Senhor Advogado CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS … · Senhor Advogado Pablo ... a petição de...
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Senhor Advogado
Pablo Saavedra Alessandri
Secretrio
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Nesta
Senhor Secretrio:
Em cumprimento ao disposto no artigo 73.3 do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, bem como do Edital PROAC n 14/2017, os Alunos e Professores do Centro
Universitrio Antnio Eufrsio de Toledo, na cidade de Presidente Prudente SP, Brasil, mui
respeitosamente, submetem para apreciao desta Honorvel Corte Interamericana de Direitos
Humanos, na pessoa de seu Honorvel Magistrado Presidente, suas observaes Solicitao de
Opinio Consultiva, formulada pela Comisso Interamericana de Direitos Humanos.
Aproveitamos do ensejo para apresentar a Vossa Senhoria os nossos votos da mais elevada estima
e considerao.
Atenciosamente,
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Corte Interamericana de Direitos Humanos
Solicitao de Opinio Consultiva
Observaes dos Alunos e Professores do
Centro Universitrio Antnio Eufrsio de Toledo de Presidente Prudente
ndice
1 Da Admissibilidade da Solicitao de Opinio Consultiva .............................................. 9
2 Anlise das Questes Apresentadas Consulta .............................................................. 11
2.1 Resposta Pergunta A.1 ................................................................................................ 11
a) Direitos humanos ......................................................................................................... 11
b) Conveno Americana de Direitos Humanos e outros instrumentos ........................ 14
c) Sistema democrtico .................................................................................................... 16
d) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 19
2.2 Resposta Pergunta A.2 ................................................................................................ 21
a) Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem ........................................ 21
b) Conveno Americana sobre Direitos Humanos ........................................................ 22
c) Carta Democrtica Interamericana ............................................................................ 24
d) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 25
2.3 Resposta Pergunta A.3 ................................................................................................ 26
a) Consideraes iniciais sobre a Carta Democrtica Interamericana ......................... 26
b) A Carta Democrtica Interamericana como um instrumento de apoio interpretao
e aplicao da Conveno Americana sobre Direitos Humanos e da Declarao
Americana dos Direitos e Deveres do Homem ............................................................ 32
c) Casos concretos em que foram alegadas violaes de direitos humanos em contextos
de fragilidade ou ruptura da institucionalidade democrtica .................................... 35
d) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 38
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2.4 Resposta Pergunta B.1 ................................................................................................ 39
a) Panorama do Contexto ................................................................................................ 39
b) O Artigo XVIII da Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, da OEA,
e o artigo 8.1 da CADH ................................................................................................ 43
c) O artigo 8.2 da CADH .................................................................................................. 45
d) O artigo 8.2.a da CADH ............................................................................................... 47
e) O artigo 8.2.b da CADH ............................................................................................... 49
f) O artigo 8.2.c da CADH ............................................................................................... 51
g) O artigo 8.2.d da CADH ............................................................................................... 53
h) O artigo 8.2.e da CADH ............................................................................................... 54
i) O artigo 8.2.f da CADH ............................................................................................... 56
j) Os artigos 8.2.g e 8.3 da CADH ................................................................................... 58
k) O artigo 8.2.h da CADH .............................................................................................. 61
l) O artigo 8.4 da CADH .................................................................................................. 64
m) O artigo 8.5 da CADH .................................................................................................. 68
n) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 69
2.5 Resposta Pergunta B.2 ................................................................................................ 70
a) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 76
2.6 Resposta pergunta B.2.1 ............................................................................................. 77
a) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 81
2.7 Resposta pergunta B.2.2 ............................................................................................. 82
a) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 87
2.8 Resposta pergunta B.2.3 ............................................................................................. 88
a) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 90
2.9 Resposta Pergunta B.3 ................................................................................................ 91
a) Noes histricas bsicas ............................................................................................. 91
b) Conceito ........................................................................................................................ 91
c) Do princpio de legalidade estabelecido no artigo 9 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos ........................................................................................................ 92
d) Do entendimento sobre o conceito de Lei para a Corte Interamericana de Direitos Humanos ...................................................................................................................... 93
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e) Dos procedimentos de julgamento poltico nos Estados que aceitaram a competncia
contenciosa da Corte IDH ........................................................................................... 94
f) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 96
2.10 Resposta Pergunta B.4 ................................................................................................ 97
a) Resposta ao quesito .................................................................................................... 102
2.11 Resposta Pergunta B.5 .............................................................................................. 103
a) Panorama histrico-conceitual das causas de responsabilizao ............................ 103
b) Natureza das causas que fundamentam o juzo pelo Poder Legislativo .................. 104
c) Distines necessrias com as demais esferas de responsabilidade ........................ 106
d) Interpretao e compatibilizao da natureza das causas conforme o princpio da legalidade contido no artigo 9 da CADH .................................................................. 108
e) Resposta ao quesito .................................................................................................... 110
2.12 Resposta Pergunta B.6 .............................................................................................. 111
a) Resposta ao Quesito ................................................................................................... 114
2.13 Resposta Pergunta B.7 .............................................................................................. 115
a) Contextualizao entre a Democracia Representativa, o artigo 23 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos e o XX da Declarao Americana dos Direitos e
Deveres do Homem .................................................................................................... 115
b) O Direito Coletivo no Sistema Interamericano de Direitos Humanos ..................... 117
c) Das hipteses de violao ao direito coletivo dos eleitores de um presidente
democraticamente e constitucionalmente eleito ....................................................... 119
d) Resposta ao quesito .................................................................................................... 121
2.14 Resposta Pergunta B.8 .............................................................................................. 122
a) As obrigaes contidas nos artigos 1.1 e 2 da CADH ............................................... 122
b) A Codificao do Processo Constitucional ............................................................... 124
c) Resposta ao quesito .................................................................................................... 126
3 ndice de casos .................................................................................................................. 127
4 ndice de autoridades ....................................................................................................... 136
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1 Da Admissibilidade da Solicitao de Opinio Consultiva
Esta Eminente Corte Interamericana de Direitos Humanos, doravante Corte IDH, j
esposou seu entendimento no sentido de que para que se determine a admissibilidade de uma
opinio consultiva, necessrio o preenchimento de alguns requisitos.
Em seu pronunciamento, conforme ficou definido no rechao Solicitao de Opinio
Consultiva apresentada pelo Secretrio Geral da Organizao dos Estados Americanos1, a petio
de solicitao
a) no debe encubrir un caso contencioso o pretender obtener prematuramente um
pronunciamiento sobre un tema o asunto que podra eventualmente ser sometido
a la Corte a travs de un caso contencioso; b) no debe utilizarse como un
mecanismo para obtener um pronunciamiento indirecto de un asunto en litigio o
en controversia a nivel interno; c) no debe utilizarse como un instrumento de un
debate poltico interno; d) no debe abarcar, en forma exclusiva, temas sobre los
que la Corte ya se ha pronunciado en su jurisprudncia y e) no debe procurar la
resolucin de cuestiones de hecho, sino que busca desentraar el sentido,
propsito y razn de las normas internacionales sobre derechos humanos y, sobre
todo, coadyuvar a los Estados miembros y a los rganos de la OEA para que
cumplan de manera cabal y efectiva sus obligaciones internacionales.
A primeira hiptese versa sobre o desvio de finalidade da opinio consultiva por parte do
solicitante, convertendo-se um juzo abstrato em uma resoluo pragmtica para casos
contenciosos que poderiam ser submetidos jurisdio da Corte IDH.
No presente caso, verifica-se que os casos submetidos ao crivo da Comisso j
encontram-se devidamente processados, o que impede a converso da presente opinio consultiva
em um desvio de finalidade, o que afasta por si s o impedimento de pronunciamento desta
Honorvel Corte IDH.
O segundo parmetro diz respeito ao desvio de finalidade da opinio consultiva para obter
um pronunciamento indireto sobre um caso em litgio a nvel interno, o que, por consequncia
lgica, resta-se inaplicvel, na medida em que o rgo solicitante de opinio consultiva a prpria
Comisso Interamericana de Direitos Humanos.
1 Cf. Corte IDH. Solicitud de Opinin Consultiva presentada por el Secretario General de la Organizacin de los
Estados Americanos. Resolucin de la Corte Interamericana de Derechos Humanos de 23 de junio de 2016.
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O parmetro terceiro versa sobre o desvio de finalidade da opinio consultiva para
transformar um instrumento jurdico em forma de se criar um debate poltico. Neste aspecto,
verifica-se do texto e da justificativa apresentada pela CIDH que h uma preocupao evidente em
obter desta Honorvel Corte IDH um pronunciamento jurdico sobre um assunto de extrema
relevncia, e que objeto de preocupao estrutural dos Estados-partes na Conveno Americana
de Direitos Humanos.
A hiptese seguinte versa sobre a impossibilidade de se utilizar a opinio consultiva em
casos em que esta Eminente Corte IDH j tenha se pronunciado. Neste caso, chamamos a ateno
dos Honorveis Magistrados para o fato de que, conforme a prpria solicitao apresentada pela
CIDH, esta Eminente Corte IDH j se pronunciou diversas vezes sobre o exerccio de juzos
polticos. Contudo, os casos objetos de referncia no versam sobre processos polticos de
destituio de presidentes constitucional e democraticamente eleitos. Trata-se, por conseguinte, de
um tema novo sobre o qual jamais houve um pronunciamento desta Honorvel Corte IDH.
