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O S e n h o r D i r e c t o r : fragmentos de uma história de actores e práticasescolares em Portugal

Luís Miguel CarvalhoUni ver si da de Téc ni ca de Lis boa 

R e s u m o

Este artigo procura analisar a tra jectória das orientações e daspráticas de administração de um director de uma escola por tu-gue sa, en tre meados de 1950 e de 1970. Por meio dela igual-mente se pre ten de au men tar a com pre en são de um con jun to de

circunstâncias, processos e significados que marcaram, nesseperíodo, a própria tra jectória do sistema educativo escolar emPortugal, particularmente a que diz respeito ao alar ga men to daescolaridade obrigatória e à unificação dos estudos pós-pri má-rios. O texto articula seis fragmentos de uma investigação demaior es ca la que tomou a forma de um estudo de caso his tó ri-co-organizacional, e na qual se concretizou a história de umgrupo de professores de uma disciplina escolar. As narrativasque se apresentam resultam do recurso a fontes de evidên ciaorais (entrevistas) e escritas (documentos oficiais, imprensa pe -da gógica, documentos pessoais de professores, documentos doarquivo do estabelecimento escolar). Os fragmentos que aqui seapre sen tam e que ganham unidade em torno da figura do di-rec tor re sul tam tam bém do uso de ma tri zes mi cro po lí ti cas paraa análise do quotidiano escolar, razão pela qual neles se en fa ti-zam fenómenos ligados quer à coorde nação quer à disputa aoredor de interesses ideológicos e materiais, bem como às es tra-tégias empregues na am pliação ou defesa de margens de autonomia no controlo do trabalho de ad ministração de es ta-

belecimentos esco lares. Sobressaem, por isso, os pro cessos queguindaram uma es co la e um di rec tor ao es ta tu to de sin gu la res emodelos, no âmbito da rede escolar portuguesa de então.

P a la v r a s - C h a v e

Administração esco lar – Quotidiano escolar – Sistema educa-cional português.

Correspondência:

Luís Mi guel Car va lho

Faculda de de Mo tr i ci da de

Humana

Cruz Qu e br a da, 1499Lis boa, Por tu gal

e-mail : lcar va [email protected] l .pt

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.26, n.2, p. 31 -4 9, jul./ dez. 20 00 31

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T h e M r . H e a d m a s t e r : fragments of a history of school agents and practices in Portugal 

Luís Miguel CarvalhoUni ver si da de Téc ni ca de Lis boa 

A b s t r a c t  

This work deals wi th t he tra jectory of the admi nistrat i ve 

orientat i ons and pract i ces of a Por tuguese school headmaster 

between the mid 1950s and the mid 1970 s.

By do ing that, a better understanding is sought for the 

circumstances, pr ocesses and meani ngs that character i zed i n that per iod the tr a jectory of the Portuguese school system 

i tself, and part i cularly with respect to the expansion of 

mandatory schooli ng and to the uni f i cat i on of post- pri mary 

schooling.

The text ar t i cu lates six f ragments fr om a lar ger i n ves ti ga ti on

whi ch took the shape of a h i stor i cal- organizati onal case study

in whi ch the history of a group of teachers of a school 

disci pl ine took f orm. The narrat i ves presented result f rom the 

use of oral sources of i nformat i on (in tervi ews) and wri t ten 

ones (off i cial documents, peda gogi cal press, teacher’s 

personal documents, school archives).

The f ragments pr esented here whi ch acquire unit y around the

f i gure of t he headmaster result also from the employment of 

mi cropol i t i cal f rameworks to the analysis of school everyday 

life. For this reason, phenomena related both to the 

coordi nat i on and to the disputes around ideologi cal and 

mater ial interests are hi ghl ighted, and so are the str ategies 

engaged i n t he expansion or defense of autonomy limit s in the 

control of the admi nistrat i ve work in schools. Stand out therefore the processes that elevated a school and its 

headmaster to the status of unique model within the 

Portuguese school network of that t ime.

K e y w o r d s  

School admi nistrat i on – School everyday l i fe – Por tuguese 

educat i on system.

Correspondence : 

Luís Miguel Carva lh o 

Fa cul da de de Mo tr i ci da de 

Humana 

Cruz Qu e br a da, 1499 Lisboa, Portugal 

e-mail : lcarva [email protected] .pt 

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Quando entrei nesta escola tudo para mim era

desconhecido: os recreios, as aulas, as salas de

trabalhos manuais e todos os alunos da minha

tur ma. (...) Cer to dia, quan do um se nhor de meia

altura, calvo, bem vestido, etc., passou pelo se-

gundo piso, os alunos do segundo ano, que es-

tavam a fazer barulho, calaram-se à passagem

daquele senhor e eu não me apercebendo do

caso, muito espantado e cheio de curi osidade,

atrevi-me a sair da forma e a ir perguntar a um

aluno do segundo ano quem era aquele senhor.

E ele respondeu-me que era o senhor director.

Eu mu i to pas ma do fui di zer à mi nha tur ma; eles

ficaram também mui to espantados, pois nunca

tinham visto um director na sua frente.

Su ponho que, como eu, alguns dos le i to-res deste artigo se reconheçam nos in gre di en-tes do trecho citado, extraído de um textopublica do em 1971, num jornal escolar, sob otítulo “A minha entrada na escola”. A novidadedos espaços fí si cos e do ar ran jo do tem po, o ta -tear dos modos apropriados de estar, as novasrelações com a autoridade escolar, não são ex-periências estranhas às nossas memórias datran sição de um dispositivo escolar assentenum regime de monodocência para outro depluridocência (no caso brasileiro, do en si no pri -mário para o ginasial). O principal palco destearti go é aquele estabelecimento escolar que oaluno estranhara. Uma escola de Lisboa, ina u-gurada em 1956 e uma das escolhidas paraabrigar a primeira coorte de alunos do Ciclo

Preparatório do Ensino Secundário (CPES), porocasião do seu arranque oficial em 1968. Estenovo ci clo de es tu dos con cre ti za va a uni fi ca çãodos 5.º e 6.º anos de escolaridade dos ensinosli ceal (ramo ligado ao encaminhamento dosalunos para os estudos superiores) e técnico(ramo vocacionado para a preparação demão-de-obra para os sectores industrial, co-mercial, administrativo). A personagem prin ci-pal é o seu director, que ali exerceu esse cargoentre 1956 e 1974. Ao redor des se pal co e des sapersonagem circulam circunstâncias, práticas e

significados que, naqueles anos, acom pa nha-ram a tra jectória da educação escolar.

O tex to que vai se ler in cor po ra seis frag -mentos das narrativas que compõem um tra-balho de pesquisa maior, no qual procureirealizar uma his tó ria de um gru po de pro fes so -res da disciplina de Educação Física daquelaescola (Carvalho, no prelo). Dei à pesquisa aforma de um estudo de caso his tó ri-co-organizacional (Bogdan e Biklen, 1994, p.90): incidi sobre a tra jectória de uma unidadeespecífica e apoiei-me em referentes teóricosso bre a vida organizacional. Fiz sobretudoapelo às análises das micropo líticas da edu ca-

ção e das escolas (Bacharach e Mundell, 1993;Ball, 1987; Blase, 1991; Marshall e Scribner,1991) e às dedicadas à observação dos de par-tamentos como arenas po lí ti cas e dostatus  dasdisciplinas escolares (Ball e Bowe, 1992; Ball eLacey, 1995; Goodson e Anstead, 1998; Sis kin,1994). Utilizei, ainda, outros textos per ti nen-tes para a análise dos fenómenos políticos queimportavam à pesquisa, oriundos ou não da literatura sobre as organizações (Boltanski,1982; Callon, 1986; Friedberg, 1995). Recorria fon tes de evi dên cia múl ti plas e con tras ta das:orais, mediante o recurso à aplicação de en tre-vistas semi-estruturadas a uma dezena de pro -fessores; e escritas, por via de documentosoficiais (relatórios, programas nacionais dadisciplina, debates parlamentares), imprensapedagógica portuguesa, documentos pessoaisdos pro fes so res (re la ti vos à es co la, ao gru po, às

as sociações ou sindicatos, e até à escola defor ma ção), re la tó ri os de es tá gio, e do cu men tosda escola (actas de reuniões, ordens de ser vi ço, jornal da escola). Configurei as informaçõesem narrativas, por meio de processos de agre-gação dos dados ao redor de um con junto deenredos temáticos, limitados no tempo, se-guin do pro ce di men tos pró xi mos aos pro pos tospara a concretização de uma “análise nar ra ti-va” (Pol kinghorne, 1995).

