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1/137 Senhor Advogado Pablo Saavedra Alessandri Secretário CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Nesta Senhor Secretário: Em cumprimento ao disposto no artigo 73.3 do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, bem como do Edital PROAC nº 14/2017, os Alunos e Professores do Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo, na cidade de Presidente Prudente SP, Brasil, mui respeitosamente, submetem para apreciação desta Honorável Corte Interamericana de Direitos Humanos, na pessoa de seu Honorável Magistrado Presidente, suas observações à Solicitação de Opinião Consultiva, formulada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Aproveitamos do ensejo para apresentar a Vossa Senhoria os nossos votos da mais elevada estima e consideração. Atenciosamente,

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Senhor Advogado

Pablo Saavedra Alessandri

Secretrio

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Nesta

Senhor Secretrio:

Em cumprimento ao disposto no artigo 73.3 do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos

Humanos, bem como do Edital PROAC n 14/2017, os Alunos e Professores do Centro

Universitrio Antnio Eufrsio de Toledo, na cidade de Presidente Prudente SP, Brasil, mui

respeitosamente, submetem para apreciao desta Honorvel Corte Interamericana de Direitos

Humanos, na pessoa de seu Honorvel Magistrado Presidente, suas observaes Solicitao de

Opinio Consultiva, formulada pela Comisso Interamericana de Direitos Humanos.

Aproveitamos do ensejo para apresentar a Vossa Senhoria os nossos votos da mais elevada estima

e considerao.

Atenciosamente,

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Corte Interamericana de Direitos Humanos

Solicitao de Opinio Consultiva

Observaes dos Alunos e Professores do

Centro Universitrio Antnio Eufrsio de Toledo de Presidente Prudente

ndice

1 Da Admissibilidade da Solicitao de Opinio Consultiva .............................................. 9

2 Anlise das Questes Apresentadas Consulta .............................................................. 11

2.1 Resposta Pergunta A.1 ................................................................................................ 11

a) Direitos humanos ......................................................................................................... 11

b) Conveno Americana de Direitos Humanos e outros instrumentos ........................ 14

c) Sistema democrtico .................................................................................................... 16

d) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 19

2.2 Resposta Pergunta A.2 ................................................................................................ 21

a) Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem ........................................ 21

b) Conveno Americana sobre Direitos Humanos ........................................................ 22

c) Carta Democrtica Interamericana ............................................................................ 24

d) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 25

2.3 Resposta Pergunta A.3 ................................................................................................ 26

a) Consideraes iniciais sobre a Carta Democrtica Interamericana ......................... 26

b) A Carta Democrtica Interamericana como um instrumento de apoio interpretao

e aplicao da Conveno Americana sobre Direitos Humanos e da Declarao

Americana dos Direitos e Deveres do Homem ............................................................ 32

c) Casos concretos em que foram alegadas violaes de direitos humanos em contextos

de fragilidade ou ruptura da institucionalidade democrtica .................................... 35

d) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 38

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2.4 Resposta Pergunta B.1 ................................................................................................ 39

a) Panorama do Contexto ................................................................................................ 39

b) O Artigo XVIII da Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, da OEA,

e o artigo 8.1 da CADH ................................................................................................ 43

c) O artigo 8.2 da CADH .................................................................................................. 45

d) O artigo 8.2.a da CADH ............................................................................................... 47

e) O artigo 8.2.b da CADH ............................................................................................... 49

f) O artigo 8.2.c da CADH ............................................................................................... 51

g) O artigo 8.2.d da CADH ............................................................................................... 53

h) O artigo 8.2.e da CADH ............................................................................................... 54

i) O artigo 8.2.f da CADH ............................................................................................... 56

j) Os artigos 8.2.g e 8.3 da CADH ................................................................................... 58

k) O artigo 8.2.h da CADH .............................................................................................. 61

l) O artigo 8.4 da CADH .................................................................................................. 64

m) O artigo 8.5 da CADH .................................................................................................. 68

n) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 69

2.5 Resposta Pergunta B.2 ................................................................................................ 70

a) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 76

2.6 Resposta pergunta B.2.1 ............................................................................................. 77

a) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 81

2.7 Resposta pergunta B.2.2 ............................................................................................. 82

a) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 87

2.8 Resposta pergunta B.2.3 ............................................................................................. 88

a) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 90

2.9 Resposta Pergunta B.3 ................................................................................................ 91

a) Noes histricas bsicas ............................................................................................. 91

b) Conceito ........................................................................................................................ 91

c) Do princpio de legalidade estabelecido no artigo 9 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos ........................................................................................................ 92

d) Do entendimento sobre o conceito de Lei para a Corte Interamericana de Direitos Humanos ...................................................................................................................... 93

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e) Dos procedimentos de julgamento poltico nos Estados que aceitaram a competncia

contenciosa da Corte IDH ........................................................................................... 94

f) Resposta ao quesito ...................................................................................................... 96

2.10 Resposta Pergunta B.4 ................................................................................................ 97

a) Resposta ao quesito .................................................................................................... 102

2.11 Resposta Pergunta B.5 .............................................................................................. 103

a) Panorama histrico-conceitual das causas de responsabilizao ............................ 103

b) Natureza das causas que fundamentam o juzo pelo Poder Legislativo .................. 104

c) Distines necessrias com as demais esferas de responsabilidade ........................ 106

d) Interpretao e compatibilizao da natureza das causas conforme o princpio da legalidade contido no artigo 9 da CADH .................................................................. 108

e) Resposta ao quesito .................................................................................................... 110

2.12 Resposta Pergunta B.6 .............................................................................................. 111

a) Resposta ao Quesito ................................................................................................... 114

2.13 Resposta Pergunta B.7 .............................................................................................. 115

a) Contextualizao entre a Democracia Representativa, o artigo 23 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos e o XX da Declarao Americana dos Direitos e

Deveres do Homem .................................................................................................... 115

b) O Direito Coletivo no Sistema Interamericano de Direitos Humanos ..................... 117

c) Das hipteses de violao ao direito coletivo dos eleitores de um presidente

democraticamente e constitucionalmente eleito ....................................................... 119

d) Resposta ao quesito .................................................................................................... 121

2.14 Resposta Pergunta B.8 .............................................................................................. 122

a) As obrigaes contidas nos artigos 1.1 e 2 da CADH ............................................... 122

b) A Codificao do Processo Constitucional ............................................................... 124

c) Resposta ao quesito .................................................................................................... 126

3 ndice de casos .................................................................................................................. 127

4 ndice de autoridades ....................................................................................................... 136

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1 Da Admissibilidade da Solicitao de Opinio Consultiva

Esta Eminente Corte Interamericana de Direitos Humanos, doravante Corte IDH, j

esposou seu entendimento no sentido de que para que se determine a admissibilidade de uma

opinio consultiva, necessrio o preenchimento de alguns requisitos.

Em seu pronunciamento, conforme ficou definido no rechao Solicitao de Opinio

Consultiva apresentada pelo Secretrio Geral da Organizao dos Estados Americanos1, a petio

de solicitao

a) no debe encubrir un caso contencioso o pretender obtener prematuramente um

pronunciamiento sobre un tema o asunto que podra eventualmente ser sometido

a la Corte a travs de un caso contencioso; b) no debe utilizarse como un

mecanismo para obtener um pronunciamiento indirecto de un asunto en litigio o

en controversia a nivel interno; c) no debe utilizarse como un instrumento de un

debate poltico interno; d) no debe abarcar, en forma exclusiva, temas sobre los

que la Corte ya se ha pronunciado en su jurisprudncia y e) no debe procurar la

resolucin de cuestiones de hecho, sino que busca desentraar el sentido,

propsito y razn de las normas internacionales sobre derechos humanos y, sobre

todo, coadyuvar a los Estados miembros y a los rganos de la OEA para que

cumplan de manera cabal y efectiva sus obligaciones internacionales.

A primeira hiptese versa sobre o desvio de finalidade da opinio consultiva por parte do

solicitante, convertendo-se um juzo abstrato em uma resoluo pragmtica para casos

contenciosos que poderiam ser submetidos jurisdio da Corte IDH.

No presente caso, verifica-se que os casos submetidos ao crivo da Comisso j

encontram-se devidamente processados, o que impede a converso da presente opinio consultiva

em um desvio de finalidade, o que afasta por si s o impedimento de pronunciamento desta

Honorvel Corte IDH.

O segundo parmetro diz respeito ao desvio de finalidade da opinio consultiva para obter

um pronunciamento indireto sobre um caso em litgio a nvel interno, o que, por consequncia

lgica, resta-se inaplicvel, na medida em que o rgo solicitante de opinio consultiva a prpria

Comisso Interamericana de Direitos Humanos.

1 Cf. Corte IDH. Solicitud de Opinin Consultiva presentada por el Secretario General de la Organizacin de los

Estados Americanos. Resolucin de la Corte Interamericana de Derechos Humanos de 23 de junio de 2016.

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O parmetro terceiro versa sobre o desvio de finalidade da opinio consultiva para

transformar um instrumento jurdico em forma de se criar um debate poltico. Neste aspecto,

verifica-se do texto e da justificativa apresentada pela CIDH que h uma preocupao evidente em

obter desta Honorvel Corte IDH um pronunciamento jurdico sobre um assunto de extrema

relevncia, e que objeto de preocupao estrutural dos Estados-partes na Conveno Americana

de Direitos Humanos.

A hiptese seguinte versa sobre a impossibilidade de se utilizar a opinio consultiva em

casos em que esta Eminente Corte IDH j tenha se pronunciado. Neste caso, chamamos a ateno

dos Honorveis Magistrados para o fato de que, conforme a prpria solicitao apresentada pela

CIDH, esta Eminente Corte IDH j se pronunciou diversas vezes sobre o exerccio de juzos

polticos. Contudo, os casos objetos de referncia no versam sobre processos polticos de

destituio de presidentes constitucional e democraticamente eleitos. Trata-se, por conseguinte, de

um tema novo sobre o qual jamais houve um pronunciamento desta Honorvel Corte IDH.