Por fim, no se deve utilizar a opinio consultiva como justificativa para o
descumprimento das determinaes de direitos humanos constantes do ordenamento jurdico
internacional. Compactuamos com o parmetro desta Honorvel Corte IDH para entender que os
instrumentos elencados na CADH no podem ser utilizados com a finalidade estratgica
processual escusa para furtar-se da proteo dos direitos humanos. Verifica-se, no s da
justificativa, como tambm dos quesitos formulados de forma muito clara, que o objetivo central
o estabelecimento de parmetros jurdicos para a aplicao da CADH em casos de processos
polticos de destituio de presidentes constitucional e democraticamente eleitos.
Desta forma, em se verificando que no h nenhuma hiptese que obste o pronunciamento
desta Honorvel Corte IDH sobre a solicitao formulada pela Eminente CIDH, passamos anlise
das questes formuladas.
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2 Anlise das Questes Apresentadas Consulta
2.1 Resposta Pergunta A.1
A.1) luz da Conveno Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos
interamericanos pertinentes, como se manifesta a relao entre o sistema democrtico e a
vigncia plena dos direitos humanos?
O termo relao, para satisfazer a resposta ao quesito em comento, ser alocado no
sentido de ligao, nexo, encadeamento, conexo, elo, liame. Nesse sentido, em se tratando da
construo de um raciocnio que converge para apontamentos acerca da correspondncia de dois
temas emblemticos, quais sejam, o sistema democrtico e os direitos humanos, a elaborao da
opinio consultiva quanto ao presente tpico ser dividida em quatro partes.
a) Direitos humanos
A ideia de que todo indivduo nasce livre, possuidor de dignidade e em posio de
igualdade ao seu semelhante pode soar como algo sem complexidade queles que sucedemos
personagens que se empenharam para que esse senso tivesse, em dias atuais, carter incontroverso.
At mesmo o Direito Natural, quando averiguamos a concretude e a intangibilidade que os direitos
humanos possuem hoje, revela-se mais palpvel e compreensvel. Por outro lado, a proclamao
dos direitos do homem positivados e no passveis de violao corolrio de uma concepo
histrica.
Para uma melhor compreenso do tema ora proposto, passaremos a tecer alguns
comentrios sobre o fundamento (razo de existir) e a origem dos direitos humanos (momento de
seu surgimento), bem como a realizar uma distino entre essas duas caractersticas, as quais
revelam-se como fatores determinantes da importncia que os direitos do homem possuem para o
sistema democrtico.
Uma anlise da trajetria histrica nos permite inferir que o reconhecimento dos direitos
humanos ocorre na medida em que a fonte da lei, ou seja, a fundamentao para a elaborao de
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uma legislao de qualquer ordem, se torna a prpria circunstancia existencial do ser humano,
juntamente com suas necessidades vitais e as exigncias dela decorrentes, abandonando-se o
comando de Deus ou os costumes como pedra angular da atividade reguladora da vida em
sociedade.
Nesse sentido, o antropocentrismo possibilitou que o homem passasse a ocupar o centro
do universo e, portanto, sua condio existencial deveria ser a direo norteadora de suas prprias
preocupaes. Assim, temos que o fundamento dos direitos humanos, ou seja, sua razo de existir
assenta-se na prpria condio humana, tornando-se imprescindveis para o desenvolvimento de
uma vida digna e impondo um standard mnimo ao qual os Estados so obrigados a respeitar.
Por outro lado, acerca das contribuies ideolgicas que buscam esclarecer a origem dos
direitos humanos, possvel vislumbrar linhas de pensamentos antagnicas, como o argumento
construdo pelo Jusnaturalismo, segundo o qual os direitos do homem decorrem da prpria
condio humana e prescindem de qualquer acontecimento histrico para a sua insurgncia, bem
como a teoria que compreende os direitos humanos como uma conquista histrica, obtida
gradualmente no limiar do curso da humanidade.
Em que pese haja essa divergncia de entendimentos, resta sedimentado que, embora o
Jusnaturalismo tenha inspirado o constitucionalismo, os direitos humanos resultam de lutas
pretritas pela libertao e emancipao do homem, possibilitando o surgimento das declaraes
de direitos firmadas em diferentes momentos do percurso traado pelo ser humano. Nesse sentido,
a historicidade dos direitos humanos demonstra-se pela trajetria de disputas que possibilitaram
sua prpria concretude formal.
Desta forma, os direitos ditos humanos so o produto, no da natureza, seno da
civilizao humana. Cada direito dito humano representa uma conquista da humanidade, visto que
o reconhecimento de sua nobreza e imprescindibilidade pela conscincia universal e consequente
positivao somente foram possveis aps serem derramadas muitas gotas de suor, quando no de
sangue.
Servindo-se das categorias tradicionais do direito natural e do direito positivo, Norberto
Bobbio, ao descrever o processo que culmina na positivao dos direitos humanos, nos diz que os
direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos
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positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realizao como direitos positivos
universais2.
Nesse sentido, os direitos do homem se fundamentam na natureza, como inerentes
prpria condio humana e no so passveis de subtrao; a ttulo de exemplo, so direitos
naturais e universais que pertencem ao indivduo, independentemente do Estado ao qual esteja
inserido, o direito vida, liberdade, sobrevivncia e moradia. Posteriormente, passam
categoria de direitos positivos, porm particulares a cada soberania que os reconhecem e os
asseguram em suas Constituies e, por fim, quando positivados na Declarao Universal dos
Direitos do Homem, tornam-se direitos formais universais.
Muito embora haja o reconhecimento de uma orientao universal para toda
normatividade, lastreada em valores percebidos como os mais relevantes existncia e ao
desenvolvimento digno do ser humano, nem sempre possvel constatar, nos ordenamentos
jurdicos ao redor do mundo, a consagrao destes preceitos.
A desarmonia verificada nos esteios jurdicos e os consagrados valores cruciais
conservao e continuidade do homem possibilitou a internacionalizao dos direitos humanos,
movimento que se tornou mais proeminente aps a 2 Guerra Mundial, quando a premncia de se
tutelar um interesse legtimo emergiu na comunidade internacional.
Os episdios de crueldade testemunhados durante a 2 Guerra Mundial criaram um
cenrio de runa tanto material, como moral , marcando os tempos de ps-guerra e
impulsionando o surgimento de manifestaes que anunciavam uma preocupao com a forma
com que os Estados lidavam com o seu povo, de modo que a salvaguarda dos direitos do homem
no poderia mais se restringir ao campo da atuao interna de cada soberania, posto que os direitos
intrnsecos condio humana so de interesse coletivo-global.
Sobre o legado construdo aps o nazi-facismo, Flvia Piovesan esclarece (2013, p. 191)3:
Nasce ainda a certeza de que a proteo dos direitos humanos no deve se reduzir
ao mbito reservado de um Estado, porque revela tema de legtimo interesse
internacional. Sob esse prisma, a violao dos direitos humanos no pode ser
concebida como questo domstica do Estado, e sim como problema de
2 Cf. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992 3 Cf. PIOVESAN, Flvia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed. So Paulo: Saraiva,
2013.
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relevncia internacional, como legtima preocupao da comunidade
internacional. [...] O processo de internacionalizao dos direitos humanos que,
por sua vez, pressupe a delimitao da soberania estatal passa, assim, a ser
uma importante resposta na busca da reconstruo de um novo paradigma, diante
do repdio internacional s atrocidades cometidas no holocausto.
dentro desse contexto que um conjunto normativo internacional foi surgindo e
sistematizando-se, de sorte que, hodiernamente, podemos verificar a existncia de um sistema
internacional de proteo dos direitos humanos, o qual atua sob duas perspectivas: global e
regional.
b) Conveno Americana de Direitos Humanos e outros instrumentos
luz do enfoque global, a Carta das Naes Unidas (ONU) e suas organizaes
caracterizam os principais instrumentos em prol da cooperao entre os Estados e da promoo da
solidariedade mundial, ao passo que o mbito regional composto por organismos que procuram
uma tutela local dos direitos do homem, de sorte que possvel notar trs grandes sistemas
regionais, o europeu, o africano e o americano (ou interamericano), alm de um sistema inicial
rabe e a proposta para a criao de um sistema asitico.
No que tange aos sistemas regionais, sua estruturao atenta-se s peculiaridades setoriais
do mundo globalizado e aos valores histricos dos povos de uma determinada regio, o que
corroborado pela aproximao geogrfica dos Estados envolvidos que buscam dar maior
efetividade aos direitos humanos no plano local.
Desta feita, destaca-se o Sistema Interamericano de Proteo dos Direitos Humanos, que
surgiu em 1948 quando 35 pases assinaram a Carta da Organizao dos Estados Americanos
(OEA), tambm referida como Carta de Bogot. A Carta foi elaborada nos moldes do Captulo VII
da Carta da ONU, visando a implementao de uma estrutura internacional com vistas
manuteno da paz e da segurana no continente americano. Consoante ao artigo 1, 3, da Carta
da ONU, um dos objetivos das Naes Unidas conseguir uma cooperao internacional para
promover e estimular o respeito aos direitos humanos e s liberdades fundamentais para todos,
sem distino de raa, sexo, lngua ou religio.4
4 Cf. ONU. Carta das Naes Unidas. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez 2017.
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O principal instrumento da OEA a Conveno Americana sobre Direitos Humanos,
celebrada em San Jos, na Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, que entrou em vigor em 18
de julho de 1978, aps ter obtido o mnimo exigido de 11 ratificaes.
O terceiro considerando da Conveno Americana aponta, como seus antecessores, a
Carta da OEA e a Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, bem como a
Declarao Universal dos Direitos e Deveres do Homem. Por outro lado, possvel notar uma
forte influncia da Conveno Europeia de Direitos Humanos em sua formao, principalmente
no mbito institucional.
