Semântica e Pragmática Mod 1

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26/02/2015 online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo http://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 1/6 MÓDULO 1: O ESTUDO DA SEMÂNTICA Como a nossa disciplina trata da semântica e da estilística, para efeito de compreensão, descreveremos esses conceitos separadamente, embora ambos estejam ligados na produção e/ou interpretação de um texto, pois os significados constroemse por meio de recursos que a língua nos propicia. Então, iniciaremos pelo estudo da semântica e o que esta implica para depois passarmos a estudar o que diz respeito à estilística. Para entendermos o que seja semântica, é preciso compreendermos a evolução dos estudos em termos de linguagem. Nesse sentido, em um primeiro momento houve a crença de que o referente seria o objeto no mundo, externo à linguagem, ou seja, de que o homem nomeasse as “coisas” do mundo independentemente de sua inserção sóciohistórica ou cultural nesse mundo. Para essa visão da linguagem, “as línguas naturais seriam como que nomenclaturas apensas às coisas de um mundo discretizado, recortado”, segundo PIETROFORTE & LOPES (2003:112). Em um segundo momento, porém, de estudos da linguagem, passouse a verificar que os conceitos são determinados pelo discurso e não por meio de um referente dado previamente, externo à linguagem. Dessa forma, as palavras somente ganhariam significado se inseridas no contexto de comunicação, visto que elas não têm uma relação direta com o objeto que significam. Pense, por exemplo, nos conceitos de céu e inferno. O que significa cada um deles? Isso dependerá do contexto em que se insere. Do ponto de vista do discurso religioso, podem lhe ser atribuídos o sentido de prêmio vs. castigo, ao passo que para um indivíduo poderia representar o estado interior de turbulência ou de calmaria. Sabendo que a semântica é o estudo sistemático do sentido nas línguas naturais, devemos compreender que cada maneira de construir a teoria da linguagem resulta em uma semântica peculiar. Há uma semântica do referente, de tradição lógicogramatical, herança dos filósofos gregos, em que acreditase que as palavras remetem aos conceitos e que estes, por sua vez, representam as coisas. Nessa concepção, os conceitos são garantidos pelas coisas do mundo, denominadas referentes e, assim, o mundo é o mesmo para todos. A semântica do referente trabalha com essências, em que há um visão una do objeto, relegando o problema da interpretação a um segundo plano. Nessa perspectiva, os conceitos são universais, portanto imutáveis para todo e qualquer ser humano, visto que não importa em que cultura este foi nascido e criado. Já uma outra vertente, de influência retóricahermenêutica, transfere o eixo da produção do sentido para o que se passa “de homens para homens” e não simplesmente entre linguagem humana e mundo. Isso quer dizer que, sob essa perspectiva, a produção de sentido é um fenômeno humano, em que há um fazer persuasivo do locutor e um fazer interpretativo do interlocutor. No final do século XIX, início do século XX, os estudos de Saussure influenciaram a visão que se tinha sobre a palavra e o conceito. Nesse sentido, é preciso retomar o que seja o signo linguístico postulado por ele. Saussure defendia que as duas faces do signo linguístico são o significante e o significado, atribuindo ao primeiro a imagem acústica reconhecida pelo falante e

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MÓDULO 1: O ESTUDO DA SEMÂNTICAComo a nossa disciplina trata da semântica e da estilística, para efeito de

compreensão, descreveremos esses conceitos separadamente, embora ambosestejam ligados na produção e/ou interpretação de um texto, pois os significadosconstroem­se por meio de recursos que a língua nos propicia. Então, iniciaremospelo estudo da semântica e o que esta implica para depois passarmos a estudar oque diz respeito à estilística.

Para entendermos o que seja semântica, é preciso compreendermos aevolução dos estudos em termos de linguagem. Nesse sentido, em um primeiromomento houve a crença de que o referente seria o objeto no mundo, externo àlinguagem, ou seja, de que o homem nomeasse as “coisas” do mundoindependentemente de sua inserção sócio­histórica ou cultural nesse mundo. Paraessa visão da linguagem, “as línguas naturais seriam como que nomenclaturasapensas às coisas de um mundo discretizado, recortado”, segundo PIETROFORTE &LOPES (2003:112).

