Semiologia Do Amor- Notas Para Uma Leitura de 'Fragmentos Do Discurso Amoroso', De Roland Barthes -...

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    rica aqui e pobre ali: h tempos mortos, muitas figuras modificam-se; algumas, sendo hipstases2 de todo o discurso de amor, possuem

    a prpria raridade - a pobreza - das essncias: que dizer da Langui-dez, da Imagem, da Carta de Amor, uma vez que todo o discursode amor que est tecido de desejo, de imaginrio e de declaraes?(FDA, 1978, p. 12-13).

    Em entrevista sobre o livro, o entrevistador afirmou: No um trabalho de romancista, um livro de semilogo. E um livro deamoroso. No um pouco bizarro, um semilogo amoroso?. E o

    prprio Barthes, em virtude desse comentrio disse:

    No mesmo! O amoroso o semilogo natural, em estado puro! Pas-

    sa o tempo lendo signos. No faz outra coisa: signos de felicidade, sig-nos de infelicidade. No rosto do outro, em suas condutas. Ele est verda-deiramente atormentado pelos signos (Barthes, 2004, p. 424)

    A legibilidade do amor (e da obra como um todo textual) est,portanto, condicionada sua vinculao a arqutipos literrios. Osentido do texto amoroso deriva desse jogo intertextual e se constria partir de um duplo movimento: absoro e negao, ou melhor,como quer Julia Kristeva, o texto potico produzido no movimen-to complexo de uma afirmao e de uma negao simultneas de ou-

    tro texto (1974, p. 176).Partindo desse pressuposto e seguindo as reflexes de Laurent

    Jenny (1979, p. 5), pode-se falar que:

    Fora da intertextualidade, a obra literria seria muito simplesmenteincompreensvel, tal como a palavra duma lngua ainda desconhecida.De fato, s se apreende o sentido e a estrutura de uma obra literria se arelacionarmos com os seus arqutipos - por sua vez abstrados de longassries de textos, de que constituem, por assim dizer, uma constante [...]face aos modelos arquetpicos, a obra literria entra sempre numa relao

    de realizao, de transformao ou de transgresso.Nesse sentido, Barthes utiliza os processos de inveno de

    outros autores, o saber do recorte para a criao de um novo texto,

    2 Hipstase, do grego hypostasis, significa subsistncia, realidade. Na filosofia de Plotino, Deusse deriva em trs hipstases: Uno, nous (Inteligncia) e alma, que ele comparava tambm,respectivamente, com luz, ao sol e lua A transcrio latina para Hipstase "substncia",que, todavia, foi utilizada pela tradio filosfica com significado totalmente diferente do que autilizada por Plotino. No sentido contemporneo, utilizado raramente de maneira pejorativa.Dessa maneira, indica a transformao de um ser em um ente.

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    fazendo essa apropriao de forma consciente e, muitas vezes, atra-vs da ironia questionando ou explicitado esses limites muito diver-

    sos. Admite-se, nessa relao, que: a palavra literria no umponto (um sentido fixo), mas um cruzamento de superfcies textuais,um dilogo de diversas escrituras (Kristeva, 1974, p. 176). A est-tica do fragmento espalhar evitando o centro, ou a ordem, do dis-curso (Calabrese, 1988, p. 101).

    O prprio ttulo do livro, elemento paratextual3 por exceln-cia, um sintagma que seria necessrio depreender, inicialmente, asvrias e possveis significaes atribudas ao amor e o seu processodiscursivo, enquanto elemento invariante simblico do texto. O signo

    e significante fragmento assumiria a, esse contexto, um efeitopara mostrar-se, sem demonstrar-se, escritor, pensador, sujeito amo-roso (sempre sujeito rodadas da via), intelectual desarmado, desa-marrado, esparramado, vontade (Silva, 1994, p. 125). O fragmen-to [...] o no acabamento do texto [que] se torna um meio de di-namismo artstico da sua estrutura (Lotman, 1978, p. 477). O frag-mento, estudado enquanto teoria e olhar estilhaado em Roland Bar-thes, segundo Silva momento que, procurando, ao mesmo tempo,uma escrita que no seja familiar, torna-se amigvel e inquietante,

    provocador, oportunamente inoportuno, perverso; d foro terico aoprazer, de cuja fonte emerge a escritura-leitura cheia de si (1994, p.125).

