Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond
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Faculdade Carlos Drummond de Andrade
Tatuapé
Direito Matutino
TRABALHO INTERDISCIPLINAR ORIENTADO
Direitos Fundamentais
SÃO PAULO
2014
Faculdade Carlos Drummond de Andrade
Tatuapé
2
Direito Matutino
TRABALHO INTERDISCIPLINAR ORIENTADO
Trabalho Interdisciplinar Orientado
apresentado ao Profº Me. Arthur
Lauandros, à Profª Me. Maria Bartira e à
Profª Me. Adélia Cristina, Docentes do
Curso de Bacharelado em Direito da
Faculdade Carlos Drummond de
Andrade de São Paulo, Faculdade de
Humanidades e Direito.
SÃO PAULO
2014
Agradecimentos aos colaboradores Discentes que confeccionaram e
apresentaram em Banca o presente trabalho:
Do grupo de Apresentação;
Orientador: Carlos Alberto Rodrigues Jr.
3
Colaboradores:
Gerisvaldo Pereira Aguiar
Gildo Ramalho
Gislene Gregorio Ramos
Ingrid Maurer Rabello
Karen Xavier Cintra
Severino dos Santos
Waldir Aparecido Feitosa
Verimar Maria Guimarães Loconte
Do grupo de Abertura;
Orientadora: Cristiane M. G. B. Almeida
Colaboradores:
Elisângela Alves da Silva
Iolanda Faustino Félix
Jair Simplício
Joelma Santos
Regina Faria Firmino da Silva
Do grupo de Edição Textual e Digitação;
Orientadores: Bruno Luiz Faria da Silva, Karina Arakaki e Luiz Marciano
Candalaft
Colaboradores:
Cristina Passos
Deigles Alves
Getúlio Nogueira Luna
Mário da Silva
Mércio dos Santos
Miriã Cristina Haum Archiolli
Rogério da Silva
Jennifer Maria da Silva Prado
Ronaldo Alves da Silva
Alessandra da Silva Sousa
Do grupo de Estudos;
Orientador: Abraão Leônidas de Alencar
Colaboradores:
4
Ademir Ferreira de Jesus
Amanda Moura Pereira
Darci Almeida
Diego Pereira Pacheco
Isaías Pereira Barbosa
Ivete do Nascimento Tressler
Larissa Regina Gonçalves
Lucinéia Maria da Silva
Magdalena Riofrio Nicolau
Tatiana Satiko da Silva
Telma Valéria Aranda
Da Criação de Slides;
Orientadora: Sandra Bento e Mariana Aparecida Vieira Rodrigues
Colaboradores:
Andressa Pimenta Soares da Silva Reis
Beatriz Pereira
Dayane da Silva E Oliveira
Eliezer Martins da Silva
Fernanda Leopoldino de Melo
Gleisyane Santana Costa
Karina Monteiro de Souza
Léia Rocha do Carmo
Marcelo Caetano da Costa
Paola Oliveira
Rosana Oliveira Bispo
Sérgio Jokubauskas
Tatiana Sanchez Bellangero
Do grupo de Conclusão;
Orientadores: Isnar de Almeida e João Márcio dos Santos
5
SUMÁRIO
Capítulo 1 - CASO EL WANGER – HC 82424, STF;
1.1 Introdução.............................................................................................................7
1.2 Descrição do Habeas Corpus n° 82.424.............................................................7
1.3 Voto dos Ministros................................................................................................10
1.4 Princípios...............................................................................................................22
1.5 Conclusão.............................................................................................................26
Capítulo 2. CASO UBC RE – 201819, STF;
2.1 Introdução.......................................................................................................27
2.2 Desenvolvimento............................................................................................27
2.3 RE – 201819, STF.....................................................................................................29
2.4 Decisão.................................................................................................................32
Capítulo 3. CASO AIR FRANCE RE – 161243, STF;
3.1 Introdução.......................................................................................................33
3.2 Desenvolvimento...........................................................................................34
3.3 Conclusão......................................................................................................38
3.4 RE - 161243,STF...............................................................................................39
Capítulo 4. DIREITO AO ESQUECIMENTO RESP - 1334097, STF;
4.1 Chacina da Candelária......................................................................................40
4.2 Voto dos Ministros................................................................................................42
4.3 Liberdade de Imprensa.................................................................................43
4.4 Doutrinas...............................................................................................................50
4.5 Direitos e Garantias Fundamentais....................................................................54
4.6 Conclusão.......................................................................................................57
Capítulo 5. CASO GARRINCHA RESP – 521697, STF;
5.1 Manuel dos Santos mais conhecido como Garrincha...................................59
5.2 Introdução............................................................................................................61
5.3 Término dos Direitos à Personalidade.........................................................65
6
5.4 RESP – 521697, STF................................................................................................69
5.5 Decisão.................................................................................................................81
Capítulo 6. UNIÃO HOMOAFETIVA ADI 4277, STF
6.1 Resumo............................................................................................................82
6.2 Introdução.......................................................................................................83
6.3 Aspectos Fundamentais da União Estável Homoafetiva.................................85
6.4 A Religião e a União Estável Homoafetiva..................................................88
6.5 Conclusão.......................................................................................................93
6.6 ADI 4277, STF...................................................................................................95
6.7 ADPF no.132, RJ............................................................................................100
Capítulo 7. INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ (ANENCÉFALA) ADPF 54, STF;
7.1 O que é anencefalia.........................................................................................106
7.2 Desenvolvimento...............................................................................................108
7.3 Direitos Fundamentais.......................................................................................109
7.4 Decisão do Supremo...................................................................................111
7.5 ADPF 54, STF........................................................................................................115
Capítulo 8. LEI DE ANISTIA ADPF 153, STF;
8.1 O que é Anistia...................................................................................................119
8.2 Lei de Anistia.......................................................................................................120
8.3 ADPF 153, STF.......................................................................................................121
8.4 Conclusão...........................................................................................................128
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................129
1. CASO EL WANGER – HC 82424, STF;
7
1. Introdução
O escritor Siegfried Ellwanger Castan foi processado e condenado pelo
crime de racismo, pelos Tribunais do Estado do Rio Grande do Sul.1 Crime este
sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade.2
Os advogados de Ellwanger impetraram Habeas Corpus, argumentando
que judeu não seria considerado raça. Também, como remédio para que o
Supremo Tribunal Federal conceder-lhe liberdade.
O trabalho apresenta as discussões ocorridas entre os Ministros do STF, suas
conclusões e os votos negando ao paciente o Habeas Corpus, por oito votos a
três.
A lide envolveu a colisão entre dois valores alçados à categoria de
Princípios Constitucionais: a Dignidade da Pessoa Humana e a Liberdade de
Expressão. Sem contar as discussões sobre o racismo, anti-semitismo,
preconceito de raça, cor, religião, etnia e procedência nacional.
Este caso foi um marco na jurisprudência dos direitos humanos, com a
prevalência da Constituição Federal de 1988.
2. Descrição do Habeas Corpus n° 82.424
O autor do Habeas Corpus é Siegfried Ellwanger Castan, nasceu em
30/07/1928 em Candelária no Rio Grande do Sul e morreu em 08/10/2010, com
82 anos.
Autor, escritor, editor, inventor e pesquisador, fundou a empresa Revisão
Editora e Livraria Ltda. Suas principais obras são: Holocausto, Judeu ou Alemão?
Nos bastidores da mentira do século; Acabou o gás; O fim de um mito; S. O. S
para a Alemanha; A implosão da mentira do século; A verdade sobre o diálogo
católico-judaico no Brasil.
Veio de família humilde, abandonou os estudos cedo e fazia aulas
particulares de matemática e inglês com o dinheiro que ganhava vendendo
pasteis e rapaduras, feitos por sua mãe. Logo dominou os idiomas espanhol e
alemão, que fizeram diferença em suas pesquisas sobre os acontecimentos
políticos atuais e os fatos relacionados à 2ª Guerra Mundial (1939/1945).
1 Lei 7.716/89, artigo 20. 2 Artigo 5°, XLII, Constituição Federal Brasileira/1988.
8
Desde a infância, trabalhou em fábricas e foi voluntário no Corpo de
Fuzileiros Navais (RJ), onde serviu por três anos, quando foi designado para a
função de escriturário do Estado Maior. Aproveitou o tempo disponível para
ampliar seus conhecimentos e em 1948 deixou a função e voltou a morar com
sua mãe em Porto Alegre.
Começou a trabalhar na filial local de uma importante empresa do ramo
de ferros e aço do RJ, começou na função de auxiliar de escritório, chegando
a chefe de vendas.
Foi responsável pela instalação da 1ª fábrica de tubos de ferro
galvanizado no RS, sendo pioneiro na instalação do Sistema de Solda por
Indução, o que lhe garantiu o prêmio e incentivo de Isenção do Imposto de
Vendas e Consignações por cinco anos do Governo do Estado.
Inventou o Sistema de Placas de Aço Fundido para trilhos ferroviários, além
de fabricante das fixações elásticas para trilhos ferroviários também. Assim, ele
tocou suas empresas por mais de vinte anos e nunca teve uma única
reclamação trabalhista.
Ellwanger era admirador de Fidel Castro e do povo cubano. Foi opositor
do domínio e influência americana que afetou Cuba, Coréia e Vietnã, era
contrário aos países que permitiam a instalação de bases americanas em seus
territórios e não admitia o financiamento estrangeiro ao Estado de Israel.
Foi opositor ao grande domínio e influência americana, se opunha ao
boicote americano à Cuba, Coréia e Vietnã e aos países que permitiam
instalações de bases americanas em seu território. Era contra o financiamento
dos países ocidentais e envio de armamentos à Israel.
Em 1986 o grupo Movimento Popular Anti-racismo, formado pelo
Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Movimento Negro Brasileiro e
Movimento Judeu de Porto Alegre, denunciou o conteúdo racista das obras da
Editora Revisão pertencente a Siegfried à Coordenadoria das Promotorias
Criminais.
Em 1990 foi feita uma nova denúncia à chefia de Polícia do Estado do Rio
Grande do Sul, que instaurou inquérito policial, remetido ao Ministério Público.
Esta denúncia foi recebida em 1991, e foi determinada a busca e apreensão
dos exemplares de diversos livros publicados por Castan.
Em 1995 foi julgado e absolvido em 1ª Instância, contudo em 1996 foi
condenado por unanimidade pelos desembargadores da 3ª Câmara Criminal
do Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul.
9
Apesar da condenação, foi flagrado vendendo livros na Feira do Livro de
Porto Alegre, o que ocasionou uma nova denúncia em 1998, pela qual foi
condenado a dois anos de reclusão.
O autor recorreu, argumentando que os judeus são uma etnia e não uma
raça.
3. Tópicos da Acusação
O julgamento de Sigfried Ellwanger Castan representou um marco histórico
na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A repercussão do caso na mídia
e na sociedade civil foi notória e a questão teve amplo destaque em debates
e discussões por todo país.
Sucintamente, Ellwanger foi acusado de prática do crime de racismo
contra o povo judeu, em razão do teor de sua obra "Holocausto – Judeu ou
Alemão? Nos Bastidores da Mentira do Século‖ . Embora o autor procure
qualificar-se como historiador revisionista, acredita-se tratar de obra com
conteúdo anti-semita.
No STF, a discussão teve dois aspectos: O primeiro visou apreciar, em sede
de Habeas Corpus 3 , a alegação do paciente de que sua conduta
discriminatória não configurava o crime de racismo perante o povo judeu, uma
vez que o judaísmo não poderia ser considerado desde a perspectiva ―raça‖ ;
- O segundo aspecto consistiu na abordagem do conflito entre a Liberdade de
Expressão e a Dignidade da Pessoa Humana, ambos direitos
constitucionalmente protegidos.
Diversos pontos foram levantados pelos Ministros, o que deu origem a um
Acórdão de praticamente 700 laudas. Todavia, a idéia central da decisão está
contida no trecho indicado para leitura. Adiante, busca-se problematizar alguns
aspectos pontuais.
Constituição Federal: ―a lei punirá qualquer discriminação atentatória
dos direitos e liberdades fundamentais‖ ;4
Constituição Federal: ―a prática de racismo constitui crime inafiançável
e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei‖ .5
3 STF – Habeas Corpus 82.424 – Rio Grande do Sul. 4 Artigo 5º, inciso XLI, Constituição Federal Brasileira/1988. 5 Artigo 5º, inciso XLII, Constituição Federal Brasileira/1988.
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No Habeas Corpus, a alegação do paciente de que sua conduta
discriminatória não configurava o crime de racismo perante o povo judeu, uma
vez que o judaísmo não poderia ser considerado uma raça. Ministros que
atribuíram um conceito amplo, sócio cultural e antropológico, ao termo
‗racismo‘ entenderam, de maneira geral, tratar-se de crime contra grupos
humanos com características culturais próprias. Nessa linha de raciocínio, não
deveria a imprescritibilidade estender-se aos demais delitos fundados na
discriminação (art. 5º, XLI, CF). A imprescritibilidade desses crimes e a
prescritibilidade de crimes como os hediondos afrontam o princípio da
isonomia?
4. Voto dos Ministros
Voto do Ministro Moreira Alves - O ministro Moreira Alves entendeu que ―os
judeus não podem ser considerados uma raça‖ , por isso, não se poderia
qualificar o crime por discriminação, pelo qual foi condenado Siegfried
Ellwanger, como delito de racismo. O relator concedia o Habeas Corpus,
declarando extinta a punibilidade do acusado, pois já teria ocorrido a
prescrição do crime.
Voto do Ministro Maurício Corrêa - Corrêa divergiu do relator, ao negar o
Habeas Corpus sob o argumento de que a genética baniu de vez o conceito
tradicional de raça e que a divisão de seres humanos em raças decorre de um
processo político-social originado da intolerância dos homens. Para Maurício
Corrêa, a Constituição coíbe atos desse tipo, ―mesmo porque as teorias
antisemitas propagadas nos livros editados pelo acusado disseminam idéias que
se executadas, constituirão risco a pacífica convivência dos judeus no país‖ .
Voto do Ministro Celso de Mello - O Ministro acompanhou a dissidência,
afirmando que ―só existe uma raça: a espécie humana‖ . E frisou: ―Aquele que
ofende a dignidade de qualquer ser humano, especialmente quando movido
por razões de cunho racista, ofende a dignidade de todos e de cada um‖ ,
Achou correta a condenação de Ellwanger, negando-lhe o Habeas Corpus.
Voto do Ministro Gilmar Mendes - Gilmar Mendes também negou a ordem
de Habeas Corpus, por entender que ―o racismo configura conceito histórico e
11
cultural assente em referências supostamente raciais, aqui incluído o anti-
semitismo‖ . Para Mendes, ―não se pode atribuir primazia à liberdade de
expressão, no contexto de uma sociedade pluralista, em face de valores outros
como os da igualdade e da dignidade humana‖ . Por isso o texto constitucional
erigiu o racismo como crime inafiançável e imprescritível.
Voto do Ministro Carlos Velloso - Carlos Veloso também indeferiu o Habeas
Corpus, por acreditar que o anti-semitismo é uma forma de racismo. Segundo o
ministro, nos livros publicados por Ellwanger, os judeus são percebidos como
raça, porque há pontos em que se fala em ―inclinação racial e parasitária dos
judeus‖ , o que configuraria uma conduta racista, vedada pela Constituição
Federal.
Voto do Ministro Nelson Jobim - O ministro Nelson Jobim julgou que
Ellwanger não editou os livros por motivos históricos, mas como instrumentos para
produzir o anti-semitismo. Para ele, esse é um ―caso típico‖ de fomentação do
racismo, por isso acompanhou a ala dissidente, negando o Habeas Corpus.
Voto da Ministra Ellen Gracie - Em seu voto, a ministra Ellen Gracie trouxe a
definição de raça presente na Enciclopédia Judaica, na qual ―a concepção
de que a humanidade está dividida em raças diferentes encontra-se de
maneira vaga e imprecisa na Bíblia, onde, no entanto, como já acentuavam os
rabinos, a unidade essencial de todas as raças é sugerida na narrativa da
criação e da origem comum de todos os homens‖ . Nessa linha, negou a ordem.
Voto do Ministro Cezar Peluso - Peluso seguiu a maioria e votou pela
denegação do Habeas Corpus. ―A discriminação é uma perversão moral, que
põe em risco os fundamentos de uma sociedade livre‖ .
Voto do Ministro Carlos Ayres Britto - Carlos Ayres Britto concedia o Habeas
Corpus por dever de ofício – por iniciativa do próprio Supremo – pois entendeu
não haver justa causa para instalação de ação penal contra Ellwanger. Em seu
voto, Britto absolvia, então, o réu, por atipicidade do crime, porque a lei tipificou
o crime de racismo por meio de comunicação foi promulgada depois de
Ellwanger ter cometido o delito.
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Voto do Ministro Marco Aurélio - O ministro Marco Aurélio também
concedia o Habeas Corpus, defendendo a tese da liberdade de expressão. ―A
questão de fundo neste Habeas Corpus diz respeito à possibilidade de
publicação de livro cujo conteúdo revele idéias
preconceituosas e anti-semitas. Em outras palavras, a pergunta a ser feita é a
seguinte: o paciente, por meio do livro, instigou ou incitou a prática do racismo?
Existem dados concretos que demonstrem, com segurança, esse alcance? A
resposta, para mim, é desenganadamente negativa‖ . Em sua opinião, somente
estaria configurado o crime de racismo se Ellwanger, em vez de publicar um livro
―no qual expõe suas idéias acerca da relação entre os judeus e os alemães na
Segunda Guerra Mundial, como na espécie, distribuísse panfletos nas ruas de
Porto Alegre com dizeres do tipo ‗morte aos judeus‘, ‗vamos expulsar estes
judeus do País‘, ‗peguem as armas e vamos exterminá-los‘. Mas nada disso
aconteceu no caso em julgamento‖ . Segundo Marco Aurélio, Ellwanger
restringiu-se a escrever e a difundir a versão da história vista com os próprios
olhos.
Voto do Ministro Sepúlveda Pertence - Sepúlveda Pertence optou por
negar o Habeas Corpus ao editor gaúcho. Para o ministro, ―a discussão me
convenceu de que o livro pode ser instrumento da prática de racismo. Eu não
posso entender isso como tentativa subjetivamente séria de revisão histórica de
coisa nenhuma‖ , votou.
5. Tópicos da Defesa
O advogado de defesa embora reconhecesse o caráter discriminatório
das publicações de Ellwanger, baseou seu argumento de que os judeus
constituem um povo, e não uma raça, motivo pelo qual não teria incidido em
crime de racismo – inafiançável e imprescritível, de acordo com o inciso XLII do
Artigo 5° da Constituição Federal – ao propagar tese anti-semita. Caso o
argumento fosse acolhido, a pretensão executória da pena estaria prescrita.
Por maioria os ministros do STF julgaram o caso a partir de uma colisão de
princípios fundamentais, liberdade de expressão e dignidade da pessoa
humana.
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A teoria da ponderação de princípios proposta por Alexy, onde o
problema do raciocínio de ponderação é que ele permite que se entenda que
uma conduta pode ser considerada meio licita, ou seja, é garantida pelo direito
à liberdade de expressão, mas proibida em face do principio da dignidade
humana: Qual prevalecerá vai depender somente do cálculo de
proporcionalidade por parte do julgador.
Por outro lado, segundo o filósofo alemão Habermas, à medida que um
tribunal constitucional adota a doutrina da ordem de valores e a toma como
base de sua prática de decisão, cresce o perigo dos juízos irracionais, porque,
nesse caso, os argumentos funcionalistas prevalecem sobre os normativos.
Como afirmou o filosofo alemão CATTONI, a questão do caso ‗Ellwanger‘,
não deveria ter sido compreendida como uma colisão entre valores, onde se
julga, se a liberdade de expressão é melhor ou pior do que, ou para, a
promoção da dignidade humana; mas sem julgar se houve, afinal em face do
caso concreto, crime de racismo ou não, à luz das pretensões normativas,
defendidas na argumentação sustentada pelos envolvidos, e que poderiam ser
reputadas abusivas ou não.
Os críticos da decisão do STF comentam que esta foi baseada na teoria
de ponderação de valores como suporte teórico, deste modo, a maioria dos
ministros decidiu por íntima convicção, por arbítrio, por princípios pessoais,
baseados em premissa axiológicas não discutidas no processo.
5.1 Argumentos jurídicos da defesa
Os principais argumentos jurídicos foram:
5.1.1 - Liberdade de expressão do editor
Recebe o nome de liberdade de expressão a garantia assegurada a
qualquer indivíduo de se manifestar, buscar e receber idéias e informações de
todos os tipos, com ou sem a intervenção de terceiros, por meio de linguagens
oral, escrita, artística ou qualquer outro meio de comunicação. O princípio da
liberdade de expressão deve ser protegido pela constituição de uma
democracia, impedindo os ramos legislativo e executivo do governo de impor
a censura. A violação da dignidade humana pela liberdade de expressão no
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caso proporcionalmente injustificável. Liberdade de expressão é o direito de
manifestar livremente opiniões, idéias. Em seu bojo, a lei trouxe vários defeitos,
como a exacerbada repressão à liberdade de . direito à comunicação: direitos
fundamentais na Constituição brasileira.
5.1.2 - Judeu não seria raça e, portanto não estariam albergados pela Lei
7716/89.
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de
15/05/97)6
5.1.3 - Ausência de tipicidade
Principio da insignificância - Ausência de Tipicidade material.
Mínima ofensividade da conduta do agente.
Nenhuma periculosidade social da ação.
Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente.
Inexpressividade da lesão jurídica provocada.
5.1.4 - Teoria de Proporcionalidade
Os ganhos devem superar as perdas. Existe uma conexão entre a teoria
dos princípios e a máxima da proporcionalidade, e em caso de colisão, se
requer ponderação, ou seja, a medida permitida de insatisfação ou de
afetação de um princípio depende do grau de importância da satisfação do
outro.
5.1.5 - O litígio
A questão principal que o litígio envolve é a colisão entre dois valores
alçadas a categoria de princípios constitucionais quais sejam: a dignidade da
6 Redação dada pela Lei nº 9.459 de 15 de maio de 1997.
15
pessoa humana e a liberdade de expressão. A defesa argumenta que a
liberdade de expressão é, no caso concreto mais importante, e que as
publicações poderiam conter qualquer conteúdo, ficando a critério do público
comprá-los ou não.
5.1.6 - Sessão da Assembléia Geral da ONU,
Adotado em resolução pela XXI Sessão da Assembléia Geral da ONU, em
16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, após
ser aprovado pelo Congresso Nacional em decreto legislativo de 12 de
dezembro de 1991.
5.1.7 - Carta Magna
Vale lembrar que, de acordo com o artigo quarto da Carta Magna, o
Brasil rege-se nas suas relações internacionais, entre outros princípios, pela
prevalência dos direitos humanos (inciso II), e que os tratados de direitos
humanos são incorporados em grande estilo ao ordenamento jurídico brasileiro
(para uma análise específica sobre esse tema, é útil consultar o parágrafo
terceiro do artigo quinto da Carta de 1988, além da doutrina e da jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal).
Dispõe o artigo 19 do referido Pacto:
1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões. 2. Toda
pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá
a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias
de qualquer natureza, independentemente de considerações de
fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou
artística, ou qualquer outro meio de sua escolha.
5.1.8 - Convenção Americana de Direitos Humanos,
Bastante semelhante ao artigo 19 é o artigo 13 da Convenção
Americana de Direitos Humanos, o chamado "Protocolo de São José da Costa
Rica". Aprovada pelo decreto legislativo n. 27/92, a carta de adesão do Brasil à
Convenção foi depositada em 25 de setembro de 1992. A promulgação da
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Convenção se deu pelo decreto presidencial n. 678, de 6 de novembro de 1992.
O documento foi adotado no âmbito da Organização dos Estados Americanos,
a OEA, em 22 de novembro de 1969, e entrou em vigor em 18 de julho de 1978,
após receber o número necessário de ratificações.
Dispõem os incisos I e II do artigo 13:
Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de
expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e
difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem
considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em
forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.
5.1.9 - Responsabilidade do escritor
O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar
sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser
expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da
moral públicas.
5.2 - Conclusão da Defesa
A não concessão do Habeas Corpus levaria a manutenção da
condenação pelo crime de racismo, decisão que, na maior medida, alcançaria
a promoção da democracia, coibindo, assim, a intolerância social, também
ponderando os dois princípios em questão, que a não censura às publicações
seria proporcionalmente melhor à promoção da democracia e de uma cultura
pluralista, pois deixaria a cargo da própria opinião pública.
Pluralidade Cultural é a (diversidade cultural) mesmo que multi-cultural.
Isto são as diversas manifestações culturais existentes em um mesmo ambiente
e suas misturas e interações
6. Tópicos da Decisão do Habeas Corpus
Decisão: O Tribunal, por maioria indeferiu o Habeas Corpus, vencidos os
Senhores Ministros Moreira Alves, Relator, e Marco Aurélio, que concediam a
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ordem para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva do delito, e o
Senhor Ministro Carlos Britto, que a concedia, ex-offício, para absolver o
paciente Sr. Siegfried Ellwanger, por falta de tipicidade de conduta.
Redigido o Acórdão pelo Presidente, o Ministro Maurício Corrêa. Não
votou o Ministro Joaquim Barbosa por suceder ao Ministro Moreira Alves que
proferiu voto anteriormente. Plenário 17.09.2003 Presidência do Ministro
Maurício Corrêa.
Presentes à sessão os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de
Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa.
Então, os votos a favor do indeferimento, foram da maioria, de oito
Ministros a três, porém há de se comentar sobre um dos três votos contra, o do
Ministro Carlos Britto que mais enfatizou sobre a defesa, sendo categórico e
usando como base o (Art. 5º, XVII, CF), onde não se tipifica o crime de racismo.
Embora tenha se configurado não somente esse crime, mas também quanto a
discriminação, apologia a idéias preconceituosas, através do meio da
publicação de seus livros!
Pode-se questionar e entender sobre a questão defendida pelo Ministro
Carlos Britto, sobre o racismo, ou o termo ―raça‖ , da seguinte forma:
Segundo ele, judeu não seria considerado uma raça, porém o termo
―raça‖ , hoje pode ser classificado, ou interpretado de várias formas, conforme
seja manifestado em seu conteúdo. Por exemplo, Hitler discriminou os judeus
como raça inferior à raça ariana, sendo portando considerado por ele, os
alemães, uma raça pura e superior à classe judaica, devendo por isso, ser
exterminada, e assim promoveu o holocausto, assassinato de cerca de 6 milhões
de judeus, um tremendo genocídio. No sentido literal da palavra ―raça‖
poderia se considerar como uma designação biológica, ou de uma
classificação genética, alguém nasce dentro de uma raça ou de uma raça
mestiça herdada de seus ancestrais, porém, conforme estudo científico, do
ponto de vista genômico, não existe diferença entre negros, brancos, amarelos,
todos somos iguais. Portanto, raça, ou a noção de racismo não se resume a um
conceito de ordem estritamente antropológica ou biológica, projetando-se ao
contrário, numa dimensão abertamente cultural e sociológica, além de
caracterizar, em sua abrangência conceitual, um indisfarçável instrumento de
controle ideológico, de dominação política e de subjugação social, como o fez,
Hitler.