Se o cruzar de métodos empregues – doestudo de caso e da história – não causa

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surpresa, também não parece problemático: osmateriais convencionais sobre os quais se apo iao trabalho do historiador e uma das soluçõesmais co muns do es tu do de caso, o re cur so a en -trevistas, convergem sem contradição maiornum dispositivo de pesquisa. No entanto, o en -lace entre a tradição do estudo-de-caso or ga-nizacional e a tradição do estudo históri co nãoé perfeito. Enquanto o primeiro assenta fre-quentemente nas convenções do anonimato eda confidencialidade como condições do con-sentimento para o acesso a fontes e espaços/tempos do local em estudo, o segundo vive darevelação, do pôr a descoberto fontes, dis cur-

sos e actores. Por fidelidade ao compromissoque me permitiu o acesso ao caso, na redacçãodas narrativas insisti na manutenção do ano ni-mato, opção espelhada numa parcial obli te ra-ção de certos elementos de referenciação defontes (autores de textos, títulos de revistas,nomes de professores e director da Escola). Re-tomo esse procedimento neste artigo, no qual,repito, seis fragmentos das narrativas ganhamunidade em torno da figura do Director daEscola e das suas práticas de administração deum estabelecimento escolar.

F r a g m e n t o 1

Num primeiro dia de aulas – lembro-me per fe i-

tamente, era o dia 1 de outubro, começavam as

aulas todas no país – estávamos na sala de pro-

fessores e ouvimos uma banda; banda de bom-

bo: tum, tum, tum, tum! Mas uma coisa que se

vinha a aproximar da escola, assim…A sala deprofesso res dava para o pátio grande, eu fui à

 janela e vi uma gente a subir a rampa com um

bombo à frente, uma banda de música. E fui

chamá-lo, porque o gabinete dele dava para o

lado de trás. Fui chamá-lo para ele vir ver o que

é que se pas sa va. Então, o que era? Era da Alde ia

do Juzo, era o primeiro aluno que tinha saído

para o ciclo preparatório; e naquela aldeia não

havia ninguém que, acabando a 4ª classe, ti ves-

se feito estudos superiores. Como aquele miú do

conseguiu sair da 4ª classe e ir para o ci clo pre -

paratório e a escola mais perto era a nossa – a

distância a que aquilo ficava –, ia para lá.

Então, toda a Alde ia do Juzo fez uma ma ni fes -

tação de camioneta para levar o menino à es-

cola no primeiro dia e levaram a banda. Ia o

mi údo à frente – pa re ce que es tou a ver – com

o bombo atrás, e toda a família. Os pais, os

tios, os primos, aque la gen te toda da al de ia foi

toda levar o miúdo à escola, porque era o pri-

meiro aluno que entrava na escola. Ele [o

 director] es tava encantado, foi lá aba ixo re ce-

bê-lo. (Tre cho de entrevista)

Esse miúdo, cujo modo de apa ri ção teve

o poder de encantar o director da escola, emmeados dos anos 1960, poderia bem ser umadaquelas crianças a que, anos mais tarde, vi riaa aludir um ministro da Educação: des cen-dente de “gente humilde e trabalhadora” que,por “caminhos longos e de sacola às costas”,se dirigia à escola (Simão, 1971,apud  R. Grá-cio, 1995 [1985], p. 478). Confiando no quecontam as estatísticas educativas, o miúdo deAldeia do Juzo seria mais um entre esses que,desde a década de 1950, vinham engrossandoas filei ras do sistema escolar.

Na transição da década de 1950 para ade 1960 dera-se o alargamento da educaçãoescolar obrigatória para quatro anos. Medi darelevante porquanto com ela o Estado Novoinvertia, ao fim de trinta anos, a sua opçãopela redução dessa escolarida de. Invertia-acom o sentido do de ver cumprido – o de ter

as se gurado o quase total cumprimento da es -colarização obrigatória em Portugal –, aindaque, como analisa Nóvoa  (1994, p.226), o tenha realizado “à custa de uma redução mi-ni ma lis ta dos tem pos de en si no e das apren di -zagens escolares”, deixando Portugal nacauda das estatísticas européias relativas aocumprimento da escolaridade pela populaçãoentre os 5 e os 14 anos de idade e à despesaestatal com a educação. Esse prolongamentoda escolaridade obrigatória sinalizava, igual-mente, uma difícil e ambígua transição na

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 política educativa, observável desde o pósII Guerra. Tratou-se de uma mudança lenta e titubeante, por meio da qual um pro jecto deeducação escolar nacionalista, construído apartir de me ados da década de 1930 e assentena procura da inculcação ide ológica e no con-trolo social, se foi confrontando e se com pro-metendo com outro que descobria  o con tri bu toda educação escolar para a economia e para aindustrialização, que enfatizava o papel do pla -neamento na educação e que tomava as po lí ti-cas educativas européias como referente dasnacionais, abrindo a regulação destas à in ter-venção de organismos internacionais, par ti cu-

larmente à OCDE (Ferreira Gomes, 1985; R.Grácio, 1995; S. Grácio, 1985; Mónica, 1978;Nóvoa, 1992, 1994).

Lentidão e titubeio: estas qualidades sãobem visíveis em torno da unificação dos 5º e 6ºanos de escolaridade. A unificação do 1º ciclodo ensino liceal com o Ciclo Prepa ratório doEnsino Técnico (CPES) elementar, criando umciclo comum preparatório dos ensinos se cun-dários e alargando em dois anos a escolaridadeobrigatória, foi pre pa rada no final dos anos1950; porém, concluídos os estudos pre li mi na-res e elaborado o relatório que a apresentavacomo medida exequível, a solução foi re je i ta da.Por ocasião do novo alargamento da es co la ri-dade obrigatória para seis anos, em 1964, apossibili dade de unificar o ensino obrigatóriofoi também re je itada, pelo que se se man ti ve-ram os 1º ciclo do ensi no liceal e Ciclo Pre pa ra-

tório do Ensino Técnico (CPES) profissional. Etal se fez aduzindo e emparelhando razões deordem financeira e ideológica. Conhecem-se as justificações do ministro da Educação (Galvão Teles, 1962, 1968): expandir e massificar o ensino, sim, mas com cautelas; as que a pre ser-vação da hierarquização social e do “escol in te-lectual” impunham e que o temor da pro li fe ra-ção de pretendentes à mo bi li da de so ci al atra vésda escola exigia (Ferreira Gomes, 1985; R. Grá-cio, 1995; S. Grácio, 1985, 1998).

Ao miúdo anunciado por bombos e pa-

rentes esperava-o ainda, porque chegado aoquinto ano de escolari dade antes de 1968, oenredo do ciclo preparatório no ensino téc ni-co. O director da escola que o acolhia deixavacla ros os prin cí pi os que ori en ta ri am a sua pre -sença naquele espaço: “que o aluno se ma ni-festasse bom estudante, mas também que pu -desse vir a ser um ho mem de bem e um pro fis -si o nal de me re ci men to”. Por com pa ra ção comaquele que viria a ser o clima da Escola empleno CPES – lembra quem os viveu –, o re-cém-chegado encontraria “uma exigência dedisciplina mais aguda, uma certa men ta li za-ção, um ambiente mais cinzento, fabril”. Os

sinais físicos desse clima revelavam-se pelotoque de sirene, pela área das oficinas, e pelo“fato de ganga, de modelo uniforme, cal ça eca sa co li ga dos, o vul gar fa to-de-macaco, como nú me ro de ma trí cu la, ano e tur ma mar ca dosou bordados, a linha encar nada, de formabem visível, no lado esquerdo do peito”, queacompanhavam os alunos ao longo de cada jornada escolar. O seu encarregado de edu ca-ção re ce be ra já, no acto de ma trí cu la, os de ve-res escolares do educando, que ime di a ta men-te se tor navam em compromissos a cumpr i r ;uma espécie de modelo da virtude cívica deque a escola se investia e, simultaneamente,estendia ao aluno e aos seus fami liares: “as si-duidade, pontualidade, delicadeza e cor rec-ção para com profes sores e mestres, de fe rên-cia para colegas e pessoal da escola, asseio,compostura na circulação, justificação dos

actos impróprios”. Em troca da conformida dedisciplinar a Escola oferecia o seu esforçopara fa zer com que “o tra ba lho dos alu nos” seviesse a revelar “útil, proveitoso, agradável ealegre”.1

Fossem as nor mas es que ci das pelos alu -nos, logo o décor  do espaço físico escolar seencarregaria de as recordar. Aí se encontra umindício do sentido da eficácia da intervenção

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1.  Normas da Escola, revista pedagógica, 26, 1960, p. 202-203.