    Segundo o estudioso, a preferncia pelo fragmento uma es-pcie de hesitao que de alguma forma ou de outra, questiona ou sedeixa questionar: um romance? um ensaio? um conceito? uma refle-xo? Nenhum dos trs ou os trs, subtrados lei da narrativa ou doraciocnio. O fragmento barthesiano, segundo o estudioso comoum bolo folhado onde cada camada, em seu oco, joga com a lngua

    num logro consciente, saboroso (saber e sabor tm a mesma raiz).Movimentos e operaes, de preferncia a conceitos, misturam ob-sesso e desvio (1994, p. 126). No inexprimvel amor pois umapaixonado que fala e diz: querer escrever o amor enfrentar a de-

    3 Segundo Genette (1982, p. 9), designa-se por paratexto o conjunto dos enunciados que con-tornam um texto: ttulo, subttulo, prefcio, posfcio, encartes, sumrio etc. O paratexto des-tinado a tornar presente o texto, para assegurar sua presena ao mundo, sua recepo e seuconsumo.

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    sordem da linguagem: esta terra de loucura em que a linguagem aomesmo tempo muito e muito pouco excessiva (pela expanso ilimi-

    tada do eu, pela subverso emotiva) e pobre (devido aos cdigos comos quais o amor a rebaixa e avilta). (FDA, 1978, p. 128-130).

    A escrita da paixo, - ela mesma saber do recorte, paixo derecortar-, composta de vrias outras escrituras e fragmentos, no livrocomporta e se inscreve em estratgias de espetculo do/sobre o amor,seus riscos, glrias, seus lugares-comuns e esquizofrenias, concebida

    para ser feita em uma situao anloga ao apaixonado. Nesse jogodiscursivo do amor entre a forma e o contedo, entre desafios e ale-grias dos atores, que se garante o espetculo amoroso. Em Frag-

    mentos de um discurso amoroso, o texto e os fragmentos oferecemao leitor sempre um quantum de ilegvel, configurando uma estrat-gia de subverso (Coelho, 1973, p. 29); o saber-ler pode ser deli-mitado, verificado no seu estgio inaugural, mas depressa se tornasem fundo, sem regras, sem graus e sem termo (Barthes, 1987, p.32).

    O fragmento, segundo o prprio crtico, em Roland Barthespor Roland Barthes:

    Implica um gozo imediato: um fantasma de discurso, uma aberturade desejo. Sob a forma de pensamento-frase, o germe do fragmento nosvem em qualquer lugar: no caf, no trem, falando com um amigo (surgenaturalmente daquilo que l diz ou daquilo que digo); a gente tira ento ocaderninho de apontamentos, no para anotar um pensamento, mas al-go como o cunho, o que se chamaria outrora um verso. [...] o fragmen-to (o hai-kai, a mxima, o pensamento, o pedao de dirio) finalmenteum gnero retrico, e como a retrica aquela camada da linguagem quemelhor se oferece interpretao, acreditando dispersar-me, no faomais do que voltar comportadamente ao leito do imaginrio. (1977, p.102-103)

    Apesar de no ser um texto dramtico, Roland Barthes (1915-1980), prope uma semiologia dramtica do amor para apresentar asua enunciao ( ele que o define, enunciao e no anlise) dodiscurso amoroso aos fragmentos. O sistema esttico que dele deri-va um sistema eternamente em excitao (Calabrese, 1988, p.102). O livro, como um dirio da paixo, inicia com a seguinte frase: pois um apaixonado que fala e diz, e, at ao final, percebemos defato surgir em palavras, numa estrutura quase cnica, aquilo que to-

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    dos j viveram - o elogio das lgrimas, o cime, Que fazer?,O corao, A ressonncia e outras rubricas.

