificultadoras do acesso são relativas às duas instituições; por

3 É importante ressaltar que quando faço menção à universidade não me refiro a uma universidadeespecífica já que utilizei, na pesquisa, depoimentos prestados pela Dirigente Regional de Ensino epela Assistente Técnico Pedagógico (ATP) sobre as universidades de modo geral.

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um lado, existe a falta de estratégias de divulgação das produções por parte da universi-dade. Por outro, as características do trabalho na DE (questões burocráticas e a falta detempo) dificultam a circulação e utilização das produções no ambiente de trabalho, impe-dindo, até mesmo, que ocorra o interesse por esse tipo de material.

Sem dúvida, as condições de trabalho oferecidas na DE, e nas escolas públicas,não garantem a seus profissionais tempo suficiente para que procurem e consultem umtipo de produção do porte de uma tese ou dissertação. Mas, o que preocupa é constatarque não existe, também, por parte dos profissionais da DE, a utilização de artigos deriva-dos desse tipo de produção. E, ainda ocorre que, se por ventura um artigo utilizado forproveniente de uma tese ou dissertação, muitas vezes, essa origem passa despercebidapor não se fazer tal referência na obra consultada.

Mesmo que as características da DE dificultem o acesso e a utilização das pesqui-sas, isso não isenta a universidade da responsabilidade de divulgar suas produções. Ain-da mais se considerarmos que essa característica não é exclusiva da DE, mas sim dequalquer instituição que abrange várias repartições, fato esse que não deve ser de desco-nhecimento da universidade e, sim, considerado por ela quando do planejamento de es-tratégias para divulgação de suas produções com vistas a facilitar o acesso desse materialnão só aos profissionais das DEs, como também da rede pública como um todo.

A divulgação da pesquisa educacional por meio da publicação em livros e revistasespecializadas, ou ainda em cursos, conferências, palestras, seminários, congressos etc.,embora seja a mais comum, não atinge um público mais específico, ou seja, aqueles quese encontram ativamente no ensino fundamental, já que este público menos facilmenteparticipa de eventos científicos como também encontram dificuldades (econômicas, etc.)em manter a bibliografia de apoio atualizada.

Sabemos que o impacto das teses e dissertações no âmbito dos órgãos públicos sóocorre anos depois de sua defesa já que, quando o autor consegue (se conseguir) publicarum resumo de sua pesquisa em revistas ou livros científicos esse material tende a circu-lar, primeiramente, no meio universitário e somente depois de sua divulgação entre ospares é que esse material, talvez, chegue ao conhecimento daqueles que atuam na redepública de ensino.

Como bem pontua Göergen (1985), a difusão dessas produções, na maioria dasvezes, ocorre somente no meio universitário, sendo que os resultados das pesquisas edu-cacionais não vêm sendo divulgados adequadamente junto aos diversos seguimentos dasociedade em geral e, em especial, junto aos profissionais dos outros níveis de ensino.Isso nos faz crer que os veículos de divulgação não proporcionam uma integração entreos conhecimentos produzidos nos programas de pós-graduação e o ensino fundamental e

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médio.Sousa (1994a), em seu estudo sobre A Divulgação de Pesquisas Realizadas no

Âmbito de Programas de Pós-graduação, constatou que “constitui-se em mais um alertaa urgência de esforços, pelas Universidades e Associações de pesquisa, na luta pelaviabilização de condições para divulgação das pesquisas produzidas na pós-graduação,...”(:78)

Compartilho deste ponto de vista de Sousa e complemento que: se é papel dauniversidade produzir conhecimentos que possam ser úteis à comunidade, é seu papel,também, assegurar aos interessados o acesso às suas produções, mais especificamente,àquelas da pós-graduação. Concordo com Botomé (1996) quando afirma que “se o objetodo trabalho da universidade é a produção de conhecimento, então, parece ser específicodela também, torná-lo acessível”.(:39)

É partindo dessa premissa que enfoco, neste artigo, dados a respeito do papel dauniversidade na relação com a rede pública, ou seja, sua responsabilidade em garantir àsociedade o acesso a suas produções e o acesso à própria universidade. A ênfase na críticaà universidade se justifica pelo fato de que é nossa responsabilidade, interferir em suasações de forma a aprimorá-las, uma vez que é a universidade o nosso local de atuação eestá ao nosso alcance modificá-la. É certo que essa não é uma tarefa fácil mas, não éimpossível.

É importante, nesse momento, para que não haja entendimento diversificado doconceito de divulgação e de acesso, apresentar uma definição sobre esses termos. Confor-me esclarece o léxico, divulgar significa “Vulgarizar; tornar conhecido, propalar; publi-car” enquanto acesso diz respeito à “...chegada; aproximação; trato;...” . Isso significadizer que divulgar é colocar algo à disposição do público o que não garante que as pesso-as, necessariamente, terão acesso àquele material.

Com essa colocação gostaria de chamar atenção para o fato de que a universidadenão pode se dar por satisfeita apenas colocando suas produções à disposição do público. Épreciso criar estratégias de divulgação que maximizem a possibilidade de acesso àquelesque podem fazer uso dos resultados das pesquisas. Teses e dissertações são produtos dauniversidade e estão disponíveis em sua biblioteca, mas isso não é o suficiente para ga-rantir o seu acesso aos interessados. Temos, dessa forma, dois problemas distintos, poréminterligados, a serem analisados: a divulgação pela divulgação sem considerar a suarepercussão ou sem visar um determinado público e a divulgação sistemática das produ-ções de forma a possibilitar o seu acesso a um público específico, que são os profissionaisque atuam na Educação Básica.

Um dado importante que confirma a não utilização das produções da pós-gradua-

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ção é apontado pela Dirigente quando afirma que “precisaria que houvessem síntesesdessas produções para facilitar a seleção daquelas que gostaríamos de ter acesso. (...) oacesso a essas produções é muito difícil,... só se encontram nas bibliotecas das universi-dades” .

Enquanto os profissionais da DE, por falta de acesso, não utilizam teses, disserta-ções e derivados para fundamentar sua prática, inúmeros trabalhos sobre o cotidianoescolar desatualizam-se nas prateleiras da biblioteca por falta de divulgação. Isso faz comque aqueles que estão exercendo a prática pedagógica tenham total desconhecimentodaquilo que já foi produzido, sem poderem contar com as pesquisas como subsídios teó-ricos.

O Informativo da Associação de Pós-Graduação da PUC/SP aponta o grande acer-vo de teses e dissertações defendidas nos anos de 1996 e 1997 por essa instituição. Noprograma de História e Filosofia da Educação foram defendidos 21 trabalhos entre tesese dissertações no ano de 1996 e 38 no ano de 1997; na área de Currículo foram defendi-dos 41 em 1996 e 26 em 1997; no programa de Ensino da Matemática foram 03 em 1996e 05 em 1997. Na área de Psicologia da Educação foram defendidos 46 em 1996 e 40 em1997, totalizando 111 pesquisas em 1996 e 109 em 1997. Em suma, esses dadoscorrespondem a 220 trabalhos, entre teses e dissertações diretamente ligadas à educaçãodefendidos em apenas dois anos e em uma única universidade, o que representa umaquantidade4 significativa de trabalhos realizados que poderiam ser utilizados por educa-dores da área.

Não há dúvida de que é importante a quantidade de pesquisas produzidas a cadaano, porém, isso não é o bastante; é preciso que a universidade e os órgãos financiadorescriem mecanismos de divulgação dessas pesquisas que tratam da problemática educacio-nal de modo geral e que também enfocam questões diretamente ligadas às dificuldadesque o professor enfrenta no seu cotidiano.

Göergen (1986) afirma que a pesquisa é movida também pelo interesse da trans-formação da realidade, é “uma atividade científica que, por pressuposto, busca a amplia-ção dos conhecimentos para possibilitar a intervenção concreta na realidade”.(:10). Mas,contraditoriamente, os profissionais da DE, por exemplo, só têm acesso à pesquisa pormeio de amigos ou de algum pesquisador que desenvolve algum tipo de trabalho naquelelocal. Essa constatação evidencia que não é apenas do professor da rede pública a respon-

4 No que se refere à qualidade das pesquisas produzidas na pós-graduação, seja em termos teóricosou metodológicos, considero que essa discussão, bastante polêmica, é merecedora de ser objeto dereflexões mais aprofundadas já que o tema proposto para este momento não tem este objetivo.

