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SEMANA SANTA: HISTÓRIA E IMPLICAÇÕES

RICARDO NORTON

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R I C A R D O N O R T O N

ResumoA Semana Santa é uma das celebrações cristãs anuais mais importantes e sole-

nes do cristianismo. Nesta semana, os cristãos comemoram os eventos finais da vida de Cristo, desde Sua entrada triunfal em Jerusalém até Sua ressurreição, uma semana depois. O nome “Semana Santa”, foi usado no século IV por Atanásio, bis-po de Alexandria, e por Epifânio, bispo de Constância. Originalmente, era apenas observado o fim de semana em que Cristo morrera e ressuscitara, principalmente no domingo. Posteriormente, foram acrescentados outros dias para completar a semana, como é comemorado no presente. Com exceção do serviço de comunhão, a Bíblia não ordena a comemoração desta semana ou os eventos que ocorreram durante a semana anterior à crucificação de Cristo. Esse artigo examina os concei-tos históricos, teológicos e ministeriais associados à Semana Santa.

Palavras-chave: Semana Santa, feriados religiosos, crucificação de Cristo.

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HOLY WEEK: HISTORY AND IMPLICATIONS

AbstractHoly Week is the most ancient observance of the Christian church and one of the

most important and solemn annual celebrations of the Christian Church. During this week, Christians commemorate the final events of Christ’s life, beginning with his triumphant entrance in Jerusalem and concluding with his resurrection a week later. The name Holy Week was used in the 4th century by Athanasius, bishop of Alexandria, and by Epiphanius, bishop of Constantia. Originally, only the weekend in which Jesus died and resurrected was observed, resurrection Sunday, in particu-lar. Later on, other days were added to complete the week as it is celebrated today. With the exception of the communion service, the Bible does not mandate the com-memoration of this week or of the events that took place prior to Jesus’ crucifixion. This article examines historical, theological, and ministerial concepts associated with the Holy Week’s events.

Keywords: Holy Week, Easter, religious festivals, crucifixion of Christ.

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IntroduçãoA Semana Santa, conhecida também como semana da Paixão1, é a festividade cris-

tã anual mais antiga2 e uma das celebrações mais festejadas tanto pelos cristãos quanto pelo mundo comercial. Milhões de dólares são vendidos anualmente em roupas, doces, chocolates e outros produtos durante essa semana. Estima-se que durante o ano de 2013 as vendas associadas a essa festa passaram dos 17 milhões de dólares, somente nos Estados Unidos.3

A Semana Santa comemora os eventos da última semana de vida de Jesus na Terra. Esse evento começa com o Domingo de Ramos4 e celebra outros dias5 im-portantes, tais como a Quinta-feira Santa, que relembra os eventos entre Jesus e seus discípulos no cenáculo6; a Sexta-feira Santa, que comemora a morte de Jesus, sendo considerado o dia mais solene da semana, em razão do sacrifício expiatório de Cristo pelos pecados do mundo; e finalmente o Domingo da Ressurreição, co-nhecido também como domingo de Páscoa, que celebra a vitória de Cristo sobre a morte e o pecado.7

1 Dorneles, Vanderlei (ed.). Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia (2013), v. 5, p. 230. Doravante será citado como CBA.

2 Bradshaw, Paul F. The search for the origins of Christian worship: Sources and methods for the study of early liturgy (Lon-don: University Press, Cambridge, 1992), p. 195. Joachim Jeremias afirma que a Semana Santa é a única celebração cristã anual que remonta aos dias da Igreja Apostólica. Ver Theological Dictionary of the New Testament, v. 5, ed. Gerhard Friedrich (Grand Rapids, MI: William Eerdmans, 1967), p. 901.

3 CNN Library. “Easter and Holy Week Fast Facts”. 23 de agosto de 2013. Extraído de: http://www.cnn.com/2013/08/23/world/ easter--holy-week-fast-facts/

4 O Domingo de Ramos comemora a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, em cumprimento à profecia de Zacarias 9:9. Uma grande multidão seguiu Jesus, colocando galhos cortados das árvores no chão. É por causa dos ramos que a multidão espalhou pela estrada que o dia é chamado de Domingo de Ramos (Mt. 21:1-11; Mc. 11:1-11; Lc. 19:29-44; Jo. 12:12-19).

