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Teoria e Prática da SENTENÇA TRABALHISTA

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Teoria e Prática da

SENTENÇATRABALHISTA

1ª edição — 19962ª edição — 20033ª edição — 20094ª edição — 20115ª edição — 2013

CARLOS EDUARDO OLIVEIRA DIAS

Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Campinas/SP.Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP.

Doutorando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)Membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Instituto de Pesquisas eEstudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA).

Teoria e Prática da

SENTENÇATRABALHISTA

5ª edição revista e ampliada

R

EDITORA LTDA.

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-001São Paulo, SP — BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.br

Projeto de capa: Fábio GiglioImpressão: BARTIRA GRÁFICA E EDITORA LTDA

Outubro, 2013

Todos os direitos reservados

Índice para catálogo sistemático:

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Dias, Carlos Eduardo OliveiraTeoria e prática da sentença trabalhista /

Carlos Eduardo Oliveira Dias. — 5. ed. rev. e ampl. — São Paulo : LTr, 2013.

1. Direito processual do trabalho2. Julgamentos I. Título.

13-07717 CDU-347.951.0:331

1. Sentenças : Direito processual do trabalho347.951.0:331

Versão impressa - LTr 4885.4 - ISBN 978-85-361-2706-4Versão digital - LTr 7667.9 - ISBN 978-85-361-2782-8

Aos que me dão muitos carinhos quentes:Ana Paula, Pedro, Isabela, Felipe e Clara.

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Sumário

Introdução à quinta edição ................................................................................... 11

Introdução à quarta edição ................................................................................... 13

Introdução à terceira edição ................................................................................. 15

Introdução à segunda edição ................................................................................ 17

Introdução .............................................................................................................. 19

I — GENERALIDADES

1. A jurisdição e o juiz ............................................................................................ 23

2. A efetividade como princípio motriz do processo ........................................... 30

3. A Reforma Processual e seus reflexos nas sentenças ...................................... 34

4. Os atos processuais do juiz e o moderno conceito de sentença .................... 44

5. As sentenças trabalhistas e a Nova Competência da Justiça do Trabalho .... 50

II — FUNDAMENTOS TEÓRICOS DAS SENTENÇAS

6. Classificações das sentenças .............................................................................. 69

6.1. Classificação quanto aos efeitos ou eficácia da sentença ................................... 69

a) Sentenças declaratórias ..................................................................................... 72

b) Sentenças constitutivas ..................................................................................... 74

c) Sentenças condenatórias ................................................................................... 75

d) Sentenças mandamentais ................................................................................. 76

e) Sentenças executivas ........................................................................................ 78

6.2. Classificação quanto à abrangência ou alcance da sentença .............................. 81

a) Sentenças terminativas ..................................................................................... 81

b) Sentenças definitivas ......................................................................................... 83

7. A estrutura das sentenças ................................................................................. 85

7.1. Relatório ............................................................................................................ 88

7.2. Fundamentação ................................................................................................. 91

7.3. Dispositivo ......................................................................................................... 94

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8. Limites e nulidades da sentença ....................................................................... 96

8.1. Generalidades .................................................................................................... 96

8.2. Petição inicial e rito sumaríssimo no processo do trabalho ................................. 103

8.3. Emendas à sentença .......................................................................................... 104

8.4. Os chamados pedidos implícitos e a cognição de ofício pelo juiz ....................... 107

9. Peculiaridades da sentença trabalhista ............................................................ 121

9.1. Forma da sentença ............................................................................................ 121

9.2. Cumulação de pedidos ...................................................................................... 123

9.3. Conteúdo obrigatório ........................................................................................ 125

9.4. A liquidação da sentença trabalhista .................................................................. 129

9.5. Sentenças trabalhistas em processos “não trabalhistas” ..................................... 133

III — PRÁTICA DA SENTENÇA TRABALHISTA

10. Metodologia de redação da sentença ............................................................ 137

10.1. Relatório .......................................................................................................... 137

a) Generalidades e técnica redacional ................................................................... 137

b) Situações de desnecessidade ............................................................................ 139

10.2. Fundamentação ............................................................................................... 140

a) Generalidades e organização ............................................................................ 140

b) Questões processuais ........................................................................................ 142

c) Preliminares ou objeções processuais ................................................................ 161

d) Prejudiciais de mérito ........................................................................................ 190

e) Mérito............................................................................................................... 223

f) Outras ações conexas ........................................................................................ 262

10.3. Dispositivo ....................................................................................................... 267

11. Questões práticas de sentença — Exercícios para resolução ....................... 276

11.1. Problemas para solução ................................................................................... 276

11.2. Sentenças simuladas ........................................................................................ 281

Bibliografia ............................................................................................................ 297

“O juiz é um homem que se move dentro do direito como umprisioneiro dentro de seu cárcere. Tem liberdade para

mover-se e nisso atua a sua vontade; o direito, entretanto,lhe fixa limites muito estreitos, que não podem ser

ultrapassados. O importante, o grave, o verdadeiramentetranscendental do direito não está no cárcere, isto é,

nos limites, mas no próprio homem.

“O juiz é uma partícula de substância humana que vive ese move dentro do processo. E se essa partícula

de substância humana tem dignidade e hierarquiaespiritual, o direito terá dignidade e hierarquia espiritual.Mas se o juiz, como homem, cede ante suas debilidades,

o direito cederá em sua última e definitiva revelação.”

