Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

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Faculdade Carlos Drummond de Andrade Tatuapé Direito Matutino TRABALHO INTERDISCIPLINAR ORIENTADO Direitos Fundamentais SÃO PAULO 2014 Faculdade Carlos Drummond de Andrade Tatuapé

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Seminário - Drummond

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Faculdade Carlos Drummond de Andrade

Tatuapé

Direito Matutino

TRABALHO INTERDISCIPLINAR ORIENTADO

Direitos Fundamentais

SÃO PAULO

2014

Faculdade Carlos Drummond de Andrade

Tatuapé

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Direito Matutino

TRABALHO INTERDISCIPLINAR ORIENTADO

Trabalho Interdisciplinar Orientado

apresentado ao Profº Me. Arthur

Lauandros, à Profª Me. Maria Bartira e à

Profª Me. Adélia Cristina, Docentes do

Curso de Bacharelado em Direito da

Faculdade Carlos Drummond de

Andrade de São Paulo, Faculdade de

Humanidades e Direito.

SÃO PAULO

2014

Agradecimentos aos colaboradores Discentes que confeccionaram e

apresentaram em Banca o presente trabalho:

Do grupo de Apresentação;

Orientador: Carlos Alberto Rodrigues Jr.

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3

Colaboradores:

Gerisvaldo Pereira Aguiar

Gildo Ramalho

Gislene Gregorio Ramos

Ingrid Maurer Rabello

Karen Xavier Cintra

Severino dos Santos

Waldir Aparecido Feitosa

Verimar Maria Guimarães Loconte

Do grupo de Abertura;

Orientadora: Cristiane M. G. B. Almeida

Colaboradores:

Elisângela Alves da Silva

Iolanda Faustino Félix

Jair Simplício

Joelma Santos

Regina Faria Firmino da Silva

Do grupo de Edição Textual e Digitação;

Orientadores: Bruno Luiz Faria da Silva, Karina Arakaki e Luiz Marciano

Candalaft

Colaboradores:

Cristina Passos

Deigles Alves

Getúlio Nogueira Luna

Mário da Silva

Mércio dos Santos

Miriã Cristina Haum Archiolli

Rogério da Silva

Jennifer Maria da Silva Prado

Ronaldo Alves da Silva

Alessandra da Silva Sousa

Do grupo de Estudos;

Orientador: Abraão Leônidas de Alencar

Colaboradores:

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4

Ademir Ferreira de Jesus

Amanda Moura Pereira

Darci Almeida

Diego Pereira Pacheco

Isaías Pereira Barbosa

Ivete do Nascimento Tressler

Larissa Regina Gonçalves

Lucinéia Maria da Silva

Magdalena Riofrio Nicolau

Tatiana Satiko da Silva

Telma Valéria Aranda

Da Criação de Slides;

Orientadora: Sandra Bento e Mariana Aparecida Vieira Rodrigues

Colaboradores:

Andressa Pimenta Soares da Silva Reis

Beatriz Pereira

Dayane da Silva E Oliveira

Eliezer Martins da Silva

Fernanda Leopoldino de Melo

Gleisyane Santana Costa

Karina Monteiro de Souza

Léia Rocha do Carmo

Marcelo Caetano da Costa

Paola Oliveira

Rosana Oliveira Bispo

Sérgio Jokubauskas

Tatiana Sanchez Bellangero

Do grupo de Conclusão;

Orientadores: Isnar de Almeida e João Márcio dos Santos

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SUMÁRIO

Capítulo 1 - CASO EL WANGER – HC 82424, STF;

1.1 Introdução.............................................................................................................7

1.2 Descrição do Habeas Corpus n° 82.424.............................................................7

1.3 Voto dos Ministros................................................................................................10

1.4 Princípios...............................................................................................................22

1.5 Conclusão.............................................................................................................26

Capítulo 2. CASO UBC RE – 201819, STF;

2.1 Introdução.......................................................................................................27

2.2 Desenvolvimento............................................................................................27

2.3 RE – 201819, STF.....................................................................................................29

2.4 Decisão.................................................................................................................32

Capítulo 3. CASO AIR FRANCE RE – 161243, STF;

3.1 Introdução.......................................................................................................33

3.2 Desenvolvimento...........................................................................................34

3.3 Conclusão......................................................................................................38

3.4 RE - 161243,STF...............................................................................................39

Capítulo 4. DIREITO AO ESQUECIMENTO RESP - 1334097, STF;

4.1 Chacina da Candelária......................................................................................40

4.2 Voto dos Ministros................................................................................................42

4.3 Liberdade de Imprensa.................................................................................43

4.4 Doutrinas...............................................................................................................50

4.5 Direitos e Garantias Fundamentais....................................................................54

4.6 Conclusão.......................................................................................................57

Capítulo 5. CASO GARRINCHA RESP – 521697, STF;

5.1 Manuel dos Santos mais conhecido como Garrincha...................................59

5.2 Introdução............................................................................................................61

5.3 Término dos Direitos à Personalidade.........................................................65

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5.4 RESP – 521697, STF................................................................................................69

5.5 Decisão.................................................................................................................81

Capítulo 6. UNIÃO HOMOAFETIVA ADI 4277, STF

6.1 Resumo............................................................................................................82

6.2 Introdução.......................................................................................................83

6.3 Aspectos Fundamentais da União Estável Homoafetiva.................................85

6.4 A Religião e a União Estável Homoafetiva..................................................88

6.5 Conclusão.......................................................................................................93

6.6 ADI 4277, STF...................................................................................................95

6.7 ADPF no.132, RJ............................................................................................100

Capítulo 7. INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ (ANENCÉFALA) ADPF 54, STF;

7.1 O que é anencefalia.........................................................................................106

7.2 Desenvolvimento...............................................................................................108

7.3 Direitos Fundamentais.......................................................................................109

7.4 Decisão do Supremo...................................................................................111

7.5 ADPF 54, STF........................................................................................................115

Capítulo 8. LEI DE ANISTIA ADPF 153, STF;

8.1 O que é Anistia...................................................................................................119

8.2 Lei de Anistia.......................................................................................................120

8.3 ADPF 153, STF.......................................................................................................121

8.4 Conclusão...........................................................................................................128

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................129

1. CASO EL WANGER – HC 82424, STF;

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1. Introdução

O escritor Siegfried Ellwanger Castan foi processado e condenado pelo

crime de racismo, pelos Tribunais do Estado do Rio Grande do Sul.1 Crime este

sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade.2

Os advogados de Ellwanger impetraram Habeas Corpus, argumentando

que judeu não seria considerado raça. Também, como remédio para que o

Supremo Tribunal Federal conceder-lhe liberdade.

O trabalho apresenta as discussões ocorridas entre os Ministros do STF, suas

conclusões e os votos negando ao paciente o Habeas Corpus, por oito votos a

três.

A lide envolveu a colisão entre dois valores alçados à categoria de

Princípios Constitucionais: a Dignidade da Pessoa Humana e a Liberdade de

Expressão. Sem contar as discussões sobre o racismo, anti-semitismo,

preconceito de raça, cor, religião, etnia e procedência nacional.

Este caso foi um marco na jurisprudência dos direitos humanos, com a

prevalência da Constituição Federal de 1988.

2. Descrição do Habeas Corpus n° 82.424

O autor do Habeas Corpus é Siegfried Ellwanger Castan, nasceu em

30/07/1928 em Candelária no Rio Grande do Sul e morreu em 08/10/2010, com

82 anos.

Autor, escritor, editor, inventor e pesquisador, fundou a empresa Revisão

Editora e Livraria Ltda. Suas principais obras são: Holocausto, Judeu ou Alemão?

Nos bastidores da mentira do século; Acabou o gás; O fim de um mito; S. O. S

para a Alemanha; A implosão da mentira do século; A verdade sobre o diálogo

católico-judaico no Brasil.

Veio de família humilde, abandonou os estudos cedo e fazia aulas

particulares de matemática e inglês com o dinheiro que ganhava vendendo

pasteis e rapaduras, feitos por sua mãe. Logo dominou os idiomas espanhol e

alemão, que fizeram diferença em suas pesquisas sobre os acontecimentos

políticos atuais e os fatos relacionados à 2ª Guerra Mundial (1939/1945).

1 Lei 7.716/89, artigo 20. 2 Artigo 5°, XLII, Constituição Federal Brasileira/1988.

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Desde a infância, trabalhou em fábricas e foi voluntário no Corpo de

Fuzileiros Navais (RJ), onde serviu por três anos, quando foi designado para a

função de escriturário do Estado Maior. Aproveitou o tempo disponível para

ampliar seus conhecimentos e em 1948 deixou a função e voltou a morar com

sua mãe em Porto Alegre.

Começou a trabalhar na filial local de uma importante empresa do ramo

de ferros e aço do RJ, começou na função de auxiliar de escritório, chegando

a chefe de vendas.

Foi responsável pela instalação da 1ª fábrica de tubos de ferro

galvanizado no RS, sendo pioneiro na instalação do Sistema de Solda por

Indução, o que lhe garantiu o prêmio e incentivo de Isenção do Imposto de

Vendas e Consignações por cinco anos do Governo do Estado.

Inventou o Sistema de Placas de Aço Fundido para trilhos ferroviários, além

de fabricante das fixações elásticas para trilhos ferroviários também. Assim, ele

tocou suas empresas por mais de vinte anos e nunca teve uma única

reclamação trabalhista.

Ellwanger era admirador de Fidel Castro e do povo cubano. Foi opositor

do domínio e influência americana que afetou Cuba, Coréia e Vietnã, era

contrário aos países que permitiam a instalação de bases americanas em seus

territórios e não admitia o financiamento estrangeiro ao Estado de Israel.

Foi opositor ao grande domínio e influência americana, se opunha ao

boicote americano à Cuba, Coréia e Vietnã e aos países que permitiam

instalações de bases americanas em seu território. Era contra o financiamento

dos países ocidentais e envio de armamentos à Israel.

Em 1986 o grupo Movimento Popular Anti-racismo, formado pelo

Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Movimento Negro Brasileiro e

Movimento Judeu de Porto Alegre, denunciou o conteúdo racista das obras da

Editora Revisão pertencente a Siegfried à Coordenadoria das Promotorias

Criminais.

Em 1990 foi feita uma nova denúncia à chefia de Polícia do Estado do Rio

Grande do Sul, que instaurou inquérito policial, remetido ao Ministério Público.

Esta denúncia foi recebida em 1991, e foi determinada a busca e apreensão

dos exemplares de diversos livros publicados por Castan.

Em 1995 foi julgado e absolvido em 1ª Instância, contudo em 1996 foi

condenado por unanimidade pelos desembargadores da 3ª Câmara Criminal

do Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul.

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Apesar da condenação, foi flagrado vendendo livros na Feira do Livro de

Porto Alegre, o que ocasionou uma nova denúncia em 1998, pela qual foi

condenado a dois anos de reclusão.

O autor recorreu, argumentando que os judeus são uma etnia e não uma

raça.

3. Tópicos da Acusação

O julgamento de Sigfried Ellwanger Castan representou um marco histórico

na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A repercussão do caso na mídia

e na sociedade civil foi notória e a questão teve amplo destaque em debates

e discussões por todo país.

Sucintamente, Ellwanger foi acusado de prática do crime de racismo

contra o povo judeu, em razão do teor de sua obra "Holocausto – Judeu ou

Alemão? Nos Bastidores da Mentira do Século‖ . Embora o autor procure

qualificar-se como historiador revisionista, acredita-se tratar de obra com

conteúdo anti-semita.

No STF, a discussão teve dois aspectos: O primeiro visou apreciar, em sede

de Habeas Corpus 3 , a alegação do paciente de que sua conduta

discriminatória não configurava o crime de racismo perante o povo judeu, uma

vez que o judaísmo não poderia ser considerado desde a perspectiva ―raça‖ ;

- O segundo aspecto consistiu na abordagem do conflito entre a Liberdade de

Expressão e a Dignidade da Pessoa Humana, ambos direitos

constitucionalmente protegidos.

Diversos pontos foram levantados pelos Ministros, o que deu origem a um

Acórdão de praticamente 700 laudas. Todavia, a idéia central da decisão está

contida no trecho indicado para leitura. Adiante, busca-se problematizar alguns

aspectos pontuais.

Constituição Federal: ―a lei punirá qualquer discriminação atentatória

dos direitos e liberdades fundamentais‖ ;4

Constituição Federal: ―a prática de racismo constitui crime inafiançável

e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei‖ .5

3 STF – Habeas Corpus 82.424 – Rio Grande do Sul. 4 Artigo 5º, inciso XLI, Constituição Federal Brasileira/1988. 5 Artigo 5º, inciso XLII, Constituição Federal Brasileira/1988.

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No Habeas Corpus, a alegação do paciente de que sua conduta

discriminatória não configurava o crime de racismo perante o povo judeu, uma

vez que o judaísmo não poderia ser considerado uma raça. Ministros que

atribuíram um conceito amplo, sócio cultural e antropológico, ao termo

‗racismo‘ entenderam, de maneira geral, tratar-se de crime contra grupos

humanos com características culturais próprias. Nessa linha de raciocínio, não

deveria a imprescritibilidade estender-se aos demais delitos fundados na

discriminação (art. 5º, XLI, CF). A imprescritibilidade desses crimes e a

prescritibilidade de crimes como os hediondos afrontam o princípio da

isonomia?

4. Voto dos Ministros

Voto do Ministro Moreira Alves - O ministro Moreira Alves entendeu que ―os

judeus não podem ser considerados uma raça‖ , por isso, não se poderia

qualificar o crime por discriminação, pelo qual foi condenado Siegfried

Ellwanger, como delito de racismo. O relator concedia o Habeas Corpus,

declarando extinta a punibilidade do acusado, pois já teria ocorrido a

prescrição do crime.

Voto do Ministro Maurício Corrêa - Corrêa divergiu do relator, ao negar o

Habeas Corpus sob o argumento de que a genética baniu de vez o conceito

tradicional de raça e que a divisão de seres humanos em raças decorre de um

processo político-social originado da intolerância dos homens. Para Maurício

Corrêa, a Constituição coíbe atos desse tipo, ―mesmo porque as teorias

antisemitas propagadas nos livros editados pelo acusado disseminam idéias que

se executadas, constituirão risco a pacífica convivência dos judeus no país‖ .

Voto do Ministro Celso de Mello - O Ministro acompanhou a dissidência,

afirmando que ―só existe uma raça: a espécie humana‖ . E frisou: ―Aquele que

ofende a dignidade de qualquer ser humano, especialmente quando movido

por razões de cunho racista, ofende a dignidade de todos e de cada um‖ ,

Achou correta a condenação de Ellwanger, negando-lhe o Habeas Corpus.

Voto do Ministro Gilmar Mendes - Gilmar Mendes também negou a ordem

de Habeas Corpus, por entender que ―o racismo configura conceito histórico e

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cultural assente em referências supostamente raciais, aqui incluído o anti-

semitismo‖ . Para Mendes, ―não se pode atribuir primazia à liberdade de

expressão, no contexto de uma sociedade pluralista, em face de valores outros

como os da igualdade e da dignidade humana‖ . Por isso o texto constitucional

erigiu o racismo como crime inafiançável e imprescritível.

Voto do Ministro Carlos Velloso - Carlos Veloso também indeferiu o Habeas

Corpus, por acreditar que o anti-semitismo é uma forma de racismo. Segundo o

ministro, nos livros publicados por Ellwanger, os judeus são percebidos como

raça, porque há pontos em que se fala em ―inclinação racial e parasitária dos

judeus‖ , o que configuraria uma conduta racista, vedada pela Constituição

Federal.

Voto do Ministro Nelson Jobim - O ministro Nelson Jobim julgou que

Ellwanger não editou os livros por motivos históricos, mas como instrumentos para

produzir o anti-semitismo. Para ele, esse é um ―caso típico‖ de fomentação do

racismo, por isso acompanhou a ala dissidente, negando o Habeas Corpus.

Voto da Ministra Ellen Gracie - Em seu voto, a ministra Ellen Gracie trouxe a

definição de raça presente na Enciclopédia Judaica, na qual ―a concepção

de que a humanidade está dividida em raças diferentes encontra-se de

maneira vaga e imprecisa na Bíblia, onde, no entanto, como já acentuavam os

rabinos, a unidade essencial de todas as raças é sugerida na narrativa da

criação e da origem comum de todos os homens‖ . Nessa linha, negou a ordem.

Voto do Ministro Cezar Peluso - Peluso seguiu a maioria e votou pela

denegação do Habeas Corpus. ―A discriminação é uma perversão moral, que

põe em risco os fundamentos de uma sociedade livre‖ .

Voto do Ministro Carlos Ayres Britto - Carlos Ayres Britto concedia o Habeas

Corpus por dever de ofício – por iniciativa do próprio Supremo – pois entendeu

não haver justa causa para instalação de ação penal contra Ellwanger. Em seu

voto, Britto absolvia, então, o réu, por atipicidade do crime, porque a lei tipificou

o crime de racismo por meio de comunicação foi promulgada depois de

Ellwanger ter cometido o delito.

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Voto do Ministro Marco Aurélio - O ministro Marco Aurélio também

concedia o Habeas Corpus, defendendo a tese da liberdade de expressão. ―A

questão de fundo neste Habeas Corpus diz respeito à possibilidade de

publicação de livro cujo conteúdo revele idéias

preconceituosas e anti-semitas. Em outras palavras, a pergunta a ser feita é a

seguinte: o paciente, por meio do livro, instigou ou incitou a prática do racismo?

Existem dados concretos que demonstrem, com segurança, esse alcance? A

resposta, para mim, é desenganadamente negativa‖ . Em sua opinião, somente

estaria configurado o crime de racismo se Ellwanger, em vez de publicar um livro

―no qual expõe suas idéias acerca da relação entre os judeus e os alemães na

Segunda Guerra Mundial, como na espécie, distribuísse panfletos nas ruas de

Porto Alegre com dizeres do tipo ‗morte aos judeus‘, ‗vamos expulsar estes

judeus do País‘, ‗peguem as armas e vamos exterminá-los‘. Mas nada disso

aconteceu no caso em julgamento‖ . Segundo Marco Aurélio, Ellwanger

restringiu-se a escrever e a difundir a versão da história vista com os próprios

olhos.

Voto do Ministro Sepúlveda Pertence - Sepúlveda Pertence optou por

negar o Habeas Corpus ao editor gaúcho. Para o ministro, ―a discussão me

convenceu de que o livro pode ser instrumento da prática de racismo. Eu não

posso entender isso como tentativa subjetivamente séria de revisão histórica de

coisa nenhuma‖ , votou.

5. Tópicos da Defesa

O advogado de defesa embora reconhecesse o caráter discriminatório

das publicações de Ellwanger, baseou seu argumento de que os judeus

constituem um povo, e não uma raça, motivo pelo qual não teria incidido em

crime de racismo – inafiançável e imprescritível, de acordo com o inciso XLII do

Artigo 5° da Constituição Federal – ao propagar tese anti-semita. Caso o

argumento fosse acolhido, a pretensão executória da pena estaria prescrita.

Por maioria os ministros do STF julgaram o caso a partir de uma colisão de

princípios fundamentais, liberdade de expressão e dignidade da pessoa

humana.

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A teoria da ponderação de princípios proposta por Alexy, onde o

problema do raciocínio de ponderação é que ele permite que se entenda que

uma conduta pode ser considerada meio licita, ou seja, é garantida pelo direito

à liberdade de expressão, mas proibida em face do principio da dignidade

humana: Qual prevalecerá vai depender somente do cálculo de

proporcionalidade por parte do julgador.

Por outro lado, segundo o filósofo alemão Habermas, à medida que um

tribunal constitucional adota a doutrina da ordem de valores e a toma como

base de sua prática de decisão, cresce o perigo dos juízos irracionais, porque,

nesse caso, os argumentos funcionalistas prevalecem sobre os normativos.

Como afirmou o filosofo alemão CATTONI, a questão do caso ‗Ellwanger‘,

não deveria ter sido compreendida como uma colisão entre valores, onde se

julga, se a liberdade de expressão é melhor ou pior do que, ou para, a

promoção da dignidade humana; mas sem julgar se houve, afinal em face do

caso concreto, crime de racismo ou não, à luz das pretensões normativas,

defendidas na argumentação sustentada pelos envolvidos, e que poderiam ser

reputadas abusivas ou não.

Os críticos da decisão do STF comentam que esta foi baseada na teoria

de ponderação de valores como suporte teórico, deste modo, a maioria dos

ministros decidiu por íntima convicção, por arbítrio, por princípios pessoais,

baseados em premissa axiológicas não discutidas no processo.

5.1 Argumentos jurídicos da defesa

Os principais argumentos jurídicos foram:

5.1.1 - Liberdade de expressão do editor

Recebe o nome de liberdade de expressão a garantia assegurada a

qualquer indivíduo de se manifestar, buscar e receber idéias e informações de

todos os tipos, com ou sem a intervenção de terceiros, por meio de linguagens

oral, escrita, artística ou qualquer outro meio de comunicação. O princípio da

liberdade de expressão deve ser protegido pela constituição de uma

democracia, impedindo os ramos legislativo e executivo do governo de impor

a censura. A violação da dignidade humana pela liberdade de expressão no

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caso proporcionalmente injustificável. Liberdade de expressão é o direito de

manifestar livremente opiniões, idéias. Em seu bojo, a lei trouxe vários defeitos,

como a exacerbada repressão à liberdade de . direito à comunicação: direitos

fundamentais na Constituição brasileira.

5.1.2 - Judeu não seria raça e, portanto não estariam albergados pela Lei

7716/89.

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de

discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou

procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de

15/05/97)6

5.1.3 - Ausência de tipicidade

Principio da insignificância - Ausência de Tipicidade material.

Mínima ofensividade da conduta do agente.

Nenhuma periculosidade social da ação.

Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente.

Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

5.1.4 - Teoria de Proporcionalidade

Os ganhos devem superar as perdas. Existe uma conexão entre a teoria

dos princípios e a máxima da proporcionalidade, e em caso de colisão, se

requer ponderação, ou seja, a medida permitida de insatisfação ou de

afetação de um princípio depende do grau de importância da satisfação do

outro.

5.1.5 - O litígio

A questão principal que o litígio envolve é a colisão entre dois valores

alçadas a categoria de princípios constitucionais quais sejam: a dignidade da

6 Redação dada pela Lei nº 9.459 de 15 de maio de 1997.

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pessoa humana e a liberdade de expressão. A defesa argumenta que a

liberdade de expressão é, no caso concreto mais importante, e que as

publicações poderiam conter qualquer conteúdo, ficando a critério do público

comprá-los ou não.

5.1.6 - Sessão da Assembléia Geral da ONU,

Adotado em resolução pela XXI Sessão da Assembléia Geral da ONU, em

16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, após

ser aprovado pelo Congresso Nacional em decreto legislativo de 12 de

dezembro de 1991.

5.1.7 - Carta Magna

Vale lembrar que, de acordo com o artigo quarto da Carta Magna, o

Brasil rege-se nas suas relações internacionais, entre outros princípios, pela

prevalência dos direitos humanos (inciso II), e que os tratados de direitos

humanos são incorporados em grande estilo ao ordenamento jurídico brasileiro

(para uma análise específica sobre esse tema, é útil consultar o parágrafo

terceiro do artigo quinto da Carta de 1988, além da doutrina e da jurisprudência

do Supremo Tribunal Federal).

Dispõe o artigo 19 do referido Pacto:

1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões. 2. Toda

pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá

a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias

de qualquer natureza, independentemente de considerações de

fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou

artística, ou qualquer outro meio de sua escolha.

5.1.8 - Convenção Americana de Direitos Humanos,

Bastante semelhante ao artigo 19 é o artigo 13 da Convenção

Americana de Direitos Humanos, o chamado "Protocolo de São José da Costa

Rica". Aprovada pelo decreto legislativo n. 27/92, a carta de adesão do Brasil à

Convenção foi depositada em 25 de setembro de 1992. A promulgação da

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Convenção se deu pelo decreto presidencial n. 678, de 6 de novembro de 1992.

O documento foi adotado no âmbito da Organização dos Estados Americanos,

a OEA, em 22 de novembro de 1969, e entrou em vigor em 18 de julho de 1978,

após receber o número necessário de ratificações.

Dispõem os incisos I e II do artigo 13:

Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de

expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e

difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem

considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em

forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

5.1.9 - Responsabilidade do escritor

O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar

sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser

expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:

a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da

moral públicas.

5.2 - Conclusão da Defesa

A não concessão do Habeas Corpus levaria a manutenção da

condenação pelo crime de racismo, decisão que, na maior medida, alcançaria

a promoção da democracia, coibindo, assim, a intolerância social, também

ponderando os dois princípios em questão, que a não censura às publicações

seria proporcionalmente melhor à promoção da democracia e de uma cultura

pluralista, pois deixaria a cargo da própria opinião pública.

Pluralidade Cultural é a (diversidade cultural) mesmo que multi-cultural.

Isto são as diversas manifestações culturais existentes em um mesmo ambiente

e suas misturas e interações

6. Tópicos da Decisão do Habeas Corpus

Decisão: O Tribunal, por maioria indeferiu o Habeas Corpus, vencidos os

Senhores Ministros Moreira Alves, Relator, e Marco Aurélio, que concediam a

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ordem para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva do delito, e o

Senhor Ministro Carlos Britto, que a concedia, ex-offício, para absolver o

paciente Sr. Siegfried Ellwanger, por falta de tipicidade de conduta.

Redigido o Acórdão pelo Presidente, o Ministro Maurício Corrêa. Não

votou o Ministro Joaquim Barbosa por suceder ao Ministro Moreira Alves que

proferiu voto anteriormente. Plenário 17.09.2003 Presidência do Ministro

Maurício Corrêa.

Presentes à sessão os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de

Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,

Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa.

Então, os votos a favor do indeferimento, foram da maioria, de oito

Ministros a três, porém há de se comentar sobre um dos três votos contra, o do

Ministro Carlos Britto que mais enfatizou sobre a defesa, sendo categórico e

usando como base o (Art. 5º, XVII, CF), onde não se tipifica o crime de racismo.

Embora tenha se configurado não somente esse crime, mas também quanto a

discriminação, apologia a idéias preconceituosas, através do meio da

publicação de seus livros!

Pode-se questionar e entender sobre a questão defendida pelo Ministro

Carlos Britto, sobre o racismo, ou o termo ―raça‖ , da seguinte forma:

Segundo ele, judeu não seria considerado uma raça, porém o termo

―raça‖ , hoje pode ser classificado, ou interpretado de várias formas, conforme

seja manifestado em seu conteúdo. Por exemplo, Hitler discriminou os judeus

como raça inferior à raça ariana, sendo portando considerado por ele, os

alemães, uma raça pura e superior à classe judaica, devendo por isso, ser

exterminada, e assim promoveu o holocausto, assassinato de cerca de 6 milhões

de judeus, um tremendo genocídio. No sentido literal da palavra ―raça‖

poderia se considerar como uma designação biológica, ou de uma

classificação genética, alguém nasce dentro de uma raça ou de uma raça

mestiça herdada de seus ancestrais, porém, conforme estudo científico, do

ponto de vista genômico, não existe diferença entre negros, brancos, amarelos,

todos somos iguais. Portanto, raça, ou a noção de racismo não se resume a um

conceito de ordem estritamente antropológica ou biológica, projetando-se ao

contrário, numa dimensão abertamente cultural e sociológica, além de

caracterizar, em sua abrangência conceitual, um indisfarçável instrumento de

controle ideológico, de dominação política e de subjugação social, como o fez,

Hitler.