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Adolph Hitler, no capítulo ―Povo e Raça‖ de seu livro ―Minha Luta‖
escreveu que ―a grandeza e superioridade da raça ariana / alemã existe em
função da oposição à inferioridade da raça não ariana, a semita/judaica‖ e
que ―para preservar a raça ariana, seria preciso eliminar a anti-raça‖ .
Retomando ao caso Ellwanger, foi considerado crime tipificado no (art. 20,
da lei 7.716/89), com a redação dada pela lei 8.081/90 – Condenado pelo delito
de discriminação contra os judeus, e o (art. 5º, inciso XLII, da Constituição), diz:
―A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à
pena de reclusão, nos termos da lei‖ .
Antes, a lei 7.716/89 restringia-se a definir como prática do racismo
condutas de discriminação pertinentes à raça e à cor.
Depois, com advento da Lei 8081/90, a prática do racismo contempla a
discriminação alusiva não só à raça e a cor, como também à religião, etnia ou
procedência nacional, valendo-se dos meios de comunicação social, ou por
publicação de qualquer natureza.
Hoje, pela Lei 9459/97, o meio – ―valendo-se dos meios de comunicação
social ou publicação de qualquer natureza‖ – passou a constituir-se em forma
qualificada, com apenação autônoma mais grave, do crime de prática do
racismo, sob a modalidade de discriminação, visto que se constitui no parágrafo
2º, do artigo 20.
O anti-semitismo dogmatizado pelos nazistas constitui uma forma de
racismo, exatamente porque se opõe a determinada raça, essa tida sob a visão
de uma realidade social e política, tendente a hierarquizar valores entre certos
grupos humanos. Pregar a restauração dessa doutrina, ainda que por vezes sob
o disfarce de ―revisionismo‖ , como pretendeu o paciente em seus atos, é
praticar racismo.
Enfim, Ellwanger, em seus escritos publicados, procurou negar a existência
do holocausto, imputando aos judeus todas as responsabilidades pelas
tragédias registradas na Segunda Guerra. Até mesmo o genocídio de seis
milhões de judeus nos campos de concentração são apresentados como uma
farsa concebida por eles próprios, feito uma estratégia sórdida destinada a fazer
chantagem com o resto do mundo e assim abrir horizontes que permitam a sua
hegemonia. Em suma, o réu e autor pretendeu falsear a verdade e reacender
a chama do ideal nazista, para instigar a discriminação racial contra o povo
judeu.
19
Portanto, não podemos pactuar com inverdades contidas no livro de Ellwanger,
incitando e promovendo a discriminação a um povo que já sofreu tanto e ainda
sofre por um passado sangrento da perseguição nazista, então mesmo uma
obra literária que venha a fomentar ―ódios públicos‖ ao povo judeu, não pode
ficar isenta de punição!
7. Tratados e Convenções Internacionais
O Brasil assinou em 07/03/66, a Convenção Internacional sobre a
Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, e outras adesões, como
a Convenção Internacional contra o Genocídio, norma aprovada pela ONU em
1948, que teve como origem o próprio holocausto – negado pelo paciente -, a
que submetidos os judeus.
O Pacto de São José da Costa Rica, também incorporado ao direito
brasileiro (decreto legislativo 89/89, Decreto 678/92, e Decreto 4463/02), previa
a proibição legal de ―apologia do ódio nacional, racial ou religioso que
constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência‖ , era o
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, que posteriormente
foi reiterado para as Américas no artigo 13-5.
A Resolução 623 da Assembléia Geral da ONU, de DEZ de 1998, insta os
países a cooperar com a Comissão de Direitos Humanos no exame de todas as
formas contemporâneas de racismo, como a xenofobia, negrofobia,
antisemitismo e outras formas correlatas de intolerância racial (item 17 da
Resolução). Como se vê, o anti-semitismo como sinônimo de exteriorização
do racismo tem respaldo no Direito Internacional Público.
O racismo indica teorias e comportamentos destinados a realizar a
supremacia de uma raça. O preconceito e a discriminação são consequências
dessas teorias.
Convenção da ONU 1965
Art. I -1. Nesta Convenção, a expressão "discriminação racial‖ significa
qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, baseadas em raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica que têm por objetivo ou efeito
anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano
20
(em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais no
domínio político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de
vida pública.
Art. IV - Os Estados-Partes condenam toda propaganda e todas as
organizações que se inspirem em idéias ou teorias baseadas na superioridade
de uma raça ou de um grupo de pessoas de uma certa cor ou de uma certa
origem étnica ou que pretendam justificar ou encorajar qualquer forma de ódio
e de discriminação raciais, [...]
Pacto Internacional sobre os Direitos civis e Políticos 1966. Aprovado pelo
Congresso Brasileiro, sob o Decreto-Legislativo Nº226, de 12 de dezembro de
1991.
A igualdade, de fato, tem-se revelado como um dos alicerces do sistema
legal brasileiro. A Lei Maior, em vários dispositivos, destaca tal princípio. O artigo
3º assevera que constitui um dos objetivos fundamentais da República promover
o bem de todos, sem qualquer forma de preconceito.
Pacto São José da Costa Rica
Art. 13, 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem
como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua
incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
Portanto, o Brasil participou de várias Convenções e Tratados
Internacionais e sempre aderindo aos mesmos por se tratar de temas tão
complexos e causadores de polêmicas, controvérsias etc., porém, de forma
geral, qualquer tipo de discriminação, anti-semitismo, preconceito de raça,
religião, etnia ou procedência nacional, são atitudes intoleráveis, anti-sociais e
desumanas, que devem ser punidas, não só no Brasil, mas no mundo inteiro!
Diante disso e baseado pelas Leis e Decretos, observa-se que a conduta
praticada pelo paciente foi considerada um crime contra a comunidade
judaica, não podendo assim abstrair o racismo de tal comportamento.
21
8. Princípios
8.1 A Liberdade de Expressão
É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato
(CF/1988 Art.5º, IV).
É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença - (CF/1988 Art.5º,
IX).
É livre a manifestação do pensamento, sem que dependa de censura,
salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos
casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer. Não é
permitido o anonimato. É assegurado o direito de resposta. A publicação de
livros e periódicos não dependerá de licença do Poder Público. Não será,
porém, tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter
a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe - (CF/1946,
Art. 141, § 5º).
Constituição Americana, 1787, Emenda I.
O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou
proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou
22
de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao
Governo petições para a reparação de seus agravos.
Declaração dos Direitos do Homem , França, 1789.
Art. 11º. A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais
preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,
imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos
termos previstos na lei.
Art. 16º. A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos
direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.
Decreto n° 678, de 6 de Novembro de 1992.
Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.
Art.13 – 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de
expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir
informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras,
verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer
meio de sua escolha.
Sobre ―Liberdade de Expressão‖ - É inaceitável, deixar de punir a
manifestação da opinião, quando transparece evidente e cristalina a intenção
de discriminar, ainda que sob o manto de mera ―revisão histórica‖ , à qual,
também se tentou falsear verdades incontestáveis sobre o holocausto nazista.
Portanto, é de suma importância, o controle sobre os abusos da liberdade de
expressão, mediante o exercício da jurisdição.
8.2 A Dignidade da Pessoa Humana
Conceito de dignidade humana: (Termo que provém do latim dignitas que
significa valor intrínseco, mérito, prestigio, estima, nobreza). Na antiguidade
encontram-se expressos no Código de Hamurabi, da Babilônia e da Assíria e no
Código de Manu, na Índia, a defesa da dignidade e dos direitos do ser humano.
23
Porém, nesse momento esta classificação do indivíduo de mais ou menos digno
perante os outros, se dava de acordo com seu status social.
Seu conceito não é pacifico, alguns autores dizem, é um direito a
naturalidade, é uma conquista ético-jurídica, outros ainda que a pessoa
humana se destaca na natureza e se diferencia do ser irracional. Porém até a
dignidade pode ser limitada, ou seja, a dignidade de uma pessoa só será
ilimitada enquanto não afetar a dignidade de outrem.
Dignidade da pessoa da pessoa humana. O que vem a ser pessoa. A
filosofia de Kant nos dá uma contribuição a respeito: Por pessoa, entende-se
mais que um objeto, ou seja, como valor absoluto e insuscetível de coisificação.
E aprofunda o conceito de pessoa a ponto de se encontrar um sujeito tratado
como ―um fim em si mesmo‖ e nunca como meio a atingir determinada
finalidade.
Para Immanuel Kant, a razão é inerente ao homem, é algo a priori e separa
os conceitos a priori e a posteriori. Considerando que a priori são os existentes
ao homem antes de qualquer experiência, enquanto que o a posteriori os
obtidos a partir de abstrações das percepções empíricas.
Para Kant, no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade.
Quando uma coisa tem um preço, pode se inserir em vez dela qualquer outra
como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo preço, e
portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade. Esta apreciação
dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e
põe-na infinitamente acima de todo preço. Nunca ela poderia ser posta em
cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse preço, sem de qualquer
modo ferir a sua santidade?
A Constituição de 1988 em seu artigo 1°, inciso III, é muito clara quanto à
importância da dignidade humana. É um valor supremo, definindo-o como
fundamento da República.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada pela
Organização das Nações Unidas de 1948, traz em seu artigo 1º o seguinte:
―Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos‖ , concluímos
que, segundo esse documento, os titulares dos direitos fundamentais são ―todos
os homens‖ .
A Constituição é um sistema composto de regras e princípios jurídicos. As
regras, estabelecidas em termos precisos, conferem segurança à aplicação do
Direito, mas não são suficientes para a solução de todos os conflitos de interesses
24
de uma sociedade pluralista. Haveriam de ser previstas à exaustão para abarcar
o conjunto dos problemas possíveis.
Os princípios são o pensamento diretor de um sistema normativo.
Constituem-se em orientações de caráter geral das quais se extrai a
racionalidade íntima das normas sistêmicas. Formam a base de uma
Constituição, de uma lei ou de uma instituição jurídica.
Regras e princípios são normas, portanto, e, como tais, formadas por
expressões de mandamento, permissão e proibição. São, contudo, de
diferentes espécies. Enquanto as regras valem ou não valem para determinadas
situações fáticas, conforme a enumeração das hipóteses e cláusulas de
exceção.
Os princípios se relacionam ao caso concreto em razão de seu valor. Disso
decorre que não há regra mais importante que outra. No conflito de regras,
declaram-se nulas as que não se aplicam ao caso em análise. Já no campo dos
princípios, uns prevalecem sobre outros em função do valor preponderante, isto
é, do peso que possuem.
Em que pese o entendimento respeitável de alguns juristas, no sentido da
caracterização da dignidade da pessoa humana como princípio absoluto, não
parece ser este o melhor entendimento diante da infinidade de situações
concretas que restariam sem resolução partindo-se de tal premissa,
especialmente em caso de conflito entre dignidade de pessoas diversas. Se tal
princípio fosse considerado absoluto não seria possível, por exemplo, apresentar
solução ao caso de anencefalia. Deste modo, a dignidade da pessoa humana,
mediante juízo de ponderação, pode ser relativizada em situações
extremamente excepcionais.
Alguns juristas, dizem que por se tratar de um Princípio Constitucional, e de
interesse geral do povo, sempre que houver conflitos de interesses pessoais e
dignidade humana, por ser este último de caráter absoluto, deverá este imperar.
Logo, é um direito absoluto que não pode ser relativizado.
25
9. Conclusão
Para melhor compreender a fundamentação dos votos dos ministros do
STF, e ao falar sobre as dimensões dos direitos fundamentais, mais
especificamente os de primeira dimensão – conhecidos também como direitos
de defesa de cunho negativo, cujo objetivo primordial é limitar a intervenção
do Estado na esfera privada de direitos do cidadão, e que a liberdade de
expressão está incluída neste rol.
As garantias dos direitos fundamentais visam assegurar ao cidadão o
exercício pleno de cada um desses direitos perante a sociedade, sendo
protegidos pela Constituição Federal. Deste modo, nenhum direito possui
caráter absoluto e desta forma, devem ser restringidos quando em conflito com
outro valor constitucionalmente protegido.
Os direitos fundamentais são em conjunto o pilar do Estado Democrático
e Social de Direito, quando submetidos à Constituição e deste modo atingem
sua eficácia.
Neste caso, houve um conflito de direitos constitucionalmente protegidos,
deste modo, os ministros que deferiram o Habeas Corpus, relativamente à
liberdade de expressão em conflito com outros direitos protegidos afirmam que
o paciente não incitou a prática de racismo e não atentou contra a dignidade
judaica, sustentando que sua obra possuía caráter histórico.
Os ministros que negaram o Habeas Corpus, entenderam que assim como
todos os direitos fundamentais, a liberdade de expressão não é absoluta e deve
ser limitada quando houver abuso em seu exercício.
Destacaram a relevância da dignidade da pessoa humana como
fundamento da República (art. 1°, inciso III, da CF), deste modo, os ministros
indeferiram o HC pois as teorias anti-semitas publicadas por Ellwanger, sob o
disfarce de revisionismo histórico, ofendem a Constituição Federal, no que
26
concerne ao direito fundamental da dignidade da pessoa humana, de
cidadania e de igualdade, bem como afrontam os princípios do Estado
Democrático e Social de Direito.
2. CASO UBC RE – 201819, STF
2.1 Introdução
Afronta aos Direitos Fundamentais, tanto no âmbito do Direito Privado quanto
no Direito Público, ou seja, diz respeito não somente aos poder público, mas
também abarca nas relações entre particulares, pertencentes à autonomia
privada.
O Constitucionalismo contemporâneo caminha para a consagração do ―Due
process of Law”, princípio este que, expressamente previsto na Constituição
Pátria de 1988 – art. 5º, inciso LVI. Decorrência lógica deste princípio magno, são
as garantias constitucionais do Princípio do Contraditório e da ampla defesa
(art. 5º, inciso LV, da CF).
Demonstrar-se-á, a seguir, que a ordem jurídico-constitucional brasileira, luta
cada vez mais para a incidência dos princípios constitucionais, para que surtem
efeitos sobre a autonomia privada, para que, dessa forma, não sigam a revelia
dos limites postos na Constituição.
2.2 Desenvolvimento
Constitui-se se Recurso extraordinário elevado à examinante Seara (STF)
tratando-se de matéria Constitucional, que esta estritamente regula, disserta
somente destes apreços.
Em matéria Sociedade Civil. UBC. Exclusão de Sócio alegando descumprimento
de resoluções, desta entidade propositura de prejuízos Morais e Financeiros à
entidade. Direito Constitucional de Ampla Defesa desrespeito antes de concluir
pela punição à comissão especial tinha de dar oportunidade ao sócio de se
defender e realizar possíveis provas em seu
27
favor.7
A Recorrente (UBC), alega que é inaplicável ao caso o Princípio da Ampla
Defesa, aqui ressaltado neste aresto, pois não se trata de Órgão de
administração Pública e sim de entidade de Direito Privado -S/C- Dotada de
Estatutos e atos regimentares próprios que disciplinam seu relacionamento com
o Sócio.
O Recorrido(Sócio), requer à Estância Suprema de nossa República, que enseje
o Provimento ao acesso e a inclusão do Princípio do Contraditório e Ampla
Defesa a sua articulação de modo satisfatório e expressivo.
Após Recurso Votado por Ministros de tal Seara, deu Provimento a inclusão de
tal Princípio podendo o Recorrido ter total e ampla Defesa em tal situação. Caso
Julgado em transitado pelo 2° Colegiado do STF.
As razões recursais tem como base retratar a invocação do Direito
Constitucional em questão, Restringido, sendo este o Princípio do Contraditório
e da Ampla Defesa, amparado por Artigo Constitucional - ART- 5° inc. LV C.F/88.
2.3 Recurso Extraordinário
O RE no Direito Processual brasileiro, é o meio pelo qual se impugna perante o
Supremo Tribunal Federal, uma decisão proferida por um tribunal estadual ou
federal, por uma Turma Recursal de um Juizado Especial, sob alegação de
contrariedade direta e frontal ao sistema normativo estabelecido na
Constituição da República.
Conceito
O recurso extraordinário é um mecanismo processual que viabiliza a análise de
questões constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.
Para que o recurso chegue à Suprema Corte é necessário que o jurisdicionado
tenha se valido de todos os meios ordinários, ou seja, que tenha percorrido as
demais instâncias judiciais do País. Também se exige que o recorrente preencha
alguns requisitos legais para que o recurso extraordinário possa ser recebido pelo
STF.
7 Infringência ao princípio da Ampla Defesa. Cf. Artigo 5° inciso LV Constituição
Federal/1988.
28
Processo: RE 201819 RJ
Relator (a): ELLEN GRACIE
Julgamento: 11/10/2005
Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação: DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577
UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES - UBC
VERA LUCIA RODRIGUES GATTI E OUTROS
Parte(s):
ARTHUR RODRIGUES VILLARINHO
ROBERTA BAPTISTELLI E OUTRO
Ementa
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES.
EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO.
EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO
DESPROVIDO.
I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As
violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das
relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas
entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos
fundamentais assegurados pela Constituição, vinculam diretamente não
apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos
particulares em face dos poderes privados.
II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS
ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a
qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios
inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento
29
direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema
de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de
autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está
imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito
aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que
encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em
detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros,
especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia
da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e
atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas
pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se
impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de
liberdades fundamentais.
III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO
PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO.
EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO
LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO
CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante
em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em
relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode
denominar de espaço público, ainda que nãoestatal. A União Brasileira de
Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do
ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do
gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do
quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do
contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente
o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos
à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido
processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional
do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a
dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios
legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais
concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa
(art. 5º, LIV e LV, CF/88).
30
- VIDE EMENTA E INDEXAÇÃO PARCIAL: CARÁTER PÚBLICO, ATIVIDADE, UNIÃO
BRASILEIRA DOS COMPOSITORES, COBRANÇA, DIREITO AUTORAL,
CONFIGURAÇÃO, SERVIÇO PÚBLICO, DELEGAÇÃO LEGISLATIVA, CABIMENTO,
APLICAÇÃO DIRETA, DIREITOS FUNDAMENTAIS. PENALIDADE, UBC, IMPOSIÇÃO,
SÓCIO, CARACTERIZAÇÃO, EXCESSO, LIBERDADE, DIREITO DE ASSOCIAÇÃO. -
FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR, MIN. JOAQUIM BARBOSA: APLICABILIDADE,
DIREITO FUNDAMENTAL, ÂMBITO, RELAÇÃO PRIVADA, RELAÇÃO HORIZONTAL,
DECORRÊNCIA, ROMPIMENTO, BARREIRA, DIREITO PÚBLICO, DIREITO PRIVADO,
FENÔMENO, CONSTITUCIONALIZAÇÃO, DIREITO PRIVADO. - FUNDAMENTAÇÃO
COMPLEMENTAR, MIN. CELSO DE MELLO: EFICÁCIA HORIZONTAL, DIREITO
FUNDAMENTAL, RELAÇÃO, PARTICULAR, LIMITAÇÃO, AUTONOMIA, VONTADE.
NECESSIDADE, ASSOCIAÇÃO CIVIL, ENTIDADE CIVIL, SUBMISSÃO, PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL, NECESSIDADE, RESPEITO, CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA. -
VOTO VENCIDO, MIN. ELLEN GRACIE: INEXISTÊNCIA, VIOLAÇÃO, PRINCÍPIO DA
AMPLA DEFESA, EXCLUSÃO,
SÓCIO, OBSERVÂNCIA, PROCEDIMENTO, ESTATUTO, SOCIEDADE CIVIL, DIREITO
PRIVADO. AUSÊNCIA, PREJUÍZO ECONÔMICO, SÓCIO, POSSIBILIDADE,
RECEBIMENTO, DIREITO AUTORIAL, MEIO, ESCRITÓRIO CENTRAL DE
ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO, ECAD, EXISTÊNCIA, LIBERDADE, ASSOCIAÇÃO
PRIVADA, ORGANIZAÇÃO, FIXAÇÃO, NORMA, FUNCIONAMENTO,
RELACIONAMENTO, CONFORMIDADE, LEGISLAÇÃO CIVIL. - VOTO VENCIDO, MIN.
CARLOS VELLOSO: OFENSA INDIRETA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NECESSIDADE,
ANÁLISE, LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL, VERIFICAÇÃO, VIOLAÇÃO,
DEVIDO PROCESSO LEGAL, AMPLA DEFESA.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO
31
DECISÃO
Após o voto da Ministra-Relatora, conhecendo e dando provimento ao recurso
extraordinário, o julgamento foi suspenso, em virtude do pedido de vista
formulado pelo Senhor Ministro Gilmar Mendes. 2ª Turma, 08.06.2004. Decisão:
Depois do voto da Ministra-Relatora, conhecendo e dando provimento ao
recurso extraordinário, e do voto do Ministro Gilmar Mendes, negando-lhe
provimento, o julgamento foi suspenso, em virtude do pedido de vista formulado
pelo Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 16.11.2004.
Decisão: Depois dos votos da Ministra-Relatora e do Ministro Carlos Velloso,
conhecendo e dando provimento ao recurso extraordinário, e dos votos dos
Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa negando-lhe provimento, o
julgamento foi suspenso, em virtude do pedido de vista formulado pelo Ministro-
Presidente. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro
Gilmar Mendes. 2ª Turma, 26.04.2005. Decisão: Apresentado o feito em mesa
pelo Presidente da Turma, o julgamento foi adiado em virtude da ausência,
justificada, da Senhora Ministra-Relatora. Ausentes, justificadamente, neste
julgamento, os Senhores Ministros Carlos Velloso e Ellen Gracie. 2ª Turma,
27.09.2005. Decisão: A Turma, por votação majoritária, conheceu e negou
provimento ao recurso extraordinário, vencidos a Senhora Ministra-Relatora e o
Senhor Ministro Carlos Velloso, que lhe davam provimento. Redigirá o acórdão
o eminente Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, neste
julgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 11.10.2005.8
3. CASO AIR FRANCE RE – 161243, STF
8 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 201.819/RJ: União Brasileira
de Compositores UBC x Arthur Rodrigues Vilarinho. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Relator
para acórdão: Ministro Gilmar Mendes. Data de Julgamento: 11 de outubro de 2005.
Acórdão publicado no DJ de 27 de outubro de 2006.
32
3.1 INTRODUÇÃO
Vamos aqui, em singelas considerações discentes e a luz do Direito
Constitucional e dos Direitos fundamentais, analisar mais uma vez, como em
tantas outras e por tantos outros, que se ocupam das ciências jurídicas já o fora,
o recurso extraordinário supracitado. Mediante, um esforço grupal, bem como
uma inteiração a mais.
É certo que a possibilidade de aplicação do Direito Constitucional, estendendo-
nos aos Direitos Fundamentais, juntamente com a aplicação da ―Theoria
Horizontalem‖ .9
Antigamente se pensava que os direitos fundamentais incidiam apenas na
relação entre o Cidadão e o Estado. Trata-se da chamada ―Eficácia Vertical‖ ,
ou seja, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre o poder
―superior‖ (Estado) e um ―inferior‖ (Cidadão).
Podemos observar que os Direitos Fundamentais não se aplicam somente nas
relações entre o Estado e o Cidadão, mas também entre os particulares-
cidadãos. Sua origem tem como caso - líder o ―Caso Luth", julgado pelo
Tribunal Constitucional Federal Alemão em 1958.
Erich Luth era um crítico de cinema e conclamou os alemães a boicotarem um
filme, dirigido por Veith Harlam, conhecido Diretor da época do Nazismo.
Harlam e a distribuidora do filme ingressaram com uma ação cominatória
contra Luth, alegando que o boicote atentava contra a ordem pública, o que
era vedado pelo Código Civil Alemão.
Luth foi condenado nas instâncias ordinárias, mas recorreu a Corte
Constitucional. Ao fim, a queixa constitucional foi julgada procedente, pois o
Tribunal entendeu que o direito fundamental à liberdade de expressão deveria
prevalecer sobre a regra geral do Código Civil que protegia a ordem pública.
Esse foi o primeiro caso que decidiu pela aplicação dos direitos fundamentais
também nas relações entre particulares. Por isso, e nesse intuito, o contexto
seguir, vem repetir e aplicar, esta possibilidade jurídica, no Brasil.
9 Em meados do século XX, surgiu na Alemanha a Teoria da Eficácia Horizontal, que
defendia a incidência destes também nas relações privadas, ou seja, entre particulares.
Também chamada de “Efeito Externo”, bem como, surte eficácia dos Direitos
Fundamentais, contra terceiros.
33
3.2 DESENVOLVIMENTO
Joseph Halfin ajuizou uma reclamação trabalhista contra a Compagnie
Nationale Air France, para a qual trabalhou durante 34 anos buscando a
nulidade de rescisões contratuais, bem como da opção pelo FGTS, e os demais
direitos amparados pela legislação trabalhista e pelo Estatuto de Pessoal da
empresa francesa. A 28º JCJ/RJ julgou procedente, em parte, a ação para
condenar a empresa a pagar as diferenças referentes ao FGTS não depositadas
em sua conta vinculada, mais os acréscimos legais. Tendo o reclamante
recorrido da decisão, quanto à aplicação dos Estatutos da Empresa, o acórdão
concluiu que, não sendo o cidadão francês, não faz jus ao que pretende. Assim,
o recorrente interpôs recurso extraordinário, fundado num dos direitos
fundamentais, o direito à igualdade (art. 102, III, a, CF), alegando que o acórdão
citado violou a mesma Carta.
O devido processo legal, como garantia estabelecida no sentido de resguardar
os direitos inerentes ao ser humano, foi consolidado e firmado ao longo da
história da humanidade. Funciona como limitação aos três poderes do Estado,
sendo o instrumento-garantia do pacto abstrato ao qual se submetem cidadãos
e governantes em prol da paz social. O devido processo legal assegura a todos
os cidadãos o correto rito judicial, obedecendo aos mecanismos jurídicos de
acesso e desenvolvimento do processo, previamente estabelecidos em lei e
tomando por base os direitos e garantias fundamentais.
Como afirma Paulo Bonavides, "as garantias constitucionais se tornaram
uma espécie de escudo da personalidade contra os desvios de poder do Estado
ou se converteram historicamente no símbolo mais positivo e prestigioso de
caracterização jurídica do Estado liberal".10 O devido processo foi invocado
nesse caso, atuando tanto no âmbito material de proteção aos direitos
fundamentais, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de
condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa.
A empresa "Air France". Tendo a decisão do acórdão sido improcedente em
relação à aplicação do Estatuto de Pessoal da empresa francesa no citado
caso, tomando como justificativa o fato de não ser o reclamante um cidadão
francês, o mesmo interpôs um recurso extraordinário tendo como base um dos
10 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, SP: Malheiros, 2001, p.
37.
34
direitos fundamentais, o direito à igualdade, fundamentando ter o acórdão
violado a Constituição. Como meio de defesa, os direitos fundamentais podem
ser opostos contra pessoas privadas, no seguinte caso, a pessoa jurídica, a
empresa "Air France".
O fato de ser ou não um cidadão francês, ou seja, o aspecto da
nacionalidade, neste caso, não permite que haja diferenciação quanto ao
tratamento dispensado ao mesmo em relação a seus companheiros, o que
garante a inconstitucionalidade da decisão e a obrigação da empresa em
garantir a aplicação do mencionado Estatuto.