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sabilidade pela não utilização das pesquisas; premissa essa que vai contra o entendimen-to de que os professores não têm interesse ou curiosidade por novos conhecimentos.

É certo que temos que considerar que parte das pessoas tem uma postura passiva,diante das pesquisas (no que se refere a sua leitura e utilização) mas, por outro lado, hátambém aquelas que, se tivessem acesso facilitado a elas fariam bom proveito de seusresultados para fundamentar seu trabalho pedagógico.

Quanto à passividade diante das pesquisas, acredito que isso se deva basicamentea uma educação que não estimula o uso das mesmas. Apesar de essa tendência estarmodificando-se nas escolas, o que se constata, mais freqüentemente, é que os estudantessó têm contato com a pesquisa no ensino superior quando há a preocupação com a inici-ação científica. Cabe à universidade criar o hábito no meio acadêmico - discentes e do-centes - não só de produzir pesquisas como também de utilizar essas produções. Confor-me Varsavsky (1976), melhor ainda seria se o contato com a pesquisa acontecesse nosprimeiros anos de escolaridade para que a criança fosse familiarizando-se com ela ecompreendendo sua finalidade, mas “não se deve confundir essa atividade com a forma-ção de pesquisadores. (...) Ao contrário é um método de desmistificar a pesquisa científi-ca fazendo com que todos a conheçam por dentro”. (:82)

Neste sentido, se não houver a formação inicial e a formação do futuro professorvoltadas para a pesquisa, que garantia se tem para que elas sejam lidas ou utilizadasdepois que o acadêmico sai da universidade se esta não criou o hábito da pesquisa naformação de seus alunos? Retorna-se, portanto, à fonte: o papel da universidade é funda-mental também sob um novo ângulo: além de facilitar o acesso, deveria criar a necessida-de para a leitura das pesquisas.

Nesse momento, é interessante abordar as colocações de Demo (1991) quandodefende que no processo de formação acadêmica na universidade seja incluída a visão dapesquisa como princípio científico, ou seja, o ensino puro e simples já não representamais o sentido básico da universidade. Para o autor é preciso que a universidade introdu-za seus alunos, no mundo da pesquisa despertando neles a capacidade de diálogo com arealidade, com competência para descobrir e criar.

Ainda a respeito da passividade diante das pesquisas tomo, como exemplo, o estu-do de Gatti (1986) no qual constatou que a utilização das pesquisas, por parte de admi-nistradores (Secretarias de Educação de quatro Estados, Instituição de Ensino Superior eCentro de Pesquisa em Educação), nas reformas educacionais é bastante pequena. Aautora verificou que os administradores da educação não têm o hábito de recorrer à pes-quisa para desenvolver seus projetos; têm dificuldade em fazer a passagem da teoria paraa prática e, ainda, atribuem pouca importância à pesquisa. Mas, acredito que isso não

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ocorre apenas por uma característica inerente à pessoa do administrador ou à sua atividade,mas, provavelmente, guarda relação com o caráter das pesquisas, como por exemplo:produção insuficiente ou inadequada; o caráter teórico da pesquisa; a linguagem hermé-tica utilizada pelos pesquisadores e o fato de o objeto de pesquisa, muitas vezes, estardistante do concreto do sistema de ensino.

Outro dado interessante é que existe um grande número de materiais bibliográfi-cos produzidos pela SEE (Secretaria de Estado de Educação de São Paulo) que são utili-zados na capacitação dos professores da rede pública de ensino e na prática pedagógicadesses professores. Mas, verificando esse material podemos constatar que apesar de exis-tirem, na sessão de “Referências Bibliográficas”, algumas indicações de teses e disserta-ções elas são inexpressivas, representam uma pequena quantidade em relação a outrasindicações bibliográficas.

Se, por um lado, a utilização das teses e dissertações, em seu original, é pratica-mente inexistente, tendo em vista as dificuldades de aceso já mencionadas, por outro,precisamos garantir, pelo menos, que dessas produções derivem textos/artigos que pos-sam servir de apoio para a elaboração dos materiais bibliográficos produzidos pelas SEEse órgãos similares.

Para que isso ocorra, é preciso que as pesquisas estejam mais ligadas à práticaeducacional, o que seria uma forma de atender às reais necessidades das escolas públicas.Isso, provavelmente, também faria com que as pesquisas ganhassem mais credibilidade efossem mais consultadas uma vez que estariam lidando com a realidade dinâmica daescola. Cunha, já em 1979, dizia ser extremamente urgente, a elaboração de pesquisasmais coladas à prática cotidiana da educação que poderiam levar a medidas práticasimediatas. (:13)

Não estou, com essa colocação, esquecendo-me do valor das pesquisas teóricas oubásicas, pois elas, com sua especificidade, também trazem grandes contribuições para aeducação, esclarecendo teorias muitas vezes obscuras, que fundamentam a práticaeducativa. O que defendo é que as pesquisas empíricas ou práticas sejam mais voltadaspara os problemas enfrentados nas escolas públicas, onde se concentra a maior parte denossas crianças e, com certeza, os problemas mais graves da educação.

Não defendo uma visão simplista de que a pesquisa, por si só, seja capaz de pro-mover transformações. Mas, acredito que ela tem muito a contribuir com a educação nosentido de que “...quanto mais ela tiver como referência a realidade concreta da escola, oseu cotidiano e o cotidiano da prática do professor, tanto mais ela terá força e legitimida-de para ser interlocutora no momento da negociação pela qual vier a ocorrer uma mudan-ça qualitativa ...”(Mello, 1985, :31) A desconsideração dos problemas reais que ocorrem

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na escola parece ser um fator que compromete o intercâmbio universidade-escola públi-ca.

A universidade deve repensar qual o sentido das pesquisas produzidas na pós-graduação. Se sua finalidade não é apenas cumprir uma formalidade do curso e contri-buir para o conhecimento individual daquele que a produziu mas, também, contribuirpara a melhoria da qualidade do sistema educacional, então a universidade deve implan-tar novos procedimentos que levem a esse fim. Nesse sentido, compartilho da seguinteopinião de Göergen (1986): “Enquanto (...) não se conseguir divulgar as pesquisas deforma que seus resultados cheguem ao conhecimento daqueles que operam a prática, ainfluência transformadora do conhecimento estará anulada, uma vez que a teoria cairá novazio”. (:12)

Outro aspecto da relação universidade-rede pública, talvez ainda mais grave doque a falta de acesso às pesquisas, é o fato de que a escola é vista pelo pesquisador apenascomo local de coleta de dados para o seu trabalho, cujo assunto pesquisado nem sempre éde interesse dessa instituição e, o pior, de cujos resultados nem sempre os profissionais daescola obtêm conhecimento. Nos cursos de mestrado e doutorado, na área de educação,infelizmente, é muito comum que os pós-graduandos recorram às escolas públicas, pararealização de suas pesquisas, tendo como objetivo desvendar alguns fenômenos da com-plexidade envolvida na dinâmica escolar. Esse tipo de pesquisa deveria ter como finali-dade contribuir para a minimização dos problemas detectados nas escolas ou na educaçãode modo geral. No entanto, antagonicamente, é comum o pós-graduando recorrer à esco-la, na fase de coleta de dados para seu estudo e não dar, posteriormente, nenhum retornodo trabalho desenvolvido.

Essa atitude é antiética e incoerente. Se o objetivo do futuro pesquisador era inves-tigar e esclarecer determinado fenômeno, essa pesquisa só teria valor se retornasse aolocal pesquisado contribuindo para reflexão da prática com vistas a solucionar ou mino-rar aquele problema. É incompreensível que um pós-graduando, mesmo sendo permitidaa sua atuação, adentre em uma determinada instituição educacional alterando com suapresença a rotina do local e, ao terminar seu estudo, não se sinta na obrigação de dar umadevolutiva àqueles que foram sujeitos de seu estudo. Franco (1984) faz uma colocaçãobastante pertinente a este respeito afirmando que “... se por um lado essa distância entrepesquisador e pesquisado é sempre difícil de ser resolvida, por outro lado investir paraque, no mínimo, os pesquisados também usufruam das pesquisas nas quais foram “sujei-tos” é uma tarefa urgente e inadiável.”(:87). Investir para que os sujeitos das pesquisastenham acesso a ela é, sem dúvida, um esforço impreterível da universidade e, se issoacontecer, poderemos dizer que estaremos dando um grande passo em direção ao objetivo

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final da pesquisa que é a sua socialização.Cabe ao pesquisador a preocupação em divulgar sua pesquisa já que é ele quem

sabe a quem o seu trabalho pode interessar, como também é ele quem melhor domina aprodução que derivou do seu problema de estudo. A democratização do conhecimentodeve ser a bandeira de luta dos pesquisadores e/ou profissionais da educação universitá-ria. Assim, acredito que uma das formas de a universidade se aproximar da escola públi-ca é criando condições para subsidiá-la teoricamente, e por que não por meio da sociali-zação de suas produções?