Em um segundo momento, porém, de estudos da linguagem, passou­se averificar que os conceitos são determinados pelo discurso e não por meio de umreferente dado previamente, externo à linguagem. Dessa forma, as palavrassomente ganhariam significado se inseridas no contexto de comunicação, visto queelas não têm uma relação direta com o objeto que significam.

Pense, por exemplo, nos conceitos de céu e inferno. O que significa cada umdeles? Isso dependerá do contexto em que se insere. Do ponto de vista do discursoreligioso, podem lhe ser atribuídos o sentido de prêmio vs. castigo, ao passo quepara um indivíduo poderia representar o estado interior de turbulência ou decalmaria.

Sabendo que a semântica é o estudo sistemático do sentido nas línguasnaturais, devemos compreender que cada maneira de construir a teoria dalinguagem resulta em uma semântica peculiar. Há uma semântica do referente, de tradição lógico­gramatical, herança dosfilósofos gregos, em que acredita­se que as palavras remetem aos conceitos e queestes, por sua vez, representam as coisas. Nessa concepção, os conceitos sãogarantidos pelas coisas do mundo, denominadas referentes e, assim, o mundo é omesmo para todos. A semântica do referente trabalha com essências, em que há um visão unado objeto, relegando o problema da interpretação a um segundo plano. Nessaperspectiva, os conceitos são universais, portanto imutáveis para todo e qualquerser humano, visto que não importa em que cultura este foi nascido e criado. Já uma outra vertente, de influência retórica­hermenêutica, transfere o eixoda produção do sentido para o que se passa “de homens para homens” e nãosimplesmente entre linguagem humana e mundo. Isso quer dizer que, sob essaperspectiva, a produção de sentido é um fenômeno humano, em que há um fazerpersuasivo do locutor e um fazer interpretativo do interlocutor.

No final do século XIX, início do século XX, os estudos de Saussureinfluenciaram a visão que se tinha sobre a palavra e o conceito. Nesse sentido, épreciso retomar o que seja o signo linguístico postulado por ele. Saussure defendia que as duas faces do signo linguístico são o significante eo significado, atribuindo ao primeiro a imagem acústica reconhecida pelo falante e

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ao segundo, o conceito que ele tem do objeto. Não podemos nos esquecer de que avisão saussuriana tinha por pressuposto a arbitrariedade do signo linguístico, ouseja, de que os signos seriam convenções sociais. Nessa perspectiva, hoje, em uma visão sócio­interacional, tanto a palavraquanto o conceito tornam­se variáveis de acordo com a inserção sócio­histórica dasexpressões que estejam em relevância, visto que se pressupõe a ação humana naconstrução do sentido, o que não era previsto por Saussure Do mesmo modo, é preciso destacar a noção de verdade vs. falsidade que oolhar não referencialista leva­nos a ter sobre o mundo. Nessa perspectiva, atual,que insere o sujeito no contexto de construção dos significados, a verdade éconstruída pelos homens e, por isso, torna­se múltipla, variável em função dospontos de vista humanos. Nesse sentido, não há mundo objetivo, dotado dereferentes e de acontecimentos os quais são refletidos pela linguagem, o que há éum mundo de sentido construído pelo homem.

Nessa concepção, a semântica deixa de lado as noções lógicas e se aproxima dequestões relacionadas à visão retórico­interpretativa, para a qual interessa o que édito, como é dito e que efeitos influem sobre o interlocutor.

Há, entretanto, diferentes pontos de vista que delimitam os estudos dasemântica. Como já fora dito, há um primeiro baseado na visão estruturalista devertente saussereana que define o significado como um a unidade de diferença, emque o significado de uma palavra define­se por não ser outro significado. Porexemplo, janela define­se por não ser porta.

Já para a semântica formal, o significado compõe­se de duas partes, o sentido ea referência. Dizer, por exemplo, a janela da casa ou a janela do escritório implicaem relações diferentes do mesmo objeto. Nessa perspectiva, do modelo lógico, arelação da linguagem com o mundo é fundamental.

Para a semântica da enunciação, o significado constrói­se no jogo argumentativocriado na e pela linguagem. O exemplo dado, janela, pode significar as diversaspossibilidades de encadeamentos argumentativos das quais a palavra podeparticipar. O significado será a soma das suas contribuições em inúmerosfragmentos de discurso. Pode­se obter “Abri a janela”; “Há uma janela entre umareunião e outra”, e assim por diante.