Em relação ao princípio da igualdade, por exemplo, entendeu o Supremo
Tribunal Federal que "a igualdade perante a lei, que a Constituição assegura a
brasileiros e estrangeiros residentes no país, não compreende a União e as
demais pessoas de direito público interno, em cujo favor pode a lei conceder
privilégios impostos pelo interesse público sem lesão à garantia
constitucional".11
Contudo, há que se perquirir se tal tratamento desigualitário na relação
processual impõe ônus excessivo ao administrado que fica em situação inferior
de direito no processo (destaca-se a igualdade entre as partes). Já tomando
como base o principio da legalidade, para o Poder Público, o Estado, por seus
agentes, só pode agir quando incidir a hipótese legal, cabendo ao indivíduo o
principio da legalitariedade ou da autonomia da vontade, ou seja, o mesmo
pode fazer de tudo, desde que a lei não proíba.
A discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impede que exista uma
adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão
diferencial que lhe serviu de supedâneo. A discriminação que se baseia em
atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como sexo, raça,
nacionalidade, etc., é inconstitucional quando não há essa relação entre o
atributo ou qualidade e a razão pelo qual foi possível usá-lo como elemento
diferenciador.
Afinal, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se
desigualam, é exigência tradicional do conceito de Justiça. Ao afirmar que
todos são iguais perante a lei, quer dizer a Constituição que somente ela pode
criar tratamento desigual para pessoas em igualdade de condições. A
11 Cf. SLAIBI FILHO, Nagib. Anotações da Constituição de 1988 – Aspectos Fundamentais.
Rio de Janeiro, RJ: Forense, 1992.
35
Constituição previu igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades
virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei,
em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa
forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações
absurdas.
A própria Constituição estabelece que determinados cargos só podem ser
providos por brasileiros natos (justifica-se isso a linha sucessória do presidente, e
por motivos de segurança nacional, como diplomatas e oficiais das Forças
Armadas), enquanto outros por natos ou naturalizados, certo que estrangeiros,
naturalizados brasileiros, nacionais brasileiros passam a ser. No entanto, quando
a Constituição quis fazer essas discriminações, ela o fez, mas o principio do nosso
sistema é o da igualdade de tratamento.
Em relação ao gênero, "homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, nos termos desta Constituição". Mais relevante ainda é que não se
trata aí de mera isonomia formal, não é igualdade perante a lei, mas igualdade
em direitos e obrigações. Aqui também só valem as discriminações feitas pela
própria Constituição e sempre em favor da mulher, como, por exemplo, a
aposentadoria da mulher com menor tempo de serviço e de idade que o
homem (arts. 40, III; e 202, I a III, CF).
O Ministro aponta a discriminação com base na nacionalidade,
especificamente em relação a determinados cargos que só podem ser providos
por brasileiros natos (art. 12, §3º, CF). Ressalta-se que a regra é que todos sejam
iguais perante a lei e quando a Constituição quis limitar-lhe o acesso a algum
direito, expressamente o estipulou. Há, ainda, outras hipóteses de tratamento
diferenciado em relação à nacionalidade, quais sejam: função (art. 89, VII, CF),
extradição (art. 5º, LI, CF), e propriedade de empresa jornalística e de
radiodifusão sonora e de sons e imagens.
Outros tipos de discriminação, além da nacionalidade são, por exemplo,
a limitação de idade em concurso público, que só se legitima em face do art.
7º, XXX, CF, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo
a ser preenchido. Há ainda a discriminação que tem por base o gênero. Assim,
além dos tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos pela
própria Constituição (arts. 7º, XVIII, XIX; 40, §1º; 143, §1º e 2º; 201, §7º, CF), poderá
a legislação infraconstitucional pretender atenuar os desníveis de tratamento
em razão do sexo.
36
De acordo com o conceito adotado pelo Supremo Federal, "a lei não pode
conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a
traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não
houve adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado
aos que se inserem na categoria diferenciada" (Ministro Carlos Velloso).
Lembrando-se que a prática da igualdade está em tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais. O acórdão fundou-se em atributo,
qualidade, nota intrínseca do recorrente, qual seja a sua nacionalidade,
tratando-se, realmente de discriminação proibida, ressaltando-se o fato que
brasileiros e franceses, empregados da empresa francesa sujeita às leis
brasileiras, não exerciam, uns em relação a outros, tarefas diferentes, ou seja,
mais importantes ou mais difíceis, uns em relação aos outros.
O fator utilizado, unicamente a nacionalidade, assim, torna ilegítima, sob
o ponto de vista constitucional a discriminação. E não havendo fatores que
justificassem o tratamento diferenciado, tem-se que foram tratados
desigualmente, o que é ofensivo ao principio isonômico que a CF consagra.
O direito à igualdade atua de forma extremamente importante neste caso,
fundamental. Ao recorrente, unicamente por não ser francês, não obstante
trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do
Pessoal de Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja
aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa,
gerando uma ofensa ao principio da igualdade. O principio geral do nosso
sistema é o da igualdade de tratamento.
Em conseqüência, não pode uma empresa, no Brasil, seja nacional ou
estrangeira, desde que funcione e opere em território nacional, estabelecer
discriminação decorrente de nacionalidade para seus empregados, em
regulamento de empresa, a tanto correspondendo o estatuto dos servidores da
empresa, tão-só pela circunstância de não ser um nacional francês.
Tendo o recurso extraordinário sido encaminhado ao Supremo Federal, com a
justificativa de ser a decisão inconstitucional, já que a mesma contraria um dos
direitos fundamentais, o direito à igualdade.
Assim como, verificado o fato de ter sido a decisão baseada unicamente
no quesito nacionalidade, sendo esta qualidade intrínseca à pessoa, e não
tendo a Constituição, nesse caso, feito exceção em relação à essa
característica, observa-se expressamente uma discriminação proibida, que vai
de encontro a essa mesma Carta, que tem como regra a igualdade de
37
tratamento para todos. Dessa forma, decidiu o Supremo Federal em conhecer
do recurso extraordinário e lhe dá provimento, para determinar a aplicação ao
recorrente do Estatuto do Pessoal da empresa francesa.
CONCLUSÃO
Nesses de dias de aceleradas transformações, grandes revoluções, velozes
evoluções e necessárias adequações, estamos nós, principalmente os iniciantes
no Direito, observando o Constitucionalismo do Direito. Onde o Direito
Constitucional e o Direito Fundamental, assumem postura de proporção basilar.
Em face de um Estado liberal. Bastante merecedor de limites. Notadamente
quando assume a posição de tutor do Direito.
Contudo, passando a lidar com a cidadania de cada um de seus entes, de
cada cidadão, contemplando ele, Estada Liberal, a dimensão da dignidade da
pessoa humana. Valor-fonte que informa todos os outros valores, seja de cunho
constitucional, tanto quanto de cunho fundamental.
3. CASO AIR FRANCE RE – 161243, STF
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Serviço de Jurisprudência – D. J. 19121977 – Ementário nº1896-04
291001996 – Segunda Turma
RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 161.243-6
RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
RECORRENTE: JOSEPH HALFIN
ADVOGADOS: ROBERTO DE FIGUEIREDO CALDAS E OUTROS
RECORRIDA:COMPAGNIE NATIONALE AIR FRANCE
ADVOGADOS:FERNANDO NEVES DA SILVA E OUTROS
38
EMENTA
CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR
BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL
DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR
BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput.
I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa
francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que
concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao
empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade:
C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput).
II. - A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou
extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo
religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846 (AgRg)-PR,
Célio Borja, RTJ 119/465.
III. - Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso.
IV. - R.E. conhecido e provido.
ACÓRDÃO
RE 161243 ED ANO-1998 UF-DF TURMA-02 N.PP-007 Min. CARLOS VELLOSO
DJ 29-05-1998 PP-00009 EMENT VOL-01912-02 PP-00228
4. DIREITO AO ESQUECIMENTO RESP - 1334097, STF;
4.1 CHACINA DA CANDELÁRIA
Rio de Janeiro, Praça da Candelária, 23 de julho de 1993, uma noite marcada
pela barbárie e pela covardia. Oito jovens foram assassinados enquanto
dormiam sob a marquise da igreja. Todos eram rapazes sem teto, negros ou
pardos, exemplos exatos de excluídos sociais. Seus assassinos chegaram num
Chevette e um táxi disfarçado. Atiraram à queima roupa, sem chance de
defesa. As vítimas fatais foram:
39
- Paulo Roberto Oliveira - 11 anos
- Anderson Oliveira Pereira - 13 anos
- Marcelo Cândido de Jesus - 14 anos
- Valdevino Miguel Almeida - 14 anos
- ―Gambazinho‖ - 17 anos
- Leandro Santos Conceição - 17 anos
- Paulo José da Silva - 18 anos
- Marcos Antonio Alves da Silva - 19 anos.
Alvejado com quatro tiros Wagner dos Santos conseguiu sobreviver tornando-
se a principal testemunha.
O nebuloso inquérito que se seguiu ao crime acusou precipitadamente três
pessoas: Cláudio dos Santos, Marcelo Cortes(policiais militares) e o serralheiro
Jurandir Gomes França. Permaneceram três anos presos até a confissão do PM
Nelson Cunha que apontou seus comparsas, também policiais; Marco Aurélio
Alcântara, Marcos Vinicius Emmanuel Borges e Mauricio da Conceição. Foram
condenados respectivamente a 300, 243 e 204 anos de prisão. Todos se
encontram em liberdade atualmente.
O Ministério Público sabia da participação de outros assassinos, mas
jamais conseguiu identificá-los. A real motivação da chacina também nunca foi
esclarecida. Ficou apenas a certeza de um extermínio de gente pobre e
vulnerável.
Em 27 de julho de 2006, o programa ―Linha Direta – Justiça‖ da TV Globo
reconstituiu o caso. Gerando nova polêmica ao citar Jurandir Gomes de França
que fora inocentado, a pedido da promotoria, durante o processo. Jurandir
recorreu até o STF pelo direito ao esquecimento, na suprema corte teve seu
pleito atendido.
O Estado e a sociedade brasileira não tem o direito de esquecer a Chacina da
Candelária nem deixar que se repita como já aconteceu em Vigário Geral,
Corumbiara, Eldorado de Carajás e tantos outros.
4.2 Direito ao Esquecimento
40
Ação
Jurandir Gomes de França ajuizou ação de reparação de danos morais em
face de TV globo. Informou o autor ter sido indiciado como coautor/partícipe
da sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993 na cidade do Rio
de Janeiro, conhecidos como chacina da candelária, mas que, ao final
submetido a júri foi absolvido por negativa de autoria pela unanimidade dos
membros de conselhos de sentença.
Noticiou que a ré, o procurou com o intuito de entrevistá-lo em programa
televisivo (linha direta-justiça), tendo sido recusada a realização da referida
entrevista, e mencionado o desinteresse em ter sua imagem apresentada em
rede nacional.
Porém em junho de 2006, foi ao ar o programa, tendo sido o autor apontado
como um dos envolvidos na chacina, mas que fora absolvido. Treze anos depois
do fato, levou-se a pública situação que já havia superado reacendendo na
comunidade onde residia a imagem de chacinador e o ódio social, ferindo seu
direito à paz, anonimato e privacidade pessoal, com prejuízos diretos também
a seus familiares.
Alegou que essa situação o prejudicou sobremaneira em sua vida profissional,
não tendo mais conseguido emprego, além de ter sido obrigado a desfazer-se
de todos os seus bens e abandonar a comunidade para proteger a segurança
de seus familiares.
A exposição de sua imagem e nome mencionado no programa foi ilícita e
causou-lhe intenso abalo moral, então o autor proclamava o direito ao
esquecimento. Pleiteou a indenização no valor de 300(trezentos) salários
mínimos.
O juízo de direito da comarca do Rio de Janeiro, julgou improcedente o
pedido indenizatório, mas a sentença foi reformada em grau de apelação. Ou
seja, perdeu em primeira instancia e ganhou em grau de apelação.
Em seguida a rede Globo recorre ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), onde os
embargos infringentes e embargos de declaração foram rejeitados. Sobreveio
assim o recurso especial. E os ministros da 4º turma do STJ por unanimidade
negou provimento ao recurso especial e condenou a emissora a pagar o valor
de R$ 50 mil de indenização por danos morais.
41
4.3 VOTOS
Negou provimento ao recurso especial e os votos:
Segundo o Relator:
LUIZ FELIPE SALOMÃO, ele aponta para uma percepção invertida dos fatos pela
sociedade, pois, a vinculação do programa, antes de se enxergar um inocente
injustamente acusado, visualiza um culpado acidentalmente absolvido. Negou
provimento ao recurso especial.
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTI, negou provimento ao recurso especial,
fundamentando que o programa deveria ter sido apresentado, mas não ter
citado o nome e imagem do autor contra sua vontade.
MINISTRO MARCO BUZZ, fundamentou que os fatos apresentados no programa
foram verídicos, mas ele causou prejuízos ao Jurandir, causando desconfiança
aos que o cercavam. Negou provimento ao recurso especial. MINISTRO
ANTONIO CARLOS FERREIRA, apoiou os dois votos anteriores, do ministro Marco
Buzz, e da Ministra Maria Isabel Galloti, Negou também provimento ao recurso
especial.
A data do julgamento foi em 25 de maio de 2013.
4.4 LIBERDADE DE IMPRENSA
Liberdade de Imprensa versus Direito Individuais Fundamentais e a
resolução de conflitos entre direitos fundamentais
Um dos temas mais discutidos, porém, atuais, é a questão da resolução de
conflitos na existência de colisão entre direitos individuais fundamentais, ou seja,
constitucionalmente previstos, e as os direitos concernentes às mídias e meios
de imprensa.
A liberdade de expressão e o direito à preservação da imagem são constituídos
sob forma de regras, todavia, por estarem garantidos constitucionalmente
como direitos individuais, acabam tendo força e sendo considerados como
princípios. Quando tais direitos, considerados tendo força de princípios, entram
em colisão, é necessário que se observe o interesse da sociedade acima de
42
tudo. Por serem, então, princípios, quando em concorrência, nunca se excluem.
As regras, por sua vez, como já explicado no item acima, quando colisão, se
excluem, não podendo haver regras conflitando. Deve ser observado o que
melhor se aplica ao caso concreto.12
Cabe ressaltar as disposições do Parágrafo 1º do artigo 220 de nossa
Constituição Federal, que assim dita o Art. 220. A manifestação do pensamento,
a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo
não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição § 1º -
Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação
social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
Tendo isto em vista, podemos deduzir que a liberdade de informação
jornalística, ou seja, a liberdade da livre expressão por parte dos meios da
comunicação devem ser respeitadas e exercidas de forma livre, devendo ser
observados os dispostos no que se refere à livre manifestação do pensamento;
ao direito de resposta quando determinada pessoa sentir-se atentada por
publicação realizada por meio de imprensa; as disposições sobre os direitos
pessoais de garantia à intimidade, à vida privada, à conservação da imagem
e à preservação da honra; ao direito da livre escolha ao trabalho; e, o direito a
ter acesso à informação.
Então, chegamos à conclusão de que dentro deste mesmo dispositivo, dois
direitos fundamentais que entram em colisão com frequência devem ser
observados em face à liberdade de imprensa, são eles: o direito à livre
manifestação do pensamento e o direito à preservação dos direitos pessoais. Aí
está o cerne da principal dúvida aqui suscitada: em caso de conflitos, qual
direito deverá prevalecer, já que se trata de colisão de princípios e não há uma
hierarquia pautada entre eles.
Como não é possível aplicar qualquer norma referente à hierarquia entre tais
direitos, a colisão em questão se resolve, então, pela ponderação no caso
concreto a ser analisada pelo aplicador da lei, devendo ser observados os
critérios que melhor socorrerão aos interesses públicos.
12 BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da
personalidade. Critérios de ponderação. Artigo - Interpretação constitucionalmente
adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista de Direito Privado. São Paulo:
Revista dos Tribunais, n.18, abr./jun 2004.
43
A situação de tensão entre os direitos fundamentais individuais e os
concernentes à livre manifestação e expressão é debatido há muitos anos nos
tribunais brasileiros, bem como nos tribunais dos demais países. O que se é certo
é que não se deve estabelecer um parâmetro para a solução adequada dos
conflitos entre tais direitos, uma teoria fixa e absoluta. O legislador, ao aplicar a
lei, deve analisar a situação concreta, visando a relevância daquilo que foi
divulgado dentro da sociedade.
No caso do direito à imagem, já foi discutido no item 4.2. acima, a necessidade
em se obter a concessão ao uso da imagem do particular antes de realizar
qualquer publicação a utilizando.
Todavia, existem algumas exceções quanto à disposição da imagem que serão
a seguir tratadas.
O direito à honra, como os demais direitos da personalidade, não é absoluto,
nem ilimitado. Prova disto encontramos na legislação penal pátria, pelo qual o
limite da honra resta estabelecido, em alguns casos, pela exceptioveritatis, ou
seja, a exceção da verdade, por meio da qual o agente deve provar a
veracidade do fato que imputou.
No que se refere em especial à proteção da honra, uma informação divulgada
que a afete não necessariamente será considerada realizada de maneira ilícita.
Caso a informação que atinge a honra de outrem seja referente a fatos de
relevância pública, e havendo interesse legítimo dos membros da sociedade
quanto àquela notícia, esta divulgação está sendo realizada de maneira lítica
e legítima.
Ainda, mostra-se razoável, a diminuição da proteção ao direito à honra de
determinada pessoa pública, principalmente quando há a necessidade de
transparência na divulgação de algum ato praticado por entes públicos, não
se enquadrando nos tipos penais referentes à injúria, calúnia e/ou difamação.
Estas informações, justamente por se referirem aos entes públicos, são de
extremo interesse por parte dos membros da sociedade, sendo que a
necessidade de sua divulgação e o respeito à liberdade de imprensa neste caso
é superior aos direito à honra por parte da pessoa citada.
No que se refere às pessoas públicas ou notórias, como atores, cantores,
poetas, entre outros, esta própria condição já traz à elas a limitação para negar
que sua imagem seja exposta de forma ilimitada. Algumas pessoas acreditam,
equivocadamente, que tais indivíduos, por terem conhecimento público, não
44
possuem direito à preservação da imagem e à intimidade por serem públicas,
porém, isto não corresponde à verdade. Neste sentido, Celso Ribeiro Bastos
disserta em sua obra:
É crucial que estas pessoas que profissionalmente estão ligadas ao público, a
exemplo dos políticos, não possam reclamar um direito de imagem com a
mesma extensão daquele conferido aos particulares não comprometidos com
a publicidade. Isso não quer dizer que estas pessoas estejam sujeitas a ser
filmadas ou fotografadas sem o seu consentimento em lugares não públicos,
portanto, privados, e flagradas em situações não das mais adequadas para o
seu aparecimento.
Tendo em vista o acima exposto, podemos considerar que, ao tornar-se de
notório conhecimento da sociedade devido à sua profissão, uma pessoa
pública não poderá reclamar em juízo caso uma foto sua seja divulgada sem o
seu consentimento. Este caso é excepcionado quando a captação da imagem
da pessoa ocorreu de forma indevida quando ela estava em um local privado,
no jardim de sua casa, por exemplo, ou ainda, realizando algum ato ou diante
de determinadas situação que não seja adequada para a sua imagem.
É o caso, por exemplo, da filmagem realizada da apresentadora Daniella
Cicarelli em cenas íntimas com seu ex-namorado em uma praia européia que
chegou a ser divulgada em diversos sites e programas de televisão ao redor do
mundo, porém, que a retratavam em um momento nada adequado para a sua
imagem, e que também não possuía nenhum fundamento para ser divulgado,
já que não trazia consigo nenhum interesse social.
Todos devem estar protegidos pela Constituição Federal, seja esta pessoa
pública ou não. Caso a reportagem em que houve a divulgação tenha apenas
fins lucrativos, e não seja de relevante informação relevante, o uso da imagem,
mesmo que de um indivíduo público, sem que haja o consentimento para tal,
pode ser motivo para o ressarcimento à esta pessoa que teve sua imagem
divulgada inadequadamente.
Já no que se refere às pessoas que não são públicas, como visto, há a
necessidade na concessão da sua imagem para que esta possa ser divulgada.
Contudo, é excepcionado o caso de uma pessoa ter uma imagem
capturada em um local público, sem que haja prejuízo a ela, e sem que esta
sua imagem seja o objeto da divulgação. É o exemplo da pessoa que está em
um estádio de futebol e a câmera de uma emissora capta a sua imagem em
zoom e transmite durante a transmissão do jogo.
45
A imagem desta pessoa não é o objeto da divulgação, não se está
violando o seu direito de imagem, tal pessoa está em local público e já estava
sujeita a ter a sua imagem divulgada, por se tratar de evento onde há
acompanhamento pelas mídias e registros por vários meios, como câmeras
fotográficas, rádio, televisão, etc.
Todavia, se tratando de uma pessoa privada que tem a sua imagem divulgada
de forma danosa e sem o seu devido consentimento, mesmo que em local
público, tal indivíduo possui o direito a ser ressarcido por parte do órgão que
realizou a divulgação. Por exemplo, se uma mulher está na praia tomando
banho de mar e após ser atingida por uma forte onda a parte de cima do seu
biquíni cai, deixando seus seios expostos, e naquele momento um fotógrafo
estava fotografando a paisagem, e aproveitando-se daquela situação tira
diversas fotos da mulher, e depois divulga tais fotos em seu blog em um post
sobre mulheres fazendo topless nas praias brasileiras.
Obviamente esta é uma situação hipotética, todavia, caso acontecesse,
estaria, claramente, violando os direitos individuais da imagem, da intimidade e
da honra daquela mulher, entre outros.
Tendo tudo o acima exposto, chegamos à conclusão de que para evitar a
ocorrência de colisões entre direitos fundamentais, e possíveis sanções importas
às mídias por violares direitos individuais alheios, os meios de Imprensa devem,
ao exercer a sua atividade, observar acima de tudo a sua função social e o
interesse público ao receber aquela informação.
De nenhuma maneira a Imprensa deve sofrer qualquer tipo de censura ou ser
submetida ao controle direto por parte do Estado. Os meios de imprensa são de
grande utilidade em nossa sociedade, estreitam laços entre os povos, entre os
Estados e Países, e estão presentes a quase toda população brasileira.
Devido a isto verificamos que a Imprensa exerce grande poder sobre a nossa
sociedade, porém, dever exercer este poder de forma contida, cumprindo com
o seu poder dever de prestar informações aos indivíduos sociais, cumprindo com
sua obrigação em verificar a veracidade das informações divulgadas e não
abster-se em detalhar a notícia de forma precisa, obedecendo, assim, ao direito
das pessoas em receber informações verdadeiras, para que esta seja capaz em
formar a sua própria opinião através dos fatos narrados e escolher quais
informações gostaria de receber. A postura sensacionalista, por sua vez, que
algumas mídias tomam é completamente descabida e viola os direitos de
informação do indivíduo social.
46
Cabe salientar que os conflitos de direitos fundamentais não ocorrem única e
exclusivamente entre os meios de imprensa e as pessoas físicas. A pessoa
jurídica, por exemplo, é detentora do direito à imagem, e, caso um meio de
imprensa divulgar uma notícia acusando, sem provas, que determinada
empresa está cometendo crimes ambientais, por exemplo, esta empresa terá a
sua imagem violada, e além de estar sofrendo crime de calúnia, terá o direito à
ser devidamente ressarcida, tendo, conforme decidir o juiz, inclusive, o direito à
resposta ou exigência de que o meio divulgador da notícia se retrate.
Outro exemplo que podemos dar é a ―guerra‖ ocorrida há alguns anos entre
a Rede Globo de Televisão e a Rede Record de Televisão, onde a primeira
divulgou reportagem em seu principal jornal, no horário nobre da televisão,
alegando que o proprietário da Record, que é bispo, estava desviando verbas
tanto da emissora, quanto da própria igreja evangélica.
A segunda emissora, por sua vez, para tentar ―se vingar‖ prolatou diversas
reportagens contra à Globo. Esta ―batalha‖ não só não tem fundamento,
como prejudica os direitos da sociedade em ter acesso às informações. Os
meios de imprensa devem sempre atentar-se para a defesa do interesse
público, evitando publicar qualquer reportagem que vá contra este princípio, e
acabe manipulando o pensamento das pessoas.
Novamente ressaltamos que as informações prestadas pela mídia devem
sempre ser verdadeiras, ou terem sido investigadas previamente à sua
publicação, caso contrário, quem terá os seus direitos fundamentais feridos será
a população.
Cabe salientar, todavia, que os meios da imprensa possuem uma função social,
como dito anteriormente, devendo cumpri-la de modo a prestar à sociedade
todas as informações relevantes e de interesse público. De nenhuma maneira a
Imprensa, como aqui já explanado. A sua importância dentro de nossa
sociedade é imensurável.
Contudo, a sua atividade não deve ser realizada de maneira abusiva,
devendo-se sempre zelar pelo interesse social e pelos direitos que as pessoas
possuem em ser informadas e receber informações verdadeiras, completas. Por
muitas vezes é possível verificar atitudes por parte dos órgãos de comunicação
que, implicitamente, desejam manipular a opinião e pensamento das pessoas,
o que não é certo, já que é do direito de todos receber as devidas e necessárias
informações para formar os seus próprios pensamentos, escolhendo as
informações que irão acessar através de uma atitude pessoal, e não imposta a
47
ele através da privação de ser informado adequadamente pelos meios da
imprensa.
Como explanado no item 4.2 acima, a própria Constituição Federal prevê, em
seu artigo 5º, inciso V, o direito à resposta quando determinado indivíduo (não
se limitando à pessoas físicas, mas também às pessoas jurídicas) sentir-se
ofendido e desrespeitado em seus direitos fundamentais garantidos devido à
publicação realizada por um veículo de Imprensa.
Neste caso, o juiz determinará se cabe ou não o direito à resposta, ou se a mídia
deve se retratar (salientando-se que este direito só será concedido quando não
tiver sido verificada a retratação espontânea por parte do comunicador). Neste
sentido, usa-se o exemplo da jurisprudência exposta abaixo, que, no caos, trata
de direito de resposta concedido em razão de propaganda eleitoral:
4.5 ELEIÇÕES 2010 - DIREITO DE RESPOSTA - IMPRENSA ESCRITA. COMPETÊNCIA.
OFENSA. DEFERIMENTO.
1. Competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar direito de
resposta. Sempre que órgão de imprensa se referir de forma direta aos
candidatos, partidos ou coligações que disputam o pleito, haverá campo para
atuação da Justiça Eleitoral nos casos em que o direito de informar tenha
extrapolado para a ofensa ou traga informação inverídica.
2. Garantias constitucionais da livre expressão do pensamento, liberdade
de imprensa e direito de crítica não procedem. Nenhum direito ou garantia é
absoluto (HC 93250, rei. mm. Elien Gracie, DJe 27.6.2008; RE 455.283 AgR, rei. mm.
Eros Grau, DJ 5.5.2006; ADI 2566/MC, rei. mm. Sydney Sanches, DJ
27.2.2004).