5 Os eventos em outros dias da semana incluem: Segunda-feira – demonstração pública na qual Jesus expulsa todos os mer-cadores do templo e vira as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas (Mt. 21:12-14); terça-feira – autori-dades religiosas confrontam Jesus tentando provocar alguma indiscrição para desacreditá-lo; quarta-feira – as autoridades encontram o traidor, Judas, que os levaria a Jesus em um momento em que Ele não estivesse cercado pela multidão.

6 Neste dia foi instituído a Cerimônia da Comunhão, que inclui o lava-pés e a ceia pascal, hoje conhecida como Santa Ceia (Mt. 26:20-30; Mc. 14:17-26; Lc. 22:14-35; Jo. 13:1-30).

7 Esse dia também é conhecido como “Domingo de Páscoa”. Em inglês é conhecido como Easter Sunday. A crucificação e ressurreição de Cristo são elucidadas com grandes detalhes nos Evangelhos (Mt. 27-18; Mc. 15-16; Lc. 23-24; Jo. 19-21). Esses

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Semana Santa e a PáscoaA morte de Cristo ocorreu durante a Festa da Páscoa, uma das três celebrações

anuais estabelecidas por Deus no Antigo Testamento.8 A Páscoa comemorava a li-bertação do povo israelita da escravidão egípcia.9 Essa festa começava no dia 14 do mês de Abib10, o primeiro mês do ano (Êx. 12:2, 14; 13:4), que “geralmente corres-ponde ao mês de abril do nosso calendário”.11 Jesus, como havia feito em anos an-teriores, participou da celebração, uma festa da qual todo homem deveria “compa-recer diante do Senhor soberano” (Êx. 23:14-17). A festa começava com o sacrifício noturno de um cordeiro que era comido com ervas amargas e pão sem fermento (Êx. 12:8). Além de ser um memorial do Êxodo – a saída do povo de Deus do Egito, o sacrifício da Páscoa simbolizava o sacrifício de Cristo, “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo. 1:29).12 Ellen G. White indica que o sangue que foi es-palhado nos umbrais e na verga da porta das casas durante a Páscoa “prenunciava o sangue expiatório de Cristo”.13

A Bíblia afirma que os primeiros cristãos eram judeus que evangelizavam outras pessoas, incluindo judeus, e que conheciam bem as festas e leis do Antigo Testa-mento, especialmente as do Pentateuco. Uma das primeiras instruções para a evan-

eventos foram muito popularizados por Hollywood, com o filme de Mel Gibson, “A Paixão de Cristo”.

8 As três festas são: (1) A Festa dos Pães Asmos (Êx. 12:1-20; 13:3-10; Lv. 5-8; Nm. 9:1-14; 28:17-25; Dt. 16:1-8), também conhecida como Festa da Páscoa, na qual Jesus morreu; (2) A Festa da Colheita e das Primícias (Êx 23:16; 34:22; Lv 23:15-21; Nm 28:26-31; Dt 16:9-12); (3) A Festa dos Tabernáculos (Êx. 23:16; 34:22; Lv. 23:33-36; 39-43; Nm. 29:12-34; Dt. 16:13-15; Zc. 14:16-19. Essas fes-tas aproximavam verticalmente o povo com Deus e horizontalmente reuniam a nação judaica no mesmo lugar para renovar sua aliança com o Criador. Ver Gwynne, Walker. The Christian Year: Its Purpose and Its History (Detroit, MI: Omnigraphics Inc., 1990), p. 15-21.

9 Êx. 12:1-14; Mt. 26:2-27; Mc. 14:12-72; Lc. 22:1-65; Jo. 13:1-18. A saída do povo de Deus do Egito foi o início do Êxodo, um evento no qual o poder e a proteção de Deus foram manifestados de forma magistral.