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18

Adolph Hitler, no capítulo ―Povo e Raça‖ de seu livro ―Minha Luta‖

escreveu que ―a grandeza e superioridade da raça ariana / alemã existe em

função da oposição à inferioridade da raça não ariana, a semita/judaica‖ e

que ―para preservar a raça ariana, seria preciso eliminar a anti-raça‖ .

Retomando ao caso Ellwanger, foi considerado crime tipificado no (art. 20,

da lei 7.716/89), com a redação dada pela lei 8.081/90 – Condenado pelo delito

de discriminação contra os judeus, e o (art. 5º, inciso XLII, da Constituição), diz:

―A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à

pena de reclusão, nos termos da lei‖ .

Antes, a lei 7.716/89 restringia-se a definir como prática do racismo

condutas de discriminação pertinentes à raça e à cor.

Depois, com advento da Lei 8081/90, a prática do racismo contempla a

discriminação alusiva não só à raça e a cor, como também à religião, etnia ou

procedência nacional, valendo-se dos meios de comunicação social, ou por

publicação de qualquer natureza.

Hoje, pela Lei 9459/97, o meio – ―valendo-se dos meios de comunicação

social ou publicação de qualquer natureza‖ – passou a constituir-se em forma

qualificada, com apenação autônoma mais grave, do crime de prática do

racismo, sob a modalidade de discriminação, visto que se constitui no parágrafo

2º, do artigo 20.

O anti-semitismo dogmatizado pelos nazistas constitui uma forma de

racismo, exatamente porque se opõe a determinada raça, essa tida sob a visão

de uma realidade social e política, tendente a hierarquizar valores entre certos

grupos humanos. Pregar a restauração dessa doutrina, ainda que por vezes sob

o disfarce de ―revisionismo‖ , como pretendeu o paciente em seus atos, é

praticar racismo.

Enfim, Ellwanger, em seus escritos publicados, procurou negar a existência

do holocausto, imputando aos judeus todas as responsabilidades pelas

tragédias registradas na Segunda Guerra. Até mesmo o genocídio de seis

milhões de judeus nos campos de concentração são apresentados como uma

farsa concebida por eles próprios, feito uma estratégia sórdida destinada a fazer

chantagem com o resto do mundo e assim abrir horizontes que permitam a sua

hegemonia. Em suma, o réu e autor pretendeu falsear a verdade e reacender

a chama do ideal nazista, para instigar a discriminação racial contra o povo

judeu.

Page 19: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

19

Portanto, não podemos pactuar com inverdades contidas no livro de Ellwanger,

incitando e promovendo a discriminação a um povo que já sofreu tanto e ainda

sofre por um passado sangrento da perseguição nazista, então mesmo uma

obra literária que venha a fomentar ―ódios públicos‖ ao povo judeu, não pode

ficar isenta de punição!

7. Tratados e Convenções Internacionais

O Brasil assinou em 07/03/66, a Convenção Internacional sobre a

Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, e outras adesões, como

a Convenção Internacional contra o Genocídio, norma aprovada pela ONU em

1948, que teve como origem o próprio holocausto – negado pelo paciente -, a

que submetidos os judeus.

O Pacto de São José da Costa Rica, também incorporado ao direito

brasileiro (decreto legislativo 89/89, Decreto 678/92, e Decreto 4463/02), previa

a proibição legal de ―apologia do ódio nacional, racial ou religioso que

constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência‖ , era o

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, que posteriormente

foi reiterado para as Américas no artigo 13-5.

A Resolução 623 da Assembléia Geral da ONU, de DEZ de 1998, insta os

países a cooperar com a Comissão de Direitos Humanos no exame de todas as

formas contemporâneas de racismo, como a xenofobia, negrofobia,

antisemitismo e outras formas correlatas de intolerância racial (item 17 da

Resolução). Como se vê, o anti-semitismo como sinônimo de exteriorização

do racismo tem respaldo no Direito Internacional Público.

O racismo indica teorias e comportamentos destinados a realizar a

supremacia de uma raça. O preconceito e a discriminação são consequências

dessas teorias.

Convenção da ONU 1965

Art. I -1. Nesta Convenção, a expressão "discriminação racial‖ significa

qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, baseadas em raça, cor,

descendência ou origem nacional ou étnica que têm por objetivo ou efeito

anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano

Page 20: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

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(em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais no

domínio político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de

vida pública.

Art. IV - Os Estados-Partes condenam toda propaganda e todas as

organizações que se inspirem em idéias ou teorias baseadas na superioridade

de uma raça ou de um grupo de pessoas de uma certa cor ou de uma certa

origem étnica ou que pretendam justificar ou encorajar qualquer forma de ódio

e de discriminação raciais, [...]

Pacto Internacional sobre os Direitos civis e Políticos 1966. Aprovado pelo

Congresso Brasileiro, sob o Decreto-Legislativo Nº226, de 12 de dezembro de

1991.

A igualdade, de fato, tem-se revelado como um dos alicerces do sistema

legal brasileiro. A Lei Maior, em vários dispositivos, destaca tal princípio. O artigo

3º assevera que constitui um dos objetivos fundamentais da República promover

o bem de todos, sem qualquer forma de preconceito.

Pacto São José da Costa Rica

Art. 13, 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem

como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua

incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.

Portanto, o Brasil participou de várias Convenções e Tratados

Internacionais e sempre aderindo aos mesmos por se tratar de temas tão

complexos e causadores de polêmicas, controvérsias etc., porém, de forma

geral, qualquer tipo de discriminação, anti-semitismo, preconceito de raça,

religião, etnia ou procedência nacional, são atitudes intoleráveis, anti-sociais e

desumanas, que devem ser punidas, não só no Brasil, mas no mundo inteiro!

Diante disso e baseado pelas Leis e Decretos, observa-se que a conduta

praticada pelo paciente foi considerada um crime contra a comunidade

judaica, não podendo assim abstrair o racismo de tal comportamento.

Page 21: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

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8. Princípios

8.1 A Liberdade de Expressão

É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato

(CF/1988 Art.5º, IV).

É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de

comunicação, independentemente de censura ou licença - (CF/1988 Art.5º,

IX).

É livre a manifestação do pensamento, sem que dependa de censura,

salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos

casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer. Não é

permitido o anonimato. É assegurado o direito de resposta. A publicação de

livros e periódicos não dependerá de licença do Poder Público. Não será,

porém, tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter

a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe - (CF/1946,

Art. 141, § 5º).

Constituição Americana, 1787, Emenda I.

O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou

proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou

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de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao

Governo petições para a reparação de seus agravos.

Declaração dos Direitos do Homem , França, 1789.

Art. 11º. A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais

preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,

imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos

termos previstos na lei.

Art. 16º. A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos

direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.

Decreto n° 678, de 6 de Novembro de 1992.

Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São

José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.

Art.13 – 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de

expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir

informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras,

verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer

meio de sua escolha.

Sobre ―Liberdade de Expressão‖ - É inaceitável, deixar de punir a

manifestação da opinião, quando transparece evidente e cristalina a intenção

de discriminar, ainda que sob o manto de mera ―revisão histórica‖ , à qual,

também se tentou falsear verdades incontestáveis sobre o holocausto nazista.

Portanto, é de suma importância, o controle sobre os abusos da liberdade de

expressão, mediante o exercício da jurisdição.

8.2 A Dignidade da Pessoa Humana

Conceito de dignidade humana: (Termo que provém do latim dignitas que

significa valor intrínseco, mérito, prestigio, estima, nobreza). Na antiguidade

encontram-se expressos no Código de Hamurabi, da Babilônia e da Assíria e no

Código de Manu, na Índia, a defesa da dignidade e dos direitos do ser humano.

Page 23: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

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Porém, nesse momento esta classificação do indivíduo de mais ou menos digno

perante os outros, se dava de acordo com seu status social.

Seu conceito não é pacifico, alguns autores dizem, é um direito a

naturalidade, é uma conquista ético-jurídica, outros ainda que a pessoa

humana se destaca na natureza e se diferencia do ser irracional. Porém até a

dignidade pode ser limitada, ou seja, a dignidade de uma pessoa só será

ilimitada enquanto não afetar a dignidade de outrem.

Dignidade da pessoa da pessoa humana. O que vem a ser pessoa. A

filosofia de Kant nos dá uma contribuição a respeito: Por pessoa, entende-se

mais que um objeto, ou seja, como valor absoluto e insuscetível de coisificação.

E aprofunda o conceito de pessoa a ponto de se encontrar um sujeito tratado

como ―um fim em si mesmo‖ e nunca como meio a atingir determinada

finalidade.

Para Immanuel Kant, a razão é inerente ao homem, é algo a priori e separa

os conceitos a priori e a posteriori. Considerando que a priori são os existentes

ao homem antes de qualquer experiência, enquanto que o a posteriori os

obtidos a partir de abstrações das percepções empíricas.

Para Kant, no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade.

Quando uma coisa tem um preço, pode se inserir em vez dela qualquer outra

como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo preço, e

portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade. Esta apreciação

dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e

põe-na infinitamente acima de todo preço. Nunca ela poderia ser posta em

cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse preço, sem de qualquer

modo ferir a sua santidade?

A Constituição de 1988 em seu artigo 1°, inciso III, é muito clara quanto à

importância da dignidade humana. É um valor supremo, definindo-o como

fundamento da República.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada pela

Organização das Nações Unidas de 1948, traz em seu artigo 1º o seguinte:

―Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos‖ , concluímos

que, segundo esse documento, os titulares dos direitos fundamentais são ―todos

os homens‖ .

A Constituição é um sistema composto de regras e princípios jurídicos. As

regras, estabelecidas em termos precisos, conferem segurança à aplicação do

Direito, mas não são suficientes para a solução de todos os conflitos de interesses

Page 24: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

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de uma sociedade pluralista. Haveriam de ser previstas à exaustão para abarcar

o conjunto dos problemas possíveis.

Os princípios são o pensamento diretor de um sistema normativo.

Constituem-se em orientações de caráter geral das quais se extrai a

racionalidade íntima das normas sistêmicas. Formam a base de uma

Constituição, de uma lei ou de uma instituição jurídica.

Regras e princípios são normas, portanto, e, como tais, formadas por

expressões de mandamento, permissão e proibição. São, contudo, de

diferentes espécies. Enquanto as regras valem ou não valem para determinadas

situações fáticas, conforme a enumeração das hipóteses e cláusulas de

exceção.

Os princípios se relacionam ao caso concreto em razão de seu valor. Disso

decorre que não há regra mais importante que outra. No conflito de regras,

declaram-se nulas as que não se aplicam ao caso em análise. Já no campo dos

princípios, uns prevalecem sobre outros em função do valor preponderante, isto

é, do peso que possuem.

Em que pese o entendimento respeitável de alguns juristas, no sentido da

caracterização da dignidade da pessoa humana como princípio absoluto, não

parece ser este o melhor entendimento diante da infinidade de situações

concretas que restariam sem resolução partindo-se de tal premissa,

especialmente em caso de conflito entre dignidade de pessoas diversas. Se tal

princípio fosse considerado absoluto não seria possível, por exemplo, apresentar

solução ao caso de anencefalia. Deste modo, a dignidade da pessoa humana,

mediante juízo de ponderação, pode ser relativizada em situações

extremamente excepcionais.

Alguns juristas, dizem que por se tratar de um Princípio Constitucional, e de

interesse geral do povo, sempre que houver conflitos de interesses pessoais e

dignidade humana, por ser este último de caráter absoluto, deverá este imperar.

Logo, é um direito absoluto que não pode ser relativizado.

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25

9. Conclusão

Para melhor compreender a fundamentação dos votos dos ministros do

STF, e ao falar sobre as dimensões dos direitos fundamentais, mais

especificamente os de primeira dimensão – conhecidos também como direitos

de defesa de cunho negativo, cujo objetivo primordial é limitar a intervenção

do Estado na esfera privada de direitos do cidadão, e que a liberdade de

expressão está incluída neste rol.

As garantias dos direitos fundamentais visam assegurar ao cidadão o

exercício pleno de cada um desses direitos perante a sociedade, sendo

protegidos pela Constituição Federal. Deste modo, nenhum direito possui

caráter absoluto e desta forma, devem ser restringidos quando em conflito com

outro valor constitucionalmente protegido.

Os direitos fundamentais são em conjunto o pilar do Estado Democrático

e Social de Direito, quando submetidos à Constituição e deste modo atingem

sua eficácia.

Neste caso, houve um conflito de direitos constitucionalmente protegidos,

deste modo, os ministros que deferiram o Habeas Corpus, relativamente à

liberdade de expressão em conflito com outros direitos protegidos afirmam que

o paciente não incitou a prática de racismo e não atentou contra a dignidade

judaica, sustentando que sua obra possuía caráter histórico.

Os ministros que negaram o Habeas Corpus, entenderam que assim como

todos os direitos fundamentais, a liberdade de expressão não é absoluta e deve

ser limitada quando houver abuso em seu exercício.

Destacaram a relevância da dignidade da pessoa humana como

fundamento da República (art. 1°, inciso III, da CF), deste modo, os ministros

indeferiram o HC pois as teorias anti-semitas publicadas por Ellwanger, sob o

disfarce de revisionismo histórico, ofendem a Constituição Federal, no que

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26

concerne ao direito fundamental da dignidade da pessoa humana, de

cidadania e de igualdade, bem como afrontam os princípios do Estado

Democrático e Social de Direito.

2. CASO UBC RE – 201819, STF

2.1 Introdução

Afronta aos Direitos Fundamentais, tanto no âmbito do Direito Privado quanto

no Direito Público, ou seja, diz respeito não somente aos poder público, mas

também abarca nas relações entre particulares, pertencentes à autonomia

privada.

O Constitucionalismo contemporâneo caminha para a consagração do ―Due

process of Law”, princípio este que, expressamente previsto na Constituição

Pátria de 1988 – art. 5º, inciso LVI. Decorrência lógica deste princípio magno, são

as garantias constitucionais do Princípio do Contraditório e da ampla defesa

(art. 5º, inciso LV, da CF).

Demonstrar-se-á, a seguir, que a ordem jurídico-constitucional brasileira, luta

cada vez mais para a incidência dos princípios constitucionais, para que surtem

efeitos sobre a autonomia privada, para que, dessa forma, não sigam a revelia

dos limites postos na Constituição.

2.2 Desenvolvimento

Constitui-se se Recurso extraordinário elevado à examinante Seara (STF)

tratando-se de matéria Constitucional, que esta estritamente regula, disserta

somente destes apreços.

Em matéria Sociedade Civil. UBC. Exclusão de Sócio alegando descumprimento

de resoluções, desta entidade propositura de prejuízos Morais e Financeiros à

entidade. Direito Constitucional de Ampla Defesa desrespeito antes de concluir

pela punição à comissão especial tinha de dar oportunidade ao sócio de se

defender e realizar possíveis provas em seu

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27

favor.7

A Recorrente (UBC), alega que é inaplicável ao caso o Princípio da Ampla

Defesa, aqui ressaltado neste aresto, pois não se trata de Órgão de

administração Pública e sim de entidade de Direito Privado -S/C- Dotada de

Estatutos e atos regimentares próprios que disciplinam seu relacionamento com

o Sócio.

O Recorrido(Sócio), requer à Estância Suprema de nossa República, que enseje

o Provimento ao acesso e a inclusão do Princípio do Contraditório e Ampla

Defesa a sua articulação de modo satisfatório e expressivo.

Após Recurso Votado por Ministros de tal Seara, deu Provimento a inclusão de

tal Princípio podendo o Recorrido ter total e ampla Defesa em tal situação. Caso

Julgado em transitado pelo 2° Colegiado do STF.

As razões recursais tem como base retratar a invocação do Direito

Constitucional em questão, Restringido, sendo este o Princípio do Contraditório

e da Ampla Defesa, amparado por Artigo Constitucional - ART- 5° inc. LV C.F/88.

2.3 Recurso Extraordinário

O RE no Direito Processual brasileiro, é o meio pelo qual se impugna perante o

Supremo Tribunal Federal, uma decisão proferida por um tribunal estadual ou

federal, por uma Turma Recursal de um Juizado Especial, sob alegação de

contrariedade direta e frontal ao sistema normativo estabelecido na

Constituição da República.

Conceito

O recurso extraordinário é um mecanismo processual que viabiliza a análise de

questões constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

Para que o recurso chegue à Suprema Corte é necessário que o jurisdicionado

tenha se valido de todos os meios ordinários, ou seja, que tenha percorrido as

demais instâncias judiciais do País. Também se exige que o recorrente preencha

alguns requisitos legais para que o recurso extraordinário possa ser recebido pelo

STF.

7 Infringência ao princípio da Ampla Defesa. Cf. Artigo 5° inciso LV Constituição

Federal/1988.

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Processo: RE 201819 RJ

Relator (a): ELLEN GRACIE

Julgamento: 11/10/2005

Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação: DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577

UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES - UBC

VERA LUCIA RODRIGUES GATTI E OUTROS

Parte(s):

ARTHUR RODRIGUES VILLARINHO

ROBERTA BAPTISTELLI E OUTRO

Ementa

SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES.

EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO.

EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO

DESPROVIDO.

I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As

violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das

relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas

entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos

fundamentais assegurados pela Constituição, vinculam diretamente não

apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos

particulares em face dos poderes privados.

II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS

ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a

qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios

inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento

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29

direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema

de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de

autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está

imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito

aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que

encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em

detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros,

especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia

da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e

atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas

pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se

impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de

liberdades fundamentais.

III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO

PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO.

EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO

LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO

CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante

em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em

relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode

denominar de espaço público, ainda que nãoestatal. A União Brasileira de

Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do

ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do

gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do

quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do

contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente

o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos

à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido

processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional

do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a

dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios

legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais

concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa

(art. 5º, LIV e LV, CF/88).

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30

- VIDE EMENTA E INDEXAÇÃO PARCIAL: CARÁTER PÚBLICO, ATIVIDADE, UNIÃO

BRASILEIRA DOS COMPOSITORES, COBRANÇA, DIREITO AUTORAL,

CONFIGURAÇÃO, SERVIÇO PÚBLICO, DELEGAÇÃO LEGISLATIVA, CABIMENTO,

APLICAÇÃO DIRETA, DIREITOS FUNDAMENTAIS. PENALIDADE, UBC, IMPOSIÇÃO,

SÓCIO, CARACTERIZAÇÃO, EXCESSO, LIBERDADE, DIREITO DE ASSOCIAÇÃO. -

FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR, MIN. JOAQUIM BARBOSA: APLICABILIDADE,

DIREITO FUNDAMENTAL, ÂMBITO, RELAÇÃO PRIVADA, RELAÇÃO HORIZONTAL,

DECORRÊNCIA, ROMPIMENTO, BARREIRA, DIREITO PÚBLICO, DIREITO PRIVADO,

FENÔMENO, CONSTITUCIONALIZAÇÃO, DIREITO PRIVADO. - FUNDAMENTAÇÃO

COMPLEMENTAR, MIN. CELSO DE MELLO: EFICÁCIA HORIZONTAL, DIREITO

FUNDAMENTAL, RELAÇÃO, PARTICULAR, LIMITAÇÃO, AUTONOMIA, VONTADE.

NECESSIDADE, ASSOCIAÇÃO CIVIL, ENTIDADE CIVIL, SUBMISSÃO, PRINCÍPIO

CONSTITUCIONAL, NECESSIDADE, RESPEITO, CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA. -

VOTO VENCIDO, MIN. ELLEN GRACIE: INEXISTÊNCIA, VIOLAÇÃO, PRINCÍPIO DA

AMPLA DEFESA, EXCLUSÃO,

SÓCIO, OBSERVÂNCIA, PROCEDIMENTO, ESTATUTO, SOCIEDADE CIVIL, DIREITO

PRIVADO. AUSÊNCIA, PREJUÍZO ECONÔMICO, SÓCIO, POSSIBILIDADE,

RECEBIMENTO, DIREITO AUTORIAL, MEIO, ESCRITÓRIO CENTRAL DE

ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO, ECAD, EXISTÊNCIA, LIBERDADE, ASSOCIAÇÃO

PRIVADA, ORGANIZAÇÃO, FIXAÇÃO, NORMA, FUNCIONAMENTO,

RELACIONAMENTO, CONFORMIDADE, LEGISLAÇÃO CIVIL. - VOTO VENCIDO, MIN.

CARLOS VELLOSO: OFENSA INDIRETA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NECESSIDADE,

ANÁLISE, LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL, VERIFICAÇÃO, VIOLAÇÃO,

DEVIDO PROCESSO LEGAL, AMPLA DEFESA.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO

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DECISÃO

Após o voto da Ministra-Relatora, conhecendo e dando provimento ao recurso

extraordinário, o julgamento foi suspenso, em virtude do pedido de vista

formulado pelo Senhor Ministro Gilmar Mendes. 2ª Turma, 08.06.2004. Decisão:

Depois do voto da Ministra-Relatora, conhecendo e dando provimento ao

recurso extraordinário, e do voto do Ministro Gilmar Mendes, negando-lhe

provimento, o julgamento foi suspenso, em virtude do pedido de vista formulado

pelo Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 16.11.2004.

Decisão: Depois dos votos da Ministra-Relatora e do Ministro Carlos Velloso,

conhecendo e dando provimento ao recurso extraordinário, e dos votos dos

Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa negando-lhe provimento, o

julgamento foi suspenso, em virtude do pedido de vista formulado pelo Ministro-

Presidente. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro

Gilmar Mendes. 2ª Turma, 26.04.2005. Decisão: Apresentado o feito em mesa

pelo Presidente da Turma, o julgamento foi adiado em virtude da ausência,

justificada, da Senhora Ministra-Relatora. Ausentes, justificadamente, neste

julgamento, os Senhores Ministros Carlos Velloso e Ellen Gracie. 2ª Turma,

27.09.2005. Decisão: A Turma, por votação majoritária, conheceu e negou

provimento ao recurso extraordinário, vencidos a Senhora Ministra-Relatora e o

Senhor Ministro Carlos Velloso, que lhe davam provimento. Redigirá o acórdão

o eminente Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, neste

julgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 11.10.2005.8

3. CASO AIR FRANCE RE – 161243, STF

8 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 201.819/RJ: União Brasileira

de Compositores UBC x Arthur Rodrigues Vilarinho. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Relator

para acórdão: Ministro Gilmar Mendes. Data de Julgamento: 11 de outubro de 2005.

Acórdão publicado no DJ de 27 de outubro de 2006.

Page 32: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

32

3.1 INTRODUÇÃO

Vamos aqui, em singelas considerações discentes e a luz do Direito

Constitucional e dos Direitos fundamentais, analisar mais uma vez, como em

tantas outras e por tantos outros, que se ocupam das ciências jurídicas já o fora,

o recurso extraordinário supracitado. Mediante, um esforço grupal, bem como

uma inteiração a mais.

É certo que a possibilidade de aplicação do Direito Constitucional, estendendo-

nos aos Direitos Fundamentais, juntamente com a aplicação da ―Theoria

Horizontalem‖ .9

Antigamente se pensava que os direitos fundamentais incidiam apenas na

relação entre o Cidadão e o Estado. Trata-se da chamada ―Eficácia Vertical‖ ,

ou seja, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre o poder

―superior‖ (Estado) e um ―inferior‖ (Cidadão).

Podemos observar que os Direitos Fundamentais não se aplicam somente nas

relações entre o Estado e o Cidadão, mas também entre os particulares-

cidadãos. Sua origem tem como caso - líder o ―Caso Luth", julgado pelo

Tribunal Constitucional Federal Alemão em 1958.

Erich Luth era um crítico de cinema e conclamou os alemães a boicotarem um

filme, dirigido por Veith Harlam, conhecido Diretor da época do Nazismo.

Harlam e a distribuidora do filme ingressaram com uma ação cominatória

contra Luth, alegando que o boicote atentava contra a ordem pública, o que

era vedado pelo Código Civil Alemão.

Luth foi condenado nas instâncias ordinárias, mas recorreu a Corte

Constitucional. Ao fim, a queixa constitucional foi julgada procedente, pois o

Tribunal entendeu que o direito fundamental à liberdade de expressão deveria

prevalecer sobre a regra geral do Código Civil que protegia a ordem pública.

Esse foi o primeiro caso que decidiu pela aplicação dos direitos fundamentais

também nas relações entre particulares. Por isso, e nesse intuito, o contexto

seguir, vem repetir e aplicar, esta possibilidade jurídica, no Brasil.

9 Em meados do século XX, surgiu na Alemanha a Teoria da Eficácia Horizontal, que

defendia a incidência destes também nas relações privadas, ou seja, entre particulares.

Também chamada de “Efeito Externo”, bem como, surte eficácia dos Direitos

Fundamentais, contra terceiros.

Page 33: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

33

3.2 DESENVOLVIMENTO

Joseph Halfin ajuizou uma reclamação trabalhista contra a Compagnie

Nationale Air France, para a qual trabalhou durante 34 anos buscando a

nulidade de rescisões contratuais, bem como da opção pelo FGTS, e os demais

direitos amparados pela legislação trabalhista e pelo Estatuto de Pessoal da

empresa francesa. A 28º JCJ/RJ julgou procedente, em parte, a ação para

condenar a empresa a pagar as diferenças referentes ao FGTS não depositadas

em sua conta vinculada, mais os acréscimos legais. Tendo o reclamante

recorrido da decisão, quanto à aplicação dos Estatutos da Empresa, o acórdão

concluiu que, não sendo o cidadão francês, não faz jus ao que pretende. Assim,

o recorrente interpôs recurso extraordinário, fundado num dos direitos

fundamentais, o direito à igualdade (art. 102, III, a, CF), alegando que o acórdão

citado violou a mesma Carta.

O devido processo legal, como garantia estabelecida no sentido de resguardar

os direitos inerentes ao ser humano, foi consolidado e firmado ao longo da

história da humanidade. Funciona como limitação aos três poderes do Estado,

sendo o instrumento-garantia do pacto abstrato ao qual se submetem cidadãos

e governantes em prol da paz social. O devido processo legal assegura a todos

os cidadãos o correto rito judicial, obedecendo aos mecanismos jurídicos de

acesso e desenvolvimento do processo, previamente estabelecidos em lei e

tomando por base os direitos e garantias fundamentais.

Como afirma Paulo Bonavides, "as garantias constitucionais se tornaram

uma espécie de escudo da personalidade contra os desvios de poder do Estado

ou se converteram historicamente no símbolo mais positivo e prestigioso de

caracterização jurídica do Estado liberal".10 O devido processo foi invocado

nesse caso, atuando tanto no âmbito material de proteção aos direitos

fundamentais, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de

condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa.

A empresa "Air France". Tendo a decisão do acórdão sido improcedente em

relação à aplicação do Estatuto de Pessoal da empresa francesa no citado

caso, tomando como justificativa o fato de não ser o reclamante um cidadão

francês, o mesmo interpôs um recurso extraordinário tendo como base um dos

10 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, SP: Malheiros, 2001, p.

37.

Page 34: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

34

direitos fundamentais, o direito à igualdade, fundamentando ter o acórdão

violado a Constituição. Como meio de defesa, os direitos fundamentais podem

ser opostos contra pessoas privadas, no seguinte caso, a pessoa jurídica, a

empresa "Air France".