3. Extrapola o limite da informação reportagem que analisa o conteúdo de
frase proferida por candidato, anteriormente considerada como ofensiva pela
Justiça Eleitoral, para atribuir-lhe veracidade. A afirmação que atribui a Partido
Político associação com narcotráfico abre espaço para o direito de resposta.
4. O texto da resposta deve ser proporcional à ofensa e não deve conter
provocações ou matérias que traduzam apologia ao Estado, em virtude do
caráter impessoal que deve prevalecer na condução da coisa pública.
48
4.6 DOUTRINAS
O chamado ―direito ao esquecimento‖ chegou ao Brasil. Dito de outro modo,
ele chegou à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em 2013. Na sessão
de 28.5.2013, a Quarta Turma do STJ apreciou o RESP 1335153/RJ, publicado no
Diário de Justiça eletrônico de 10 de setembro de 2013, relativo a um célebre
caso criminal da segunda metade do século XX, que envolveu a senhora Aída
Curi, e o RESP 1334097/RJ, estampado no mesmo Diário de Justiça eletrônico,
que teve como subjacente outro caso de Direito Penal, desta vez sobre a
tristemente célebre chacina da Candelária. O ministro Luís Felipe Salomão foi o
relator dos dois acórdãos. No primeiro (o RESP 1335153/RJ), divergiram os
ministros Maria Isabel Gallotti e Marco Buzzi, ao passo em que, no segundo, a
votação foi unânime.
O interesse doutrinário pelo tema, contudo, não é recente. Desde o início da
década de 1990, encontram-se artigos e livros no Brasil que cuidam, de modo
direto ou incidental, do ―direito ao esquecimento‖ . É conveniente e honesto
em termos intelectuais fazer um rápido inventário dessas contribuições.
Em 1993, Edson Ferreira da Silva, no artigo Direitos de personalidade: Os direitos
de personalidade são inatos?, 13 e, em 1996, Luís Alberto David Araújo, na
monografia A proteção constitucional da própria imagem, divulgaram entre nós
o pensamento de Raymond Lindon e incluíram o ―direito ao esquecimento‖ no
conceito de vida privada, ao lado de identidade; lembranças pessoais;
intimidade do lar; saúde; vida conjugal; aventuras amorosas; lazeres; vida
profissional e segredo dos negócios.14
No ano de 1994, o então juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Sidnei
Agostinho Beneti, escreveu um artigo sobre A Constituição e o sistema penal.
Nesse texto, o hoje ministro do Superior Tribunal de Justiça citava excerto do
ministro Francisco Rezek, que apontava a existência ―de um dos direitos
importantes adquiridos pela sociedade no decorrer dos séculos — que é o
direito ao esquecimento dos delitos por intermédio da prescrição‖ .15 Embora o
autor não aludisse diretamente ao atual ―direito ao esquecimento‖ ,
13 SILVA, Edson Ferreira da. Direitos de personalidade: Os direitos de personalidade são
inatos? Revista dos Tribunais, v. 694, agosto, 1993, p. 21. 14 ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem: pessoa física,
pessoa jurídica e produto. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 37. 15 BENETI, Sidnei Agostinho. A Constituição e o sistema penal. Revista dos Tribunais, v. 704,
junho, 1994, p. 296.
49
encontrava-se a idéia de que os malfeitos passados não se poderiam dilatar na
memória das gentes de modo eterno.
Têmis Limberger, em 2002, palestrou no 6o Congresso de Direito do Consumidor,
sobre o tema As informações armazenadas pela instituição bancária e o direito
à intimidade do cliente, no qual a autora analisou, de modo lateral, o ―direito
ao esquecimento‖ . Sua referências teóricas eram as doutrinas italiana
(Giovanni B. Ferri), norte-americana e espanhola. Para Têmis Limberger, o
―direito ao esquecimento‖ integrava o âmbito de proteção normativo
conferido à intimidade do cliente bancário. Em sua leitura, ―[o] direito ao
esquecimento é o ‗derechoal olvido‘, presente no direito espanhol. Constitui-se
em um aspecto das prestações do direito à intimidade‖ . No Direito brasileiro,
seu fundamento, em relação ao consumidor bancário, estava no artigo 43,
parágrafo 1º, 2ª parte, do Código de Defesa do Consumidor, limitaria a 5 anos
o prazo de armazenamento de informações cadastrais. Desse modo, ―(...) os
dados podem ser guardados por determinado tempo, mas não utilizados
eternamente‖ .
No ano de 2004, em comentários à Lei de Imprensa, posteriormente declarada
pelo Supremo Tribunal Federal como não recebida pela Constituição de 1988,
Carlos Affonso Pereira de Souza escreveu sobre o ―interesse público sobre fatos
criminosos e seus autores‖ . Nesse item, ele ressaltou que o jornalista, ao cobrir
fatos criminosos, deve levar em conta o ―direito ao esquecimento‖ , ―que
favorece o condenado, visando a sua melhor ressocialização, depois de
cumprida a pena que lhe foi imposta‖ . Em reforço a sua tese, o autor citou o
artigo 21, parágrafo segundo, da Lei de Imprensa, que vedava a divulgação ou
a transmissão de fato delituoso cujo autor já tenha sido condenado e cumprido
a pena, com a ressalva do interesse público. O suporte fático desse ―direito ao
esquecimento‖ , todavia, não é amplo o suficiente para açambarcar ―crimes
históricos, como os grandes genocídios‖ , dado que seus autores e as
circunstâncias envolventes desses delitos ―entraram para os anais da história,
sendo assim permitido que a liberdade de expressão se manifeste de forma mais
ampla e explore o evento em prol do interesse público‖ .16
16 SOUSA, Carlos Affonso Pereira de. Arts. 49 a 77. In: CRETELLA NETO, José (Coord).
Comentários à lei de imprensa : Lei nº 5.250, de 09.02.1967 e alterações interpretadas à
luz da Constituição Federal de 1988 e da emenda constitucional nº 36, de 28.05.2002.
Rio de Janeiro: Forense, 2004. Item 202.2.
50
Radicada nos direitos da personalidade, a questão transitava entre o Direito do
Consumidor e o Direito Penal, com fortes conexões com o prazo de
armazenamento de dados individuais.
Em estudos mais recentes, encontram-se as seguintes posições doutrinárias
sobre o ―direito ao esquecimento‖ :
Os atuais contornos do desenvolvimento tecnológico, relativamente aos dados
telemáticos e informáticos, não permitem o exercício pleno do ―direito ao
esquecimento‖ .17
Os dados pessoais, que se tornem públicos, ―não devem ser considerados res
nullius, isto porque, mesmo que a publicidade seja decorrente da vontade da
lei ou do próprio interessado, a este deve ser assegurado o direito de voltar a
restringir o acesso, a limitá-lo, no tempo ou a determinadas situações, além de
fatos supervenientes a uma lei poderem levar à mesma necessidade‖ , como
defende Ricardo Perlingeiro.18
Anderson Schreiber19 e Paulo R. Khouri19 alinham-se na existência de um ―direito
ao esquecimento‖ , como integrante do campo mais vasto dos direitos da
personalidade, em conexão com a proteção à intimidade e à privacidade.
Para o primeiro autor, ―o direito ao esquecimento não atribui a ninguém o
direito de apagar fatos ou reescrever a história‖ , em verdade, ele implicaria ―a
possibilidade de se discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais
especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados‖ . Paulo R.
Khouri apresenta uma leitura mais particular, no sentido de que se deve
―ponderar caso a caso os valores em jogo e pode ocorrer que o direito ao
esquecimento deva ser sacrificado em prol da liberdade de informação‖ .
Uma interpretação bastante refinada do ―direito ao esquecimento‖ encontra-
se no artigo de Daniel Bucar intitulado Controle temporal de dados: o direito ao
17 ―Se é certo que a mídia convencional (rádio, TV e imprensa escrita) já causa enormes
danos à imagem das pessoas, por possíveis matérias de cunho sensacionalista, ainda
há a possibilidade das informações se perderem com o tempo e serem relegadas ao
esquecimento. Contudo, na Internet, esta prática não é possível. Os dados ficam,
permanentemente, alocados nos servidores e possíveis de serem analisados a qualquer
momento‖ (ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. A segurança da informação no
processo eletrônico e a necessidade de regulamentação da privacidade de
dados.Revista de processo, v. 32, n. 152, p. 165180, out. 2007. item 1). 18 PERLINGEIRO, Ricardo. O livre acesso à informação, as inovações tecnológicas e a
publicidade processual. Revista de Processo, v. 37, n. 203, p. 149-180, jan. 2012. item 5. 19
SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 164; 19 KHOURI, Paulo R. O direito ao esquecimento na sociedade de informação e o
Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil. Revista de Direito do Consumidor, v. 89,|
p. 463 e ss., set. 2013.
51
esquecimento.20 Após apresentar os mecanismos de proteção à intimidade nos
planos espacial e contextual, Bucar assinala a importância do ―controle
temporal‖ , cujos fundamentos normativos já se encontrariam, há bastante
tempo, no direito ordinário, como os artigos 43, parágrafo 1º, do CDC, e 748,
CPP. Para esse autor, ―a tutela de dados passados da pessoa, neste ponto, não
significa revisionismo histórico, como bradam os críticos do controle temporal‖ ,
mas como uma necessidade social de se adaptar os controles clássicos às
necessidades de um tempo de ―democracia digital‖ .
Como último desdobramento da visão doutrinária sobre o tema, encontra-se o
Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal,
realizada em 2012, cujo verbete está assim redigido: ―A tutela da dignidade da
pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao
esquecimento‖ . É bastante discutível a invocação da dignidade humana para
dar suporte ao ―direito ao esquecimento‖ , na medida em que, se houver
realmente de ser reconhecido, ele melhor se fundamentaria na proteção aos
direitos da personalidade, que já possuem enquadramento normativo ordinário
no artigo 11 do Código Civil.
4.7 DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
A Rede Globo ultrapassou seu limite de imprensa, e ferindo o princípio da
dignidade da Pessoa Humana, que é o núcleo dos Direitos Fundamentais, é a
norma estruturante dos Direito Humanos, e fundamento da nossa republica,
presentes no Art. 1°, inciso III da CF.
A Dignidade da Pessoa Humana está relacionada a proporcionalidade. Na
faceta Positiva, a Proporcionalidade, estabelece uma proibição de
20 BUCAR, Daniel. Controle temporal de dados: o direito ao esquecimento. Site
Civilistica.com, ano 2, nº3, 2013. Disponível em
http://civilistica.com/wpcontent/uploads/2013/10/Direito-ao-esquecimento-
civilistica.com-a.2.n.3.2012.pdf. Acesso em 10/03/2043.
52
insuficiência, dos particulares na efetivação do pleno desenvolvimento
individual.
Segundo Alexandre de Morais, a Dignidade da Pessoa Humana concede
unidade aos Direitos e Garantias, fundamentais afasta a idéia de predomino das
concepções transpessoalistas de Estado e Nação em detrimento da liberdade
individual. A dignidade é um valor espiritual e moral iminente a pessoa.21
E também o doutrinador JOSÉ AFONSO DA SILVA, que diz: "A dignidade
da Pessoa Humana é um valor supremo que atrai o conteúdo a todos os
Direitos fundamentais do homem desde o direito a Vida."
Então significa que o seu Direito a Dignidade Humana seja a sua: Privacidade
Pessoal, Direito a Paz, Vida Profissional, Abalo emocional, pelos quais foram
feridos através dessa reportagem realizada.
Direito ao Esquecimento
Jurisprudência inaugural na matéria direito ao esquecimento na esfera civil é o
Recurso Especial 1334097 do Superior Tribunal de Justiça. O entendimento de
que ao indivíduo cabe o direito ao esquecimento, de ser deixado em paz, de
ser deixado no anonimato foi firmado pela quarta turma do Tribunal, sob
relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, em maio de 2013. O STJ negou
provimento ao recurso interposto pela Globo Comunicações e Participações
S/A em face do recorrido Jurandir Gomes de França. Travou-se um embate
entre direitos fundamentais, de um lado, o direito à proteção da imagem,
amplamente fundado no princípio da dignidade da pessoa humana (CF/88, art.
1º., inciso III e Código Civil, artigos 12, 20 e 21); do outro, o direito à informação
e à liberdade de imprensa (CF/88, art. 5º., XIV, LX).
Nos tribunais, como na vida, embates dialéticos são constantemente travados.
De um lado, a tese: o direito à informação e à liberdade de imprensa; de outro,
o direito à proteção à vida privada fundada no princípio da dignidade da
pessoa humana. Daí resulta a síntese: o direito ao esquecimento.
O direito e o tempo – como se relacionam? Àquele, o direito, cabe achar as
respostas que melhor se adequam às efêmeras necessidades humanas. Se o
homem é ser no tempo, o direito, que está a serviço da humanidade, deve ser
igualmente temporal.
21 Cf. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19º ed. São Paulo, SP: Atlas, 2006.
53
Não exatamente como a vida, a síntese jurisprudencial é produzida. Deve ser
sistematicamente sopesada a partir da concretude dos fatos. A relatividade das
premissas é o ponto de partida. Todo julgar deve iniciar-se com os pesos
equilibrados, e aos poucos os elementos fáticos vão provocando o movimento
dos pêndulos. A decisão do STJ pautou-se em relevantes elementos concretos.
A liberdade de imprensa é uma conquista constitucional, resultante de árduas
batalhas. Registrar e noticiar fatos passados faz parte da preservação da
memória de um povo. É inegável que a todos cabe o direito à memória.
Também deve ser reconhecida a contribuição dos meios de comunicação à
memória de uma nação. Contudo, é preciso entender que tal direito não
absoluto e se limita na medida preservação da vida privada. Logo, esse direito
pode ser limitado por outro igualmente constitucional.
Mister se fez analisar, detidamente, o programa ―Linha Direta‖ , no qual
foi apresentada a reportagem sobre a ―Chacina da Candelária‖ que mostrou
a imagem e informou o nome de Jurandir Gomes de França como um dos
indiciados pelos crimes e posteriormente absolvido. De modo geral, o programa
não noticiou fatos inverídicos nem atacou a imagem do recorrido.
Que motivos levaram os Ministros do STJ conceder a indenização ao
proponente da ação? Preliminarmente, foi o fato de a TV Globo ter mostrado o
autor da ação, sem sua autorização.
Por outro lado, foi determinante para a concessão da reparação de
danos, a distinção feita entre a divulgação jornalística voltada à preservação
da história e a divulgação meramente midiática visando a fins de audiência,
preservação da hegemonia da emissora de TV e retorno econômico. Dizendo
de outro modo, se fez necessário distinguir o interesse público do interesse do
público. A verdade e a historicidade são de interesse público e alcançam seus
fins sem invasão à privacidade alheia, ao contrário do que ocorre com o
interesse do público, que é explorado pela exacerbação midiática. Tal
compreensão de dá à luz da doutrina:
―Decerto que interesse público não é conceito coincidente com
o de interesse do público. O conceito de notícias de relevância
pública enfeixa as notícias relevantes para decisões importantes
do indivíduo na sociedade. Em princípio, notícias necessárias para
proteger a saúde ou a segurança pública, ou para prevenir que
o público seja iludido por mensagens ou ações de indivíduos que
54
postulam a confiança da sociedade têm, prima facie, peso apto
para superar a garantia da privacidade."22
Desta forma, entendeu o Tribunal que a recorrente ultrapassou o limite do
interesse público e da preservação memorialística, e, ao adentrar o interesse do
público, invadiu a seara da vida privada.
―O certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma
fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor
precisassem ser expostos em rede nacional. Nem a liberdade de
imprensa seria tolhida, nem a honra do autor seria maculada,
caso se ocultassem o nome e a fisionomia do recorrido,
ponderação de valores que, no caso, seria a melhor solução ao
conflito.‖ 23
Seguindo entendimento já consagrado em países como França, Alemanha e
Estados Unidos, o ornamento jurídico brasileiro passa a reconhecer o direito ao
esquecimento, conforme enunciado da VI Jornada de
Direito Civil:
ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da
informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil
Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vem
se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem
histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante
do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de
apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a
possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais
especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.
A análise do Recurso Extraordinário 1334097 nos permite a seguinte
compreensão: o Tribunal Superior recorreu ao arcabouço principiológico para
dar respostas a inovador direito tutelado, bem como fez do debate, da
ponderação e das compreensões filosóficas uma ―práxis‖ . Verifica-se,
portanto, a ampliação dos poderes da constituição, esta que se erradia para
as mais diversas áreas do direito, dando mostras de que se vive um novo tempo,
o do neoconstitucionalismo.
22 MENDES, Gilmar Ferreira [et. al.]. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 373. 23 Ementa do RE 1334097.
55
4.8 Conclusão
O Direito ao Esquecimento entrou em pauta com mais contundência. É uma
orientação doutrinaria baseada na interpretação do CC e elenca o Direito de
ser esquecido entre os Direitos da Personalidade.
Ao estabelecer que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade
da informação, inclui no Direito ao esquecimento o de não ser lembrado
eternamente pelo equivoco preterido ou por situações constrangedoras ou
vexatórias, sento este uma forma de proteger a dignidade humana.
Para um bom conhecimento e interpretação das leis a semântica não pode ser
ignorada, porque o sentido linguístico das palavras deve ser levado em
consideração.
A palavra ESQUECIMENTO vem do latim ―ESCADECERE‖ , já esquecer na nossa
gramática significa perder a lembrança de algo ou de alguém. A ciência
jurídica adota a semântica neste sentido.
O Direito ao Esquecimento que as pessoas de ter na vivência de fatos ou como
personagens de fato.
Verifica-se que aos danos causados por informações falsas ou mesmo
verdadeiras, mas da esfera da vida privada e da intimidade são
potencialmente muito mais nefasto.
Algumas frases criadas por escritores, pensadores, leitores e filósofos passaram
a história, dando mais sentido a este estudo. Desta forma o STF decidiu pelo
Direito ao Esquecimento como a correta medida para conciliar Direito
aparentemente antagônicos.
Com efeito, o reconhecimento do Direito ao Esquecimento dos condenados
que cumpriram integralmente a pena e sobretudo dos que foram absolvidos e
processo criminal, além de sinalizar uma evolução cultural da sociedade,
confere concretude a um ordenamento jurídico que entre a memória que é a
conexão do presente com o passado e a esperança que é o vínculo do futuro
com o presente, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o Direito
ao Esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirma-se na verdade como
um Direito a esperança, uma absoluta sintonia com a presunção legal e
constitucional de regenerabilidade da pessoa humana.
56
5. CASO GARRINCHA RESP – 521697, STF;
5.1 Manoel dos Santos mais conhecido como Garricha
História de vida do jogador antes de sua extensa carreira no futebol, de origem
humilde, com quinze irmãos, Manuel dos Santos natural de Pau Grande, um
distrito de Magé, no Estado do Rio de Janeiro. Garricha, apelido que ganhara
de sua irmã que fazia associação a um pássaro de mesmo nome muito comum
na região, iniciou no futebol com quatorze anos de idade começou a jogar
amadoramente no Esporte Clube Pau Grande e seu talento já manifestado,
despertou a atenção de Arati um ex-jogador do Botafogo. Não se sabe com
certeza quem o levou a fazer um teste no Botafogo, mas nos minutos iniciais do
primeiro treino, ele teria dado vários dribles em Nilton Santos o qual já era um
renomado jogador.
Casou-se com dezoito anos com Nair namorada de infância com quem teve
nove filhos, suas filhas Tereza e Nadir já estão falecidas separou-se de Nair e foi
57
casado com Elza Soares por quinze anos de 1968 a 1983 tiveram um filho Manuel
Garricha dos Santos Júnior (nove de julho de 1977 a onze de Janeiro de 1986),
morto aos nove anos de idade num acidente de carro, onde o carro caiu num
rio e ele se afogou.
Neném o filho dele com Iraci, anterior ao casamento com Elza, também morreu
num acidente de carro em Portugal em vinte de Janeiro de 1992, aos vinte oito
anos. Garricha também e pai de um filho Sueco Ulf Lindbergh fruto de um
relacionamento com uma sueca da cidade de Uma, durante uma excussão do
Botafogo á Europa em 1957, noventa e cinco por cento das partidas, Garricha
defendeu o Botafogo no período de (1953-1965) além da seleção Brasileira de
(1957-1966).
No fim de carreira jogou alguns meses no Sport Club Corinthians Paulista em
(1966) e no Clube de Regatas do Flamengo (1969) e no Olaria Atlético Clube já
fora de seu auge. Integrou o elenco do Vasco em um amistoso contra a seleção
da Cidade de Cordeiro (RJ), marcando um gol nesta partida.
Sua contratação não foi fechada pela equipe Cruzmaltina devido sua má
condição física e foi devolvido ao Corinthians após o supracitado amistoso.
Jogou sessenta partidas pelo Brasil entre 1955 e 1966 em todos os seus jogos
perdeu apenas uma partida (de três a um para a Hungria na copa de 1966)
com Garricha e Pele juntos o Brasil nunca perdeu.
Nos clubes, jogou 614 vezes, marcando 245 gols pelo Botafogo e sua carreira
profissional se prolongou de 1953 á 1972. O ultimo gol de Garricha aconteceu
no empate de Olaria Atlético Clube em dois a dois com o Comercial, dia 23 de
Março de 1972, no Estádio Palma Travassos em Ribeirão Preto que foi seu único
gol pelo Olaria Atlético.
Garricha faleceu aos 49 anos em 20 de Janeiro de 1983 vitima de cirrose
hepática foi velado em um caixão com a bandeira do Botafogo. Em 2010
torcedores do Botafogo custearam uma estatua de quatro metros e meio e
cerca de 300 kg, ao custo de R$56.000,00 pagos ao artista plástico Edgar
Duviver, essa estatua encontra-se hoje me frente ao estádio João Havelange,
onde o Botafogo manda seus jogos.
Garricha foi considerado o mais habilidoso jogador que já existiu em todos os
tempos, pois sua capacidade de driblar e envolver seus adversários eram
impressionante. Pelo Brasil perdeu apenas uma das 61 partidas que fez com a
camisa da seleção.
58
Em meio a tantos motivos que o povo Brasileiro tivera para sorrir e tamanha
felicidade pelos gols de Garricha a cada vez que jogava uma partida e
ganhava ou conquistava um titulo após sua morte um livro que relata sua historia
de vida, mas do que o seu dom com a bola no pé leva suas filha ao tribunal em
defesa de sua imagem.
Logo a pôs esse fato um filme fora lançado relatando basicamente o que no
livro esta, mas dessa vez com o consentimento de suas filhas, e Elza relatou
alguns fatos e não foi para a estréia. O fato e que o Livro Estrela Solitária Um
Brasileiro Chamado Garricha expõe sua intimidade.
DIREITO DA IMAGEM
5.2 Introdução
Neste momento ímpar da história da humanidade, com o avanço causado
pela internet, é permitido a qualquer pessoa conectar-se com o outro lado do
mundo em tempo real, receber noticias, fotos, vídeos e etc.
Contudo a tutela de imagem só conseguiu alcançar o patamar atual de
proteção graças as evoluções surgidas no âmbito de direito de personalidade
humana. Analisaremos então o direito de imagem como amplíssimo campo dos
direitos de personalidade.
5.3 Conceitos do “IUS IMAGINIS”
A Imagem tem sempre relevante significado na sociedade, mas
incontestavelmente foram estudos acumulados na orbita dos direitos da
personalidade somados a popularização da fotografia no séc. XIX, que
fortaleceram o pensamento no âmbito jurídico de proteção ao direito de
imagem.
Desse modo, em virtude de a imagem estar presente em todos os setores, o
jargão popular: ―Uma imagem vale mais que mil palavras‖ , nunca foi tão bem
empregado quanto hoje nesse século das imagens, em que novas tecnologias
59
de informações permitem a qualquer pessoa divulgar, receber e enviar imagens
a qualquer lugar do mundo e em tempo real.
Existem dois tipos de imagem de acordo: de um lado, o conceito do senso
comum de imagem-retrato, com exposto é aquele visualmente perceptível,
abrangendo tudo que puder ser concretamente individualizado, Ex: a voz, os
gestos, forma de caminhar, tiques ou seja, todas as características
comportamentais que o tornam único.
Existe assim violação da imagem retrato, não somente quando divulgam uma
foto sem autorização, mas também quando imitam a voz do famoso locutor; do
outro lado, de acordo o mesmo autor, subsiste a imagem atributo, que
corresponde às qualidades e características intrínsecas do indivíduo, exemplo o
prestigio, a reputação que a pessoa desfruta no meio social, sua conduta
particular ou em sua atividade profissional e que deverá ser igualmente tutelada
pelo estado.
Existem duas imagens no texto constitucional: a primeira a imagemretrato,
decorrente da expressão física do indivíduo, a segunda a imagematributo,
como o conjunto de características apresentados socialmente por determinado
indivíduo. A proteção constitucional da própria imagem.
E para delinear claramente o duplo conceito fundamental do IUS Imaginis,
Araújo corrobora que: O direito de imagem possui duas variações de um lado
deve ser entendido como o direito relativo a produção gráfica (retrato,
desenho, fotografia, filmagem e etc.
Da figura humana, de outro, porém a imagem assume a característica do
conjunto de atributos cultivados pelo indivíduo e reconhecidos pelo conjunto
social.
Como se percebe, a amplitude da imagem-atributo invade a seara do recato,
da honra, do pudor, daí o porquê não raras vezes, do direito de imagem ser
associado à honra, identidade, autoria etc. Conseqüentemente, algumas
vezes, ao tutelar a imagem, estar-se-á por ricochete, protegendo outros direitos
da personalidade.
Em seguida a teoria do Direito a Honra argumenta que devido a Honra,
privacidade e imagem serem direitos da personalidade separados por uma
linha muito tênue, quase imperceptível, deve-se, considerar todos pertencentes
a uma realidade jurídica comum.
Em outras palavras, essa tese não reconhece diretamente a lesão à imagem
ou à privacidade, enquadram todos esses danos como sendo integrante ao
60
bem da honra. ―Em razão disso, não é necessário que a pessoa que a pessoa,
cuja imagem foi captada ou publicada, sofra dano em sua honra, por exemplo,
o dever de indenizar impõe-se pelo simples fato de ter sido violado o direito á
imagem‖ .24
Prosseguindo a descrição das teorias afirmativas que admitem a existência do
direito à imagem a teoria do patrimônio da pessoa encaixa a imagem ao lado
da maioria dos direitos da personalidade, moldura do patrimônio moral da
pessoa.
Porém por ter uma amplitude muito exagerada, ela também amarga uma
falha conceitual. O direito à imagem é, pois, um direito natural equiparável ao
da própria vida, que independe da lei, embora esta lhe trace limites e restrições,
a constituição no seu art. 5º inciso X, cuidou de enumerar os bens jurídicos por
ela protegidos.
Ali consta intimidade, vida privada, honra imagem. Isto nos leva a
compreensão de que são bens autônomos, que não dependem um do outro.
A imagem, portanto é bem jurídico dotado de autonomia.
Como efeito dessa autonomia, é plenamente possível ocorrer ofensa à imagem
sem ocorrer ofensa à honra, ou a qualquer outros direitos da personalidade,
como por exemplo a pessoa que tem sua imagem divulgada em revistas e
tablóides , fazendo uma doação a uma determinada instituição de caridade.