    Para atingir a explicao do amor, segmenta-se - conformeBarthes ensinou - o significante gerador numa espcie de lexia 4que so unidade de leitura. Para o semilogo do fragmento enquantoesttica, a lexia no mais do que um invlucro de um volume se-mntico (Barthes, 1970, p. 18). O levantamento sistemtico dos sig-nificados em cada lexia no visa a descobertas da verdade do texto,mas ao seu saber plural. Esse procedimento no envolve, esclarece oterico, uma exposio crtica a um texto ou a este texto, porm, asua matria semntica no campo das crticas psicolgica, psicanalti-

    ca, temtica, histrica, estrutural. O texto palimpsstico e amoroso,signo norteador do livro, ser continuamente estilhaado sem obe-decer s suas divises naturais: sintticas, retricas, anedticas.

    As lexias so arbitrrias, no seguem e no obedecem a ne-nhuma metodologia; algumas vezes atuam sobre o significante, en-quanto a anlise proposta se efetua sobre o significado. Elas recor-tam alguns sintagmas ou palavras, s vezes perodos, mas o impor-tante que o escolhido seja o melhor espao para se desenvolver osentido; a sua dimenso estabelecida pelas experincias depender dadensidade das conotaes que varia segundo os momentos do texto.

    Fiel ao seu objeto, Barthes escolhe acertadamente a via dafragmentao e do pensamento constelar, que no se d por unidadesfechadas ou por etapas evolutivas, mas por descontinuidades e deslo-camentos constantes. Arrumados assim, feito verbetes ldicos, emlexias, de um dicionrio do amor, o livro, contraditoriamente, tentaextrapolar esse discurso instaurando o amor pelo vis semiolgico daleitura literria, pela vida, pela imaginao, pela linguagem que as-

    sume vrios caminhos.

    4 Refere-se ao termo empregado por Barthes emS/Z, ao avaliar e ao interpretar a novela Sar-rasine, de Balzac. A Lexia constitui cada pequeno fragmento do texto, destacado segundo suaordem de apresentao. A lexia resulta de um corte na lineariedade, fazendo com que, pelodesligamento de uma lexia de outra, as significaes passam a se disseminar. Aplicada ao li-vro em questo, a avaliao-interpretao barthesiana, recortando os fragmentos, provocariauma exploso sobre a superfcie do texto, deixando seus estilhaos significarem e se comuni-carem.

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    Por outro lado, aos estilhaos de textos, feito um homem di-ante de um espelho, recupera-se em fragmentos constantes. Frag-

    mentos de desejos, de realizaes, de percepes. Um homem dianteda iniciativa de se autobiografar no discurso ou nos discursos do a-mor do outro. Como emRoland Barthes por Roland Barthes (1977),livro tambm escrito em fragmentos, Fragmentos de um discursoamoroso assinala a tentativa perturbadora, mas persistente, de darvoz a um corao que se descobre vazio.

    Entre verbetes e significncias do amor, o leitor, diante de v-rios enxertos, deve-se perceber como mais um personagem de ro-mance e deve se permitir brincar, uma brincadeira sria de quem est

    submerso no texto, na linguagem, atento s armadilhas do sentimen-to e do discurso envolvente. Assim, Fragmentos de um Discurso

    Amoroso , alm de o valor passado ao grau suntuoso do significan-te (Barthes, 1977, p. 85), tambm uma experincia de leitura. Um

    prazer absoluto diante do texto e do homem que nele se mostra. Es-crever por fragmentos: os fragmentos so ento perdas sobre o con-torno do crculo: espalho-me roda: todo o meu pequeno universoem migalhas; no centro, o qu? (Barthes, 1977, p. 108). O fragmen-to para Omar Calabrese acaba por participar do mesmo esprito do

    tempo, a perda da totalidade. [...] A exagerao das suas caracters-ticas leva a dar-lhes nuances de uma opo geral, que precisamentea do final ou do declnio da inteireza (1988, p. 103-4).