No obstante, a Conveno Americana ou Pacto de San Jos da Costa Rica como
tambm conhecida se curva aos direitos polticos e civis, enquanto que seu Protocolo Adicional
de San Salvador tem por objeto os direitos econmicos, sociais e culturais. Num panorama geral,
o Pacto de San Jos tem como desiderato a busca pela efetivao dos direitos e liberdades j
reconhecidos, garantindo a toda pessoa que esteja sujeita jurisdio de um Estado-parte da OEA
seu pleno exerccio, sem nenhuma discriminao. Para tanto, a Conveno pode exigir de seus
signatrios a adoo de medidas legislativas ou de outra natureza para a fruio dos direitos e
liberdades objeto de tutela.
No entanto, a proteo dos direitos humanos prevista na Conveno Americana
coadjuvante ou complementar da que oferece o ordenamento jurdico interno dos seus Estados-
partes, isto , nas palavras do ex-juiz da Corte IDH, Srgio Garcia Ramirez5, la gran batalla por
los derechos humanos se ganar en el mbito interno, del que es coadyuvante o complemento,
pero no sustituto, el internacional.6.
Assim, muito embora a maior expectativa sobre a efetividade dos direitos humanos
provenha do mbito interno dos Estados, a proteo e a implementao dos direitos humanos no
devem se reduzir ao campo reservado sua soberania, uma vez que o tema de legtimo interesse
internacional. Foi exatamente a preocupao com a forma que os governantes tratam seus
governados que impulsionou o movimento de internacionalizao dos direitos humanos. Nesse
sentido, a comunidade internacional passou a se organizar para relativizar a soberania estatal,
5 Cf. Corte IDH. Caso Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) Vs. Per. Excepciones
Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de noviembre de 2006. Serie C No. 158. Voto razonado
del Juez Sergio Garca Ramrez. 6 Traduo livre: a grande batalha pelos direitos humanos se ganhar no mbito interno, do qual coadjuvante ou
complementar, mas no substituto, o direito internacional.
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consolidar a proteo da pessoa no ambiente global, ensejando, desse modo, a formao de
sistemas normativos internacionais e a celebrao de tratados internacionais para salvaguardar e
promover os direitos do homem.
Para ilustrar essa persecuo protetiva a nvel internacional, vejamos o que preconiza o
Artigo 23, do Captulo II Direitos civis e polticos, parte I Deveres dos Estados e Direitos
Protegidos, do Pacto de San Jos da Costa Rica:
1. Todos os cidados devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades: a) de
participar da conduo dos assuntos pblicos, diretamente ou por meio de
representantes livremente eleitos; b) de votar e ser eleito em eleies peridicas,
autnticas, realizadas por sufrgio universal e igualitrio e por voto secreto, que
garantam a livre expresso da vontade dos eleitores; e c) de ter acesso, em
condies gerais de igualdade, s funes pblicas de seu pas.
Resta clarividente que o papel da Conveno Americana, bem como outros instrumentos
ratificados pela OEA, como a Conveno Americana para Prevenir e Sancionar a Tortura, a
Conveno Contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruis, desumanas ou degradantes,
elevar a proteo dos direitos do homem a um nvel universal, bem como conduzi-los a uma
realidade ftica que, se no experimentada pelas pessoas em razo de um desamparo estatal ptrio,
impele que o Estado tome medidas reparadoras dos malefcios causados pela sua inrcia sob pena
de sanes internacionais.
c) Sistema democrtico
No sculo XVI, Nicolau Maquiavel qualificou o primeiro modelo de Estado como
Absolutista, fazendo referncia ao sistema poltico, administrativo e normativo que predominou
na Europa, tendo seu auge no sculo XVII.7 Nos padres da poca, o poder de organizao
jurdico-poltica estava totalmente concentrado na figura do rei, quando em um nico indivduo
residia todas as atribuies das quais carecem o funcionamento de um Estado, como a de
administrar, legislar e julgar.
7 Cf. VELANDIA CANOSA, Eduardo Andrs. Derecho Procesal Constitucional. Bogot: VC Editores Ltda, 2015,
p. 36.
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A discricionariedade que tangenciou o perodo absolutista permitiu que o Rei Luiz XIV,
conhecido como rei Sol, proclamasse a celebre frase L'tat c'est moi, cuja traduo o Estado
sou eu, uma vez que todo o poder e funes estatais eram de sua titularidade.
A superao do poder centralizado permitiu o surgimento do Estado Moderno e dos
sistemas de governo democrticos, oriundos da luta contra o Absolutismo em busca da
consolidao dos direitos naturais da pessoa humana. Nesse ponto, urge fazer uma correlao com
a origem histrica supramencionada dos direitos humanos, na qual a busca pela queda do regime
absolutista traduz-se em marco pretrito que ensejou o reconhecimento de liberdades individuais.
Sob esse prisma, emerge um novo paradigma constitucional limitador da arbitrariedade dos
dspotas, documentos carreados de conquistas e traduzidos em direitos, como os relevantes
instrumentos normativos oriundos da Inglaterra, como a Magna Carta, de 1215, o Habeas Corpus
Act e a Bill of Rights, de 1688.
Neste mesmo sentido, encontramos outros registros espalhados pela Europa, como o
francs Edito de Nantes, o histrico documento assinado em 1598 e o Corpo de Liberdade da
colnia do Massachusetts.8
Assim, paulatinamente, o Estado Absolutista substitudo pelo Estado Moderno, o qual
tem sua apario acompanhada pelas primeiras Constituies do sculo XVIII. A ttulo de
exemplo, em 1787, os Estados Unidos elaboraram sua primeira Constituio escrita, tornando-se
pioneiros na contemplao da separao dos poderes: Executivo, Legislativo e Judicirio9. Nesse
contexto, a fixao prvia das normas reguladoras da vida em sociedade e a distribuio dos
poderes e das funes do Estado tornam-se princpios estruturantes do Estado de Direito como
mecanismos garantidores do exerccio moderado do poder poltico, inibindo o totalitarismo e
impulsionando a construo dos sistemas democrticos.
Etimologicamente, democracia deriva da palavra de origem grega demokratia, resultado
da juno dos afixos kratia que significa governo ou poder e demos que corresponde ao povo.
Nessa perspectiva, a democracia refere-se ento ao governo do povo. Proclamando um significado
8 Cf. VELANDIA CANOSA, Eduardo Andrs, supra nota 7, p. 37. 9 Cf. VELANDIA CANOSA, Eduardo Andrs, supra nota 7, p. 38.
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mais abrangente de democracia em seu discurso mais famoso como presidente dos Estados Unidos,
Abrao Lincoln a definiu, em 1863, como um governo do povo, pelo povo e para o povo10.
Nos moldes do Informe Democracia en America Latina realizado pelo Programa das
Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)11, democracia :
[...] el resultado de una intensa y denodada experiencia social e historica que se
construye da a da en las realizaciones y frustraciones, acciones y omisiones,
quehaceres, intercambios y aspiraciones de los ciudadanos, grupos sociales y
comunidades que luchan por sus derechos y edifican de forma incesante su vida
en comun. La democracia implica una forma de concebir al ser humano y
garantizar los derechos individuales. En consecuencia, ella contiene un
conjunto de principios, reglas e instituciones que organizan las relaciones
sociales, los procedimientos para elegir gobiernos y los mecanismos para
controlar su ejercicio12. (grifo nosso)
Conforme Marilena Chaui, a democracia e inveno porque, longe de ser a mera
conservao de direitos, e a criao ininterrupta de novos direitos, a subverso contnua dos
estabelecidos, a reinstituio permanente do social e do poltico13.
Nesse diapaso, e possvel observar que o significado valorativo da palavra democracia
transmuda-se com o passar dos tempos e da doutrina que a buscam conceituar. Contudo, de sua
apario at o tempo hodierno, nota-se que o mago que tange a questo democrtica a deciso
coletiva, atravs da qual todas as outras espcies de governo democrtico se moldaro e, na sua
ausncia, estaremos diante de uma pseudo-democracia. Por essa razo, para fins desse parecer,
apreenderemos democracia em sua acepo procedimental, com enfoque nos sistemas que dela se
originam e do ensejo soberania popular.
10 Cf. LINCOLN, Abrao. Discurso de Gettysburg. 19 de novembro de 1863. In: MORRIS, Richard B. (org).
Documentos bsicos da Histria dos Estados Unidos, p. 160-1. 11 Cf. Informe La democracia en America Latina. Hacia una democracia de ciudadanas y ciudadanos, Programa de
las Naciones Unidas para el Desarrollo. Buenos Aires: Alfaguara, 2004, p. 53. 12 Traduo livre: o resultado de uma intensa e valente experincia social e histrica que construda dia--dia nas
realizaes e frustraes, aes e omisses, tarefas, intercmbios e aspiraes dos cidados, grupos sociais e
comunidades que lutam por seus direitos e constroem incessantemente sua vida em comum. A democracia implica
em uma forma de conceber o ser humano e garantir os direitos individuais. Consequentemente, ela possui um conjunto
de princpios, regras e instituies que organizam as relaes sociais, os procedimentos para a escolha dos governos
e os mecanismos para controlar seu exerccio. 13 Cf. CHAUI, Marilena. In: LEFORT, Claude. A Invencao Democratica. Trad. de Isabel Marva Loureiro. So Paulo:
Brasiliense, 1983, p. 7.