Há, ainda, uma vertente denominada semântica cognitiva, que vê a palavracomo uma estrutura prototípica, ou seja, para a palavra em questão, janela, háconceitos pré­linguísticos que aparecem nas práticas discursivas, todavia esseconceito define­se pelo membro mais emblemática: um elemento de abertura. Como se vê, dependendo do ponto de vista para o mesmo objeto, temos umestudo diferente, Daí termos de considerar a semântica em seu sentido plural. Para um entendimento inicial sobre o assunto, faremos uma descrição dasemântica no nível da léxico e no nível da forma de organização linguística para aprodução de significados, lembrando que esse estudo não se esgota aí.

Semântica lexical

À semântica lexical cabe estudar o significado das palavras de uma língua. Dessemodo, podem­se utilizar os princípios da descrição dos dois planos – o dossignificantes (plano da expressão) e o dos significados (plano do conteúdo), pelosquais a fonologia descreve as unidades do plano da expressão, decompondo­os emtraços distintivos.

Por exemplo, o fonema /p/ apresenta os seguintes traços : +oral, +oclusivo,

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+bilabial, enquanto /t/ é +oral, +oclusivo, ­bilabial/+dental. Os dois fonemasdistinguem­se no último traço, pois um é bilabial e o outro é dental.

Da mesma maneira, os traços distintivos do conteúdo, denominados semas,podem ser assim exemplificados:

LexemaSema

poltrona cadeira sofá

1. Para sentar­se + + +

2. Com pés/elevadosobre o solo

+ + +

3. Com encosto + + +

4.com braços + + +

5.de material rígido ­ + ­

6.para uma pessoa + + ­

In RAMOS, Rita Simone Pereira [et al]; Coord. Luiz Fernando M. de Carvalho; Org. JorgeMáximo de Souza. Língua Portuguesa: semântica. Rio de Janeiro. Ed. Rio, 2006.

Esse tipo de descrição denomina­se análise componencial ou sêmica. Ela éfeita com base na presença e/ou ausência dos traços distintivos, os semas. Oconjunto destes define­se por semema. Cada lexema tem, portanto, no mínimo umsemema. No dicionário, normalmente os diferentes semas são identificados pornúmeros. Por exemplo, o semema de “vaca” comporta os semas: boi + fêmea+adulto.

Entretanto, os traços semânticos têm uma gradação no continuum, que, deacordo com Bernard Pottier (apud PITROFORTE &LOPES, 2003: 122), “leva daspropriedades objetiváveis (α) às subjetivadas (µ):” α µesse caderno é: grosso volumoso bonito OBJ. (normas definíveis em termos relativos) SUBJ.

Veja que os semas de caderno vão do mais objetivo ao mais subjetivo, o quepode ocorrer com sememas de um lexema, uma vez que estes podem variar de umcontexto a outro, ou seja, uma mesma palavra pode variar seu significado de acordocom o contexto. É o que ocorre em textos nos quais a subjetividade influi sobre aconstrução dos significados das palavras, como os literários, os poéticos.

Para exemplificar, vejamos uma análise feita por RAMOS (2006):A autora parte do lexema branco, extraído do dicionário Houaiss:1. “Que apresenta a cor da neve recém­caída [...]

2. Cuja cor é produzida por reflexão, transmissão ou emissão de todos ostipos de luz conjuntamente, na proporção em que existem no espectrovisível completo, sem absorção sensível, sendo assim totalmente luminosoe destituído de qualquer matiz distintivo. (2005) “

Em seguida, compara o mesmo lexema a um texto jornalístico, cujo título é“Agora é branco”, extraído da Revista Isto É, em que ele sofre alterações, pois areportagem trata de um encontro de líderes do Partido dos Trabalhadores para revero programa do partido e adequá­lo à realidade do governo Lula.

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A vertente referencialista, isto é, que vê o conceito relacionado ao referenteno mundo, acredita em um grau zero da linguagem, isto é, na objetividade daspalavras, no sentido “literal” delas. Nessa perspectiva, a linguagem reflete o mundoobjetivo e o que se desvia desse grau zero é chamada conotativa ou figurada.

Todavia, a partir do conceito de signo desenvolvido por Saussure, vemos quea linguagem produz efeitos de sentido, não é simplesmente reflexo das coisas domundo. É no discurso, portanto, que se constroem as figuras como metáforas,metonímias e outras.