    O amor como desejo e representao presente nesses frag-mentos barthesianos, no se esgota nas palavras, nem se refere rea-lidade como tal. O discurso amoroso e romanesco, ao colocar-se co-mo literatura e crtica semiolgica ao mesmo tempo, liberta-se dasimposies da lgica tradicional e adquire a liberdade de estruturar-se segundo seus cdigos. O texto barthesiano algo feito com a lin-

    guagem, portanto a partir da linguagem, algo ao mesmo tempo atransforma, acresce, aperfeioa, interrompe ou a reduz. vivo e de-sejante, um texto de prazer aquele que contenta, enche, d eufori-a (Barthes, 1977, p. 21).

    O leitor, acompanhando vertiginosamente esse texto do amor,vai entrar em dilogo com a escritura, produzindo outra escritura(como esse ensaio). Ele, nesse caminho em redes, sinuoso e escorre-gadio, transgressor e ambguo, dever encontrar o lugar de onde o

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    texto lhe seja legvel, aceitvel (Compagnon, 1996, p. 19), porque,segundo Compagnon, no se pode exigir do leitor que esse lugar lhe

    seja inteiramente desconhecido. Esse lugar , segundo o semilogofrancs, o lugar em que o texto ou discurso do amor se reescreve aoser recebido e interpretado, o dilogo uma escritura onde, segundoBakthin, se l o Outro. O dilogo bakthiniano designa aos olhos des-sa escritura simultnea, como subjetividade e comunicabilidade, oumelhor, como intertextualidade, um dilogo amoroso cujos actantesso outros textos.

    A noo de sujeito amoroso da escritura comea a dar lugar auma outra, a da ambivalncia da escritura. Nesse sentido, Fragmen-

    tos do Discurso Amoroso um texto em constante destruio onde seesconde/desvela o jogo do signo. O deciframento estilhaado, comofragmentos metalingsticos, aparece ao leitor como uma escolha. Odiscurso do amor, sempre deriva e instigador, s existe a partir deuma recriao numa leitura subjetiva e individualssima. A cada fru-idor o livro despedaado apresenta-se diferente de si mesmo, aomesmo tempo completo e incompleto, pois os signos no so pro-vas, pois qualquer pessoa os pode produzir, falsos ou ambguos. Daresulta depreciar-se, paradoxalmente, a omnipotncia da linguagem:

    uma vez que a linguagem nada garante, tomarei a linguagem por -nica e ltima garantia: no acreditarei mais na interpretao. (FDA,1978, p. 234).

    A escritura barthesiana segundo Roberto Correa dos Santosconstitui em nosso tempo um dos exerccios mais constantes de rea-lizao dessa prtica para a qual todo e qualquer limite definidor sev perdido. O que se interpreta, quem interpreta, como interpreta so

    perguntas que explodem. Segundo o pesquisador, da teoria barthesi-ana:

    Barthes buscava exatamente isso, a fico-plural: a histrica-poltica-semiologia-narrativa-autobiografia. O eu presente nos Fragmen-tos e a teatralizao dos sujeitos deRoland Barthes por Roland Barthesrasuram e sensualizam, sem dele jamais inteiramente se afastarem, ocampo do querer-compreender, do querer-explicar. Aproxima-se e recuado pleno da dramatizao, deixando deslizar, retraindo e expondo, a per-sonagem que . A fico dos saberes faz-se nesses fragmentos, nessedeixar beira. Uma multiplicidade que no conduz ao silncio, nem aodelrio, nem loucura, mas paixo. (Santos, 1989, p. 33)

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    amorosos so descobertos pelos seus avessos, o irreal e o mgico oreelaboram.