A pessoa representada pode muito bem demandar reparação pela utilização
não autorizada de sua imagem, sem ter tido sequer, a honra arranhada.
Igualmente quando alguma pessoa divulga imagem de outrem em conotação
depreciativa, principalmente contra honra,decoro e bons costumes, o direito
atingido em si foi apenas o meio, o canal utilizado para alcançar os fins, no
caso, depreciativo e difamatório.
A doutrina brasileira e a jurisprudência que lentamente se afirma nos tribunais é
no sentido de atribuir-se caráter de um direito autônomo incidente sobre um
objeto específico, cuja disponibilidade é inteira de seu titular e cuja violação se
caracteriza com o simples uso não consentido ou autorizado, com exceções de
doutrinadores como a da figura que aparece numa fotografia coletiva com o
24 ROTHENBURG, Walter Claudius. Direito à imagem. Revista Jurídica Consulex – ano XIII nº
295, pp. 29, 30, abril. 2009.
61
intuito de informar, ensinar, desenvolver a ciência, manter a ordem pública ou
necessária à administração da justiça.25
É de se verificar que o legislador pátrio andou vacilante sem dedicar atenção
que merecem os direitos da personalidade.
A semente foi implantada em 1916; mas eficazmente foi positivada mesmo na
constituição de 1988.
Deve-se deixar claro que apesar da imagem e dos demais direitos de
personalidade serem absolutos e terem como característica à
imprescritibilidade, a irrenunciabilidade e a intransmissibilidade, eles podem
sofrer limitações , ainda que não especificadamente previstas em lei, não
podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente a
boa fé objetiva e aos bons costumes.
5.4 Legitimidade Para Defesa da Imagem
O direito da personalidade tem como característica da vitaliciedade fazer com
que o direito à proteção da imagem acompanhe o titular por toda sua vida, os
direitos da personalidade não podem ser transferidos ou objetos de herança,
mas as relações patrimoniais delas decorrentes podem. O direito clássico
apregoa que com a morte do titular a defesa de seus direitos de imagem são
transferidos aos herdeiros. Os danos cometidos contra a memória do morto
reflexivamente ofendem a memória dos herdeiros e sucessores legais, conforme
o código civil.
Portanto sempre que a memória da imagem do de cujos estiver sendo ultrajada
por outrem, poderão os herdeiros e sucessores legais requerer que a lesão cesse
e/ou pleitear indenizar por perdas e danos.
Observa-se o exemplo prático da legitimidade dos herdeiros no caso da
bibliografia não autorizada do jogador de futebol Garrincha. O autor do livro
trouxe à tona particularidades intimas do Garrincha, revelando que além do
jogador ser natural da cidade de pau grande, no Rio de janeiro,
coincidentemente teria suas particularidades anatômicas avantajadas.
Diante da citada ultraje, as herdeiras ingressaram na justiça requerendo
indenização por danos morais pelas ofensas feitas á imagem do pai, pois esse
tipo de informação privada do jogador é alheia a sociedade.
25 ROTHENBURG, Walter Claudius. op cit, abril. 2009, p. 66.
62
Os direitos de personalidade, de que o direito á imagem é um deles, guardam
como principal característica a sua intransmissibilidade, nem por isso, deixa de
merecer proteção a imagem e a honra de quem falece,como se fossem coisas
de ninguém, porque elas permanecem perenemente lembradas nas memórias,
como bens imortais que se prolongam para muito além da vida.
No caso do direito de imagem configurada a lesão, a reação do ofendido
pode ser através de ação indenizatória, obrigação de fazer deixar de fazer ou
por meio do direito de resposta, qual seja, o direito de a pessoa prejudicada
valer-se dos meios de comunicação molestadores para se defender e
restabelecer a verdade. O direito ao desagravo ganha relevo internacional nas
constituições de vários países muito em razão do artigo 14 do pacto de San José
da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos).
5.5 TÉRMINO DOS DIREITOS À PERSONALIDADE
O momento final dos direitos à personalidade só podem ser, é claro, a morte.
A morte extingue a personalidade e extingue também os direitos à
personalidade. Mas e a morte pela ausência, implica em extinção dos direitos
da personalidade?
Não, porque a declaração de ausência traz consigo efeitos eminentemente
patrimoniais. Como a declaração de ausência projeta efeitos patrimoniais, é
certo que a morte por ausência não extinguir o direito a personalidade, exceto
um que é a extinção da relação familiar.
Em linha de princípio, portanto, extinguem-se os direitos da personalidade, pela
perda da personalidade, o que se dá pela morte é real. Eu acabei de dizer que
a morte extingue a personalidade e de conseqüência, extingue os direitos à
personalidade.
O fato de a personalidade ter sido extinta pela morte não implica a perda da
tutela dos direitos á personalidade, mas depois do óbito, é possível falar em
tutela jurídica, em proteção aos direitos da personalidade, podem ocorrer em
três situações distintas:27
1ª situação: Se dá no momento em que a lesão (ofensa) foi perpetrada quando
o titular ainda estava vivo e ele ainda vivo promoveu a ação. Depois disso
morreu. Nesse caso, o problema não é de ordem material, é de ordem
63
Processual e se resolve na forma do art. 43, do código de processo civil. E o
nome disso é sucessão processual. É o fenômeno através do qual os espólio ou
herdeiros se habilitam na ação já promovida e que está em andamento.
27 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil. Vol.
1. 18 ed. São Paulo Saraiva 2002, p.126.
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são
civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa
qualidade causem danos á terceiros, ressalvando direito
regressivo contra os causadores do dano,se houver,por parte
deste,culpa ou dolo.
2ª situação: Ocorre que quando a lesão (ofensa) se dá quando o titular ainda
era vivo, mas morreu sem promover a ação, sem ajuizar a ação de indenização
por danos morais. Nossa doutrina clássica defendia que se tratava de interesse
personalismo e por isso, os herdeiros não poderiam fazê-lo. Em outras palavras:
a titularidade para mover a ação perecia com ele. Pois bem.
Contemporaneamente, a doutrina e a jurisprudência foram mudando de
opinião.
Embora o direito seja personalismo, a reparação pecuniária, a indenização tem
caráter patrimonial. Mas nesse caso, o que ele vai permitir não é o direito a
personalidade, mas o direito de requerer uma indenização essa indenização
tem natureza patrimonial e isto se transmite o que não se transmite é o que tem
natureza existencial.
Pacificando a questão, tornando a questão incontroversa, o Código Civil
tomou partido no art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de
prestá-la transmite-se com a herança.
Portanto, para o código Civil, se uma pessoa sofreu uma lesão a sua a honra,
imagem, privacidade e morreu sem promover a ação, o seu espólio pode fazê-
lo. Entende-se que o direito de exigir a reparação é um direito e ordem
patrimonial, e não existencial.
É um artigo que curvou-se à jurisprudência do STJ e o mesmo posicionou-se
dessa forma, incorporando a legislação através de sua posição. São duas
situações distintas: no primeiro caso e sucessão processual, no segundo caso
não sucessão processual, é transmissão do direito a reparação e de ordem
material.
64
O Código civil não diz, mas o espólio só pode promover a ação de reparação
se ainda não tiver sido prescrita a pretensão. Quando é que começa o prazo
prescricional?STJ: acolhe a tese da actio nata. Os prazos prescricionais
decadenciais(os prazos extintivos)começam a fluir da data do conhecimento
do fato.
E três anos o prazo de prescrição de reparação de dano moral, três anos tinha
pra mover a ação e morreu após 2 anos só resta 1 ano para dar continuidade.
3ª situação: Ocorre quando o dano ocorreu depois da morte, alguém ofendeu
a honra ou imagem de uma pessoa morta. E estando morta não vai não vai
produzir efeitos, já extinguiu a sua personalidade. Segundo o ORDENAMENTO
toda a ofensa dirigida diretamente ao morto atingi indiretamente aos seus
parentes vivos.
Quem são esses parentes? Estão indicados no parágrafo único do art.12 e estes
dispositivos vai clamá-los de lesados indiretos.
Art.12 Parágrafo único in verbis:
―Em se tratando de morto(ausente),terá legitimação para
requerer a medida prevista neste artigo ou cônjuge (ou
companheiro) sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta,
ou colateral até o quarto grau‖ .
3 exemplos de lesados indiretos:
1º exemplo: Recentemente morreu uma pessoa em Porto alegre, vitima do HIV
e saiu uma notícia no jornal que ele era homossexual. Em verdade, era
hemofílico.
Pois bem. Os pais dessa pessoa morta ajuizaram uma ação dizendo que foram
lesados indiretos. A lesão se dirigiu ao filho morto e resvalou nos pais que
estavam vivos.
2º exemplo: Da filha de Lampião Maria Bonita. Ela descobriu que a imagens de
seus pais estavam sendo explorada comercialmente e ajuizou uma ação para
impedir a exploração indevida da imagem. Tem legitimidade porque na
qualidade de filha ela foi lesada indireta.
65
3º exemplo: da Garrincha que teve a vinculação de uma notícia relacionada
a sua privacidade. Seus filhos ajuizaram uma ação na qualidade de lesados
indiretos.
ATENÇÃO!
Não esqueça que a legitimação dos lesados indiretos é autônomo, ordinária,
sobe o ponto de vista processual. Os lesados indiretos vão ajuizar uma ação em
nome próprio defendendo interesses próprios. A filha de Lampião promoveu a
ação em nome dela defendendo interesse próprio. É legitimação autônoma.
Não se trata de substituição processual. O lesado indireto pede em nome
próprio defendendo interesse próprio.
Não se aplica aos lesados indiretos a ordem de vocação hereditária do art.
1.829: Descendente, ascendente, cônjuge, colateral... Aqui não se aplica essa
regra. Portanto, todos os lesados indiretos são colegitimados ou legitimados
concorrentes portanto não se aplica a ordem de vocação hereditária.Todos os
lesados indiretos têm legitimidade. O pai, a mãe, o filho, a esposa, o primo, o tio.
Cada um promove a sua ação e prova o dano sofrido, porque cada um está
pedindo em direito próprio. Por isso não se aplica a vocação hereditária.
Logo de acordo com o direito à imagem, os lesados indiretos encontram no
dispositivo art. 20, parágrafo único, CC, sua proteção quanto ao dano moral.
Em se tratando de morto ou ausente, são partes legítimas para requerer essa
proteção o cônjuge, os ascendentes, os descendentes.
66
RECURSO ESPECIAL Nº 521.697 - RJ (2003/0053354-3)
RELATOR : MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA
RECORRENTE : EDITORA SCHWARCZ LTDA
ADVOGADO : ANTÔNIO AUGUSTO ALCKMIN NOGUEIRA E OUTROS
RECORRENTE : MARIA CECÍLIA DOS SANTOS CARDOSO E OUTROS
ADVOGADO : LUIZ EDUARDO SALLES NOBRE E OUTRO
RECORRIDO : OS MESMOS
EMENTA
CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DIREITO À IMAGEM E À HONRA DE PAI
FALECIDO.
Os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam
como principal característica a sua intransmissibilidade.
Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção a imagem e a honra de
quem falece, como se fossem coisas de ninguém, porque elas permanecem
perenemente lembradas nas memórias, como bens imortais que se prolongam
para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto.
Daí porque não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a
honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais
se desvanecem com a exaltação feita à sua memória, como são os que mais
se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe possa trazer mácula.
Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além
de sua morte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por direito próprio,
legitimidade para postularem indenização em juízo, seja por dano moral, seja
por dano material.
Primeiro recurso especial das autoras parcialmente conhecido e, nessa parte,
parcialmente provido.
Segundo recurso especial das autoras não conhecido.
Recurso da ré conhecido pelo dissídio, mas improvido.
67
ACÓRDAO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na
conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no
julgamento, ante a aposentadoria do Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira e
o afastamento do Sr. Ministro Barros Monteiro, que eram os votos faltantes,
decidiu dar por encerrado o julgamento deste processo, uma vez que já está
aperfeiçoado pela maioria; portanto, por unanimidade, conhecer
parcialmente do primeiro recurso especial, o dos autores e, nessa parte, dar-lhe
parcial provimento; não conhecer do segundo recurso especial, o das autoras;
conhecer do recurso especial da ré e negar-lhe provimento, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator.
Brasília, 16 de fevereiro de 2006 (data do julgamento).
MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 521.697 - RJ (2003/0053354-3)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: - As autoras, filhas herdeiras de
Manoel dos Santos, consagrado como Garrincha , promoveram uma ação
ordinária contra Editora Schwarcz Ltda. (Companhia das Letras Editora, nome
fantasia), por esta ter lançado o livro intitulado "Estrela Solitária - Um brasileiro
chamado Garrincha", sem autorização das autoras, alegando violação ao
direito à imagem, ao nome, à intimidade, à vida privada, à honra e todos os
conexos da personalidade do referido ídolo, execrando a sua memória,
postulando pela indenização de danos patrimonial e moral.
Em primeiro grau a ação foi julgada parcialmente procedente, reconhecendo
a existência apenas de danos morais a serem indenizados no valor equivalente
a mil salários mínimos, com juros de 6% ao ano, desde a citação, e em honorários
advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. As partes apelaram.
68
As autoras, para aumentar o valor da condenação por danos morais, para
obter o reconhecimento de danos materiais, juros desde o lançamento do livro
e honorários em 20%.
A ré, buscando a nulidade da sentença por falta de apreciação adequada da
prova, e, no mérito, a improcedência ou a redução da indenização dos danos
morais e a aplicação do art. 21 do CPC. O eg. Tribunal local decidiu, sem
discrepância, ter por incabível o dano moral, e, por maioria, admitiu o dano
material a ser indenizado no valor correspondente a cinco por cento sobre o
total do preço do livro a ser apurado em liquidação.
Os declaratórios das autoras foram rejeitados e improvidos os infringentes da ré.
As autoras interpuseram dois recursos especiais.
O primeiro (fls. 565/575), por alegado dissídio e violação dos artigos 159 e 1.553
do Código Civil de 1916, buscando reparação pelos danos morais em valor
correspondente a dez mil salários mínimos, postulando pela contagem dos juros
a partir do ato ilícito, e que a liquidação seja feita por arbitramento.
O segundo (fls. 638/643), com as mesmas postulações do primeiro. A ré, por seu
turno, também ingressou com recurso especial (fls 669/680), isso porque o direito
de imagem é personalíssimo, não se transmitindo para as filhas, aduzindo,
fundamentalmente, que elas não teriam legitimidade para ajuizarem a presente
ação.26
Devidamente respondidos, os recursos foram obstados na origem, tendo o seu
curso sido desembaraçado em face do provimento dado aos agravos de
instrumento, para melhor exame, pelo eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar
, então relator.
Era o de importante a relatar.
RECURSO ESPECIAL Nº 521.697 - RJ (2003/0053354-3)
EMENTA
CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DIREITO À IMAGEM E À HONRA DE PAI
FALECIDO.
Os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam
como principal característica a sua intransmissibilidade.
26 A ré alegou ofensa aos artigos 6º e 126 do CPC, 4º da LICC, 160, I, e 1.526 do Código
Civil de 1916, e 38, caput , da Lei 9.610/98.
69
Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção a imagem e a honra de
quem falece, como se fossem coisas de ninguém, porque elas permanecem
perenemente lembradas nas memórias, como bens imortais que se prolongam
para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto .
Daí porque não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a
honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais
se desvanecem com a exaltação feita à sua memória, como são os que mais
se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe possa trazer mácula.
Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além
de sua morte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por direito próprio,
legitimidade para postularem indenização em juízo, seja por dano moral, seja
por dano material.
Primeiro recurso especial das autoras parcialmente conhecido e, nessa parte,
parcialmente provido.
Segundo recurso especial das autoras não conhecido.
Recurso da ré conhecido pelo dissídio, mas improvido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator):
01. Começo este voto por examinar o segundo recurso das autoras, aquele
lançado contra o v. acórdão dos embargos infringentes.
Como consignado no relatório, a sentença reconheceu a existência apenas de
danos morais, a serem indenizados no valor equivalente a mil salários mínimos,
com juros de 6% ao ano, desde a citação, e em honorários advocatícios fixados
em 10% sobre o valor da condenação.
Ao julgar a apelação, o eg. Tribunal local decidiu reformar a sentença em dois
distintos pontos: no primeiro, sem discrepância, para ter por incabível o dano
moral; no segundo, e por maioria, para admitir o dano material, a ser indenizado
no valor correspondente a cinco por cento sobre o total do preço dos livros, a
ser apurado em liquidação de sentença.
O pedido referente a condenação em dano moral não pode ser aqui
apreciado, pois este tópico foi unanimemente afastado na apelação. Será
objeto de apreciação quando analisado o primeiro recurso especial das
autoras.
70
Igualmente não merece acolhida a postulação referente à contagem dos juros
a partir do ato ilícito, e a que pretende que a liquidação seja procedida por
arbitramento.
É que esses pontos adotados no v. acórdão da apelação, reformando a
sentença, contra os quais se volta a insurgência, foram tomados por maioria,
não tendo as autoras ingressado com os necessários infringentes, sendo, como
se sabe,"inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes
contra acórdão proferido no tribunal de origem" (verbete sumular n. 207/STJ).
Nem se diga que seria cabível veicular essas inconformações nesse seu
segundo recurso especial, ao argumento de que essas conclusões foram
adotadas no r. aresto dos embargos infringentes interpostos pela ré, o que teria
o condão de ensejar nova oportunidade para recorrer.
É que, sobre essas conclusões, ocorreu a preclusão, obstáculo intransponível
para a admissibilidade de qualquer recurso, inclusive o especial de que ora se
cuida.
Com efeito, não conheço do segundo recurso especial das autoras.
02. Aprecio agora o primeiro recurso especial das autoras e limito-me a
examinar apenas o pedido referente ao reconhecimento da ocorrência de
dano moral e a sua conseqüente indenização.
É que os demais pedidos dirigem-se a conclusões chegadas por maioria da
Turma julgadora da apelação, não tendo as autoras, como acima dito,
interposto embargos infringentes, sendo "inadmissível recurso especial quando
cabíveis embargos infringentes contra acórdão proferido no tribunal de origem"
(verbete sumular n. 207/STJ).
Ao relatar o agravo regimental contra a liminar no mandado de segurança que
concedeu a busca e apreensão dos exemplares disponíveis ao público do livro
aqui ventilado, o ilustre Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, com a sua
reconhecida autoridade sobre o assunto, assim registrou, com maestria:
Este relator, por dever de ofício, já que não é entusiasta do futebol, nem torce
para qualquer time, leu o Livro no último fim de semana para que pudesse
proferir este voto. Lamentavelmente, constatei que a obra não faz justiça a um
grande jogador de futebol que por duas vezes levou o Brasil a ser campeão do
Mundo.
71
Não se limitou o autor a relatar o futebol do Garrincha, a habilidade que o
tornou um mito mundial, suas proezas nos gramados e vitórias nos campeonatos;
infelizmente foi muito além, invadindo a intimidade do cidadão Manoel do
Santos e apequenando a sua imagem. Se um quadro vale por mil palavras,
como diz o ditado chinês, a capa do livro em exame é um longo discurso contra
a imagem do Garrincha. Em lugar do atleta chutando a bola em gol ou dando
os seus dribles que levavam as galeras ao delírio, mostra um homem deprimido
e desolado, quase a figura de um farrapo humano. Pior que tudo, a imagem da
capa é retratada em páginas de dolorosa impiedade, que aos poucos vai
despindo o mito, transformando-o em profissional derrotado, pai irresponsável,
marido infiel e ébrio inveterado. Ao final do Livro, Garrincha não passa de um
grande logro, autêntico exemplo de fracasso humano.
Se tal não bastasse, atenta ainda o Livro agressivamente contra a intimidade
do Garrincha, trazendo a público relato de fatos da sua mais restrita
privacidade, desde a sua meninice até a sua morte. Seus dotes sexuais, seus
vícios ocultos, seus casos amorosos, seus fracassos na cama, tudo é investigado
com microscópio e depois ampliado e divulgado sem retoques. Nem mesmo a
intimidade de sua vida familiar foi poupada. Seria de mau gosto reproduzir aqui
trechos de alguns capítulos do Livro; seria grosseiro e deprimente, mas se alguém
quiser conferir verifique fls. 29/30, 32, 45, 74/75, 77, 90, 199, 217/218 etc.
É bem verdade que a Constituição Federal, em seu artigo 5, inciso IX, garante
a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença. Até que ponto,
entretanto, escudado nessa liberdade de expressão pode alguém invadir a
intimidade alheia, conspurcar a sua imagem ou dela tirar proveito econômico?
Tenho como certo que o limite é encontrado no próprio texto constitucional
tendo em vista que logo no inciso seguinte (nº X, do artigo 5) ele garante a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das
pessoas.
Ensina a melhor doutrina que sempre que direitos constitucionais são colocados
em confronto, um condiciona o outro, atuando como limites estabelecidos pela
própria Lei Maior para impedir excessos e arbítrios. Assim, se o direito à livre
expressão da atividade intelectual contrapõe-se o direito à inviolabilidade da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem seguese como
conseqüência lógica que este último condiciona o exercício do primeiro.
72
À luz destes princípios, pondera o insigne Carlos Alberto Bittar que na
divulgação da imagem é vedada qualquer ação que importe em lesão à
honra, à reputação, ao decoro (ou à chamada imagem moral ou conceitual),
à intimidade e a outros valores da pessoa (uso torpe)... Não são permitidas, pois,
quaisquer operações que redundem em sacrifício desses valores, que
receberão sancionamento em conformidade com o bem violado e nos níveis
possíveis. (Os Direitos da Personalidade, Forense Universitária, 1988, p. 90/91).
O direito à privacidade, por seu turno, segundo doutrina da Suprema Corte dos
Estados Unidos universalmente aceita, é o direito que toda pessoa tem de estar
só, de ser deixada em paz e de tomar sozinha as decisões na esfera de sua
privacidade. O ponto nodal desse direito, na precisa lição do já citado Carlos
Alberto Bittar encontra-se na exigência de isolamento mental ínsita no psiquismo
humano, que leva a pessoa a não desejar que certos aspectos de sua
personalidade e de sua vida cheguem ao conhecimento de terceiros. Limita-se,
com esse direito, o quanto possível, a inserção de estranho na esfera privada ou
íntima da pessoa. São elementos: a vida privada, o lar, a família etc... No campo
do direito à intimidade são protegidos, dentre outros, os seguintes bens:
confidências, informes de ordem pessoal, recordações pessoais, memórias,
relações familiares, vida amorosa ou conjugal, saúde física ou mental, afeições,
atividades domésticas etc. Esse direito, conclui, reveste-se das conotações
fundamentais dos direitos da personalidade, devendo-se enfatizar a sua
condição de direito negativo, ou seja, expresso exatamente pela não
exposição a conhecimento de terceiro de elementos particulares da esfera
reservada do titular. Nesse sentido, podese acentuar que consiste no direito de
impedir o acesso a terceiros nos domínios da confidencialidade (obra citada p.
103/104).
Costuma-se ressalvar, no tocante à inviolabilidade da intimidade, a pessoa
dotada da notoriedade, principalmente quando exerce vida pública. Fala-se
então nos chamados"direito à informação e direito à história"a título de justificar
a revelação de fatos de interesse público, independentemente da anuência da
pessoa envolvida. Entende-se que, nesse caso, existe redução espontânea dos
limites da privacidade (como ocorre com os políticos, atletas, artistas e outros
que se mantêm em contato com o público). Mas o limite da confidencialidade
persiste preservado ; sobre fatos íntimos, sobre a vida familiar etc não é lícita a
divulgação sem o consentimento do interessado.
73
E assim é, segundo essa mesma doutrina, porque a vida dessas pessoas
compreende um aspecto voltado para o exterior e outro voltado para o interior.
A vida exterior, que envolve a pessoa nas relações sociais e nas atividades
públicas, pode ser objeto das pesquisas e das divulgações de terceiros, porque
é pública. A vida interior , todavia, que se debruça sobre a mesma pessoa, sobre
os membros de sua família, sobre seus amigos, integra o conceito de vida
privada , inviolável nos termos da Constituição.
Dir-se-á a esta altura: mas Garrincha já morreu e a morte extingue a
personalidade, e com ela a honra, a imagem, a intimidade etc. por se tratar de
bens personalíssimos. O morto não é sujeito de direito, mormente personalíssimo.
Tenha-se em conta, todavia, que o Código Penal pune a Calúnia contra os
mortos (art. 138, 2º), sendo ainda certo que a Lei de Imprensa vai ainda além no
seu artigo 24, punindo não só a calúnia contra os mortos, mas também a injúria
e a difamação .
Como se vê, mesmo depois da morte a memória, a imagem, a honra e a
intimidade das pessoas continuam a merecer a tutela da lei. Essa proteção é
feita em benefício dos parentes dos mortos para se evitar os danos reflexos que
podem sofrer em decorrência da injusta agressão moral a um membro da
família já falecido. Assim como a morte do chefe da família acarreta dano
material reflexo aos seus dependentes, por ficarem sem o sustento, a ofensa aos
mortos atinge também reflexamente a honra, a imagem, a reputação dos seus
familiares sobreviventes.
Quem gostaria que fosse divulgado que é filho de um beberrão, de um
irresponsável e mulherengo? Quem não se empenharia em impedir que a
memória do seu falecido pai fosse assim conspurcada.
Se a honradez ou a boa fama de um nosso antepassado reflete sua luz benéfica
sobre o nosso nome e a lembrança da honorabilidade dele constitui um
prestígio para nós no seio da sociedade, de modo que a sua boa fama se torna
um direito nosso, o descrédito lançado sobre a memória de um nosso parente
morto projeta igualmente sobre nós sua sombra funesta e de certo modo nos
comunica o mesmo desdouro, vexando-nos e diminuindo o nosso valor moral.
O respeito aos mortos outra coisa não é que o respeito à integridade moral dos
seus descendentes e a consideração que desfrutam junta à sociedade. O
direito violado pela ofensa aos mortos é, portanto, um verdadeiro e próprio
direito que reside na pessoa dos seus parentes supérstites. Há um último aspecto
74
a ser destacado. Garrincha morreu pobre, nada deixou de herança à sua
numerosa prole, a não ser seu nome, a sua lembrança, a sua imagem. Além do
aspecto moral até aqui ressaltado, essa imagem, se tem algum valor
econômico, pertence aos seus herdeiros, cabendo a eles, e só a eles, o direito
de explorá-la. Entender de outra forma é admitir a apropriação indébita desse
patrimônio dos herdeiros de Garrincha. Importa então em dizer que exploração
econômica do nome, imagem e fama de Mané Garrincha, quer através de
livros, quer de filmes ou outra forma qualquer, depende da expressa autorização
dos seus herdeiros. Essa foi a única herança deixada por Garrincha e a Justiça
não pode permitir que terceiros dela se apropriem em detrimento de sua prole."
(fls. 611/615).
Verifica-se, assim, terem as autoras sofrido danos morais que reclamam
indenização, que, pelas peculiaridades da espécie, estipulo no valor
correspondente a cem salários mínimos para cada uma.
É nesses termos que, conheço parcialmente deste primeiro recurso especial das
autoras, e nessa parte, dou-lhe parcial provimento.