Por fim, no se deve utilizar a opinio consultiva como justificativa para o

descumprimento das determinaes de direitos humanos constantes do ordenamento jurdico

internacional. Compactuamos com o parmetro desta Honorvel Corte IDH para entender que os

instrumentos elencados na CADH no podem ser utilizados com a finalidade estratgica

processual escusa para furtar-se da proteo dos direitos humanos. Verifica-se, no s da

justificativa, como tambm dos quesitos formulados de forma muito clara, que o objetivo central

o estabelecimento de parmetros jurdicos para a aplicao da CADH em casos de processos

polticos de destituio de presidentes constitucional e democraticamente eleitos.

Desta forma, em se verificando que no h nenhuma hiptese que obste o pronunciamento

desta Honorvel Corte IDH sobre a solicitao formulada pela Eminente CIDH, passamos anlise

das questes formuladas.

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2 Anlise das Questes Apresentadas Consulta

2.1 Resposta Pergunta A.1

A.1) luz da Conveno Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos

interamericanos pertinentes, como se manifesta a relao entre o sistema democrtico e a

vigncia plena dos direitos humanos?

O termo relao, para satisfazer a resposta ao quesito em comento, ser alocado no

sentido de ligao, nexo, encadeamento, conexo, elo, liame. Nesse sentido, em se tratando da

construo de um raciocnio que converge para apontamentos acerca da correspondncia de dois

temas emblemticos, quais sejam, o sistema democrtico e os direitos humanos, a elaborao da

opinio consultiva quanto ao presente tpico ser dividida em quatro partes.

a) Direitos humanos

A ideia de que todo indivduo nasce livre, possuidor de dignidade e em posio de

igualdade ao seu semelhante pode soar como algo sem complexidade queles que sucedemos

personagens que se empenharam para que esse senso tivesse, em dias atuais, carter incontroverso.

At mesmo o Direito Natural, quando averiguamos a concretude e a intangibilidade que os direitos

humanos possuem hoje, revela-se mais palpvel e compreensvel. Por outro lado, a proclamao

dos direitos do homem positivados e no passveis de violao corolrio de uma concepo

histrica.

Para uma melhor compreenso do tema ora proposto, passaremos a tecer alguns

comentrios sobre o fundamento (razo de existir) e a origem dos direitos humanos (momento de

seu surgimento), bem como a realizar uma distino entre essas duas caractersticas, as quais

revelam-se como fatores determinantes da importncia que os direitos do homem possuem para o

sistema democrtico.

Uma anlise da trajetria histrica nos permite inferir que o reconhecimento dos direitos

humanos ocorre na medida em que a fonte da lei, ou seja, a fundamentao para a elaborao de

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uma legislao de qualquer ordem, se torna a prpria circunstancia existencial do ser humano,

juntamente com suas necessidades vitais e as exigncias dela decorrentes, abandonando-se o

comando de Deus ou os costumes como pedra angular da atividade reguladora da vida em

sociedade.

Nesse sentido, o antropocentrismo possibilitou que o homem passasse a ocupar o centro

do universo e, portanto, sua condio existencial deveria ser a direo norteadora de suas prprias

preocupaes. Assim, temos que o fundamento dos direitos humanos, ou seja, sua razo de existir

assenta-se na prpria condio humana, tornando-se imprescindveis para o desenvolvimento de

uma vida digna e impondo um standard mnimo ao qual os Estados so obrigados a respeitar.

Por outro lado, acerca das contribuies ideolgicas que buscam esclarecer a origem dos

direitos humanos, possvel vislumbrar linhas de pensamentos antagnicas, como o argumento

construdo pelo Jusnaturalismo, segundo o qual os direitos do homem decorrem da prpria

condio humana e prescindem de qualquer acontecimento histrico para a sua insurgncia, bem

como a teoria que compreende os direitos humanos como uma conquista histrica, obtida

gradualmente no limiar do curso da humanidade.

Em que pese haja essa divergncia de entendimentos, resta sedimentado que, embora o

Jusnaturalismo tenha inspirado o constitucionalismo, os direitos humanos resultam de lutas

pretritas pela libertao e emancipao do homem, possibilitando o surgimento das declaraes

de direitos firmadas em diferentes momentos do percurso traado pelo ser humano. Nesse sentido,

a historicidade dos direitos humanos demonstra-se pela trajetria de disputas que possibilitaram

sua prpria concretude formal.

Desta forma, os direitos ditos humanos so o produto, no da natureza, seno da

civilizao humana. Cada direito dito humano representa uma conquista da humanidade, visto que

o reconhecimento de sua nobreza e imprescindibilidade pela conscincia universal e consequente

positivao somente foram possveis aps serem derramadas muitas gotas de suor, quando no de

sangue.

Servindo-se das categorias tradicionais do direito natural e do direito positivo, Norberto

Bobbio, ao descrever o processo que culmina na positivao dos direitos humanos, nos diz que os

direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos

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positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realizao como direitos positivos

universais2.

Nesse sentido, os direitos do homem se fundamentam na natureza, como inerentes

prpria condio humana e no so passveis de subtrao; a ttulo de exemplo, so direitos

naturais e universais que pertencem ao indivduo, independentemente do Estado ao qual esteja

inserido, o direito vida, liberdade, sobrevivncia e moradia. Posteriormente, passam

categoria de direitos positivos, porm particulares a cada soberania que os reconhecem e os

asseguram em suas Constituies e, por fim, quando positivados na Declarao Universal dos

Direitos do Homem, tornam-se direitos formais universais.

Muito embora haja o reconhecimento de uma orientao universal para toda

normatividade, lastreada em valores percebidos como os mais relevantes existncia e ao

desenvolvimento digno do ser humano, nem sempre possvel constatar, nos ordenamentos

jurdicos ao redor do mundo, a consagrao destes preceitos.

A desarmonia verificada nos esteios jurdicos e os consagrados valores cruciais

conservao e continuidade do homem possibilitou a internacionalizao dos direitos humanos,

movimento que se tornou mais proeminente aps a 2 Guerra Mundial, quando a premncia de se

tutelar um interesse legtimo emergiu na comunidade internacional.

Os episdios de crueldade testemunhados durante a 2 Guerra Mundial criaram um

cenrio de runa tanto material, como moral , marcando os tempos de ps-guerra e

impulsionando o surgimento de manifestaes que anunciavam uma preocupao com a forma

com que os Estados lidavam com o seu povo, de modo que a salvaguarda dos direitos do homem

no poderia mais se restringir ao campo da atuao interna de cada soberania, posto que os direitos

intrnsecos condio humana so de interesse coletivo-global.

Sobre o legado construdo aps o nazi-facismo, Flvia Piovesan esclarece (2013, p. 191)3:

Nasce ainda a certeza de que a proteo dos direitos humanos no deve se reduzir

ao mbito reservado de um Estado, porque revela tema de legtimo interesse

internacional. Sob esse prisma, a violao dos direitos humanos no pode ser

concebida como questo domstica do Estado, e sim como problema de

2 Cf. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992 3 Cf. PIOVESAN, Flvia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed. So Paulo: Saraiva,

2013.

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relevncia internacional, como legtima preocupao da comunidade

internacional. [...] O processo de internacionalizao dos direitos humanos que,

por sua vez, pressupe a delimitao da soberania estatal passa, assim, a ser

uma importante resposta na busca da reconstruo de um novo paradigma, diante

do repdio internacional s atrocidades cometidas no holocausto.

dentro desse contexto que um conjunto normativo internacional foi surgindo e

sistematizando-se, de sorte que, hodiernamente, podemos verificar a existncia de um sistema

internacional de proteo dos direitos humanos, o qual atua sob duas perspectivas: global e

regional.

b) Conveno Americana de Direitos Humanos e outros instrumentos

luz do enfoque global, a Carta das Naes Unidas (ONU) e suas organizaes

caracterizam os principais instrumentos em prol da cooperao entre os Estados e da promoo da

solidariedade mundial, ao passo que o mbito regional composto por organismos que procuram

uma tutela local dos direitos do homem, de sorte que possvel notar trs grandes sistemas

regionais, o europeu, o africano e o americano (ou interamericano), alm de um sistema inicial

rabe e a proposta para a criao de um sistema asitico.

No que tange aos sistemas regionais, sua estruturao atenta-se s peculiaridades setoriais

do mundo globalizado e aos valores histricos dos povos de uma determinada regio, o que

corroborado pela aproximao geogrfica dos Estados envolvidos que buscam dar maior

efetividade aos direitos humanos no plano local.

Desta feita, destaca-se o Sistema Interamericano de Proteo dos Direitos Humanos, que

surgiu em 1948 quando 35 pases assinaram a Carta da Organizao dos Estados Americanos

(OEA), tambm referida como Carta de Bogot. A Carta foi elaborada nos moldes do Captulo VII

da Carta da ONU, visando a implementao de uma estrutura internacional com vistas

manuteno da paz e da segurana no continente americano. Consoante ao artigo 1, 3, da Carta

da ONU, um dos objetivos das Naes Unidas conseguir uma cooperao internacional para

promover e estimular o respeito aos direitos humanos e s liberdades fundamentais para todos,

sem distino de raa, sexo, lngua ou religio.4

4 Cf. ONU. Carta das Naes Unidas. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez 2017.

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O principal instrumento da OEA a Conveno Americana sobre Direitos Humanos,

celebrada em San Jos, na Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, que entrou em vigor em 18

de julho de 1978, aps ter obtido o mnimo exigido de 11 ratificaes.