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escolar na regulação da vida dos alunos, comoo próprio director da Escola fazia questão emsublinhar: a escolha dos quadros, dos dísticos edas legendas deveria ser “coordenada pelo mé-todo programático” do Ciclo Preparatório doEnsino Técnico (CPES) e com “o estilo de or ga-nização esco lar, isto é, do convívio a es ta be le-cer pelo estabelecimento de en si no”. Essaeficácia era procurada não pela proibição de ac-ções, mas por intermédio de meios de in te ri o ri-zação de condutas: pela omnipresença dasmensagens descritivas e prescritivas – pelo me -nos uma centena, apropriadamente dis tri bu í-das por todos os espaços escolares (entrada,

átrios, oficinas, salas, ginásio, balneário, ves-tiário, refeitório, instalações sanitárias, es ca-das, corredores, patamares, biblioteca, recreiose cam pos de jo gos); pelo en vol vi men to dos alu -nos nos processos da sua produção; como pre-texto para a leccionação de disciplinasacadémicas; ou pela meditação sobre tais pre-ceitos nas aulas.2

O director escreveria, já no final dos anos1960, que a acção da escola preparatória deviaconcentrar-se no fornecimento das “bases davida colectiva ou aprendizagem da vida so ci al”,o que im pli cava muito mais do que a acção aonível da sala de aula. Entendendo a or ga ni za-ção da escola como o modo de concretizar “atran si ção dos jo vens para um es ta do de res pon -sabilidade social”, havia que cuidar da or ga ni-zação da sua sociabilidade de modo a inculcaras normas de comportamento cívico. Aí to ma va

como referente os preceitos do escotismo (ex-periência que vivera na África do Sul, onde in-clusivamente participou num Jamboree   sobdirecção de Baden Powel) e o princípio se gun-do o qual é por via das formas de sociabilida deexis ten tes nos jo vens que aque la ac ção se tor naeficiente.3 A constituição de comissões de alu-nos para a administração de actividades – porexemplo, limpeza, comodidades da escola, recreios – era uma das soluções adoptadas, e avigilância e punição pelos adultos eram se cun-darizadas – não abolidas, note-se – a favor da

eficácia do auto e do heterocontrolo dos alu-nos e da orientação proporcionada através dequa dros e dísticos escolares.

O director mostrava-se satisfeito com aeficácia desses meios. Esta seria tanto maiorquanto tais preceitos se convertessem, por viamais económica – ao excluir a escola do usode técnicas repressivas e, ao invés, se fazer reputar como espaço de pedagógica res pon-sabilização dos alunos –, em dispo sições cog -nitivas e corporais duradouras: “A influên ciade tais legendas e dísticos é muito acentuadanos alunos, podendo-se observar a escolhade algumas delas como pensamentos in di vi-

duais, temas de redacções, pelas observaçõeshumorísticas contidas nos jornais escolares,nas representações teatra is, etc.”4. Em tornoda tecnologia dos dísticos e murais escolares,operavam duas faces da administração dossignificados (Anderson, 1992), parte in te-grante da micropolítica escolar: a con jugaçãoentre o espaço e as práticas loca is alme java a(auto)gestão das condutas dos seus alvos,como alunos, como trabalhadores, como ci-dadãos; mas, enquanto so lução praticada epraticável que se divul gava em revistas pe da-gó gicas, era também parte de um processo denegociação de expectativas, percepções eavaliações externas sobre a própria Escola.

F r a g m e n t o 2

O palco destas narrativas é um es ta be-lecimento escolar que por imposição de re-

gulamentos, currículos oficia is, composiçãosocial, características físicas, seria idêntico atantos outros, mas que as memórias es critas eorais obrigam a reconstruir observando osseus traços de singularidade, sempre in dis so-ciá veis da excep cional i dade  e da au tor idade 

do seu director.

36 Luís Mi guel CARVALHO. O Se nhor Di rec tor: frag men tos de uma...

2 . Director, revista pedagógica (r.p.), 31, 1963, p. 95-98.3 . Director, r.p., 1, 1969, p. 76.

4 . Director, r.p., 31, 1963, p. 98.

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É certo que os normativos da ad mi nis tra-ção escolar faziam sobressair o papel dos di rec-tores, directamente nomeados pelo ministro ecredores de uma autorida de ampla em matériade gestão de pes soal docente e disciplinar.Contudo, a auréola de autoridade dis se mi na-va-se e impregna va-se no quotidiano, comoilustra a citação que abriu este artigo. Era umaautoridade que o di rec tor exi bia, com tan ta efi -cácia, que entre indivíduo e dispositivo não ha -veria distinção. Esco la e di rec tor se fun di am emcoisa única:

A Escola era o seu director. O que sucedia tinha

sempre o [director] como o seu protagonistamaior e não gostava que houvesse dúvidas a tal

respeito. Até no anedótico isto sucedia. Por

exem plo, quan do ele, para pôr ter mo à “de sar ru -

mação rodoviária particular”, resolveu mandar

pintar, no asfalto, os melhores espaços, fê-lo ri -

gorosamente e por ordem hierárquica. E assim,

claro, mandou escrever no rectângulo mais je i-

toso, a palavra “Director”. Ele, que também não

tinha carro e também não se desculpava com a

hipótese de ser substitu ído, no cargo, obrigava

assim todos os demais, a respe itá-lo no seu po-

deroso estatuto. (Trecho de entrevista)

Portanto, era também uma autoridadeque se (re)fundava no quotidiano e que, paraalém da exibição, assentava numa estratégiamobilizadora dos professores; quer dizer, exer -cia-se sobre eles e por meio deles. Assim, com-

bina va as modalidades, verbais, escritas ouvisuais, do exercício da autoridade formal (porvia da fixação de normas e políticas em todasaquelas áre as da vida escolar que os di re i-tos/deveres inerentes ao cargo de di rector tor-naram esferas de legítimo controlo), com aincorporação de discursos-práticas de mu dan-ça e de participação (por exemplo, de mons tra-ção de confiança nos professores, uso de umalógica de resolução de problemas, en co ra ja-mento dos contributos individuais, sentido deautonomia, inovação e risco, uso de re com pen-

sas materiais e simbólicas e disponibilizaçãode recursos, opção pela máxima visibilidadenos espaços-tempos escolares e pela pe da go-gia do exemplo, da disponibilidade e do em-penhamento nas coisas escolares).

Pode-se desde logo argumentar que, àsemelhança do que se passava nos liceus comos reitores, a figura de director se encontrava“fortemente legitimada pela autoridade de le-gada que rece bia do Estado” (Nóvoa, 1996, p.302). Por conse quência, se poderia acres cen-tar que o director se encontrava em posiçãoprivilegiada para emergir como o responsávelpela história da cultura organizacional do seu

esta belecimento escolar, nessa época, mastambém mais tarde, nas possíveis estórias ouhistórias que a esse respeito se viessem a fa-zer. Contudo, mesmo admitindo a existênciade uma vantagem posicional associada aocargo de director, esta não permi te, por simesma, compreender por que e como al gu-mas es co las e re i to res ou di rec to res ga nha vamo atributo de modelo. Dito de outro modo,por que e como é que aquilo que faziam eracategorizado e validado como exemplo a se-guir ou a divulgar. A categorização da Escolacomo modelo   era comum e suportada, deacordo com os antigos profes sores in qui ri dos,por apreci ações diversas: as idei as largas  dodirector e o prestígio da Escola; a sua sin gu la-ri dade em face das restantes escolas em ter-mos de ambiente de trabalho (a capacidade de ini ci at i va, a autonomia, a li gação às cha- 

madas exper iênci as pedagógicas, i novadora,os recursos ímpares ), a sua reputação e vi si-bi li da de, a sua uti li za ção como lu gar de vi si ta.

Recuperando o lé xi co croze ri ano , o ins- 

t into estratégico  do director pode ser tomadocomo peça central da compreensão da cons-trução da singularidade e do renome da Esco -la. Aquele instinto, adiante-se, assentava emlarga medida na capacidade de mobilizaçãode pes so as e in te res ses em tor no das múl ti plase regulares realizações que testavam (e con-firmavam) o declarado valor peda gógico das

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ini ci a ti vas do estabelecimento es co lar e pro mo -viam, interna e externamente, confiança e ad-miração. E tal mobilização era parte de umaluta pela defesa e ampliação da margem de au-tonomia do director na admi nistração daescola.