03. Aprecio, por fim, o recurso especial da ré, e o faço valendome, pela falta
de erudição equivalente, do judicioso voto do ilustre Desembargador Sérgio
Cavalieri Filho , de onde extraio os seguintes trechos: "A matéria que se coloca
no presente recurso envolve basicamente os direitos da personalidade. Consiste
em saber se são ou não sempre intransmissíveis ou se há, em certas situações,
transmissibilidade de direitos.
Ninguém desconhece que os direitos da personalidade extinguem-se com a
morte, o que os torna física e juridicamente intransmissíveis. Mas não se pode
igualmente desconhecer que a personalidade das pessoas famosas prejetam
efeitos jurídicos para além da morte e que afetam os seus sucessores. É o que
ocorre, por exemplo, com pessoas já falecidas cuja imagem continua sendo
explorada comercialmente através de filmes, vídeos, fotografias, publicidade,
livros, memórias, biografias etc. Os efeitos econômicos daí decorrentes
incorporam-se ao patrimônio dos herdeiros do falecido e só por eles podem ser
comercialmente explorados. O mesmo pode ocorrer quanto aos efeitos morais.
Os ataques e ofensas à memória do morto são ofensas aos seus parentes
próximos, causando-lhes sofrimento e revolta. Dessa forma, os parentes próximos
de pessoas famosas falecidas passam a ter um direito próprio, distinto dos
75
direitos de que era titular o de cujus , que os legitima para, por direito próprio,
pleitearem indenização em juízo.
Tal é a espécie dos autos, porquanto as autoras pleiteiam indenização, por
direito próprio, por danos materiais e morais que alegam ter sofrido pela
publicação não autorizada da biografia do seu falecido pai. Como atleta
famoso do futebol, a imagem, o nome e os feitos do biografado projetaram
efeitos patrimoniais para além de sua morte, que se incorporaram ao patrimônio
das autoras.
O novo Código Civil, atento aos princípios constitucionais e a toda legislação
esparsa em nosso ordenamento jurídico relativos a esta matéria, disciplina os
direitos da personalidade em seus arts. 11/21. Em seu art. 11 estabelece, após
ressalvar casos previstos em lei, a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade dos
direitos da personalidade. Prevê, todavia, no parágrafo único do art. 12, que
qualquer ameaça ou lesão a esse direito gera perdas e danos, sem prejuízo de
outras sanções previstas em lei e, em se tratando de morto, como no caso
presente, os herdeiros indicados e o cônjuge são legitimados para buscar o
ressarcimento ou a indenização decorrente de lesão.
Concernente ao mérito, cumpre assinalar que a biografia de uma pessoa relata
fatos relacionados com o seu nome, imagem, intimidade e outros aspectos
vinculados aos direitos da personalidade. Sendo assim, e à luz dos princípios
acima expostos, é forçoso concluir que terceiros não podem se apropriar desses
direitos e publicar obra biográfica de pessoa já falecida sem a autorização dos
herdeiros, por mais erudita que seja a obra e nobres os seus propósitos.
O exercício da livre manifestação do pensamento, da expressão intelectual e
da profissão não autorizam a apropriação dos direitos de outrem para fins
comerciais e de lucro, por se encontrar isso fora do direito de informar. Configura
locupletamento sem causa explorar comercialmente a popularidade do
biografado sem autorização de quem de direito ou sem lhe dar a devida
participação.
De forma ainda mais explícita, em seu art. 20 e seu parágrafo único o novo
Código Civil prevê a prévia autorização para a divulgação de escritos, a
transmissão da palavra, publicação, a exposição ou a utilização da imagem de
uma pessoa, pena de render ensejo a indenização, ocorrendo lesão a honra e
a boa forma ou respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais. Destaca,
em seu parágrafo único, que em se tratando de morto, o caso presente, são
76
partes legítimas para requerer a proteção o cônjuge, os ascendentes ou os
descendentes.
Diante do acima, embora não tenha entrado em vigor o novo Código Civil,
revelam as normas atinentes ao direito da personalidade o pensamento jurídico
extraído das esparsas normas legais hoje existentes e em vigor em nosso país,
bem como da doutrina e da jurisprudência. No julgamento do Recurso Especial
nº 268.660-RJ, interposto contra acórdão de minha relatoria prolatado na
Apelação Cível nº 8.250/97, a Quarta Turma do STJ, relator o Min. Cesar Asfor
Rocha, assim se pronunciou sobre questão idêntica: "Vê-se, assim, ser certo que
os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam
como principal característica a sua intransmissibilidade. Nem por isso, contudo,
deixa de merecer proteção a imagem de quem falece, como se fosse coisa de
ninguém, porque ela permanece perenemente lembrada nas memórias, como
bem imortal que se prolonga para muito além da vida, estando até acima dela,
como sentenciou Ariosto. Daí porque não se pode subtrair da mãe o direito de
defender a imagem da sua falecida filha, pois são os pais aqueles que, em linha
de normalidade, mais se desvanecem com a exaltação feita à memória e à
imagem do falecido filho, como são os que mais se abatem e se deprimem por
qualquer gesto que possa lhes trazer máculas. Daí porque têm eles legitimidade
ativa para postular reparação por ofensas morais feitas à imagem de seus filhos,
o que digo apenas de passagem já que o dano moral não foi aqui reconhecido
e nem está mais sendo questionado. Ora, se é assim com razão maior se dá
quando se cuida de buscar indenização pela ocorrência de dano material, por
veiculação indevida e desautorizada da imagem da filha falecida pois a mãe
também postula por direito próprio na condição de sua sucessora ."
A prévia autorização é um mecanismo protetor e permite garantir aos herdeiros
a justa remuneração do correspondente uso da imagem e da exploração
comercial da obra de biografia, evitando que terceiro sem título jurídico algum
obtenham ganhos remuneratórios.
Destarte, a prévia autorização dos herdeiros de Garrincha para a exploração
comercial de sua biografia era medida indispensável, certo que o v. acórdão
centra o seu fundamento como razão de decidir neste ponto essencial,
destacando que a ilicitude, que gera o direito a indenização do dano material,
foi a publicação não autorizada e se correto afirmar que os direitos da
personalidade são intransmissíveis, nem por isto deixam de merecer proteção
77
em favor de familiares próximos. Não há nenhum reparo a ser feito no v.
acórdão, estando em perfeita sintonia com os princípios legais encontrados em
nosso ordenamento jurídico, inclusive a transmissibilidade dos direitos
contemplados nos incisos I a IV, do art. 24 da Lei
9.610/98, que são da personalidade." (fls. 557/560).
Quanto à compensação dos honorários, observo que esta
Quarta Turma tem entendido que, em ação de reparação de danos morais,
sendo os honorários advocatícios fixados sobre o valor da condenação, o
acolhimento parcial do valor da indenização postulado na inicial, do que
decorre diminuição do quanto ali requerido, já importa em que os honorários
sejam tidos como distribuídos e compensados.
Com efeito, conheço do recurso da ré pelo dissídio mas para lhe negar
provimento.
04. Diante de tais pressupostos, dos recursos das autoras, o primeiro conheço
parcialmente e, nessa parte, dou parcial provimento, não conhecendo do
segundo; e o recurso da ré conheço pelo dissídio, para negar-lhe provimento,
em face do que a ação é julgada parcialmente procedente para,
reconhecendo a ocorrência de danos materiais e morais, condenar a ré a
pagar às autoras, as indenizações, a título de dano moral, no valor
correspondente a cem salários mínimos para cada uma, com incidência de
juros de mora de seis por cento ao ano deste a data do lançamento do livro, e,
a título de dano material, no valor correspondente a cinco por cento sobre o
total do preço do livro a ser apurado em liquidação, com juros de seis por cento
ao ano contados a partir da citação, já que este ponto não foi atacado via
embargos infringentes, ocorrendo a preclusão.
RECURSO ESPECIAL Nº 521.697 - RJ (2003/0053354-3)
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (PRESIDENTE): Srs. Ministros,
também estou de acordo com o Sr. Ministro-Relator. Entendo que é devido dano
moral, sem dúvida nenhuma, e creio que é muito razoável que se compreenda
que um ataque ao pai ou à mãe já falecidos fere um direito dos filhos. Isso é tão
óbvio, que dispensa maiores justificativas a respeito.
78
Por isso, acompanho o eminente Relator, e, também, em relação ao valor do
dano moral, em função dos parâmetros que têm sido aqui observados em vários
precedentes. Quanto ao recurso da ré, dele também conheço, mas nego-lhe
provimento.
6. UNIÃO HOMOAFETIVA ADI 4277, STF E ADPF 132, RJ
6.1 RESUMO
A união homoafetiva sempre esteve presente na história da humanidade,
porém nunca foi reconhecida pelo direito. Este estudo analisou o
reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo, sendo merecedora de
proteção pelo Direito da Família como entidade familiar. Os casais
homoafetivos, segundo o princípio da igualdade formal, são iguais aos
heteroafetivos perante a lei, devendo ter os seus direitos respeitados e aplicados
de forma igualitária. Conclui-se que o reconhecimento das uniões entre pessoas
do mesmo sexo, como entidade familiar merecedora do abrigo do Direito de
Família, deve ser uma questão mais social e política do que jurídica. O direito
possui ferramentas para incluir essas uniões, até então excluídas, ressaltando
que a própria Constituição Federal traz em seu texto o princípio da igualdade,
não só formal como também material, abrindo a possibilidade e a necessidade
de entrada no ordenamento jurídico de uma lei que regule as parcerias
homoafetivas, bastando, para isso, conforme entendimento de alguns, uma
Emenda Constitucional. Neste trabalho, quanto à união homoafetiva, estudou-
se suas novidades, seu tratamento dado pelo ordenamento brasileiro, entre
outros.
Palavras-chave: União homoafetiva, Igualdade, Dignidade da pessoa humana, Constituição Federal
79
6.2 Introdução
A família sempre passa por inúmeras evoluções, seja na época de
outrora, seja na época atual da pós-modernidade. A família atual gera
conceitos e situações que a legislação não consegue prever.
Exatamente por isso, o judiciário tem que enfrentar constantemente fatos
novos desta relação social. A Constituição Federal dispõe que a união estável
será reconhecida como família. Diante disso, não há que se discutir sobre esse
tipo de família, uma vez que o próprio Estado assegura sua formação.
Entretanto, a sociedade evolui juntamente com as famílias, mas essa
evolução não condiz com a da legislação. Por isso, outras modalidades vão
surgindo sob as que existem atualmente, como no caso das uniões
homoafetivas, que são consideradas verdadeiras uniões estáveis, porém com
casais do mesmo sexo.
O presente trabalho procurará abordar as inovações que a Constituição
Federal trouxe ao Direito de Família, em especial a união homoafetiva. Trata-se
de um trabalho interdisciplinar com a coordenação das disciplinas de Direito
Civil e Direito Constitucional. Todas estas tocam, de certa maneira, o tema do
artigo. A vertente teórico-metodológica a ser utilizada será a da tecnologia
social científica, o raciocínio predominante será dedutivo.
80
6.3 ASPECTOS FUNDAMENTAIS NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA
Pode-se dizer que a regra maior da Constituição Federal de 1988 é o
respeito à dignidade humana, que implica dotar os princípios da igualdade e
da isonomia de potencialidade transformadora na configuração de todas as
relações jurídicas, no que se faz concluir que as mesmas regras da união estável
devem ser utilizadas para a união homoafetiva.
No entanto, as uniões de pessoas do mesmo sexo até recentemente
eram ignoradas pelo ordenamento jurídico pátrio que não assegurava aos
parceiros direitos previdenciários, direitos sucessórios, direito ao benefício do
seguro saúde ou qualquer outra garantia legítima em uma união estável
tradicional.
Atualmente, embora ainda não haja lei formal para definir a matéria,
houve um recente julgado do Supremo Tribunal Federal, que estabeleceu aos
companheiros da relação homoafetiva duradoura e pública os mesmos diretos
e deveres das famílias formadas por homens e mulheres.
Pois bem, o que muda então com esse novo entendimento? Os itens
abaixo apontam o que realmente mudará após este novo entendimento:
a) comunhão parcial de bens: conforme o Código Civil, os
parceiros em união homoafetiva, assim como aqueles de união
estável, declaram-se em regime de comunhão parcial de bens;
b) pensão alimentícia: assim como nos casos previstos para
união estável no Código Civil, os companheiros ganham direito a
pedir pensão em caso de separação judicial;
c) pensões do INSS: atualmente, o INSS já concede pensão
por morte para os companheiros de pessoas falecidas, mas a
atitude ganha maior respaldo jurídico com a decisão;
d) planos de saúde: as empresas de saúde em geral já
aceitam parceiros como dependentes ou em planos familiares,
mas atualmente, se houver negação, a Justiça pode ter posição
mais rápida;
e) políticas públicas: os casais homossexuais tendem a ter
mais relevância como alvo de políticas públicas e comerciais,
embora iniciativas nesse sentido já existam de maneira esparsa;
f) imposto de renda: por entendimento da Receita Federal,
os homossexuais já podem declarar seus companheiros como
dependentes, mas a decisão ganha maior respaldo jurídico;
81
g) sucessão: para fins sucessórios, os parceiros ganham os
direitos de parceiros heterossexuais em união estável, mas podem
incrementar previsões por contrato civil;
h) licença-gala: alguns órgãos públicos já concediam
licença de até 9 dias após a união de parceiros, mas a ação deve
ser estendida para outros e até para algumas empresas privadas;
i) adoção: a lei atual não impede os homossexuais de
adotarem, mas dá preferência a casais, logo, com o
entendimento, a adoção para os casais homossexuais deve ser
facilitada.‖ 27
Embora seja este o atual entendimento, ainda é notório o preconceito
quanto à união estável homoafetiva, todavia, nada adiantará assegurar direitos
a essa união enquanto a dignidade humana e a liberdade estão sofrendo
discriminação.
No entendimento de Washington de Barros Monteiro, ―Enquanto houver
segmentos alvos da exclusão social, tratamento desigualitário entre homens e
mulheres, a homossexualidade for vista como crime, castigo ou pecado, não se
está vivendo em um Estado Democrático de Direito‖ .
Nas palavras de Cristiano Chaves:
―Ainda que se conceitue família como uma relação
interpessoal entre um homem e uma mulher, tendo por base o
afeto, necessário reconhecer que há relacionamentos que,
mesmo sem a diversidade de sexos, são cunhados também por
um elo de afetividade. Os relacionamentos afetivos,
independentemente da identificação do sexo do par – se
formados por homens e mulheres, ou só por mulheres, ou só por
homens – são alvos de proteção, em razão da imposição
constitucional do respeito à dignidade humana.‖
Caso haja impossibilidade de se reconhecer os direitos de uma união
estável homoafetiva, será um ato absolutamente discriminatório, pois, essas
uniões são relacionamentos que surgem de um vínculo afetivo, gerando o
27 DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.
175.
82
enlaçamento de vidas com desdobramentos de caráter pessoal e patrimonial,
estando a reclamar um regramento legal.
Conforme assevera Maria Berenice Dias:
―Reconhecer como juridicamente impossíveis ações que
tenham por fundamento uniões homossexuais é relegar
situações existentes à invisibilidade e ensejar a consagração
de injustiças e o enriquecimento sem causa. Nada justifica, por
exemplo, deferir uma herança a parentes distantes em prejuízo
de quem muitas vezes dedicou uma vida a outrem,
participando na formação do acervo patrimonial. Descabe ao
juiz julgar as opções de vida das partes, pois deve se cingir
apreciar as questões que lhe são postas, centrando-se
exclusivamente na apuração dos fatos para encontrar uma
solução que não se afaste de um resultado justo.‖ 28
Incabível, portanto, que as convicções subjetivas impeçam seu
enfrentamento e vedem a atribuição de efeitos, relegando à marginalidade
determinadas relações sociais, pois a mais cruel consequência do agir omissivo
é a perpetração de grandes injustiças.
Nesta seara, e conforme o atual entendimento do Supremo Tribunal
Federal, passando duas pessoas ligadas por um vínculo afetivo a manter uma
relação duradoura, pública e contínua, como se casados fossem, formando um
núcleo familiar à semelhança do casamento, independentemente do sexo a
que pertencem, torna-se imperioso identificá-la como geradoras de efeitos
jurídicos.
Em face do silêncio do constituinte e da omissão do legislador, deve o juiz
cumprir a lei e atender à determinação constante do artigo 4º da Lei de
Introdução ao Código Civil (BRASIL, 2002, p. 225) e do artigo 126 do Código de
Processo Civil (BRASIL, 1973, p. 573), não podendo deixar de julgar determinados
casos por ausência de legislação.
Foi exatamente isto que o STF fez, estendeu os efeitos da união estável
aos casais do mesmo sexo na ausência de uma regulação própria.
28 DIAS, Maria Berenice. op cit, 2008. p. 178.
83
6.4 O RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE
FAMILIAR: UMA BREVE ANÁLISE DOS VOTOS QUE CONSTIUIRAM A DECISÃO
O dia 5 de maio de 2011 foi o marco histórico na luta pela igualdade de
direitos entre pessoas do mesmo sexo. Após anos de incansáveis batalhas no
Poder Judiciário, os pares homoafetivos obtiveram junto ao Supremo Tribunal
Federal – STF uma grande vitória, ou seja, o reconhecimento da união estável
homoafetiva como entidade familiar. A decisão veio após o julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº. 4277/DF, que foi ajuizada pela
Procuradoria Geral da República, juntamente com a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF nº. 132/RJ, ajuizada pelo
Estado do Rio de Janeiro.
A Procuradoria Geral da República, sustenta que o não reconhecimento
da União Estável de pessoas do mesmo sexo fere os princípios da Dignidade da
Pessoa Humana, o da Igualdade, Liberdade, da Proteção a segurança Jurídica,
da vedação de discriminação, conforme arts. 1º inciso III; art 5º. Caput e art. 3º,
inciso V respectivamente, todos previstos na Constituição da República.
Já na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF nº.
132 / RJ movida pelo Estado do Rio de Janeiro, assim como a ADI nº. 4277/DF
sustentam contrariedade aos preceitos fundamentais da Liberdade (Autonomia
da Vontade), Igualdade e Dignidade da pessoa Humana. Devido a esta
igualdade de objetivos é que estas ações foram apreciadas em conjunto.
Sem dúvida nenhuma, a questão do direito homoafetivo tem sido um
ponto bastante controverso no direito brasileiro e de muita divergência entre
julgamentos. Infelizmente, o legislador não cuidou de regulamentar a união de
pessoas do mesmo sexo, motivo pelo qual surgem inúmeras ações na justiça em
busca de tal reconhecimento. Sendo assim considerada de extrema
importância a presente decisão nos recursos acima mencionados, que vem dar
um alento aos pares homoafetivos em relação à questão, garantindo assim uma
vida digna e igual aos pares heteroafetivos.
Primeiramente é importante dizer que todos os Ministros que votaram no
julgamento da ADI nº. 4277/DF e ADPF nº. 132/RJ manifestaram-se pela
procedência das ações e assim reconhecendo a união homoafetiva como
entidade familiar. Desta forma devendo ser aplicado o mesmo tratamento
dado as uniões estáveis heteroafetivas. O relator do julgamento foi o Ministro
84
Ayres Britto, que brilhantemente apresentou seu voto, defendendo o direito
homoafetivo, e elucidando todos os pontos críticos e em desconformidade com
o que vivenciamos hoje.
6.5 A RELIGIÃO E A UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA
A Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB), já emitiu um
comunicado a respeito do tema união estável homoafetivo, manifestando de
forma expressamente contrária em relação a temas ligados aos direitos dos
homossexuais: ―reafirma-se a posição contrária ao casamento entre pessoas do
mesmo sexo e à adoção de crianças por casais homoafetivos‖ .
(CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS, 2010).
Segundo o diretor da Federação Espírita Brasileira (FEB), Geraldo
Campetti (2010):“O espiritismo é uma doutrina de liberdade e de respeito a
todos os posicionamentos. Em relação aos homoafetivos, considera-se
importante que num relacionamento haja amor e afetividade, independente
da opção sexual. Não se adentra no mérito de qual sexo, não havendo nenhum
problema na união estável entre pessoas homossexuais e na adoção. Deve-se
ter respeito pelo semelhante. Qual o problema de um casal de mulheres adotar
uma criança? O importante é fazê-lo com amor. O espiritismo defende a
liberdade, com responsabilidade.”
As igrejas evangélicas cristãs, até mesmo em discurso de deputados
federais e senadores integrantes de algumas destas instituições religiosas,
demonstram posicionamento imperativo contrário em relação às questões
como união estável entre homossexuais e adoção.
Para o pastor e representante da Igreja Batista Vida, Luciano Camargos
(2010):
―Os parâmetros bíblicos e a união entre pessoas homossexuais, no
máximo, configura um casal, mas não um seio familiar. Quando
concorda-se ou permite-se uma união deste tipo, se coloca em
questão a garantia da família e de sua continuidade. Pessoas do
mesmo sexo não terão filhos e no máximo poderão adotar
crianças. Não se opõe à pessoa, mas sim, a prática do
homossexualismo. Assim como um marido ou uma esposa infiéis,
os seres humanos que se relacionam com pessoas do mesmo sexo
precisam de ajuda para encontrar redirecionamento em suas
vidas. ―
85
Devido ao fato de não haver leis no Brasil em relação às relações
homoafetivas, as convicções pessoais dos magistrados pesam majoritariamente
nas decisões da Justiça, esvaziando-as de objetividade.
Para Nacib Rachid Silva:
―Quando se fala em preconceito, é preciso entender que há uma
Constituição que garante igualdade para todos. A própria
sociedade esmurra as portas do Judiciário, impondo avanços
sempre tão lentos quanto o andamento dos processos. Ao julgar,
a maioria dos senhores juízes lava as mãos, restringindo-se, muitas
vezes, a aplicar a lei, que é insuficiente à demanda social. Não se
pode aceitar que, sob o manto da religião, da legalidade estrita,
da omissão legal, tolham-se direitos de pessoas por que elas fazem
sexo de uma maneira supostamente diferente em relação a
quem escreve as leis e as aplica.‖ (SILVA, 2010, p. 12).
Assim, existem religiões que são contra a união estável homoafetiva,
como também existem aquelas que aceitam a homoafetividade, no entanto,
será através da convicção do magistrado que será decido o futuro e os direitos
dessa união, até que surgem leis próprias para regulamentar sobre essas
determinadas questões.
6.6 A PRESIDENTE DA REPÚBLICA E A UNIÃO HOMOAFETIVA
Quando José Serra e Dilma Rousseff disputavam a presidência da
República do Brasil, os mesmos manifestaram serem a favor da união estável
homoafetiva.
José Serra, em manifestação quando estava em campanha, apresentou
a seguinte posição, conforme publicado no jornal ―O Diário‖ (2010): ―A união
em torno de direitos civis já existe, inclusive na prática, pelo Judiciário. E eu sou
a favor para efeito de Direito. Outra coisa é o casamento, que tem um
componente religioso das igrejas. E aí cada igreja define sua posição‖ .
A posição foi semelhante a da então futura presidenta do Brasil Dilma
Rousseff, manifestando seu entendimento da seguinte forma, também
conforme publicação do jornal ―O Diário‖ (2010): ―O que é relativo à religião
é o casamento entre homossexuais, união civil é uma questão de direitos civis‖ .
86
Assim, pode ser que em um futuro próximo, a união estável homoafetiva
pode enfim ser reconhecida, uma vez que, presumidamente, não haveria um
veto presidencial a um eventual projeto de lei aprovada na Câmera dos
Deputados pelo Senado Federal.
6.7 OS DADOS DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA NO IBGE
Nunca havia sido realizado nenhum tipo de pesquisa referente às
questões homoafetivas no Brasil, no entanto, o Censo Demográfico do ano de
2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), trouxeram novas
perguntas com objetivo de estar mais atualizado em relação às mudanças da
sociedade brasileira nos últimos anos.
Uma das novidades foi a inclusão da pergunta sobre a existência de
cônjuge ou companheiro do mesmo sexo no domicílio.
Tal questionamento teve por fundamento a nova concepção de família,
onde traz a evolução da sociedade e como estão se comportando,
atualmente, as convivências familiares.
A novidade elaborada pelo censo contribuiu para uma nova
mentalidade, uma vez que trouxe a comprovação da mais nova forma de
constituição de família, que é a união estável homoafetiva. Ainda não
possuímos o resultado de tais pesquisas, mas a existência da mesma já é um
indicativo que o Estado brasileiro não é indiferente à esta união. Além do mais,
o instituto da união homoafetiva só será bem delineado se for bem estudado
pelo Estado, desta maneira as futuras leis que regularão a matéria terão
embasamento fático e maior potencial de efetividade.
6.8 PRINCIPAIS PROJETOS DE LEIS PARA A UNIÃO HOMOAFETIVA
Existem projetos de lei em trâmite na Câmara dos Deputados que visam
regulamentar a união estável homoafetiva e que vedam expressamente
direitos, como por exemplo, a adoção.
87
Abaixo, os projetos de lei:
a) Projeto de Lei nº. 7.018/2010: veda a adoção de crianças
e adolescentes por casais do mesmo sexo; b) Projeto de Lei nº. 4.508/2008: proíbe a adoção por
homossexual; c) Projeto de Lei nº. 1.151/1995: disciplina a união civil entre
pessoas do mesmo sexo e dá outras providências; d) Projeto de Lei 379/2003: institui o Dia Nacional do Orgulho
Gay e da Consciência Homossexual.
Em relação ao Projeto de Lei nº. 7018/10, que veda a adoção de crianças
e adolescentes por casais do mesmo sexo e que está em tramite na Câmara
dos Deputados, tem por fundamento modificar a redação do artigo 42, § 2º, do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Atualmente, a redação do parágrafo segundo dispõe da seguinte forma:
―Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos,
independentemente do estado civil.[...]§ 2º. Para adoção
conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados
civilmente ou mantenham união estável, comprovada a
estabilidade da família.‖ 29
Logo, como estão sendo aceitas, ainda que timidamente, as uniões
estáveis homoafetivas, não existiria proibição para a adoção por pessoas do
mesmo sexo nessa condição. Há, contudo, muita discussão e divergência.
Sem embargo, o texto do Projeto de Lei nº. 7018/2010 dispõe da seguinte
forma:
―Art. 1º. Esta lei altera o parágrafo 2º do artigo 42 da Lei nº. 8.069,
de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, para proibir a
adoção por casais do mesmo sexo.Art. 2º. O parágrafo 2º do
artigo 42 da Lei nº. 8.069, de 1990, passa a vigorar com a seguinte
redação:
Art. 42. [...][...]§ 2º. Para adoção conjunta, é indispensável que os
adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união
estável, comprovada a estabilidade da família, sendo vedada a
adotantes do mesmo sexo.Art. 3º Esta lei entra em vigor na data
de sua publicação‖ . (Projeto de Lei nº. 7.018, 2010).
29 Lei nº. 8.069, 1990.
88
Com efeito, se for aprovado o respectivo Projeto de Lei, fica a indagação
sobre a aplicação do artigo 5º da Constituição Federal que dispõe: ―Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza‖ . Não seria esta uma
distinção legal sem fundamento na efetivação da igualdade material?