O fato de ser ou não um cidadão francês, ou seja, o aspecto da

nacionalidade, neste caso, não permite que haja diferenciação quanto ao

tratamento dispensado ao mesmo em relação a seus companheiros, o que

garante a inconstitucionalidade da decisão e a obrigação da empresa em

garantir a aplicação do mencionado Estatuto.

Em relação ao princípio da igualdade, por exemplo, entendeu o Supremo

Tribunal Federal que "a igualdade perante a lei, que a Constituição assegura a

brasileiros e estrangeiros residentes no país, não compreende a União e as

demais pessoas de direito público interno, em cujo favor pode a lei conceder

privilégios impostos pelo interesse público sem lesão à garantia

constitucional".11

Contudo, há que se perquirir se tal tratamento desigualitário na relação

processual impõe ônus excessivo ao administrado que fica em situação inferior

de direito no processo (destaca-se a igualdade entre as partes). Já tomando

como base o principio da legalidade, para o Poder Público, o Estado, por seus

agentes, só pode agir quando incidir a hipótese legal, cabendo ao indivíduo o

principio da legalitariedade ou da autonomia da vontade, ou seja, o mesmo

pode fazer de tudo, desde que a lei não proíba.

A discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impede que exista uma

adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão

diferencial que lhe serviu de supedâneo. A discriminação que se baseia em

atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como sexo, raça,

nacionalidade, etc., é inconstitucional quando não há essa relação entre o

atributo ou qualidade e a razão pelo qual foi possível usá-lo como elemento

diferenciador.

Afinal, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se

desigualam, é exigência tradicional do conceito de Justiça. Ao afirmar que

todos são iguais perante a lei, quer dizer a Constituição que somente ela pode

criar tratamento desigual para pessoas em igualdade de condições. A

11 Cf. SLAIBI FILHO, Nagib. Anotações da Constituição de 1988 – Aspectos Fundamentais.

Rio de Janeiro, RJ: Forense, 1992.

Page 35: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

35

Constituição previu igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades

virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei,

em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa

forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações

absurdas.

A própria Constituição estabelece que determinados cargos só podem ser

providos por brasileiros natos (justifica-se isso a linha sucessória do presidente, e

por motivos de segurança nacional, como diplomatas e oficiais das Forças

Armadas), enquanto outros por natos ou naturalizados, certo que estrangeiros,

naturalizados brasileiros, nacionais brasileiros passam a ser. No entanto, quando

a Constituição quis fazer essas discriminações, ela o fez, mas o principio do nosso

sistema é o da igualdade de tratamento.

Em relação ao gênero, "homens e mulheres são iguais em direitos e

obrigações, nos termos desta Constituição". Mais relevante ainda é que não se

trata aí de mera isonomia formal, não é igualdade perante a lei, mas igualdade

em direitos e obrigações. Aqui também só valem as discriminações feitas pela

própria Constituição e sempre em favor da mulher, como, por exemplo, a

aposentadoria da mulher com menor tempo de serviço e de idade que o

homem (arts. 40, III; e 202, I a III, CF).

O Ministro aponta a discriminação com base na nacionalidade,

especificamente em relação a determinados cargos que só podem ser providos

por brasileiros natos (art. 12, §3º, CF). Ressalta-se que a regra é que todos sejam

iguais perante a lei e quando a Constituição quis limitar-lhe o acesso a algum

direito, expressamente o estipulou. Há, ainda, outras hipóteses de tratamento

diferenciado em relação à nacionalidade, quais sejam: função (art. 89, VII, CF),

extradição (art. 5º, LI, CF), e propriedade de empresa jornalística e de

radiodifusão sonora e de sons e imagens.

Outros tipos de discriminação, além da nacionalidade são, por exemplo,

a limitação de idade em concurso público, que só se legitima em face do art.

7º, XXX, CF, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo

a ser preenchido. Há ainda a discriminação que tem por base o gênero. Assim,

além dos tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos pela

própria Constituição (arts. 7º, XVIII, XIX; 40, §1º; 143, §1º e 2º; 201, §7º, CF), poderá

a legislação infraconstitucional pretender atenuar os desníveis de tratamento

em razão do sexo.

Page 36: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

36

De acordo com o conceito adotado pelo Supremo Federal, "a lei não pode

conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a

traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não

houve adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado

aos que se inserem na categoria diferenciada" (Ministro Carlos Velloso).

Lembrando-se que a prática da igualdade está em tratar igualmente os

iguais e desigualmente os desiguais. O acórdão fundou-se em atributo,

qualidade, nota intrínseca do recorrente, qual seja a sua nacionalidade,

tratando-se, realmente de discriminação proibida, ressaltando-se o fato que

brasileiros e franceses, empregados da empresa francesa sujeita às leis

brasileiras, não exerciam, uns em relação a outros, tarefas diferentes, ou seja,

mais importantes ou mais difíceis, uns em relação aos outros.

O fator utilizado, unicamente a nacionalidade, assim, torna ilegítima, sob

o ponto de vista constitucional a discriminação. E não havendo fatores que

justificassem o tratamento diferenciado, tem-se que foram tratados

desigualmente, o que é ofensivo ao principio isonômico que a CF consagra.

O direito à igualdade atua de forma extremamente importante neste caso,

fundamental. Ao recorrente, unicamente por não ser francês, não obstante

trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do

Pessoal de Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja

aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa,

gerando uma ofensa ao principio da igualdade. O principio geral do nosso

sistema é o da igualdade de tratamento.

Em conseqüência, não pode uma empresa, no Brasil, seja nacional ou

estrangeira, desde que funcione e opere em território nacional, estabelecer

discriminação decorrente de nacionalidade para seus empregados, em

regulamento de empresa, a tanto correspondendo o estatuto dos servidores da

empresa, tão-só pela circunstância de não ser um nacional francês.

Tendo o recurso extraordinário sido encaminhado ao Supremo Federal, com a

justificativa de ser a decisão inconstitucional, já que a mesma contraria um dos

direitos fundamentais, o direito à igualdade.

Assim como, verificado o fato de ter sido a decisão baseada unicamente

no quesito nacionalidade, sendo esta qualidade intrínseca à pessoa, e não

tendo a Constituição, nesse caso, feito exceção em relação à essa

característica, observa-se expressamente uma discriminação proibida, que vai

de encontro a essa mesma Carta, que tem como regra a igualdade de

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37

tratamento para todos. Dessa forma, decidiu o Supremo Federal em conhecer

do recurso extraordinário e lhe dá provimento, para determinar a aplicação ao

recorrente do Estatuto do Pessoal da empresa francesa.

CONCLUSÃO

Nesses de dias de aceleradas transformações, grandes revoluções, velozes

evoluções e necessárias adequações, estamos nós, principalmente os iniciantes

no Direito, observando o Constitucionalismo do Direito. Onde o Direito

Constitucional e o Direito Fundamental, assumem postura de proporção basilar.

Em face de um Estado liberal. Bastante merecedor de limites. Notadamente

quando assume a posição de tutor do Direito.

Contudo, passando a lidar com a cidadania de cada um de seus entes, de

cada cidadão, contemplando ele, Estada Liberal, a dimensão da dignidade da

pessoa humana. Valor-fonte que informa todos os outros valores, seja de cunho

constitucional, tanto quanto de cunho fundamental.

3. CASO AIR FRANCE RE – 161243, STF

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Serviço de Jurisprudência – D. J. 19121977 – Ementário nº1896-04

291001996 – Segunda Turma

RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 161.243-6

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

RECORRENTE: JOSEPH HALFIN

ADVOGADOS: ROBERTO DE FIGUEIREDO CALDAS E OUTROS

RECORRIDA:COMPAGNIE NATIONALE AIR FRANCE

ADVOGADOS:FERNANDO NEVES DA SILVA E OUTROS

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38

EMENTA

CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR

BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL

DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR

BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput.

I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa

francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que

concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao

empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade:

C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput).

II. - A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou

extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo

religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846 (AgRg)-PR,

Célio Borja, RTJ 119/465.

III. - Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso.

IV. - R.E. conhecido e provido.

ACÓRDÃO

RE 161243 ED ANO-1998 UF-DF TURMA-02 N.PP-007 Min. CARLOS VELLOSO

DJ 29-05-1998 PP-00009 EMENT VOL-01912-02 PP-00228

4. DIREITO AO ESQUECIMENTO RESP - 1334097, STF;

4.1 CHACINA DA CANDELÁRIA

Rio de Janeiro, Praça da Candelária, 23 de julho de 1993, uma noite marcada

pela barbárie e pela covardia. Oito jovens foram assassinados enquanto

dormiam sob a marquise da igreja. Todos eram rapazes sem teto, negros ou

pardos, exemplos exatos de excluídos sociais. Seus assassinos chegaram num

Chevette e um táxi disfarçado. Atiraram à queima roupa, sem chance de

defesa. As vítimas fatais foram:

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- Paulo Roberto Oliveira - 11 anos

- Anderson Oliveira Pereira - 13 anos

- Marcelo Cândido de Jesus - 14 anos

- Valdevino Miguel Almeida - 14 anos

- ―Gambazinho‖ - 17 anos

- Leandro Santos Conceição - 17 anos

- Paulo José da Silva - 18 anos

- Marcos Antonio Alves da Silva - 19 anos.

Alvejado com quatro tiros Wagner dos Santos conseguiu sobreviver tornando-

se a principal testemunha.

O nebuloso inquérito que se seguiu ao crime acusou precipitadamente três

pessoas: Cláudio dos Santos, Marcelo Cortes(policiais militares) e o serralheiro

Jurandir Gomes França. Permaneceram três anos presos até a confissão do PM

Nelson Cunha que apontou seus comparsas, também policiais; Marco Aurélio

Alcântara, Marcos Vinicius Emmanuel Borges e Mauricio da Conceição. Foram

condenados respectivamente a 300, 243 e 204 anos de prisão. Todos se

encontram em liberdade atualmente.

O Ministério Público sabia da participação de outros assassinos, mas

jamais conseguiu identificá-los. A real motivação da chacina também nunca foi

esclarecida. Ficou apenas a certeza de um extermínio de gente pobre e

vulnerável.

Em 27 de julho de 2006, o programa ―Linha Direta – Justiça‖ da TV Globo

reconstituiu o caso. Gerando nova polêmica ao citar Jurandir Gomes de França

que fora inocentado, a pedido da promotoria, durante o processo. Jurandir

recorreu até o STF pelo direito ao esquecimento, na suprema corte teve seu

pleito atendido.

O Estado e a sociedade brasileira não tem o direito de esquecer a Chacina da

Candelária nem deixar que se repita como já aconteceu em Vigário Geral,

Corumbiara, Eldorado de Carajás e tantos outros.

4.2 Direito ao Esquecimento

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40

Ação

Jurandir Gomes de França ajuizou ação de reparação de danos morais em

face de TV globo. Informou o autor ter sido indiciado como coautor/partícipe

da sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993 na cidade do Rio

de Janeiro, conhecidos como chacina da candelária, mas que, ao final

submetido a júri foi absolvido por negativa de autoria pela unanimidade dos

membros de conselhos de sentença.

Noticiou que a ré, o procurou com o intuito de entrevistá-lo em programa

televisivo (linha direta-justiça), tendo sido recusada a realização da referida

entrevista, e mencionado o desinteresse em ter sua imagem apresentada em

rede nacional.

Porém em junho de 2006, foi ao ar o programa, tendo sido o autor apontado

como um dos envolvidos na chacina, mas que fora absolvido. Treze anos depois

do fato, levou-se a pública situação que já havia superado reacendendo na

comunidade onde residia a imagem de chacinador e o ódio social, ferindo seu

direito à paz, anonimato e privacidade pessoal, com prejuízos diretos também

a seus familiares.

Alegou que essa situação o prejudicou sobremaneira em sua vida profissional,

não tendo mais conseguido emprego, além de ter sido obrigado a desfazer-se

de todos os seus bens e abandonar a comunidade para proteger a segurança

de seus familiares.

A exposição de sua imagem e nome mencionado no programa foi ilícita e

causou-lhe intenso abalo moral, então o autor proclamava o direito ao

esquecimento. Pleiteou a indenização no valor de 300(trezentos) salários

mínimos.

O juízo de direito da comarca do Rio de Janeiro, julgou improcedente o

pedido indenizatório, mas a sentença foi reformada em grau de apelação. Ou

seja, perdeu em primeira instancia e ganhou em grau de apelação.

Em seguida a rede Globo recorre ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), onde os

embargos infringentes e embargos de declaração foram rejeitados. Sobreveio

assim o recurso especial. E os ministros da 4º turma do STJ por unanimidade

negou provimento ao recurso especial e condenou a emissora a pagar o valor

de R$ 50 mil de indenização por danos morais.

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41

4.3 VOTOS

Negou provimento ao recurso especial e os votos:

Segundo o Relator:

LUIZ FELIPE SALOMÃO, ele aponta para uma percepção invertida dos fatos pela

sociedade, pois, a vinculação do programa, antes de se enxergar um inocente

injustamente acusado, visualiza um culpado acidentalmente absolvido. Negou

provimento ao recurso especial.

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTI, negou provimento ao recurso especial,

fundamentando que o programa deveria ter sido apresentado, mas não ter

citado o nome e imagem do autor contra sua vontade.

MINISTRO MARCO BUZZ, fundamentou que os fatos apresentados no programa

foram verídicos, mas ele causou prejuízos ao Jurandir, causando desconfiança

aos que o cercavam. Negou provimento ao recurso especial. MINISTRO

ANTONIO CARLOS FERREIRA, apoiou os dois votos anteriores, do ministro Marco

Buzz, e da Ministra Maria Isabel Galloti, Negou também provimento ao recurso

especial.

A data do julgamento foi em 25 de maio de 2013.

4.4 LIBERDADE DE IMPRENSA

Liberdade de Imprensa versus Direito Individuais Fundamentais e a

resolução de conflitos entre direitos fundamentais

Um dos temas mais discutidos, porém, atuais, é a questão da resolução de

conflitos na existência de colisão entre direitos individuais fundamentais, ou seja,

constitucionalmente previstos, e as os direitos concernentes às mídias e meios

de imprensa.

A liberdade de expressão e o direito à preservação da imagem são constituídos

sob forma de regras, todavia, por estarem garantidos constitucionalmente

como direitos individuais, acabam tendo força e sendo considerados como

princípios. Quando tais direitos, considerados tendo força de princípios, entram

em colisão, é necessário que se observe o interesse da sociedade acima de

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42

tudo. Por serem, então, princípios, quando em concorrência, nunca se excluem.

As regras, por sua vez, como já explicado no item acima, quando colisão, se

excluem, não podendo haver regras conflitando. Deve ser observado o que

melhor se aplica ao caso concreto.12

Cabe ressaltar as disposições do Parágrafo 1º do artigo 220 de nossa

Constituição Federal, que assim dita o Art. 220. A manifestação do pensamento,

a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo

não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição § 1º -

Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena

liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação

social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Tendo isto em vista, podemos deduzir que a liberdade de informação

jornalística, ou seja, a liberdade da livre expressão por parte dos meios da

comunicação devem ser respeitadas e exercidas de forma livre, devendo ser

observados os dispostos no que se refere à livre manifestação do pensamento;

ao direito de resposta quando determinada pessoa sentir-se atentada por

publicação realizada por meio de imprensa; as disposições sobre os direitos

pessoais de garantia à intimidade, à vida privada, à conservação da imagem

e à preservação da honra; ao direito da livre escolha ao trabalho; e, o direito a

ter acesso à informação.

Então, chegamos à conclusão de que dentro deste mesmo dispositivo, dois

direitos fundamentais que entram em colisão com frequência devem ser

observados em face à liberdade de imprensa, são eles: o direito à livre

manifestação do pensamento e o direito à preservação dos direitos pessoais. Aí

está o cerne da principal dúvida aqui suscitada: em caso de conflitos, qual

direito deverá prevalecer, já que se trata de colisão de princípios e não há uma

hierarquia pautada entre eles.

Como não é possível aplicar qualquer norma referente à hierarquia entre tais

direitos, a colisão em questão se resolve, então, pela ponderação no caso

concreto a ser analisada pelo aplicador da lei, devendo ser observados os

critérios que melhor socorrerão aos interesses públicos.

12 BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da

personalidade. Critérios de ponderação. Artigo - Interpretação constitucionalmente

adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista de Direito Privado. São Paulo:

Revista dos Tribunais, n.18, abr./jun 2004.

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A situação de tensão entre os direitos fundamentais individuais e os

concernentes à livre manifestação e expressão é debatido há muitos anos nos

tribunais brasileiros, bem como nos tribunais dos demais países. O que se é certo

é que não se deve estabelecer um parâmetro para a solução adequada dos

conflitos entre tais direitos, uma teoria fixa e absoluta. O legislador, ao aplicar a

lei, deve analisar a situação concreta, visando a relevância daquilo que foi

divulgado dentro da sociedade.

No caso do direito à imagem, já foi discutido no item 4.2. acima, a necessidade

em se obter a concessão ao uso da imagem do particular antes de realizar

qualquer publicação a utilizando.

Todavia, existem algumas exceções quanto à disposição da imagem que serão

a seguir tratadas.

O direito à honra, como os demais direitos da personalidade, não é absoluto,

nem ilimitado. Prova disto encontramos na legislação penal pátria, pelo qual o

limite da honra resta estabelecido, em alguns casos, pela exceptioveritatis, ou

seja, a exceção da verdade, por meio da qual o agente deve provar a

veracidade do fato que imputou.

No que se refere em especial à proteção da honra, uma informação divulgada

que a afete não necessariamente será considerada realizada de maneira ilícita.

Caso a informação que atinge a honra de outrem seja referente a fatos de

relevância pública, e havendo interesse legítimo dos membros da sociedade

quanto àquela notícia, esta divulgação está sendo realizada de maneira lítica

e legítima.

Ainda, mostra-se razoável, a diminuição da proteção ao direito à honra de

determinada pessoa pública, principalmente quando há a necessidade de

transparência na divulgação de algum ato praticado por entes públicos, não

se enquadrando nos tipos penais referentes à injúria, calúnia e/ou difamação.

Estas informações, justamente por se referirem aos entes públicos, são de

extremo interesse por parte dos membros da sociedade, sendo que a

necessidade de sua divulgação e o respeito à liberdade de imprensa neste caso

é superior aos direito à honra por parte da pessoa citada.

No que se refere às pessoas públicas ou notórias, como atores, cantores,

poetas, entre outros, esta própria condição já traz à elas a limitação para negar

que sua imagem seja exposta de forma ilimitada. Algumas pessoas acreditam,

equivocadamente, que tais indivíduos, por terem conhecimento público, não

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possuem direito à preservação da imagem e à intimidade por serem públicas,

porém, isto não corresponde à verdade. Neste sentido, Celso Ribeiro Bastos

disserta em sua obra:

É crucial que estas pessoas que profissionalmente estão ligadas ao público, a

exemplo dos políticos, não possam reclamar um direito de imagem com a

mesma extensão daquele conferido aos particulares não comprometidos com

a publicidade. Isso não quer dizer que estas pessoas estejam sujeitas a ser

filmadas ou fotografadas sem o seu consentimento em lugares não públicos,

portanto, privados, e flagradas em situações não das mais adequadas para o

seu aparecimento.

Tendo em vista o acima exposto, podemos considerar que, ao tornar-se de

notório conhecimento da sociedade devido à sua profissão, uma pessoa

pública não poderá reclamar em juízo caso uma foto sua seja divulgada sem o

seu consentimento. Este caso é excepcionado quando a captação da imagem

da pessoa ocorreu de forma indevida quando ela estava em um local privado,

no jardim de sua casa, por exemplo, ou ainda, realizando algum ato ou diante

de determinadas situação que não seja adequada para a sua imagem.

É o caso, por exemplo, da filmagem realizada da apresentadora Daniella

Cicarelli em cenas íntimas com seu ex-namorado em uma praia européia que

chegou a ser divulgada em diversos sites e programas de televisão ao redor do

mundo, porém, que a retratavam em um momento nada adequado para a sua

imagem, e que também não possuía nenhum fundamento para ser divulgado,

já que não trazia consigo nenhum interesse social.

Todos devem estar protegidos pela Constituição Federal, seja esta pessoa

pública ou não. Caso a reportagem em que houve a divulgação tenha apenas

fins lucrativos, e não seja de relevante informação relevante, o uso da imagem,

mesmo que de um indivíduo público, sem que haja o consentimento para tal,

pode ser motivo para o ressarcimento à esta pessoa que teve sua imagem

divulgada inadequadamente.

Já no que se refere às pessoas que não são públicas, como visto, há a

necessidade na concessão da sua imagem para que esta possa ser divulgada.

Contudo, é excepcionado o caso de uma pessoa ter uma imagem

capturada em um local público, sem que haja prejuízo a ela, e sem que esta

sua imagem seja o objeto da divulgação. É o exemplo da pessoa que está em

um estádio de futebol e a câmera de uma emissora capta a sua imagem em

zoom e transmite durante a transmissão do jogo.

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A imagem desta pessoa não é o objeto da divulgação, não se está

violando o seu direito de imagem, tal pessoa está em local público e já estava

sujeita a ter a sua imagem divulgada, por se tratar de evento onde há

acompanhamento pelas mídias e registros por vários meios, como câmeras

fotográficas, rádio, televisão, etc.

Todavia, se tratando de uma pessoa privada que tem a sua imagem divulgada

de forma danosa e sem o seu devido consentimento, mesmo que em local

público, tal indivíduo possui o direito a ser ressarcido por parte do órgão que

realizou a divulgação. Por exemplo, se uma mulher está na praia tomando

banho de mar e após ser atingida por uma forte onda a parte de cima do seu

biquíni cai, deixando seus seios expostos, e naquele momento um fotógrafo

estava fotografando a paisagem, e aproveitando-se daquela situação tira

diversas fotos da mulher, e depois divulga tais fotos em seu blog em um post

sobre mulheres fazendo topless nas praias brasileiras.

Obviamente esta é uma situação hipotética, todavia, caso acontecesse,

estaria, claramente, violando os direitos individuais da imagem, da intimidade e

da honra daquela mulher, entre outros.

Tendo tudo o acima exposto, chegamos à conclusão de que para evitar a

ocorrência de colisões entre direitos fundamentais, e possíveis sanções importas

às mídias por violares direitos individuais alheios, os meios de Imprensa devem,

ao exercer a sua atividade, observar acima de tudo a sua função social e o

interesse público ao receber aquela informação.

De nenhuma maneira a Imprensa deve sofrer qualquer tipo de censura ou ser

submetida ao controle direto por parte do Estado. Os meios de imprensa são de

grande utilidade em nossa sociedade, estreitam laços entre os povos, entre os

Estados e Países, e estão presentes a quase toda população brasileira.

Devido a isto verificamos que a Imprensa exerce grande poder sobre a nossa

sociedade, porém, dever exercer este poder de forma contida, cumprindo com

o seu poder dever de prestar informações aos indivíduos sociais, cumprindo com

sua obrigação em verificar a veracidade das informações divulgadas e não

abster-se em detalhar a notícia de forma precisa, obedecendo, assim, ao direito

das pessoas em receber informações verdadeiras, para que esta seja capaz em

formar a sua própria opinião através dos fatos narrados e escolher quais

informações gostaria de receber. A postura sensacionalista, por sua vez, que

algumas mídias tomam é completamente descabida e viola os direitos de

informação do indivíduo social.

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Cabe salientar que os conflitos de direitos fundamentais não ocorrem única e

exclusivamente entre os meios de imprensa e as pessoas físicas. A pessoa

jurídica, por exemplo, é detentora do direito à imagem, e, caso um meio de

imprensa divulgar uma notícia acusando, sem provas, que determinada

empresa está cometendo crimes ambientais, por exemplo, esta empresa terá a

sua imagem violada, e além de estar sofrendo crime de calúnia, terá o direito à

ser devidamente ressarcida, tendo, conforme decidir o juiz, inclusive, o direito à

resposta ou exigência de que o meio divulgador da notícia se retrate.

Outro exemplo que podemos dar é a ―guerra‖ ocorrida há alguns anos entre

a Rede Globo de Televisão e a Rede Record de Televisão, onde a primeira

divulgou reportagem em seu principal jornal, no horário nobre da televisão,

alegando que o proprietário da Record, que é bispo, estava desviando verbas

tanto da emissora, quanto da própria igreja evangélica.

A segunda emissora, por sua vez, para tentar ―se vingar‖ prolatou diversas

reportagens contra à Globo. Esta ―batalha‖ não só não tem fundamento,

como prejudica os direitos da sociedade em ter acesso às informações. Os

meios de imprensa devem sempre atentar-se para a defesa do interesse

público, evitando publicar qualquer reportagem que vá contra este princípio, e

acabe manipulando o pensamento das pessoas.

Novamente ressaltamos que as informações prestadas pela mídia devem

sempre ser verdadeiras, ou terem sido investigadas previamente à sua

publicação, caso contrário, quem terá os seus direitos fundamentais feridos será

a população.

Cabe salientar, todavia, que os meios da imprensa possuem uma função social,

como dito anteriormente, devendo cumpri-la de modo a prestar à sociedade

todas as informações relevantes e de interesse público. De nenhuma maneira a

Imprensa, como aqui já explanado. A sua importância dentro de nossa

sociedade é imensurável.

Contudo, a sua atividade não deve ser realizada de maneira abusiva,

devendo-se sempre zelar pelo interesse social e pelos direitos que as pessoas

possuem em ser informadas e receber informações verdadeiras, completas. Por

muitas vezes é possível verificar atitudes por parte dos órgãos de comunicação

que, implicitamente, desejam manipular a opinião e pensamento das pessoas,

o que não é certo, já que é do direito de todos receber as devidas e necessárias

informações para formar os seus próprios pensamentos, escolhendo as

informações que irão acessar através de uma atitude pessoal, e não imposta a

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47

ele através da privação de ser informado adequadamente pelos meios da

imprensa.

Como explanado no item 4.2 acima, a própria Constituição Federal prevê, em

seu artigo 5º, inciso V, o direito à resposta quando determinado indivíduo (não

se limitando à pessoas físicas, mas também às pessoas jurídicas) sentir-se

ofendido e desrespeitado em seus direitos fundamentais garantidos devido à

publicação realizada por um veículo de Imprensa.

Neste caso, o juiz determinará se cabe ou não o direito à resposta, ou se a mídia

deve se retratar (salientando-se que este direito só será concedido quando não

tiver sido verificada a retratação espontânea por parte do comunicador). Neste

sentido, usa-se o exemplo da jurisprudência exposta abaixo, que, no caos, trata

de direito de resposta concedido em razão de propaganda eleitoral:

4.5 ELEIÇÕES 2010 - DIREITO DE RESPOSTA - IMPRENSA ESCRITA. COMPETÊNCIA.

OFENSA. DEFERIMENTO.

1. Competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar direito de

resposta. Sempre que órgão de imprensa se referir de forma direta aos

candidatos, partidos ou coligações que disputam o pleito, haverá campo para

atuação da Justiça Eleitoral nos casos em que o direito de informar tenha

extrapolado para a ofensa ou traga informação inverídica.

2. Garantias constitucionais da livre expressão do pensamento, liberdade

de imprensa e direito de crítica não procedem. Nenhum direito ou garantia é

absoluto (HC 93250, rei. mm. Elien Gracie, DJe 27.6.2008; RE 455.283 AgR, rei. mm.

Eros Grau, DJ 5.5.2006; ADI 2566/MC, rei. mm. Sydney Sanches, DJ

27.2.2004).