F r a g m e n t o 3

Quando acedeu ao cargo de Director, em1956, com 43 anos, dispunha já de um capitalde prestígio e de re lações em nada ne gli gen ciá-ve is. Cedo havia iniciado a sua acti vidade comoprofessor, com 23 anos, mas foi como artistaque primeiro se re velou, entre os meados das

décadas de 1930 e 1940. Membro da se gundageração dos modernos pintores portugueses,expôs, como a maioria daqueles, nos principaissalões da época e foi aí galardoado. Porém,como ou tros dos seus pares, a sua ligação pri-meira à pintura “diluiu-se em novas funçõessociais” (França, 1974) e em outubro de 1947realizava o exame de esta do , prova necessária àobtenção do estatuto de docente profis si o na li-zado.

Entre 1948 e 1956, a sua ascensão naconfiança da administração escolar preenchia asua folha de serviços: metodólogo (do centeresponsável pela ori en ta ção de es tá gi os); mem -bro ou presidente de júris de exames de ad mis-são a estágio, de exames de estado e de outrosconcursos para lugares docentes; inspector emembro de diversas comissões do Ensino Téc-nico. E nos finais da década de 1950 seria co la-

borador próximo do ministro da Edu cação,Leite Pinto (1955-1961), em torno da (entãoinfrutífera) criação do Ciclo Preparatório doEnsino Secundário (CPES) .

A par dessa actividade, começara a ga-nhar visi bilidade dentro e fora do universo es-colar em razão de um extenso trabalho depublicação. Na es fera escolar, o seu nome so-bressaiu por via de um con junto de textos edi-tados numa revista pedagógica, dedicados àaplicação da pedagogia activa no ensino téc ni-co e, sobre tudo, ao ensino da sua disciplina, o

Desenho. Quanto à natureza desse em pre en-dimento, ele próprio a desvendava:

Escrevemos para professores e mestres que

não podem estudar todos os livros que apon-

tamos, pelo que extraímos o essencial dos no-

táveis estudos apa re ci dos nos úl ti mos tem pos,

operando uma selecção (…) Não há ne ces si da-

de de acres cen tar que em te mas tão ci en tí fi cos

como complexos a acção pessoal pouco tem a

acrescentar. A missão que nos impusemos é

antes de tudo documental e de certo modo de

registo. O nosso papel consiste em propor os

me i os prá ti cos para apli car as opi niões dos sá -

bios ao ensino.5

Por via de um trabalho de mediação, fa -zia-se, simultaneamente, representante deideias (as que di vul ga va) e de pes so as (aque lespara quem as divulgava e de quem se fazia intérprete das suas necessidades no campoescolar). Nesses artigos apostou na in ter pre-ta ção (definição, desenvolvimento e ar ti cu la-ção) dos conteúdos programáticos da suadisciplina e, ainda, numa preo cupação com apromoção do es ta tu to da que la e dos seus pro -fessores. Dado que a metodologia de ensinoque propunha assentava no princípio do jus toequilíbrio  das componentes de formação ge-ral e técnica, não é difícil encontrar na sua ra -cionalização do ensino a face metodo lógicada “administração das aspirações sociais dosalunos” (S. Grácio, 1986) daquele ciclo de es-

tudos. Porém, se por essa via ajustava o prés-timo da sua disciplina à vocação do ciclo deestudos, conforme ao espírito do Ensino Téc-nico – “o ensino das principais matérias doprograma deve, por isso, ter um fim duplo:habilitar indivíduos capazes de levar vidacompleta e sã no quadro da sociedade; en si-nar esses indivíduos a servirem-se efec ti va-mente desses conhecimentos e a produzir

38 Luís Mi guel CARVALHO. O Se nhor Di rec tor: frag men tos de uma...

5 . Director, r.p., 12, 1952, p. 400.

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trabalho rendoso”6 –, nela se revia também oeco da estratégia dominante nos círculos in ter-nacio nais próxi mos da sua disciplina, que fre-qüentava, na luta pela presença nos currículosescolares: para a admitir “como disciplina obri -gatória da cultura geral, todos os congressosinternacionais se esforçaram por demonstrarquanto ele é necessário em todas as profissõese por fazer constantemente ressaltar o seu ladouti litário”.7

 J á director de escola, cargo que ocupounos dezoito anos seguintes (1956-1974), a suaactividade pública foi-se consolidando e am-pliando. Permanece ram as suas ligações aos

 sectores da ad mi nis tra ção es co lar an tes men ci o -na dos, mas as suas ligações não se esgotavamno mundo escolar. No campo artístico par ti ci-pou da fundação de associações ligadas à suadinamiza ção junto à infância e juventude, paraalém de uma intensa actividade como pu bli cis-ta, e no campo desportivo foi presidente de umclube de implantação operária, provando a suahabilidade para lidar com o meio popular quehabitava a Escola. Contudo, foi decerto o seuvínculo ao jornalismo que mais ajudou a pro- jectar a sua figura comopedagogo . Conquantoa sua colabora ção com o mundo jornalístico setenha ini ci a do em 1938, foi a par tir de 1959, aotornar-se co la bo ra dor re gu lar de um ves per ti node Lisboa, que ganhou protagonismo como es-pecialista de educação.

Acrescente-se que os jornais não foramapenas a tribuna das suas divulgações e co men-

tá ri ospedagógicos , tal seria desmerecer da in te-ligência com que os apreciava. A imprensaconstituiu um dos principais meios para a pro-mo ção do crédito da Escola. Por sua via se tor-naram notadas, por exemplo, as suas sessões 

culturai s . Semanalmente vários jornais, e nãoapenas nos da capital, davam notícia do acon te-cimento e repetiam a medida de cultura queaquela escola providenciava todos os sábados:fil me di dác ti co e fil me re cre a ti vo, le i tu ra de con -to ou declamação de poesia por escri tor, jor na-lista ou actor convidado, concursos escolares,

peças de teatro ou interven ções musicais poralunos da escola, concertos formativos de mú-sica clássica, eram os ingredientes mais co-muns. Mas os jornais não incluíam apenasmatérias relacionadas com as sessões culturaisda escola. Por exemplo, durante o ano de1966, notícias diversas sobre ou tras ac ti vi da-des – visitas de estudo de entidades externas,com o propósito de tomarem contacto com astécni cas educati vas  e com “os processos edu-cativos” da Escola, reuniões com encarregadosde educação, prémios recebidos por alunos daEsco la, re la tos da par ti ci pa ção do di rec tor e/oude pessoal docente da Escola em actividades

profissionais ou em concursos à escala na ci o-nal, festival gimnodesportivo da Escola – podiam ser lidas em matutinos ou vespertinos,tanto nos ligados ao situacionismo po líticocomo nos associados à oposição8. Por in ter mé-dio da imprensa tornavam-se conhecidas asmúltiplas iniciativas de um estabelecimentoescolar, as quais, contrastando com o con ven-cional sossego das escolas, testemunhavam aum tempo a sua singularidade e a outro a suaexemplaridade.

Claro que o renome da escola não foiapenas criado por via de uma hábil utilizaçãodos meios de comunicação e de uma cuidadapolítica de relações públicas; só a sua con ju-gação com outras estratégias permite en ten-der aquele sucesso. De qualquer modo, para odirector era evidente que o trabalho internoda Esco la de via ser ca paz de atin gir o ex te ri or,

de aí susci tar apreço e cumprir função cul tu-ral. Como qualquer ar tis ta o fa ria, en ten da-se.A propósito das exposições escolares, o di rec-tor explicava esse cuidado:

Por meio das exposições escolares efectua-se

um trabalho cultural externo – socializador e

moralizador – pois nessas manifestações de-

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.26, n.2, p. 31 -4 9, jul./ dez. 20 00 39

6 . Director, r.p., 17 (anexo), 1954, p. 16.7 . Director, r.p., 13, 1952, p. 496.

8 . Arquivo da Escola (A.E.), Dossier Recortes de Imprensa.