    Nessa potica dos fragmentos, com extrema delicadeza dossignos, Roland Barthes prope uma aventura semiolgica em tornodo amor que se dedica a desfazer o "tecido" amoroso para montarcomo nele se superpem na escritura palimpsstica, os diversos c-digos e os seus sentidos. Um mundo semiolgico do amor, fragmen-tado e intertextual, carente de entranhas. Ler o mundo dos signos edessas entranhas amorosas, portanto, conseqentemente, ter as"chaves" desse cdigo. Nessa perspectiva semiolgica, ler e escrevero amor, como o ato de leitura em Barthes, so de tal sorte, momentos

    simultneos de uma mesma ao semitica.A leitura comparada ao ato amoroso merece ou requer, como

    o ser amado, ateno, carinho, cuidado. A metfora criadora para sechegar at o outro, para compartilhar sentimentos, experincias amo-rosas, sonhos, enfim: para compartilhar a vida. Por esse motivo linguagem comparada experincia amorosa, quando se diz:

    A linguagem uma pele: esfrego minha linguagem contra o outro. como se eu tivesse ao invs de dedos, ou dedos na ponta das palavras.Minha linguagem treme de desejo. A emoo de um duplo contacto: de

    um lado, toda uma atividade do discurso vem, discretamente, indireta-mente, colocar em evidncia um significado nico que eu te desejo, eliber-lo, aliment-lo, ramific-lo, faz-lo explodir (a linguagem tem

    prazer de se tocar a si prpria); por outro lado, envolvo o outro nas mi-nhas palavras, acaricio-o, toco-lhe, mantenho este contato, esgoto-me aofazer o comentrio ao qual submeto a relao. (FDA, 1978, p. 98).

    O desejo, visto nesse fragmento o ingrediente prescrito porBarthes para se atingir o texto do amor que se desdobra por si numacadeia ertica que vai se entreabrindo ao leitor como uma pea dovesturio e que por uma abertura nfima atrai o olhar, sugere ima-gens, deixa entrever o algo mais que o tecido oculta e o desejo susci-ta. O lugar mais ertico de um corpo no l onde o vesturio seentreabre? [...] essa cintilao mesma que seduz, ou ainda: a ence-nao de um aparecimento-desaparecimento (Barthes, 1977, p. 16).

    Escrever, para Barthes, " colocar-se num imenso intertexto,quer dizer: colocar a prpria linguagem, a sua prpria produo delinguagem, no prprio infinito da linguagem. (Barthes, 1975, p. 15).A noo de escritura amorosa barthesiana e os seus efeitos de textua-

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    lidade advm, pois, dessa concepo sinuosa e deriva, no entanto,extremamente insinuante e reveladora. Tudo sugere um texto que

    pulsa e, sob a pela da linguagem amorosa, o texto-mundo deseja vo-razmente. A leitura dos fragmentos, ao acompanhar a trajetria inter-textual e labirntica do discurso romanesco, lana-se na aventura se-miolgica da escritura barthesiana, habitando com o corpo vriosdiscursos ficcionais, atendendo aos apelos dos signos literrios.

    Barthes, transgressoramente, nesse livro, parece estar no limi-ar de um romance, "ele toma, literalmente, notas para um romanceque no escreveu, notas que so ao mesmo tempo a transcrio doseu livro que, afinal, no um romance". (Calvet, 1993, p. 244). O

    que faz do livro uma espcie de metalinguagem do amor,[...] uma prtica de imitao, de cpia infinita" (Barthes, 1975, p.

    14). [...] uma espcie de carrossel de linguagens imitadas. a prpriavertigem da cpia, devido ao fato de as linguagens se imitarem sempreuma s outras, de a linguagem no ter fundo, de no haver um fundo ori-ginal da linguagem, de o homem estar perpetuamente embaraado porcdigos de que nunca atinge o fundo. A literatura , de certo modo, essaexperincia (Barthes, 1975, p. 16).