3. Extrapola o limite da informação reportagem que analisa o conteúdo de

frase proferida por candidato, anteriormente considerada como ofensiva pela

Justiça Eleitoral, para atribuir-lhe veracidade. A afirmação que atribui a Partido

Político associação com narcotráfico abre espaço para o direito de resposta.

4. O texto da resposta deve ser proporcional à ofensa e não deve conter

provocações ou matérias que traduzam apologia ao Estado, em virtude do

caráter impessoal que deve prevalecer na condução da coisa pública.

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48

4.6 DOUTRINAS

O chamado ―direito ao esquecimento‖ chegou ao Brasil. Dito de outro modo,

ele chegou à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em 2013. Na sessão

de 28.5.2013, a Quarta Turma do STJ apreciou o RESP 1335153/RJ, publicado no

Diário de Justiça eletrônico de 10 de setembro de 2013, relativo a um célebre

caso criminal da segunda metade do século XX, que envolveu a senhora Aída

Curi, e o RESP 1334097/RJ, estampado no mesmo Diário de Justiça eletrônico,

que teve como subjacente outro caso de Direito Penal, desta vez sobre a

tristemente célebre chacina da Candelária. O ministro Luís Felipe Salomão foi o

relator dos dois acórdãos. No primeiro (o RESP 1335153/RJ), divergiram os

ministros Maria Isabel Gallotti e Marco Buzzi, ao passo em que, no segundo, a

votação foi unânime.

O interesse doutrinário pelo tema, contudo, não é recente. Desde o início da

década de 1990, encontram-se artigos e livros no Brasil que cuidam, de modo

direto ou incidental, do ―direito ao esquecimento‖ . É conveniente e honesto

em termos intelectuais fazer um rápido inventário dessas contribuições.

Em 1993, Edson Ferreira da Silva, no artigo Direitos de personalidade: Os direitos

de personalidade são inatos?, 13 e, em 1996, Luís Alberto David Araújo, na

monografia A proteção constitucional da própria imagem, divulgaram entre nós

o pensamento de Raymond Lindon e incluíram o ―direito ao esquecimento‖ no

conceito de vida privada, ao lado de identidade; lembranças pessoais;

intimidade do lar; saúde; vida conjugal; aventuras amorosas; lazeres; vida

profissional e segredo dos negócios.14

No ano de 1994, o então juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Sidnei

Agostinho Beneti, escreveu um artigo sobre A Constituição e o sistema penal.

Nesse texto, o hoje ministro do Superior Tribunal de Justiça citava excerto do

ministro Francisco Rezek, que apontava a existência ―de um dos direitos

importantes adquiridos pela sociedade no decorrer dos séculos — que é o

direito ao esquecimento dos delitos por intermédio da prescrição‖ .15 Embora o

autor não aludisse diretamente ao atual ―direito ao esquecimento‖ ,

13 SILVA, Edson Ferreira da. Direitos de personalidade: Os direitos de personalidade são

inatos? Revista dos Tribunais, v. 694, agosto, 1993, p. 21. 14 ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem: pessoa física,

pessoa jurídica e produto. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 37. 15 BENETI, Sidnei Agostinho. A Constituição e o sistema penal. Revista dos Tribunais, v. 704,

junho, 1994, p. 296.

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49

encontrava-se a idéia de que os malfeitos passados não se poderiam dilatar na

memória das gentes de modo eterno.

Têmis Limberger, em 2002, palestrou no 6o Congresso de Direito do Consumidor,

sobre o tema As informações armazenadas pela instituição bancária e o direito

à intimidade do cliente, no qual a autora analisou, de modo lateral, o ―direito

ao esquecimento‖ . Sua referências teóricas eram as doutrinas italiana

(Giovanni B. Ferri), norte-americana e espanhola. Para Têmis Limberger, o

―direito ao esquecimento‖ integrava o âmbito de proteção normativo

conferido à intimidade do cliente bancário. Em sua leitura, ―[o] direito ao

esquecimento é o ‗derechoal olvido‘, presente no direito espanhol. Constitui-se

em um aspecto das prestações do direito à intimidade‖ . No Direito brasileiro,

seu fundamento, em relação ao consumidor bancário, estava no artigo 43,

parágrafo 1º, 2ª parte, do Código de Defesa do Consumidor, limitaria a 5 anos

o prazo de armazenamento de informações cadastrais. Desse modo, ―(...) os

dados podem ser guardados por determinado tempo, mas não utilizados

eternamente‖ .

No ano de 2004, em comentários à Lei de Imprensa, posteriormente declarada

pelo Supremo Tribunal Federal como não recebida pela Constituição de 1988,

Carlos Affonso Pereira de Souza escreveu sobre o ―interesse público sobre fatos

criminosos e seus autores‖ . Nesse item, ele ressaltou que o jornalista, ao cobrir

fatos criminosos, deve levar em conta o ―direito ao esquecimento‖ , ―que

favorece o condenado, visando a sua melhor ressocialização, depois de

cumprida a pena que lhe foi imposta‖ . Em reforço a sua tese, o autor citou o

artigo 21, parágrafo segundo, da Lei de Imprensa, que vedava a divulgação ou

a transmissão de fato delituoso cujo autor já tenha sido condenado e cumprido

a pena, com a ressalva do interesse público. O suporte fático desse ―direito ao

esquecimento‖ , todavia, não é amplo o suficiente para açambarcar ―crimes

históricos, como os grandes genocídios‖ , dado que seus autores e as

circunstâncias envolventes desses delitos ―entraram para os anais da história,

sendo assim permitido que a liberdade de expressão se manifeste de forma mais

ampla e explore o evento em prol do interesse público‖ .16

16 SOUSA, Carlos Affonso Pereira de. Arts. 49 a 77. In: CRETELLA NETO, José (Coord).

Comentários à lei de imprensa : Lei nº 5.250, de 09.02.1967 e alterações interpretadas à

luz da Constituição Federal de 1988 e da emenda constitucional nº 36, de 28.05.2002.

Rio de Janeiro: Forense, 2004. Item 202.2.

Page 50: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

50

Radicada nos direitos da personalidade, a questão transitava entre o Direito do

Consumidor e o Direito Penal, com fortes conexões com o prazo de

armazenamento de dados individuais.

Em estudos mais recentes, encontram-se as seguintes posições doutrinárias

sobre o ―direito ao esquecimento‖ :

Os atuais contornos do desenvolvimento tecnológico, relativamente aos dados

telemáticos e informáticos, não permitem o exercício pleno do ―direito ao

esquecimento‖ .17

Os dados pessoais, que se tornem públicos, ―não devem ser considerados res

nullius, isto porque, mesmo que a publicidade seja decorrente da vontade da

lei ou do próprio interessado, a este deve ser assegurado o direito de voltar a

restringir o acesso, a limitá-lo, no tempo ou a determinadas situações, além de

fatos supervenientes a uma lei poderem levar à mesma necessidade‖ , como

defende Ricardo Perlingeiro.18

Anderson Schreiber19 e Paulo R. Khouri19 alinham-se na existência de um ―direito

ao esquecimento‖ , como integrante do campo mais vasto dos direitos da

personalidade, em conexão com a proteção à intimidade e à privacidade.

Para o primeiro autor, ―o direito ao esquecimento não atribui a ninguém o

direito de apagar fatos ou reescrever a história‖ , em verdade, ele implicaria ―a

possibilidade de se discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais

especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados‖ . Paulo R.

Khouri apresenta uma leitura mais particular, no sentido de que se deve

―ponderar caso a caso os valores em jogo e pode ocorrer que o direito ao

esquecimento deva ser sacrificado em prol da liberdade de informação‖ .

Uma interpretação bastante refinada do ―direito ao esquecimento‖ encontra-

se no artigo de Daniel Bucar intitulado Controle temporal de dados: o direito ao

17 ―Se é certo que a mídia convencional (rádio, TV e imprensa escrita) já causa enormes

danos à imagem das pessoas, por possíveis matérias de cunho sensacionalista, ainda

há a possibilidade das informações se perderem com o tempo e serem relegadas ao

esquecimento. Contudo, na Internet, esta prática não é possível. Os dados ficam,

permanentemente, alocados nos servidores e possíveis de serem analisados a qualquer

momento‖ (ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. A segurança da informação no

processo eletrônico e a necessidade de regulamentação da privacidade de

dados.Revista de processo, v. 32, n. 152, p. 165180, out. 2007. item 1). 18 PERLINGEIRO, Ricardo. O livre acesso à informação, as inovações tecnológicas e a

publicidade processual. Revista de Processo, v. 37, n. 203, p. 149-180, jan. 2012. item 5. 19

SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 164; 19 KHOURI, Paulo R. O direito ao esquecimento na sociedade de informação e o

Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil. Revista de Direito do Consumidor, v. 89,|

p. 463 e ss., set. 2013.

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esquecimento.20 Após apresentar os mecanismos de proteção à intimidade nos

planos espacial e contextual, Bucar assinala a importância do ―controle

temporal‖ , cujos fundamentos normativos já se encontrariam, há bastante

tempo, no direito ordinário, como os artigos 43, parágrafo 1º, do CDC, e 748,

CPP. Para esse autor, ―a tutela de dados passados da pessoa, neste ponto, não

significa revisionismo histórico, como bradam os críticos do controle temporal‖ ,

mas como uma necessidade social de se adaptar os controles clássicos às

necessidades de um tempo de ―democracia digital‖ .

Como último desdobramento da visão doutrinária sobre o tema, encontra-se o

Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal,

realizada em 2012, cujo verbete está assim redigido: ―A tutela da dignidade da

pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao

esquecimento‖ . É bastante discutível a invocação da dignidade humana para

dar suporte ao ―direito ao esquecimento‖ , na medida em que, se houver

realmente de ser reconhecido, ele melhor se fundamentaria na proteção aos

direitos da personalidade, que já possuem enquadramento normativo ordinário

no artigo 11 do Código Civil.

4.7 DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

A Rede Globo ultrapassou seu limite de imprensa, e ferindo o princípio da

dignidade da Pessoa Humana, que é o núcleo dos Direitos Fundamentais, é a

norma estruturante dos Direito Humanos, e fundamento da nossa republica,

presentes no Art. 1°, inciso III da CF.

A Dignidade da Pessoa Humana está relacionada a proporcionalidade. Na

faceta Positiva, a Proporcionalidade, estabelece uma proibição de

20 BUCAR, Daniel. Controle temporal de dados: o direito ao esquecimento. Site

Civilistica.com, ano 2, nº3, 2013. Disponível em

http://civilistica.com/wpcontent/uploads/2013/10/Direito-ao-esquecimento-

civilistica.com-a.2.n.3.2012.pdf. Acesso em 10/03/2043.

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52

insuficiência, dos particulares na efetivação do pleno desenvolvimento

individual.

Segundo Alexandre de Morais, a Dignidade da Pessoa Humana concede

unidade aos Direitos e Garantias, fundamentais afasta a idéia de predomino das

concepções transpessoalistas de Estado e Nação em detrimento da liberdade

individual. A dignidade é um valor espiritual e moral iminente a pessoa.21

E também o doutrinador JOSÉ AFONSO DA SILVA, que diz: "A dignidade

da Pessoa Humana é um valor supremo que atrai o conteúdo a todos os

Direitos fundamentais do homem desde o direito a Vida."

Então significa que o seu Direito a Dignidade Humana seja a sua: Privacidade

Pessoal, Direito a Paz, Vida Profissional, Abalo emocional, pelos quais foram

feridos através dessa reportagem realizada.

Direito ao Esquecimento

Jurisprudência inaugural na matéria direito ao esquecimento na esfera civil é o

Recurso Especial 1334097 do Superior Tribunal de Justiça. O entendimento de

que ao indivíduo cabe o direito ao esquecimento, de ser deixado em paz, de

ser deixado no anonimato foi firmado pela quarta turma do Tribunal, sob

relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, em maio de 2013. O STJ negou

provimento ao recurso interposto pela Globo Comunicações e Participações

S/A em face do recorrido Jurandir Gomes de França. Travou-se um embate

entre direitos fundamentais, de um lado, o direito à proteção da imagem,

amplamente fundado no princípio da dignidade da pessoa humana (CF/88, art.

1º., inciso III e Código Civil, artigos 12, 20 e 21); do outro, o direito à informação

e à liberdade de imprensa (CF/88, art. 5º., XIV, LX).

Nos tribunais, como na vida, embates dialéticos são constantemente travados.

De um lado, a tese: o direito à informação e à liberdade de imprensa; de outro,

o direito à proteção à vida privada fundada no princípio da dignidade da

pessoa humana. Daí resulta a síntese: o direito ao esquecimento.

O direito e o tempo – como se relacionam? Àquele, o direito, cabe achar as

respostas que melhor se adequam às efêmeras necessidades humanas. Se o

homem é ser no tempo, o direito, que está a serviço da humanidade, deve ser

igualmente temporal.

21 Cf. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19º ed. São Paulo, SP: Atlas, 2006.

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53

Não exatamente como a vida, a síntese jurisprudencial é produzida. Deve ser

sistematicamente sopesada a partir da concretude dos fatos. A relatividade das

premissas é o ponto de partida. Todo julgar deve iniciar-se com os pesos

equilibrados, e aos poucos os elementos fáticos vão provocando o movimento

dos pêndulos. A decisão do STJ pautou-se em relevantes elementos concretos.

A liberdade de imprensa é uma conquista constitucional, resultante de árduas

batalhas. Registrar e noticiar fatos passados faz parte da preservação da

memória de um povo. É inegável que a todos cabe o direito à memória.

Também deve ser reconhecida a contribuição dos meios de comunicação à

memória de uma nação. Contudo, é preciso entender que tal direito não

absoluto e se limita na medida preservação da vida privada. Logo, esse direito

pode ser limitado por outro igualmente constitucional.

Mister se fez analisar, detidamente, o programa ―Linha Direta‖ , no qual

foi apresentada a reportagem sobre a ―Chacina da Candelária‖ que mostrou

a imagem e informou o nome de Jurandir Gomes de França como um dos

indiciados pelos crimes e posteriormente absolvido. De modo geral, o programa

não noticiou fatos inverídicos nem atacou a imagem do recorrido.

Que motivos levaram os Ministros do STJ conceder a indenização ao

proponente da ação? Preliminarmente, foi o fato de a TV Globo ter mostrado o

autor da ação, sem sua autorização.

Por outro lado, foi determinante para a concessão da reparação de

danos, a distinção feita entre a divulgação jornalística voltada à preservação

da história e a divulgação meramente midiática visando a fins de audiência,

preservação da hegemonia da emissora de TV e retorno econômico. Dizendo

de outro modo, se fez necessário distinguir o interesse público do interesse do

público. A verdade e a historicidade são de interesse público e alcançam seus

fins sem invasão à privacidade alheia, ao contrário do que ocorre com o

interesse do público, que é explorado pela exacerbação midiática. Tal

compreensão de dá à luz da doutrina:

―Decerto que interesse público não é conceito coincidente com

o de interesse do público. O conceito de notícias de relevância

pública enfeixa as notícias relevantes para decisões importantes

do indivíduo na sociedade. Em princípio, notícias necessárias para

proteger a saúde ou a segurança pública, ou para prevenir que

o público seja iludido por mensagens ou ações de indivíduos que

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postulam a confiança da sociedade têm, prima facie, peso apto

para superar a garantia da privacidade."22

Desta forma, entendeu o Tribunal que a recorrente ultrapassou o limite do

interesse público e da preservação memorialística, e, ao adentrar o interesse do

público, invadiu a seara da vida privada.

―O certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma

fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor

precisassem ser expostos em rede nacional. Nem a liberdade de

imprensa seria tolhida, nem a honra do autor seria maculada,

caso se ocultassem o nome e a fisionomia do recorrido,

ponderação de valores que, no caso, seria a melhor solução ao

conflito.‖ 23

Seguindo entendimento já consagrado em países como França, Alemanha e

Estados Unidos, o ornamento jurídico brasileiro passa a reconhecer o direito ao

esquecimento, conforme enunciado da VI Jornada de

Direito Civil:

ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da

informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil

Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vem

se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem

histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante

do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de

apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a

possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais

especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

A análise do Recurso Extraordinário 1334097 nos permite a seguinte

compreensão: o Tribunal Superior recorreu ao arcabouço principiológico para

dar respostas a inovador direito tutelado, bem como fez do debate, da

ponderação e das compreensões filosóficas uma ―práxis‖ . Verifica-se,

portanto, a ampliação dos poderes da constituição, esta que se erradia para

as mais diversas áreas do direito, dando mostras de que se vive um novo tempo,

o do neoconstitucionalismo.

22 MENDES, Gilmar Ferreira [et. al.]. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007,

p. 373. 23 Ementa do RE 1334097.

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55

4.8 Conclusão

O Direito ao Esquecimento entrou em pauta com mais contundência. É uma

orientação doutrinaria baseada na interpretação do CC e elenca o Direito de

ser esquecido entre os Direitos da Personalidade.

Ao estabelecer que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade

da informação, inclui no Direito ao esquecimento o de não ser lembrado

eternamente pelo equivoco preterido ou por situações constrangedoras ou

vexatórias, sento este uma forma de proteger a dignidade humana.

Para um bom conhecimento e interpretação das leis a semântica não pode ser

ignorada, porque o sentido linguístico das palavras deve ser levado em

consideração.

A palavra ESQUECIMENTO vem do latim ―ESCADECERE‖ , já esquecer na nossa

gramática significa perder a lembrança de algo ou de alguém. A ciência

jurídica adota a semântica neste sentido.

O Direito ao Esquecimento que as pessoas de ter na vivência de fatos ou como

personagens de fato.

Verifica-se que aos danos causados por informações falsas ou mesmo

verdadeiras, mas da esfera da vida privada e da intimidade são

potencialmente muito mais nefasto.

Algumas frases criadas por escritores, pensadores, leitores e filósofos passaram

a história, dando mais sentido a este estudo. Desta forma o STF decidiu pelo

Direito ao Esquecimento como a correta medida para conciliar Direito

aparentemente antagônicos.

Com efeito, o reconhecimento do Direito ao Esquecimento dos condenados

que cumpriram integralmente a pena e sobretudo dos que foram absolvidos e

processo criminal, além de sinalizar uma evolução cultural da sociedade,

confere concretude a um ordenamento jurídico que entre a memória que é a

conexão do presente com o passado e a esperança que é o vínculo do futuro

com o presente, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o Direito

ao Esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirma-se na verdade como

um Direito a esperança, uma absoluta sintonia com a presunção legal e

constitucional de regenerabilidade da pessoa humana.

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5. CASO GARRINCHA RESP – 521697, STF;

5.1 Manoel dos Santos mais conhecido como Garricha

História de vida do jogador antes de sua extensa carreira no futebol, de origem

humilde, com quinze irmãos, Manuel dos Santos natural de Pau Grande, um

distrito de Magé, no Estado do Rio de Janeiro. Garricha, apelido que ganhara

de sua irmã que fazia associação a um pássaro de mesmo nome muito comum

na região, iniciou no futebol com quatorze anos de idade começou a jogar

amadoramente no Esporte Clube Pau Grande e seu talento já manifestado,

despertou a atenção de Arati um ex-jogador do Botafogo. Não se sabe com

certeza quem o levou a fazer um teste no Botafogo, mas nos minutos iniciais do

primeiro treino, ele teria dado vários dribles em Nilton Santos o qual já era um

renomado jogador.

Casou-se com dezoito anos com Nair namorada de infância com quem teve

nove filhos, suas filhas Tereza e Nadir já estão falecidas separou-se de Nair e foi

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casado com Elza Soares por quinze anos de 1968 a 1983 tiveram um filho Manuel

Garricha dos Santos Júnior (nove de julho de 1977 a onze de Janeiro de 1986),

morto aos nove anos de idade num acidente de carro, onde o carro caiu num

rio e ele se afogou.

Neném o filho dele com Iraci, anterior ao casamento com Elza, também morreu

num acidente de carro em Portugal em vinte de Janeiro de 1992, aos vinte oito

anos. Garricha também e pai de um filho Sueco Ulf Lindbergh fruto de um

relacionamento com uma sueca da cidade de Uma, durante uma excussão do

Botafogo á Europa em 1957, noventa e cinco por cento das partidas, Garricha

defendeu o Botafogo no período de (1953-1965) além da seleção Brasileira de

(1957-1966).

No fim de carreira jogou alguns meses no Sport Club Corinthians Paulista em

(1966) e no Clube de Regatas do Flamengo (1969) e no Olaria Atlético Clube já

fora de seu auge. Integrou o elenco do Vasco em um amistoso contra a seleção

da Cidade de Cordeiro (RJ), marcando um gol nesta partida.

Sua contratação não foi fechada pela equipe Cruzmaltina devido sua má

condição física e foi devolvido ao Corinthians após o supracitado amistoso.

Jogou sessenta partidas pelo Brasil entre 1955 e 1966 em todos os seus jogos

perdeu apenas uma partida (de três a um para a Hungria na copa de 1966)

com Garricha e Pele juntos o Brasil nunca perdeu.

Nos clubes, jogou 614 vezes, marcando 245 gols pelo Botafogo e sua carreira

profissional se prolongou de 1953 á 1972. O ultimo gol de Garricha aconteceu

no empate de Olaria Atlético Clube em dois a dois com o Comercial, dia 23 de

Março de 1972, no Estádio Palma Travassos em Ribeirão Preto que foi seu único

gol pelo Olaria Atlético.

Garricha faleceu aos 49 anos em 20 de Janeiro de 1983 vitima de cirrose

hepática foi velado em um caixão com a bandeira do Botafogo. Em 2010

torcedores do Botafogo custearam uma estatua de quatro metros e meio e

cerca de 300 kg, ao custo de R$56.000,00 pagos ao artista plástico Edgar

Duviver, essa estatua encontra-se hoje me frente ao estádio João Havelange,

onde o Botafogo manda seus jogos.

Garricha foi considerado o mais habilidoso jogador que já existiu em todos os

tempos, pois sua capacidade de driblar e envolver seus adversários eram

impressionante. Pelo Brasil perdeu apenas uma das 61 partidas que fez com a

camisa da seleção.

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Em meio a tantos motivos que o povo Brasileiro tivera para sorrir e tamanha

felicidade pelos gols de Garricha a cada vez que jogava uma partida e

ganhava ou conquistava um titulo após sua morte um livro que relata sua historia

de vida, mas do que o seu dom com a bola no pé leva suas filha ao tribunal em

defesa de sua imagem.

Logo a pôs esse fato um filme fora lançado relatando basicamente o que no

livro esta, mas dessa vez com o consentimento de suas filhas, e Elza relatou

alguns fatos e não foi para a estréia. O fato e que o Livro Estrela Solitária Um

Brasileiro Chamado Garricha expõe sua intimidade.

DIREITO DA IMAGEM

5.2 Introdução

Neste momento ímpar da história da humanidade, com o avanço causado

pela internet, é permitido a qualquer pessoa conectar-se com o outro lado do

mundo em tempo real, receber noticias, fotos, vídeos e etc.

Contudo a tutela de imagem só conseguiu alcançar o patamar atual de

proteção graças as evoluções surgidas no âmbito de direito de personalidade

humana. Analisaremos então o direito de imagem como amplíssimo campo dos

direitos de personalidade.

5.3 Conceitos do “IUS IMAGINIS”

A Imagem tem sempre relevante significado na sociedade, mas

incontestavelmente foram estudos acumulados na orbita dos direitos da

personalidade somados a popularização da fotografia no séc. XIX, que

fortaleceram o pensamento no âmbito jurídico de proteção ao direito de

imagem.

Desse modo, em virtude de a imagem estar presente em todos os setores, o

jargão popular: ―Uma imagem vale mais que mil palavras‖ , nunca foi tão bem

empregado quanto hoje nesse século das imagens, em que novas tecnologias

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59

de informações permitem a qualquer pessoa divulgar, receber e enviar imagens

a qualquer lugar do mundo e em tempo real.

Existem dois tipos de imagem de acordo: de um lado, o conceito do senso

comum de imagem-retrato, com exposto é aquele visualmente perceptível,

abrangendo tudo que puder ser concretamente individualizado, Ex: a voz, os

gestos, forma de caminhar, tiques ou seja, todas as características

comportamentais que o tornam único.

Existe assim violação da imagem retrato, não somente quando divulgam uma

foto sem autorização, mas também quando imitam a voz do famoso locutor; do

outro lado, de acordo o mesmo autor, subsiste a imagem atributo, que

corresponde às qualidades e características intrínsecas do indivíduo, exemplo o

prestigio, a reputação que a pessoa desfruta no meio social, sua conduta

particular ou em sua atividade profissional e que deverá ser igualmente tutelada

pelo estado.

Existem duas imagens no texto constitucional: a primeira a imagemretrato,

decorrente da expressão física do indivíduo, a segunda a imagematributo,

como o conjunto de características apresentados socialmente por determinado

indivíduo. A proteção constitucional da própria imagem.

E para delinear claramente o duplo conceito fundamental do IUS Imaginis,

Araújo corrobora que: O direito de imagem possui duas variações de um lado

deve ser entendido como o direito relativo a produção gráfica (retrato,

desenho, fotografia, filmagem e etc.

Da figura humana, de outro, porém a imagem assume a característica do

conjunto de atributos cultivados pelo indivíduo e reconhecidos pelo conjunto

social.

Como se percebe, a amplitude da imagem-atributo invade a seara do recato,

da honra, do pudor, daí o porquê não raras vezes, do direito de imagem ser

associado à honra, identidade, autoria etc. Conseqüentemente, algumas

vezes, ao tutelar a imagem, estar-se-á por ricochete, protegendo outros direitos

da personalidade.

Em seguida a teoria do Direito a Honra argumenta que devido a Honra,

privacidade e imagem serem direitos da personalidade separados por uma

linha muito tênue, quase imperceptível, deve-se, considerar todos pertencentes

a uma realidade jurídica comum.

Em outras palavras, essa tese não reconhece diretamente a lesão à imagem

ou à privacidade, enquadram todos esses danos como sendo integrante ao

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bem da honra. ―Em razão disso, não é necessário que a pessoa que a pessoa,

cuja imagem foi captada ou publicada, sofra dano em sua honra, por exemplo,

o dever de indenizar impõe-se pelo simples fato de ter sido violado o direito á

imagem‖ .24

Prosseguindo a descrição das teorias afirmativas que admitem a existência do

direito à imagem a teoria do patrimônio da pessoa encaixa a imagem ao lado

da maioria dos direitos da personalidade, moldura do patrimônio moral da

pessoa.

Porém por ter uma amplitude muito exagerada, ela também amarga uma

falha conceitual. O direito à imagem é, pois, um direito natural equiparável ao

da própria vida, que independe da lei, embora esta lhe trace limites e restrições,

a constituição no seu art. 5º inciso X, cuidou de enumerar os bens jurídicos por

ela protegidos.

Ali consta intimidade, vida privada, honra imagem. Isto nos leva a

compreensão de que são bens autônomos, que não dependem um do outro.

A imagem, portanto é bem jurídico dotado de autonomia.

Como efeito dessa autonomia, é plenamente possível ocorrer ofensa à imagem

sem ocorrer ofensa à honra, ou a qualquer outros direitos da personalidade,

como por exemplo a pessoa que tem sua imagem divulgada em revistas e

tablóides , fazendo uma doação a uma determinada instituição de caridade.

A pessoa representada pode muito bem demandar reparação pela utilização

não autorizada de sua imagem, sem ter tido sequer, a honra arranhada.