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Segundo o magistrio de Norberto Bobbio, a soberania popular somente alcanada
quando h atribuio ao maior numero de cidados do direito de participar direta e indiretamente
na tomada das decises coletivas14
Destarte, teremos contemplado um sistema democrtico quando a governabilidade do
Estado residir, de forma direta ou indireta, sobre o elemento humano que o compe, qual seja, o
povo. A sociedade torna-se democrtica quando possui participao ativa na vida poltica do seu
pas de modo a definir os rumos de seu progresso ou retrocesso. As questes que se colocam em
debate no gerenciamento de um Estado, em maior ou menos grau, tangenciam os direitos de seus
cidados, tocam aos direitos humanos, razo pela qual imprescindvel a opinio de seus titulares.
nessa perspectiva que o sistema democrtico vem complementar o Estado de Direito e
estabelecer uma relao de interdependncia, vez que o mtodo democrtico indispensvel para
resguardar os direitos do homem e a salvaguarda destes imprescindvel para o funcionamento
dos sistemas democrticos.
d) Resposta ao quesito
Por todo o exposto, infere-se que a relao do sistema democrtico com os direitos
humanos, bem como do prprio sistema interamericano de proteo de direitos humanos diante
da qual a Conveno Americana de Direitos Humanos se destaca como principal instrumento
de, sobretudo, subservincia, ou seja, tanto o mtodo democrtico, como os sistemas internacionais
de proteo de direitos humanos, forem articulados para servir aos direitos humanos, seja para
possibilitar sua proteo e efetivao, seja para ensejar sua ampliao atravs de novas tutelas.
A conjugao de esforos para maquinar uma forma de governo bem como toda uma
sistemtica de cooperao e responsabilizao internacional apena se justifica se o desiderato
almejado possui legitimidade, consistncia e imprescindibilidade. Os direitos humanos, pela sua
prpria origem e fundamento, carecem de mecanismos que possibilitem sua salvaguarda de modo
coerente e eficaz, tendo em vista seu valor exmio para a humanidade.
O sistema democrtico, ao dar abertura participao dos titulares desses direitos ditos
humanos de forma irrestrita entenda-se sem discriminao oportuniza que o gerenciamento do
14 Cf. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. 6. ed., So Paulo: Brasiliense, 1995, p. 43.
20/137
Estado ao qual esto inseridos possa levar em considerao seus interesses, adotando medidas em
busca da proteo e da implementao dos direitos humanos e, a medida em que regem a vida em
sociedade concretizando a mxima governo do povo e para o povo, impelem, ao menos em tese,
eventuais abusos de poder decorrentes do seu monoplio.
luz do Pacto de San Jos da Costa Rica possvel ainda vislumbrar uma proteo dessa
relao que se estabelece entre os direitos humanos e o sistema democrtico, visto que o referido
documento determina, logo em seu prembulo, uma condio implcita para a efetivao das
garantias previstas na propria carta, qual seja a existncia de instituies democrticas. Ademais,
no raras vezes l-se a expresso numa sociedade democrtica nos excertos da Conveno
destinados a contextualizar o ambiente em que se pretende salvaguardar determinado direito.
Por fim, vale destacar que todas as consideraes aqui delineadas no so estanques,
muito menos pretendem esgotar os assuntos tratados. Outrossim, buscou-se transparecer a
relevncia substancial e histrica dos direitos humanos para justificar a existncia de uma forma
de governo que se coloca a seu servio, levando em considerao as deliberaes consensuais de
seus titulares seja de forma direta ou indireta e visando o progresso constante da humanidade
na consolidao de novos direitos e na proteo daqueles j reconhecidos.
21/137
2.2 Resposta Pergunta A.2
A.2) Qual a relao entre a Conveno Americana sobre Direitos Humanos, a Declarao
Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Carta Democrtica Interamericana?
a) Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem
A Declarao Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem foi aprovada na nona
conferncia internacional americana, realizada em Bogot, em abril de 1948, antes mesmo da
Declarao Universal dos Direitos Humanos, de dezembro do mesmo ano.
A Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem no dispe de qualquer
instrumento de proteo especfico. Embora empreste os instrumentos do Sistema Interamericano
(Comisso e Corte), no os utiliza de forma expressiva. A CIDH pode atuar na defesa da
Declarao, com fundamento nos artigos 1.2.b e 20 do seu regulamento. Esta Eminente Corte IDH,
por sua vez, na OC-10/89, reconheceu seu carter normativo para fins do art. 64.1 da CADH. Por
conseguinte, esta Eminente Corte IDH pode emitir pareceres sobre a declarao (em acordo com
o artigo 64.1 e 29 d CADH).
A Declarao Americana prev um rol de direitos e deveres eminentemente civis e
polticos, sendo que alguns esto relacionados defesa do sistema democrtico. Encontra-se
previsto, no artigo 20, o direito de sufrgio e de participao no governo (ex: voto secreto,
peridico e livre), ao qual se assemelha o artigo 23 (direitos polticos) da CADH. Ao prever este
direito, o artigo 25 fomenta e permite a existncia do sistema democrtico. O artigo 28 estabelece
os limites dos diretos do homem dentre os quais o desenvolvimento democrtico. O artigo 32 prev
o dever do sufrgio, o que contua a indissociabilidade do regime democrtico vis-a-vis e os direitos
humanos, irrenunciveis, inalienveis e imprescritveis. O artigo 34 (dever de servir coletividade
e Nao) em seu final prev o dever de desempenhar os cargos de eleio popular de que for
incumbida no estado de que for nacional, um exemplo deste dever seria participao nas eleies
como mesrio. Outrossim, o artigo 37 onde se prev que: Todo estrangeiro tem o dever de se
abster de tomar parte nas atividades polticas que, de acordo com a Lei, sejam privativas dos
cidados do Estado onde se encontrar.
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b) Conveno Americana sobre Direitos Humanos
A CADH reconhece que os direitos essenciais derivam dos atributos da pessoa humana,
razo por que justificam uma proteo internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou
complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos. Considerando que estes
princpios foram consagrados na Carta da Organizao dos Estados Americanos, na Declarao
Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declarao Universal dos Direitos do Homem e
que foram reafirmados e desenvolvidos em outros instrumentos internacionais, tanto de mbito
mundial como regional.
De acordo com a Declarao Universal dos Direitos do Homem, s pode ser realizado o
ideal do ser humano livre, isento do temor e da misria, se forem criadas condies que permitam a
cada pessoa gozar dos seus direitos econmicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis
e polticos; Considerando que a Terceira Conferncia Interamericana Extraordinria (Buenos Aires,
1967) aprovou a incorporao prpria Carta da Organizao de normas mais amplas sobre direitos
econmicos, sociais e educacionais e resolveu que uma conveno interamericana sobre direitos
humanos determinasse a estrutura, competncia e processo dos rgos encarregados dessa matria.
A CADH consagra os direitos polticos em seu artigo 23. Tais direitos esto circunscritos
quele ncleo relacionado ao votar e ser votado, isto , excluindo-se a dimenso de participao e
acesso aos cargos pblicos numa concepo mais alargada. Esse diploma, em razo da gravidade
dos direitos polticos, ab initio, enuncia as possibilidades especficas de sua restrio, devendo tal
clusula ser lida numerus clausus: motivo de idade, nacionalidade, residncia, idioma, instruo,
capacidade civil ou mental, ou condenao por juiz competente em processo penal. Essas so as
nicas restries aos direitos e oportunidades de participao poltica acolhidas pela norma
convencional, dada a repercusso desses direitos fundamentais. E a magnitude de tais normas fica
ainda mais ntida quando a CADH exclui da possibilidade de suspenso das garantias (dispositivo
emergencial da Conveno do artigo 27) em momentos de grave instabilidade, exatamente, os
direitos polticos e aqueles necessrios para seu usufruto.
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Em 2005, esta Eminente Corte IDH teve a oportunidade de se manifestar sobre os direitos
polticos no caso Yatama vs. Nicaragua15. Neste precedente, vrias pessoas foram impedidas de
participar do pleito municipal do ano 2000, nas regies autnomas do Atlntico Norte e Atlntico
Sul, em razo de uma resoluo restritiva emitida pelo Conselho Supremo Eleitoral. No caso
Yatama, seus candidatos j haviam participado das eleies de 1990 e 1996 como organizao
de subscrio popular. Estas associaes permitiam a participao poltica desde que se reunisse
um mnimo de 5% de eleitores na respectiva circunscrio eleitoral inscritos na lista de eleitores
da eleio anterior. Na eleio do ano 2000, foi suprimida pela lei eleitoral, esta figura de
participao popular 09 (nove) meses antes das eleies, admitindo-se, exclusivamente, a atuao
por meio de partidos polticos, meio imprprio e desconhecido daquelas populaes indgenas. O
Yatama terminou por no apresentar candidato, no tendo participado das eleies municipais do
ano 2000, em virtude do indeferimento de seu registro, pela Justia Especializada, pelo
descumprimento do tempo mnimo de seis meses da existncia do partido antes das eleies. A
exigncia da constituio do partido poltico foi compreendida, diante das circunstncias
especficas das vtimas atingidas, como atentatria aos direitos polticos dos envolvidos, porque
representava um grave obstculo sua efetiva participao poltica.
De todo modo, o Estado da Nicargua foi condenado pela violao do artigo 23 da
Conveno Americana, dentre outros dispositivos mencionados na deciso. Todavia, na mais
recente apreciao, no caso Castaeda Gutman v. Mxico16, em 6 de agosto de 2008, novamente,
o tema veio baila. O senhor Castaeda Gutman pretendeu concorrer ao cargo de presidente do
Mxico sem ser filiado a partido poltico e fora do prazo estabelecido pela legislao local, com
fundamento no artigo 23 da Conveno Americana. Neste caso, de se notar a expedio de
medida cautelar pela CIDH conferindo, ao autor, o registro de candidato presidente. Esta
eminente Corte IDH, entendeu a necessidade de filiao partidria como uma necessidade social
imperativa (interesse pblico imperativo) pelas seguintes razes: a necessidade de criar e fortalecer
os sistemas de partidos como uma resposta a uma realidade histrica, poltica e social; a
necessidade de organizar de forma eficaz o processo eleitoral num universo de eleitores de 75
15 Cf. Corte IDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia
de 23 de junio de 2005. Serie C No. 127. 16 Cf. Corte IDH. Caso Castaeda Gutman Vs. Mxico. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas.