Mas, contraditoriamente, emerge nas escolas a impressão de que a universidade éfechada, restrita àqueles que fazem parte do seu cotidiano.

Existe uma cultura de distanciamento entre a universidade e a redepública e a culpa é da universidade já que não considera a DE comopossível intermediadora entre ela e as escolas (...) existe divergên-cia político-partidária ou ideológica entre estas instituições, o quefaz com que a universidade se mantenha distante da rede (...). Há,ainda, o preconceito gerado quanto à função dessas duas institui-ções: há um senso comum de que a função da universidade é for-mar “intelectual” e a função da rede pública é “operacional”, o quepõe esta última em um patamar inferior.. (Depoimento da Dirigen-te de Ensino)

Porquanto não tenhamos dados que confirmem ou neguem as hipóteses apre-sentadas pela Dirigente (e acredito que mereçam ser alvo de outros estudos), penso queapontam para aspectos que podem estar interferindo na relação universidade-escola pú-blica. Acredito que a universidade, visando não prejudicar ainda mais a sua relação coma escola, deveria considerar essa percepção que alguns profissionais da rede sustentamem relação a ela, ou seja, o seu distanciamento.

Sabemos que não é fácil para a universidade modificar essa realidade, mascabe a ela, por meio de esforço sistemático, planejar e investir na divulgação de suasproduções. Essa atitude poderá contribuir para mudar o quadro de descrédito que parcelada sociedade sustenta em relação a essa instituição. Nesse sentido, o alerta de Göergen(1985) é de impressionante atualidade!

A universidade deve repensar o seu relacionamento com a realida-de social, a partir das necessidades e interesses da sociedade naci-onal, regional e local em que está inserida. Este relacionamentoestá hoje profundamente abalado e desacreditado, sendo urgente asua revisão.(:210)

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Em suma, no momento de criar estratégias de divulgação, é preciso que os profis-sionais da universidade e os órgãos de fomento à pesquisa estejam atentos a todos osobstáculos que possam dificultar o acesso a suas produções, para que seu esforço não sejaem vão e não se criem medidas de divulgação inócuas. A universidade tem que consideraras condições concretas do trabalho dos profissionais da escola pública como, por exem-plo, a falta de tempo para leituras expansivas e oferecer material prático e instrumentalpara esses profissionais.

Algumas sugestões foram elaboradas com o objetivo de proporcionar uma refle-xão crítica acerca do papel da universidade em relação a rede pública. Essas sugestõescontemplam diferentes aspectos mas não estão prontas e acabadas; precisam seraprofundadas posteriormente. São elas:- A universidade deve divulgar a programação de seus eventos de forma maisdirecionada para as escolas públicas.- A universidade deve promover seminários, encontros e palestras com temáticas queatendam às expectativas dos profissionais da rede.- A universidade deve investir mais em convênios com as Secretarias de Educação.- A universidade deve manter os profissionais das DEs informados sobre as pesquisasrealizadas na instituição divulgando suas produções em jornal universitário, revista oucatálogo com sinopses das teses/dissertações defendidas.- Na organização de temas de pesquisa a universidade deve procurar atender às neces-sidades reais das escolas trazendo contribuições efetivas para o campo estudado.- A universidade deve garantir às escolas o retorno das pesquisas nelas realizadas, asDEs e as escolas devem ser vistas como parceiras na produção das pesquisas e não apenascomo local de coleta de dados.- Quando da entrega de sua tese ou dissertação o pós-graduando deveria encaminharuma cópia do resumo da sua pesquisa ao seu Programa de Pós-graduação e, anualmente,cada Programa deveria incumbir-se de fazer um apanhado de todos os resumos para darorigem a uma coletânea que seria encaminhada para a Secretarias de Educação e as DEs,o que deveria ser custeado pelos órgãos financiadores de pesquisa.- Os órgãos financiadores (INEP, CNPq, ANPEd, CAPES, etc)5 deveriam assumir aresponsabilidade do financiamento dessas iniciativas como, por exemplo, a elaboração edistribuição da coletânea dos resumos de todos os programas e universidades que seria

5 Quanto à medida que cabe aos órgãos financiadores, sabemos que não está ao alcance da univer-sidade controlar e garantir sua implantação. No entanto, acredito que a universidade deve reivindi-car esse custeio junto aos órgãos de fomento à pesquisa.

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dirigida especialmente à SE, e às DEs, isso possibilitaria a esses profissionais consultar eselecionar os trabalhos que lhes interessar.

É importante ressaltar que as sugestões aqui apresentadas surgiram da indicaçãode profissionais da rede pública que vivenciam as conseqüências do distanciamento comas instituições de ensino superior.

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REFLETINDO SOBRE O TRABALHO COM A LÍNGUA(GEM),NO CONTEXTO ESCOLAR

Elizete Beatriz Azambuja *

RESUMO: Este texto é resultado de leituras fundamentadas na Análise do Discurso de linhafrancesa e no trabalho desenvolvido na área de linguagem, durante muitos anos. Assim, levantoalguns pontos reincidentes nas práticas pedagógicas que envolvem leitura e escrita, em que nãosão consideradas as condições de produção e os sentidos são colocados como “transparentes”,“evidentes”, enfim “naturais”. Por fim, sem acreditar em um discurso “salvacionista” de mudan-ça de vida pelo acesso à leitura e à escrita, aponto para a possibilidade de contribuição namudança de sentidos a partir do trabalho realizado no espaço escolar, visto ser este lugar delinguagem, de interpretação.

UNITERMOS: leitura; escrita; práticas pedagógicas; sentidos diferentes.

A presente reflexão1 constituiu-se, ao longo de muitos anos, em um trabalho coma disciplina de Língua Portuguesa, tanto no ensino fundamental como no ensino médio,de discussões com professores da área da linguagem e, sobretudo, com leituras de textosna perspectiva da Análise do Discurso de linha francesa. É a essa teoria que recorro pararefletir sobre a temática: LEITURA e ESCRITA. Vale dizer que ela traz para a reflexão asquestões de poder e das relações sociais, visto que são considerados os interlocutores, ocontexto de comunicação, assim como as condições sócio-históricas e ideológicas. Ditode outra forma, é uma teoria que leva em conta as condições de produção de linguagem.

A partir daí, teço um questionamento sobre a afirmação de a leitura e a escritaserem “ainda” um desafio. No meu ponto de vista, não fica claro nesse enunciado paraquem seria este “desafio”? Para nós, professores que, muitas vezes, somos reincidentesno trabalho com produção de texto e leitura, teimando em repetir, em reproduzir domesmo modo que fizeram conosco, com um grande temor em mudar? Para os alunos, queficam à mercê de um trabalho com leitura e escrita em que não se sentem (porque nãosão considerados) “sujeitos leitores”, visto já haver uma interpretação imposta comosendo “a” interpretação? Tampouco se sentem ou se tornam “autores”, porque quando

*Mestre em XXXX Professora substituta na disciplina Linguagem e Metodologia do Ensino noDepartamento de Pedagogia do Campus de Cáceres da UNEMAT, atua na Escola de Aplicação eValorização Humana “Lázara Falqueiro de Aquino”1 Em linhas gerais, no presente texto apresento a discussão desenvolvida, quando participei damesa redonda com a temática “Leitura e escrita ainda um desafio”, no dia 29 de novembro de2001, como parte da programação da I Jornada de Pedagogia: Educação: desafios dacontemporaneidade.