Igualmente quando alguma pessoa divulga imagem de outrem em conotação

depreciativa, principalmente contra honra,decoro e bons costumes, o direito

atingido em si foi apenas o meio, o canal utilizado para alcançar os fins, no

caso, depreciativo e difamatório.

A doutrina brasileira e a jurisprudência que lentamente se afirma nos tribunais é

no sentido de atribuir-se caráter de um direito autônomo incidente sobre um

objeto específico, cuja disponibilidade é inteira de seu titular e cuja violação se

caracteriza com o simples uso não consentido ou autorizado, com exceções de

doutrinadores como a da figura que aparece numa fotografia coletiva com o

24 ROTHENBURG, Walter Claudius. Direito à imagem. Revista Jurídica Consulex – ano XIII nº

295, pp. 29, 30, abril. 2009.

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intuito de informar, ensinar, desenvolver a ciência, manter a ordem pública ou

necessária à administração da justiça.25

É de se verificar que o legislador pátrio andou vacilante sem dedicar atenção

que merecem os direitos da personalidade.

A semente foi implantada em 1916; mas eficazmente foi positivada mesmo na

constituição de 1988.

Deve-se deixar claro que apesar da imagem e dos demais direitos de

personalidade serem absolutos e terem como característica à

imprescritibilidade, a irrenunciabilidade e a intransmissibilidade, eles podem

sofrer limitações , ainda que não especificadamente previstas em lei, não

podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente a

boa fé objetiva e aos bons costumes.

5.4 Legitimidade Para Defesa da Imagem

O direito da personalidade tem como característica da vitaliciedade fazer com

que o direito à proteção da imagem acompanhe o titular por toda sua vida, os

direitos da personalidade não podem ser transferidos ou objetos de herança,

mas as relações patrimoniais delas decorrentes podem. O direito clássico

apregoa que com a morte do titular a defesa de seus direitos de imagem são

transferidos aos herdeiros. Os danos cometidos contra a memória do morto

reflexivamente ofendem a memória dos herdeiros e sucessores legais, conforme

o código civil.

Portanto sempre que a memória da imagem do de cujos estiver sendo ultrajada

por outrem, poderão os herdeiros e sucessores legais requerer que a lesão cesse

e/ou pleitear indenizar por perdas e danos.

Observa-se o exemplo prático da legitimidade dos herdeiros no caso da

bibliografia não autorizada do jogador de futebol Garrincha. O autor do livro

trouxe à tona particularidades intimas do Garrincha, revelando que além do

jogador ser natural da cidade de pau grande, no Rio de janeiro,

coincidentemente teria suas particularidades anatômicas avantajadas.

Diante da citada ultraje, as herdeiras ingressaram na justiça requerendo

indenização por danos morais pelas ofensas feitas á imagem do pai, pois esse

tipo de informação privada do jogador é alheia a sociedade.

25 ROTHENBURG, Walter Claudius. op cit, abril. 2009, p. 66.

Page 62: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

62

Os direitos de personalidade, de que o direito á imagem é um deles, guardam

como principal característica a sua intransmissibilidade, nem por isso, deixa de

merecer proteção a imagem e a honra de quem falece,como se fossem coisas

de ninguém, porque elas permanecem perenemente lembradas nas memórias,

como bens imortais que se prolongam para muito além da vida.

No caso do direito de imagem configurada a lesão, a reação do ofendido

pode ser através de ação indenizatória, obrigação de fazer deixar de fazer ou

por meio do direito de resposta, qual seja, o direito de a pessoa prejudicada

valer-se dos meios de comunicação molestadores para se defender e

restabelecer a verdade. O direito ao desagravo ganha relevo internacional nas

constituições de vários países muito em razão do artigo 14 do pacto de San José

da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos).

5.5 TÉRMINO DOS DIREITOS À PERSONALIDADE

O momento final dos direitos à personalidade só podem ser, é claro, a morte.

A morte extingue a personalidade e extingue também os direitos à

personalidade. Mas e a morte pela ausência, implica em extinção dos direitos

da personalidade?

Não, porque a declaração de ausência traz consigo efeitos eminentemente

patrimoniais. Como a declaração de ausência projeta efeitos patrimoniais, é

certo que a morte por ausência não extinguir o direito a personalidade, exceto

um que é a extinção da relação familiar.

Em linha de princípio, portanto, extinguem-se os direitos da personalidade, pela

perda da personalidade, o que se dá pela morte é real. Eu acabei de dizer que

a morte extingue a personalidade e de conseqüência, extingue os direitos à

personalidade.

O fato de a personalidade ter sido extinta pela morte não implica a perda da

tutela dos direitos á personalidade, mas depois do óbito, é possível falar em

tutela jurídica, em proteção aos direitos da personalidade, podem ocorrer em

três situações distintas:27

1ª situação: Se dá no momento em que a lesão (ofensa) foi perpetrada quando

o titular ainda estava vivo e ele ainda vivo promoveu a ação. Depois disso

morreu. Nesse caso, o problema não é de ordem material, é de ordem

Page 63: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

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Processual e se resolve na forma do art. 43, do código de processo civil. E o

nome disso é sucessão processual. É o fenômeno através do qual os espólio ou

herdeiros se habilitam na ação já promovida e que está em andamento.

27 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil. Vol.

1. 18 ed. São Paulo Saraiva 2002, p.126.

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são

civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa

qualidade causem danos á terceiros, ressalvando direito

regressivo contra os causadores do dano,se houver,por parte

deste,culpa ou dolo.

2ª situação: Ocorre que quando a lesão (ofensa) se dá quando o titular ainda

era vivo, mas morreu sem promover a ação, sem ajuizar a ação de indenização

por danos morais. Nossa doutrina clássica defendia que se tratava de interesse

personalismo e por isso, os herdeiros não poderiam fazê-lo. Em outras palavras:

a titularidade para mover a ação perecia com ele. Pois bem.

Contemporaneamente, a doutrina e a jurisprudência foram mudando de

opinião.

Embora o direito seja personalismo, a reparação pecuniária, a indenização tem

caráter patrimonial. Mas nesse caso, o que ele vai permitir não é o direito a

personalidade, mas o direito de requerer uma indenização essa indenização

tem natureza patrimonial e isto se transmite o que não se transmite é o que tem

natureza existencial.

Pacificando a questão, tornando a questão incontroversa, o Código Civil

tomou partido no art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de

prestá-la transmite-se com a herança.

Portanto, para o código Civil, se uma pessoa sofreu uma lesão a sua a honra,

imagem, privacidade e morreu sem promover a ação, o seu espólio pode fazê-

lo. Entende-se que o direito de exigir a reparação é um direito e ordem

patrimonial, e não existencial.

É um artigo que curvou-se à jurisprudência do STJ e o mesmo posicionou-se

dessa forma, incorporando a legislação através de sua posição. São duas

situações distintas: no primeiro caso e sucessão processual, no segundo caso

não sucessão processual, é transmissão do direito a reparação e de ordem

material.

Page 64: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

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O Código civil não diz, mas o espólio só pode promover a ação de reparação

se ainda não tiver sido prescrita a pretensão. Quando é que começa o prazo

prescricional?STJ: acolhe a tese da actio nata. Os prazos prescricionais

decadenciais(os prazos extintivos)começam a fluir da data do conhecimento

do fato.

E três anos o prazo de prescrição de reparação de dano moral, três anos tinha

pra mover a ação e morreu após 2 anos só resta 1 ano para dar continuidade.

3ª situação: Ocorre quando o dano ocorreu depois da morte, alguém ofendeu

a honra ou imagem de uma pessoa morta. E estando morta não vai não vai

produzir efeitos, já extinguiu a sua personalidade. Segundo o ORDENAMENTO

toda a ofensa dirigida diretamente ao morto atingi indiretamente aos seus

parentes vivos.

Quem são esses parentes? Estão indicados no parágrafo único do art.12 e estes

dispositivos vai clamá-los de lesados indiretos.

Art.12 Parágrafo único in verbis:

―Em se tratando de morto(ausente),terá legitimação para

requerer a medida prevista neste artigo ou cônjuge (ou

companheiro) sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta,

ou colateral até o quarto grau‖ .

3 exemplos de lesados indiretos:

1º exemplo: Recentemente morreu uma pessoa em Porto alegre, vitima do HIV

e saiu uma notícia no jornal que ele era homossexual. Em verdade, era

hemofílico.

Pois bem. Os pais dessa pessoa morta ajuizaram uma ação dizendo que foram

lesados indiretos. A lesão se dirigiu ao filho morto e resvalou nos pais que

estavam vivos.

2º exemplo: Da filha de Lampião Maria Bonita. Ela descobriu que a imagens de

seus pais estavam sendo explorada comercialmente e ajuizou uma ação para

impedir a exploração indevida da imagem. Tem legitimidade porque na

qualidade de filha ela foi lesada indireta.

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3º exemplo: da Garrincha que teve a vinculação de uma notícia relacionada

a sua privacidade. Seus filhos ajuizaram uma ação na qualidade de lesados

indiretos.

ATENÇÃO!

Não esqueça que a legitimação dos lesados indiretos é autônomo, ordinária,

sobe o ponto de vista processual. Os lesados indiretos vão ajuizar uma ação em

nome próprio defendendo interesses próprios. A filha de Lampião promoveu a

ação em nome dela defendendo interesse próprio. É legitimação autônoma.

Não se trata de substituição processual. O lesado indireto pede em nome

próprio defendendo interesse próprio.

Não se aplica aos lesados indiretos a ordem de vocação hereditária do art.

1.829: Descendente, ascendente, cônjuge, colateral... Aqui não se aplica essa

regra. Portanto, todos os lesados indiretos são colegitimados ou legitimados

concorrentes portanto não se aplica a ordem de vocação hereditária.Todos os

lesados indiretos têm legitimidade. O pai, a mãe, o filho, a esposa, o primo, o tio.

Cada um promove a sua ação e prova o dano sofrido, porque cada um está

pedindo em direito próprio. Por isso não se aplica a vocação hereditária.

Logo de acordo com o direito à imagem, os lesados indiretos encontram no

dispositivo art. 20, parágrafo único, CC, sua proteção quanto ao dano moral.

Em se tratando de morto ou ausente, são partes legítimas para requerer essa

proteção o cônjuge, os ascendentes, os descendentes.

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RECURSO ESPECIAL Nº 521.697 - RJ (2003/0053354-3)

RELATOR : MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA

RECORRENTE : EDITORA SCHWARCZ LTDA

ADVOGADO : ANTÔNIO AUGUSTO ALCKMIN NOGUEIRA E OUTROS

RECORRENTE : MARIA CECÍLIA DOS SANTOS CARDOSO E OUTROS

ADVOGADO : LUIZ EDUARDO SALLES NOBRE E OUTRO

RECORRIDO : OS MESMOS

EMENTA

CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DIREITO À IMAGEM E À HONRA DE PAI

FALECIDO.

Os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam

como principal característica a sua intransmissibilidade.

Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção a imagem e a honra de

quem falece, como se fossem coisas de ninguém, porque elas permanecem

perenemente lembradas nas memórias, como bens imortais que se prolongam

para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto.

Daí porque não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a

honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais

se desvanecem com a exaltação feita à sua memória, como são os que mais

se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe possa trazer mácula.

Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além

de sua morte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por direito próprio,

legitimidade para postularem indenização em juízo, seja por dano moral, seja

por dano material.

Primeiro recurso especial das autoras parcialmente conhecido e, nessa parte,

parcialmente provido.

Segundo recurso especial das autoras não conhecido.

Recurso da ré conhecido pelo dissídio, mas improvido.

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ACÓRDAO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na

conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no

julgamento, ante a aposentadoria do Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira e

o afastamento do Sr. Ministro Barros Monteiro, que eram os votos faltantes,

decidiu dar por encerrado o julgamento deste processo, uma vez que já está

aperfeiçoado pela maioria; portanto, por unanimidade, conhecer

parcialmente do primeiro recurso especial, o dos autores e, nessa parte, dar-lhe

parcial provimento; não conhecer do segundo recurso especial, o das autoras;

conhecer do recurso especial da ré e negar-lhe provimento, nos termos do voto

do Sr. Ministro Relator.

Brasília, 16 de fevereiro de 2006 (data do julgamento).

MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 521.697 - RJ (2003/0053354-3)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: - As autoras, filhas herdeiras de

Manoel dos Santos, consagrado como Garrincha , promoveram uma ação

ordinária contra Editora Schwarcz Ltda. (Companhia das Letras Editora, nome

fantasia), por esta ter lançado o livro intitulado "Estrela Solitária - Um brasileiro

chamado Garrincha", sem autorização das autoras, alegando violação ao

direito à imagem, ao nome, à intimidade, à vida privada, à honra e todos os

conexos da personalidade do referido ídolo, execrando a sua memória,

postulando pela indenização de danos patrimonial e moral.

Em primeiro grau a ação foi julgada parcialmente procedente, reconhecendo

a existência apenas de danos morais a serem indenizados no valor equivalente

a mil salários mínimos, com juros de 6% ao ano, desde a citação, e em honorários

advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. As partes apelaram.

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As autoras, para aumentar o valor da condenação por danos morais, para

obter o reconhecimento de danos materiais, juros desde o lançamento do livro

e honorários em 20%.

A ré, buscando a nulidade da sentença por falta de apreciação adequada da

prova, e, no mérito, a improcedência ou a redução da indenização dos danos

morais e a aplicação do art. 21 do CPC. O eg. Tribunal local decidiu, sem

discrepância, ter por incabível o dano moral, e, por maioria, admitiu o dano

material a ser indenizado no valor correspondente a cinco por cento sobre o

total do preço do livro a ser apurado em liquidação.

Os declaratórios das autoras foram rejeitados e improvidos os infringentes da ré.

As autoras interpuseram dois recursos especiais.

O primeiro (fls. 565/575), por alegado dissídio e violação dos artigos 159 e 1.553

do Código Civil de 1916, buscando reparação pelos danos morais em valor

correspondente a dez mil salários mínimos, postulando pela contagem dos juros

a partir do ato ilícito, e que a liquidação seja feita por arbitramento.

O segundo (fls. 638/643), com as mesmas postulações do primeiro. A ré, por seu

turno, também ingressou com recurso especial (fls 669/680), isso porque o direito

de imagem é personalíssimo, não se transmitindo para as filhas, aduzindo,

fundamentalmente, que elas não teriam legitimidade para ajuizarem a presente

ação.26

Devidamente respondidos, os recursos foram obstados na origem, tendo o seu

curso sido desembaraçado em face do provimento dado aos agravos de

instrumento, para melhor exame, pelo eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar

, então relator.

Era o de importante a relatar.

RECURSO ESPECIAL Nº 521.697 - RJ (2003/0053354-3)

EMENTA

CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DIREITO À IMAGEM E À HONRA DE PAI

FALECIDO.

Os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam

como principal característica a sua intransmissibilidade.

26 A ré alegou ofensa aos artigos 6º e 126 do CPC, 4º da LICC, 160, I, e 1.526 do Código

Civil de 1916, e 38, caput , da Lei 9.610/98.

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Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção a imagem e a honra de

quem falece, como se fossem coisas de ninguém, porque elas permanecem

perenemente lembradas nas memórias, como bens imortais que se prolongam

para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto .

Daí porque não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a

honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais

se desvanecem com a exaltação feita à sua memória, como são os que mais

se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe possa trazer mácula.

Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além

de sua morte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por direito próprio,

legitimidade para postularem indenização em juízo, seja por dano moral, seja

por dano material.

Primeiro recurso especial das autoras parcialmente conhecido e, nessa parte,

parcialmente provido.

Segundo recurso especial das autoras não conhecido.

Recurso da ré conhecido pelo dissídio, mas improvido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator):

01. Começo este voto por examinar o segundo recurso das autoras, aquele

lançado contra o v. acórdão dos embargos infringentes.

Como consignado no relatório, a sentença reconheceu a existência apenas de

danos morais, a serem indenizados no valor equivalente a mil salários mínimos,

com juros de 6% ao ano, desde a citação, e em honorários advocatícios fixados

em 10% sobre o valor da condenação.

Ao julgar a apelação, o eg. Tribunal local decidiu reformar a sentença em dois

distintos pontos: no primeiro, sem discrepância, para ter por incabível o dano

moral; no segundo, e por maioria, para admitir o dano material, a ser indenizado

no valor correspondente a cinco por cento sobre o total do preço dos livros, a

ser apurado em liquidação de sentença.

O pedido referente a condenação em dano moral não pode ser aqui

apreciado, pois este tópico foi unanimemente afastado na apelação. Será

objeto de apreciação quando analisado o primeiro recurso especial das

autoras.

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Igualmente não merece acolhida a postulação referente à contagem dos juros

a partir do ato ilícito, e a que pretende que a liquidação seja procedida por

arbitramento.

É que esses pontos adotados no v. acórdão da apelação, reformando a

sentença, contra os quais se volta a insurgência, foram tomados por maioria,

não tendo as autoras ingressado com os necessários infringentes, sendo, como

se sabe,"inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes

contra acórdão proferido no tribunal de origem" (verbete sumular n. 207/STJ).

Nem se diga que seria cabível veicular essas inconformações nesse seu

segundo recurso especial, ao argumento de que essas conclusões foram

adotadas no r. aresto dos embargos infringentes interpostos pela ré, o que teria

o condão de ensejar nova oportunidade para recorrer.

É que, sobre essas conclusões, ocorreu a preclusão, obstáculo intransponível

para a admissibilidade de qualquer recurso, inclusive o especial de que ora se

cuida.

Com efeito, não conheço do segundo recurso especial das autoras.

02. Aprecio agora o primeiro recurso especial das autoras e limito-me a

examinar apenas o pedido referente ao reconhecimento da ocorrência de

dano moral e a sua conseqüente indenização.

É que os demais pedidos dirigem-se a conclusões chegadas por maioria da

Turma julgadora da apelação, não tendo as autoras, como acima dito,

interposto embargos infringentes, sendo "inadmissível recurso especial quando

cabíveis embargos infringentes contra acórdão proferido no tribunal de origem"

(verbete sumular n. 207/STJ).

Ao relatar o agravo regimental contra a liminar no mandado de segurança que

concedeu a busca e apreensão dos exemplares disponíveis ao público do livro

aqui ventilado, o ilustre Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, com a sua

reconhecida autoridade sobre o assunto, assim registrou, com maestria:

Este relator, por dever de ofício, já que não é entusiasta do futebol, nem torce

para qualquer time, leu o Livro no último fim de semana para que pudesse

proferir este voto. Lamentavelmente, constatei que a obra não faz justiça a um

grande jogador de futebol que por duas vezes levou o Brasil a ser campeão do

Mundo.

Page 71: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

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Não se limitou o autor a relatar o futebol do Garrincha, a habilidade que o

tornou um mito mundial, suas proezas nos gramados e vitórias nos campeonatos;

infelizmente foi muito além, invadindo a intimidade do cidadão Manoel do

Santos e apequenando a sua imagem. Se um quadro vale por mil palavras,

como diz o ditado chinês, a capa do livro em exame é um longo discurso contra

a imagem do Garrincha. Em lugar do atleta chutando a bola em gol ou dando

os seus dribles que levavam as galeras ao delírio, mostra um homem deprimido

e desolado, quase a figura de um farrapo humano. Pior que tudo, a imagem da

capa é retratada em páginas de dolorosa impiedade, que aos poucos vai

despindo o mito, transformando-o em profissional derrotado, pai irresponsável,

marido infiel e ébrio inveterado. Ao final do Livro, Garrincha não passa de um

grande logro, autêntico exemplo de fracasso humano.

Se tal não bastasse, atenta ainda o Livro agressivamente contra a intimidade

do Garrincha, trazendo a público relato de fatos da sua mais restrita

privacidade, desde a sua meninice até a sua morte. Seus dotes sexuais, seus

vícios ocultos, seus casos amorosos, seus fracassos na cama, tudo é investigado

com microscópio e depois ampliado e divulgado sem retoques. Nem mesmo a

intimidade de sua vida familiar foi poupada. Seria de mau gosto reproduzir aqui

trechos de alguns capítulos do Livro; seria grosseiro e deprimente, mas se alguém

quiser conferir verifique fls. 29/30, 32, 45, 74/75, 77, 90, 199, 217/218 etc.

É bem verdade que a Constituição Federal, em seu artigo 5, inciso IX, garante

a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de

comunicação, independentemente de censura ou licença. Até que ponto,

entretanto, escudado nessa liberdade de expressão pode alguém invadir a

intimidade alheia, conspurcar a sua imagem ou dela tirar proveito econômico?

Tenho como certo que o limite é encontrado no próprio texto constitucional

tendo em vista que logo no inciso seguinte (nº X, do artigo 5) ele garante a

inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das

pessoas.

Ensina a melhor doutrina que sempre que direitos constitucionais são colocados

em confronto, um condiciona o outro, atuando como limites estabelecidos pela

própria Lei Maior para impedir excessos e arbítrios. Assim, se o direito à livre

expressão da atividade intelectual contrapõe-se o direito à inviolabilidade da

intimidade, da vida privada, da honra e da imagem seguese como

conseqüência lógica que este último condiciona o exercício do primeiro.

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72

À luz destes princípios, pondera o insigne Carlos Alberto Bittar que na

divulgação da imagem é vedada qualquer ação que importe em lesão à

honra, à reputação, ao decoro (ou à chamada imagem moral ou conceitual),

à intimidade e a outros valores da pessoa (uso torpe)... Não são permitidas, pois,

quaisquer operações que redundem em sacrifício desses valores, que

receberão sancionamento em conformidade com o bem violado e nos níveis

possíveis. (Os Direitos da Personalidade, Forense Universitária, 1988, p. 90/91).

O direito à privacidade, por seu turno, segundo doutrina da Suprema Corte dos

Estados Unidos universalmente aceita, é o direito que toda pessoa tem de estar

só, de ser deixada em paz e de tomar sozinha as decisões na esfera de sua

privacidade. O ponto nodal desse direito, na precisa lição do já citado Carlos

Alberto Bittar encontra-se na exigência de isolamento mental ínsita no psiquismo

humano, que leva a pessoa a não desejar que certos aspectos de sua

personalidade e de sua vida cheguem ao conhecimento de terceiros. Limita-se,

com esse direito, o quanto possível, a inserção de estranho na esfera privada ou

íntima da pessoa. São elementos: a vida privada, o lar, a família etc... No campo

do direito à intimidade são protegidos, dentre outros, os seguintes bens:

confidências, informes de ordem pessoal, recordações pessoais, memórias,

relações familiares, vida amorosa ou conjugal, saúde física ou mental, afeições,

atividades domésticas etc. Esse direito, conclui, reveste-se das conotações

fundamentais dos direitos da personalidade, devendo-se enfatizar a sua

condição de direito negativo, ou seja, expresso exatamente pela não

exposição a conhecimento de terceiro de elementos particulares da esfera

reservada do titular. Nesse sentido, podese acentuar que consiste no direito de

impedir o acesso a terceiros nos domínios da confidencialidade (obra citada p.

103/104).

Costuma-se ressalvar, no tocante à inviolabilidade da intimidade, a pessoa

dotada da notoriedade, principalmente quando exerce vida pública. Fala-se

então nos chamados"direito à informação e direito à história"a título de justificar

a revelação de fatos de interesse público, independentemente da anuência da

pessoa envolvida. Entende-se que, nesse caso, existe redução espontânea dos

limites da privacidade (como ocorre com os políticos, atletas, artistas e outros

que se mantêm em contato com o público). Mas o limite da confidencialidade

persiste preservado ; sobre fatos íntimos, sobre a vida familiar etc não é lícita a

divulgação sem o consentimento do interessado.

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73

E assim é, segundo essa mesma doutrina, porque a vida dessas pessoas

compreende um aspecto voltado para o exterior e outro voltado para o interior.

A vida exterior, que envolve a pessoa nas relações sociais e nas atividades

públicas, pode ser objeto das pesquisas e das divulgações de terceiros, porque

é pública. A vida interior , todavia, que se debruça sobre a mesma pessoa, sobre

os membros de sua família, sobre seus amigos, integra o conceito de vida

privada , inviolável nos termos da Constituição.

Dir-se-á a esta altura: mas Garrincha já morreu e a morte extingue a

personalidade, e com ela a honra, a imagem, a intimidade etc. por se tratar de

bens personalíssimos. O morto não é sujeito de direito, mormente personalíssimo.

Tenha-se em conta, todavia, que o Código Penal pune a Calúnia contra os

mortos (art. 138, 2º), sendo ainda certo que a Lei de Imprensa vai ainda além no

seu artigo 24, punindo não só a calúnia contra os mortos, mas também a injúria

e a difamação .

Como se vê, mesmo depois da morte a memória, a imagem, a honra e a

intimidade das pessoas continuam a merecer a tutela da lei. Essa proteção é

feita em benefício dos parentes dos mortos para se evitar os danos reflexos que

podem sofrer em decorrência da injusta agressão moral a um membro da

família já falecido. Assim como a morte do chefe da família acarreta dano

material reflexo aos seus dependentes, por ficarem sem o sustento, a ofensa aos

mortos atinge também reflexamente a honra, a imagem, a reputação dos seus

familiares sobreviventes.

Quem gostaria que fosse divulgado que é filho de um beberrão, de um

irresponsável e mulherengo? Quem não se empenharia em impedir que a

memória do seu falecido pai fosse assim conspurcada.

Se a honradez ou a boa fama de um nosso antepassado reflete sua luz benéfica

sobre o nosso nome e a lembrança da honorabilidade dele constitui um

prestígio para nós no seio da sociedade, de modo que a sua boa fama se torna

um direito nosso, o descrédito lançado sobre a memória de um nosso parente

morto projeta igualmente sobre nós sua sombra funesta e de certo modo nos

comunica o mesmo desdouro, vexando-nos e diminuindo o nosso valor moral.

O respeito aos mortos outra coisa não é que o respeito à integridade moral dos

seus descendentes e a consideração que desfrutam junta à sociedade. O

direito violado pela ofensa aos mortos é, portanto, um verdadeiro e próprio

direito que reside na pessoa dos seus parentes supérstites. Há um último aspecto

Page 74: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

74

a ser destacado. Garrincha morreu pobre, nada deixou de herança à sua

numerosa prole, a não ser seu nome, a sua lembrança, a sua imagem. Além do

aspecto moral até aqui ressaltado, essa imagem, se tem algum valor

econômico, pertence aos seus herdeiros, cabendo a eles, e só a eles, o direito

de explorá-la. Entender de outra forma é admitir a apropriação indébita desse

patrimônio dos herdeiros de Garrincha. Importa então em dizer que exploração

econômica do nome, imagem e fama de Mané Garrincha, quer através de

livros, quer de filmes ou outra forma qualquer, depende da expressa autorização

dos seus herdeiros. Essa foi a única herança deixada por Garrincha e a Justiça

não pode permitir que terceiros dela se apropriem em detrimento de sua prole."

(fls. 611/615).

Verifica-se, assim, terem as autoras sofrido danos morais que reclamam

indenização, que, pelas peculiaridades da espécie, estipulo no valor

correspondente a cem salários mínimos para cada uma.

É nesses termos que, conheço parcialmente deste primeiro recurso especial das

autoras, e nessa parte, dou-lhe parcial provimento.

03. Aprecio, por fim, o recurso especial da ré, e o faço valendome, pela falta

de erudição equivalente, do judicioso voto do ilustre Desembargador Sérgio

Cavalieri Filho , de onde extraio os seguintes trechos: "A matéria que se coloca

no presente recurso envolve basicamente os direitos da personalidade. Consiste

em saber se são ou não sempre intransmissíveis ou se há, em certas situações,

transmissibilidade de direitos.