Sentencia de 6 de agosto de 2008. Serie C No. 184.
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milhes de pessoas; a necessidade de financiamento predominantemente pblico para assegurar o
desenvolvimento de eleies autnticas e livres em igualdade de condies e, finalmente, a
necessidade de fiscalizar os recursos usados nas eleies.
Observa-se que esta Honorvel Corte IDH, ao analisar a restrio de um direito
fundamental, indaga se tal limitao necessria para o funcionamento de uma sociedade
democrtica, como no caso da exigncia reputada como convencional de filiao partidria
do candidato, levando em considerao o disposto nas suas normas prprias de interpretao
(artigos 29, 30 e 32 da CADH). E, examina se as hipteses para o afastamento da capacidade
eleitoral passiva se encontram naqueles casos taxativos, apontados pela CADH em seu artigo 23.
c) Carta Democrtica Interamericana
A OEA, com passar dos anos, buscou construir um rico sistema de proteo aos Direitos
Humanos dentro do continente americano. Em face disto, nasceram inmeros instrumentos, pactos
e resolues que proclamam e protegem direitos. Nesta toada, surge a Carta Democrtica
Interamericana, objetivando fortalecer a Democracia Representativa e visando aprimor-la,
considerando-a vital para a construo de Estados mais justos dentro da Amrica.
A Carta Democrtica uma resoluo aprovada por uma Assembleia Extraordinria em
11 de Setembro de 2001, realizada em Lima, no Peru. dividida em seis captulos, possuindo 28
artigos e sua jurisdio vale a todos os membros ativos da OEA.
Dentre os captulos do referido documento, destaca-se o 4 (Fortalecimento e preservao
da institucionalidade democrtica), que vm, nos ltimos anos, gerando grande repercusso quanto
as metamorfoses dos governos democrticos na Amrica, sendo de principal relevncia os
processos polticos de destituio de presidentes constitucional e democraticamente eleitos
existentes.
A consequncia mais gravosa que a Carta prev a suspenso do Estado que violou de
forma mais danosa a democracia, valor esculpido na Carta da OEA. O que aconteceu, por exemplo,
com o Estado de Honduras em 200917.
17 Cf. AYUSO, Silvia. Entenda a Carta Democrtica da OEA, acionada para o caso da Venezuela. Disponvel em:
, acesso em 18-jan-2018.
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Alm da denncia dos demais Estados membros, o representante do prprio Estado que
est sofrendo uma mudana na ordem democrtica pode recorrer ao Secretrio Geral, ou ao
Conselho permanente, que podem agir de ofcio, a fim de preservar ilesa a ordem democrtica do
Estado ameaado, conforme os artigos 17 e 18 da Carta.
d) Resposta ao quesito
Defronte aos pontos esposados, chega-se ao entendimento que a relao existente entre a
Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Conveno Americana de Direitos
Humanos e a Carta Democrtica Interamericana constitui a defesa do sistema democrtico como
forma de governo, visto que tais instrumentos normativos almejam a defesa, perpetuao e
proteo da democracia como fundamental para a proteo dos direitos humanos.
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2.3 Resposta Pergunta A.3
A.3) A Carta Democrtica Interamericana e em que medida um instrumento de apoio
interpretao e aplicao da Conveno Americana sobre Direitos Humanos e da
Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem em casos concretos em que se
aleguem violaes de direitos humanos em contextos de fragilidade ou ruptura da
institucionalidade democrtica?
a) Consideraes iniciais sobre a Carta Democrtica Interamericana
A Carta Democrtica Americana estabelece em seu prembulo que qualquer alterao
ou ruptura institucional da ordem democrtica18 constitui um obstculo insupervel para que o
governo desse estado participe na Cpula das Amricas.
Ela tambm considera que as clusulas de mecanismos regionais e sub-regionais (tais
como o SIDH) expressam os mesmos objetivos da Carta.
Desta feita, conclui-se que a Carta Democrtica Interamericana no uma fonte
normativa aplicvel aos pases do Pacto de San Jos, mas definitivamente seria um instrumento
interpretativo, j que os objetivos da Carta Democrtica Interamericana convergem com os
objetivos dos mecanismos regionais de proteo a democracia, que tambm constitui um direito
humano.
18 RECORDANDO que os Chefes de Estado e de Governo das Amricas, reunidos na Terceira Cpula das Amricas,
realizada de 20 a 22 de abril de 2001 na Cidade de Qubec, adotaram uma clusula democrtica que estabelece que
qualquer alterao ou ruptura inconstitucional da ordem democrtica em um Estado do Hemisfrio constitui um
obstculo insupervel participao do Governo do referido Estado no processo de Cpulas das Amricas. (...) ... as
clusulas democrticas existentes nos mecanismos regionais e sub-regionais expressam os mesmos objetivos que a
clusula democrtica adotada pelos Chefes de Estado e de Governo na Cidade de Qubec;
Carta Democrtica Interamericana, 11 de setembro de 2001. Disponvel em
http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm
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A Resoluo AG/RES. 1080 (XXI-O/91)19 estipula um mecanismo de ao coletiva em
caso de ruptura irregular da ordem e do processo poltico democrtico, bem como do legtimo
exerccio de um governo democraticamente eleito.
Nesse sentido, qualquer ruptura do regime democrtico por qualquer ordem (isso
incluindo processos ilegtimos ou ilegais de impeachment) poderiam vir a entrar nessa hiptese de
quebra legal do sistema jurdico.
Denota-se, igualmente, que a Carta Democrtica Interamericana no tem como nico
objetivo a proteo da democracia em casos de transgresses institucionais. Contudo, os Estados
signatrios tm o dever de promov-la e consolid-la, tomando aes efetivas para tanto20.
Isto posto, possvel cogitar que a aplicao normativa do Pacto de San Jos da Costa
Rica, assim como as decises desta Eminente Corte, que obrigam os Estados-signatrios do Pacto,
constituem instrumentos normativos e institucionais de proteo democracia, que, conforme j
esboado, consiste em um direito humano essencial para a proteo at mesmo de outros direitos,
mxime os direitos liberdade de expresso, reunio, associao, voto universal e sigiloso
peridico, entre outros previstos no Pacto de San Jos da Costa Rica.
Ademais, os chefes de Estado que assinaram a Carta Democrtica Interamericana
reconhecem as clusulas da Carta, da mesma forma reconheceram a atuao do Conselho
Permanente de Segurana da ONU para fortalecer e ampliar a democracia, estando, inclusive, em
conformidade com a Carta da OEA, que tambm um documento basilar para o Sistema
19 LEVANDO EM CONTA que, no Compromisso de Santiago com a Democracia e a Renovao do Sistema
Interamericano, os Ministros das Relaes Exteriores expressaram sua determinao de adotar um conjunto de
procedimentos eficazes, oportunos e expeditos para assegurar a promoo e defesa da democracia representativa,
respeitado o princpio da no-interveno, e que a resoluo AG/RES. 1080 (XXI-O/91) estabeleceu,
consequentemente, um mecanismo de ao coletiva para o caso em que ocorresse uma interrupo abrupta ou irregular
do processo poltico institucional democrtico ou do legtimo exerccio do poder por um governo democraticamente
eleito em qualquer dos Estados membros da Organizao, materializando, assim, uma antiga aspirao do Continente
de responder rpida e coletivamente em defesa da democracia. Carta Democrtica Interamericana, 11 de setembro de
2001. Disponvel em http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm
20 A misso da Organizao no se limita defesa da democracia nos casos de rompimento de seus valores e
princpios fundamentais, mas tambm exige um trabalho permanente e criativo destinado a consolid-la. Carta
Democrtica Interamericana, 11 de setembro de 2001. Disponvel em
http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm
http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htmhttp://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm
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Interamericano de Proteo aos Direitos Humanos, junto com o Pacto de San Jos da Costa Rica,
que prev direitos, bem como mecanismos para a efetivao desses direitos21.
Os direitos e obrigaes dos Estados elencados na Carta da OEA constituem e limitam os
Estados Democrticos Americanos22.
A prpria Carta Democrtica Interamericana apresenta uma srie de direitos humanos
importantes no que diz respeito aos processos polticos referentes ao impeachment e outros direitos
polticos essenciais para o processo democrtico.
Os arts. 1, 2, 3, 4, em sua essncia, obrigam todos os estados signatrios a adotarem
e protegerem os regimes democrticos. Neste mesmo vis poderia se prever a hiptese em que
rupturas institucionais que ameacem a democracia, inclusive por meio de processo de
impeachment ilegal que viola garantias como transparncia, eleies peridicas, universais e
secretas, pluralismo poltico e independncia entres os Poderes. Estipula igualmente que o Estado
deve ser responsabilizado por suas condutas e submetido ao Estado Democrtico de Direito23.