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solicitados para escrever é apenas um pretexto para que o professor faça uma correção daortografia, da concordância, da pontuação... Ou, ainda, um desafio para uma parte bas-tante significativa da sociedade, à medida que não lhe é permitido usufruir o direito deser constituída pela prática da leitura e da escrita?

Voltando à afirmação, podemos dizer que a leitura e a escrita são ainda um desafiotanto para nós, professores, como para nossos alunos, como para aqueles que não tive-ram, nem terão acesso à educação formal, em uma sociedade que supervaloriza o saberletrado.

Em relação a isso, trago o que Graff (Apud Santos, 2001:103) comenta sobrecomo são vistos os sujeitos que não tiveram espaço para se alfabetizarem:

Existe na nossa cultura ocidental uma marcante atribuição socialde valores negativos aos indivíduos reconhecidos como analfabe-tos. Associa-se à condição de analfabeto o estigma de marginalidade,miséria, sub-desenvolvimento urbano, individual e espiritual, en-tre outras chagas sociais. A escola e as camadas dominantes atribu-em a “culpa” pelo analfabetismo ao indivíduo, e não à estruturasocial que o mantém analfabeto, reforçando a visão de que a res-ponsabilidade pelo desconhecimento da escrita é e tem a ver comincompetência e falta de vontade dos sujeitos.

Nesse espaço, também recorro à Orlandi (1996: 210) quando faz sua reflexãosobre já fazer parte do senso comum uma outra forma de supervalorização da escrita nanossa cultura, quando damos ênfase à relação entre se ter acesso à escrita para se sercrítico; como se criticidade só fosse possível através da escrita, como se em culturas oraisnão existisse a possibilidade de se ser crítico ou, ainda, que bastasse se ter acesso àescrita para se ter criticidade. Para ilustrar essa afirmação, trago o que um aluno colocaem seu trabalho monográfico de um determinado curso de especialização: “com o acessoà educação a população passa a ter maior formação profissional, os cidadãos tornam-seconscientes e preparados para a vida”. Está presente, neste enunciado, a idéia de existên-cia de uma relação direta entre se ter acesso à educação formal e se ter criticidade.Contrapondo-se a este ponto de vista, a autora Eni Orlandi propõe que se relativize aimportância do conhecimento letrado, já que este não está conseguindo contribuir deforma efetiva para a transformação da realidade social e isto a autora afirma baseada nofato de o conhecimento letrado não conseguir evitar a fome de grande parte da população.Além disso, os próprios conhecimentos não são compartilhados de forma homogênea. Hámuitas e muitas pessoas que estão fora de qualquer possibilidade de participar das práti-

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cas sociais de leitura e escrita na nossa sociedade.Enquanto isso, na escola, ao mesmo tempo em que comprometemos a capacidade

de reflexão do aluno o acusamos de “não gostar de ler”, de “não saber ler”, de “não tercriticidade” e de “não saber escrever”. E o nosso trabalho realizado com leitura e escritamuito pouco questionamos ou nem chegamos a questionar. Sabemos o quanto ainda écomum pretender que o aluno interprete um texto da mesma forma que nós, professores,que “coincidentemente” temos a mesma interpretação que o autor do livro didático. Essaprática está relacionada ao fato de ainda não ser levada em conta a plurissignificação dalíngua. Ou seja, predomina a idéia de que para cada significante há uma única possibili-dade de significado, como se houvesse apenas um sentido possível na leitura de um texto,em outras palavras, não se considera a relação existente entre texto, autor e leitor.

Praticamente não existe uma compreensão de que as questões de leitura e de escri-ta sejam de ordem pedagógica, lingüística e social ao mesmo tempo, ou seja, geralmentequando se dá ênfase ao pedagógico, desconsidera-se o que é da ordem da lingüística oudo social, ou vice-versa, resultando em um trabalho fragmentado, solto e, em conseqüên-cia, estéril.

Diante disso e do que vemos e ouvimos em relação ao que é mais comum naspráticas pedagógicas de leitura e escrita, podemos citar outros exemplos de o quanto osavanços nos estudos sobre a linguagem demoram até chegar a refletir no modo como elaé tratada nas salas de aula.

Podemos afirmar que a lentidão nas mudanças educativas inicia ainda no modo detrabalho com a alfabetização. Não é à toa que Cagliari publicou há pouco tempo um livrointitulado Alfabetizando sem o Ba-Bé-Bi-Bó-Bu, embora há décadas existem estudos queapontam para esta possibilidade. As pesquisas de Emília Ferreiro, por exemplo, quandovieram a repercutir em sala de aula foram mal interpretadas por muitos professores,sendo utilizados não como uma possível forma de contribuir na compreensão do queocorre no processo de aprendizagem da escrita pelos alunos, mas servindo para rotularcomo “pré-silábicos” aqueles que anteriormente eram chamados de “fracos”. Isso semfalar no papel inútil que muitos atribuíram ao professor, por compreenderem que o alunopor si só seria capaz de avançar no seu processo, mudando “espontaneamente” de umaetapa para outra, sem precisar da mediação do professor.

A fim de ilustrar o que estamos falando sobre a morosidade no processo de mu-dança em sala de aula considerando as reflexões realizadas, trago, neste espaço um texto,ou melhor dizendo um “pseudotexto”, visto que consideramos texto como uma unidadede sentido, e não uma mera seqüência de frases. Vale registrar que, no livro, não estácolocado um título, mas um enunciado: “Leia o texto, com a ajuda dos colegas e da

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professora”. O “texto” é o seguinte:

JÚLIA, JUSSARA E JOANAFORAM A FESTA JUNINA.JÚLIA DANÇOU COM JAIME,JUSSARA BEIJOU O JUIZE JOANA, TODA CONTENTE,FICOU COMENDO CANJICANO JIPE DO JESUÍNO.

(Setubal et alli, 1994: 106)

É um tanto estranho e contraditório encontrar tal pseudotexto nesse livro2, vistoque os seus autores se dizem fundamentados em uma concepção de linguagem comointeração, assim como afirmam apresentar uma proposta inovadora de alfabetização. Tal“texto” peca pela falta de qualidade do mesmo modo que os textos apresentados nascartilhas tradicionais. Como único elemento coesivo apresenta a conjunção aditiva “e”.Além disso, podemos dizer que é praticamente impossível se pensar em uma situaçãocomunicativa em que esse texto seja coerente. Enquanto poetas utilizam-se da aliteração,repetição da mesma consoante, como um recurso literário para provocar sensação queencante ao ouvido, ressaltando o sentido do texto, nesse “conjunto de frases” as aliteraçõesproduzidas pelo uso do “J + vogal” são resultados da excessiva preocupação em salientaro fonema [z]. O sentido, por sua vez, acaba sendo deixado em último plano.

Resumindo, este tipo de texto é desprovido de coerência, totalmente solto,descontextualizado, e ofende a inteligência dos alunos, colocando-os em um lugar deincapazes de pensar só porque ainda não sabem ler e escrever. Em geral, a escoladesconsidera a sua capacidade e o seu universo cultural (dos alunos), assim como igno-ram o papel da linguagem oral e escrita nesse universo.

Contrapondo-se a esse modo de se conceber texto, Massini-Cagliari (1997:66)comenta:

Nos dias de hoje, muitos professores comprometidos com novasatitudes em relação aos processos de alfabetização, no momento daprodução de textos escritos, partem da transcrição de textos orais(...) esta atitude está correta, porque desta maneira os textos produ-zidos pelos alunos nunca serão completamente incoerentes e pouco

2 Esse livro, que circula muito em nossas escolas, tem por título Letra Viva: programa de leiturae escrita e é de Maria Alice Setúbal et al. Belo Horizonte: Formato Editorial, 1994.

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coesos como os textos baseados na concepção das cartilhas, umavez que os falantes de uma língua já adquirem os mecanismos decoesão utilizados pela sua própria língua na modalidade oral quan-do aprendem a falar; além disso, como falantes nativos atentos aosusos da própria língua, os alunos jamais produzirão textos oraisincoerentes.

Para fundamentar melhor o que estamos discutindo, remeto-me à proposta deSoares (2002) de “alfabetizar letrando”: ensinar a ler e a escrever no contexto das práti-cas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se torne alfabetizado e letra-do, ao mesmo tempo. Não basta apenas aprender a ler e a escrever, mas incorporar aspráticas sociais em que elas se fazem necessárias.