10 Posteriormente, o nome deste mês foi alterado para Nisan (Dicionário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, “Páscoa,” p. 963. A festa da Páscoa “é uma das festas mais universalmente celebradas pelos judeus”. Ariela Pelaia, Passover (Pesach). Extraído de: http://judaism.about.com/od/holidays/a/Jewish-Holiday-Passover-Pesach.htm

11 CBA, Êx 12:2, v. 1, p. 585.

12 Dicionário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, “Páscoa,” p. 1017.

13 White, Ellen G. Spiritual Gifts, v. 3 (Ann Arbor, MI: Edwards Brothers, Inc., 1945), p. 225.

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gelização que Cristo deu a seus discípulos foi para pregarem primeiro às “ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt. 10:6). Não é de se admirar que os primeiros cris-tãos tenham incorporado em suas festividades religiosas anuais algumas práticas judaicas, incluindo algumas práticas associadas com a festa judaica da Páscoa.14

Gwynne discute algumas semelhanças entre as práticas religiosas de Israel no Antigo Testamento e as práticas religiosas da igreja cristã primitiva. Algumas se-melhanças observadas por este autor estão relacionadas com a ordem do culto, as orações e o papel do louvor na experiência judaico-cristã.

A conexão da Festa da Páscoa com Cristo é destacada por Paulo, que apresenta o Senhor como “nosso cordeiro pascal” sacrificado por nós, convidando aos leitores a se livrarem do “velho fermento” a fim de que possam ser “nova massa” em Cristo (1Co. 5:7).15 O apóstolo João também faz conexão entre o cordeiro da Páscoa e Cris-to, indicando que nenhum osso da vítima poderia ser quebrado (Êx. 12:46; Jo. 19:36).

Assim como a Páscoa é uma das festas anuais mais importantes para os judeus por representar a libertação da escravidão egípcia, também a Semana Santa é para os cristãos, por representar a libertação do pecado pelo sacrifício de Cristo.

A data da Semana Santa

14 Esta opinião é compartilhada por R. T. Beckwith, que escreveu que “o cristianismo era uma religião judaica, que Jesus Cris-to era judeu e que seus primeiros discípulos eram judeus”. Citado em Jones, Cheslyn. The Study of Liturgy (New York: Uni-versity Press, 1992), p. 68.

15 Nesse texto, Paulo associa Cristo a dois elementos importantes da Páscoa, os pães ázimos e o sacrifício do cordeiro, que representa Cristo.

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A Festa da Páscoa bíblica sempre começava no dia 14 do primeiro mês, Abib, sem importar o dia da semana em que caísse. De acordo com os evangelhos, Cristo morreu em uma sexta-feira, o dia de preparação para a observância do sábado (Lc. 23:54) e ressuscitou no domingo, o primeiro dia da semana (Lc. 24:1). Estudos cro-nológicos da Páscoa em que Cristo morreu afirmam que a entrada triunfal de Jesus ocorreu no domingo 9 de Abib, que Ele morreu na sexta-feira 14, e que ressuscitou no domingo 16 do mesmo mês.16

O fato de que o dia de início da Páscoa em um ano não coincide sempre com o mesmo dia da semana em outros anos, causou muita controvérsia sobre a obser-vância da Semana Santa. Era impossível que o dia 9 de Abib sempre caísse no do-mingo, como aconteceu no passado durante a Páscoa de Cristo; entretanto muitos cristãos acreditavam que a Semana Santa deveria ser observada de domingo a domingo, como aconteceu nos dias de Jesus, sem importar o dia especificado pelo calendário judaico. O historiador Eusébio menciona que as igrejas da Ásia Menor preferiram celebrar a ressurreição de Cristo de acordo com o calendário judaico, o que significava que o dia da ressurreição seria celebrado também em outros dias da semana. Por outro lado, as igrejas romanas queriam celebrar a ressurreição de Cristo de acordo com o calendário judaico no domingo mais próximo do dia 14 de Nisan, o início da Páscoa judaica, não necessariamente no dia que o calendário in-dicava.17

16 Veja a tabela cronológica da crucificação em relação à Páscoa no CBA, v. 5, p. 229.

17 De acordo com Eusébio, Polícrates liderou o ponto de vista da igreja oriental, enquanto Irineu dirigiu o pensamento da igreja romana ocidental. [Eusebio. The Ecclesiastical History of Eusebius Pamphilus (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1977), p. 207-208]. Gwynne afirma que as diferenças ideológicas sobre o dia apropriado para celebrar a ressurreição de Jesus “foi a principal causa da primeira cisma na história da igreja”. [Gwynne, Walker. The Christian Year: Its Purpose and Its Histo-ry (Detroit, MI: Omnigraphics, Inc., 1990), p. 30].