Ninguém desconhece que os direitos da personalidade extinguem-se com a

morte, o que os torna física e juridicamente intransmissíveis. Mas não se pode

igualmente desconhecer que a personalidade das pessoas famosas prejetam

efeitos jurídicos para além da morte e que afetam os seus sucessores. É o que

ocorre, por exemplo, com pessoas já falecidas cuja imagem continua sendo

explorada comercialmente através de filmes, vídeos, fotografias, publicidade,

livros, memórias, biografias etc. Os efeitos econômicos daí decorrentes

incorporam-se ao patrimônio dos herdeiros do falecido e só por eles podem ser

comercialmente explorados. O mesmo pode ocorrer quanto aos efeitos morais.

Os ataques e ofensas à memória do morto são ofensas aos seus parentes

próximos, causando-lhes sofrimento e revolta. Dessa forma, os parentes próximos

de pessoas famosas falecidas passam a ter um direito próprio, distinto dos

Page 75: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

75

direitos de que era titular o de cujus , que os legitima para, por direito próprio,

pleitearem indenização em juízo.

Tal é a espécie dos autos, porquanto as autoras pleiteiam indenização, por

direito próprio, por danos materiais e morais que alegam ter sofrido pela

publicação não autorizada da biografia do seu falecido pai. Como atleta

famoso do futebol, a imagem, o nome e os feitos do biografado projetaram

efeitos patrimoniais para além de sua morte, que se incorporaram ao patrimônio

das autoras.

O novo Código Civil, atento aos princípios constitucionais e a toda legislação

esparsa em nosso ordenamento jurídico relativos a esta matéria, disciplina os

direitos da personalidade em seus arts. 11/21. Em seu art. 11 estabelece, após

ressalvar casos previstos em lei, a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade dos

direitos da personalidade. Prevê, todavia, no parágrafo único do art. 12, que

qualquer ameaça ou lesão a esse direito gera perdas e danos, sem prejuízo de

outras sanções previstas em lei e, em se tratando de morto, como no caso

presente, os herdeiros indicados e o cônjuge são legitimados para buscar o

ressarcimento ou a indenização decorrente de lesão.

Concernente ao mérito, cumpre assinalar que a biografia de uma pessoa relata

fatos relacionados com o seu nome, imagem, intimidade e outros aspectos

vinculados aos direitos da personalidade. Sendo assim, e à luz dos princípios

acima expostos, é forçoso concluir que terceiros não podem se apropriar desses

direitos e publicar obra biográfica de pessoa já falecida sem a autorização dos

herdeiros, por mais erudita que seja a obra e nobres os seus propósitos.

O exercício da livre manifestação do pensamento, da expressão intelectual e

da profissão não autorizam a apropriação dos direitos de outrem para fins

comerciais e de lucro, por se encontrar isso fora do direito de informar. Configura

locupletamento sem causa explorar comercialmente a popularidade do

biografado sem autorização de quem de direito ou sem lhe dar a devida

participação.

De forma ainda mais explícita, em seu art. 20 e seu parágrafo único o novo

Código Civil prevê a prévia autorização para a divulgação de escritos, a

transmissão da palavra, publicação, a exposição ou a utilização da imagem de

uma pessoa, pena de render ensejo a indenização, ocorrendo lesão a honra e

a boa forma ou respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais. Destaca,

em seu parágrafo único, que em se tratando de morto, o caso presente, são

Page 76: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

76

partes legítimas para requerer a proteção o cônjuge, os ascendentes ou os

descendentes.

Diante do acima, embora não tenha entrado em vigor o novo Código Civil,

revelam as normas atinentes ao direito da personalidade o pensamento jurídico

extraído das esparsas normas legais hoje existentes e em vigor em nosso país,

bem como da doutrina e da jurisprudência. No julgamento do Recurso Especial

nº 268.660-RJ, interposto contra acórdão de minha relatoria prolatado na

Apelação Cível nº 8.250/97, a Quarta Turma do STJ, relator o Min. Cesar Asfor

Rocha, assim se pronunciou sobre questão idêntica: "Vê-se, assim, ser certo que

os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam

como principal característica a sua intransmissibilidade. Nem por isso, contudo,

deixa de merecer proteção a imagem de quem falece, como se fosse coisa de

ninguém, porque ela permanece perenemente lembrada nas memórias, como

bem imortal que se prolonga para muito além da vida, estando até acima dela,

como sentenciou Ariosto. Daí porque não se pode subtrair da mãe o direito de

defender a imagem da sua falecida filha, pois são os pais aqueles que, em linha

de normalidade, mais se desvanecem com a exaltação feita à memória e à

imagem do falecido filho, como são os que mais se abatem e se deprimem por

qualquer gesto que possa lhes trazer máculas. Daí porque têm eles legitimidade

ativa para postular reparação por ofensas morais feitas à imagem de seus filhos,

o que digo apenas de passagem já que o dano moral não foi aqui reconhecido

e nem está mais sendo questionado. Ora, se é assim com razão maior se dá

quando se cuida de buscar indenização pela ocorrência de dano material, por

veiculação indevida e desautorizada da imagem da filha falecida pois a mãe

também postula por direito próprio na condição de sua sucessora ."

A prévia autorização é um mecanismo protetor e permite garantir aos herdeiros

a justa remuneração do correspondente uso da imagem e da exploração

comercial da obra de biografia, evitando que terceiro sem título jurídico algum

obtenham ganhos remuneratórios.

Destarte, a prévia autorização dos herdeiros de Garrincha para a exploração

comercial de sua biografia era medida indispensável, certo que o v. acórdão

centra o seu fundamento como razão de decidir neste ponto essencial,

destacando que a ilicitude, que gera o direito a indenização do dano material,

foi a publicação não autorizada e se correto afirmar que os direitos da

personalidade são intransmissíveis, nem por isto deixam de merecer proteção

Page 77: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

77

em favor de familiares próximos. Não há nenhum reparo a ser feito no v.

acórdão, estando em perfeita sintonia com os princípios legais encontrados em

nosso ordenamento jurídico, inclusive a transmissibilidade dos direitos

contemplados nos incisos I a IV, do art. 24 da Lei

9.610/98, que são da personalidade." (fls. 557/560).

Quanto à compensação dos honorários, observo que esta

Quarta Turma tem entendido que, em ação de reparação de danos morais,

sendo os honorários advocatícios fixados sobre o valor da condenação, o

acolhimento parcial do valor da indenização postulado na inicial, do que

decorre diminuição do quanto ali requerido, já importa em que os honorários

sejam tidos como distribuídos e compensados.

Com efeito, conheço do recurso da ré pelo dissídio mas para lhe negar

provimento.

04. Diante de tais pressupostos, dos recursos das autoras, o primeiro conheço

parcialmente e, nessa parte, dou parcial provimento, não conhecendo do

segundo; e o recurso da ré conheço pelo dissídio, para negar-lhe provimento,

em face do que a ação é julgada parcialmente procedente para,

reconhecendo a ocorrência de danos materiais e morais, condenar a ré a

pagar às autoras, as indenizações, a título de dano moral, no valor

correspondente a cem salários mínimos para cada uma, com incidência de

juros de mora de seis por cento ao ano deste a data do lançamento do livro, e,

a título de dano material, no valor correspondente a cinco por cento sobre o

total do preço do livro a ser apurado em liquidação, com juros de seis por cento

ao ano contados a partir da citação, já que este ponto não foi atacado via

embargos infringentes, ocorrendo a preclusão.

RECURSO ESPECIAL Nº 521.697 - RJ (2003/0053354-3)

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (PRESIDENTE): Srs. Ministros,

também estou de acordo com o Sr. Ministro-Relator. Entendo que é devido dano

moral, sem dúvida nenhuma, e creio que é muito razoável que se compreenda

que um ataque ao pai ou à mãe já falecidos fere um direito dos filhos. Isso é tão

óbvio, que dispensa maiores justificativas a respeito.

Page 78: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

78

Por isso, acompanho o eminente Relator, e, também, em relação ao valor do

dano moral, em função dos parâmetros que têm sido aqui observados em vários

precedentes. Quanto ao recurso da ré, dele também conheço, mas nego-lhe

provimento.

6. UNIÃO HOMOAFETIVA ADI 4277, STF E ADPF 132, RJ

6.1 RESUMO

A união homoafetiva sempre esteve presente na história da humanidade,

porém nunca foi reconhecida pelo direito. Este estudo analisou o

reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo, sendo merecedora de

proteção pelo Direito da Família como entidade familiar. Os casais

homoafetivos, segundo o princípio da igualdade formal, são iguais aos

heteroafetivos perante a lei, devendo ter os seus direitos respeitados e aplicados

de forma igualitária. Conclui-se que o reconhecimento das uniões entre pessoas

do mesmo sexo, como entidade familiar merecedora do abrigo do Direito de

Família, deve ser uma questão mais social e política do que jurídica. O direito

possui ferramentas para incluir essas uniões, até então excluídas, ressaltando

que a própria Constituição Federal traz em seu texto o princípio da igualdade,

não só formal como também material, abrindo a possibilidade e a necessidade

de entrada no ordenamento jurídico de uma lei que regule as parcerias

homoafetivas, bastando, para isso, conforme entendimento de alguns, uma

Emenda Constitucional. Neste trabalho, quanto à união homoafetiva, estudou-

se suas novidades, seu tratamento dado pelo ordenamento brasileiro, entre

outros.

Palavras-chave: União homoafetiva, Igualdade, Dignidade da pessoa humana, Constituição Federal

Page 79: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

79

6.2 Introdução

A família sempre passa por inúmeras evoluções, seja na época de

outrora, seja na época atual da pós-modernidade. A família atual gera

conceitos e situações que a legislação não consegue prever.

Exatamente por isso, o judiciário tem que enfrentar constantemente fatos

novos desta relação social. A Constituição Federal dispõe que a união estável

será reconhecida como família. Diante disso, não há que se discutir sobre esse

tipo de família, uma vez que o próprio Estado assegura sua formação.

Entretanto, a sociedade evolui juntamente com as famílias, mas essa

evolução não condiz com a da legislação. Por isso, outras modalidades vão

surgindo sob as que existem atualmente, como no caso das uniões

homoafetivas, que são consideradas verdadeiras uniões estáveis, porém com

casais do mesmo sexo.

O presente trabalho procurará abordar as inovações que a Constituição

Federal trouxe ao Direito de Família, em especial a união homoafetiva. Trata-se

de um trabalho interdisciplinar com a coordenação das disciplinas de Direito

Civil e Direito Constitucional. Todas estas tocam, de certa maneira, o tema do

artigo. A vertente teórico-metodológica a ser utilizada será a da tecnologia

social científica, o raciocínio predominante será dedutivo.

Page 80: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

80

6.3 ASPECTOS FUNDAMENTAIS NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA

Pode-se dizer que a regra maior da Constituição Federal de 1988 é o

respeito à dignidade humana, que implica dotar os princípios da igualdade e

da isonomia de potencialidade transformadora na configuração de todas as

relações jurídicas, no que se faz concluir que as mesmas regras da união estável

devem ser utilizadas para a união homoafetiva.

No entanto, as uniões de pessoas do mesmo sexo até recentemente

eram ignoradas pelo ordenamento jurídico pátrio que não assegurava aos

parceiros direitos previdenciários, direitos sucessórios, direito ao benefício do

seguro saúde ou qualquer outra garantia legítima em uma união estável

tradicional.

Atualmente, embora ainda não haja lei formal para definir a matéria,

houve um recente julgado do Supremo Tribunal Federal, que estabeleceu aos

companheiros da relação homoafetiva duradoura e pública os mesmos diretos

e deveres das famílias formadas por homens e mulheres.

Pois bem, o que muda então com esse novo entendimento? Os itens

abaixo apontam o que realmente mudará após este novo entendimento:

a) comunhão parcial de bens: conforme o Código Civil, os

parceiros em união homoafetiva, assim como aqueles de união

estável, declaram-se em regime de comunhão parcial de bens;

b) pensão alimentícia: assim como nos casos previstos para

união estável no Código Civil, os companheiros ganham direito a

pedir pensão em caso de separação judicial;

c) pensões do INSS: atualmente, o INSS já concede pensão

por morte para os companheiros de pessoas falecidas, mas a

atitude ganha maior respaldo jurídico com a decisão;

d) planos de saúde: as empresas de saúde em geral já

aceitam parceiros como dependentes ou em planos familiares,

mas atualmente, se houver negação, a Justiça pode ter posição

mais rápida;

e) políticas públicas: os casais homossexuais tendem a ter

mais relevância como alvo de políticas públicas e comerciais,

embora iniciativas nesse sentido já existam de maneira esparsa;

f) imposto de renda: por entendimento da Receita Federal,

os homossexuais já podem declarar seus companheiros como

dependentes, mas a decisão ganha maior respaldo jurídico;

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81

g) sucessão: para fins sucessórios, os parceiros ganham os

direitos de parceiros heterossexuais em união estável, mas podem

incrementar previsões por contrato civil;

h) licença-gala: alguns órgãos públicos já concediam

licença de até 9 dias após a união de parceiros, mas a ação deve

ser estendida para outros e até para algumas empresas privadas;

i) adoção: a lei atual não impede os homossexuais de

adotarem, mas dá preferência a casais, logo, com o

entendimento, a adoção para os casais homossexuais deve ser

facilitada.‖ 27

Embora seja este o atual entendimento, ainda é notório o preconceito

quanto à união estável homoafetiva, todavia, nada adiantará assegurar direitos

a essa união enquanto a dignidade humana e a liberdade estão sofrendo

discriminação.

No entendimento de Washington de Barros Monteiro, ―Enquanto houver

segmentos alvos da exclusão social, tratamento desigualitário entre homens e

mulheres, a homossexualidade for vista como crime, castigo ou pecado, não se

está vivendo em um Estado Democrático de Direito‖ .

Nas palavras de Cristiano Chaves:

―Ainda que se conceitue família como uma relação

interpessoal entre um homem e uma mulher, tendo por base o

afeto, necessário reconhecer que há relacionamentos que,

mesmo sem a diversidade de sexos, são cunhados também por

um elo de afetividade. Os relacionamentos afetivos,

independentemente da identificação do sexo do par – se

formados por homens e mulheres, ou só por mulheres, ou só por

homens – são alvos de proteção, em razão da imposição

constitucional do respeito à dignidade humana.‖

Caso haja impossibilidade de se reconhecer os direitos de uma união

estável homoafetiva, será um ato absolutamente discriminatório, pois, essas

uniões são relacionamentos que surgem de um vínculo afetivo, gerando o

27 DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.

175.

Page 82: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

82

enlaçamento de vidas com desdobramentos de caráter pessoal e patrimonial,

estando a reclamar um regramento legal.

Conforme assevera Maria Berenice Dias:

―Reconhecer como juridicamente impossíveis ações que

tenham por fundamento uniões homossexuais é relegar

situações existentes à invisibilidade e ensejar a consagração

de injustiças e o enriquecimento sem causa. Nada justifica, por

exemplo, deferir uma herança a parentes distantes em prejuízo

de quem muitas vezes dedicou uma vida a outrem,

participando na formação do acervo patrimonial. Descabe ao

juiz julgar as opções de vida das partes, pois deve se cingir

apreciar as questões que lhe são postas, centrando-se

exclusivamente na apuração dos fatos para encontrar uma

solução que não se afaste de um resultado justo.‖ 28

Incabível, portanto, que as convicções subjetivas impeçam seu

enfrentamento e vedem a atribuição de efeitos, relegando à marginalidade

determinadas relações sociais, pois a mais cruel consequência do agir omissivo

é a perpetração de grandes injustiças.

Nesta seara, e conforme o atual entendimento do Supremo Tribunal

Federal, passando duas pessoas ligadas por um vínculo afetivo a manter uma

relação duradoura, pública e contínua, como se casados fossem, formando um

núcleo familiar à semelhança do casamento, independentemente do sexo a

que pertencem, torna-se imperioso identificá-la como geradoras de efeitos

jurídicos.

Em face do silêncio do constituinte e da omissão do legislador, deve o juiz

cumprir a lei e atender à determinação constante do artigo 4º da Lei de

Introdução ao Código Civil (BRASIL, 2002, p. 225) e do artigo 126 do Código de

Processo Civil (BRASIL, 1973, p. 573), não podendo deixar de julgar determinados

casos por ausência de legislação.

Foi exatamente isto que o STF fez, estendeu os efeitos da união estável

aos casais do mesmo sexo na ausência de uma regulação própria.

28 DIAS, Maria Berenice. op cit, 2008. p. 178.

Page 83: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

83

6.4 O RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE

FAMILIAR: UMA BREVE ANÁLISE DOS VOTOS QUE CONSTIUIRAM A DECISÃO

O dia 5 de maio de 2011 foi o marco histórico na luta pela igualdade de

direitos entre pessoas do mesmo sexo. Após anos de incansáveis batalhas no

Poder Judiciário, os pares homoafetivos obtiveram junto ao Supremo Tribunal

Federal – STF uma grande vitória, ou seja, o reconhecimento da união estável

homoafetiva como entidade familiar. A decisão veio após o julgamento da

Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº. 4277/DF, que foi ajuizada pela

Procuradoria Geral da República, juntamente com a Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF nº. 132/RJ, ajuizada pelo

Estado do Rio de Janeiro.

A Procuradoria Geral da República, sustenta que o não reconhecimento

da União Estável de pessoas do mesmo sexo fere os princípios da Dignidade da

Pessoa Humana, o da Igualdade, Liberdade, da Proteção a segurança Jurídica,

da vedação de discriminação, conforme arts. 1º inciso III; art 5º. Caput e art. 3º,

inciso V respectivamente, todos previstos na Constituição da República.

Já na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF nº.

132 / RJ movida pelo Estado do Rio de Janeiro, assim como a ADI nº. 4277/DF

sustentam contrariedade aos preceitos fundamentais da Liberdade (Autonomia

da Vontade), Igualdade e Dignidade da pessoa Humana. Devido a esta

igualdade de objetivos é que estas ações foram apreciadas em conjunto.

Sem dúvida nenhuma, a questão do direito homoafetivo tem sido um

ponto bastante controverso no direito brasileiro e de muita divergência entre

julgamentos. Infelizmente, o legislador não cuidou de regulamentar a união de

pessoas do mesmo sexo, motivo pelo qual surgem inúmeras ações na justiça em

busca de tal reconhecimento. Sendo assim considerada de extrema

importância a presente decisão nos recursos acima mencionados, que vem dar

um alento aos pares homoafetivos em relação à questão, garantindo assim uma

vida digna e igual aos pares heteroafetivos.

Primeiramente é importante dizer que todos os Ministros que votaram no

julgamento da ADI nº. 4277/DF e ADPF nº. 132/RJ manifestaram-se pela

procedência das ações e assim reconhecendo a união homoafetiva como

entidade familiar. Desta forma devendo ser aplicado o mesmo tratamento

dado as uniões estáveis heteroafetivas. O relator do julgamento foi o Ministro

Page 84: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

84

Ayres Britto, que brilhantemente apresentou seu voto, defendendo o direito

homoafetivo, e elucidando todos os pontos críticos e em desconformidade com

o que vivenciamos hoje.

6.5 A RELIGIÃO E A UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA

A Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB), já emitiu um

comunicado a respeito do tema união estável homoafetivo, manifestando de

forma expressamente contrária em relação a temas ligados aos direitos dos

homossexuais: ―reafirma-se a posição contrária ao casamento entre pessoas do

mesmo sexo e à adoção de crianças por casais homoafetivos‖ .

(CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS, 2010).

Segundo o diretor da Federação Espírita Brasileira (FEB), Geraldo

Campetti (2010):“O espiritismo é uma doutrina de liberdade e de respeito a

todos os posicionamentos. Em relação aos homoafetivos, considera-se

importante que num relacionamento haja amor e afetividade, independente

da opção sexual. Não se adentra no mérito de qual sexo, não havendo nenhum

problema na união estável entre pessoas homossexuais e na adoção. Deve-se

ter respeito pelo semelhante. Qual o problema de um casal de mulheres adotar

uma criança? O importante é fazê-lo com amor. O espiritismo defende a

liberdade, com responsabilidade.”

As igrejas evangélicas cristãs, até mesmo em discurso de deputados

federais e senadores integrantes de algumas destas instituições religiosas,

demonstram posicionamento imperativo contrário em relação às questões

como união estável entre homossexuais e adoção.

Para o pastor e representante da Igreja Batista Vida, Luciano Camargos

(2010):

―Os parâmetros bíblicos e a união entre pessoas homossexuais, no

máximo, configura um casal, mas não um seio familiar. Quando

concorda-se ou permite-se uma união deste tipo, se coloca em

questão a garantia da família e de sua continuidade. Pessoas do

mesmo sexo não terão filhos e no máximo poderão adotar

crianças. Não se opõe à pessoa, mas sim, a prática do

homossexualismo. Assim como um marido ou uma esposa infiéis,

os seres humanos que se relacionam com pessoas do mesmo sexo

precisam de ajuda para encontrar redirecionamento em suas

vidas. ―

Page 85: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

85

Devido ao fato de não haver leis no Brasil em relação às relações

homoafetivas, as convicções pessoais dos magistrados pesam majoritariamente

nas decisões da Justiça, esvaziando-as de objetividade.

Para Nacib Rachid Silva:

―Quando se fala em preconceito, é preciso entender que há uma

Constituição que garante igualdade para todos. A própria

sociedade esmurra as portas do Judiciário, impondo avanços

sempre tão lentos quanto o andamento dos processos. Ao julgar,

a maioria dos senhores juízes lava as mãos, restringindo-se, muitas

vezes, a aplicar a lei, que é insuficiente à demanda social. Não se

pode aceitar que, sob o manto da religião, da legalidade estrita,

da omissão legal, tolham-se direitos de pessoas por que elas fazem

sexo de uma maneira supostamente diferente em relação a

quem escreve as leis e as aplica.‖ (SILVA, 2010, p. 12).

Assim, existem religiões que são contra a união estável homoafetiva,

como também existem aquelas que aceitam a homoafetividade, no entanto,

será através da convicção do magistrado que será decido o futuro e os direitos

dessa união, até que surgem leis próprias para regulamentar sobre essas

determinadas questões.

6.6 A PRESIDENTE DA REPÚBLICA E A UNIÃO HOMOAFETIVA

Quando José Serra e Dilma Rousseff disputavam a presidência da

República do Brasil, os mesmos manifestaram serem a favor da união estável

homoafetiva.

José Serra, em manifestação quando estava em campanha, apresentou

a seguinte posição, conforme publicado no jornal ―O Diário‖ (2010): ―A união

em torno de direitos civis já existe, inclusive na prática, pelo Judiciário. E eu sou

a favor para efeito de Direito. Outra coisa é o casamento, que tem um

componente religioso das igrejas. E aí cada igreja define sua posição‖ .

A posição foi semelhante a da então futura presidenta do Brasil Dilma

Rousseff, manifestando seu entendimento da seguinte forma, também

conforme publicação do jornal ―O Diário‖ (2010): ―O que é relativo à religião

é o casamento entre homossexuais, união civil é uma questão de direitos civis‖ .

Page 86: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

86

Assim, pode ser que em um futuro próximo, a união estável homoafetiva

pode enfim ser reconhecida, uma vez que, presumidamente, não haveria um

veto presidencial a um eventual projeto de lei aprovada na Câmera dos

Deputados pelo Senado Federal.

6.7 OS DADOS DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA NO IBGE

Nunca havia sido realizado nenhum tipo de pesquisa referente às

questões homoafetivas no Brasil, no entanto, o Censo Demográfico do ano de

2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), trouxeram novas

perguntas com objetivo de estar mais atualizado em relação às mudanças da

sociedade brasileira nos últimos anos.

Uma das novidades foi a inclusão da pergunta sobre a existência de

cônjuge ou companheiro do mesmo sexo no domicílio.

Tal questionamento teve por fundamento a nova concepção de família,

onde traz a evolução da sociedade e como estão se comportando,

atualmente, as convivências familiares.

A novidade elaborada pelo censo contribuiu para uma nova

mentalidade, uma vez que trouxe a comprovação da mais nova forma de

constituição de família, que é a união estável homoafetiva. Ainda não

possuímos o resultado de tais pesquisas, mas a existência da mesma já é um

indicativo que o Estado brasileiro não é indiferente à esta união. Além do mais,

o instituto da união homoafetiva só será bem delineado se for bem estudado

pelo Estado, desta maneira as futuras leis que regularão a matéria terão

embasamento fático e maior potencial de efetividade.

6.8 PRINCIPAIS PROJETOS DE LEIS PARA A UNIÃO HOMOAFETIVA

Existem projetos de lei em trâmite na Câmara dos Deputados que visam

regulamentar a união estável homoafetiva e que vedam expressamente

direitos, como por exemplo, a adoção.

Page 87: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

87

Abaixo, os projetos de lei:

a) Projeto de Lei nº. 7.018/2010: veda a adoção de crianças

e adolescentes por casais do mesmo sexo; b) Projeto de Lei nº. 4.508/2008: proíbe a adoção por

homossexual; c) Projeto de Lei nº. 1.151/1995: disciplina a união civil entre

pessoas do mesmo sexo e dá outras providências; d) Projeto de Lei 379/2003: institui o Dia Nacional do Orgulho

Gay e da Consciência Homossexual.

Em relação ao Projeto de Lei nº. 7018/10, que veda a adoção de crianças

e adolescentes por casais do mesmo sexo e que está em tramite na Câmara

dos Deputados, tem por fundamento modificar a redação do artigo 42, § 2º, do

Estatuto da Criança e do Adolescente.

Atualmente, a redação do parágrafo segundo dispõe da seguinte forma:

―Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos,

independentemente do estado civil.[...]§ 2º. Para adoção

conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados

civilmente ou mantenham união estável, comprovada a

estabilidade da família.‖ 29

Logo, como estão sendo aceitas, ainda que timidamente, as uniões

estáveis homoafetivas, não existiria proibição para a adoção por pessoas do

mesmo sexo nessa condição. Há, contudo, muita discussão e divergência.

Sem embargo, o texto do Projeto de Lei nº. 7018/2010 dispõe da seguinte

forma:

―Art. 1º. Esta lei altera o parágrafo 2º do artigo 42 da Lei nº. 8.069,

de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, para proibir a

adoção por casais do mesmo sexo.Art. 2º. O parágrafo 2º do

artigo 42 da Lei nº. 8.069, de 1990, passa a vigorar com a seguinte

redação:

Art. 42. [...][...]§ 2º. Para adoção conjunta, é indispensável que os

adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união

estável, comprovada a estabilidade da família, sendo vedada a

adotantes do mesmo sexo.Art. 3º Esta lei entra em vigor na data

de sua publicação‖ . (Projeto de Lei nº. 7.018, 2010).

29 Lei nº. 8.069, 1990.

Page 88: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

88

Com efeito, se for aprovado o respectivo Projeto de Lei, fica a indagação

sobre a aplicação do artigo 5º da Constituição Federal que dispõe: ―Todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza‖ . Não seria esta uma

distinção legal sem fundamento na efetivação da igualdade material?

Ademais, cai por terra todo o direito que se teria um casal estável gay,

uma vez que ao mesmo tempo em que se dá direitos aos mesmos, se tira, pois

a qualquer um seria permitido adotar uma criança ou adolescente, salvo

aqueles casais do mesmo sexo.

Seria um retrocesso e uma falta de observância dos princípios emanados

da Constituição brasileira, como por exemplo, o da igualdade e isonomia.