Podemos dizer que, em linhas gerais, o documento de Língua Portuguesa dosParâmetros Curriculares Nacionais (1997) também comunga com a proposta dessa au-tora. Nele consta que é preciso que se tenha como princípio didático básico das atividadespartir do que os alunos já sabem sobre o que se pretende ensinar e tocar o trabalho nasquestões que representam dificuldades, para que adquiram conhecimentos que possammelhorar sua capacidade de uso da linguagem: compreensão e produção dos mais varia-dos textos, orais e escritos. Em outras palavras, já que é pela mediação da linguagem quea criança aprende os sentidos atribuídos pela cultura às coisas, ao mundo, às pessoas; jáque é usando a linguagem que constrói sentidos sobre a vida, sobre si mesma, sobre aprópria linguagem, é necessário se tomar como ponto de partida os usos que o aluno jáfaz da língua ao chegar na escola, para ensinar-lhe aqueles que ainda não conhece.

Ainda, em relação aos estudos lingüísticos refletirem no trabalho em sala de aula,é possível dizer que a discussão sobre a diversidade do falar brasileiro e a possibilidadede se respeitar as falas populares é conseqüência dos estudos de sociolingüística. Foi apartir desses estudos que começou a circular nos debates pedagógicos a não-existência de“uma fala” correta. Mas, infelizmente, tem muita repetição e pouca reflexão a respeito.Muitos professores (e os alunos, por sua vez) nunca se questionaram por que há umalinguagem colocada como a “correta”, a “adequada”. É importante frisar que na lingua-gem tem uma parte que não é controlável, é inconsciente e, embora não queiramos dizer,acabamos dizendo, digo isso para lembrar que uma professora colocava que o alunoprecisa saber que a linguagem dele não é errada, mas, ao mesmo tempo, alertava que háuma outra que ele precisa aprender, há uma que é a “correta”. Ela sequer cogitou o fato deque se não dominar a linguagem de prestígio ele não será ouvido nessa sociedade. Dificil-mente se pensa sobre o fato de a linguagem de prestígio ser de prestígio porque falada porum grupo privilegiado economicamente. Podemos dizer que o sentido dado para as falas

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populares continua sendo o mesmo, são falas inferiores, porque existe uma fala que éusada como parâmetro. Uma “mais rica”, uma que expressa “melhor” e “maiscorretamente” que as outras. É preciso que o sentido de horizontalidade entre os falaresse historicize. Para isso, temos que “mexer” nos sentidos postos, questionando-os, colo-cando sobre a existência de outras possibilidades de dar sentido. Não podemos perder devista que se somos sujeitos constituídos pela linguagem, no momento em que a nossalinguagem é concebida como inferior, nós também somos vistos como tal. Se censurar-mos a variedade lingüística de nossos alunos, os censuramos como um todo, visto quenão separamos sujeito e linguagem.

É necessário investir em um trabalho para que se amplie a capacidade de interpre-tação do sujeito e isso se dá quando contribuímos para que o aluno compreenda que osentido sempre pode ser outro, dependendo da posição ideológica que se ocupa. È neces-sário que se discutam os diferentes sentidos que temos em nossa sociedade, por exemplo,para a própria “escola”. “Escola” para os pais dos nossos alunos de uma escola públicasignifica diferentemente do que para os pais de alunos de uma escola particular. Para osprimeiros, como não tiveram acesso a um banco de escola, constroem uma relação diretaentre esse fato e a sua situação econômica ser desfavorecida. Desse modo, têm a ilusão deque a presença dos seus filhos na escola ou, dito de outra forma, a presença da escola navida de seus filhos fará com que eles tenham uma mudança na situação econômica, ouseja, têm a ilusão de que o processo de sobrevivência, nessa sociedade, será menos sofri-do, menos doloroso, menos suado do que foi e está sendo para eles. Vale notar que essailusão não surge do nada; ela foi construída historicamente, visto que antes da “democra-tização” do ensino apenas um pequeno grupo tinha acesso à escola e justamente umgrupo economicamente privilegiado. Para os pais de alunos de uma escola particular osentido de “Escola” é outro. Os sentidos dados à escola são distintos porque são distintasas condições de existência desses sujeitos.

Como diz Eni Orlandi (1998: 67), a interpretação não pode ser vista como simplesdecodificação, já que a linguagem é histórico-social. Não se pode querer que o aluno-leitor vá à palavra e capture o sentido que lá está, porque o sentido não está no texto. Épreciso ficar atento às condições de produção de leitura, considerando que há diferençasde histórias pessoal e de grupo, diferenças de classe social, diferenças ideológicas. Naperspectiva da Análise do Discurso, se leva em consideração a relação entre autor/leitor etexto. Em outras palavras, para essa teoria não existe um autor onipotente, capaz deconduzir o percurso de significação do texto; não existe a transparência do texto, quefalaria por uma única e total significação, tampouco existe um leitor onisciente, capaz dedominar todos os sentidos possíveis em um processo de leitura. Essa é uma outra discus-

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são teórica que ainda está muito distante da prática escolar. Outro ponto que não podemos esquecer é o fato de a construção do sujeito leitor

e do sujeito autor ser histórica. E ter essa compreensão é fundamental para quem trabalhacom as questões de leitura e de escrita. Desse modo, é por ser histórica que esta constru-ção continua tendo muita coisa do passado, mas também por ser histórica é que ela vaimudando. E esta é uma razão bastante forte para não cairmos no discurso sustentado no“sem jeitismo” nos apegando em dizeres que “sempre foi assim”, ou então no pessimismode que “se discute muito e nada muda”.

Por um lado, não tenho a ilusão de todo aquele que se inscreve em um discurso“salvacionista” de mudança de vida pelo acesso à leitura e à escrita. Por outro, apontopara a possibilidade de contribuição na mudança de sentidos nessa nossa sociedade emque as relações se dão de forma tão verticalizada. Penso que isso seja possível, a partir dotrabalho realizado na escola, visto ela ser espaço de linguagem, ser espaço de interpreta-ção.

Considerando que somos sujeitos constituídos pela linguagem, temos um espaçopara interferir nos sentidos que estão postos, ou melhor, que nos são impostos. E mais,como sujeitos de linguagem que ocupam um lugar social como educadores, enquantodocentes comprometidos em um trabalho de alfabetização das classes populares, temosum espaço privilegiado para esta interferência e, como diz Orlandi (1996), a linguagemé lugar de emoção, de debate, de opressão, mas também de resistência!

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AS ARTICULAÇÕES SOCIOPSICOPEDAGÓGICAS ENTRE ASCULTURAS DA CRIANÇA PANTANEIRA E DA ESCOLA:

UM ESTUDO DE CASO*

Graciela Constantino1

RESUMO: Este relato de experiência baseia-se na pesquisa que investigou em uma amostra de112 pais, 63 alunos e 18 professores, as relações que se estabelecem entre a cultura de criançaspantaneiras e ribeirinhas de classe popular do contexto da Escola de Aplicação e ValorizaçãoHumana Lázara Falqueiro de Aquino da Faculdade de Educação/UNEMAT. Foi possível concluirentre as diversidades encontradas que a distância entre as culturas do aluno e a escolar prejudicao processo de aprendizagem e que é necessária uma maior valorização do local apesar de a escolapermitir o diálogo entre as diferenças e condições de igualdade para competir no mercado.

UNITERMOS: Cultura; diversidade; identidade cultural; cultura escolar.

A experiência docente na Escola de Aplicação como professora do Departamentode Pedagogia da Faculdade de Educação (FAED) da UNEMAT, nas funções de psicóloga,coordenadora ou enquanto pesquisadora contribuiu para despertar reflexões e assumircompromissos com o Ensino Fundamental de alunos pertencentes a famílias de classepopular da cidade de Cáceres-MT, uma região do Brasil conhecida como Pantanalmatogrossense.

Para analisar a realidade das crianças, objeto de estudo desta pesquisa, realizeiuma investigação sistemática, mediante a observação participante e outros métodos como objetivo de obter outras informações referentes à dificuldade de aprendizagem imbricadasnos aspectos socioculturais, pedagógicos e corporais.