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Depois de muita discussão e debate, o Concílio de Niceia (325 d.C.) determinou que a ressurreição de Cristo deveria ser celebrada sempre em um domingo próxi-mo à data da Páscoa

bíblica, sem importar a data do ano.18 A decisão de Niceia levou muitos anos para ser adotada como uma prática em todas as regiões cristãs do Império Romano.

Meio século após o Concílio de Niceia, em uma carta ao bispo de Aemilia (386 d.C.), Ambrósio ainda argumentava a favor da celebração da ressurreição de Cristo no domingo, não importando as estipulações apresentadas no Pentateuco. Eviden-temente, a decisão de Niceia não havia encerrado o assunto, e havia bispos confu-sos que queriam saber a opinião de Ambrósio, um líder cristão de influência, para tomar uma decisão final sobre o dia para celebrar a ressurreição de Cristo. O prin-cipal argumento de Ambrósio para celebrar a ressurreição de Cristo, sempre aos domingos, era baseado na tradição, não na teologia bíblica. Além disso, Ambrósio foi um dos os primeiros escritores a apresentar a Jesus como o cumprimento da Lei e, portanto, acima das disposições da lei mosaica: “Devemos guardar a lei rela-cionada à Semana Santa de tal forma que não observemos o 14 [de Nisan] como o dia da ressurreição; esse dia ou um dia próximo, é o dia da Paixão, porque a festa da ressurreição é guardada durante o dia do Senhor. [...] Para termos segurança, a Lei foi dada a Moisés; mas a graça e a paz vieram por Jesus Cristo”.19

18 Richert, Scott P. “How is the date of Easter calculated?”. Extraído de: http://catholicism. about.com/od/holydaysandholi-days/f/ Calculate_Date.htm

19 Ambrósio, Carta 23 em Letters of Ambrose. Wisconsin Lutheran College. Extraído de: http://www.fourthcentury.com/ let-ters-of-ambrose/.

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Hoje em dia a Semana Santa segue a tradição católica de iniciar a celebração em um domingo, com a comemoração da entrada triunfal de Cristo em Jerusalém, con-cluindo no domingo seguinte com a celebração de Sua ressurreição. Deve-se notar que a referência de Ambrósio ao domingo como sendo o dia do Senhor indica que já em seus dias a observância do sábado, como dia de descanso, havia sido subs-tituída pelo domingo, não por ordem divina, mas por tradição.

Para a Igreja Católica, a vitória de Cristo sobre a morte no domingo tornou-se um evento tão importante que, com o passar dos anos, esse dia foi adotado como o dia de descanso semanal, deixando de lado o dia de adoração bíblico, o sábado. No entanto, devemos observar que os discípulos de Cristo continuaram observan-do o dia de repouso bíblico – o sábado – depois de Sua morte (Lc. 23:50-56; 24:1-3) e ressurreição (At. 15:21; 16:13; 17:2; 18:4). Teologicamente, a observância do domin-go como dia de repouso não tem apoio bíblico.

A observância do domingo como dia de repouso recebeu um grande impulso no século IV com um decreto do imperador Constantino proibindo certos trabalhos nesse dia. A mudança do sábado bíblico para o domingo foi concretizada com as bulas do papa Gregório IX (1234 d.C.). Nelas, ordenava-se oficialmente a observân-cia do domingo como dia de repouso.20

20 Bromiley, Geoffrey (ed.). The International Standard Bible Encyclopedia (Grand Rapids, MI: Eerdmans Publishing Company), “Sabbath”, v. 4, p. 252.

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O desenvolvimento da Semana SantaOs primeiros cristãos não mostraram interesse litúrgico a todos os eventos as-

sociados à morte de Cristo. Seu interesse estava focado principalmente na morte expiatória de Cristo, sua ressurreição e a redenção que Ele concedia a seus se-guidores. Pedro e Paulo, com eloquência singular, proclamaram esses eventos (At. 2:29-38; 1Co. 1:23; Rm. 6:3-7).