Há duas formas de associação entre o sentido habitual e o sentido novo deuma palavra. A primeira diz respeito a uma relação de semelhança entre osignificado de base e o novo, que se denomina metáfora. Se a associação ocorre pormeio de uma relação de contiguidade, implicação, interdependência, tem­se, então,o que se denomina metonímia.

No campo lexical, as palavras definem­se umas em relação às outras e, nesseprocesso de estruturação do sistema lexical, elas estabelecem diversos tipos derelação, a saber: a sinonímia, a antonímia, a hiperonímia, a hiponímia, a homonímia,a paronomásia e a polissemia. Estes serão objeto de estudo no próximo módulo.

Exercício 1:

Em análise sêmica, a alternativa correta é:

A ­ lexema sema poltrona cadeira sofá Para sentar­se ­ + + Com pés / elevado sobre solo­ ­ + Com encosto + + + Com braços + + + De material rígido ­ + ­ Para uma pessoa + + ­ B ­ lexema sema poltrona cadeira sofá Para sentar­se + + + Com pés / elevado sobre solo­ + + Com encosto ­ + + Com braços + ­ ­ De material rígido ­ + ­ Para uma pessoa + + ­ C ­ lexema sema poltrona cadeira sofá Para sentar­se + + + Com pés / elevado sobre solo+ + + Com encosto + + + Com braços + + + De material rígido ­ + ­ Para uma pessoa + + ­ D ­ lexema sema poltrona cadeira sofá Para sentar­se + + + Com pés / elevado sobre solo+ + + Com encosto + + + Com braços + + + De material rígido ­ + ­ Para uma pessoa ­ ­ ­ E ­ lexema sema poltrona cadeira sofá Para sentar­se ­ ­ ­ Com pés / elevado sobre solo ++ + Com encosto + + + Com braços + + + De material rígido ­ + ­ Para uma pessoa ­ ­ ­

O aluno respondeu e acertou. Alternativa(C)

Comentários:

C ­ Os semenas objetivos distintivos para poltrona e sofá e cadeira os distinguem.

Exercício 2:

Leia os tópicos e assinale a alternativa correta que trata da poesia concreta Poemabomba, de Augusto de Campos.

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I – Os significantes /b/, /o/, /m/, /b/ e /a/ estão dispostos juntamente com /p/, /o/,/e/, /m/ e /a/, formando uma explosão com as letras se expandindo a partir de umcentro.II – A disposição das letras produz a impressão de bomba explodindo em estilhaços.III – Não existe relação entre os significantes e o significado da palavra “bomba”.

A ­ Está correto apenas o tópico I. B ­ Está correto apenas o tópico II. C ­ Está correto apenas o tópico III. D ­ Estão corretos os tópicos I e II. E ­ Estão corretos os tópicos II e III.

O aluno respondeu e acertou. Alternativa(D)

Comentários:

D ­ O poema soma os significantes no nível fonológico, significado no nível morfológico ao efeito estilísticoexpressando visualmente o significado da palavra bomba.

Exercício 3:

Assim como podemos estabelecer “proporções” aritméticas nas ciências exatas,podemos estabelecer “proporções linguísticas” que propiciam a formação de campossemânticos. Então, verifique as proporções verdadeiras e as proporções falsas:( ) rei = príncipe ____ ______ rainha princesa ( ) brasileiro japonês _________ _______ sul­americano asiático ( ) gato borboleta __________ _______ gata larva ( ) cocker cão ___________ ___________ gato siamês gato A alternativa correta é:

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A ­ V – V – V – V B ­ F – F – F –F C ­ V – F – V – F D ­ V – V – F – V E ­ F – F – V – F

O aluno respondeu e acertou. Alternativa(D)

Comentários:

A ­ resposta aB ­ resposta bC ­ resposta cD ­ resposta d

Exercício 4:

De acordo com a visão de Saussure os signos, por serem arbitrários, são:

A ­ Convenções filosóficas B ­ Convenções sociais C ­ Convenções individuais D ­ Convenções materiais E ­ Convenções imateriais

O aluno respondeu e acertou. Alternativa(B)

Comentários:

B ­ De acordo com a proposição de Saussure, a arbitrariedade do signino está na suaconstrução/convenção social, ou seja, os significados são construídos nas/pelas sociedades e não pelarelação com os objetos.