A respeito do histórico, do contexto desta pesquisa, hoje, é uma escola já autoriza-da pela SEDUC ( Secretária de Estado da Educação) para o seu funcionamento, o contex-to desta pesquisa, foi criada pelo então Reitor da época, Carlos Alberto Reis Maldonadoe pela Diretora da Faculdade de Educação, a professora Maria Garcia, junto a outrosprofessores.

E, desde o seu início no ano de 19942, sempre priorizou crianças economicamente

1 Relato de experiência da pesquisa do Programa de Mestrado Institucional em Educação na Áreade Psicopedagogia, da Linha de Pesquisa –Psicogênese e Sociogênese do Conhecimento da UFRGS– Jan, 2002.* Mestre em Educação, professora da Disciplina Psicologia educacional, Lotada no Departamentode Pedagogia do Campus Universitário de Cáceres e Coordenadora da Escola de Aplicação LFA.2 Dados obtidos após analise do PPP( Projeto Político e Pedagógico- Escola de Aplicação e Valori-zação Humana LFA) – 1998.

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desfavorecidas e consideradas de classe popular e, os professores observam por meio devisitas a veracidade deste fato. Acredito que refletir sobre os processos causadores dadificuldade de aprendizagem da criança pantaneira, remete à necessidade de compreen-são dos significados culturais peculiares e determinantes da formação dos sentidos e seusestruturantes históricos.

No entanto, pela amplitude da temática, reportarei à descrição dos significadosculturais3 da criança pantaneira, principalmente, aquelas de origem indígena para des-crever à respeito dessa criança. Os trabalhos de ensino realizados na Escola de Aplicação,tiveram como objetivo melhorar as situações de conflito — as relações professor/aluno,as relações aluno/aluno, entre outros —, investigar as causas das dificuldades observadasno processo de ensino e aprendizagem e promover melhorias nos aspectos relacionados àgestão educacional.

Para conhecer e analisar a realidade local, a instituição e os sujeitos, objeto deestudo desta pesquisa, foi necessário realizar uma investigação sistemática, mediante aobservação participante e “escuta psicológica”, um recurso psicanalítico que tem comoprocedimento um ouvir diferente da mera audição do outro, já que se refere “à apreensão/compreensão de expectativas e sentido” (Ceccim, 1997), ouvindo por meio das palavrasos seus interditos e, por meio dos gestos e posturas, os mundos interpessoais constitutivosdas subjetividades. Tal escuta pressupõe de uma “disposição interativa” (Ceccim, 2001)para apreender as necessidades emergentes nas relações.

Para obter outras informações referentes à formação sociopsicopedagógica dascrianças e dos adolescentes da escola, foram realizadas visitas domiciliares, entrevistascom pais, alunos e professores e observações em sala de aula, de forma a construirreferenciais mais sólidos sobre a realidade pesquisada.

Busquei informações referentes à preocupação dos pais em relação ao rendimentoescolar de seu filho, a respeito do desenvolvimento e da aprendizagem dos alunos, darotina familiar, das diferentes atividades desenvolvidas na escola, da rotina diária dacriança, das preferências curriculares, dos hábitos e costumes das famílias, entre outrasinformações referentes à cultura local.

Estes dados promoveram visibilidade para a compreensão do aluno da nossa esco-la, isto é, o fato de ele não pertencer à realidade da criança de rua, embora ocupe estelugar na representação dos menos informados e de alguns participantes do contexto da

3 Significados culturais, incluem as formas de viver, as experiências que foram importantes natrajetória de vida da criança e que incluem em seus valores, seus modos, costumes, comportamen-tos, linguagem, hábitos e outros aspectos peculiares desta região do Brasil.

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UNEMAT ou da comunidade em geral.Observei por meio de relatos que há preocupação com a intervenção das mães no

comportamento de seus filhos, tanto na escola como fora dela, sendo tais intervençõesrealizadas por meio de diálogos e punições físicas quando os filhos desobedecem as suasordens, fatos que os distanciam da representação a que são submetidos: marginais degangues.

Percebi que refletir a respeito dos processos culturais determinantes da formaçãodos sentidos da criança pantaneira encaminha para a compreensão das construções dossignificados peculiares a esta realidade. Visto que a tragetória histórica do sujeito reper-cute na ação hoje.

Com base nas idéias de Vygotsky (1991), uma das formas do enriquecimento dosprocessos mentais superiores acontece no processo de desenvolvimento cultural, sendopor meio das mediações eficientes de educadores e educadoras que se realiza esta cons-trução. As construções dos significados culturais da criança pantaneira, ou seja, as apre-ensões da realidade de significação para a construção simbólica no processo deescolarização, são construções determinantes para o seu desempenho como cidadão, quese realiza mediante as contradições entre a cultura escolar e a cultura do aluno.

E, pela interação de símbolos socialmente elaborados, tais como valores e crençassociais, conhecimento cumulativo da cultura e conceitos científicos da realidade, é possí-vel a expansão dos limites da compreensão e do entendimento desta realidade.

Neste sentido, descreverei os significados culturais da criança pantaneira articula-dos à construção do conhecimento para cumprir com os objetivos a que esta pesquisa sepropõe.

Assim, a partir da convivência e também de passeios realizados a locais como abeira do rio e outros junto com alunos que convivem com as realidades naturais do rioParaguai — compostas por araras, capivaras ao findar das tardes, — e de outros cenáriosde belezas nativas, procurei compreender quais são os significados culturais da criançapantaneira que se defrontam com uma nova realidade, especificamente a escolar, distan-ciada da sua original.

A realidade das crianças ribeirinhas ao Rio Paraguai e de classe popular destaamostra é constituída de pouco acesso aos instrumentos do mundo globalizado como o

4 De acordo com o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1986: 673), símbolo é aquilo quepor um princípio de analogia representa ou substitui outra coisa, como um signo, uma alegoria,uma comparação. Com base nas idéias de Vygotsky (1991), pela interação de símbolos socialmen-te elaborados, tais como valores e crenças sociais, conhecimento cumulativo da cultura e conceitoscientíficos da realidade, é possível a expansão dos limites da compreensão e do entendimentodesta realidade.

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videogame, brinquedos eletrônicos, jogos de computadores e contém símbolos4 típicos dacultura matogrossense, presente em brincadeiras, modos, costumes, linguagem e outrosaspectos.

Na Escola de Aplicação, a articulação da cultura do aluno e do universo escolar édifícil de se realizar em razão da distância cultural que os separa, sendo o cultural enten-dido no sentido dos processos, das formas sociais ou dos esquemas sociais mentais (Lahire,1998). Compreendo que tais formas sociais personificam-se nas representações advindasdos hábitos, costumes, crenças, habilidades desenvolvidas no curso da história de umapopulação, de um povo.

Observei à respeito dos grupos sociais e de alguns costumes destas crianças, comoos costumes de trocas como o compartilhar roupas e utensílios domésticos; a moradiatambém é compartilhada pelo núcleo familiar e outras pessoas quando existente, porexemplo, a tia, o primo e quem mais precisar de abrigo, fato que caracteriza a populaçãocomo hospitaleira.

As crianças pantaneiras pesquisadas por pertencerem a classe popular sãosubjetivadas com referenciais sociais de significados próprios e diferentes dos de umaclasse dominante e propagados pela mídia com maior acesso aos recursos tecnológicos doséculo vinte e um.

O ensino na Escola de Aplicação é organizado por ciclos, implantado em 1996,que compactua com a idéia de amenizar a repetência e a evasão escolar. Os ciclos, deacordo com Lima (2000), vistos de forma ampla, estão ligados a projetos de transforma-ções sociais mais amplos que incluem a educação como um dos eixos mais importantesdo processo.

Para o esclarecimento dos significados culturais na criança pantaneira, pesquiseitambém a história e os principais aspectos da cidade de Cáceres - MT. Há grandes fazen-das, como a Descalvado, a Jacobina, a Ressaca, hoje pertencente à empresa Grandene, aBarranco Vermelho e a Facão que contribuíram para o desenvolvimento da cidade, mastambém com a exploração da mão de obra escrava e indígena conforme explicita Volpato(1997).

A concepção de infância passou por várias transformações e historicamente, aausência do sentimento de infância até o século XVII, conforme a descrição de Ariés(1981), é ressignificada ao longo dos séculos em posturas de solidariedade, respeito àcondição de criança e sensibilidade para com seus direitos; posturas que promoverammudanças na representação da infância para a humanidade, como também suscitou umanova concepção da infância.