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monstrati vas do labor escolar, os alunos, por

meio das suas exibições, põem-se em con tacto

com o público e as apre ci a ções que re ce bem pe -

los seus trabalhos não são apenas es tí mu lo para

os pequenos expositores, mas para os próprios

vi si tan tes, uma vez que a con tem pla ção dos tra -

balhos desperta nos visitantes profundo sen ti-

mento de apreço.9

Se a Escola se devia mostrar, igualmentehaveria de procurar captar tudo o que de novosurgisse como forma de cultura. Do pon to devista do director, urgia a escolarização da cul-tura extra-escolar e sobretudo a incorporação

na dieta escolar das novas formas culturaisemergentes, sobretudo as associadas à ima-gem, como a televisiva.10 Ligada a uma re pre-sentação de escola como centro de educação enão apenas de instrução, o complemen to aocurrículo constituía uma das jóias da coroa da -quele es ta be le ci men to es co lar e uma espécie deinterface entre culturas – a escolar, a popular ea letrada – e um meio de miscigenação de cul-turas, com assinatura local. Não sendo o ex-tra-currículo uma novidade em matéria deeducação escolar, o que causava surpresa era aexuberância dessas actividades na Escola numaépoca de es cas sez de re cur sos. Esse in ves ti men -to prosseguiria com a passagem desta de es ta-belecimento do ensino técnico elementar aescola do CPES.

F r a g m e n t o 4

A 1 de outubro de 1968 iniciaram-se asaulas do novel CPES – recorde-se, o ciclo de es -tudos resultante da unificação do 1.º ciclo doensino liceal e do Ciclo Preparatório do Ensino Técnico (CPES) – destinado, segundo a le gis la-ção que o acompanhava, a proporcionar a “for -mação geral adequada ao prosseguimento dosestudos em qualquer ramo de ensino se cun dá-rio”. Para o le gis la dor, a uni fi ca ção da que les ci -clos visava resolver o problema da precocidadedo momento “da livre escolha da carreira es co-lar” e am pliar a formação de base dos alunos,

ob jectivo que, mais do que aproximar planosde estudos ou programas, exigia uma con ver-são de “espíritos e métodos” desavindos, mais“cultu rais” os dos liceus, mais “práticos” osdas escolas técnicas elementares.11 Sobre Gal-vão Teles, o último ministro da Educação deSalazar, disse Rui Grácio (1995, p. 491) tra-tar-se de um homem “dividido ide o lo gi ca-mente entre a moderni dade e o Cristianismo ea Lu sitanidade”. A versão do CPES que legouao sucessor (Hermano Saraiva, 1968-1970, jácom Marcelo Caetano na presidência do Con-selho de Ministros) é disso indicadora, so bre-tudo pela so lução tri partida que adopta. De

facto, a pluralidade de vias de cumprimen todos dois derradeiros anos da escolaridadeobrigatória não se extinguiu com a criação doCPES. Por um lado, manteve-se em vigor ocurso complementar do ensino primário (mi-nistrado em escolas primárias) e, por outro,foi criado o Ciclo Preparatório TV (ensino porvia da televisão, em postos próprios). Tra ta-va-se, pois, de uma ténue alteração no modocomo a política educativa regulava as as pi ra-ções e a mobilidade socia is por meio do sis te-ma escolar: de uma regulação por via do“resfriamento precoce das expectati vas”, me-diante um ensino técnico desencora jador damo bi li da de es co lar ver ti cal, para uma ou tra deconservação de expectativas, por via de umcanal único para o prosseguimento da es co la-ridade pós-primária e do retardamento domomento de bifurcação entre as vias liceal e

técnica (S. Grácio, 1998).A Escola foi automaticamente con ver ti-

da em estabelecimento do CPES, con ser van doa de no mi na ção es pe cí fi ca (pa tro no), a na tu re-za da freqüência (masculina), instalações eapetrechamento. No entanto algo haveria de

40 Luís Mi guel CARVALHO. O Se nhor Di rec tor: frag men tos de uma...

9 . Director, r.p., 58, 1971, p.6.  10 . Director, r.p., IV(5), 1964, p. 50.

11. Decretos-Lei 47480 (Diário do Governo, I Série, 1, 2/1/1967) e48752 (D.G., I Série, 213, de 9/9/1968). O primeiro instituiu o CPES e o

segundo fixou o seu Estatuto.

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mudar com essa transição. Alterara-se a suacomposição social, pois que passara a in cor po-rar filhos de proletár i os  e deburgueses , era atéprocurada pe los i ntelectuai s , mercê da re pu ta-ção criada; e esta recomposição soci al pareciare flec tir-se no cli ma da Esco la, no qual se no ta -va um cer toabrandamento disci p l inar  e o des -vanecer da sua imagem fabri l , sendo desteevidente sinal a mudança no uniforme escolar,da farda oficinal para o blusão, azul para os ra -pa zes e ro sa-velho para as ra pa ri gas.12 No pla noquantitativo as alterações também se fizeramsentir: a população discente cresceu de cercade 1.000 alunos em 1968/69, para 1.200 (ca pa-

cidade máxima da escola) em 1971/72, vindo aaproximar-se dos 1800 em 1973/74.

Apesar des sas alterações, as memórias devários pro fes so res que en tra ram na Esco la já noinício dos anos 1970 recordam traços da suacultura que permitem falar da existência deuma continuidade ou de um prolongamentodos modos de pensar e fazer a vida escolar. Quanto ao currículo, em sentido amplo, re cor-da-se a preponderância das actividades cir-cum-escolares, assentes numa variada ofertade núcleos e clubes  (fotografia, jornal, teatro,fantoches e marionetes, serigrafia, litografia,música experimental, trabalhos colec tivos –pinturas e desenhos, aeromodelismo, e váriosligados às práticas desportivas); a valorizaçãoda área das expressões e da educação física; oestímulo à procura de novas soluções di dác ti-cas e para a ex pe r iên cia pe da gó gi ca , à qual não

seria alheia a existência de núcleos de estágiona Escola. Quanto ao dispositivo ad mi nis trati-vo, mantinha-se uma for te componente nor-mativa (existência de regulamentos cobrin do atotalidade das ac ti vi da des, es pa ços e tem pos davida escolar), observava-se a existência de umalar ga es tru tu ra de ser vi ços de apo io à vida es co -lar (“biblioteca, cen tro documental audiovi-sual, núcleo gráfico, ensino de invisuais,serviço de exames, vi sitas de estudo, in ter câm-bio, impressão em duplicador, impressão deexercícios escritos, marcação de campos, se cre-

taria de estágio, secção fotográfica, operadorcinematográfico, serviço de faltas de alunos,bufete e refeitório, assistente social, médicoescolar e socorros urgentes”) e outros de su-porte à vida quotidiana de professores e em-pregados (“infantário e centro infantil parafilhos de professores e empregados, com car-rinha para transporte, sessões de educação física e cur so de Inglês para pro fes so res, sa pa -ta ria/sa pa te i ro, cor re io, la va gem de car ros”). 13

Se todo esse con junto dava à Escolauma am biên cia de umamicropol i s , no cu i da -do posto no ambiente físico se percebia a ló-gica de afirmação e perpetuação do espír i to 

da escol a  através da orga nização do espaço.Esse espírito tinha o seu re flexo, a nível do-cente, na construção de um sentido de cor-po, visível na au to-atribuição da diferença(em face da nor ma lidade depreciada nas ou-tras escolas) e num con junto de práticas deprolongamento da sociabilidade entre pro-fessores para além do estritamente laboral.Quanto às relações entre director e pro fes so-res, percebia-se a abertura daquele diantedas propostas dos docentes, sentia-se li ber-dade de ac tu a ção e de res pon sa bi li za ção pró -pria. Tal ambiente era suportado pelodispositivo normativo, pela existência de umgru po de professores da confiança do di rec-tor que operava no plano da integração dosnovos docentes, pela deslocação, apa ren te-mente descuidada, do director pelos espaçosescolares e, ainda, pela auscultação das fa-

mílias e dos alunos (estes com direito, no J ornal, a páginas de crítica à Escola). A per-cep ção da su fi ciên cia, por ve zes até da abun -dância, de recursos compunha essa imagemde ambiente de trabalho conducente à pro-du ti vi da de e à co la bo ra ção, que per pas sa dasrecordações dos professores. Por fim, as per-

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.26, n.2, p. 31 -4 9, jul./ dez. 20 00 41

12 . Biblioteca da FMH, Relatório de Estágio, 1968/1969, Dissertação

Final, 1972/1973; e entrevistas.13 . A.E., Estágio do Ano Escolar de 1972/73 – Integração Escolar –

Serviços da Escola, 1 fl.

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cepções descritivas e avaliativas recordam ahabilidade do director para facturar a vi si bi li-dade que acompanhava as inúmeras ini ci a ti-vas públicas e publicitadas da Esco la.