O terceiro considerando da Conveno Americana aponta, como seus antecessores, a

Carta da OEA e a Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, bem como a

Declarao Universal dos Direitos e Deveres do Homem. Por outro lado, possvel notar uma

forte influncia da Conveno Europeia de Direitos Humanos em sua formao, principalmente

no mbito institucional.

No obstante, a Conveno Americana ou Pacto de San Jos da Costa Rica como

tambm conhecida se curva aos direitos polticos e civis, enquanto que seu Protocolo Adicional

de San Salvador tem por objeto os direitos econmicos, sociais e culturais. Num panorama geral,

o Pacto de San Jos tem como desiderato a busca pela efetivao dos direitos e liberdades j

reconhecidos, garantindo a toda pessoa que esteja sujeita jurisdio de um Estado-parte da OEA

seu pleno exerccio, sem nenhuma discriminao. Para tanto, a Conveno pode exigir de seus

signatrios a adoo de medidas legislativas ou de outra natureza para a fruio dos direitos e

liberdades objeto de tutela.

No entanto, a proteo dos direitos humanos prevista na Conveno Americana

coadjuvante ou complementar da que oferece o ordenamento jurdico interno dos seus Estados-

partes, isto , nas palavras do ex-juiz da Corte IDH, Srgio Garcia Ramirez5, la gran batalla por

los derechos humanos se ganar en el mbito interno, del que es coadyuvante o complemento,

pero no sustituto, el internacional.6.

Assim, muito embora a maior expectativa sobre a efetividade dos direitos humanos

provenha do mbito interno dos Estados, a proteo e a implementao dos direitos humanos no

devem se reduzir ao campo reservado sua soberania, uma vez que o tema de legtimo interesse

internacional. Foi exatamente a preocupao com a forma que os governantes tratam seus

governados que impulsionou o movimento de internacionalizao dos direitos humanos. Nesse

sentido, a comunidade internacional passou a se organizar para relativizar a soberania estatal,

5 Cf. Corte IDH. Caso Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) Vs. Per. Excepciones

Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de noviembre de 2006. Serie C No. 158. Voto razonado

del Juez Sergio Garca Ramrez. 6 Traduo livre: a grande batalha pelos direitos humanos se ganhar no mbito interno, do qual coadjuvante ou

complementar, mas no substituto, o direito internacional.

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consolidar a proteo da pessoa no ambiente global, ensejando, desse modo, a formao de

sistemas normativos internacionais e a celebrao de tratados internacionais para salvaguardar e

promover os direitos do homem.

Para ilustrar essa persecuo protetiva a nvel internacional, vejamos o que preconiza o

Artigo 23, do Captulo II Direitos civis e polticos, parte I Deveres dos Estados e Direitos

Protegidos, do Pacto de San Jos da Costa Rica:

1. Todos os cidados devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades: a) de

participar da conduo dos assuntos pblicos, diretamente ou por meio de

representantes livremente eleitos; b) de votar e ser eleito em eleies peridicas,

autnticas, realizadas por sufrgio universal e igualitrio e por voto secreto, que

garantam a livre expresso da vontade dos eleitores; e c) de ter acesso, em

condies gerais de igualdade, s funes pblicas de seu pas.

Resta clarividente que o papel da Conveno Americana, bem como outros instrumentos

ratificados pela OEA, como a Conveno Americana para Prevenir e Sancionar a Tortura, a

Conveno Contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruis, desumanas ou degradantes,

elevar a proteo dos direitos do homem a um nvel universal, bem como conduzi-los a uma

realidade ftica que, se no experimentada pelas pessoas em razo de um desamparo estatal ptrio,

impele que o Estado tome medidas reparadoras dos malefcios causados pela sua inrcia sob pena

de sanes internacionais.

c) Sistema democrtico

No sculo XVI, Nicolau Maquiavel qualificou o primeiro modelo de Estado como

Absolutista, fazendo referncia ao sistema poltico, administrativo e normativo que predominou

na Europa, tendo seu auge no sculo XVII.7 Nos padres da poca, o poder de organizao

jurdico-poltica estava totalmente concentrado na figura do rei, quando em um nico indivduo

residia todas as atribuies das quais carecem o funcionamento de um Estado, como a de

administrar, legislar e julgar.

7 Cf. VELANDIA CANOSA, Eduardo Andrs. Derecho Procesal Constitucional. Bogot: VC Editores Ltda, 2015,

p. 36.

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A discricionariedade que tangenciou o perodo absolutista permitiu que o Rei Luiz XIV,

conhecido como rei Sol, proclamasse a celebre frase L'tat c'est moi, cuja traduo o Estado

sou eu, uma vez que todo o poder e funes estatais eram de sua titularidade.

A superao do poder centralizado permitiu o surgimento do Estado Moderno e dos

sistemas de governo democrticos, oriundos da luta contra o Absolutismo em busca da

consolidao dos direitos naturais da pessoa humana. Nesse ponto, urge fazer uma correlao com

a origem histrica supramencionada dos direitos humanos, na qual a busca pela queda do regime

absolutista traduz-se em marco pretrito que ensejou o reconhecimento de liberdades individuais.

Sob esse prisma, emerge um novo paradigma constitucional limitador da arbitrariedade dos

dspotas, documentos carreados de conquistas e traduzidos em direitos, como os relevantes

instrumentos normativos oriundos da Inglaterra, como a Magna Carta, de 1215, o Habeas Corpus

Act e a Bill of Rights, de 1688.

Neste mesmo sentido, encontramos outros registros espalhados pela Europa, como o

francs Edito de Nantes, o histrico documento assinado em 1598 e o Corpo de Liberdade da

colnia do Massachusetts.8

Assim, paulatinamente, o Estado Absolutista substitudo pelo Estado Moderno, o qual

tem sua apario acompanhada pelas primeiras Constituies do sculo XVIII. A ttulo de

exemplo, em 1787, os Estados Unidos elaboraram sua primeira Constituio escrita, tornando-se

pioneiros na contemplao da separao dos poderes: Executivo, Legislativo e Judicirio9. Nesse

contexto, a fixao prvia das normas reguladoras da vida em sociedade e a distribuio dos

poderes e das funes do Estado tornam-se princpios estruturantes do Estado de Direito como

mecanismos garantidores do exerccio moderado do poder poltico, inibindo o totalitarismo e

impulsionando a construo dos sistemas democrticos.

Etimologicamente, democracia deriva da palavra de origem grega demokratia, resultado

da juno dos afixos kratia que significa governo ou poder e demos que corresponde ao povo.

Nessa perspectiva, a democracia refere-se ento ao governo do povo. Proclamando um significado

8 Cf. VELANDIA CANOSA, Eduardo Andrs, supra nota 7, p. 37. 9 Cf. VELANDIA CANOSA, Eduardo Andrs, supra nota 7, p. 38.

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mais abrangente de democracia em seu discurso mais famoso como presidente dos Estados Unidos,

Abrao Lincoln a definiu, em 1863, como um governo do povo, pelo povo e para o povo10.

Nos moldes do Informe Democracia en America Latina realizado pelo Programa das

Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)11, democracia :

[...] el resultado de una intensa y denodada experiencia social e historica que se

construye da a da en las realizaciones y frustraciones, acciones y omisiones,

quehaceres, intercambios y aspiraciones de los ciudadanos, grupos sociales y

comunidades que luchan por sus derechos y edifican de forma incesante su vida

en comun. La democracia implica una forma de concebir al ser humano y

garantizar los derechos individuales. En consecuencia, ella contiene un

conjunto de principios, reglas e instituciones que organizan las relaciones

sociales, los procedimientos para elegir gobiernos y los mecanismos para

controlar su ejercicio12. (grifo nosso)

Conforme Marilena Chaui, a democracia e inveno porque, longe de ser a mera

conservao de direitos, e a criao ininterrupta de novos direitos, a subverso contnua dos

estabelecidos, a reinstituio permanente do social e do poltico13.

Nesse diapaso, e possvel observar que o significado valorativo da palavra democracia

transmuda-se com o passar dos tempos e da doutrina que a buscam conceituar. Contudo, de sua

apario at o tempo hodierno, nota-se que o mago que tange a questo democrtica a deciso

coletiva, atravs da qual todas as outras espcies de governo democrtico se moldaro e, na sua

ausncia, estaremos diante de uma pseudo-democracia. Por essa razo, para fins desse parecer,

apreenderemos democracia em sua acepo procedimental, com enfoque nos sistemas que dela se

originam e do ensejo soberania popular.

10 Cf. LINCOLN, Abrao. Discurso de Gettysburg. 19 de novembro de 1863. In: MORRIS, Richard B. (org).

Documentos bsicos da Histria dos Estados Unidos, p. 160-1. 11 Cf. Informe La democracia en America Latina. Hacia una democracia de ciudadanas y ciudadanos, Programa de

las Naciones Unidas para el Desarrollo. Buenos Aires: Alfaguara, 2004, p. 53. 12 Traduo livre: o resultado de uma intensa e valente experincia social e histrica que construda dia--dia nas

realizaes e frustraes, aes e omisses, tarefas, intercmbios e aspiraes dos cidados, grupos sociais e

comunidades que lutam por seus direitos e constroem incessantemente sua vida em comum. A democracia implica

em uma forma de conceber o ser humano e garantir os direitos individuais. Consequentemente, ela possui um conjunto

de princpios, regras e instituies que organizam as relaes sociais, os procedimentos para a escolha dos governos

e os mecanismos para controlar seu exerccio. 13 Cf. CHAUI, Marilena. In: LEFORT, Claude. A Invencao Democratica. Trad. de Isabel Marva Loureiro. So Paulo:

Brasiliense, 1983, p. 7.

