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  • 7/27/2019 Seminrio - lazer

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    Os estudos sociolgicos tradicionais sobre a ideologia das classes trabalhadoras costumamprivilegiar a sua condio de trabalhador , isto , analisam o indivduo como parte integrante de umaestrutura produtiva que possui como centro a fbrica.

    De fato, esta uma abordagem essencial para o entendimento da manuteno ideolgica e cultural doser-humano. Porm, muitos pensadores esquecem-se queno na fbrica em que a maioria dos valoresculturais, religiosos, ideolgicos e polticos so praticados, mas sim no momento ps-trabalho . A culturadiz respeito a todos os aspectos da vida social, um produto coletivo da vida humana.

    Partir do lazer e no do trabalho pode ainda parecer pouco ortodoxo e sujeito a reservas:o lazer estnos antpodas daquilo que se considera o lugar cannico da formao da conscincia de classe , ocupauma parte mnima do tempo do trabalhador e no apresenta implicaes polticas explicitas. Atividademarginal, instante de esquecimento das dificuldades cotidianas, lugar enfim de algum prazer mas talvez por isso mesmo possa oferecer um ngulo inesperado para a compreenso de sua viso de mundo: l que ostrabalhadores podem falar e ouvir sua prpria lngua.

    na hora em que o trabalhador volta para a casa que ele, de fato, exerce seus vnculos culturais. nesta hora em que ele vai ao bar com os amigos, que ele discute sobre futebol e poltica, que ele freqenta aigreja, e principalmente, este o momento em que a mdia bombardeia incessantemente os seus valores pr-definidos e cultivados pela elite dominante.O lazer est muito mais relacionado com a cultura, com opoder econmico e com o regime poltico do que se imagina.

    Os estudiosos de modo geral, pensam a sociedade como se no existisse a noo de lazer. Isto, dealguma forma, sinal que a idia de lazer ainda no est atrelada ao pensamento que orienta a reflexo dosintelectuais.

    Uma notvel exceo o socilogo francs Joffre Dumazedier, cujas principais teorias repercutiramde tal maneira nos estudos do lazer que logo se tornou a principal fonte de pesquisa sobre o tema,influenciando de forma direta, diversas interpretaes.

    Segundo Dumazedier:

    O lazer um conjunto de ocupaes s quais o indivduo pode entregar-se delivre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ouainda, para desenvolver sua informao ou formao desinteressada, sua participao social voluntria ou sua livre capacidade criadora aps livrar-se oudesembaraar-se das obrigaes profissionais, familiares e sociais.(DUMAZEDIER, 1976).

    A pretenso de Dumazedier quando escreveu o livro Lazer e cultura Popular era mostrar, em primeiro lugar, queexiste limitao terica dos esquemas que apresentam anlises da realidade sem seconsiderar o fenmeno do lazer ; em segundo,entender o lazer como elemento central da cultura vividapor milhes de trabalhadores, possuindo relaes sutis e profundas com todos os grandes problemasoriundos do trabalho, da famlia e da poltica.

    Segundo Dumazedier, a sociologia aplicada ao Lazer deveria contribuir para estabelecer arelao ideal, nas diferentes categorias sociais, entre a necessidade de lazer e a necessidade de trabalho.

    Uma enqute realizada na Frana, em 1953, pedia que os entrevistados definissem o lazer opondo-o acertas preocupaes da vida cotidiana. As definies mais apontadas pelos interrogados sugeriam trscategorias: O lazer se opunha:

    - As tarefas habituais, repetitivas e rotineiras

    - As preocupaes- As necessidades e obrigaesA terceira categoria, necessidades e obrigaes, representou 60% dos entrevistados. Portando,

    desta forma, a maioria absoluta definiu lazer como as atividades que se ope s necessidades e obrigaesdirias.

    Segundo Dumazedier,seria um equivoco definir o lazer, como fazem os socilogos do trabalho,como as atividades que se opem ao trabalho . O chamado trs oito(oito horas de trabalho, oito horas derepouso, oito horas de lazer). Pois, como apontou a pesquisa, alm do servio profissional, somam-se umconjunto de necessidades e obrigaes da vida cotidiana.

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    As trs funes do lazer so:- A funo de descanso- A funo de divertimento- A funo de desenvolvimento da pessoa humanaEsta funo de importncia fundamental para a manuteno da cultura popular, pois promove a

    integrao dos indivduos e fortalece o vnculo social atravs das diferentes fontes de informao: imprensa,cinema, rdio, televiso e internet. Possibilita o desenvolvimento livre de atitudes e comportamentosadquiridos na escola. Embora, at mesmo no campo da educao, pode-se identificar as atividades de lazer como aes integradoras dos quatro pilares da educao propostos por Delors:

    - Aprender a conhecer e a pensar - Aprender a fazer - Aprender a viver com os outros- Aprender a ser

    Os meios de comunicao em massa, em se tratando de lazer e cultura, tm um papel muitoimportante no complexo processo de socializao. Neste processo, o indivduo acaba por absorver a culturado grupo e interiorizar as suas normas sociais, fazendo com que o comportamento leve em conta asexpectativas dos outros.