Não foi até o século IV que a Semana Santa começou a ser celebrada em Jeru-salém com procissões e espetáculos onde eram dramatizados os acontecimentos ocorridos durante a última semana de Cristo na Terra. Naquele século, a celebra-ção se tornou uma festa de oito dias,21 em vez de uma celebração apenas de um final de semana. Jerusalém foi o lugar ideal para o início dessa festa semanal, pois naquela época já havia altares erguidos nos lugares-chave onde presumivelmente aconteceram os últimos acontecimentos da vida de Cristo. O Domingo de Ramos, a Quinta-feira Santa, a Sexta-feira da Crucificação e o Domingo da Ressurreição fo-ram os dias mais proeminentes da Semana Santa naquele século. Historicamente, o local da crucificação e onde Cristo foi sepultado foram os mais visitados desde então.

Descrições detalhadas da Semana Santa celebrada em Jerusalém nesse período

21 Antes do Concílio de Niceia (325 d.C.), a igreja celebrava apenas a Páscoa, que começava na noite de sábado e terminava na manhã de domingo. Ver The New Encyclopedia Britannica (Chicago, IL: The University of Chicago, v. 5, “Holy Week”, 1977), p. 101. Embora seja chamada de Semana Santa, sete dias, na realidade a celebração dura oito dias, de domingo a domingo.

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são relatadas no diário de uma freira espanhola chamada Egéria, que fez uma lon-ga peregrinação à Terra Santa entre 381 e 384 d.C. Segundo essa peregrina, a sema-na começava no domingo com uma procissão que saía do Monte das Oliveiras para Jerusalém, na qual as crianças agitavam folhas de palmeira ao entrar na cidade. O bispo da cidade fazia o papel de Jesus. Egéria acrescentou em seu diário que na quinta-feira era celebrada a eucaristia e que na sexta-feira da crucificação eram dedicadas quatro horas para a veneração.22

Viajar para Jerusalém na época do Império Romano, quando os cristãos eram per-seguidos, era uma atividade deixada de lado pela maioria dos seguidores de Cristo. O Edito de Milão, que proclamou a tolerância religiosa e “garantiu os direitos legais aos cristãos, incluindo o direito de construir igrejas”, atraiu muitos peregrinos a Jerusalém durante a Semana Santa, de forma que as dramatizações dessa semana foram disseminadas para outras comunidades distantes de Jerusalém. No século VI, as igrejas de Roma e Constantinopla haviam adotado as liturgias associadas com a Semana Santa e as disseminaram para todas as igrejas locais de sua vasta jurisdição.23 Em 1956, a Semana Santa foi amplamente restaurada pelo papa Pio XII e mais tarde pelo Conselho Vaticano II (1962-1965).24

22 Os eventos detalhados de cada dia da Semana Santa são registrados no diário de Egéria, como: “Eteria, Egeria, Itinerario/Itinerarium Egeriae” (Valladolid.Spain: Maxto, 2010— ISBN 84-9761-788-6) e Wilkinson, John, Egeria’s Travels (London: SPCK, 1971). O objetivo do diário era compartilhar com outras freiras de seu mosteiro a experiência de sua peregrinação na Terra Santa.

23 Mitchell, Nathan. “Holy Week” em McBrien, Richard (ed.). The Harper Collins Encyclopedia of Catholicism (New York: Harper Collins, 1995).

24 A bula Maxima Redemptoris (16 de novembro de 1955) restaurou os serviços da semana para a tempo e dia que correspon-diam aos eventos bíblicos da Páscoa. Ver The New Encyclopedia Britannica (Chicago, IL: The University of Chicago, v. 5, “Holy

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Implicações teológicas e ministeriais

Além da influência que a Semana Santa teve sobre a mudança de observância do dia de repouso bíblico, outros eventos associados com a última semana de vida de Cristo na Terra têm tido implicações teológicas e ministeriais significativas. Algu-mas dessas implicações são discutidas nos parágrafos seguintes.