19/137

Segundo o magistrio de Norberto Bobbio, a soberania popular somente alcanada

quando h atribuio ao maior numero de cidados do direito de participar direta e indiretamente

na tomada das decises coletivas14

Destarte, teremos contemplado um sistema democrtico quando a governabilidade do

Estado residir, de forma direta ou indireta, sobre o elemento humano que o compe, qual seja, o

povo. A sociedade torna-se democrtica quando possui participao ativa na vida poltica do seu

pas de modo a definir os rumos de seu progresso ou retrocesso. As questes que se colocam em

debate no gerenciamento de um Estado, em maior ou menos grau, tangenciam os direitos de seus

cidados, tocam aos direitos humanos, razo pela qual imprescindvel a opinio de seus titulares.

nessa perspectiva que o sistema democrtico vem complementar o Estado de Direito e

estabelecer uma relao de interdependncia, vez que o mtodo democrtico indispensvel para

resguardar os direitos do homem e a salvaguarda destes imprescindvel para o funcionamento

dos sistemas democrticos.

d) Resposta ao quesito

Por todo o exposto, infere-se que a relao do sistema democrtico com os direitos

humanos, bem como do prprio sistema interamericano de proteo de direitos humanos diante

da qual a Conveno Americana de Direitos Humanos se destaca como principal instrumento

de, sobretudo, subservincia, ou seja, tanto o mtodo democrtico, como os sistemas internacionais

de proteo de direitos humanos, forem articulados para servir aos direitos humanos, seja para

possibilitar sua proteo e efetivao, seja para ensejar sua ampliao atravs de novas tutelas.

A conjugao de esforos para maquinar uma forma de governo bem como toda uma

sistemtica de cooperao e responsabilizao internacional apena se justifica se o desiderato

almejado possui legitimidade, consistncia e imprescindibilidade. Os direitos humanos, pela sua

prpria origem e fundamento, carecem de mecanismos que possibilitem sua salvaguarda de modo

coerente e eficaz, tendo em vista seu valor exmio para a humanidade.

O sistema democrtico, ao dar abertura participao dos titulares desses direitos ditos

humanos de forma irrestrita entenda-se sem discriminao oportuniza que o gerenciamento do

14 Cf. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. 6. ed., So Paulo: Brasiliense, 1995, p. 43.

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Estado ao qual esto inseridos possa levar em considerao seus interesses, adotando medidas em

busca da proteo e da implementao dos direitos humanos e, a medida em que regem a vida em

sociedade concretizando a mxima governo do povo e para o povo, impelem, ao menos em tese,

eventuais abusos de poder decorrentes do seu monoplio.

luz do Pacto de San Jos da Costa Rica possvel ainda vislumbrar uma proteo dessa

relao que se estabelece entre os direitos humanos e o sistema democrtico, visto que o referido

documento determina, logo em seu prembulo, uma condio implcita para a efetivao das

garantias previstas na propria carta, qual seja a existncia de instituies democrticas. Ademais,

no raras vezes l-se a expresso numa sociedade democrtica nos excertos da Conveno

destinados a contextualizar o ambiente em que se pretende salvaguardar determinado direito.

Por fim, vale destacar que todas as consideraes aqui delineadas no so estanques,

muito menos pretendem esgotar os assuntos tratados. Outrossim, buscou-se transparecer a

relevncia substancial e histrica dos direitos humanos para justificar a existncia de uma forma

de governo que se coloca a seu servio, levando em considerao as deliberaes consensuais de

seus titulares seja de forma direta ou indireta e visando o progresso constante da humanidade

na consolidao de novos direitos e na proteo daqueles j reconhecidos.

21/137

2.2 Resposta Pergunta A.2

A.2) Qual a relao entre a Conveno Americana sobre Direitos Humanos, a Declarao

Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Carta Democrtica Interamericana?

a) Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem

A Declarao Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem foi aprovada na nona

conferncia internacional americana, realizada em Bogot, em abril de 1948, antes mesmo da

Declarao Universal dos Direitos Humanos, de dezembro do mesmo ano.

A Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem no dispe de qualquer

instrumento de proteo especfico. Embora empreste os instrumentos do Sistema Interamericano

(Comisso e Corte), no os utiliza de forma expressiva. A CIDH pode atuar na defesa da

Declarao, com fundamento nos artigos 1.2.b e 20 do seu regulamento. Esta Eminente Corte IDH,

por sua vez, na OC-10/89, reconheceu seu carter normativo para fins do art. 64.1 da CADH. Por

conseguinte, esta Eminente Corte IDH pode emitir pareceres sobre a declarao (em acordo com

o artigo 64.1 e 29 d CADH).

A Declarao Americana prev um rol de direitos e deveres eminentemente civis e

polticos, sendo que alguns esto relacionados defesa do sistema democrtico. Encontra-se

previsto, no artigo 20, o direito de sufrgio e de participao no governo (ex: voto secreto,

peridico e livre), ao qual se assemelha o artigo 23 (direitos polticos) da CADH. Ao prever este

direito, o artigo 25 fomenta e permite a existncia do sistema democrtico. O artigo 28 estabelece

os limites dos diretos do homem dentre os quais o desenvolvimento democrtico. O artigo 32 prev

o dever do sufrgio, o que contua a indissociabilidade do regime democrtico vis-a-vis e os direitos

humanos, irrenunciveis, inalienveis e imprescritveis. O artigo 34 (dever de servir coletividade

e Nao) em seu final prev o dever de desempenhar os cargos de eleio popular de que for

incumbida no estado de que for nacional, um exemplo deste dever seria participao nas eleies

como mesrio. Outrossim, o artigo 37 onde se prev que: Todo estrangeiro tem o dever de se

abster de tomar parte nas atividades polticas que, de acordo com a Lei, sejam privativas dos

cidados do Estado onde se encontrar.

22/137

b) Conveno Americana sobre Direitos Humanos

A CADH reconhece que os direitos essenciais derivam dos atributos da pessoa humana,

razo por que justificam uma proteo internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou

complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos. Considerando que estes

princpios foram consagrados na Carta da Organizao dos Estados Americanos, na Declarao

Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declarao Universal dos Direitos do Homem e

que foram reafirmados e desenvolvidos em outros instrumentos internacionais, tanto de mbito

mundial como regional.

De acordo com a Declarao Universal dos Direitos do Homem, s pode ser realizado o

ideal do ser humano livre, isento do temor e da misria, se forem criadas condies que permitam a

cada pessoa gozar dos seus direitos econmicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis

e polticos; Considerando que a Terceira Conferncia Interamericana Extraordinria (Buenos Aires,

1967) aprovou a incorporao prpria Carta da Organizao de normas mais amplas sobre direitos

econmicos, sociais e educacionais e resolveu que uma conveno interamericana sobre direitos

humanos determinasse a estrutura, competncia e processo dos rgos encarregados dessa matria.

A CADH consagra os direitos polticos em seu artigo 23. Tais direitos esto circunscritos

quele ncleo relacionado ao votar e ser votado, isto , excluindo-se a dimenso de participao e

acesso aos cargos pblicos numa concepo mais alargada. Esse diploma, em razo da gravidade

dos direitos polticos, ab initio, enuncia as possibilidades especficas de sua restrio, devendo tal

clusula ser lida numerus clausus: motivo de idade, nacionalidade, residncia, idioma, instruo,

capacidade civil ou mental, ou condenao por juiz competente em processo penal. Essas so as

nicas restries aos direitos e oportunidades de participao poltica acolhidas pela norma

convencional, dada a repercusso desses direitos fundamentais. E a magnitude de tais normas fica

ainda mais ntida quando a CADH exclui da possibilidade de suspenso das garantias (dispositivo

emergencial da Conveno do artigo 27) em momentos de grave instabilidade, exatamente, os

direitos polticos e aqueles necessrios para seu usufruto.

23/137

Em 2005, esta Eminente Corte IDH teve a oportunidade de se manifestar sobre os direitos

polticos no caso Yatama vs. Nicaragua15. Neste precedente, vrias pessoas foram impedidas de

participar do pleito municipal do ano 2000, nas regies autnomas do Atlntico Norte e Atlntico

Sul, em razo de uma resoluo restritiva emitida pelo Conselho Supremo Eleitoral. No caso

Yatama, seus candidatos j haviam participado das eleies de 1990 e 1996 como organizao

de subscrio popular. Estas associaes permitiam a participao poltica desde que se reunisse

um mnimo de 5% de eleitores na respectiva circunscrio eleitoral inscritos na lista de eleitores

da eleio anterior. Na eleio do ano 2000, foi suprimida pela lei eleitoral, esta figura de

participao popular 09 (nove) meses antes das eleies, admitindo-se, exclusivamente, a atuao

por meio de partidos polticos, meio imprprio e desconhecido daquelas populaes indgenas. O

Yatama terminou por no apresentar candidato, no tendo participado das eleies municipais do

ano 2000, em virtude do indeferimento de seu registro, pela Justia Especializada, pelo

descumprimento do tempo mnimo de seis meses da existncia do partido antes das eleies. A

exigncia da constituio do partido poltico foi compreendida, diante das circunstncias

especficas das vtimas atingidas, como atentatria aos direitos polticos dos envolvidos, porque

representava um grave obstculo sua efetiva participao poltica.