Na modernidade a família burguesa foi, aos poucos, recolhendo a vida privada,

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organizando-se e levando as crianças do mundo de aprendizagens com adultos para den-tro de casa. Os pequenos passaram a ser alvo de preocupação, e a família passou a sepreocupar com a educação e a saúde.

Já a escola foi considerada o lugar apropriado para proteger as crianças das másinfluências do meio familiar. Hoje, é o local de acesso à leitura e, à escrita e à formaçãoplural do cidadão e tem sua representação nos orgãos governamentais ou ONGs (Organi-zações Não Governamentais) de proteção à infância.

Esta Escola de Aplicação da UNEMAT (Universidade do Estado de mato Grosso)é denominada carinhosamente por alguns docentes próximos e colaboradores de sua cri-ação de escolinha e compactua dos critérios do MEC (Ministério da Educação e Cultura)quanto à especificidade, aplicação. Assim, constitui-se um local de educação básica, de-senvolvimento de pesquisa, experimentação de novas práticas pedagógicas, formação deprofessores, criação, implementação e avaliação de novos curriculos; e capacitação dedocentes. Nesse espaço, há a oportunidade de conhecer a criança pantaneira e ampliar apráxis pedagógica.

Por meio da análise dos aspectos socioculturais, pedagógicos e corporais percebe-mos que a Escola de Aplicação atende à infância parcialmente; a defasagem ocorre, prin-cipalmente nos aspectos que envolvem a valorização da cultura do aluno e no fato de nãodispor de outros recursos que envolvem custos e investimentos.

Diante deste panorama, os aspectos analisados promoveram a visibilidade de quea infância destas crianças tem sido atendida parcialmente em suas características cultu-rais, o que se dá quando a Escola de Aplicação tenta aproximar-se da cultura do aluno.Tal aproximação à cultura do aluno ocorre por meio de práticas pedagógicas que se utili-zam de recursos da natureza, jogos e brincadeiras, visitas a locais históricos, passeiospelo rio Paraguai com fins pedagógicos e outros, mas se afasta nos aspectos da lingua-gem, nos modos de agir, hábitos, valores, costumes e demais expressões locais. Estadistância promove a desvalorização cultural e tal desvalorização interfere nos processosde aprendizagem.

A coleta de dados possibilitou a percepção de que a escola contribui para o desen-volvimento sociocultural sendo um local importante para a clientela que dela se utiliza, eque ela significa para todos os entrevistados, a saber, os professores, os pais e aos alunosda Escola de Aplicação a oportunidade de acesso à mídia, por meio de computadores einternet, e a possibilidade de acesso à Língua Inglesa, desde a educação infantil.

Pode-se observar, também, na coleta de dados que ensino por ciclos adotado pelaEscola de Aplicação atende aos objetivos propostos em sua criação, o de amenizar ofenômeno da repetência e o da evasão escolar.

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Percebi ainda, que a possibilidade de aprendizagem, promovida pelas práticasdiferenciadas, auxilia o desenvolvimento das funções psicológicas superiores (a memó-ria, a atenção, a percepção, a imaginação e o pensamento) envolvidas no ato de aprender,como teoriza Vygotsky (1991).

No aspecto pedagógico foi possível perceber que o tempo flexível adotado no ensi-no por ciclos promove a possibilidade de respeito ao ritmo de produção do aluno, aosprocessos de maturação biológica e ao desenvolvimento e transformação das funçõespsicológicas superiores. A construção dialética entre sujeito-objeto, presente no ensinociclado, promoveu a aproximação dos conteúdos escolares aos conteúdos da realidade,que passam a ter mais significados para o aluno.

A análise dos aspectos corporais permitiu concluir que o movimento é uma carac-terística desta população. Não sedentária e acostumada a subir e descer de árvores emuros, a nadar, pescar e andar a pé ou de bicicleta, a população local é dotada de corpoflexível e faz uso do exercício da corporeidade, isto é, o de vinculação com os outroscorpos e com o mundo.

E finalmente, que uma das causas da dificuldade de aprendizagem é oriunda defatores ontogenéticos já que os pais da maioria do alunos pesquisados não passaram peloprocesso de escolarização. Soma-se a este fato o da discrepância entre a cultura escolar ea cultura do aluno, que promove a desvalorização cultural e tal desvalorização interferediretamente na operacionalização da aprendizagem.

Quanto à sociedade como um todo, compreendi a necessidade de maior reflexãosobre pontos de referência indispensáveis ao desenvolvimento humano e de vias de aces-so mais brangentes para promover uma revolução na educação a partir do agir pedagógi-co inovador a partir da construção de uma sociedade pedagógica transformadora maisbem adaptada aos tempos atuais e, quem sabe, mais ética e singular.

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RESENHA

Benedito de Oliveira *

CUNHA, Maria Isabel da. O bom professor e sua prática. 3.ed. São Paulo: Papirus, 1994, 182 p.

A autora é professora da Universidade Federal de Pelotas no Rio Grande do Sul.Fez mestrado em Métodos e Técnicas de Ensino na Pontifícia Universidade Católica doRio Grande do Sul e doutorado em Metodologia do Ensino na Universidade de Campi-nas.

A obra é dividida em cinco partes: I) Fundamentos teórico-metodológicos do estu-do; II) O bom professor para o aluno de hoje; III) Quem é o bom professor; IV) O fazer dobom professor e V) Conclusões: da prática à teoria, além da introdução.

Na introdução, a autora descreve a sua trajetória e percalços desta, passando peladescoberta da especificidade da escola que envolve a prática social e a participação polí-tica. Fala das ameaças que sofreu por parte da direção da Escola Técnica Federal dePelotas, do desejo de estudar a educação dos professores, o que posteriormente acabaefetivando-se em sua tese de doutorado.

A primeira parte, denominada Fundamentos teórico-metodológicos do estudo,trata-se das origens do estudo em que se parte das indagações sobre “o que determina odesempenho do professor na prática de sala de aula” (p.23), mostrando que esta é o lugardas contradições e dos conflitos. Nesse sentido, o estudo toma como ponto de partida odesempenho do professor, tendo como base a sua história, a sua imagem e o que marcoua sua formação e de como tudo isso se relaciona com a prática pedagógica.

A autora justifica a escolha de professores ao mostrar que o objetivo é estudar oprofessor que faz parte de um contexto histórico-social, que exerce um papel no processode conhecimento escolar. Por isso, o estudo concentra-se no cotidiano do professor e ométodo escolhido é o fenomenológico, pois este possibilita esclarecer a vida cotidiana,abstendo-se de qualquer hipótese causal ou genética. Assim, é possível compreender queo conhecimento do professor não é só fruto da escola, sendo proveniente de outros âmbi-tos, bem como dos movimentos sociais.

Na questão metodológica, a autora opta pela pesquisa etnográfica, usando-a como

* Professor de Epistemologia da Educação e Organização da Educação Brasileira, lotado no depar-tamento de Pedagogia ndo campus universitário de Cáceres na Universidade do Estado de MatoGrosso. Especialização em Metodologia do Ensino Superior, Direito Educacional, Direito Públicoe Filosofia Clínica, Mestre em Educação pela UFRGS no ano de 2002.

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um processo e não apenas como uma forma de relatar resultados, pois o objeto é construídopelo pesquisador, através da observação e da interpretação do que foi descoberto. O pres-suposto fundamental é de que aquilo que a pessoa manifesta é moldado pela situaçãosocial. Definida a metodologia é definido o locus da pesquisa como sendo a UniversidadeFederal de Pelotas e as escolas de 2º grau. As técnicas usadas para a pesquisa foramentrevistas e observações. O estudo utiliza os procedimentos estatísticos, agrupando asinformações significativas e os princípios de análises do discurso para descrever os estu-dos realizados.

A segunda parte trata do bom professor para o aluno de hoje; mostra que o alunofaz a sua construção do bom professor, num espaço histórico-social. Para os alunos, obom professor tem conhecimento da sua matéria de ensino e mantém relações positivas,além de manter com eles (alunos) uma proximidade do ponto de vista afetivo. A autoraressalta que os alunos não apontam os professores denominados “bonzinhos”, ao contrá-rio, os bons professores são exigentes, pois esta exigência se articula com a prática dasala de aula.