Ademais, cai por terra todo o direito que se teria um casal estável gay,
uma vez que ao mesmo tempo em que se dá direitos aos mesmos, se tira, pois
a qualquer um seria permitido adotar uma criança ou adolescente, salvo
aqueles casais do mesmo sexo.
Seria um retrocesso e uma falta de observância dos princípios emanados
da Constituição brasileira, como por exemplo, o da igualdade e isonomia.
6.9 CONCLUSÃO
A Constituição Federal (BRASIL, 1988), no tocante aos direitos e garantias
fundamentais, visa resguardar um mínimo de dignidade aos cidadãos. Depois
da vida, o bem mais precioso que o ser humano pode possuir é a família.
Embora estejam regulados e reconhecidos legalmente, doutrinariamente
e juridicamente os direitos dos companheiros na união estável, a lei não
consegue evoluir no mesmo ritmo das famílias, haja vista que muitas mudanças
ocorrem em curto espaço de tempo. Como exemplo, é o novo entendimento
da jurisprudência brasileira aliada a recente decisão do Supremo Tribunal
Federal quanto à união estável homoafetiva, ou seja, do reconhecimento da
união estável por pessoas do mesmo sexo.
A conclusão que fica é que só agora a Jurisprudência resolveu iniciar o
processo de resolução de um problema que se arrasta por muitas décadas.
89
Ainda é cedo para uma conclusão mais precisa, mas tudo indica que o
casamento entre pessoas do mesmo sexo não demora para ser legalizado no
Brasil.
ANEXO I RESUMO DA ADI 4.277/DF
05/05/2011 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.277 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. AYRES BRITTO
REQTE.(S) :PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL
INTDO.(A/S) :CONECTAS DIREITOS HUMANOS
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS, LÉSBICAS E
TRANSGÊNEROS - ABGLT
ADV.(A/S) :MARCELA CRISTINA FOGAÇA VIEIRA E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO DE INCENTIVO À EDUCAÇÃO E SAÚDE DE
90
SÃO PAULO
ADV.(A/S) :FERNANDO QUARESMA DE AZEVEDO E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA - IBDFAM
ADV.(A/S) :RODRIGO DA CUNHA PEREIRA
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS
ADV.(A/S) :REINALDO JOSÉ GALLO JÚNIOR
INTDO.(A/S) :CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB
ADV.(A/S) :JOÃO PAULO AMARAL RODRIGUES E OUTRO(A/S)
EMENTA: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
(ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO.
RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU
RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE
OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZAABSTRATA.
JULGAMENTO CONJUNTO.
Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF,
com a finalidade de conferir ―interpretação conforme à Constituição‖ ao
art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação.
2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA
NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA
ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO
PRECONCEITO COMO CAPÍTULO
ADI 4.277 / DF
DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO
COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA
PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE
VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA.
O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em
sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica.
Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição
91
Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de
―promover o bem de todos‖ . Silêncio normativo da Carta Magna a
respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana
―norma geral negativa‖ , segundo a qual ―o que não estiver juridicamente
proibido, ou
obrigado, está juridicamente permitido‖ . Reconhecimento do direito à
preferência sexual como direta emanação do princípio da ―dignidade da
pessoa humana‖ : direito a auto-estima no mais elevado ponto da
consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da
proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade
sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade
das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade
e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade.
Cláusula pétrea.
3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA.
RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO
SUBSTANTIVO ―FAMÍLIA‖ NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA
PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIOCULTURAL
E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA.
INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA.
O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial
proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família
em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco
importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por
casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988,
ao utilizar-se da expressão ―família‖ , não limita sua formação a casais
heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia
religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída
entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma
necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus
institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria
Constituição designa por ―intimidade e vida privada‖ (inciso X do art. 5º).
92
Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente
ganha plenitudede sentido se desembocar no igual direito subjetivo à
formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou
continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da
interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que
também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da
Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na
direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência
do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto
Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa
pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.
4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E
MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO
PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS
HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO
HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOSCONCEITOS DE ―ENTIDADE
FAMILIAR‖ E ―FAMÍLIA‖ .
A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do
seu art. 226,deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor
oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem
hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a
um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes
brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para
ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a
cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que,
ao utilizar da terminologia ―entidade familiar‖ ,não pretendeu diferenciá-
la da ―família‖ . Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade
jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e
autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado ―entidade
familiar‖ como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita
a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo
de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou
93
de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a
sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito
dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os
indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição
Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente
listados na Constituição, emergem ―do regime e dos princípios por ela
adotados‖ , verbis:
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte”.
5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO
DO ACÓRDÃO.
Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar
Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo
enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família
constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união
entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar.
Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da
imediata auto-aplicabilidade da Constituição.
6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA ―INTERPRETAÇÃO CONFORME‖ ).
RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA
DAS AÇÕES.
Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou
discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-
se necessária a utilização da técnica de ―interpretação conforme à
Constituição‖ . Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado
que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre
pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito
segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável
heteroafetiva.
94
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal em conhecer da Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental 132 como ação direta de inconstitucionalidade, e julgá-la em
conjunto com a ADI 4277, por votação unânime.
Prejudicado o primeiro pedido originariamente formulado na ADPF, por votação
unânime. Rejeitadas todas as preliminares, por votação unânime. Os ministros
desta Casa de Justiça, ainda por votação unânime, acordam em julgar
procedentes as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante,com as
mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva, autorizados os
Ministros a decidirem monocraticamente sobre a mesma questão,
independentemente da publicação do acórdão. Tudo em sessão presidida
pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas. Votou o Presidente.
Brasília, 05 de maio de 2011. MINISTRO AYRES BRITTO - RELATOR
95
ANEXO II ADPF Nº 132 / RIO DE JANEIRO
Processo: ADPF 132 RJ
Relator(a): Min. AYRES BRITTO
Julgamento: 05/05/2011
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOLPublicação:
02607-01 PP-00001
GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DOS ESTADOS
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CONECTAS DIREITOS HUMANOS
EDH - ESCRITÓRIO DE DIREITOS HUMANOS DO ESTADO DE
MINAS GERAIS
GGB - GRUPO GAY DA BAHIA
ELOISA MACHADO DE ALMEIDA
ANIS - INSTITUTO DE BIOÉTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO
EDUARDO BASTOS FURTADO DE MENDONÇA
Parte(s):
GRUPO DE ESTUDOS EM DIREITO INTERNACIONAL DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - GEDI-UFMG
CENTRO DE REFERÊNCIA DE GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS,
TRAVESTIS, TRANSEXUAIS E TRANSGÊNEROS DO ESTADO DE
MINAS GERAIS - CENTRO DE REFERÊNCIA GLBTTT
96
CENTRO DE LUTA PELA LIVRE ORIENTAÇÃO SEXUAL - CELLOS
ASSOCIAÇÃO DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS DE MINAS GERAIS -
ASSTRAV
RODOLFO COMPART DE MORAES
GRUPO ARCO-ÍRIS DE CONSCIENTIZAÇÃO HOMOSSEXUAL
THIAGO BOTTINO DO AMARAL
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS,
TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - ABGLT
CAPRICE CAMARGO JACEWICZ
INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA - IBDFAM
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA
SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIREITO PÚBLICO - SBDP
EVORAH LUSCI COSTA CARDOSO
ASSOCIAÇÃO DE INCENTIVO À EDUCAÇÃO E SAÚDE DO
ESTADO DE SÃO PAULO
FERNANDO QUARESMA DE AZEVEDO E OUTRO(A/S)
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB
FELIPE INÁCIO ZANCHET MAGALHÃES E OUTRO(A/S)
ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS
RALPH ANZOLIN LICHOTE E OUTRO(A/S)
Ementa:
1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF).
PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU
RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS
ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO.
Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a
finalidade de conferir ―interpretação conforme à Constituição‖ ao art. 1.723 do
Código Civil. Atendimento das condições da ação.
2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA
NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA
ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO
COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO
PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA
97
DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE.
DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas,
salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não
se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz
do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o
objetivo constitucional de ―promover o bem de todos‖ . Silêncio normativo da
Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque
da kelseniana ―norma geral negativa‖ , segundo a qual ―o que não estiver
juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido‖ .
Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do
princípio da ―dignidade da pessoa humana‖ : direito a autoestima no mais
elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto
normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à
liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da
vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da
intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas.
Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.
3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA.
RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO
SUBSTANTIVO ―FAMÍLIA‖ NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA
TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO
ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-
REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade,
especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família.
Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco
importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais
heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se
da expressão ―família‖ , não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a
formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como
instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas,
mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica.
Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos
fundamentais que a própria Constituição designa por ―intimidade e vida
privada‖ (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares
98
homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual
direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura
central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da
interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que
também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição
Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo
como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal
Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu
fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de
preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.
4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E
MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO
PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS
HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO
HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE ―ENTIDADE
FAMILIAR‖ E ―FAMÍLIA‖ . A referência constitucional à dualidade básica
homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se
perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou
sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um
mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros.
Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da
Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo
do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia ―entidade
familiar‖ , não pretendeu diferenciá-la da ―família‖ . Inexistência de hierarquia
ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas deconstituição de um
novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado ―entidade
familiar‖ como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a
formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que
não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de
um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na
hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua
não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do§
2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias,
não expressamente listados na Constituição, emergem ―do regime e dos
princípios por ela adotados‖ , verbis: ―Os direitos e garantias expressos
99
nestaConstituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte‖ .
5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO.
Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar
Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo
enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família
constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união
entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar.
Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da
imediata auto-aplicabilidade da Constituição.
6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE
COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA ―INTERPRETAÇÃO CONFORME‖ ).
RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA
DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso
ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio,
faz-se necessária a utilização da técnica de ―interpretação conforme à
Constituição‖ . Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado
que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre
pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito
segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável
heteroafetiva.
DECISÃO
Decisão: Chamadas, para julgamento em conjunto, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4.277 e a Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental 132, após o voto do Senhor Ministro Ayres Britto (Relator), que
julgava parcialmente prejudicada a ADPF, recebendo o pedido residual como
ação direta de inconstitucionalidade, e procedentes ambas as ações, foi o
julgamento suspenso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Ausente,
justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Falaram, pela requerente da
ADI 4.277, o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República;
pelo requerente da ADPF 132, o Professor Luís Roberto Barroso; pela Advocacia-
100
Geral da União, o Ministro Luís Inácio Lucena Adams; pelos amici curiae
Conectas Direitos Humanos; Instituto Brasileiro de Direito de Família -
IBDFAM; Grupo Arco-Íris de Conscientização Homossexual; Associação Brasileira
de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT; Grupo de Estudos
em Direito Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais - GEDI-UFMG
e Centro de Referência de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e
Transgêneros do Estado de Minas Gerais - Centro de Referência GLBTTT; ANIS -
Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero; Associação de Incentivo à
Educação e Saúde de São Paulo; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil -
CNBB e a Associação Eduardo Banks, falaram, respectivamente, o
Professor Oscar Vilhena; a Dra. Maria Berenice Dias; o Dr. Thiago Bottino do
Amaral; o Dr. Roberto Augusto Lopes Gonçale; o Dr. Diego Valadares
Vasconcelos Neto; o Dr. Eduardo Mendonça; o Dr. Paulo Roberto Iotti Vecchiatti;
o Dr. Hugo José Sarubbi Cysneiros de Oliveira e o Dr. Ralph Anzolin Lichote.
Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 04.05.2011. Decisão:
Prosseguindo no julgamento, o Tribunal conheceu da Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental 132 como ação direta de
inconstitucionalidade, por votação unânime. Prejudicado o primeiro pedido
originariamente formulado na ADPF, por votação unânime. Rejeitadas todas as
preliminares, por votação unânime. Em seguida, o Tribunal, ainda por votação
unânime, julgou procedente as ações, com eficácia erga omnes e efeito
vinculante, autorizados os Ministros a decidirem monocraticamente sobre a
mesma questão, independentemente da publicação do acórdão.
Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli.
Plenário, 05.05.2011.
7. INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ (ANENCÉFALA) ADPF 54, STF;
7.1 O que é anencefalia?
101
A anencefalia é uma malformação rara do tubo neural, caracterizada pela
ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de
fechamento do tubo neural nas primeiras semanas da formação embrionária.
Ao contrário do que o termo possa sugerir, a anencefalia não caracteriza casos
de ausência total do encéfalo, mas situações em que se observam graus
variados de danos encefálicos. A dificuldade de uma definição exata do termo
"baseia-se sobre o fato de que a anencefalia não é uma má-formação do tipo
'tudo ou nada', ou seja, não está ausente ou presente, mas trata-se de uma má-
formação que passa, sem solução de continuidade, de quadros menos graves
a quadros de indubitável anencefalia. Uma classificação rigorosa é, portanto
quase que impossível".
Na prática, a palavra "anencefalia" geralmente é utilizada para caracterizar
uma má-formação fetal do cérebro. Nestes casos, o bebê pode apresentar
algumas partes do tronco cerebral funcionando, garantindo algumas funções
vitais do organismo.2
Trata-se de patologia letal. Bebês com anencefalia possuem expectativa de
vida muito curta, embora não se possa estabelecer com precisão o tempo de
vida que terão fora do útero. A anomalia pode ser diagnosticada, com certa
precisão, a partir das 12 semanas de gestação, através de um exame de ultra-
sonografia, quando já é possível a visualização do segmento cefálico fetal.
O risco de incidência aumenta 5% a cada gravidez subsequente. Inclusive,
mães diabéticas têm seis vezes mais probabilidade de gerar filhos com este
problema. Há, também, maior incidência de casos de anencefalia em mães
muito jovens ou nas de idade avançada. Uma das formas de prevenção mais
indicadas é a ingestão de ácido fólico antes e durante a gestação.
7.2 Sinais e Sintomas
Um recém-nascido com anencefalia geralmente é cego, surdo, inconsciente e
incapaz de sentir dor. Embora alguns indivíduos com anencefalia possam nascer
com um tronco encefálico, a falta de um cérebro funcionante descarta a
possibilidade de vir a ter consciência e ações reflexas, como a respiração e
respostas aos sons ou toques
102
7.3 Diagnóstico
A anencefalia, pode ser diagnosticada no pré-natal através de um exame de
ultrassom. O diagnóstico ultrassonográfico tem alta acurácia e é baseado na
ausência do cérebro e da calota craniana. Outra característica que pode ser
observada na ultrassonografia é a polidramnia, que ocorre em até 50% dos
casos durante o 2º e 3º trimestres de gestação devido à menor deglutição do
feto.
A dosagem de alfafetoproteína (AFP) sérica materna e o ultrassom fetal7 são
úteis para rastreio de defeitos do tubo neural como espinha bífida ou
anencefalia.
Às vezes a anencefalia não é diagnosticada, pois o feto acaba evoluindo para
aborto espontâneo. Em outros, principalmente em mulheres que não têm
acesso ao pré-natal, a doença é diagnosticada apenas durante o parto.
7.4 Prognóstico
Não existe cura ou tratamento padrão para a anencefalia e o prognóstico para
estes pacientes é a morte. A maioria dos fetos não sobrevivem ao nascimento,
o que corresponde a 55% dos casos não abortados. Quando a criança não é
um natimorto (nasce sem vida), ela geralmente morre de parada
cardiorrespiratória em poucas horas ou dias após o nascimento.
Entretanto, já existiram casos relatados de anencefalia que os pacientes
sobreviveram até 2 anos após o nascimento.
Em um caso que se tornou famoso no Brasil (ocorrido no Município de Patrocínio
Paulista), uma criança diagnosticada como anencéfala viveu por um ano, oito
meses e doze dias após o nascimento. A menina, batizada de Marcela de Jesus
Galante Ferreira, nasceu no dia 20 de novembro de 2006 e morreu no dia 31 de
julho de 2008. Marcela não tinha o córtex cerebral, apenas o tronco cerebral,
responsável pela respiração e pelos batimentos cardíacos. A menina faleceu
em consequência de uma pneumonia aspirativa. O caso gerou divergências:
alguns especialistas, baseados na deficiência de uma definição exata do termo
"anencefalia", levantaram a hipótese de que a menina na verdade sofria de
uma malformação do crânio (encefalocele), associada a um desenvolvimento
reduzido do cérebro (microcefalia). Outros afirmam que o que houve, na
verdade, foi uma forma "não clássica" de anencefalia, como avaliou a pediatra
da menina, Márcia Beani Barcellos, profissional que mais acompanhou o caso.
103
Segundo Márcia, a sobrevivência surpreendente de Marcela foi "um exemplo
de que um diagnóstico não é nada definitivo".
7.5 Poder Judiciário
Há anos o Poder Judiciário lida com a polêmica questão do aborto em casos
de anencefalia, anomalia congênita que causa má-formação fetal e torna
inviável a vida extra-uterina. A doença é diagnosticada ainda no início da
gravidez.
Diante do prognóstico desanimador, muitas mulheres sofrem com graves
transtornos psicológicos, chegando, em alguns casos, a um quadro de
depressão profunda, além de terem a saúde física abalada em decorrência da
gestação. Por esses motivos, são frequentes os pleitos judiciais de interrupção
da gestação.
Nesse contexto, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS)
interpôs a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54. A ação
tem por finalidade obter o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal (STF)
no sentido de que os arts. 124, 126, caput, e 128, do Código Penal sejam
interpretados em conformidade com os princípios constitucionais. Desse modo,
a conduta do médico que, a pedido da gestante, põe fim a gravidez de feto
com anencefalia não mais seria considerada típica.
Outrossim, contempla-se duas vertentes acerca da temática. A primeira, que
considera haver conflito entre direitos fundamentais, pois, de um lado, estaria o
direito a vida do feto, de outro, o direito à saúde física e psíquica da gestante;
e a segunda, que entende não ser o nascituro merecedor de amparo jurídico,
ante a inviabilidade de sua vida extra-uterina.
7.6 Direitos Fundamentais
Se considerarmos que o feto é um ser vivo, dotado de direitos, verificaremos a
vinculação existente entre a autorização do aborto e a teoria geral dos direitos
fundamentais. A partir de então, pode-se defender a sobreposição dos
interesses da gestante em detrimento do direito a vida do feto ou, em sentido
oposto, a inviolabilidade do anencéfalo em face das pretensões de ordem não
existencial da mãe.
104
Nessa senda, embora estejamos diante de teses conflitantes – direito à vida
intra-uterina do feto anencéfalo em contraposição aos direitos relacionados ao
bem estar físico e psíquico da gestante –, os defensores de ambos os segmentos
pugnam pela incidência dos direitos fundamentais, no intuito de que seus
posicionamentos prevaleçam. Logo, percebemos a ocorrência de embate
entre direitos igualmente tutelados pelo ordenamento jurídico.
Fala-se, então, em eficácia horizontal dos direitos fundamentais, pois a colisão
de interesses dessa ordem se dá nas relações entre particulares, ou seja, entre
partes que se encontram no mesmo plano. No aborto anencefálico, diversos
direitos fundamentais, tanto do feto como da gestante, colidem, gerando uma
tensão que deve ser solucionada pela autoridade judiciária através do método
da ponderação.
Estando as partes opostas em situação de igualdade, percebemos que a
resolução do problema é bastante complexa. Contrariamente, é o que
acontece em relação à eficácia vertical dos direitos fundamentais, pois estes
são capazes de se sobreporem mais facilmente ao Estado, transpondo da
posição de sujeição na qual o particular se encontra e que o obriga a suportar
a atividade estatal ligada a direitos de relevo para a sociedade.
Dentre os direitos que entraram em choque quando está em pauta a
legalização do aborto do feto anencéfalo, três merecem maior
aprofundamento, quais sejam, os direitos à vida, à dignidade da pessoa
humana e à saúde da gestante.
7.7 Direito à vida e sua inviolabilidade
O direito à vida, conceituado por Dirley da Cunha Júnior com sendo "o direito
legítimo de defender a própria existência e de existir com dignidade, a salvo de
qualquer violação, tortura ou tratamento desumano e degradante" está
constitucionalmente amparado pelo art. 5º, que resguarda sua inviolabilidade.
Embora se apresente como essencial para a fruição de todos os demais direitos,
o direito à vida não é absoluto, vez que não pode ser analisado em si mesmo,
comportando mitigações que se legitimam em razão das circunstâncias.
105
7.8 Princípio da dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana se mostra como a fonte primária da qual os
demais direitos e garantias fundamentais extraem sua razão de ser.
7.9 Direito à saúde
A Organização Mundial da Saúde, ao divulgar a carta de princípios de 7 de
abril de 1948, documento contendo elementos norteadores do reconhecimento
do direito à saúde e da forma como as nações deveriam promovê-lo,
conceituou saúde como sendo "o estado do mais completo bemestar físico,
mental e social e não apenas a ausência de enfermidade". Por isso, para que
um indivíduo seja diagnosticado como saudável, é indispensável observar-se
sua qualidade de vida como um todo.
7.10 Decisão do Supremo
Após dois dias de debate, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na
quinta-feira dia 12/04/2012 que grávidas de fetos sem cérebro poderão optar
por interromper a gestação com assistência médica.
Por oito votos a dois, os ministros definiram que o aborto em caso de
anencefalia não é crime.
A decisão, que passa a valer após a publicação no "Diário de Justiça", não
considerou a sugestão de alguns ministros para que fosse recomendado ao
Ministério da Saúde e ao Conselho Federal de Medicina que adotassem
medidas para viabilizar o aborto nos casos de anencefalia.
Também foram desconsideradas as propostas de incluir, no entendimento do
Supremo, regras para a implementação da decisão.
O Código Penal criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e de
risco à vida da mãe, e não cita a interrupção da gravidez de feto anencéfalo.
106
Para a maioria do plenário do STF, obrigar a mulher manter a gravidez diante do
diagnóstico de anencefalia implica em risco à saúde física e psicológica. Aliado
ao sofrimento da gestante, o principal argumento para permitir a interrupção
da gestação nesses casos foi a impossibilidade de sobrevida do feto fora do
útero.
Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do
anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo,
por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de
proteção estatal. O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não
se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é
incompatível com a vida‖ , afirmou o relator da ação, ministro Marco Aurélio
Mello.
Ao final do julgamento, uma manifestante se exaltou e os ministros deixaram o
plenário enquanto ela gritava palavras de ordem. "Eu tenho vergonha. Hoje
para mim foi rasgada a Carta Magna. Se ela não protege os indefesos, que dirá
a nós", disse Maria Angélica de Oliveira Farias, advogada e participante de uma
associação de espíritas.
O voto do ministro Marco Aurélio foi acompanhado pelos ministros Ayres Britto,
Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso
de Mello. Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, presidente da corte, foram
contra. O caso foi julgado por 10 dos 11 ministros que compõem a Corte. Dias
Toffoli não participou porque se declarou impedido, já que, quando era
advogado-geral da União, se manifestou publicamente sobre o tema, a favor
do aborto de fetos sem cérebro.
Um bebê anencéfalo é geralmente cego, surdo, inconsciente e incapaz de
sentir dor. Apesar de que alguns indivíduos com anencefalia possam viver por
minutos, a falta de um cérebro descarta complementamente qualquer
possibilidade de haver consciência. Impedir a interrupção da gravidez sob
ameaça penal equivale à tortura‖ , disse o ministro Luiz Fux.
O entendimento do Supremo valerá para todos os casos semelhantes, e os
demais órgãos do Poder Público estão obrigados a respeitá-lo. Em caso de
recusa à aplicação da decisão, a mulher pode recorrer à Justiça para
interromper a gravidez.
A decisão foi tomada pelo STF ao analisar ação proposta em 2004 pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que pediu ao Supremo a
permissão para, em caso de anencefalia, ser interrompida a gravidez.
107
Os ministros se preocuparam em ressaltar que o entendimento não autoriza
―práticas abortivas, nem obriga a interrupção da gravidez de anencéfalo.
Apenas dá à mulher a possibilidade de escolher ou não o aborto em casos de
anencefalia.
Faço questão de frisar que este Supremo Tribunal Federal não está decidindo
permitir o aborto. Não se cuida aqui de obrigar. Estamos deliberando sobre a
possibilidade jurídica de um médico ajudar uma pessoa que esteja grávida de
feto anencéfalo de ter a liberdade de seguir o que achar o melhor caminho,
disse Cármen Lúcia.
7.10 Tema controverso
O pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde foi atendido
pelo STF após oito anos de tramitação do processo. Em 2004, o relator chegou
a liberar o aborto de anencéfalos em decisão liminar (provisória), que meses
depois foi derrubada pelo plenário. Em 2008, audiências públicas reuniram
cientistas, médicos, religiosos e entidades da sociedade civil para discutir o tema
controverso.
Para a entidade, não se trata de aborto, mas da ―antecipação terapêutica do
parto‖ , diante da inviabilidade de sobrevivência do feto. "A interrupção nesses
casos não é aborto. Então, não se enquadra na definição de aborto do Código
Penal. O feto anencefálico não terá vida extra-uterina. No feto anencefálico, o
cérebro sequer começa a funcionar. Então não há vida em sentido técnico e
jurídico. De aborto não se trata", afirmou o advogado da entidade, Luís Roberto
Barroso durante sua sustentação oral no plenário do STF.
7.12 Entidades Religiosas
O ministro Gilmar Mendes criticou a opção do relator por não incluir como
partes da ação entidades religiosas. Para ele, o debate precisava ser
―desemocionalizado‖ .
Essas entidades são quase que colocadas no banco dos réus como se tivessem
fazendo algo de indevido e não estão. É preciso ter muito cuidado com esse
tipo de delírio desses faniquitos anticlericais‖ , afirmou Mendes.
108
7.13 Divergência
Apenas os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso se manifestaram
contra o aborto de fetos sem cérebro, entre os dez que analisaram o tema.
Para Lewandowski, o Supremo não pode interpretar a lei com a intenção de
―inserir conteúdos‖ , sob pena de ―usurpar‖ o poder do Legislativo, que atua
na representação direta do povo. Ele afirmou que o assunto e suas
conseqüências ainda precisam ser debatidos pelos parlamentares.
Uma decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos anencéfalos, ao
arrepio da legislação existente, além de discutível do ponto de vista científico,
abriria as portas para a interrupção de gestações de inúmeros embriões que
sofrem ou viriam sofrer outras doenças genéticas ou adquiridas que de algum
modo levariam ao encurtamento de sua vida intra ou extra-uterina.
Peluso comparou o aborto de fetos sem cérebro ao racismo e também falou
em "extermínio" de anencéfalos. Para o presidente do STF, permitir o aborto de
anencéfalo é dar autorização judicial para se cometer um crime.
Ao feto, reduzido no fim das contas à condição de lixo ou de outra coisa
imprestável e incômoda, não é dispensada de nenhum ângulo a menor
consideração ética ou jurídica nem reconhecido grau algum da dignidade
jurídica que lhe vem da incontestável ascendência e natureza humana. Essa
forma de discriminação em nada difere, a meu ver, do racismo e do sexismo e
do chamado especismo, disse Peluso.
Todos esses casos retratam a absurda defesa em absolvição da superioridade
de alguns, em regra brancos de estirpe ariana, homens e ser humanos, sobre
outros, negros, judeus, mulheres, e animais.
No caso de extermínio do anencéfalo encena-se a atuação avassaladora do
ser poderoso superior que, detentor de toda força, infringe a pena de morte a
um incapaz de prescindir à agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa",
completou o presidente do STF, que proferiu seu voto antes de proclamar o
resultado do julgamento.