J o art. 8 estipula que qualquer um que sinta que seus direitos humanos foram lesados,
podem interpor denncias perante o SIDH, conforme os procedimentos nele estabelecidos. Ora,
de conhecimento que o Sistema Interamericano possui esse procedimento previsto na Conveno
21 Os Ministros das Relaes Exteriores das Amricas, por ocasio do Trigsimo Primeiro Perodo Ordinrio de
Sesses da Assembleia Geral em So Jos, Costa Rica, dando cumprimento expressa instruo dos Chefes de Estado
e Governo reunidos na Terceira Cpula das Amricas, realizada na Cidade de Qubec, aceitaram o documento de base
da Carta Democrtica Interamericana e encarregaram o Conselho Permanente de fortalec-la e ampli-la, em
conformidade com a Carta da OEA, para sua aprovao definitiva em um perodo extraordinrio de sesses da
Assembleia Geral em Lima, Peru. Carta Democrtica Interamericana, 11 de setembro de 2001. Disponvel em
http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm 22Todos os direitos e obrigaes dos Estados membros nos termos da Carta da OEA representam o fundamento sobre
o qual esto constitudos os princpios democrticos do Hemisfrio. 23Artigo 1: Os povos da Amrica tm direito democracia e seus governos tm a obrigao de promov-la e defend-
la.
A democracia essencial para o desenvolvimento social, poltico e econmico dos povos das Amricas.
Artigo 2: O exerccio efetivo da democracia representativa a base do Estado de Direito e dos regimes constitucionais
dos Estados membros da Organizao dos Estados Americanos. A democracia representativa refora-se e aprofunda-
se com a participao permanente, tica e responsvel dos cidados em um marco de legalidade, em conformidade
com a respectiva ordem constitucional.
Artigo 3: So elementos essenciais da democracia representativa, entre outros, o respeito aos direitos humanos e s
liberdades fundamentais, o acesso ao poder e seu exerccio com sujeio ao Estado de Direito, a celebrao de eleies
peridicas, livres, justas e baseadas no sufrgio universal e secreto como expresso da soberania do povo, o regime
pluralista de partidos e organizaes polticas, e a separao e independncia dos poderes pblicos.
Artigo 4: So componentes fundamentais do exerccio da democracia a transparncia das atividades governamentais,
a probidade, a responsabilidade dos governos na gesto pblica, o respeito dos direitos sociais e a liberdade de
expresso e de imprensa.
A subordinao constitucional de todas as instituies do Estado autoridade civil legalmente constituda e o respeito
ao Estado de Direito por todas as instituies e setores da sociedade so igualmente fundamentais para a democracia.
http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm
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Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica), reafirmando o objetivo dos
Estados de consolidar a democracia nas Amricas24.
Nesse sentido, uma petio pode ser feita e remetida Comisso Interamericana para que
seja feito um juzo de admissibilidade do caso para ser ento enviado Corte Interamericana para
julgamento. Cabe ressaltar que a Comisso no se trata de rgo jurisdicional, tendo em vista que
no emite decises judiciais, mas tenta, por vias polticas, encerrar a lide e analisar a possibilidade
de um caso ingressar na Corte.
O juzo de admissibilidade, no caso, analisa elementos como esgotamento de recursos
internos, salvo demora injustificada por mais de 10 anos, ausncia de acesso Justia ou
julgamentos fraudulentos. No encontrando admissibilidade, o caso no pode ingressar na Corte
para julgamento.
A Comisso tambm capaz de denunciar violaes via Relatrios, tais como o do caso
do Golpe de Estado em Honduras, no ano de 2009.
Assim, a Comisso, que um dos dois rgos do Sistema Interamericano de Proteo aos
Direitos Humanos encontra, de certo, respaldo normativo no Pacto de San Jos da Costa Rica para
invocar tal denncia, mas tambm poderia encontrar, mesmo que para fins interpretativos,
fundamento na Carta Democrtica Interamericana, j que ela prpria estipula que os estados
signatrios reafirmam os objetivos da Conveno Americana, considerando o Sistema
Interamericano de Proteo aos Direitos Humanos um meio de efetivao competente para a
promoo e proteo da democracia nas Amricas.
De outra banda, o art. 17 estipula que na hiptese de um Estado signatrio considerar que
o processo poltico institucional ou governo legitimamente eleito estiver em risco, pode recorrer
ao Secretrio-Geral ou ao Conselho Permanente, para requisitar auxlio para proteo da ordem
democrtica estabelecida25.
24Artigo 8: Qualquer pessoa ou grupo de pessoas que considere que seus direitos humanos tenham sido violados pode
interpor denncias ou peties perante o sistema interamericano de promoo e proteo dos direitos humanos,
conforme os procedimentos nele estabelecidos.
Os Estados membros reafirmam sua inteno de fortalecer o sistema interamericano de proteo dos direitos humanos,
para a consolidao da democracia no Hemisfrio. 25Artigo 17: Quando o governo de um Estado membro considerar que seu processo poltico institucional democrtico
ou seu legtimo exerccio do poder est em risco poder recorrer ao Secretrio-Geral ou ao Conselho Permanente, a
fim de solicitar assistncia para o fortalecimento e preservao da institucionalidade democrtica.
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necessrio notar que em nenhum momento o art. 17 estipula que essa ruptura da ordem
deve ter origem violenta, como num golpe de Estado promovido por foras paramilitares. Esta
pode emergir do desrespeito s garantias processuais ou da ilegalidade em processos polticos de
impeachment, os quais retiram o representante do povo de seu cargo presidencial sem razes
legtimas para tanto.
De forma complementar, o art. 18 da Carta Democrtica Interamericana pontua que na
hiptese acima o Secretrio-Geral ou Conselho permanente pode, com consentimento do governo
sob tal ataque, determinar visitas e gestes para analisar a situao, devendo o Secretrio-Geral
encaminhar um relatrio destinado ao Conselho Permanente, que por sua vez ir analisar a situao
e, sendo caso, tomar medidas necessrias para preservar a democracia e fortalece-la. Isso incluiria,
por exemplo, criar restries econmicas ou at mesmo intervir com o uso da fora, caso a situao
esteja extremamente voltil26.
Nesse diapaso, o art. 19, refora algo j afirmado no prembulo da Carta Democrtica
Interamericana. Certifica que os princpios da Carta da OEA, os quais tambm fundamentam o
Sistema Interamericano, indicam que a ruptura da ordem democrtica ou alterao da ordem
constitucional configura-se como um obstculo insupervel participao na Assembleia Geral,
da Reunio de Consulta e dos Conselhos e conferencias da organizao e demais rgos
estabelecidos na OEA27.
Destarte, se um Estado incidir em ruptura institucional, tal como prevista na Carta
Democrtica Interamericana, sua participao, enquanto membro da OEA, para todos os fins
prticos, impossibilitada, enquanto persistir o problema.
Em consonncia ao cenrio de ruptura abordado alhures, os artigos 20 e 21 da Carta
abordam temas pontuais no cerne de ruptura. No caso, indicado que qualquer dos membros
26Artigo 18: Quando, em um Estado membro, ocorrerem situaes que possam afetar o desenvolvimento do processo
poltico institucional democrtico ou o legtimo exerccio do poder, o Secretrio-Geral ou o Conselho Permanente
podero, com o consentimento prvio do governo afetado, determinar visitas e outras gestes com a finalidade de
fazer uma anlise da situao. O Secretrio-Geral encaminhar um relatrio ao Conselho Permanente, o qual realizar
uma avaliao coletiva da situao e, caso seja necessrio, poder adotar decises destinadas preservao da
institucionalidade democrtica e seu fortalecimento. 27Artigo 19:Com base nos princpios da Carta da OEA, e sujeito s suas normas, e em concordncia com a clusula
democrtica contida na Declarao da Cidade de Qubec, a ruptura da ordem democrtica ou uma alterao da ordem
constitucional que afete gravemente a ordem democrtica num Estado membro constitui, enquanto persista, um
obstculo insupervel participao de seu governo nas sesses da Assemblia Geral, da Reunio de Consulta, dos
Conselhos da Organizao e das conferncias especializadas, das comisses, grupos de trabalho e demais rgos
estabelecidos na OEA.
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signatrios ou o prprio Secretrio-Geral podem solicitar ao Conselho de Segurana Permanente
da ONU uma avaliao coletiva acerca da situao em que se encontra o pas, de modo a encontrar
possveis solues para o problema de instabilidade poltica28.
Em um primeiro momento, so visadas solues diplomticas e pacficas para a crise
poltica, evitando ao mximo conflitos desnecessrios e medidas onerosas. Todavia, se as
mediaes diplomticas no restarem frutferas, o Conselho pode convocar uma Assembleia Geral
de natureza extraordinria para suspender, ao menos temporariamente, o Estado membro e resolver
o conflito tendo por base os apontamentos feitos pela Carta da OEA, o Direito Internacional e
disposies da prpria Carta Democrtica Interamericana.
importante ressaltar que mesmo um Estado membro estando suspenso, ou seja,
impassvel de participar de reunies dos rgos da OEA, ainda deve obedincia aos preceitos da
Carta da OEA, sobretudo quando se tratar de Direitos Humanos. Oportuno salientar que para alm
disso, o Estado tem tambm o dever de tentar restabelecer a democracia.
Findo o problema, qualquer Estado-signatrio ou o prprio Secretrio-Geral podem
propor Assembleia Geral que a suspenso do Estado que se encontrava em problemas
institucionais seja levantada, garantindo pleno gozo enquanto membro dos rgos da Carta da
OEA. o que se extrai da inteligncia do art. 22 da Carta Democrtica Interamericana.29
28Artigo 20: Caso num Estado membro ocorra uma alterao da ordem constitucional que afete gravemente sua ordem
democrtica, qualquer Estado membro ou o Secretrio-Geral poder solicitar a convocao imediata do Conselho
Permanente para realizar uma avaliao coletiva da situao e adotar as decises que julgar convenientes.