Para o director, o CPES era bem-vindo erepre sentava “um passo histórico no ensino debase” em Portugal.14 Percebe-se a sua sa tis fa-ção porquanto conheci da a sua adesão à ideiade que essa unificação “seria uma forma efi ci-ente de concretizar a democratização do en si-no”. Satisfaziam-no também um con junto demedidas inovadoras que acompanham a cri a-ção do CPES: a legalização do assento dos encarregados de educação nos conselhos es co-

lares (numa secção deste, o conselho de ori en-tação); a abolição do livro único; a criação daorientação escolar; a redução do número dealunos por turma (para vinte e cinco).

No léxico do director, a promoção da res -ponsabilidade indi vidual e colectiva constituíaum dos referentes do seu discurso sobre a es co-larização e sobre a organização escolar do ciclopreparatório:

As es co las têm de ter um sig ni fi ca do e pe las di fi -

culda des materiais de muitos pais a escola tem

de ser um meio de vida. Estes jovens, sobretudo

do Ensino Preparatório, aprendem as bases da

vida co lec ti va. Fun da men tal men te neste tipo de

en si no a cri an ça apren de a tra ba lhar, a não fa zer

distinção entre estudar e trabalhar; estudar é

tra ba lhar e tra ba lhar é es tu dar. Go ver nar-se com

meios próprios ou aproximados de au-

to-determinação, o não ter méritos escolares, onão estudar de forma egoísta – estudando em

equipa, partilhar dos seus conhecimentos com

outros colegas e não estar nas au las em con fli to

com eles. (...) É das primeiras coisas básicas na

sociedade elementar que ninguém vive sozinho.

Isso leva realmente a constituir as chamadas es -

colas em comunidades escolares, a fazer–se a

integração na sociedade mas já de um modo

mais progressivo do que era tradicionalmente.

Estas são as linhas gerais para explicar toda a

nossa orientação. 15

Nesta máxima se de veriam inscrever to-das as disciplinas do Ciclo Preparatório, tantomais que o considerava como uma via de aces -so de todos à escolaridade secundária, com ofito da “formação cultural geral de base”, paraa “vida colectiva” e para a “formação da in te li-gência e da personalidade”, a sobrepor-se aosde “selecção ou preparação profissional”.16 Porparte do director, na sua inteligência da escolapreparatória, havia uma óbvia propensão parao cuidar da direcção espiritual dos alunos, àqual todas as disciplinas do currículo se deve-riam converter e para a qual deveriam con cor-rer. Convirá notar que a preocupação de alar-

gar o contingente de graduáveis com a escolaridade obrigatória estava presente naorientação da administração central. Por oca-sião das reuniões de “apuramento e clas si fi ca-ção” do segundo pe río do es co lar, a Di rec ção deServiços do CPES enfatizava-a, pedindo “pon -deração na atribuição de notas eliminatórias –obrigatoriamente exaradas” em acta –, as quais, “num ciclo que visa o cumprimento daescolaridade obrigatória, apenas são apli cá ve isem casos ab solutamente excepcionais e es go-tadas todas as possibilidades” ao alcance daescola para a resolução do problema; pondoacento tónico na conservação dos alunos den-tro do sistema escolar, não se via com agradoque “um fraco rendimento es co lar” fos se ra zãode força maior para o desrespeitar.17

“A escola hoje é organizada para ser umcon junto educativo, utilizado ao mesmo tem -

po como instrumento escolar, soci al, des por-tivo e cultural. Deste modo realizaria o pontode encontro entre o mundo escolar e o da fa-mília”, escrevia em 1969.18 Pela sua con cep-ção de estabelecimento escolar como centro

42 Luís Mi guel CARVALHO. O Se nhor Di rec tor: frag men tos de uma...

14 . Director, entrevista a hebdomadário, 1068, 1968, p. 26-27.

15 .  J ornal da Escola, 1, 1970, p. 4 e 6.

16 . Director: r.p., 1964, 9/10, p. 9; artigo em semanário, n.º 1653,

1971, p. 9; artigo em hebdomadário, 1672, 1971, p. 27.

17 . Direcção de Serviços do CPES, Circular 32 de 17 de Março de1969.

18 . Director, r.p., 1, 1969, p. 75.

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de educação e não apenas de instrução, o com -plemento curricular constituía, atrás se disse,uma das jóias da coroa da Escola. Pa rale la men-te, outro dos traços mais marcantes da apre-sentação da Escola era o da sua adesãopermanente, que não indiscriminada, ao quesurgia como inovação, no quadro sobre tudodasexper iências pedagógi cas . O instinto es tra-tégico do director in cluía, portanto, uma per-manente procura da adesão ao movimento.Dava-a a entender nos textos, quando usavacomo lema “os novos métodos não podem en ve-lhecer” e afirmava a cultura pedagógica como“uma cultura em movimento”,19  e empreen-

dia-a, fazendo com que a escola estivesse sem -pre presente nas experiências pedagógicasintroduzidas no sistema escolar: na re in tro du-ção do regime da coedu cação; na in te gra ção dealunos portadores de deficiências; na im ple-mentação experimental dos 7º e 8º anos de es-colaridade unificada; na introdução de novosmeios audiovisuais como meios auxiliares deensino. Igualmente o fazia incentivando e co-optando as iniciativas particula res dos pro fes-sores. O seu sentimento de autonomia era acondição do em pe nha men to, e o seu êxi to era oêxito do director.

F r a g m e n t o 5

O instinto es tratégico do director incluíaa capacidade de mobilização de pessoas e in te-resses em torno das múltiplas e regulares re a li-zações que testavam e confir mavam o

declarado valor pedagógico das iniciativas epromoviam a confiança e a admira ção pela es-cola.20 Aí se revela uma fa ce ta cen tral da sua ac -ção: a da construção da vi sibilidade, daaudibilidade e da legibilidade da Escola.

Não passa desperce bida na sua acçãouma ágil negociação com a administração cen -tral, trocando a partilha dos créditos da exem-plaridade da escola e por vezes o seu próprioprestígio pela tolerância diante da observaçãode regras, particularmente ao nível da alocaçãoe gestão de recursos financeiros e de pessoal,

não prescindindo do exercício público da crí-tica. O caso do recrutamento de professores ede outros co la bo ra do res deve me re cer al gu maatenção. Seria um engano ver nos processosde recrutamento via contratação lo cal apenasa mão do director, como o seria procurar en-tender os seus méto dos exclu sivamente di ta-dos por uma lógica de custo-benefício ousubordinados às razões da eficácia e da co e-são organizacional. Por um lado, era práticacorrente a auscultação aos professores efec ti-vos, prática aliás admitida pela legislação, eaos delegados de disciplina, bem como eraaceite a sugestão de no mes in di ca dos por pro -

fesso res, ainda que passando sempre pelo crivo da entrevista com o director. Por outrolado, entre os anualmente contratados ver- se-iam pessoas que pediam emprego paraprosseguir estudos, ou em condições eco nó-micas difíceis, bem como perseguidas ou ex-cluídas da função públi ca por motivos deactividade política adversa ao regime to ta li tá-rio e docentes empenhados em formas não le -gais de organização do professorado (R.Grácio, 1983). Em todo o caso, entravam naEscola professores com prestígio no campoocupacional, escolar e não escolar, e o efeitodessa entrada era duplo, fazia-se sentir ex ter-na e internamente. Desde logo, em prestígioacres ci do para a Esco la, pois que os no mes fa -zem as coisas. Algo mais acrescentava, para odirector, esse estabelecimento de um es ta- 

do-maior  na Escola: ao as so ci ar pes so as iden -

tificadas como competentes nas suas áreas desaber, passava a dispor de referentes de res-ponsabilidade e conduta para os novos pro-fessores que iam chegando à Escola; e aoin cor po rar pes so as com ori en ta ções di ver sas ecom um ca pi tal so ci al relevante, alargava o le -que de actividades escolares, de relações a es -tabelecer e de sinais a transmitir ao exterior

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.26, n.1, p. 31- 49, jan./jun. 200 0 43

19 . Director, artigo em semanário, 1656, 1971, p. 23.2 0 . Ao longo deste fragmento, as análises baseiam-se na noção de

tradução (Callon, 1986 e Latour, 1989).

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da escola. Sinais que encontravam retorno naprocura da escola por parte de novos docentes,que inclusivamente a percepcionavam comoescola muito disputada nos concursos. Valiosa,portanto.