De todo modo, o Estado da Nicargua foi condenado pela violao do artigo 23 da

Conveno Americana, dentre outros dispositivos mencionados na deciso. Todavia, na mais

recente apreciao, no caso Castaeda Gutman v. Mxico16, em 6 de agosto de 2008, novamente,

o tema veio baila. O senhor Castaeda Gutman pretendeu concorrer ao cargo de presidente do

Mxico sem ser filiado a partido poltico e fora do prazo estabelecido pela legislao local, com

fundamento no artigo 23 da Conveno Americana. Neste caso, de se notar a expedio de

medida cautelar pela CIDH conferindo, ao autor, o registro de candidato presidente. Esta

eminente Corte IDH, entendeu a necessidade de filiao partidria como uma necessidade social

imperativa (interesse pblico imperativo) pelas seguintes razes: a necessidade de criar e fortalecer

os sistemas de partidos como uma resposta a uma realidade histrica, poltica e social; a

necessidade de organizar de forma eficaz o processo eleitoral num universo de eleitores de 75

15 Cf. Corte IDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia

de 23 de junio de 2005. Serie C No. 127. 16 Cf. Corte IDH. Caso Castaeda Gutman Vs. Mxico. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas.

Sentencia de 6 de agosto de 2008. Serie C No. 184.

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milhes de pessoas; a necessidade de financiamento predominantemente pblico para assegurar o

desenvolvimento de eleies autnticas e livres em igualdade de condies e, finalmente, a

necessidade de fiscalizar os recursos usados nas eleies.

Observa-se que esta Honorvel Corte IDH, ao analisar a restrio de um direito

fundamental, indaga se tal limitao necessria para o funcionamento de uma sociedade

democrtica, como no caso da exigncia reputada como convencional de filiao partidria

do candidato, levando em considerao o disposto nas suas normas prprias de interpretao

(artigos 29, 30 e 32 da CADH). E, examina se as hipteses para o afastamento da capacidade

eleitoral passiva se encontram naqueles casos taxativos, apontados pela CADH em seu artigo 23.

c) Carta Democrtica Interamericana

A OEA, com passar dos anos, buscou construir um rico sistema de proteo aos Direitos

Humanos dentro do continente americano. Em face disto, nasceram inmeros instrumentos, pactos

e resolues que proclamam e protegem direitos. Nesta toada, surge a Carta Democrtica

Interamericana, objetivando fortalecer a Democracia Representativa e visando aprimor-la,

considerando-a vital para a construo de Estados mais justos dentro da Amrica.

A Carta Democrtica uma resoluo aprovada por uma Assembleia Extraordinria em

11 de Setembro de 2001, realizada em Lima, no Peru. dividida em seis captulos, possuindo 28

artigos e sua jurisdio vale a todos os membros ativos da OEA.

Dentre os captulos do referido documento, destaca-se o 4 (Fortalecimento e preservao

da institucionalidade democrtica), que vm, nos ltimos anos, gerando grande repercusso quanto

as metamorfoses dos governos democrticos na Amrica, sendo de principal relevncia os

processos polticos de destituio de presidentes constitucional e democraticamente eleitos

existentes.

A consequncia mais gravosa que a Carta prev a suspenso do Estado que violou de

forma mais danosa a democracia, valor esculpido na Carta da OEA. O que aconteceu, por exemplo,

com o Estado de Honduras em 200917.

17 Cf. AYUSO, Silvia. Entenda a Carta Democrtica da OEA, acionada para o caso da Venezuela. Disponvel em:

, acesso em 18-jan-2018.

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Alm da denncia dos demais Estados membros, o representante do prprio Estado que

est sofrendo uma mudana na ordem democrtica pode recorrer ao Secretrio Geral, ou ao

Conselho permanente, que podem agir de ofcio, a fim de preservar ilesa a ordem democrtica do

Estado ameaado, conforme os artigos 17 e 18 da Carta.

d) Resposta ao quesito

Defronte aos pontos esposados, chega-se ao entendimento que a relao existente entre a

Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Conveno Americana de Direitos

Humanos e a Carta Democrtica Interamericana constitui a defesa do sistema democrtico como

forma de governo, visto que tais instrumentos normativos almejam a defesa, perpetuao e

proteo da democracia como fundamental para a proteo dos direitos humanos.

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2.3 Resposta Pergunta A.3

A.3) A Carta Democrtica Interamericana e em que medida um instrumento de apoio

interpretao e aplicao da Conveno Americana sobre Direitos Humanos e da

Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem em casos concretos em que se

aleguem violaes de direitos humanos em contextos de fragilidade ou ruptura da

institucionalidade democrtica?

a) Consideraes iniciais sobre a Carta Democrtica Interamericana

A Carta Democrtica Americana estabelece em seu prembulo que qualquer alterao

ou ruptura institucional da ordem democrtica18 constitui um obstculo insupervel para que o

governo desse estado participe na Cpula das Amricas.

Ela tambm considera que as clusulas de mecanismos regionais e sub-regionais (tais

como o SIDH) expressam os mesmos objetivos da Carta.

Desta feita, conclui-se que a Carta Democrtica Interamericana no uma fonte

normativa aplicvel aos pases do Pacto de San Jos, mas definitivamente seria um instrumento

interpretativo, j que os objetivos da Carta Democrtica Interamericana convergem com os

objetivos dos mecanismos regionais de proteo a democracia, que tambm constitui um direito

humano.

18 RECORDANDO que os Chefes de Estado e de Governo das Amricas, reunidos na Terceira Cpula das Amricas,

realizada de 20 a 22 de abril de 2001 na Cidade de Qubec, adotaram uma clusula democrtica que estabelece que

qualquer alterao ou ruptura inconstitucional da ordem democrtica em um Estado do Hemisfrio constitui um

obstculo insupervel participao do Governo do referido Estado no processo de Cpulas das Amricas. (...) ... as

clusulas democrticas existentes nos mecanismos regionais e sub-regionais expressam os mesmos objetivos que a

clusula democrtica adotada pelos Chefes de Estado e de Governo na Cidade de Qubec;

Carta Democrtica Interamericana, 11 de setembro de 2001. Disponvel em

http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm

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A Resoluo AG/RES. 1080 (XXI-O/91)19 estipula um mecanismo de ao coletiva em

caso de ruptura irregular da ordem e do processo poltico democrtico, bem como do legtimo

exerccio de um governo democraticamente eleito.

Nesse sentido, qualquer ruptura do regime democrtico por qualquer ordem (isso

incluindo processos ilegtimos ou ilegais de impeachment) poderiam vir a entrar nessa hiptese de

quebra legal do sistema jurdico.

Denota-se, igualmente, que a Carta Democrtica Interamericana no tem como nico

objetivo a proteo da democracia em casos de transgresses institucionais. Contudo, os Estados

signatrios tm o dever de promov-la e consolid-la, tomando aes efetivas para tanto20.

Isto posto, possvel cogitar que a aplicao normativa do Pacto de San Jos da Costa

Rica, assim como as decises desta Eminente Corte, que obrigam os Estados-signatrios do Pacto,

constituem instrumentos normativos e institucionais de proteo democracia, que, conforme j

esboado, consiste em um direito humano essencial para a proteo at mesmo de outros direitos,

mxime os direitos liberdade de expresso, reunio, associao, voto universal e sigiloso

peridico, entre outros previstos no Pacto de San Jos da Costa Rica.

Ademais, os chefes de Estado que assinaram a Carta Democrtica Interamericana

reconhecem as clusulas da Carta, da mesma forma reconheceram a atuao do Conselho

Permanente de Segurana da ONU para fortalecer e ampliar a democracia, estando, inclusive, em

conformidade com a Carta da OEA, que tambm um documento basilar para o Sistema

19 LEVANDO EM CONTA que, no Compromisso de Santiago com a Democracia e a Renovao do Sistema

Interamericano, os Ministros das Relaes Exteriores expressaram sua determinao de adotar um conjunto de

procedimentos eficazes, oportunos e expeditos para assegurar a promoo e defesa da democracia representativa,

respeitado o princpio da no-interveno, e que a resoluo AG/RES. 1080 (XXI-O/91) estabeleceu,

consequentemente, um mecanismo de ao coletiva para o caso em que ocorresse uma interrupo abrupta ou irregular

do processo poltico institucional democrtico ou do legtimo exerccio do poder por um governo democraticamente

eleito em qualquer dos Estados membros da Organizao, materializando, assim, uma antiga aspirao do Continente

de responder rpida e coletivamente em defesa da democracia. Carta Democrtica Interamericana, 11 de setembro de

2001. Disponvel em http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm

20 A misso da Organizao no se limita defesa da democracia nos casos de rompimento de seus valores e

princpios fundamentais, mas tambm exige um trabalho permanente e criativo destinado a consolid-la. Carta

Democrtica Interamericana, 11 de setembro de 2001. Disponvel em

http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm

http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htmhttp://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm

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Interamericano de Proteo aos Direitos Humanos, junto com o Pacto de San Jos da Costa Rica,

que prev direitos, bem como mecanismos para a efetivao desses direitos21.

Os direitos e obrigaes dos Estados elencados na Carta da OEA constituem e limitam os

Estados Democrticos Americanos22.

A prpria Carta Democrtica Interamericana apresenta uma srie de direitos humanos

importantes no que diz respeito aos processos polticos referentes ao impeachment e outros direitos

polticos essenciais para o processo democrtico.

Os arts. 1, 2, 3, 4, em sua essncia, obrigam todos os estados signatrios a adotarem

e protegerem os regimes democrticos. Neste mesmo vis poderia se prever a hiptese em que

rupturas institucionais que ameacem a democracia, inclusive por meio de processo de

impeachment ilegal que viola garantias como transparncia, eleies peridicas, universais e

secretas, pluralismo poltico e independncia entres os Poderes. Estipula igualmente que o Estado

deve ser responsabilizado por suas condutas e submetido ao Estado Democrtico de Direito23.