6.9 CONCLUSÃO

A Constituição Federal (BRASIL, 1988), no tocante aos direitos e garantias

fundamentais, visa resguardar um mínimo de dignidade aos cidadãos. Depois

da vida, o bem mais precioso que o ser humano pode possuir é a família.

Embora estejam regulados e reconhecidos legalmente, doutrinariamente

e juridicamente os direitos dos companheiros na união estável, a lei não

consegue evoluir no mesmo ritmo das famílias, haja vista que muitas mudanças

ocorrem em curto espaço de tempo. Como exemplo, é o novo entendimento

da jurisprudência brasileira aliada a recente decisão do Supremo Tribunal

Federal quanto à união estável homoafetiva, ou seja, do reconhecimento da

união estável por pessoas do mesmo sexo.

A conclusão que fica é que só agora a Jurisprudência resolveu iniciar o

processo de resolução de um problema que se arrasta por muitas décadas.

Page 89: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

89

Ainda é cedo para uma conclusão mais precisa, mas tudo indica que o

casamento entre pessoas do mesmo sexo não demora para ser legalizado no

Brasil.

ANEXO I RESUMO DA ADI 4.277/DF

05/05/2011 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.277 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. AYRES BRITTO

REQTE.(S) :PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA

INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL

INTDO.(A/S) :CONECTAS DIREITOS HUMANOS

INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS, LÉSBICAS E

TRANSGÊNEROS - ABGLT

ADV.(A/S) :MARCELA CRISTINA FOGAÇA VIEIRA E OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO DE INCENTIVO À EDUCAÇÃO E SAÚDE DE

Page 90: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

90

SÃO PAULO

ADV.(A/S) :FERNANDO QUARESMA DE AZEVEDO E OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S) :INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA - IBDFAM

ADV.(A/S) :RODRIGO DA CUNHA PEREIRA

INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS

ADV.(A/S) :REINALDO JOSÉ GALLO JÚNIOR

INTDO.(A/S) :CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB

ADV.(A/S) :JOÃO PAULO AMARAL RODRIGUES E OUTRO(A/S)

EMENTA: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

(ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO.

RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU

RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE

OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZAABSTRATA.

JULGAMENTO CONJUNTO.

Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF,

com a finalidade de conferir ―interpretação conforme à Constituição‖ ao

art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação.

2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA

NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA

ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO

PRECONCEITO COMO CAPÍTULO

ADI 4.277 / DF

DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO

COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA

PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE

VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA.

O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em

sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica.

Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição

Page 91: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

91

Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de

―promover o bem de todos‖ . Silêncio normativo da Carta Magna a

respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana

―norma geral negativa‖ , segundo a qual ―o que não estiver juridicamente

proibido, ou

obrigado, está juridicamente permitido‖ . Reconhecimento do direito à

preferência sexual como direta emanação do princípio da ―dignidade da

pessoa humana‖ : direito a auto-estima no mais elevado ponto da

consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da

proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade

sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade

das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade

e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade.

Cláusula pétrea.

3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA.

RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO

SUBSTANTIVO ―FAMÍLIA‖ NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA

PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIOCULTURAL

E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA.

INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA.

O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial

proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família

em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco

importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por

casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988,

ao utilizar-se da expressão ―família‖ , não limita sua formação a casais

heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia

religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída

entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma

necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus

institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria

Constituição designa por ―intimidade e vida privada‖ (inciso X do art. 5º).

Page 92: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

92

Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente

ganha plenitudede sentido se desembocar no igual direito subjetivo à

formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou

continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da

interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que

também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da

Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na

direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência

do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto

Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa

pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.

4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E

MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO

PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS

HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO

HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOSCONCEITOS DE ―ENTIDADE

FAMILIAR‖ E ―FAMÍLIA‖ .

A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do

seu art. 226,deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor

oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem

hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a

um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes

brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para

ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a

cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que,

ao utilizar da terminologia ―entidade familiar‖ ,não pretendeu diferenciá-

la da ―família‖ . Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade

jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e

autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado ―entidade

familiar‖ como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita

a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo

de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou

Page 93: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

93

de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a

sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito

dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os

indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição

Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente

listados na Constituição, emergem ―do regime e dos princípios por ela

adotados‖ , verbis:

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem

outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,

ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do

Brasil seja parte”.

5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO

DO ACÓRDÃO.

Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar

Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo

enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família

constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união

entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar.

Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da

imediata auto-aplicabilidade da Constituição.

6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA ―INTERPRETAÇÃO CONFORME‖ ).

RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA

DAS AÇÕES.

Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou

discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-

se necessária a utilização da técnica de ―interpretação conforme à

Constituição‖ . Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado

que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre

pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito

segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável

heteroafetiva.

Page 94: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

94

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo

Tribunal Federal em conhecer da Argüição de Descumprimento de Preceito

Fundamental 132 como ação direta de inconstitucionalidade, e julgá-la em

conjunto com a ADI 4277, por votação unânime.

Prejudicado o primeiro pedido originariamente formulado na ADPF, por votação

unânime. Rejeitadas todas as preliminares, por votação unânime. Os ministros

desta Casa de Justiça, ainda por votação unânime, acordam em julgar

procedentes as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante,com as

mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva, autorizados os

Ministros a decidirem monocraticamente sobre a mesma questão,

independentemente da publicação do acórdão. Tudo em sessão presidida

pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas

taquigráficas. Votou o Presidente.

Brasília, 05 de maio de 2011. MINISTRO AYRES BRITTO - RELATOR

Page 95: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

95

ANEXO II ADPF Nº 132 / RIO DE JANEIRO

Processo: ADPF 132 RJ

Relator(a): Min. AYRES BRITTO

Julgamento: 05/05/2011

Órgão Julgador: Tribunal Pleno

DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOLPublicação:

02607-01 PP-00001

GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DOS ESTADOS

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CONECTAS DIREITOS HUMANOS

EDH - ESCRITÓRIO DE DIREITOS HUMANOS DO ESTADO DE

MINAS GERAIS

GGB - GRUPO GAY DA BAHIA

ELOISA MACHADO DE ALMEIDA

ANIS - INSTITUTO DE BIOÉTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO

EDUARDO BASTOS FURTADO DE MENDONÇA

Parte(s):

GRUPO DE ESTUDOS EM DIREITO INTERNACIONAL DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - GEDI-UFMG

CENTRO DE REFERÊNCIA DE GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS,

TRAVESTIS, TRANSEXUAIS E TRANSGÊNEROS DO ESTADO DE

MINAS GERAIS - CENTRO DE REFERÊNCIA GLBTTT

Page 96: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

96

CENTRO DE LUTA PELA LIVRE ORIENTAÇÃO SEXUAL - CELLOS

ASSOCIAÇÃO DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS DE MINAS GERAIS -

ASSTRAV

RODOLFO COMPART DE MORAES

GRUPO ARCO-ÍRIS DE CONSCIENTIZAÇÃO HOMOSSEXUAL

THIAGO BOTTINO DO AMARAL

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS,

TRAVESTIS E TRANSEXUAIS - ABGLT

CAPRICE CAMARGO JACEWICZ

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA - IBDFAM

RODRIGO DA CUNHA PEREIRA

SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIREITO PÚBLICO - SBDP

EVORAH LUSCI COSTA CARDOSO

ASSOCIAÇÃO DE INCENTIVO À EDUCAÇÃO E SAÚDE DO

ESTADO DE SÃO PAULO

FERNANDO QUARESMA DE AZEVEDO E OUTRO(A/S)

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB

FELIPE INÁCIO ZANCHET MAGALHÃES E OUTRO(A/S)

ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS

RALPH ANZOLIN LICHOTE E OUTRO(A/S)

Ementa:

1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF).

PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU

RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS

ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO.

Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a

finalidade de conferir ―interpretação conforme à Constituição‖ ao art. 1.723 do

Código Civil. Atendimento das condições da ação.

2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA

NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA

ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO

COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO

PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA

Page 97: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

97

DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE.

DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas,

salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não

se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz

do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o

objetivo constitucional de ―promover o bem de todos‖ . Silêncio normativo da

Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque

da kelseniana ―norma geral negativa‖ , segundo a qual ―o que não estiver

juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido‖ .

Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do

princípio da ―dignidade da pessoa humana‖ : direito a autoestima no mais

elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto

normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à

liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da

vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da

intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas.

Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.

3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA.

RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO

SUBSTANTIVO ―FAMÍLIA‖ NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA

TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO

ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-

REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade,

especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família.

Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco

importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais

heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se

da expressão ―família‖ , não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a

formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como

instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas,

mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica.

Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos

fundamentais que a própria Constituição designa por ―intimidade e vida

privada‖ (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares

Page 98: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

98

homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual

direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura

central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da

interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que

também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição

Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo

como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal

Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu

fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de

preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.

4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E

MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO

PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS

HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO

HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE ―ENTIDADE

FAMILIAR‖ E ―FAMÍLIA‖ . A referência constitucional à dualidade básica

homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se

perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou

sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um

mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros.

Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da

Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo

do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia ―entidade

familiar‖ , não pretendeu diferenciá-la da ―família‖ . Inexistência de hierarquia

ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas deconstituição de um

novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado ―entidade

familiar‖ como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a

formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que

não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de

um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na

hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua

não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do§

2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias,

não expressamente listados na Constituição, emergem ―do regime e dos

princípios por ela adotados‖ , verbis: ―Os direitos e garantias expressos

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99

nestaConstituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios

por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte‖ .

5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO.

Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar

Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo

enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família

constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união

entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar.

Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da

imediata auto-aplicabilidade da Constituição.

6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE

COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA ―INTERPRETAÇÃO CONFORME‖ ).

RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA

DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso

ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio,

faz-se necessária a utilização da técnica de ―interpretação conforme à

Constituição‖ . Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado

que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre

pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito

segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável

heteroafetiva.

DECISÃO

Decisão: Chamadas, para julgamento em conjunto, a Ação Direta de

Inconstitucionalidade 4.277 e a Argüição de Descumprimento de Preceito

Fundamental 132, após o voto do Senhor Ministro Ayres Britto (Relator), que

julgava parcialmente prejudicada a ADPF, recebendo o pedido residual como

ação direta de inconstitucionalidade, e procedentes ambas as ações, foi o

julgamento suspenso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Ausente,

justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Falaram, pela requerente da

ADI 4.277, o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República;

pelo requerente da ADPF 132, o Professor Luís Roberto Barroso; pela Advocacia-

Page 100: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

100

Geral da União, o Ministro Luís Inácio Lucena Adams; pelos amici curiae

Conectas Direitos Humanos; Instituto Brasileiro de Direito de Família -

IBDFAM; Grupo Arco-Íris de Conscientização Homossexual; Associação Brasileira

de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT; Grupo de Estudos

em Direito Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais - GEDI-UFMG

e Centro de Referência de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e

Transgêneros do Estado de Minas Gerais - Centro de Referência GLBTTT; ANIS -

Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero; Associação de Incentivo à

Educação e Saúde de São Paulo; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil -

CNBB e a Associação Eduardo Banks, falaram, respectivamente, o

Professor Oscar Vilhena; a Dra. Maria Berenice Dias; o Dr. Thiago Bottino do

Amaral; o Dr. Roberto Augusto Lopes Gonçale; o Dr. Diego Valadares

Vasconcelos Neto; o Dr. Eduardo Mendonça; o Dr. Paulo Roberto Iotti Vecchiatti;

o Dr. Hugo José Sarubbi Cysneiros de Oliveira e o Dr. Ralph Anzolin Lichote.

Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 04.05.2011. Decisão:

Prosseguindo no julgamento, o Tribunal conheceu da Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental 132 como ação direta de

inconstitucionalidade, por votação unânime. Prejudicado o primeiro pedido

originariamente formulado na ADPF, por votação unânime. Rejeitadas todas as

preliminares, por votação unânime. Em seguida, o Tribunal, ainda por votação

unânime, julgou procedente as ações, com eficácia erga omnes e efeito

vinculante, autorizados os Ministros a decidirem monocraticamente sobre a

mesma questão, independentemente da publicação do acórdão.

Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli.

Plenário, 05.05.2011.

7. INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ (ANENCÉFALA) ADPF 54, STF;

7.1 O que é anencefalia?

Page 101: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

101

A anencefalia é uma malformação rara do tubo neural, caracterizada pela

ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de

fechamento do tubo neural nas primeiras semanas da formação embrionária.

Ao contrário do que o termo possa sugerir, a anencefalia não caracteriza casos

de ausência total do encéfalo, mas situações em que se observam graus

variados de danos encefálicos. A dificuldade de uma definição exata do termo

"baseia-se sobre o fato de que a anencefalia não é uma má-formação do tipo

'tudo ou nada', ou seja, não está ausente ou presente, mas trata-se de uma má-

formação que passa, sem solução de continuidade, de quadros menos graves

a quadros de indubitável anencefalia. Uma classificação rigorosa é, portanto

quase que impossível".

Na prática, a palavra "anencefalia" geralmente é utilizada para caracterizar

uma má-formação fetal do cérebro. Nestes casos, o bebê pode apresentar

algumas partes do tronco cerebral funcionando, garantindo algumas funções

vitais do organismo.2

Trata-se de patologia letal. Bebês com anencefalia possuem expectativa de

vida muito curta, embora não se possa estabelecer com precisão o tempo de

vida que terão fora do útero. A anomalia pode ser diagnosticada, com certa

precisão, a partir das 12 semanas de gestação, através de um exame de ultra-

sonografia, quando já é possível a visualização do segmento cefálico fetal.

O risco de incidência aumenta 5% a cada gravidez subsequente. Inclusive,

mães diabéticas têm seis vezes mais probabilidade de gerar filhos com este

problema. Há, também, maior incidência de casos de anencefalia em mães

muito jovens ou nas de idade avançada. Uma das formas de prevenção mais

indicadas é a ingestão de ácido fólico antes e durante a gestação.

7.2 Sinais e Sintomas

Um recém-nascido com anencefalia geralmente é cego, surdo, inconsciente e

incapaz de sentir dor. Embora alguns indivíduos com anencefalia possam nascer

com um tronco encefálico, a falta de um cérebro funcionante descarta a

possibilidade de vir a ter consciência e ações reflexas, como a respiração e

respostas aos sons ou toques

Page 102: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

102

7.3 Diagnóstico

A anencefalia, pode ser diagnosticada no pré-natal através de um exame de

ultrassom. O diagnóstico ultrassonográfico tem alta acurácia e é baseado na

ausência do cérebro e da calota craniana. Outra característica que pode ser

observada na ultrassonografia é a polidramnia, que ocorre em até 50% dos

casos durante o 2º e 3º trimestres de gestação devido à menor deglutição do

feto.

A dosagem de alfafetoproteína (AFP) sérica materna e o ultrassom fetal7 são

úteis para rastreio de defeitos do tubo neural como espinha bífida ou

anencefalia.

Às vezes a anencefalia não é diagnosticada, pois o feto acaba evoluindo para

aborto espontâneo. Em outros, principalmente em mulheres que não têm

acesso ao pré-natal, a doença é diagnosticada apenas durante o parto.

7.4 Prognóstico

Não existe cura ou tratamento padrão para a anencefalia e o prognóstico para

estes pacientes é a morte. A maioria dos fetos não sobrevivem ao nascimento,

o que corresponde a 55% dos casos não abortados. Quando a criança não é

um natimorto (nasce sem vida), ela geralmente morre de parada

cardiorrespiratória em poucas horas ou dias após o nascimento.

Entretanto, já existiram casos relatados de anencefalia que os pacientes

sobreviveram até 2 anos após o nascimento.

Em um caso que se tornou famoso no Brasil (ocorrido no Município de Patrocínio

Paulista), uma criança diagnosticada como anencéfala viveu por um ano, oito

meses e doze dias após o nascimento. A menina, batizada de Marcela de Jesus

Galante Ferreira, nasceu no dia 20 de novembro de 2006 e morreu no dia 31 de

julho de 2008. Marcela não tinha o córtex cerebral, apenas o tronco cerebral,

responsável pela respiração e pelos batimentos cardíacos. A menina faleceu

em consequência de uma pneumonia aspirativa. O caso gerou divergências:

alguns especialistas, baseados na deficiência de uma definição exata do termo

"anencefalia", levantaram a hipótese de que a menina na verdade sofria de

uma malformação do crânio (encefalocele), associada a um desenvolvimento

reduzido do cérebro (microcefalia). Outros afirmam que o que houve, na

verdade, foi uma forma "não clássica" de anencefalia, como avaliou a pediatra

da menina, Márcia Beani Barcellos, profissional que mais acompanhou o caso.

Page 103: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

103

Segundo Márcia, a sobrevivência surpreendente de Marcela foi "um exemplo

de que um diagnóstico não é nada definitivo".

7.5 Poder Judiciário

Há anos o Poder Judiciário lida com a polêmica questão do aborto em casos

de anencefalia, anomalia congênita que causa má-formação fetal e torna

inviável a vida extra-uterina. A doença é diagnosticada ainda no início da

gravidez.

Diante do prognóstico desanimador, muitas mulheres sofrem com graves

transtornos psicológicos, chegando, em alguns casos, a um quadro de

depressão profunda, além de terem a saúde física abalada em decorrência da

gestação. Por esses motivos, são frequentes os pleitos judiciais de interrupção

da gestação.

Nesse contexto, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS)

interpôs a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54. A ação

tem por finalidade obter o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal (STF)

no sentido de que os arts. 124, 126, caput, e 128, do Código Penal sejam

interpretados em conformidade com os princípios constitucionais. Desse modo,

a conduta do médico que, a pedido da gestante, põe fim a gravidez de feto

com anencefalia não mais seria considerada típica.

Outrossim, contempla-se duas vertentes acerca da temática. A primeira, que

considera haver conflito entre direitos fundamentais, pois, de um lado, estaria o

direito a vida do feto, de outro, o direito à saúde física e psíquica da gestante;

e a segunda, que entende não ser o nascituro merecedor de amparo jurídico,

ante a inviabilidade de sua vida extra-uterina.

7.6 Direitos Fundamentais

Se considerarmos que o feto é um ser vivo, dotado de direitos, verificaremos a

vinculação existente entre a autorização do aborto e a teoria geral dos direitos

fundamentais. A partir de então, pode-se defender a sobreposição dos

interesses da gestante em detrimento do direito a vida do feto ou, em sentido

oposto, a inviolabilidade do anencéfalo em face das pretensões de ordem não

existencial da mãe.

Page 104: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

104

Nessa senda, embora estejamos diante de teses conflitantes – direito à vida

intra-uterina do feto anencéfalo em contraposição aos direitos relacionados ao

bem estar físico e psíquico da gestante –, os defensores de ambos os segmentos

pugnam pela incidência dos direitos fundamentais, no intuito de que seus

posicionamentos prevaleçam. Logo, percebemos a ocorrência de embate

entre direitos igualmente tutelados pelo ordenamento jurídico.

Fala-se, então, em eficácia horizontal dos direitos fundamentais, pois a colisão

de interesses dessa ordem se dá nas relações entre particulares, ou seja, entre

partes que se encontram no mesmo plano. No aborto anencefálico, diversos

direitos fundamentais, tanto do feto como da gestante, colidem, gerando uma

tensão que deve ser solucionada pela autoridade judiciária através do método

da ponderação.

Estando as partes opostas em situação de igualdade, percebemos que a

resolução do problema é bastante complexa. Contrariamente, é o que

acontece em relação à eficácia vertical dos direitos fundamentais, pois estes

são capazes de se sobreporem mais facilmente ao Estado, transpondo da

posição de sujeição na qual o particular se encontra e que o obriga a suportar

a atividade estatal ligada a direitos de relevo para a sociedade.

Dentre os direitos que entraram em choque quando está em pauta a

legalização do aborto do feto anencéfalo, três merecem maior

aprofundamento, quais sejam, os direitos à vida, à dignidade da pessoa

humana e à saúde da gestante.

7.7 Direito à vida e sua inviolabilidade

O direito à vida, conceituado por Dirley da Cunha Júnior com sendo "o direito

legítimo de defender a própria existência e de existir com dignidade, a salvo de

qualquer violação, tortura ou tratamento desumano e degradante" está

constitucionalmente amparado pelo art. 5º, que resguarda sua inviolabilidade.

Embora se apresente como essencial para a fruição de todos os demais direitos,

o direito à vida não é absoluto, vez que não pode ser analisado em si mesmo,

comportando mitigações que se legitimam em razão das circunstâncias.

Page 105: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

105

7.8 Princípio da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana se mostra como a fonte primária da qual os

demais direitos e garantias fundamentais extraem sua razão de ser.

7.9 Direito à saúde

A Organização Mundial da Saúde, ao divulgar a carta de princípios de 7 de

abril de 1948, documento contendo elementos norteadores do reconhecimento

do direito à saúde e da forma como as nações deveriam promovê-lo,

conceituou saúde como sendo "o estado do mais completo bemestar físico,

mental e social e não apenas a ausência de enfermidade". Por isso, para que

um indivíduo seja diagnosticado como saudável, é indispensável observar-se

sua qualidade de vida como um todo.

7.10 Decisão do Supremo

Após dois dias de debate, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na

quinta-feira dia 12/04/2012 que grávidas de fetos sem cérebro poderão optar

por interromper a gestação com assistência médica.

Por oito votos a dois, os ministros definiram que o aborto em caso de

anencefalia não é crime.

A decisão, que passa a valer após a publicação no "Diário de Justiça", não

considerou a sugestão de alguns ministros para que fosse recomendado ao

Ministério da Saúde e ao Conselho Federal de Medicina que adotassem

medidas para viabilizar o aborto nos casos de anencefalia.

Também foram desconsideradas as propostas de incluir, no entendimento do

Supremo, regras para a implementação da decisão.

O Código Penal criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e de

risco à vida da mãe, e não cita a interrupção da gravidez de feto anencéfalo.

Page 106: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

106

Para a maioria do plenário do STF, obrigar a mulher manter a gravidez diante do

diagnóstico de anencefalia implica em risco à saúde física e psicológica. Aliado

ao sofrimento da gestante, o principal argumento para permitir a interrupção

da gestação nesses casos foi a impossibilidade de sobrevida do feto fora do

útero.

Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do

anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo,

por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de

proteção estatal. O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não

se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é

incompatível com a vida‖ , afirmou o relator da ação, ministro Marco Aurélio

Mello.

Ao final do julgamento, uma manifestante se exaltou e os ministros deixaram o

plenário enquanto ela gritava palavras de ordem. "Eu tenho vergonha. Hoje

para mim foi rasgada a Carta Magna. Se ela não protege os indefesos, que dirá

a nós", disse Maria Angélica de Oliveira Farias, advogada e participante de uma

associação de espíritas.

O voto do ministro Marco Aurélio foi acompanhado pelos ministros Ayres Britto,

Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso

de Mello. Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, presidente da corte, foram

contra. O caso foi julgado por 10 dos 11 ministros que compõem a Corte. Dias

Toffoli não participou porque se declarou impedido, já que, quando era

advogado-geral da União, se manifestou publicamente sobre o tema, a favor

do aborto de fetos sem cérebro.

Um bebê anencéfalo é geralmente cego, surdo, inconsciente e incapaz de

sentir dor. Apesar de que alguns indivíduos com anencefalia possam viver por

minutos, a falta de um cérebro descarta complementamente qualquer

possibilidade de haver consciência. Impedir a interrupção da gravidez sob

ameaça penal equivale à tortura‖ , disse o ministro Luiz Fux.

O entendimento do Supremo valerá para todos os casos semelhantes, e os

demais órgãos do Poder Público estão obrigados a respeitá-lo. Em caso de

recusa à aplicação da decisão, a mulher pode recorrer à Justiça para

interromper a gravidez.

A decisão foi tomada pelo STF ao analisar ação proposta em 2004 pela

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que pediu ao Supremo a

permissão para, em caso de anencefalia, ser interrompida a gravidez.

Page 107: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

107

Os ministros se preocuparam em ressaltar que o entendimento não autoriza

―práticas abortivas, nem obriga a interrupção da gravidez de anencéfalo.

Apenas dá à mulher a possibilidade de escolher ou não o aborto em casos de

anencefalia.

Faço questão de frisar que este Supremo Tribunal Federal não está decidindo

permitir o aborto. Não se cuida aqui de obrigar. Estamos deliberando sobre a

possibilidade jurídica de um médico ajudar uma pessoa que esteja grávida de

feto anencéfalo de ter a liberdade de seguir o que achar o melhor caminho,

disse Cármen Lúcia.

7.10 Tema controverso

O pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde foi atendido

pelo STF após oito anos de tramitação do processo. Em 2004, o relator chegou

a liberar o aborto de anencéfalos em decisão liminar (provisória), que meses

depois foi derrubada pelo plenário. Em 2008, audiências públicas reuniram

cientistas, médicos, religiosos e entidades da sociedade civil para discutir o tema

controverso.

Para a entidade, não se trata de aborto, mas da ―antecipação terapêutica do

parto‖ , diante da inviabilidade de sobrevivência do feto. "A interrupção nesses

casos não é aborto. Então, não se enquadra na definição de aborto do Código

Penal. O feto anencefálico não terá vida extra-uterina. No feto anencefálico, o

cérebro sequer começa a funcionar. Então não há vida em sentido técnico e

jurídico. De aborto não se trata", afirmou o advogado da entidade, Luís Roberto

Barroso durante sua sustentação oral no plenário do STF.

7.12 Entidades Religiosas

O ministro Gilmar Mendes criticou a opção do relator por não incluir como

partes da ação entidades religiosas. Para ele, o debate precisava ser

―desemocionalizado‖ .

Essas entidades são quase que colocadas no banco dos réus como se tivessem

fazendo algo de indevido e não estão. É preciso ter muito cuidado com esse

tipo de delírio desses faniquitos anticlericais‖ , afirmou Mendes.

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108

7.13 Divergência

Apenas os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso se manifestaram

contra o aborto de fetos sem cérebro, entre os dez que analisaram o tema.

Para Lewandowski, o Supremo não pode interpretar a lei com a intenção de

―inserir conteúdos‖ , sob pena de ―usurpar‖ o poder do Legislativo, que atua

na representação direta do povo. Ele afirmou que o assunto e suas

conseqüências ainda precisam ser debatidos pelos parlamentares.

Uma decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos anencéfalos, ao

arrepio da legislação existente, além de discutível do ponto de vista científico,

abriria as portas para a interrupção de gestações de inúmeros embriões que

sofrem ou viriam sofrer outras doenças genéticas ou adquiridas que de algum

modo levariam ao encurtamento de sua vida intra ou extra-uterina.

Peluso comparou o aborto de fetos sem cérebro ao racismo e também falou

em "extermínio" de anencéfalos. Para o presidente do STF, permitir o aborto de

anencéfalo é dar autorização judicial para se cometer um crime.

Ao feto, reduzido no fim das contas à condição de lixo ou de outra coisa

imprestável e incômoda, não é dispensada de nenhum ângulo a menor

consideração ética ou jurídica nem reconhecido grau algum da dignidade

jurídica que lhe vem da incontestável ascendência e natureza humana. Essa

forma de discriminação em nada difere, a meu ver, do racismo e do sexismo e

do chamado especismo, disse Peluso.

Todos esses casos retratam a absurda defesa em absolvição da superioridade

de alguns, em regra brancos de estirpe ariana, homens e ser humanos, sobre

outros, negros, judeus, mulheres, e animais.