    De fato, tudo sugere o tempo todo muitas indagaes: quaissero os cdigos do amor? Haver uma linguagem do amor? Barthes- escritor, - com seu estatuto de fragmentos - combinando citaes esuprimindo aspas parece confirmar que "no se copiam obras, copi-am-se linguagens" (Barthes, 1975, p. 22). Na linguagem dos enamo-rados como seres solitrios e incompletos, o discurso do amor surgecomo sentimento incompreensvel. O livro, atravs de inmeras cita-es e exemplos do tema confirma que como o prprio ser amadodescrevendo-se: l-lo conhecer o desconhecido eternamente. "[...]tudo se representa, pois, como uma pea de teatro". (FDA, 1978, p.133). "O apaixonado , portanto, artista e o seu mundo bem ummundo s avessas, pois toda a imagem o seu prprio fim (nada paral da imagem)" (FDA, 1978, p. 170).

    Empenhado, porm, em exibir a inquietude e incertezas sgni-cas que caracterizam toda a prtica escritural e amorosa, este livrono vai tratar de filosofia nem de conceitos: no se pode conceituar oque est em contnua deriva. Impossibilitado, pois, de tratar a escri-tura e o amor misturado a ela, este livro antes, barthesianamente fa-lando, um livro escriptvel, ou seja, um livro cuja linguagem, em

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    muitos de seus momentos, se sensorializa e corporifica, com o obje-tivo de permitir entrever, por entre suas malhas, o corpo ferico e

    bailarino do texto. Esses fragmentos de amor barthesianos, nascidossob o signo da escritura e da trapaa linguajeira, o prottipo no doperegrino ou do viajante, mas antes do danarino. Os signos do a-mor, lido por Barthes, implcito no espao girante da escritura, an-tes o buscador do discurso descompromissado, empenhado no emencontrar respostas, mas em mergulhar no redemoinho do imagin-rio, em que avultam o pontilhado de fulgurantes rebrilhos epifnicos.

    Nada de respostas nem certezas; apenas a dana sedutora de verda-des possveis (verdades fantasmticas, diramos, parafraseando Bar-thes) que nunca se revelam em definitivo. dessa indefinio, se-mente de utopias, que a arte, a literatura, a escritura e conseqente-mente o discurso amoroso, enfim, se alimentam. E o escritor e seuleitor tambm.

    Em cada verbete, o sujeito do discurso amoroso registra asangstias mais veementes de um corao apaixonado e nos faz refle-tir acerca de aes banais, como a espera de um telefonema (ou advida quanto a ligar ou no), o cime inexplicvel que sentimos aver um terceiro falando do nosso ser amado ou simplesmente o del-

    rio da paixo amorosa. Cimes, posses, discursos, signos, o desejoamoroso. Enfim, nesses verbetes, a escrita fragmentar barthesianatornou-se, aps Barthes, num gesto criativo cada vez mais freqente,que segue as mais variadas manifestaes, todas elas preconizadas

    pelo crtico francs: o dirio la Gide, os aforismos, os pensamen-tos esparsos (Calabrese, 1988, p. 101). "Os signos do amor alimen-tam uma imensa literatura: o amor representado, reposto numa ti-ca das aparncias". (FDA, 1978, p. 145).

    Gozo da palavra romanesca, gozo por articular significantes -

    ao lado da leitura barthesiana que desvenda sentidos -, gozo de criar,de reinventar o objeto do prazer, o prazer do texto, o prazer de ler,o prazer de amar puro e simplesmente. Tudo o que escrito falhode sentido. No h um sentido, mas o sonho intertextual e caleidos-cpico de sentidos: no h significao, mas significncia no discur-so da paixo/fruio O prazer, em todos esses casos, consiste na ex-trao dos fragmentos dos seus contextos de pertence e na eventualrecomposio dentro de uma moldura de variedade ou de multipli-cidade (Calabrese, 1988, p. 103).

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