A BASE PARA A CERIMÔNIA DA COMUNHÃOOs evangelhos sinóticos revelam que a última ceia que Jesus teve com seus dis-

cípulos, conhecida hoje como Santa Ceia ou Cerimônia da Comunhão foi a ceia de Páscoa prescrita por Deus, por meio de Moisés, na qual se comia a carne do cordeiro sacrificado com “pães asmos e ervas amargas” (Êx. 12:8).25 Esse conceito é confirmado por outros autores que afirmam que na mesma noite em que Jesus foi crucificado, “ele instituiu a observância da Ceia do Senhor em comemoração à sua morte”.26 Paralelismos feitos por alguns autores entre a Páscoa do Antigo Tes-

Week”, 1977), p. 101. Outra reforma relacionada à Páscoa foi relacionada à alimentação durante esse período. No século 20, o consumo de carnes e peixes foi permitido durante a semana, com exceção da sexta-feira. Entre os séculos V e IX, era ne-cessário jejuar, comendo apenas uma refeição ao dia, excluindo carne e peixe da dieta. Ver o resumo da história da Páscoa de McBrien, professor de teologia da Universidade de Notre Dame. Extraído de: http://www.catholiccourier.com/ commen-tary/father-mcbrien/holy-weeks- history-explained/#sthash.hMDFUPh0.dpuf

25 I. Howard Marshall compartilha essa opinião em seu livro, Last’s Supper and Lord’s Supper (Grand Rapids, MI: William Eerd-mans, 1980), p. 57-75.

26 White, Ellen G. Spiritual Gifts, v. 3, p. 225.

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tamento e a Semana Santa argumentam que o cálice que Jesus usou durante Sua última ceia foi o cálice que se reservava para a Páscoa, e que o hino cantado com os discípulos para concluir a ceia foi Hallel, o mesmo hino que os judeus cantavam para encerrar a ceia de Páscoa.27

OPORTUNIDADE DE EVANGELIZAÇÃONa Festa dos Pães Asmos, conhecida como Páscoa, a história do Êxodo deveria ser

revivida (Êx. 13:8). A cada ano, os pais deveriam lembrar seus filhos de como Deus libertou milagrosamente o povo de Israel da escravidão egípcia. Isso deveria ser feito ao se comer a ceia de Páscoa com ervas amargas (Êx. 12:1-12; 13:8-14). A Se-mana Santa apresenta ao cristianismo uma excelente oportunidade de ensinar ao mundo sobre a morte, ressurreição e ministério de Cristo. De acordo com o apósto-lo Paulo, o poder de Cristo sobre a morte e a promessa de Sua segunda vinda são o fundamento da fé cristã (1Co. 15:12-17; 1Ts. 4:13-18).

CONFIANÇA NO PODER DE DEUSOs eventos milagrosos associados ao Êxodo apontam para o poder de Deus e são

a base pela qual muitas pessoas aceitaram o poder do Deus de Israel. Ellen White diz que muitos egípcios reconheceram que Javé era o verdadeiro Deus ao presen-ciarem “os sinais e prodígios” que Deus fez antes do Êxodo.28 A Páscoa não apenas

27 Zeitlin, Solomon. “Jesus and the Last Supper”, The Jewish Quarterly Review, 4 (abril de 1948), p. 444-460.

28 White, Ellen G. Spiritual Gifts, v. 3 (Ann Arbor, MI: Edwards Brothers, Inc., 1945), p. 224.

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articulou o poder de Deus ao libertar seus seguidores da escravidão egípcia, mas serviu como “fundamento da esperança de seu povo”.29 Essa esperança no poder libertador de Deus foi abraçada pela igre-ja primitiva e tem sido a base da fé cristã ao longo dos séculos.

ConclusãoOs eventos que Jesus viveu na semana

anterior à sua crucifixão, desde a entra-da triunfal em Jerusalém até sua ressur-reição, são de extrema importância para o cristianismo. No entanto, a Bíblia não indica que esta semana deve ser obser-vada pelos seguidores de Cristo, tal como é celebrada por algumas igrejas cristãs, do Domingo de Ramos ao Domingo da Ressurreição. A despeito dessa realida-de bíblica, as celebrações apresentam aos adventistas do sétimo dia uma opor-tunidade valiosa de proclamar a vitória de Cristo sobre o pecado e a promessa da Segunda Vinda. O túmulo vazio evoca uma mensagem de esperança tanto para vivos quanto para aqueles que morreram acreditando Naquele que ressuscitou dos mortos.

29 Talley, Thomas. “A Christian Heorlology” in Times of Cel-ebration, Power, David (ed.) (New York: Seabury Press, 1981), p. 15.

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