No caso de extermínio do anencéfalo encena-se a atuação avassaladora do

ser poderoso superior que, detentor de toda força, infringe a pena de morte a

um incapaz de prescindir à agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa",

completou o presidente do STF, que proferiu seu voto antes de proclamar o

resultado do julgamento.

O relator do caso, ministro Marco Aurélio, citou dados da Organização Mundial

de Saúde (OMS), referentes ao período entre 1993 e 1998, segundo os quais o

Brasil é o quarto país no mundo em incidência de anencefalia fetal, atrás de

Chile, México e Paraguai. De acordo com o ministro Gilmar Mendes, dos 194

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109

países vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU), 94 permitem o

aborto quando verificada a ausência parcial ou total de cérebro no feto.

A chamada anencefalia é uma grave malformação fetal que resulta da falha

de fechamento do tubo neural (a estrutura que dá origem ao cérebro e a

medula espinhal), levando à ausência de cérebro, calota craniana e couro

cabeludo. A junção desses problemas impede qualquer possibilidade de o

bebê sobreviver, mesmo se chegar a nascer.

Estimativas médicas apontam para uma incidência de aproximadamente um

caso a cada mil nascidos vivos no Brasil. Cerca de 50% dos fetos anencéfalos

apresenta parada dos batimentos cardíacos fetais antes mesmo do parto,

morrendo dentro do útero da gestante, de acordo com dados da Federação

Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Um pequeno percentual desses fetos apresenta batimentos cardíacos e

movimentos respiratórios fora do útero, funções que podem persistir por algumas

horas e, em raras situações, por mais de um dia. O diagnóstico pode ser dado

com total precisão pelo exame de ultrassom e pode ser detectado em até três

meses de gestação.

7.14 INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ (ANENCÉFALA) ADPF 54, STF;

O artigo aborda a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Argüição

de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 que autorizou a interrupção

de gestação com feto anencéfalo.

Anencefalia é a malformação congênita do feto, por ausência de crânio e de

encéfalo. Segundo a ciência médica, causa morte em 100% dos casos. O feto,

se alcançar o final da gestação, sobrevive minutos ou dias, no máximo.

A decisão, nas palavras do Ministro Cezar Peluso, foi a mais importante da

história do STF.

A questão consistia em saber se a interrupção da gestação de feto sem cérebro

caracteriza o crime de aborto, previsto no artigo 124 do Código Penal.

A Argüição de Descumprimento de Preceito fundamental – ADPF foi proposta

pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, cuja atuação foi

representada por Luís Roberto Barroso e que aviou, em resumo, as seguintes

alegações:

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110

a) a hipótese em julgamento não configura aborto, que pressupõe

potencialidade de vida do feto. A interrupção da gravidez de feto anencéfalo

não configura hipótese prevista no artigo 124 do Código Penal;

b) o sistema jurídico pátrio não define o início da vida, mas fixa o fim da vida

(com a morte encefálica, nos termos da Lei de Transplante de Órgãos). Na

hipótese em julgamento não haveria vida e, portanto, não haveria aborto;

c) as normas do Código Penal que criminalizam o aborto são

excepcionadas pela aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana

(artigo 1º da Constituição).

O STF, por maioria de votos (8 x 2), julgou procedente o pedido veiculado na

ADPF 45. Em resumo, foram utilizados os seguintes fundamentos:

• Min. Marco Aurélio (relator): o feto anencéfalo é incompatível com a vida e

por isso não é proporcional defender o feto – que não vai sobreviver – e

deixar sem proteção a saúde da mulher – principalmente a mental;

• Ministra Rosa Weber: deve-se proteger a liberdade individual e de opção da

gestante, pois não há interesse jurídico na defesa de um feto natimorto;

• Ministro Luiz Fux: o Código Penal é da década de 1940 e na época não era

possível prever e identificar um feto anencéfalo. Atualmente, trata-se de

uma questão de saúde pública que deve ser respeitada em prol da mulher.

• Ministra Cármen Lúcia: considerando que o feto não tem viabilidade fora do

útero, deve-se proteger a mulher, que fica traumatizada com o insucesso da

gestação.

• Ministro Ayres Britto: afirmou que todo aborto é uma interrupção da

gestação, mas nem toda interrupção de gestação é um aborto, de modo

que não se pode impor à mulher o martírio de gestar um feto anencéfalo.

• Ministro Gilmar Mendes: a interrupção da gestação, no caso, tem por

finalidade proteger a saúde da gestante e o legislador do Código Penal não

possuía elementos para a identificação da anencefalia na gestação.

• Ministro Lewandowski: votou pela improcedência do pedido, entendendo

que o STF não possui legitimidade para deliberar sobre o caso, apenas o

Congresso Nacional, por meio de lei.

• Ministro Joaquim Barbosa: acompanhou o voto do relator.

• Ministro Celso de Mello: não se trata do aborto previsto no Código Penal, pois

o feto sem cérebro não está vivo e sua morte não tem por origem alguma

prática abortiva.

Page 111: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

111

• Ministro Cezar Peluso: votou pela improcedência do pedido, afirmando que

o feto anencéfalo é um ser vivo e, por conseguinte, a interrupção da

gestação caracteriza o aborto.

• Ministro Dias Toffoli: não participou do julgamento, pois atuara na condição

de Advogado Geral da União.

A tese abraçada pelo STF segue a linha adotada pela medicina, que considera

o feto anencéfalo um natimorto cerebral.

A decisão afasta, mais uma vez, o dogma do legislador negativo, segundo o

qual o Judiciário tem legitimidade apenas para excluir do sistema jurídico

normas incompatíveis com o texto da Constituição. Na ADPF 54, a decisão

demonstra que o STF atuou como legislador positivo. Isto porque o Código Penal

apenas prevê duas hipóteses de aborto sem a criminalização, nos termos do seu

artigo 128 [Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: I - se não há

outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o

aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu

representante legal].

A decisão proferida na ADPF 54 acrescentou nova modalidade que exclui a

hipótese de crime de aborto, qual seja, quando se tratar de feto anencéfalo.

É verdade que o foro adequado para a análise da questão é o

Congresso Nacional que, entretanto, omitiu-se na apreciação da matéria. E a

inércia do órgão de representação democrática permite a intervenção judicial,

pois a proteção de direitos fundamentais é tarefa indispensável do Estado, a

exigir a tutela estatal, nos termos do que preconiza o artigo 5ª, inciso XXXV, da

Constituição.

Sobre esta questão, é importante a lição de Luís Roberto Barroso:

A vida na democracia é feita pelo processo político majoritário, que se

desenrola no Congresso, e pela proteção e promoção dos direitos

fundamentais via Constituição e Supremo Tribunal Federal.

Quando o processo majoritário está azeitado, fluindo bem, com grande

legitimidade, a jurisdição constitucional recua. E quando o processo político

majoritário emperra ou enfrenta dificuldades para votar determinadas matérias,

o STF tem seu papel ampliado.

Ainda, não se trata de uma obrigação ou dever da mulher de interromper a

gestação. O STF apenas autoriza e faculta a prática da cessação da gestação,

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112

ao nuto de mulher grávida, em prol da sua dignidade e a fim de minorar seu

sofrimento – de saber que o feto não terá viabilidade. A partir da decisão,

portanto, caberá ao SUS promover a política pública de saúde adequada (com

apoio psicológico e obstétrico), orientando a mulher grávida de feto

anencéfalo, para que tenha a liberdade, a coragem e a sabedoria de adotar

uma decisão que melhor se ajuste ao seu sofrimento e à sua situação particular.

A posição manifestada pelo STF decorre da impossibilidade de proteger-se

deficientemente a mulher. Vale dizer, não pode o Estado deixar de tutelar

determinado titular de direito fundamental, sob pena de violar o princípio da

vedação de proteção insuficiente, decorrente da cláusula Untermass verbot,

implícita ao princípio da proporcionalidade.

Portanto, o STF decidiu com acerto.

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113

8. LEI DE ANISTIA ADPF 153, STF;

Anistia é o ato do poder legislativo, pelo qual se extinguem as consequências

de um fato que em tese seria punível, e como resultado, qualquer processo

sobre ele. É uma medida ordinariamente adotada para pacificação dos

espíritos após motins ou revoluções. É um perdão geral. A anistia deriva do

grego amnestía, que significa esquecimento, ou seja, no seu significado atual

provoca um ―esquecimento‖ das infrações cometidas, isto é, cria uma ficção

jurídica, como se as condutas ilícitas nunca tivessem sido praticadas.

Existem três tipos de anistia: anistia tributária, previdenciária, e penal. Anistia

tributária e a previdenciária extinguem infrações administrativas dos

contribuintes, mas não abrange eventuais crimes ou contravenções. Anistia

penal extingue a responsabilidade penal para determinados fatos criminosos.

Anistia Internacional (Amnesty International) é uma organização internacional

que foi fundada em 1961 que luta a favor dos direitos humanos. Um dos seus

objetivos é prestar assistência a indivíduos que foram presos por causa das suas

ideologias políticas.30

Lei da anistia é a denominação popular da Lei n° 6.683, promulgada pelo

presidente Figueiredo em de 28 de agosto de 1979, após uma ampla

mobilização social, ainda durante a ditadura militar.

A lei estabelece no Art. 1º que é concedida anistia a todos quantos, no período

compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979,

cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que

tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta

e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos

Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes

sindicais, punidos com fundamento em Atos

30 William W. Burke-White ―Protecting the Minority: A Place for Impunity - An Illustrated

Survey of Amnesty Legislation, Its Conformity with International Legal Obligations, and Its

Potential as a Tool for Minority-Majority Reconciliation‖ , in: Journal on Ethnopolitics and

Minority Issues in Europe, v. 4, 2000, p. 5.

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114

Institucionais e Complementares …(vetado).

Afirma que determinada interpretação do preceito veiculado pelo § 1º do seu

artigo 1º seria com ela incompatível, a interpretação a ele conferida ―no

sentido de que a anistia estende-se aos crimes comuns, praticados por agentes

públicos contra opositores políticos, durante o regime militar.

8.1 Lei de Anistia no Brasil

A Lei da Anistia é apenas uma das respostas do Estado brasileiro aos crimes

cometidos durante o período da ditadura, que compreende o período entre 2

de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. A interpretação dada a esta lei

foi a mais extensiva possível: a anistia brasileira seria "ampla, geral e irrestrita",

englobando todos os crimes políticos e conexos a políticos – inclusive crimes

contra a humanidade, que são, por natureza, imprescritíveis e não anistiáveis. A

interpretação corrente dada à Lei de Anistia a caracteriza como uma anistia

em branco.31

Segundo Lúcia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistias em branco são

caracterizadas pela amplitude de escopo, geralmente destinada a imunizar a

totalidade dos agentes do Estado por todos os crimes – sejam comuns, políticos

ou internacionais, independentemente de sua motivação – por eles cometidos

em um período específico.32

Uma possível interpretação à Lei da Anistia é a de que ela não exclui os

chamados crimes contra a humanidade, crimes que se notabilizam pelo ataque

amplo ou sistemático à população civil. Práticas como tortura,

desaparecimentos forçados, políticas de assassinato, estupros e perseguição

31 A ausência de legitimidade do projeto de lei que ensejou a Lei de Anistia brasileira é

passível de apreensão, inter alia , a partir da análise das emendas ao projeto original.

Cf. Mezarobba: ―De fato, sua propositura seguiu os desígnios do então presidente da

República, General João Figueiredo, cujo plano desde o princípio foi assegurar uma

anistia irrestrita, garantindo um esquecimento total, condição sem a qual nenhuma

anistia seria aceitável. Presidente Figueiredo posteriormente conclamaria à

‘pacificação‘ e ‘desarmamento dos espíritos‘, dado a indispensável coexistência

democrática‖ . Glenda Mezarobba. Um Acerto de Contas com o Futuro: A Anistia e suas

Conseqüências – Um Estudo do Caso Brasileiro, Humanitas/Fapesp, São Paulo, 2003, p.

83. 32 FERREIRA BASTOS, Lúcia Elena Arantes. As leis de anistia face ao Direito Internacional

– O caso brasileiro. Tese de doutorado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,

2007, p. 163. 9.

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115

com base em opiniões políticas caracterizam a ocorrência desse crime

internacional.

8.2 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 153

DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. EROS GRAU

A petição inicial da ADPF 153 demonstrou somente controvérsias doutrinárias

envolvendo a Lei de Anistia, mencionando ainda algumas reportagens que

demonstram a repercussão do tema nos principais meios de mídia. O Guilherme

Gomes Lund é uma dessas vítimas foi exatamente o indivíduo que deu nome ao

caso Gomes Lund(153 DISTRITO FEDERAL). Sua mãe, Júlia Lund, lutou por

décadas em busca de notícias do paradeiro de Guilherme. Ela residia em

Cataguases/MG e lá faleceu, tendo deixado uma única herdeira. Essa herdeira,

agora, faz jus à indenização fixada pelo tribunal. O caso Gomes Lund, julgado

pela Corte Interamericana, diz respeito ao desaparecimento do estudante da

UFRJ, Guilherme Gomes Lund. Há registro de uma carta de Guilherme

endereçada aos pais, em 02/02/70, na qual ele relata que decidiu manter-se na

luta contra o regime militar, sendo que, para isso, largaria os estudos e estaria

de mudança sem endereço certo. Foi dado como desaparecido em

25/12/1973, na região do Araguaia, sendo esta a suposta data da sua morte,

segundo Relatório da Marinha. Guilherme foi reconhecido como morto pela Lei

9.140/95, publicada no DOU de 5 dezembro de 1995.

Não vejo realmente como possam esses argumentos, sustentar-se, menos ainda

justificar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, pois é certo

que, a dar-se crédito a eles, não apenas o fenômeno do recebimento --- a

recepção --- do direito anterior à Constituição de 1988 seria afastado, mas

também outro este verdadeiramente um fenômeno, teria ocorrido: toda a

legislação anterior à Constituição de 1988 seria, porém exclusivamente por

força dela, formalmente inconstitucional.

O presente Amicus Curiae tem por objetivo demonstrar a inconstitucionalidade

da interpretação dada pelos tribunais brasileiros (em especial pelo Superior

Tribunal Militar) à Lei 6.683 de 28 de agosto de 1979 – "Lei de Anistia" – ao

compreenderem como anistiadas determinadas condutas consideradas como

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116

crimes contra a humanidade, que são, em essência, crimes imprescritíveis e não

anistiáveis.

Ademais, acredita-se que a interpretação usual dada a esta lei ainda promove

uma política de esquecimento em relação aos crimes cometidos durante o

período da ditadura no Brasil, o que gera uma série de efeitos de

constitucionalidade duvidosa, que perduram até os dias de hoje. Por ser a

interpretação dada à anistia "ampla, geral e irrestrita", ela impossibilita não

apenas a punição penal dos autores destes ilícitos como qualquer forma de

responsabilização, impedindo diversas respostas possíveis do Estado brasileiro a

estes crimes. O debate sobre a interpretação acerca da extensão dos efeitos

da anistia brasileira passou por uma nova etapa no Poder Judiciário com o

julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 (ADPF 153) que manteve a

vigência da Lei de Anistia brasileira e sua interpretação usual.

Entretanto, tal debate não findou com esta decisão do STF. Há ações judiciais

que demandam a responsabilização civil, apenas em seus efeitos declaratórios,

dos autores de determinados crimes cometidos no período da ditadura; outras

ações judiciais, promovidas pelo Ministério Público Federal (MPF), baseiam-se na

imprescritibilidade de ações de ressarcimento ao erário público para cobrar dos

autores dos crimes as indenizações que têm sido pagas pela União às vítimas e

familiares.

Além disso, reflexos do debate sobre a Lei da Anistia são sentidos em outras

ações judiciais perante o STF, como é o caso das ações diretas de

inconstitucionalidade nº 4077 e nº 3987 – sobre sigilo de documentos públicos 5

–, e da Extradição nº 974.6 Tais ações judiciais ilustram as repercussões jurídicas

deste debate.

Segundo Amicus Curiae, buscará se esclarecer a distinção entre os momentos

de responsabilização e punição, termos utilizados de forma indistinta, até aqui,

nos debates brasileiros sobre a revisão da Lei de Anistia e sobre direito penal de

modo geral – além de apresentar algumas alternativas de interpretação

constitucional desta lei com relação a seus efeitos, apresentando as diferentes

gradações possíveis das respostas do Estado brasileiro a estes crimes conforme

seus efeitos punitivos penais ou civis e declaratórios.

Page 117: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

117

8.3 Direito à verdade, Memória, acesso à Informação, à Dignidade da

pessoa e direito à vida

Antes de discorrer mais pormenorizadamente sobre as respostas estatais aos

crimes perpetrados durante a ditadura militar, talvez seja interessante recuperar

um debate que também subjaz a questão da anistia e que está relacionado ao

acesso à informação e ao direito à verdade. O acesso à informação é direito

fundamental previsto no artigo 5º, XXXIII da Constituição Federal e viabilizado

por outros dispositivos constitucionais como o artigo 37, § 3º, II e o artigo 216, §2º,

que falam especificamente do acesso à informação na Administração Pública

e o dever desta de gerir e franquear a consulta da documentação

governamental a quantos dela necessitem.

Além de possuir uma dimensão individual, que se traduz pelo direito de um

indivíduo de obter informações de seu interesse particular ou de interesse

coletivo, o acesso à informação também tem uma dimensão coletiva

intimamente ligada à dimensão participativa da democracia, possibilitando aos

cidadãos uma decisão livre sobre os rumos do governo e também o controle

das ações governamentais, o que foi denominado por algumas legislações de

acesso à informação pelo mundo de transparência do governo.

O direito à dignidade individual que se estende aos grupos comunitários e

familiares é inerente à própria condição humana, cujo fundamento lastreiase

na necessidade de um respeito coletivo e tem respaldo tanto na Constituição

Federal (art. 1°, III), quanto em tratados internacionais a que aderiu o Estado

brasileiro. (…) No sistema americano, em que se encontra inscrito o Brasil, o

instrumento de maior importância é a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, assinada em San Jose da Costa Rica, em 1969, entrando em vigor

com a promulgação do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Dentro do

universo dos direitos assegurados nessa Convenção destacam-se o direito à

personalidade jurídica, o direito à vida, o direito de não ser submetido à

escravidão, o direito à liberdade, (…) ressaltando-se que o art. 11

expressamente determina que a HONRA DAS PESSOAS E SUAS FAMÍLIAS HÁ DE

SER PRESERVADA.

E, na hipótese, não há como preservar a honra das pessoas ainda que

falecidas, nem de suas famílias, sem a identificação imediata dos ossos,

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118

individualizando-os, o que permitirá, em seguida, um sepultamento digno dos

corpos.‖

O direito à vida (art. 5º, caput ), a garantia do devido processo legal (art. 5º,

LIV), proteção à dignidade humana (art. 1º, III) – que fundamenta a ordem

objetiva de valores na Constituição –, e o acesso à informação e direito à

verdade (art. 5º, XIV).

8.4 Recepção Internacional e dos crimes contra humanidade

A recepção do Direito Internacional pelo ordenamento jurídico brasileiro é um

tema que pode ser analisado de duas maneiras.O STF decidiu recentemente

pelo status supralegal das normas dos tratados em matéria de direitos humanos

internalizados antes da Emenda Constitucional 45, de 2004, tendo como

fundamento o artigo 5º, §§2º e 3º da Constituição Federal. Pretende-se, a seguir,

dedicar algumas linhas sobre este dispositivo constitucional, bem como do

artigo 4º da Constituição Federal, que estabelece que o Brasil se regerá nas suas

relações internacionais, entre outras coisas, pela prevalência dos princípios de

direitos humanos.

No item seguinte será abordada a aplicação do costume internacional na

jurisprudência do STF. Pretende-se demonstrar que, apesar da Constituição falar

somente sobre incorporação de tratados, ou de princípios de direitos humanos

que decorrem de tratados, o costume internacional também é aceito e

aplicado pelas cortes nacionais, independentemente de um dispositivo

constitucional que reconheça expressamente a aplicabilidade desta fonte do

direito internacional e de qualquer procedimento de recepção.

Reconhecido e provado que os crimes contra a humanidade são costumes

sedimentados no âmbito internacional desde a metade do século passado,

destina-se este item a corroborar o argumento de que estas normas já incidiam

no território nacional quando os crimes, cuja anistia hoje se questiona, foram

cometidos.

8.5 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Na decisão da ADPF 153, entretanto, o STF não levou em consideração a

proibição de insuficiência, tampouco a existência de deveres de proteção, em

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119

que pese sua pertinência à interpretação da Lei da Anistia brasileira, por todos

os motivos apresentados. Distanciando-se da conclusão de que a repressão

criminal é o único meio capaz de proteger suficientemente os direitos

fundamentais lesados, Amicus Curiae buscou destacar que os efeitos da ―Lei

de Anistia‖ ultrapassam o da responsabilização e punição penal daqueles que

cometeram crimes no período da ditadura – aspecto mais destacado no

debate público e jurídico sobre a lei.

É preciso atentar para as conseqüências de natureza civil e declaratória de

responsabilidade que a interpretação ―ampla, geral e irrestrita‖ da lei tem

obstado, bem como para os efeitos de tal interpretação sobre o direito à

verdade e ao acesso à informação. A Termos nos quais pedem deferimento à

Corte Interamericana de Direitos Humanos do presente Amicus Curiae ao Caso

Gomes Lund VS. Brasil.

Considerou em vários casos que as leis de anistia em branco são inválidas e

inaplicáveis, condenando Estados que as tinham emitido e declarando ser a

anistia uma violação ao direito internacional dos direitos humanos. Na recente

decisão do ST (Sentença de 14/03/2001, Série C, no. 75, § 41) sobre a Lei de

Anistia, na ADPF 153, o tribunal confirma o caráter de anistia em branco

conferido pela Lei de Anistia.

Art. 48. ―Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do

Presidente da República, não exigida esta para o especificado

nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de

competência da União, especialmente sobre: VIII - concessão de

anistia‖ ;

A petição inicial da ação solicitava ao tribunal que a Lei de Anistia fosse

declarada incompatível com a Constituição Federal de 1988. STF pode sofrer

uma grave humilhação internacional ainda este ano — e isso pode ser o primeiro

grande constrangimento externo do Governo Dilma.33

Começou em maio, em San José da Costa Rica, o processo n° 11.552 de Júlia

Gomes Lund contra o Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ela é

mãe de Guilherme Lund, que desapareceu aos 26 anos, junto com outras 70

pessoas, no confronto das Forças Armadas contra os guerrilheiros do PCdoB nas

matas do Araguaia, no sul do Pará.

33 Corte IDH. Caso Barrios Altos vs. Peru. Mérito. Sentença de 14/03/2001, Série C, no. 75, §

41; Corte IDH. Caso Barrios Altos vs. Peru. Interpretação da Sentença de Mérito.

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120

Em 2008, a Corte da OEA recomendou ao Brasil a punição aos responsáveis

pela prisão, tortura e morte no caso Lund. O Brasil não reagiu e, no ano seguinte,

foi aberto o processo contra o Estado brasileiro.

8.6 Decisão da corte Internacional relacionado no caso Gomes Lund

A decisão mais provável da Corte, que não comporta apelação, aponta para

uma declaração constrangedora para o STF e para o Brasil até dezembro

próximo, definindo que a lei da anistia não abriga os crimes de detenção,

tortura, assassinato e desaparecimento dos guerrilheiros. Se isso serve para o

combate no coração da floresta, pode servir também para os combatentes da

guerrilha urbana que foram torturados no centro da maior cidade brasileira.

Revisão da Lei de Anistia - Ao opinar pelo levantamento da quantia, o Ministério

Público Federal pediu informações sobre eventual mora no pagamento, o que

acarretaria a necessidade de pagamentos de juros. Isso porque a decisão da

Corte Interamericana definiu que o pagamento da indenização deveria ser

feito no prazo de um ano a partir da notificação da sentença, sob pena de

incidência de juros de mora.

Para ele, ―a decisão do Caso Gomes Lund v. Brasil é um marco na história

brasileira e na construção do direito à memória e à verdade em nosso país, bem

como na preservação e proteção dos direitos humanos‖ .

Sentença de 03/09/2001, Série C, no. 83, § 15; Corte IDH. Caso Trujillo Oroza vs. Bolívia.

Reparações e Custas. Sentença de 27/02/2002, Série C, no. 92, § 106; Corte IDH. Caso

La Cantuta vs. Peru. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 29/11/2006, Série C, no.

162, § 152; Corte IDH. Caso Cantoral Huamaní e García Santa Cruz vs. Peru. Exceção

Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 10/07/2007, Série C, no. 167, § 190.

8.7 Teoria

O presente trabalho recorre à doutrina pátria e estrangeira com o objetivo de

analisar de forma percuciente o problema da eficácia dos direitos

fundamentais, tanto numa perspectiva das relações Estado-indivíduo (eficácia

vertical).

Page 121: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

121

8.8 Norma

A chamada Lei da anistia veicula uma decisão política naquele momento --- o

momento da transição conciliada de 1979 --- assumida. A Lei n. 6.683 é uma lei-

medida, não uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade.

Há de ser interpretada a partir da realidade no momento em que foi

conquistada. (Norma programática)

8.9 Doutrinadores

A idéia já estava presente no célebre arrazoado de Rui Barbosa (in Comentários

à Constituição, 2/441), quando se mostrava que, pela anistia, ‗remontando-se

ao delito, se lhe elimina o caráter criminoso, suprimindo-se a própria infração‘.

Por isso, a observação de Pontes de Miranda (Comentários à Const. de 1946,

I/343-344), de que ‘a finalidade da anistia é a mesma da lei criminal com sinais

trocados‘; e acrescenta: com ela, ‘olvida-se o ato criminal, com a

consequência de se lhe não poderem atribuir efeitos de direito material ou

processual.

Raimundo Macedo (Extinção da Punibilidade, p.), a enfatizar que a anistia ‘é

como a lei nova que deixou de considerar o fato como crime‘

O ex-Ministro da Justiça, Tarso Genro: ―Houve, sim, um acordo político feito pela

classe política‖ . E mais diz ele, diz que esse acordo, como outros, não impõe

cláusulas pétreas. ―Ou seja, na prática, o Brasil foi obrigado a efetuar a revisão

da Lei de Anistia, pondo fim à impunidade dos crimes cometidos naquele

período‖ , afirma Lucas de Morais Gualtieri.

8.10 Conclusão

O Brumário de Luís Bonaparte: ―Os homens fazem sua própria história, mas não

a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim

sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo

passado‖ .

Finalmente é prudente lembrar que a jurisprudência, o costume e a doutrina

internacionais consagram que nenhuma lei ou norma de direito interno, tais

Page 122: Seminário - Direito Fundamental - Faculdade Drummond

122

como as disposições acerca da anistia, as normas de prescrição e outras

excludentes de punibilidade, deve impedir que um Estado cumpra a sua

obrigação inalienável de punir.os crimes de lesa-humanidade, por serem eles

insuperáveis nas existências de um indivíduo agredido, nas memórias dos

componentes de seu círculo social e nas transmissões por gerações de toda a

humanidade.

É preciso ultrapassar o positivismo exacerbado, pois só assim se entrará em um

novo período de respeito aos direitos da pessoa, contribuindo para acabar com

o círculo de impunidade no Brasil. É preciso mostrar que a Justiça age de forma

igualitária na punição de quem quer que pratique graves crimes contra a

humanidade, de modo que a imperatividade do Direito e da Justiça sirvam

sempre para mostrar que práticas tão cruéis e desumanas jamais podem se

repetir, jamais serão esquecidas e a qualquer tempo serão punidas.

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