O relator do caso, ministro Marco Aurélio, citou dados da Organização Mundial
de Saúde (OMS), referentes ao período entre 1993 e 1998, segundo os quais o
Brasil é o quarto país no mundo em incidência de anencefalia fetal, atrás de
Chile, México e Paraguai. De acordo com o ministro Gilmar Mendes, dos 194
109
países vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU), 94 permitem o
aborto quando verificada a ausência parcial ou total de cérebro no feto.
A chamada anencefalia é uma grave malformação fetal que resulta da falha
de fechamento do tubo neural (a estrutura que dá origem ao cérebro e a
medula espinhal), levando à ausência de cérebro, calota craniana e couro
cabeludo. A junção desses problemas impede qualquer possibilidade de o
bebê sobreviver, mesmo se chegar a nascer.
Estimativas médicas apontam para uma incidência de aproximadamente um
caso a cada mil nascidos vivos no Brasil. Cerca de 50% dos fetos anencéfalos
apresenta parada dos batimentos cardíacos fetais antes mesmo do parto,
morrendo dentro do útero da gestante, de acordo com dados da Federação
Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Um pequeno percentual desses fetos apresenta batimentos cardíacos e
movimentos respiratórios fora do útero, funções que podem persistir por algumas
horas e, em raras situações, por mais de um dia. O diagnóstico pode ser dado
com total precisão pelo exame de ultrassom e pode ser detectado em até três
meses de gestação.
7.14 INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ (ANENCÉFALA) ADPF 54, STF;
O artigo aborda a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Argüição
de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 que autorizou a interrupção
de gestação com feto anencéfalo.
Anencefalia é a malformação congênita do feto, por ausência de crânio e de
encéfalo. Segundo a ciência médica, causa morte em 100% dos casos. O feto,
se alcançar o final da gestação, sobrevive minutos ou dias, no máximo.
A decisão, nas palavras do Ministro Cezar Peluso, foi a mais importante da
história do STF.
A questão consistia em saber se a interrupção da gestação de feto sem cérebro
caracteriza o crime de aborto, previsto no artigo 124 do Código Penal.
A Argüição de Descumprimento de Preceito fundamental – ADPF foi proposta
pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, cuja atuação foi
representada por Luís Roberto Barroso e que aviou, em resumo, as seguintes
alegações:
110
a) a hipótese em julgamento não configura aborto, que pressupõe
potencialidade de vida do feto. A interrupção da gravidez de feto anencéfalo
não configura hipótese prevista no artigo 124 do Código Penal;
b) o sistema jurídico pátrio não define o início da vida, mas fixa o fim da vida
(com a morte encefálica, nos termos da Lei de Transplante de Órgãos). Na
hipótese em julgamento não haveria vida e, portanto, não haveria aborto;
c) as normas do Código Penal que criminalizam o aborto são
excepcionadas pela aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana
(artigo 1º da Constituição).
O STF, por maioria de votos (8 x 2), julgou procedente o pedido veiculado na
ADPF 45. Em resumo, foram utilizados os seguintes fundamentos:
• Min. Marco Aurélio (relator): o feto anencéfalo é incompatível com a vida e
por isso não é proporcional defender o feto – que não vai sobreviver – e
deixar sem proteção a saúde da mulher – principalmente a mental;
• Ministra Rosa Weber: deve-se proteger a liberdade individual e de opção da
gestante, pois não há interesse jurídico na defesa de um feto natimorto;
• Ministro Luiz Fux: o Código Penal é da década de 1940 e na época não era
possível prever e identificar um feto anencéfalo. Atualmente, trata-se de
uma questão de saúde pública que deve ser respeitada em prol da mulher.
• Ministra Cármen Lúcia: considerando que o feto não tem viabilidade fora do
útero, deve-se proteger a mulher, que fica traumatizada com o insucesso da
gestação.
• Ministro Ayres Britto: afirmou que todo aborto é uma interrupção da
gestação, mas nem toda interrupção de gestação é um aborto, de modo
que não se pode impor à mulher o martírio de gestar um feto anencéfalo.
• Ministro Gilmar Mendes: a interrupção da gestação, no caso, tem por
finalidade proteger a saúde da gestante e o legislador do Código Penal não
possuía elementos para a identificação da anencefalia na gestação.
• Ministro Lewandowski: votou pela improcedência do pedido, entendendo
que o STF não possui legitimidade para deliberar sobre o caso, apenas o
Congresso Nacional, por meio de lei.
• Ministro Joaquim Barbosa: acompanhou o voto do relator.
• Ministro Celso de Mello: não se trata do aborto previsto no Código Penal, pois
o feto sem cérebro não está vivo e sua morte não tem por origem alguma
prática abortiva.
111
• Ministro Cezar Peluso: votou pela improcedência do pedido, afirmando que
o feto anencéfalo é um ser vivo e, por conseguinte, a interrupção da
gestação caracteriza o aborto.
• Ministro Dias Toffoli: não participou do julgamento, pois atuara na condição
de Advogado Geral da União.
A tese abraçada pelo STF segue a linha adotada pela medicina, que considera
o feto anencéfalo um natimorto cerebral.
A decisão afasta, mais uma vez, o dogma do legislador negativo, segundo o
qual o Judiciário tem legitimidade apenas para excluir do sistema jurídico
normas incompatíveis com o texto da Constituição. Na ADPF 54, a decisão
demonstra que o STF atuou como legislador positivo. Isto porque o Código Penal
apenas prevê duas hipóteses de aborto sem a criminalização, nos termos do seu
artigo 128 [Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: I - se não há
outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o
aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal].
A decisão proferida na ADPF 54 acrescentou nova modalidade que exclui a
hipótese de crime de aborto, qual seja, quando se tratar de feto anencéfalo.
É verdade que o foro adequado para a análise da questão é o
Congresso Nacional que, entretanto, omitiu-se na apreciação da matéria. E a
inércia do órgão de representação democrática permite a intervenção judicial,
pois a proteção de direitos fundamentais é tarefa indispensável do Estado, a
exigir a tutela estatal, nos termos do que preconiza o artigo 5ª, inciso XXXV, da
Constituição.
Sobre esta questão, é importante a lição de Luís Roberto Barroso:
A vida na democracia é feita pelo processo político majoritário, que se
desenrola no Congresso, e pela proteção e promoção dos direitos
fundamentais via Constituição e Supremo Tribunal Federal.
Quando o processo majoritário está azeitado, fluindo bem, com grande
legitimidade, a jurisdição constitucional recua. E quando o processo político
majoritário emperra ou enfrenta dificuldades para votar determinadas matérias,
o STF tem seu papel ampliado.
Ainda, não se trata de uma obrigação ou dever da mulher de interromper a
gestação. O STF apenas autoriza e faculta a prática da cessação da gestação,
112
ao nuto de mulher grávida, em prol da sua dignidade e a fim de minorar seu
sofrimento – de saber que o feto não terá viabilidade. A partir da decisão,
portanto, caberá ao SUS promover a política pública de saúde adequada (com
apoio psicológico e obstétrico), orientando a mulher grávida de feto
anencéfalo, para que tenha a liberdade, a coragem e a sabedoria de adotar
uma decisão que melhor se ajuste ao seu sofrimento e à sua situação particular.
A posição manifestada pelo STF decorre da impossibilidade de proteger-se
deficientemente a mulher. Vale dizer, não pode o Estado deixar de tutelar
determinado titular de direito fundamental, sob pena de violar o princípio da
vedação de proteção insuficiente, decorrente da cláusula Untermass verbot,
implícita ao princípio da proporcionalidade.
Portanto, o STF decidiu com acerto.
113
8. LEI DE ANISTIA ADPF 153, STF;
Anistia é o ato do poder legislativo, pelo qual se extinguem as consequências
de um fato que em tese seria punível, e como resultado, qualquer processo
sobre ele. É uma medida ordinariamente adotada para pacificação dos
espíritos após motins ou revoluções. É um perdão geral. A anistia deriva do
grego amnestía, que significa esquecimento, ou seja, no seu significado atual
provoca um ―esquecimento‖ das infrações cometidas, isto é, cria uma ficção
jurídica, como se as condutas ilícitas nunca tivessem sido praticadas.
Existem três tipos de anistia: anistia tributária, previdenciária, e penal. Anistia
tributária e a previdenciária extinguem infrações administrativas dos
contribuintes, mas não abrange eventuais crimes ou contravenções. Anistia
penal extingue a responsabilidade penal para determinados fatos criminosos.
Anistia Internacional (Amnesty International) é uma organização internacional
que foi fundada em 1961 que luta a favor dos direitos humanos. Um dos seus
objetivos é prestar assistência a indivíduos que foram presos por causa das suas
ideologias políticas.30
Lei da anistia é a denominação popular da Lei n° 6.683, promulgada pelo
presidente Figueiredo em de 28 de agosto de 1979, após uma ampla
mobilização social, ainda durante a ditadura militar.
A lei estabelece no Art. 1º que é concedida anistia a todos quantos, no período
compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979,
cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que
tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta
e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos
Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes
sindicais, punidos com fundamento em Atos
30 William W. Burke-White ―Protecting the Minority: A Place for Impunity - An Illustrated
Survey of Amnesty Legislation, Its Conformity with International Legal Obligations, and Its
Potential as a Tool for Minority-Majority Reconciliation‖ , in: Journal on Ethnopolitics and
Minority Issues in Europe, v. 4, 2000, p. 5.
114
Institucionais e Complementares …(vetado).
Afirma que determinada interpretação do preceito veiculado pelo § 1º do seu
artigo 1º seria com ela incompatível, a interpretação a ele conferida ―no
sentido de que a anistia estende-se aos crimes comuns, praticados por agentes
públicos contra opositores políticos, durante o regime militar.
8.1 Lei de Anistia no Brasil
A Lei da Anistia é apenas uma das respostas do Estado brasileiro aos crimes
cometidos durante o período da ditadura, que compreende o período entre 2
de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. A interpretação dada a esta lei
foi a mais extensiva possível: a anistia brasileira seria "ampla, geral e irrestrita",
englobando todos os crimes políticos e conexos a políticos – inclusive crimes
contra a humanidade, que são, por natureza, imprescritíveis e não anistiáveis. A
interpretação corrente dada à Lei de Anistia a caracteriza como uma anistia
em branco.31
Segundo Lúcia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistias em branco são
caracterizadas pela amplitude de escopo, geralmente destinada a imunizar a
totalidade dos agentes do Estado por todos os crimes – sejam comuns, políticos
ou internacionais, independentemente de sua motivação – por eles cometidos
em um período específico.32
Uma possível interpretação à Lei da Anistia é a de que ela não exclui os
chamados crimes contra a humanidade, crimes que se notabilizam pelo ataque
amplo ou sistemático à população civil. Práticas como tortura,
desaparecimentos forçados, políticas de assassinato, estupros e perseguição
31 A ausência de legitimidade do projeto de lei que ensejou a Lei de Anistia brasileira é
passível de apreensão, inter alia , a partir da análise das emendas ao projeto original.
Cf. Mezarobba: ―De fato, sua propositura seguiu os desígnios do então presidente da
República, General João Figueiredo, cujo plano desde o princípio foi assegurar uma
anistia irrestrita, garantindo um esquecimento total, condição sem a qual nenhuma
anistia seria aceitável. Presidente Figueiredo posteriormente conclamaria à
‘pacificação‘ e ‘desarmamento dos espíritos‘, dado a indispensável coexistência
democrática‖ . Glenda Mezarobba. Um Acerto de Contas com o Futuro: A Anistia e suas
Conseqüências – Um Estudo do Caso Brasileiro, Humanitas/Fapesp, São Paulo, 2003, p.
83. 32 FERREIRA BASTOS, Lúcia Elena Arantes. As leis de anistia face ao Direito Internacional
– O caso brasileiro. Tese de doutorado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
2007, p. 163. 9.
115
com base em opiniões políticas caracterizam a ocorrência desse crime
internacional.
8.2 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 153
DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MIN. EROS GRAU
A petição inicial da ADPF 153 demonstrou somente controvérsias doutrinárias
envolvendo a Lei de Anistia, mencionando ainda algumas reportagens que
demonstram a repercussão do tema nos principais meios de mídia. O Guilherme
Gomes Lund é uma dessas vítimas foi exatamente o indivíduo que deu nome ao
caso Gomes Lund(153 DISTRITO FEDERAL). Sua mãe, Júlia Lund, lutou por
décadas em busca de notícias do paradeiro de Guilherme. Ela residia em
Cataguases/MG e lá faleceu, tendo deixado uma única herdeira. Essa herdeira,
agora, faz jus à indenização fixada pelo tribunal. O caso Gomes Lund, julgado
pela Corte Interamericana, diz respeito ao desaparecimento do estudante da
UFRJ, Guilherme Gomes Lund. Há registro de uma carta de Guilherme
endereçada aos pais, em 02/02/70, na qual ele relata que decidiu manter-se na
luta contra o regime militar, sendo que, para isso, largaria os estudos e estaria
de mudança sem endereço certo. Foi dado como desaparecido em
25/12/1973, na região do Araguaia, sendo esta a suposta data da sua morte,
segundo Relatório da Marinha. Guilherme foi reconhecido como morto pela Lei
9.140/95, publicada no DOU de 5 dezembro de 1995.
Não vejo realmente como possam esses argumentos, sustentar-se, menos ainda
justificar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, pois é certo
que, a dar-se crédito a eles, não apenas o fenômeno do recebimento --- a
recepção --- do direito anterior à Constituição de 1988 seria afastado, mas
também outro este verdadeiramente um fenômeno, teria ocorrido: toda a
legislação anterior à Constituição de 1988 seria, porém exclusivamente por
força dela, formalmente inconstitucional.
O presente Amicus Curiae tem por objetivo demonstrar a inconstitucionalidade
da interpretação dada pelos tribunais brasileiros (em especial pelo Superior
Tribunal Militar) à Lei 6.683 de 28 de agosto de 1979 – "Lei de Anistia" – ao
compreenderem como anistiadas determinadas condutas consideradas como
116
crimes contra a humanidade, que são, em essência, crimes imprescritíveis e não
anistiáveis.
Ademais, acredita-se que a interpretação usual dada a esta lei ainda promove
uma política de esquecimento em relação aos crimes cometidos durante o
período da ditadura no Brasil, o que gera uma série de efeitos de
constitucionalidade duvidosa, que perduram até os dias de hoje. Por ser a
interpretação dada à anistia "ampla, geral e irrestrita", ela impossibilita não
apenas a punição penal dos autores destes ilícitos como qualquer forma de
responsabilização, impedindo diversas respostas possíveis do Estado brasileiro a
estes crimes. O debate sobre a interpretação acerca da extensão dos efeitos
da anistia brasileira passou por uma nova etapa no Poder Judiciário com o
julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 (ADPF 153) que manteve a
vigência da Lei de Anistia brasileira e sua interpretação usual.
Entretanto, tal debate não findou com esta decisão do STF. Há ações judiciais
que demandam a responsabilização civil, apenas em seus efeitos declaratórios,
dos autores de determinados crimes cometidos no período da ditadura; outras
ações judiciais, promovidas pelo Ministério Público Federal (MPF), baseiam-se na
imprescritibilidade de ações de ressarcimento ao erário público para cobrar dos
autores dos crimes as indenizações que têm sido pagas pela União às vítimas e
familiares.
Além disso, reflexos do debate sobre a Lei da Anistia são sentidos em outras
ações judiciais perante o STF, como é o caso das ações diretas de
inconstitucionalidade nº 4077 e nº 3987 – sobre sigilo de documentos públicos 5
–, e da Extradição nº 974.6 Tais ações judiciais ilustram as repercussões jurídicas
deste debate.
Segundo Amicus Curiae, buscará se esclarecer a distinção entre os momentos
de responsabilização e punição, termos utilizados de forma indistinta, até aqui,
nos debates brasileiros sobre a revisão da Lei de Anistia e sobre direito penal de
modo geral – além de apresentar algumas alternativas de interpretação
constitucional desta lei com relação a seus efeitos, apresentando as diferentes
gradações possíveis das respostas do Estado brasileiro a estes crimes conforme
seus efeitos punitivos penais ou civis e declaratórios.
117
8.3 Direito à verdade, Memória, acesso à Informação, à Dignidade da
pessoa e direito à vida
Antes de discorrer mais pormenorizadamente sobre as respostas estatais aos
crimes perpetrados durante a ditadura militar, talvez seja interessante recuperar
um debate que também subjaz a questão da anistia e que está relacionado ao
acesso à informação e ao direito à verdade. O acesso à informação é direito
fundamental previsto no artigo 5º, XXXIII da Constituição Federal e viabilizado
por outros dispositivos constitucionais como o artigo 37, § 3º, II e o artigo 216, §2º,
que falam especificamente do acesso à informação na Administração Pública
e o dever desta de gerir e franquear a consulta da documentação
governamental a quantos dela necessitem.
Além de possuir uma dimensão individual, que se traduz pelo direito de um
indivíduo de obter informações de seu interesse particular ou de interesse
coletivo, o acesso à informação também tem uma dimensão coletiva
intimamente ligada à dimensão participativa da democracia, possibilitando aos
cidadãos uma decisão livre sobre os rumos do governo e também o controle
das ações governamentais, o que foi denominado por algumas legislações de
acesso à informação pelo mundo de transparência do governo.
O direito à dignidade individual que se estende aos grupos comunitários e
familiares é inerente à própria condição humana, cujo fundamento lastreiase
na necessidade de um respeito coletivo e tem respaldo tanto na Constituição
Federal (art. 1°, III), quanto em tratados internacionais a que aderiu o Estado
brasileiro. (…) No sistema americano, em que se encontra inscrito o Brasil, o
instrumento de maior importância é a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, assinada em San Jose da Costa Rica, em 1969, entrando em vigor
com a promulgação do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Dentro do
universo dos direitos assegurados nessa Convenção destacam-se o direito à
personalidade jurídica, o direito à vida, o direito de não ser submetido à
escravidão, o direito à liberdade, (…) ressaltando-se que o art. 11
expressamente determina que a HONRA DAS PESSOAS E SUAS FAMÍLIAS HÁ DE
SER PRESERVADA.
E, na hipótese, não há como preservar a honra das pessoas ainda que
falecidas, nem de suas famílias, sem a identificação imediata dos ossos,
118
individualizando-os, o que permitirá, em seguida, um sepultamento digno dos
corpos.‖
O direito à vida (art. 5º, caput ), a garantia do devido processo legal (art. 5º,
LIV), proteção à dignidade humana (art. 1º, III) – que fundamenta a ordem
objetiva de valores na Constituição –, e o acesso à informação e direito à
verdade (art. 5º, XIV).
8.4 Recepção Internacional e dos crimes contra humanidade
A recepção do Direito Internacional pelo ordenamento jurídico brasileiro é um
tema que pode ser analisado de duas maneiras.O STF decidiu recentemente
pelo status supralegal das normas dos tratados em matéria de direitos humanos
internalizados antes da Emenda Constitucional 45, de 2004, tendo como
fundamento o artigo 5º, §§2º e 3º da Constituição Federal. Pretende-se, a seguir,
dedicar algumas linhas sobre este dispositivo constitucional, bem como do
artigo 4º da Constituição Federal, que estabelece que o Brasil se regerá nas suas
relações internacionais, entre outras coisas, pela prevalência dos princípios de
direitos humanos.
No item seguinte será abordada a aplicação do costume internacional na
jurisprudência do STF. Pretende-se demonstrar que, apesar da Constituição falar
somente sobre incorporação de tratados, ou de princípios de direitos humanos
que decorrem de tratados, o costume internacional também é aceito e
aplicado pelas cortes nacionais, independentemente de um dispositivo
constitucional que reconheça expressamente a aplicabilidade desta fonte do
direito internacional e de qualquer procedimento de recepção.
Reconhecido e provado que os crimes contra a humanidade são costumes
sedimentados no âmbito internacional desde a metade do século passado,
destina-se este item a corroborar o argumento de que estas normas já incidiam
no território nacional quando os crimes, cuja anistia hoje se questiona, foram
cometidos.
8.5 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
Na decisão da ADPF 153, entretanto, o STF não levou em consideração a
proibição de insuficiência, tampouco a existência de deveres de proteção, em
119
que pese sua pertinência à interpretação da Lei da Anistia brasileira, por todos
os motivos apresentados. Distanciando-se da conclusão de que a repressão
criminal é o único meio capaz de proteger suficientemente os direitos
fundamentais lesados, Amicus Curiae buscou destacar que os efeitos da ―Lei
de Anistia‖ ultrapassam o da responsabilização e punição penal daqueles que
cometeram crimes no período da ditadura – aspecto mais destacado no
debate público e jurídico sobre a lei.
É preciso atentar para as conseqüências de natureza civil e declaratória de
responsabilidade que a interpretação ―ampla, geral e irrestrita‖ da lei tem
obstado, bem como para os efeitos de tal interpretação sobre o direito à
verdade e ao acesso à informação. A Termos nos quais pedem deferimento à
Corte Interamericana de Direitos Humanos do presente Amicus Curiae ao Caso
Gomes Lund VS. Brasil.
Considerou em vários casos que as leis de anistia em branco são inválidas e
inaplicáveis, condenando Estados que as tinham emitido e declarando ser a
anistia uma violação ao direito internacional dos direitos humanos. Na recente
decisão do ST (Sentença de 14/03/2001, Série C, no. 75, § 41) sobre a Lei de
Anistia, na ADPF 153, o tribunal confirma o caráter de anistia em branco
conferido pela Lei de Anistia.
Art. 48. ―Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do
Presidente da República, não exigida esta para o especificado
nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de
competência da União, especialmente sobre: VIII - concessão de
anistia‖ ;
A petição inicial da ação solicitava ao tribunal que a Lei de Anistia fosse
declarada incompatível com a Constituição Federal de 1988. STF pode sofrer
uma grave humilhação internacional ainda este ano — e isso pode ser o primeiro
grande constrangimento externo do Governo Dilma.33
Começou em maio, em San José da Costa Rica, o processo n° 11.552 de Júlia
Gomes Lund contra o Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ela é
mãe de Guilherme Lund, que desapareceu aos 26 anos, junto com outras 70
pessoas, no confronto das Forças Armadas contra os guerrilheiros do PCdoB nas
matas do Araguaia, no sul do Pará.
33 Corte IDH. Caso Barrios Altos vs. Peru. Mérito. Sentença de 14/03/2001, Série C, no. 75, §
41; Corte IDH. Caso Barrios Altos vs. Peru. Interpretação da Sentença de Mérito.
120
Em 2008, a Corte da OEA recomendou ao Brasil a punição aos responsáveis
pela prisão, tortura e morte no caso Lund. O Brasil não reagiu e, no ano seguinte,
foi aberto o processo contra o Estado brasileiro.
8.6 Decisão da corte Internacional relacionado no caso Gomes Lund
A decisão mais provável da Corte, que não comporta apelação, aponta para
uma declaração constrangedora para o STF e para o Brasil até dezembro
próximo, definindo que a lei da anistia não abriga os crimes de detenção,
tortura, assassinato e desaparecimento dos guerrilheiros. Se isso serve para o
combate no coração da floresta, pode servir também para os combatentes da
guerrilha urbana que foram torturados no centro da maior cidade brasileira.
Revisão da Lei de Anistia - Ao opinar pelo levantamento da quantia, o Ministério
Público Federal pediu informações sobre eventual mora no pagamento, o que
acarretaria a necessidade de pagamentos de juros. Isso porque a decisão da
Corte Interamericana definiu que o pagamento da indenização deveria ser
feito no prazo de um ano a partir da notificação da sentença, sob pena de
incidência de juros de mora.
Para ele, ―a decisão do Caso Gomes Lund v. Brasil é um marco na história
brasileira e na construção do direito à memória e à verdade em nosso país, bem
como na preservação e proteção dos direitos humanos‖ .
Sentença de 03/09/2001, Série C, no. 83, § 15; Corte IDH. Caso Trujillo Oroza vs. Bolívia.
Reparações e Custas. Sentença de 27/02/2002, Série C, no. 92, § 106; Corte IDH. Caso
La Cantuta vs. Peru. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 29/11/2006, Série C, no.
162, § 152; Corte IDH. Caso Cantoral Huamaní e García Santa Cruz vs. Peru. Exceção
Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 10/07/2007, Série C, no. 167, § 190.
8.7 Teoria
O presente trabalho recorre à doutrina pátria e estrangeira com o objetivo de
analisar de forma percuciente o problema da eficácia dos direitos
fundamentais, tanto numa perspectiva das relações Estado-indivíduo (eficácia
vertical).
121
8.8 Norma
A chamada Lei da anistia veicula uma decisão política naquele momento --- o
momento da transição conciliada de 1979 --- assumida. A Lei n. 6.683 é uma lei-
medida, não uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade.
Há de ser interpretada a partir da realidade no momento em que foi
conquistada. (Norma programática)
8.9 Doutrinadores
A idéia já estava presente no célebre arrazoado de Rui Barbosa (in Comentários
à Constituição, 2/441), quando se mostrava que, pela anistia, ‗remontando-se
ao delito, se lhe elimina o caráter criminoso, suprimindo-se a própria infração‘.
Por isso, a observação de Pontes de Miranda (Comentários à Const. de 1946,
I/343-344), de que ‘a finalidade da anistia é a mesma da lei criminal com sinais
trocados‘; e acrescenta: com ela, ‘olvida-se o ato criminal, com a
consequência de se lhe não poderem atribuir efeitos de direito material ou
processual.
Raimundo Macedo (Extinção da Punibilidade, p.), a enfatizar que a anistia ‘é
como a lei nova que deixou de considerar o fato como crime‘
O ex-Ministro da Justiça, Tarso Genro: ―Houve, sim, um acordo político feito pela
classe política‖ . E mais diz ele, diz que esse acordo, como outros, não impõe
cláusulas pétreas. ―Ou seja, na prática, o Brasil foi obrigado a efetuar a revisão
da Lei de Anistia, pondo fim à impunidade dos crimes cometidos naquele
período‖ , afirma Lucas de Morais Gualtieri.
8.10 Conclusão
O Brumário de Luís Bonaparte: ―Os homens fazem sua própria história, mas não
a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim
sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo
passado‖ .
Finalmente é prudente lembrar que a jurisprudência, o costume e a doutrina
internacionais consagram que nenhuma lei ou norma de direito interno, tais
122
como as disposições acerca da anistia, as normas de prescrição e outras
excludentes de punibilidade, deve impedir que um Estado cumpra a sua
obrigação inalienável de punir.os crimes de lesa-humanidade, por serem eles
insuperáveis nas existências de um indivíduo agredido, nas memórias dos
componentes de seu círculo social e nas transmissões por gerações de toda a
humanidade.
É preciso ultrapassar o positivismo exacerbado, pois só assim se entrará em um
novo período de respeito aos direitos da pessoa, contribuindo para acabar com
o círculo de impunidade no Brasil. É preciso mostrar que a Justiça age de forma
igualitária na punição de quem quer que pratique graves crimes contra a
humanidade, de modo que a imperatividade do Direito e da Justiça sirvam
sempre para mostrar que práticas tão cruéis e desumanas jamais podem se
repetir, jamais serão esquecidas e a qualquer tempo serão punidas.
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