A sua presença regular como colunistaem órgãos da imprensa escrita, ora em diáriosora em semanários, como reputado pedagogo ,decerto lhe amplia va a capacidade negocial.Em semanários de Lisboa, nos quais escreveucom alguma regu laridade entre 1969 e 1971,adoptou uma pragmática crítica, atenta às pa-lavras de Raul Brandão, que ci ta ria: “O País nãoexiste – exis te o Ter re i ro do Paço [a sede do go -

verno]. Como não há opinião, ou como essaopinião se não manifesta na grande massaamorfa, quem se apoderar do Terreiro do Paço,é quem manda. Falta-nos a opinião conscientee activa que pesa e decide”.21 A visibilidade ofe -recida pelos jornais e o assumir de um papel decomentarista de temas educativos escolarescustou-lhe, inclusivamente, a instauração deum processo disciplinar em maio de 1969, pordespacho do ministro da Educação, sendo en-tão acu sa do de des res pe i to pe las hi e rar qui as.22

Os seus artigos revelavam, é certo, pre o-cupações que extravasavam das questões daeducação pela arte ou de pedagogia e di dác ti caescolares. Por um lado, faziam eco de temasque sinalizavam uma modernidade que, acha-va, cumpria ao sistema educativo portuguêsacompanhar; por outro, exerciam juízo acercade medidas de política educativa ou da sua au-

sência. Disso constituem excelente exemplo osartigos que publicou entre 1970 e 1971 em se-ma ná rios de Lisboa, neles se podendo en con-trar, a par da divulga ção e da reflexão sobretemas de docimologia, sobre coeducação, re la-ção en tre es co la e fa mí lia, téc ni cas de ges tão daescola, comentários acerca da reforma edu ca ti-va e da situação do professorado em Portugal.A este respeito, não haveria de esconder a suapreferência por “uma profissão docente in de-pendente” e que defendesse a necessidade dacriação de uma “associação de classe”.23

Se a sua fé na escolarização como meiode promoção social o aproximava do espíritoda reforma do sistema escolar, encetada durante o ministério de Veiga Simão(1970-1974), não deixava porém de notar aexistência de “condicionalismos que não per-mitem auscultar a opinião de todos” ou deencontrar nas vozes discordantes com o re gi-me contributos necessári os para a reforma.24

Se a Escola foi a primeira, do Ciclo Pre pa ra tó-rio e em Lisboa, a ser visitada por aquele mi-nistro, foi também uma das que aco lheu, deuapoio, cobertu ra e suporte logístico ao prin ci-pal foco de contestação docente. Em matéria

de política nacional, o director apresentavatraços característicos da racio nalidade típicada oposição liberal ao regime; usando os ter-mos de Hermínio Martins (1998 [1969], p. 56e 63-64), uma racionalidade que mani festavaum “en vol vi men to ex tre ma men te com pe ten tee ao mesmo tempo a fé comovente na edu ca-ção, na ciência e na ‘democratização do aces -so aos bens culturais’” e uma “conivênciavirtual com a ordem” pós-salazarista.

Não causa, pois, espanto que do di rec torse diga que era aceite nos meios da oposição eaceite nos mei os da situação, que se divi dia entre o valor da disciplina e da res ponsa bi li da-de do chefe e o valor da liberdade. Ou que seadmita o seu compromisso entre o ideal pe-dagógico e o pragmatismo, entre o superior interesse pelo aluno e a obtenção de uma imprescindível notoriedade da escola. Ou ain-

da que se recorde a sua atenção à aceitação re -velada por pais e alunos em paralelo com ade fe sa dos pro fes so res em face de crí ti cas ex te -riores. O serviço educativo da Escola e a suasingularidade – pois é difícil distinguir entreuma lógica de serviço e uma lógica artística no

44 Luís Mi guel CARVALHO. O Se nhor Di rec tor: frag men tos de uma...

2 1. Director, hebdomadário, 1651, 1971, p.58.

2 2 . Arquivo Particular, documento do director, datado de 14/5/69.

2 3 . Director, revista para-sindical, 2, 1973, p. 31-32.2 4 . Director, artigo em hebdomadário, 1651, 1971, p. 57; jornal da

escola, 7, 1971, p. 5-6.

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governo da sua acção – dependiam tanto dacaptação de recursos externos, sobre tudo financeiros, e da permissividade ante as regrasda adminis tração da coisa pública, como da iniciativa e esforço comprometido dos pro fes-sores. Para garantir este, e para além da abun-dância de recur sos necessários a um ambientede trabalho estimulante, era produtiva a defesae a promoção pública dos seus profissionais.Para assegurar o primeiro necessitava de con ti-nuar a fazer-os-professores-fazer acima do habitualmente visto e de oferecer os préstimosda Escola como montra do sistema escolar. Quanto mais conseguisse, em ambos os lados,

afirmar a sua originalidade, ma ior a suaautoridade.

Dado que a sua acção devia assegurar oconsentimento de outros, posicio nalmente ediscursivamente diferentes no campo escolar(pais, administração, professores, alunos), erade um trabalho de mediação que se tratava. Asua competência dependia, pois, da habilidadeem man tê-los pre sos a uma re la ção, fa zen do dolabor da Escola “ponto de passagem obri ga tó-rio” dos seus interesses. Vale a pena retomarum dos textos do director, publicado em me a-dos dos anos 1960, para realçar o sentido doesforço de for jar alianças em várias direcções,afinal, de construção de au toria e autoridade:

Se sofre mos de falta de meios para executar os

nossos pro jectos é porque não nos soubemos

amalgamar sufici en temente à vida do país. Se

temos ordenados indignos de um corpo de es-col, foi porque não soubemos tornar-nos in dis-

pensá veis, é porque mu itos profissionais não

es tão con ven ci dos da nos sa uti li da de, e ig no ram

o que nos devem. É porque têm consciência da

nossa falta de realismo e duvidam da eficácia

dos nossos méto dos.25

Em suma, tratar-se-ia então de fazerconvergir interesses e deslocar os outros para ocomprometimento com o trabalho da Escola,mas garantin do a atribuição da res pon sa bi li da-

de pelos êxitos das acções e relações. Nestecontexto, percebe-se a existência em arquivode um Dossier de Referênci a à Escola 

(1968-1972), no qual eram indexa dos re-cortes de jornais e correspondência, cu jos con -te ú dos se repartiam entre notícias, elogios,agradecimentos e pedidos. Eis alguns exem-plos, extraídos de cerca de sete dezenas dedocumentos:

Director da Escola do Magistério Primário da

Be i ra (Mo çam bi que): “Te nho co nhe ci men to de

que a Escola de que o meu Exm.º Amigo é di-

rector possui excelentes programas deste gé-

nero [te a tro de fan to ches]. Pe dia-lhe, por isso,se não vir inconveniente, a cedência duma

dessas peçazitas para uso dos nossos alunos,

prometendo nós tornar mais conhecida a

[Escola] na vanguarda dessa actividade.”

Programa de Rádio: “O professor [director],

grande pedagogo e di nâmico dirigente es co-

lar, declarou com a sua grande auto ridade e

experiência de saber fe i tos que o des por to tem

de estar nas preocupações dominantes dos

edu ca do res. Abre-se as sim e é ur gen te a ne ces -

sidade de rever a educação do desporto da

 juventude, e a sua si tu a ção pe ran te a es co la.”

Mãe de alu no: “Sou mãe de dois alu nos e nes temomento de confusão quanto à educação dos

 jo vens, con fes so que me en con tro um tan to ou

quanto pessimista e, ao ter oportunidade de

ou vir o sim pá ti co dis cur so de V. Exª, que aliás,

segui palavra a palavra, quero ter a franqueza

e a honra de lhe comunicar que tais palavrasfo ram, não só para mim, mas tam bém para ou -

tros encarregados de educação, muito úteis e

informativas.”

Médico Escolar: “Como já tive oportunidade

de di zer a mi nha pas sa gem pela [Esco la] foi al -

ta men te be né fi ca para mim, por quan to me fezacreditar nas possibilidades educativas do en-

sino, em que já começava a estar pessimista.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.26, n.2, p. 31 -4 9, jul./ dez. 20 00 45

2 5 . Director, r.p., VI (10), 1966, p. 111.

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Encontrei aí verdadeiros educadores, animados

de um espírito novo, duma pedagogia activa e

tudo isto porque à frente da escola estava um

homem que conhece e vive os pro blemas do

 ensino.”

Profes sor de Braga: “passei uma tarde, pela sua

Escola modelar. (…) a sua es pléndida Escola,

agora muito justamente tornada pináculo e

cume faroleiro e guia orientador da didáctica e

do espírito docente do ensino do Desenho.”