    O lazer, a cultura e a comunicao fazem parte de um contexto sociolgico de nossos dias. Constata-se que a inter-relao lazer e cultura cresce a cada dia que passa. H dois tipo s de lazer, o ativo e o passivo. Oque mais se destaca o lazer ativo, ou seja, aquele que consiste em o indivduo sair de sua casa e buscar lugares onde possa desenvolver atividades de entretenimento ou mesmo repouso.As variveis econmicas eculturais interferem na escolha do lazer da maioria das pessoas.

    As diversas culturas possuem vises dspares do conceito de lazer. O modo de produo capitalistano qual vivemos influencia em grande parte esta caracterizao.

    A sociedade capitalista geralmente considera positivas as atividades do lazer ativo e passivo queenvolvam o investimento de tempo e dinheiro, como partidas competitivas ou viagens relaxantes.

    Por outro lado, algum que no invista dinheiro em seu lazer passivo e relaxe em casa comumenteapontado como preguioso pela sociedade capitalista. No entanto, esta caracterizao possui um pesodiferente para cada nvel de camada social. Os capitalistas consideram ser muito mais aceitvel um rico que passe o dia inteiro em sua prpria piscina aos fundos de sua manso, do que um pobre que passe a tardeassistindo televiso. Ambos nada esto fazendo, mas os capitalistas tendem a taxar mais pejorativamente oindividuo pobre enquanto o rico desfruta de seu status social.

    Os meios de comunicao, especialmente a televiso, so responsveis pela maneira de como apopulao ocupa o tempo livre . De um lado, determina certos hbitos nas relaes familiares, como a horade fazer refeio, de sair para uma visita a amigos e muitos outros. De outro, preenche o tempo livre cominformaes, divertimentos, muitas vezes socializando a cultura.

    A chamada cultura de massa abrange a todos indistintamente, concorrendo para uma certadescaracterizao ou nivelamento cultural . A crtica que se fazia era a de que a cultura de massa noensejava o aperfeioamento das populaes menos favorecidas nem ia de encontro chamada culturadominante ou cultura de elite. Na sociedade globalizada de nossos dias, o que predomina, no campo do lazer edo turismo, a indstria dos bens simblicos, veiculados pela mdia.

    O estudo do lazer possui suma importncia para a compreenso do significado da culturavivida . Para que uma cultura possa ser considerada viva, precisa corresponder no s a um conjunto de

    valores como tambm ao modo como esses valores so vividos pelas vrias categorias sociais. Nos dias dehoje, essa cultura depende, cada vez mais, dos ideais e das maneiras como o lazer praticado.Atualmente, o lazer apresenta uma nova moral de felicidade . Para a norte-americana Martha

    Wolfeinstein (1958), nos ltimo cinqenta anos, a necessidade do lazer cresceu com a urbanizao e com aindustrializao.Embora o lazer tenha se desenvolvido, est longe de ser igual para todas as camadassociais . Alm do mais, independente da camada social, as horas de lazer para a mulher continuam sendoinferiores que a dos homens. Elas comumente adicionam ao trabalho profissional o trabalho domstico,sobretudo quando no contam com auxlio domstico de empregada, marido e filhos.

    Nos pases de terceiro mundo, hfatores que impedem o desenvolvimento do lazer quantitativo equalitativo. Entre eles, merece destaque:

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    - insuficincia de equipamentos recreativos e culturais adequados s camadas sociais- falta de recursos familiares (Condio financeira escassa)- dificuldades relacionadas ao exerccio profissional (Falta de tempo livre).Em relao falta de tempo e de condies financeiras, Dumazedier afirma:

    Quando o oramento no permite a satisfao dessas necessidades, o gosto pelas viagens, pela televiso ou pelo automvel pode redundar em privaesvoluntrias de alimentos, de roupas, de alojamento, que suscitam novos problemas aos assistentes sociais especializados no auxlio famlia. Assim, olazer cria novos estados de insatisfao: no plano dos nveis de vida, quando asnecessidades crescem mais depressa que os meios para satisfaze-las, desenvolve-se um sentimento de pauperizao, quando na verdade no h empobrecimentoreal.