J o art. 8 estipula que qualquer um que sinta que seus direitos humanos foram lesados,

podem interpor denncias perante o SIDH, conforme os procedimentos nele estabelecidos. Ora,

de conhecimento que o Sistema Interamericano possui esse procedimento previsto na Conveno

21 Os Ministros das Relaes Exteriores das Amricas, por ocasio do Trigsimo Primeiro Perodo Ordinrio de

Sesses da Assembleia Geral em So Jos, Costa Rica, dando cumprimento expressa instruo dos Chefes de Estado

e Governo reunidos na Terceira Cpula das Amricas, realizada na Cidade de Qubec, aceitaram o documento de base

da Carta Democrtica Interamericana e encarregaram o Conselho Permanente de fortalec-la e ampli-la, em

conformidade com a Carta da OEA, para sua aprovao definitiva em um perodo extraordinrio de sesses da

Assembleia Geral em Lima, Peru. Carta Democrtica Interamericana, 11 de setembro de 2001. Disponvel em

http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm 22Todos os direitos e obrigaes dos Estados membros nos termos da Carta da OEA representam o fundamento sobre

o qual esto constitudos os princpios democrticos do Hemisfrio. 23Artigo 1: Os povos da Amrica tm direito democracia e seus governos tm a obrigao de promov-la e defend-

la.

A democracia essencial para o desenvolvimento social, poltico e econmico dos povos das Amricas.

Artigo 2: O exerccio efetivo da democracia representativa a base do Estado de Direito e dos regimes constitucionais

dos Estados membros da Organizao dos Estados Americanos. A democracia representativa refora-se e aprofunda-

se com a participao permanente, tica e responsvel dos cidados em um marco de legalidade, em conformidade

com a respectiva ordem constitucional.

Artigo 3: So elementos essenciais da democracia representativa, entre outros, o respeito aos direitos humanos e s

liberdades fundamentais, o acesso ao poder e seu exerccio com sujeio ao Estado de Direito, a celebrao de eleies

peridicas, livres, justas e baseadas no sufrgio universal e secreto como expresso da soberania do povo, o regime

pluralista de partidos e organizaes polticas, e a separao e independncia dos poderes pblicos.

Artigo 4: So componentes fundamentais do exerccio da democracia a transparncia das atividades governamentais,

a probidade, a responsabilidade dos governos na gesto pblica, o respeito dos direitos sociais e a liberdade de

expresso e de imprensa.

A subordinao constitucional de todas as instituies do Estado autoridade civil legalmente constituda e o respeito

ao Estado de Direito por todas as instituies e setores da sociedade so igualmente fundamentais para a democracia.

http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm

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Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica), reafirmando o objetivo dos

Estados de consolidar a democracia nas Amricas24.

Nesse sentido, uma petio pode ser feita e remetida Comisso Interamericana para que

seja feito um juzo de admissibilidade do caso para ser ento enviado Corte Interamericana para

julgamento. Cabe ressaltar que a Comisso no se trata de rgo jurisdicional, tendo em vista que

no emite decises judiciais, mas tenta, por vias polticas, encerrar a lide e analisar a possibilidade

de um caso ingressar na Corte.

O juzo de admissibilidade, no caso, analisa elementos como esgotamento de recursos

internos, salvo demora injustificada por mais de 10 anos, ausncia de acesso Justia ou

julgamentos fraudulentos. No encontrando admissibilidade, o caso no pode ingressar na Corte

para julgamento.

A Comisso tambm capaz de denunciar violaes via Relatrios, tais como o do caso

do Golpe de Estado em Honduras, no ano de 2009.

Assim, a Comisso, que um dos dois rgos do Sistema Interamericano de Proteo aos

Direitos Humanos encontra, de certo, respaldo normativo no Pacto de San Jos da Costa Rica para

invocar tal denncia, mas tambm poderia encontrar, mesmo que para fins interpretativos,

fundamento na Carta Democrtica Interamericana, j que ela prpria estipula que os estados

signatrios reafirmam os objetivos da Conveno Americana, considerando o Sistema

Interamericano de Proteo aos Direitos Humanos um meio de efetivao competente para a

promoo e proteo da democracia nas Amricas.

De outra banda, o art. 17 estipula que na hiptese de um Estado signatrio considerar que

o processo poltico institucional ou governo legitimamente eleito estiver em risco, pode recorrer

ao Secretrio-Geral ou ao Conselho Permanente, para requisitar auxlio para proteo da ordem

democrtica estabelecida25.

24Artigo 8: Qualquer pessoa ou grupo de pessoas que considere que seus direitos humanos tenham sido violados pode

interpor denncias ou peties perante o sistema interamericano de promoo e proteo dos direitos humanos,

conforme os procedimentos nele estabelecidos.

Os Estados membros reafirmam sua inteno de fortalecer o sistema interamericano de proteo dos direitos humanos,

para a consolidao da democracia no Hemisfrio. 25Artigo 17: Quando o governo de um Estado membro considerar que seu processo poltico institucional democrtico

ou seu legtimo exerccio do poder est em risco poder recorrer ao Secretrio-Geral ou ao Conselho Permanente, a

fim de solicitar assistncia para o fortalecimento e preservao da institucionalidade democrtica.

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necessrio notar que em nenhum momento o art. 17 estipula que essa ruptura da ordem

deve ter origem violenta, como num golpe de Estado promovido por foras paramilitares. Esta

pode emergir do desrespeito s garantias processuais ou da ilegalidade em processos polticos de

impeachment, os quais retiram o representante do povo de seu cargo presidencial sem razes

legtimas para tanto.

De forma complementar, o art. 18 da Carta Democrtica Interamericana pontua que na

hiptese acima o Secretrio-Geral ou Conselho permanente pode, com consentimento do governo

sob tal ataque, determinar visitas e gestes para analisar a situao, devendo o Secretrio-Geral

encaminhar um relatrio destinado ao Conselho Permanente, que por sua vez ir analisar a situao

e, sendo caso, tomar medidas necessrias para preservar a democracia e fortalece-la. Isso incluiria,

por exemplo, criar restries econmicas ou at mesmo intervir com o uso da fora, caso a situao

esteja extremamente voltil26.

Nesse diapaso, o art. 19, refora algo j afirmado no prembulo da Carta Democrtica

Interamericana. Certifica que os princpios da Carta da OEA, os quais tambm fundamentam o

Sistema Interamericano, indicam que a ruptura da ordem democrtica ou alterao da ordem

constitucional configura-se como um obstculo insupervel participao na Assembleia Geral,

da Reunio de Consulta e dos Conselhos e conferencias da organizao e demais rgos

estabelecidos na OEA27.

Destarte, se um Estado incidir em ruptura institucional, tal como prevista na Carta

Democrtica Interamericana, sua participao, enquanto membro da OEA, para todos os fins

prticos, impossibilitada, enquanto persistir o problema.

Em consonncia ao cenrio de ruptura abordado alhures, os artigos 20 e 21 da Carta

abordam temas pontuais no cerne de ruptura. No caso, indicado que qualquer dos membros

26Artigo 18: Quando, em um Estado membro, ocorrerem situaes que possam afetar o desenvolvimento do processo

poltico institucional democrtico ou o legtimo exerccio do poder, o Secretrio-Geral ou o Conselho Permanente

podero, com o consentimento prvio do governo afetado, determinar visitas e outras gestes com a finalidade de

fazer uma anlise da situao. O Secretrio-Geral encaminhar um relatrio ao Conselho Permanente, o qual realizar

uma avaliao coletiva da situao e, caso seja necessrio, poder adotar decises destinadas preservao da

institucionalidade democrtica e seu fortalecimento. 27Artigo 19:Com base nos princpios da Carta da OEA, e sujeito s suas normas, e em concordncia com a clusula

democrtica contida na Declarao da Cidade de Qubec, a ruptura da ordem democrtica ou uma alterao da ordem

constitucional que afete gravemente a ordem democrtica num Estado membro constitui, enquanto persista, um

obstculo insupervel participao de seu governo nas sesses da Assemblia Geral, da Reunio de Consulta, dos

Conselhos da Organizao e das conferncias especializadas, das comisses, grupos de trabalho e demais rgos

estabelecidos na OEA.

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signatrios ou o prprio Secretrio-Geral podem solicitar ao Conselho de Segurana Permanente

da ONU uma avaliao coletiva acerca da situao em que se encontra o pas, de modo a encontrar

possveis solues para o problema de instabilidade poltica28.

Em um primeiro momento, so visadas solues diplomticas e pacficas para a crise

poltica, evitando ao mximo conflitos desnecessrios e medidas onerosas. Todavia, se as

mediaes diplomticas no restarem frutferas, o Conselho pode convocar uma Assembleia Geral

de natureza extraordinria para suspender, ao menos temporariamente, o Estado membro e resolver

o conflito tendo por base os apontamentos feitos pela Carta da OEA, o Direito Internacional e

disposies da prpria Carta Democrtica Interamericana.

importante ressaltar que mesmo um Estado membro estando suspenso, ou seja,

impassvel de participar de reunies dos rgos da OEA, ainda deve obedincia aos preceitos da

Carta da OEA, sobretudo quando se tratar de Direitos Humanos. Oportuno salientar que para alm

disso, o Estado tem tambm o dever de tentar restabelecer a democracia.

Findo o problema, qualquer Estado-signatrio ou o prprio Secretrio-Geral podem

propor Assembleia Geral que a suspenso do Estado que se encontrava em problemas

institucionais seja levantada, garantindo pleno gozo enquanto membro dos rgos da Carta da

OEA. o que se extrai da inteligncia do art. 22 da Carta Democrtica Interamericana.29

28Artigo 20: Caso num Estado membro ocorra uma alterao da ordem constitucional que afete gravemente sua ordem

democrtica, qualquer Estado membro ou o Secretrio-Geral poder solicitar a convocao imediata do Conselho

Permanente para realizar uma avaliao coletiva da situao e adotar as decises que julgar convenientes.