Na terceira parte, que discute quem é o bom professor, a autora mostra que osbons professores são aqueles que melhor atendem às necessidades dos alunos num deter-minado momento da vida. O destaque dessa parte da obra é para descobrir quem é o bomprofessor. Nesse sentido, é feita uma análise das influências recebidas pelos professores,destacando a família como a que mais incentivou a realização dos estudos acadêmicos.As influências que o tornaram bom professor referem-se ao papel socialmente localizado.A maior influência vem dos ex-professores em que é destacado o “...domínio de conheci-mento, organização metodológica da aula e relações democráticas com os alunos...(p.90). Outros apontam a influência dos colegas professores e a experiência docente comofontes de aprendizagem. Alguns apontam a formação pedagógica como necessária, po-rém não com muita freqüência”.

Os bons professores compreendem que a não-valorização da educação pode serdesinteresse do governo ou uma forma de manter as desigualdades. As soluções aponta-das são: recuperação do ensino fundamental, mais verbas para a educação, melhor for-mação e condições de trabalho e desvelamento das contradições sociais.

Outra observação feita é que os professores que participam de associações de clas-ses e partidos políticos refletem com maior profundidade as raízes dos problemas educa-cionais.

Nesta obra, a prática pedagógica é entendida como “...a descrição do cotidiano doprofessor na preparação e execução do seu ensino” (p. 105). Nesse aspecto são destacadostrês pontos: 1) as relações que o professor estabelece com o ‘ser’ e o ‘sentir’; 2) as

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relações que estabelece com o ‘saber’ e) as relações que estabelece com o ‘fazer’. (grifosda autora).

De acordo com os professores pesquisados, os principais problemas enfrentadospor eles são a questão salarial, o modelo de universidade e de escolas de 2º grau e ascondições de trabalho.

No que se refere à formação do professor, os bons professores destacam “o gostarde ensinar” e o “domínio do conteúdo”. Outros destacam o exemplo como principal ma-neira de ensinar.

Na quarta parte, que trata do fazer do bom professor, a pesquisa foi realizada pormeio de observação em sala de aula. Estas observações permitiram concluir que a aulaexpositiva é a técnica mais usada, por isso o professor é a principal fonte de informação.Em geral, repetem os aspectos positivos de seus ex-professores, desenvolvem habilidadesligadas à organização do contexto da aula. Outros incentivam a participação do aluno,possibilitando que os mesmos se sintam à vontade.

Em geral, os professores não admitem que as concepções dos alunos possam serdiferentes das deles; predomina quase sempre a verdade do professor. Todavia o processode aprendizagem se desenvolve, também fora do ambiente escolar, por meio de conversascom os alunos, preparo das aulas, convivência com os colegas, etc.

Na quinta parte, conclusões: da prática à teoria, a obra mostra que o conceito debom professor está relacionado aos valores construídos num espaço e o papel do professoré valorizado pelos alunos. Estes querem um professor com preparo intelectual e maduro.Nesse sentido, os bons professores respondem às necessidades dos alunos, recebem influ-ências familiares no que tange aos valores e influências positivas de ex-professores, bemcomo da própria experiência docente.

De acordo com a autora, as contribuições da pesquisa foram: a importância emdescobrir o contexto em que o professor vive; 2) que a formação deve passar pela projeçãoque o professor, como sujeito, faz do bom professor; 3) que a formação ocorre no interiordas condições históricas que o professor vive; 4) que a pesquisa confiada aos alunos éaltamente confiável para fazer avançar a idéia de uma educação dialógica; 5) que a prá-tica traz sentido às inquietações humanas, por isso a formação pedagógica deve respon-der a estas inquietações. Por fim é destacada a importância que os programas de forma-ção devem dar à competência técnica e ao compromisso político do professor.

Numa breve avaliação da obra, se faz necessário destacar a importância da mesmapara a educação e, particularmente para os cursos de formação de professores. A obra trazcontribuições significativas para uma análise da prática pedagógica do professor, contri-buindo para repensar o processo formativo e sua relação com o cotidiano da sala de aula.

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O nível de abordagem da autora é agradável e de fácil compreensão possibilitandoaos leitores e, principalmente aos professores um mergulho nas discussões sobre o bomprofessor e sua prática, trazendo excelentes contribuições para repensar a própria práticapedagógica, a partir das análises e das reflexões elaboradas pela autora.

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS TEXTOS

As colaborações devem ser apresentadas em duas vias impressas em português, eem disquete (Microsoft Office) que deve trazer uma etiqueta identificando o(s) autor(es),o título do artigo e telefone para contato. Os artigos deverão ter no mínimo, oito e, nomáximo, vinte e cinco laudas; as comunicações e resenhas até sete laudas.

Serão publicados, somente trabalhos selecionados e aprovados pelo Conselho Edi-torial.

As colaborações deverão seguir as Normas da Associação Brasileira de NormasTécnicas – ABNT de agosto de 2002. São elas:

Configuração da página: tamanho do papel (A4 – 21 cm X 29,7 cm); margens esquerdae superior 3cm, margens direita e inferior 2cm; todas as páginas deverão ser numeradascom algarismos arábicos no canto direito superior.

Tipo de Letra: Times New Roman, corpo 12, exeto, as citações longas, as notas, resumoe unitermos que devem ser inferior.

Espaçamento: Duplo entre linhas no corpo do texto e simples nas citaçõeslongas, nas notas, resumos e unitermos. Os títulos das seções (se houver)devem ser separados do texto que os sucedem por espaço duplo.

Adentramento: parágrafos e exemplos um toque na tecla TAB, tabulação 1,5 cm e cita-ções com mais de três linhas a 4 cm da margem.

Quadros, gráficos, mapas, etc. devem ser apresentados em folhas separadas do texto (noqual devem ser indicados os locais em que serão inseridos), devendo ser numerados,titulados corretamente e apresentar indicação das fontes que lhes correspondem. Sempreque possível, deverão estar confeccionados para sua reprodução direta.

Disposição do texto: Título centralizado, em maiúscula, em negrito, com asterisco indi-cando sua origem no rodapé e, se houver subtítulo, em negrito, sem adentramento eapenas a primeira letra em maiúscula.

Nome(s) do(s) autor(es) completo(s) na ordem direta, e na segunda linha abaixo

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do título, alinhamento à direita, indicando em nota de rodapé o título universitário oucargo que ocupa e instituição a que pertence. O resumo deve iniciar a um espaço duploabaixo do nome do autor, sem adentramento, após a palavra RESUMO em maiúscula,seguida de dois pontos e ter no máximo dez linhas em itálico. A expressão UNITERMOS,em maiúscula, seguida de dois pontos, a um espaço duplo abaixo do resumo e dois espa-ços duplos acima do início do texto. Utilizar no máximo cinco unitermos, em itálico,separadas por ponto e vírgula. Referência de citações deve conter o sobrenome do autor e,entre parênteses, data identificadora da obra seguida de dois pontos e número da página,se for o caso.

Referências bibliográficas: a expressão REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS em letrasmaiúsculas, centralizada, a um espaço duplo após o final do texto. A primeira obra devevir a um espaço duplo abaixo da expressão REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. Asreferências devem seguir a NBR 6023/02 da ABNT. Exemplos:

Um autor:QUEIROZ, E. O crime do padre amaro. 25. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. 277p.

Dois ou três autores:VIGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento. PortoAlegre: Artes Médicas, 1996.

Mais de três autores:CASTORINA, J. A. et al. Piaget-Vigotsky: novas contribuições para o debate. São Paulo:Ática, 1995.

Serão fornecidos gratuitamente ao autor principal de cada artigo dois exemplaresdo número da Revista da Faculdade de Educação em que seu artigo foi publicado. ARevista não se obriga a devolver os originais das colaborações.Os trabalhos assinados sãode inteira responsabilidade de seus autores.

Os colaboradores deverão encaminhar uma carta assinada por todos os autores,solicitando publicação na Revista da Faculdade de Educação indicando: título do traba-lho; nome(s) do(s) autor(es); qualificação profissional; instituição que esta vinculado eendereço completo para contato, fax, e-mail, telefone.

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