    Com relao s problemticas do lazer, Geraldo Castelli levantou questionamentos quantoa situaocontempornea do proletariado a fim de garantir a sua incluso no espao do lazer:

    Como engajar a populao, sobretudo dos paises do terceiro mundo, nessasdiferentes atividades? Tarefa nada fcil, pois se mexe diretamente com as classesdominantes. Para que a massa trabalhadora tenha acesso ao lazer, preciso dar-lhe condies, no s criando uma infra-estrutura adequada, mas tambmcondies de vida melhores: empregos, salrios condizentes, educao, sade,habitao. Como podem os trabalhadores dos pases subdesenvolvidos ter acessoao lazer se ainda esto lutando pela sua sobrevivncia? (CASTELLI, 1990)

    De fato, a trgica realidade social impede que grandes camadas da populao tenham acesso aolazer. O lazer bem empregado um instrumento de promoo e integrao social, de desalienao dotrabalho e de bem-estar . Ele estabelece novas perspectivas de relacionamento, promove a integrao do ser humano e fornece possibilidades para que se desenvolvam as capacidades crticas, criativas e transformadorasde cada pessoa. Deste modo, proporciona condies de bem-estar fsico e mental para o ser humano.

    Nlson Carvalho Marcelino apresenta o lazer como uma atividade no compulsria, sem finslucrativos, relaxante, sociabilizante e liberatria. A ampliao conceitual da teoria de Dumazedier residenuma formulao reflexiva de queo lazer passa pela apropriao da produo cultural existente nasociedade.

    (...) a democracia poltica e econmica condio bsica, ainda que nosuficiente, para uma verdadeira cultura popular; para a eliminao das barreirassociais que inibem a criao e prticas culturais. O que pretendo enfatizar anecessidade e a importncia de uma ao cultural especfica, voltada para a produo e difuso de uma cultura de base popular, que contribua para asuperao das atitudes conformistas e que possibilite a extenso da participaocrtica e criativa muito alm das minorias privilegiadas. Educar para o lazer,aproveitando o potencial das atividades desenvolvidas no tempo livre,significa acelerar o processo de mudana que possibilitar a instalao dessanova ordem no plano cultural (MARCELINO, 1983).

    Em sua obra, Marcelino acredita quea ao dos educadores poderia transformar o lazer emelemento de mudana ou de acomodao, em fator de humanizao ou simples bem de consumo . Ainda, para o autor,a difuso social do lazer passa pela democratizao do acesso aos equipamentos e espaosnecessrios a sua prtica.

    Em 1992, Maria Ceclia Forjaz inova na pesquisa e abordagem da problemtica pois investigou as praticas e representaes de lazer e consumo de bens culturais na regio metropolitana de So Paulo, no meiodas elites empresariais. A autora subdividiu a sociedade em trs segmentos: a classe operria; a classe mdia eas elites empresariais, constatando que:

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    possvel para os empresrios conciliar suas atividades de negcios com seudivertimento. Eles tm as condies materiais e culturais para transmutar o lazer em trabalho e vice-versa. A posio que ocupam no sistema produtivo enquantodonos do capital e gestores de empresas, associada ao elevado status social queinclui altos graus de escolaridade formal e padro cultural, d aos empresrios o privilgio de poder transformar o seu trabalho em atividade que traz algum prazer e satisfao. (FORJAZ, 1992).

    A constatao da pesquisa realizada em So Paulo, portanto, de que, diferentemente das camadas populares,as elites esto conseguindo adequar o lazer ao seu cotidiano, compatibilizando-o com otrabalho , dada a sua situao de favorecimento econmico. Elas dispem de mais tempo livre e suascondies scio-econmicas permitem a prtica de diferentes atividades.

    Por outro lado, as elites procuram repassar a ideologia do trabalho fazendo com que odesenvolvimento do lazer, para os trabalhadores, adquira uma conotao secundria . Os operrios, aocontrario da elite, geralmente dispe de pouco tempo livre devido longa jornada de trabalho e no possuemcondies favorveis ao acesso s diferentes prticas de lazer. Segundo Alba Zaluar:

    Nas entrelinhas desse debate, est o lugar e a prpria concepo de lazer nasociedade industrial moderna. Os que o chamam de suprfluo ou elitista acham-se tomados inteiramente pela idia de que o lazer sinnimo de cio, que por sua vez associado s classes abastadas, tambm chamadas ociosas. essacaracterstica que lhes traz como marca de distino a relao desinteressada eno-utilitria com as artes, o esporte e outras atividades distanciadas do mundodo trabalho. Ao contrrio, as classes trabalhadoras, cujo valor a produo,tomariam a posio oposta, e o lazer para elas seria, em conseqncia, umaatividade secundria, executada apenas no tempo no preenchido pelo trabalho.(ZALUAR, 1991).