O Conselho Permanente, segundo a situao, poder determinar a realizao das gestes diplomticas necessrias,

incluindo os bons ofcios, para promover a normalizao da institucionalidade democrtica. Se as gestes diplomticas

se revelarem infrutferas ou a urgncia da situao aconselhar, o Conselho Permanente convocar imediatamente um

perodo extraordinrio de sesses da Assembleia Geral para que esta adote as decises que julgar apropriadas,

incluindo gestes diplomticas, em conformidade com a Carta da Organizao, o Direito Internacional e as disposies

desta Carta Democrtica. No processo, sero realizadas as gestes diplomticas necessrias, incluindo os bons ofcios,

para promover a normalizao da institucionalidade democrtica.

Artigo 21: Quando a Assembleia Geral, convocada para um perodo extraordinrio de sesses, constatar que ocorreu

a ruptura da ordem democrtica num Estado membro e que as gestes diplomticas tenham sido infrutferas, em

conformidade com a Carta da OEA tomar a deciso de suspender o referido Estado membro do exerccio de seu

direito de participao na OEA mediante o voto afirmativo de dois teros dos Estados membros. A suspenso entrar

em vigor imediatamente.

O Estado membro que tiver sido objeto de suspenso dever continuar observando o cumprimento de suas obrigaes

como membro da Organizao, em particular em matria de direitos humanos. Adotada a deciso de suspender um

governo, a Organizao manter suas gestes diplomticas para o restabelecimento da democracia no Estado membro

afetado. 29Artigo 22: Uma vez superada a deciso que motivou a suspenso, qualquer Estado membro ou o Secretrio-Geral

poder propor Assembleia Geral o levantamento da suspenso. Esta deciso ser adotada pelo voto de dois teros

dos Estados membros, de acordo com a Carta da OEA.

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b) A Carta Democrtica Interamericana como um instrumento de apoio interpretao e

aplicao da Conveno Americana sobre Direitos Humanos e da Declarao Americana

dos Direitos e Deveres do Homem

Preambularmente, a Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem prev que

as instituies polticas e jurdicas da sociedade tm como fundamento principal a proteo dos

direitos humanos to essenciais para a convivncia harmnica, pacfica e livre em sociedade30.

Esses determinados direitos no se originam em razo da nacionalidade, mas antes de

qualquer coisa, pela condio de pessoa humana ostentada por cada indivduo31. Nessa senda, esses

direitos pertencem a todos, sem qualquer distino. Tomando este cenrio como ponto de partida,

considera-se que todos os seres humanos nascem livre e iguais em dignidade e direitos, dotados

de capacidade racional e de conscincia, tendo o dever de agir de forma solidria e fraterna entre

si.

por esse ideal que se torna imperativo estabelecer um sistema de proteo a esses

direitos por parte dos Estados das Amricas, cada um em suas respectivas circunstncias e

localidades. Referido comando no torna menos importante a participao e colaborao entre

esses mesmos Estados americanos para promover e proteger tais direitos32.

No tocante aos direitos e deveres, a Declarao Americana prev ainda que eles tm

correlao entre si e igual importncia. Conclui-se, portanto, que os direitos no so mais

importantes que os deveres, nem os deveres mostram-se mais importante que direitos. Neste vis,

saliente-se que ambas as categorias so necessrias em uma sociedade que almeja um mundo mais

30As instituies jurdicas e polticas, que regem a vida em sociedade, tm como finalidade principal a proteo dos direitos

essenciais do homem. Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, 1948. Disponvel em

https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm 31os direitos essenciais do homem no derivam do fato de ser ele cidado de determinado Estado, mas sim do fato dos

direitos terem como base os atributos da pessoa humana. Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem,

1948. Disponvel em https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm 32Que a consagrao americana dos direitos essenciais do homem, unida s garantias oferecidas pelo regime interno dos

Estados, estabelece o sistema inicial de proteo que os Estados americanos consideram adequado s atuais

circunstncias sociais e jurdicas, no deixando de reconhecer, porm, que devero fortalec-lo cada vez mais no terreno

internacional, medida que essas circunstncias se tornem mais propcias. Declarao Americana dos Direitos e

Deveres do Homem, 1948. Disponvel em

https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm

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livre, justo e pacfico33. Tendo este cenrio como plano de fundo, imperioso se mostra a abordagem

de alguns direitos e deveres especficos presentes na Declarao.

O Captulo primeiro trata dos direitos e por este motivo ser analisado primeiro.

O art. XVII trata do direito que todas as pessoas tm de serem reconhecidas como tal,

possuindo direitos e obrigaes, bem como do gozo de direitos civis fundamentais34.

O art. XVIII garante que todas as pessoas podem recorrer aos tribunais buscando o

respeito aos seus direitos. Isso inclui qualquer direito fundamental consagrado

constitucionalmente. Isto , no apenas os Direitos Humanos previstos em mbito internacional,

mas tambm os direitos fundamentais previstos dentro do ordenamento interno. Em outras

palavras, tal artigo tem por escopo salvaguardar os diretos impressos no bloco de

constitucionalidade.

Destarte, um eventual processo de impeachment que ocorra de forma ilegtima ou ilegal

incidiria na violao de direitos polticos e processuais constitucionalmente previstos. Verificada

tal situao, certeira seria a aplicao do art. XVIII da Declarao Americana35.

J o art. XX estabelece que todas as pessoas legalmente capacitadas tm o direito de

participar do governo. Tal participao acontece atravs de representantes eleitos, ou da atuao

do cidado como candidato visando um cago eletivo. Esse sistema se materializa atravs de votos

sigilosos, peridicos, livres e genunos. Com efeito, por genuno entende-se sem irregularidades

ou vcios, uma vez que se assim no for, as eleies sero cobertas pelo manto da fraude36.

De outra banda, o art. XXIV garante que todos podem peticionar para qualquer autoridade

competente. A matria do peticionamento pode ser particular ou de ordem pblica37.

33O cumprimento do dever de cada um exigncia do direito de todos. Direitos e deveres integram-se correlativamente

em toda a atividade social e poltica do homem. Se os direitos exaltam a liberdade individual, os deveres exprimem a

dignidade dessa liberdade. Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, 1948. Disponvel em

https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm 34Artigo XVII. Toda pessoa tem direito a ser reconhecida, seja onde for, como pessoa com direitos e obrigaes, e a

gozar dos direitos civis fundamentais. Direito de reconhecimento da personalidade jurdica e dos direitos civis. 35Artigo XVIII. Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar,

outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justia a proteja contra 36Artigo XX. Toda pessoa, legalmente capacitada, tem o direito de tomar parte no governo do seu pas, quer diretamente,

quer atravs de seus representantes, e de participar das eleies, que se processaro por voto secreto, de uma maneira

genuna, peridica e livre. Direito de sufrgio e de participao no governo. 37Artigo XXIV. Toda pessoa tem o direito de apresentar peties respeitosas a qualquer autoridade competente, quer por

motivo de interesse geral, quer de interesse particular, assim como o de obter uma soluo rpida. Direito de petio.

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O art. XXVI prev um importante direito processual, qualquer que seja o processo. H de

se partir do princpio de que todos so inocentes enquanto h investigao e processamento

referente a um delito, de forma pblica e imparcial. Referido diploma tambm preconiza que os

indivduos devem ser julgados por juzes naturais e competentes, com penalidades proporcionais

e previstas anteriormente em lei38.

oportuno salientar que os crimes de responsabilidade, tal qual previstos no

ordenamento brasileiro, por exemplo, no seriam propriamente crimes, pois no h sanes penais

para tanto, embora possam fundamentar o impeachment de um Presidente da Repblica que venha

a comet-los.

Todavia, seja ou no um delito penal, ftico que em qualquer das hipteses h de se

respeitar a presuno de inocncia, sendo que a violao desse direito impulsionaria a violao de

outros direitos, at mesmo a ordem democrtica, direito humano revestido de interesse geral.

O art. XXVIII apresenta-se como uma clusula de limitao dos direitos dos indivduos.

No caso, os direitos de cada cidado encontram limites quando analisados de uma forma coletiva

e comparativa, ou seja, isso quer dizer que os direitos do homem esto limitados pelos direitos do

prximo, tendo como vetor a segurana de todos e as justas exigncias do bem-estar geral e do

desenvolvimento democrtico. Nesse diapaso, um processo de impeachment encontra sua

limitao em Lei, de modo a garantir no apenas o direito de cada pessoa, mas tambm o bem-

estar geral da nao e o desenvolvimento democrtico39.

Finda a anlise dos direitos pertinentes ao estudo em tela, importante avaliar o captulo

segundo da Declarao Americana, que trata dos deveres impostos a todas as pessoas.

Com efeito, conveniente abordar dois deveres especficos.

O art. XXXII prev que toda pessoa tem o dever de participar do processo eleitoral do

pas em que possuir nacionalidade, caso esteja habilitada para tanto40.

38Artigo XXVI. Parte-se do princpio que todo acusado inocente, at provar-se-lhe a culpabilidade. Toda pessoa acusada

de um delito tem o direito de ser ouvida numa forma imparcial e pblica, de ser julgada por tribunais j estabelecidos de

acordo com leis preexistentes, e de que se lhe no inflijam penas cruis, infamantes ou inusitadas. Direito a processo

regular. 39Artigo XXVIII. Os direitos do homem esto limitados pelos direitos do prximo, pela segurana de todos e pelas justas

exigncias do bem-estar geral e do desenvolvimento democrtico. Alcance dos direitos do homem. 40Artigo XXXII. Toda pessoa tem o dever de votar nas eleies populares do pas de que for nacional, quando estiver

legalmente habilitada para isso. Dever do sufrgio.