O Conselho Permanente, segundo a situao, poder determinar a realizao das gestes diplomticas necessrias,
incluindo os bons ofcios, para promover a normalizao da institucionalidade democrtica. Se as gestes diplomticas
se revelarem infrutferas ou a urgncia da situao aconselhar, o Conselho Permanente convocar imediatamente um
perodo extraordinrio de sesses da Assembleia Geral para que esta adote as decises que julgar apropriadas,
incluindo gestes diplomticas, em conformidade com a Carta da Organizao, o Direito Internacional e as disposies
desta Carta Democrtica. No processo, sero realizadas as gestes diplomticas necessrias, incluindo os bons ofcios,
para promover a normalizao da institucionalidade democrtica.
Artigo 21: Quando a Assembleia Geral, convocada para um perodo extraordinrio de sesses, constatar que ocorreu
a ruptura da ordem democrtica num Estado membro e que as gestes diplomticas tenham sido infrutferas, em
conformidade com a Carta da OEA tomar a deciso de suspender o referido Estado membro do exerccio de seu
direito de participao na OEA mediante o voto afirmativo de dois teros dos Estados membros. A suspenso entrar
em vigor imediatamente.
O Estado membro que tiver sido objeto de suspenso dever continuar observando o cumprimento de suas obrigaes
como membro da Organizao, em particular em matria de direitos humanos. Adotada a deciso de suspender um
governo, a Organizao manter suas gestes diplomticas para o restabelecimento da democracia no Estado membro
afetado. 29Artigo 22: Uma vez superada a deciso que motivou a suspenso, qualquer Estado membro ou o Secretrio-Geral
poder propor Assembleia Geral o levantamento da suspenso. Esta deciso ser adotada pelo voto de dois teros
dos Estados membros, de acordo com a Carta da OEA.
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b) A Carta Democrtica Interamericana como um instrumento de apoio interpretao e
aplicao da Conveno Americana sobre Direitos Humanos e da Declarao Americana
dos Direitos e Deveres do Homem
Preambularmente, a Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem prev que
as instituies polticas e jurdicas da sociedade tm como fundamento principal a proteo dos
direitos humanos to essenciais para a convivncia harmnica, pacfica e livre em sociedade30.
Esses determinados direitos no se originam em razo da nacionalidade, mas antes de
qualquer coisa, pela condio de pessoa humana ostentada por cada indivduo31. Nessa senda, esses
direitos pertencem a todos, sem qualquer distino. Tomando este cenrio como ponto de partida,
considera-se que todos os seres humanos nascem livre e iguais em dignidade e direitos, dotados
de capacidade racional e de conscincia, tendo o dever de agir de forma solidria e fraterna entre
si.
por esse ideal que se torna imperativo estabelecer um sistema de proteo a esses
direitos por parte dos Estados das Amricas, cada um em suas respectivas circunstncias e
localidades. Referido comando no torna menos importante a participao e colaborao entre
esses mesmos Estados americanos para promover e proteger tais direitos32.
No tocante aos direitos e deveres, a Declarao Americana prev ainda que eles tm
correlao entre si e igual importncia. Conclui-se, portanto, que os direitos no so mais
importantes que os deveres, nem os deveres mostram-se mais importante que direitos. Neste vis,
saliente-se que ambas as categorias so necessrias em uma sociedade que almeja um mundo mais
30As instituies jurdicas e polticas, que regem a vida em sociedade, tm como finalidade principal a proteo dos direitos
essenciais do homem. Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, 1948. Disponvel em
https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm 31os direitos essenciais do homem no derivam do fato de ser ele cidado de determinado Estado, mas sim do fato dos
direitos terem como base os atributos da pessoa humana. Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem,
1948. Disponvel em https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm 32Que a consagrao americana dos direitos essenciais do homem, unida s garantias oferecidas pelo regime interno dos
Estados, estabelece o sistema inicial de proteo que os Estados americanos consideram adequado s atuais
circunstncias sociais e jurdicas, no deixando de reconhecer, porm, que devero fortalec-lo cada vez mais no terreno
internacional, medida que essas circunstncias se tornem mais propcias. Declarao Americana dos Direitos e
Deveres do Homem, 1948. Disponvel em
https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm
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livre, justo e pacfico33. Tendo este cenrio como plano de fundo, imperioso se mostra a abordagem
de alguns direitos e deveres especficos presentes na Declarao.
O Captulo primeiro trata dos direitos e por este motivo ser analisado primeiro.
O art. XVII trata do direito que todas as pessoas tm de serem reconhecidas como tal,
possuindo direitos e obrigaes, bem como do gozo de direitos civis fundamentais34.
O art. XVIII garante que todas as pessoas podem recorrer aos tribunais buscando o
respeito aos seus direitos. Isso inclui qualquer direito fundamental consagrado
constitucionalmente. Isto , no apenas os Direitos Humanos previstos em mbito internacional,
mas tambm os direitos fundamentais previstos dentro do ordenamento interno. Em outras
palavras, tal artigo tem por escopo salvaguardar os diretos impressos no bloco de
constitucionalidade.
Destarte, um eventual processo de impeachment que ocorra de forma ilegtima ou ilegal
incidiria na violao de direitos polticos e processuais constitucionalmente previstos. Verificada
tal situao, certeira seria a aplicao do art. XVIII da Declarao Americana35.
J o art. XX estabelece que todas as pessoas legalmente capacitadas tm o direito de
participar do governo. Tal participao acontece atravs de representantes eleitos, ou da atuao
do cidado como candidato visando um cago eletivo. Esse sistema se materializa atravs de votos
sigilosos, peridicos, livres e genunos. Com efeito, por genuno entende-se sem irregularidades
ou vcios, uma vez que se assim no for, as eleies sero cobertas pelo manto da fraude36.
De outra banda, o art. XXIV garante que todos podem peticionar para qualquer autoridade
competente. A matria do peticionamento pode ser particular ou de ordem pblica37.
33O cumprimento do dever de cada um exigncia do direito de todos. Direitos e deveres integram-se correlativamente
em toda a atividade social e poltica do homem. Se os direitos exaltam a liberdade individual, os deveres exprimem a
dignidade dessa liberdade. Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, 1948. Disponvel em
https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm 34Artigo XVII. Toda pessoa tem direito a ser reconhecida, seja onde for, como pessoa com direitos e obrigaes, e a
gozar dos direitos civis fundamentais. Direito de reconhecimento da personalidade jurdica e dos direitos civis. 35Artigo XVIII. Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar,
outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justia a proteja contra 36Artigo XX. Toda pessoa, legalmente capacitada, tem o direito de tomar parte no governo do seu pas, quer diretamente,
quer atravs de seus representantes, e de participar das eleies, que se processaro por voto secreto, de uma maneira
genuna, peridica e livre. Direito de sufrgio e de participao no governo. 37Artigo XXIV. Toda pessoa tem o direito de apresentar peties respeitosas a qualquer autoridade competente, quer por
motivo de interesse geral, quer de interesse particular, assim como o de obter uma soluo rpida. Direito de petio.
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O art. XXVI prev um importante direito processual, qualquer que seja o processo. H de
se partir do princpio de que todos so inocentes enquanto h investigao e processamento
referente a um delito, de forma pblica e imparcial. Referido diploma tambm preconiza que os
indivduos devem ser julgados por juzes naturais e competentes, com penalidades proporcionais
e previstas anteriormente em lei38.
oportuno salientar que os crimes de responsabilidade, tal qual previstos no
ordenamento brasileiro, por exemplo, no seriam propriamente crimes, pois no h sanes penais
para tanto, embora possam fundamentar o impeachment de um Presidente da Repblica que venha
a comet-los.
Todavia, seja ou no um delito penal, ftico que em qualquer das hipteses h de se
respeitar a presuno de inocncia, sendo que a violao desse direito impulsionaria a violao de
outros direitos, at mesmo a ordem democrtica, direito humano revestido de interesse geral.
O art. XXVIII apresenta-se como uma clusula de limitao dos direitos dos indivduos.
No caso, os direitos de cada cidado encontram limites quando analisados de uma forma coletiva
e comparativa, ou seja, isso quer dizer que os direitos do homem esto limitados pelos direitos do
prximo, tendo como vetor a segurana de todos e as justas exigncias do bem-estar geral e do
desenvolvimento democrtico. Nesse diapaso, um processo de impeachment encontra sua
limitao em Lei, de modo a garantir no apenas o direito de cada pessoa, mas tambm o bem-
estar geral da nao e o desenvolvimento democrtico39.
Finda a anlise dos direitos pertinentes ao estudo em tela, importante avaliar o captulo
segundo da Declarao Americana, que trata dos deveres impostos a todas as pessoas.
Com efeito, conveniente abordar dois deveres especficos.
O art. XXXII prev que toda pessoa tem o dever de participar do processo eleitoral do
pas em que possuir nacionalidade, caso esteja habilitada para tanto40.
38Artigo XXVI. Parte-se do princpio que todo acusado inocente, at provar-se-lhe a culpabilidade. Toda pessoa acusada
de um delito tem o direito de ser ouvida numa forma imparcial e pblica, de ser julgada por tribunais j estabelecidos de
acordo com leis preexistentes, e de que se lhe no inflijam penas cruis, infamantes ou inusitadas. Direito a processo
regular. 39Artigo XXVIII. Os direitos do homem esto limitados pelos direitos do prximo, pela segurana de todos e pelas justas
exigncias do bem-estar geral e do desenvolvimento democrtico. Alcance dos direitos do homem. 40Artigo XXXII. Toda pessoa tem o dever de votar nas eleies populares do pas de que for nacional, quando estiver
legalmente habilitada para isso. Dever do sufrgio.