 Taxista: “Um encarregado de educação, pai do

nosso aluno Armando, 1º ano, comunicou o se-

guinte comentário feito pelo profissional do

táxi BA-52-31: ‘Francisco Armando! O se nhor

vai para uma escola cuja organização honra opaís. Vou lá outra vez com muito prazer: os re-creios são lindos!’”.

F r a g m e n t o 6

Os artistas não são executores, não sãodominados – dominam.26

Em fragmentos anteriores, deu-se aten-ção aos proces sos de convergência identitáriaentre Escola e director, sublinhando-se a efi cá-cia de tal analogia para a construção de umaimagem singular do estabe lecimento escolar. Aruptura nas condições dessa unidade, nos me-ses que se se gui ram ao gol pe mi li tar que de sen -cadeou o derrube do regime totalitário em abrilde 1974, iria participar num outro desenlace.

No tre cho se guin te – re ti ra do de um Li vrode Actas do Núcleo de profes sores de EducaçãoFísica da Escola (acta 12 de 30/4/1974) – en-

contram-se os ingredientes centrais dos acon-tecimentos que vão atravessar a Escola a partirdos finais do mês de abril. Em disputa estavauma questão es sencial – quem pode falar emnome da Escola (não mais o director, mas osprofessores) –, que sinalizava o arranque dosprocessos de reconfiguração de poderes dentroda escola.

 Tendo os Professores deste Núcleo tomado co-

nhecimento através dos órgãos de informação

de uma missiva enviada ao professor Veiga Si-

mão pelo Exm.º Director deste Esta be le ci men-

to de Ensino, cujo teor se trans cre ve do J or nal

(...) – “Exm.º Se nhor Pro fes sor Ve i ga Si mão, Os

directores das Escolas Preparatórias de Lisboa

na sua reunião mensal de ontem dia 26 às 15

horas (...) de ci di ram ma ni fes tar à Jun ta de Sal -

va ção Na ci o nal o de se jo de que V. Ex.ª se man -

tenha à frente dos desti nos da Educação

Na ci o nal. Inde pen den te men te do nos so de se jo

colectivo, não quero deixar de manifestar a V.

Ex.ª, su ce da o que su ce der, a gra ti dão da Esco -

la por tudo o que tem feito para nos ajudar.

Admirador certo, Director." - estranharam que

não tenha sido promovida qualquer reunião

com o Cor po Do cen te des ta Esco la, para que omesmo tivesse podido pronunciar-se sobre o

conteúdo da missiva no que nela se refere

como posição da Escola, independentemente

de qualquer manifestação, expressa ou não,

sobre a recondução do ex-ministro, professor

Veiga Simão. Foi ainda acrescentado que os

professores (…) aqui reunidos, (...) sugerem

que seja pro mo vi da o mais ra pi da men te pos sí -

vel uma reunião com todo o Corpo Docente

desta Escola com vista a uma análise do pre-

sente momento e para es cla re ci men to da po si-

ção dos Professores e con sequentemente da

posi ção deste Estabelecimento de Ensino em

relação ao mesmo.

Apesar de este texto ser marcado pelamoderação e pela não hostilização do di rec-tor, este começava por certo a sen tir a efi cá cia

dos proces sos de se lecção de memórias, ouseja, da administração do que se conserva edo que se esquece. Isso mesmo se de preendedo aditamento que, pelo seu punho, inscrevianaquela acta:

É norma da es co la dar a co nhe cer aos su pe ri o -

res cópia das suas decisões. O único erro da

carta particular é o facto de agradecer “em

46 Luís Mi guel CARVALHO. O Se nhor Di rec tor: frag men tos de uma...

2 6 . Director, revista de arte, vol. II, 1938.

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nome da escola” os benefícios que obtivemos e

que a gratidão manda manifestar. Estranho

também que sendo do conheci mento as minhas

ideias, as censuras que recebi e mesmo pro ces-

sos dis ci pli na res em de fe sa da pro fis são do cen te

independente, não tenha sido solicitada a mi-

nha presença para esclarecer as ati tu des que me

apontam.

A Escola, como tantas outras, foi entãopalco dos processos de instituição de dis po si ti-vos colegiais de administração com base emprocessos eleitorais. Nela, como porventura emmuitas outras, a paz social existente foi desfeita

e irromperam clivagens entre professores,(re)formaram-se grupos de interesse (Stoer,1986; Lima, 1992). Na Escola, como em muitasoutras, o director não ficou à mar gem da con-tes ta ção. Nes te pon to, os re la tos ora is di ver gem:uns enfatizam hoje a contestação ao cargo, nãoao homem, outros não as dissociam; uns avaliam-na como quase inexistente, outroscomo intensa. Em todo o caso, nesses me ses demaio e junho o director foi certamente sentindoque os seus pedidos deixavam de ser ordens eque a difusão do delegante de autoridade re du-zia subs tan ci al men te a sua mar gem de ma no bra.

 Ter-se-á, então, batido por uma via re-formista para a criação de novos órgãos de gestão escolar e, simultaneamente, pelo re tar-damento da perda da sua condição de director,seja in cen ti van do um pro ces so de ele i ção de re -presentantes de alunos e de encarregados de

educação – “para fazerem parte de um grupopreparatório para o estudo da nova gestão es-colar” –, seja batendo-se contra as comissõeseleitas na base das as sembléias de escola, ar gu-mentando a ausência de homologação por parte do Minis tério e a existência de um de cre-to-lei na for ja. Recusava a legalidade revolu-cionária, mas ainda assim o seu nome in te gra-ria a lista dos sete docentes que fizeram parteda “comissão coordenadora” da gestão da escola. Esta comissão, pela parte docente, foraele i ta em 18 de ju nho de 1974, no qua dro de um

modelo que concedia “todo o po der” à Assem-bléia de Geral de Professores (incluindo o “deaconselhar a demissão por incompetência” eem última instância o de “demitir com pul si va-mente” os docentes membros da referida comissão). O director e o subdirector foramelei tos para aque la co mis são, na qual pre do mi -navam professores não efectivos, mas nãoconseguiram fazer-se eleger nem para a co mis-são executiva (cúpula da comissão co or de na-dora) nem para o conselho administrativo.27

Se o di rector não se via excluído, o seuapoio e condição eram precários. Porém, nãoforam apenas as ocorrências locais que mar-

ca ram a tra jectória do director naqueles me-ses. Outras concorreram para o curso dosacontecimentos. Por um lado, a sua gerênciada Escola foi alvo de um processo inspec tivo(cuja origem, não determinada, é mote paradiversas interpreta ções)28; por outro lado, aoabrigo da legislação aprovada, os directo resde es co la ha ve ri am de retornar para as es co lasa cu jos quadros pertenciam. Ao director nãoera concedido o estatuto de excepção: teriade deixar a (sua) Escola.

A ha bi li da de que de mons tra ra na ges tãodas dependências e a posição de in dis pen sa-bilidade, conseguida ao redor das iniciativaspessoais e da Escola, sucumbiram no caldo revolucionário. Em finais de agosto de 1974,realizava o seu derradeiro lance, me ti cu lo sa-mente preparado como tantos outros: punhatermo à sua vida, escolhendo como palco o

estabelecimento escolar que dirigira durantequase duas décadas. O seu desaparecimen tofí si co não teve, to da via, cor res pon dên cia ime -diata no plano simbólico. De facto, obra edestino trágico do director vieram a tornar-seo epi cen tro de uma dis pu ta lo cal e de um con -fronto no qual foram elementos constantes a

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.26, n.1, p. 31- 49, jan./jun. 200 0 47

2 7 . A.E., Dossier Ordens de Serviço, 36 (27/5/74) e Livro de Actas de

Reuniões de Professores (1974-1976) – 6 a 8.2 8 . A.E., Livro de Actas de Reuniões Professores – 11 e 12 – e

entrevistas.

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preservação da sua memória e, por extensão, ada sua lógica de escola e de administração.Assim, o seu legado manteve-se, durante al-

guns anos ain da, como uma re fe rên cia sem premobilizável para a reordenação micropolíticada vida da Escola.

48 Luís Mi guel CARVALHO. O Se nhor Di rec tor: frag men tos de uma...

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Recebido em 06.11.00 

Aprova do em 06.04.01

Luís Miguel Carva lh o é doutor em Ciências da Educação e professor auxiliar na Faculdade de Mo tri ci dade Humana daUni ver si da de Téc ni ca de Lis boa. De sen vol ve as suas pes qui sas na área da His tó ria da Edu ca ção. Atu al men te, tra ba lha so breas revistas de en si no e a cons tru ção do co nhe ci men to es pe ci a li za do em edu ca ção.