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latente o pensamento de que em um golpe de estado, seja ele por meio do uso da fora,

seja atravs de mecanismos polticos ou at mesmo por manejos jurdicos, o direito ao voto restar-

se- violado, podendo ser, portanto, ajuizadas aes que busquem a regularidade e a

responsabilizao por parte de quem quer que tenha violado direitos humanos e direitos

constitucionalmente garantidos como fundamentais.

No obstante, o art. XXXIII estipula que todos devem obedincia lei. Por bvio, que

isso incluiria os prprios governantes e agentes pblicos. Nesse sentido, havendo uma violao a

um regular processo de impeachment contra um Presidente da Repblica constitucionalmente e

democraticamente eleito, haveria de se responsabilizar quem quer que tenha cometido tal infrao,

inclusive se tratando de agentes do prprio Estado que conspirem contra a ordem constitucional e

democrtica do pas.

c) Casos concretos em que foram alegadas violaes de direitos humanos em contextos de

fragilidade ou ruptura da institucionalidade democrtica

Superada anlise das consideraes relevantes acerca da Carta Democrtica

Interamericana, interessante se mostra a exemplificao de como ela pode ser vista como um

instrumento de apoio interpretao e aplicao da Conveno Americana sobre Direitos

Humanos e da Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Para tanto, a maneira

mais eficaz de abordar os parmetros jurisdicionais analisar os precedentes do Sistema

Interamericano de Direitos Humanos em que a Carta foi, efetivamente, aplicada com este

propsito.

1) Golpe de Estado em Honduras no ano de 2009

Este no foi propriamente um caso submetido jurisdio desta Honorvel Corte IDH,

mas um pronunciamento da Comisso Interamericana de Direitos Humanos a respeito do Golpe

de Estado ocorrido em Honduras, em 2009.

O ento presidente Manuel Zelaya, que governava o pas desde 2006, tentou realizar, sem

apoio poltico, um referendo popular para alterar a Constituio do pas de modo que passasse a

ser permitida a reeleio presidencial.

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Zelaya havia sido eleito como um candidato de extrema-direita, porm, no decorrer de

seu governo, aliou-se ao ento Presidente da Venezuela, Hugo Chvez, o qual se mantinha no

poder h muitos anos com consultas peridicas populao.

Ocorre que, a estratgia de Zelaya no possua a maioria do Congresso. No dia 28 de

junho de 2009, Zelaya foi detido por militares em sua residncia, caracterizando-se um golpe de

Estado.

Mediante um pronunciamento veiculado por um comunicado de imprensa, a Comisso

enfatizou a importncia de se preservar a democracia, objetivo claro da Carta Democrtica

Interamericana. Posteriormente, o pronunciamento se tornou um Relatrio, divulgado no mesmo

ano, com o objetivo de denunciar essa violao aos princpios democrticos. A Comisso, neste

relatrio, condenou a ruptura da ordem constitucional em Honduras e fez um apelo para que fosse

restaurada a ordem democrtica e o respeito aos direitos humanos, ao Estado de Direito e Carta

Democrtica Interamericana em Honduras. Para tanto, a Comisso citou, de forma expressa, a

Carta, com o objetivo de fundamentar seu relatrio e condenar a clara violao ao regime

democrtico41.

A prpria Organizao dos Estados Americanos considerou tal violao to grave que

decidiu suspender a participao do Estado de Honduras no organismo: a primeira suspenso de

um Estado-membro da OEA desde a assinatura da Carta Democrtica Interamericana, em 2001.

2) Caso Tribunal Constitucional (Camba Campos e outros) vs Equador

O presente caso ocorreu em 2013 e tratou de destituies arbitrrias de oito

membros do Tribunal Constitucional do Equador, por uma deciso de seu Congresso Nacional no

dia 25 de novembro de 2004, alm do processo de impeachment contra alguns desses magistrados.

As destituies e os processos de impeachment foram realizados sem que lhes fossem oferecidas

41Quanto ao golpe de Estado ocorrido em Honduras, em 2009, a Comisso se pronunciou inicialmente mediante um

comunicado de imprensa e, posteriormente, de um relatrio de pas publicado no mesmo ano.1 ACIDH condenou

energicamente, em 28 de junho de 2009, a ruptura da ordem constitucional em Honduras, e fez um apelo urgente

para a restaurao da ordem democrtica e do respeito aos direitos humanos, ao Estado de Direito e Carta

Democrtica Interamericana em Honduras CIDH. Comunicado de Imprensa No 42/09: CIDH condena energicamente

o golpe de Estado em Honduras, 28 de junho de 2009. Disponvel em

http://www.cidh.org/Comunicados/Spanish/2009/42-09sp.htm.

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garantias processuais. As vtimas no tiveram a oportunidade de usufruir do direito defesa. Sem

motivo algum, foram impedidas de interpor recursos de amparo contra tais decises.

Em 23 de fevereiro de 2005, Miguel Camba Campos e outros sete ex-magistrados

do Tribunal Constitucional peticionaram perante a Comisso Interamericana de Direitos Humanos,

que declarou a petio admissvel e prosseguiu para a anlise do mrito. Em julho de 2011, a

Comisso concluiu que o Estado foi responsvel por violar o direito a um julgamento justo, isto ,

o Estado violou os artigos 8, 9 e 25 da Conveno Americana de Direitos Humanos. Desse modo,

decidiu-se que o Estado violou garantias judiciais, princpio da legalidade e proteo judicial,

sendo feita uma srie de recomendaes para que fossem sanadas as violaes praticadas

Em novembro de 2011, pela necessidade de obter justia para as vtimas, pois o

Estado falhou em cumprir com as recomendaes, e pelo interesse pblico americano que o caso

representa, a Comisso submeteu o caso Corte Interamericana.

J em 28 de agosto de 2013, esta Eminente Corte IDH declarou o Estado do Equador

culpado pelas violaes de direitos humanos ocorridas nas destituies e nos processos de

impeachment dos referidos magistrados.

No referido caso, esta Honorvel Corte IDH citou o artigo 3 da Carta, o qual dispe

que:

So elementos essenciais da democracia representativa, entre outros, o respeito aos

direitos humanos e s liberdades fundamentais, o acesso ao poder e seu exerccio com

sujeio ao Estado de Direito, a celebrao de eleies peridicas, livres, justas e baseadas

no sufrgio universal e secreto como expresso da soberania do povo, o regime pluralista

de partidos e organizaes polticas, e a separao e independncia dos poderes pblicos.

Ainda que este caso tenha tratado de julgamento de magistrados, e no de

presidentes, o fato que este Honorvel Tribunal Interamericano utilizou a Carta Democrtica

Interamericana como instrumento de apoio, tendo, inclusive, citado um artigo da Carta em sua

deciso, a fim de fundament-la. A Carta se aplica, como ela propria dispe, a qualquer alterao

ou ruptura institucional da ordem democrtica.

Esta Honorvel Corte IDH concluiu que a destituio de todos os membros do

Tribunal Constitucional implicou uma desestabilizao da ordem democrtica existente nesse

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momento no Equador, porquanto verificou-se uma ruptura na separao e independncia dos

poderes pblicos ao desferir-se um ataque s trs altas Cortes do Equador nesse momento42.

d) Resposta ao quesito

Assim, conforme o exposto, nota-se que o Sistema Interamericano j utilizou a Carta

Democrtica Interamericana em suas decises, tanto por parte da Comisso, em um comunicado

de imprensa e em um relatrio, quanto por parte desta Eminente Corte IDH, de maneira

contenciosa. certo que essa aplicao anterior da Carta em manifestaes do Sistema

Interamericano abre precedentes para que seja utilizada novamente como parmetro de apoio

interpretao do Pacto de San Jos da Costa Rica, tratado que criou a prpria Corte Interamericana

em 1969.

42Citando o artigo 3 da Carta Democrtica Interamericana, a Corte concluiu que a destituio de todos os membros

do Tribunal Constitucional implicou uma desestabilizao da ordem democrtica existente nesse momento no

Equador, porquanto verificou-se uma ruptura na separao e independncia dos poderes pblicos ao desferir-se um

ataque s trs altas Cortes do Equador nesse momento. Finalmente, ressaltou que a separao de poderes no so

guarda estreita relao com a consolidao do regime democrtico, mas tambm busca preservar as liberdades e

direitos humanos dos cidados. Cf. Corte IDH. Caso do Tribunal Constitucional (Camba Campos e outros) vs.

Equador. Excees Preliminares, Mrito, Reparaes e Custas. Sentena de 28 de agosto de 2013. Srie C No 268,

par. 221.

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2.4 Resposta Pergunta B.1

B.1) Que garantias especficas do devido processo, dispostas no artigo 8 da Conveno

Americana sobre Direitos Humanos e no artigo XVIII da Declarao Americana dos Direitos

e Deveres do Homem, so exigveis, no contexto de julgamentos polticos de Presidentes

democrtica e constitucionalmente eleito, realizados pelo Poder Legislativo?

a) Panorama do Contexto

Mormente, insta exarar que, a respeito do artigo 8 (Garantias Judiciais) da Conveno

Americana, esta Honorvel Corte declarou que as violaes a este artigo esto presentes em mais

de 95% dos casos a seu conhecimento e fez meno ao contedo e exigncias do referido artigo

em 50% de suas Opinies Consultivas. Desse modo, o fato demonstra que o tema o qual encampa

as garantias judiciais e o devido processo legal ha sido y sigue siendo uno de presencia

permanente en los casos que se presentan ante la Corte Interamericana43.

A recorrncia do tema sobre as garantias judiciais possibilitou a esta Honorvel Corte

estabelecer estales acerca das exigncias, contedo e alcance do direito s garantias judiciais

preceituados pelo artigo 8 da Conveno