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latente o pensamento de que em um golpe de estado, seja ele por meio do uso da fora,
seja atravs de mecanismos polticos ou at mesmo por manejos jurdicos, o direito ao voto restar-
se- violado, podendo ser, portanto, ajuizadas aes que busquem a regularidade e a
responsabilizao por parte de quem quer que tenha violado direitos humanos e direitos
constitucionalmente garantidos como fundamentais.
No obstante, o art. XXXIII estipula que todos devem obedincia lei. Por bvio, que
isso incluiria os prprios governantes e agentes pblicos. Nesse sentido, havendo uma violao a
um regular processo de impeachment contra um Presidente da Repblica constitucionalmente e
democraticamente eleito, haveria de se responsabilizar quem quer que tenha cometido tal infrao,
inclusive se tratando de agentes do prprio Estado que conspirem contra a ordem constitucional e
democrtica do pas.
c) Casos concretos em que foram alegadas violaes de direitos humanos em contextos de
fragilidade ou ruptura da institucionalidade democrtica
Superada anlise das consideraes relevantes acerca da Carta Democrtica
Interamericana, interessante se mostra a exemplificao de como ela pode ser vista como um
instrumento de apoio interpretao e aplicao da Conveno Americana sobre Direitos
Humanos e da Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Para tanto, a maneira
mais eficaz de abordar os parmetros jurisdicionais analisar os precedentes do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos em que a Carta foi, efetivamente, aplicada com este
propsito.
1) Golpe de Estado em Honduras no ano de 2009
Este no foi propriamente um caso submetido jurisdio desta Honorvel Corte IDH,
mas um pronunciamento da Comisso Interamericana de Direitos Humanos a respeito do Golpe
de Estado ocorrido em Honduras, em 2009.
O ento presidente Manuel Zelaya, que governava o pas desde 2006, tentou realizar, sem
apoio poltico, um referendo popular para alterar a Constituio do pas de modo que passasse a
ser permitida a reeleio presidencial.
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Zelaya havia sido eleito como um candidato de extrema-direita, porm, no decorrer de
seu governo, aliou-se ao ento Presidente da Venezuela, Hugo Chvez, o qual se mantinha no
poder h muitos anos com consultas peridicas populao.
Ocorre que, a estratgia de Zelaya no possua a maioria do Congresso. No dia 28 de
junho de 2009, Zelaya foi detido por militares em sua residncia, caracterizando-se um golpe de
Estado.
Mediante um pronunciamento veiculado por um comunicado de imprensa, a Comisso
enfatizou a importncia de se preservar a democracia, objetivo claro da Carta Democrtica
Interamericana. Posteriormente, o pronunciamento se tornou um Relatrio, divulgado no mesmo
ano, com o objetivo de denunciar essa violao aos princpios democrticos. A Comisso, neste
relatrio, condenou a ruptura da ordem constitucional em Honduras e fez um apelo para que fosse
restaurada a ordem democrtica e o respeito aos direitos humanos, ao Estado de Direito e Carta
Democrtica Interamericana em Honduras. Para tanto, a Comisso citou, de forma expressa, a
Carta, com o objetivo de fundamentar seu relatrio e condenar a clara violao ao regime
democrtico41.
A prpria Organizao dos Estados Americanos considerou tal violao to grave que
decidiu suspender a participao do Estado de Honduras no organismo: a primeira suspenso de
um Estado-membro da OEA desde a assinatura da Carta Democrtica Interamericana, em 2001.
2) Caso Tribunal Constitucional (Camba Campos e outros) vs Equador
O presente caso ocorreu em 2013 e tratou de destituies arbitrrias de oito
membros do Tribunal Constitucional do Equador, por uma deciso de seu Congresso Nacional no
dia 25 de novembro de 2004, alm do processo de impeachment contra alguns desses magistrados.
As destituies e os processos de impeachment foram realizados sem que lhes fossem oferecidas
41Quanto ao golpe de Estado ocorrido em Honduras, em 2009, a Comisso se pronunciou inicialmente mediante um
comunicado de imprensa e, posteriormente, de um relatrio de pas publicado no mesmo ano.1 ACIDH condenou
energicamente, em 28 de junho de 2009, a ruptura da ordem constitucional em Honduras, e fez um apelo urgente
para a restaurao da ordem democrtica e do respeito aos direitos humanos, ao Estado de Direito e Carta
Democrtica Interamericana em Honduras CIDH. Comunicado de Imprensa No 42/09: CIDH condena energicamente
o golpe de Estado em Honduras, 28 de junho de 2009. Disponvel em
http://www.cidh.org/Comunicados/Spanish/2009/42-09sp.htm.
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garantias processuais. As vtimas no tiveram a oportunidade de usufruir do direito defesa. Sem
motivo algum, foram impedidas de interpor recursos de amparo contra tais decises.
Em 23 de fevereiro de 2005, Miguel Camba Campos e outros sete ex-magistrados
do Tribunal Constitucional peticionaram perante a Comisso Interamericana de Direitos Humanos,
que declarou a petio admissvel e prosseguiu para a anlise do mrito. Em julho de 2011, a
Comisso concluiu que o Estado foi responsvel por violar o direito a um julgamento justo, isto ,
o Estado violou os artigos 8, 9 e 25 da Conveno Americana de Direitos Humanos. Desse modo,
decidiu-se que o Estado violou garantias judiciais, princpio da legalidade e proteo judicial,
sendo feita uma srie de recomendaes para que fossem sanadas as violaes praticadas
Em novembro de 2011, pela necessidade de obter justia para as vtimas, pois o
Estado falhou em cumprir com as recomendaes, e pelo interesse pblico americano que o caso
representa, a Comisso submeteu o caso Corte Interamericana.
J em 28 de agosto de 2013, esta Eminente Corte IDH declarou o Estado do Equador
culpado pelas violaes de direitos humanos ocorridas nas destituies e nos processos de
impeachment dos referidos magistrados.
No referido caso, esta Honorvel Corte IDH citou o artigo 3 da Carta, o qual dispe
que:
So elementos essenciais da democracia representativa, entre outros, o respeito aos
direitos humanos e s liberdades fundamentais, o acesso ao poder e seu exerccio com
sujeio ao Estado de Direito, a celebrao de eleies peridicas, livres, justas e baseadas
no sufrgio universal e secreto como expresso da soberania do povo, o regime pluralista
de partidos e organizaes polticas, e a separao e independncia dos poderes pblicos.
Ainda que este caso tenha tratado de julgamento de magistrados, e no de
presidentes, o fato que este Honorvel Tribunal Interamericano utilizou a Carta Democrtica
Interamericana como instrumento de apoio, tendo, inclusive, citado um artigo da Carta em sua
deciso, a fim de fundament-la. A Carta se aplica, como ela propria dispe, a qualquer alterao
ou ruptura institucional da ordem democrtica.
Esta Honorvel Corte IDH concluiu que a destituio de todos os membros do
Tribunal Constitucional implicou uma desestabilizao da ordem democrtica existente nesse
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momento no Equador, porquanto verificou-se uma ruptura na separao e independncia dos
poderes pblicos ao desferir-se um ataque s trs altas Cortes do Equador nesse momento42.
d) Resposta ao quesito
Assim, conforme o exposto, nota-se que o Sistema Interamericano j utilizou a Carta
Democrtica Interamericana em suas decises, tanto por parte da Comisso, em um comunicado
de imprensa e em um relatrio, quanto por parte desta Eminente Corte IDH, de maneira
contenciosa. certo que essa aplicao anterior da Carta em manifestaes do Sistema
Interamericano abre precedentes para que seja utilizada novamente como parmetro de apoio
interpretao do Pacto de San Jos da Costa Rica, tratado que criou a prpria Corte Interamericana
em 1969.
42Citando o artigo 3 da Carta Democrtica Interamericana, a Corte concluiu que a destituio de todos os membros
do Tribunal Constitucional implicou uma desestabilizao da ordem democrtica existente nesse momento no
Equador, porquanto verificou-se uma ruptura na separao e independncia dos poderes pblicos ao desferir-se um
ataque s trs altas Cortes do Equador nesse momento. Finalmente, ressaltou que a separao de poderes no so
guarda estreita relao com a consolidao do regime democrtico, mas tambm busca preservar as liberdades e
direitos humanos dos cidados. Cf. Corte IDH. Caso do Tribunal Constitucional (Camba Campos e outros) vs.
Equador. Excees Preliminares, Mrito, Reparaes e Custas. Sentena de 28 de agosto de 2013. Srie C No 268,
par. 221.
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2.4 Resposta Pergunta B.1
B.1) Que garantias especficas do devido processo, dispostas no artigo 8 da Conveno
Americana sobre Direitos Humanos e no artigo XVIII da Declarao Americana dos Direitos
e Deveres do Homem, so exigveis, no contexto de julgamentos polticos de Presidentes
democrtica e constitucionalmente eleito, realizados pelo Poder Legislativo?
a) Panorama do Contexto
Mormente, insta exarar que, a respeito do artigo 8 (Garantias Judiciais) da Conveno
Americana, esta Honorvel Corte declarou que as violaes a este artigo esto presentes em mais
de 95% dos casos a seu conhecimento e fez meno ao contedo e exigncias do referido artigo
em 50% de suas Opinies Consultivas. Desse modo, o fato demonstra que o tema o qual encampa
as garantias judiciais e o devido processo legal ha sido y sigue siendo uno de presencia
permanente en los casos que se presentan ante la Corte Interamericana43.
A recorrncia do tema sobre as garantias judiciais possibilitou a esta Honorvel Corte
estabelecer estales acerca das exigncias, contedo e alcance do direito s garantias judiciais
preceituados pelo artigo 8 da Conveno