EDUARDO J. COUTURE

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Introdução à quinta edição

O momento de levar a quinta edição desta obra à produção coincidiu com o período imediatamente posterior à realização da 2ª Semana do TST, em que o Tribunal, reprisando o que fizera em maio de 2011, reuniu-se com a finalidade exclusiva de rever alguns tópicos de sua jurisprudência consolidada. Diante do papel recente adquirido pelas decisões judiciais, mormente aquelas oriundas dos tribunais superiores, grandes foram as expectativas em torno desse processo, o que se mostrou justificável quando os resultados foram divulgados. Em diversos assuntos, o TST modificou radicalmente sua interpretação antes consagrada, alterando por completo o plano jurisprudencial que, como se sabe, serve de norte fundamental não apenas para os operadores justrabalhistas, mas também para os próprios envolvidos nas relações de trabalho.

Assim, esta nova edição, que consagra o êxito desta modesta obra, serve também para contemplar as alterações jurisprudenciais e normativas ocorridas após a publicação da quarta edição, bem assim para a reformulação e aperfeiçoamento de alguns conceitos que foram sendo amadurecidos ao longo dos anos.

Campinas, verão de 2013.

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Introdução à quarta edição

Com grata surpresa recebi a notícia de que a terceira edição deste livro, apenas um ano após sua publicação, já estava prestes a se esgotar. Para mim, é sinal de que a principal missão que assumi quando da sua elaboração estava cumprida: a de tentar oferecer um roteiro teórico e prático que facilitasse a compreensão do processo elaborativo de uma sentença trabalhista, destinado aos estudiosos do Direito e àqueles que disso necessitam por razões profissionais. E, claro, aos que estão percorrendo os tortuosos caminhos dos concursos para a Magistratura do Trabalho.

Na edição anterior, esforcei-me para tentar ser o mais abrangente possível, imaginando e visualizando as diversas possibilidades a serem encontradas em processos trabalhistas, de modo a apresentar ao leitor ao menos um caminho a ser traçado no seu enfrentamento. Por certo que isso não foi suficiente, pois várias foram as sugestões recebidas para incorporar novas proposições ao trabalho, e tantas outras surgiram a partir da observação de casos que chegaram às minhas mãos. Da mesma maneira, novos enfoques se mostraram necessários de acordo com o exame de provas aplicadas em concursos recentes, que evidenciam grande criatividade por parte das bancas examinadoras.

Com isso, esta edição traz algumas considerações a mais do que a anterior, exatamente como resultado dessa incorporação de situações e soluções observadas após a sua publicação. Além disso, como não poderia deixar de ser, promovi as atualizações legislativas e jurisprudenciais supervenientes à 3ª. edição, tentando deixar a obra com conteúdo coerente com as tendências que vêm sendo adotadas, especialmente pelos tribunais superiores.

Por certo que esta não será uma edição definitiva, e por isso espero dos leitores que, além de aproveitarem os modestos conhecimentos ora compartilhados, ofereçam sua colaboração para que eventuais publicações futuras possam conter ainda mais elementos aos novos leitores que porventura surgirão.

Campinas, verão de 2011.

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Introdução à terceira edição

Ao me defrontar com o esgotamento da segunda edição deste livro, encarei novamente o desafio presente por ocasião de seu lançamento: como já foi dito, reeditar uma obra significa a tentação de reescrevê-la. Neste caso, não tive como fugir desse desafio, eis que muitas foram as mudanças na legislação e no perfil doutrinário trabalhista e processual comum desde a última atualização. O acréscimo na competência da Justiça do Trabalho, levado a efeito pela EC n. 45/2004, exigiu um esforço especial de formulação de um trabalho teórico e prático que pudesse abarcar as diversas modalidades de ações hoje admitidas no processo do trabalho.

Com isso, o livro adquiriu uma nova estrutura, com um detalhamento maior em alguns de seus tópicos, sobretudo no que diz respeito à prática da elaboração de um ato sentencial. Dessa forma, procurei elaborar um trabalho muito mais com-pleto, o que acabou envolvendo até mesmo assuntos aparentemente marginais ou de menor importância, mas que invariavelmente ocasionam muitas dúvidas, especialmente para aqueles que estão enfrentando as agruras de um concurso público para a magistratura.

Apesar disso, o trabalho continua fiel aos seus propósitos iniciais: o de conferir um roteiro prático e estruturado para auxiliar aqueles que se aventuram nesse complexo mister, que é o da elaboração de uma sentença trabalhista. Destina-se não só aos já citados candidatos em concursos públicos, mas também aos estudantes que querem compreender melhor o ato sentencial; aos auxiliares da Justiça, que podem dele utilizar-se em seu labor; aos advogados e estagiários, que podem municiar-se de informações para melhor desenvolver sua atividade profissional; e a todos os que se interessem pelo assunto. Por isso, acurei-me em usar uma linguagem que, sem perder o senso técnico, procura ser acessível e compreensível, dentro do propósito contemporâneo de se buscar a redução das barreiras de comunicação nos atos processuais, sobre o que também tratamos no livro.

Finalizo, agradecendo a todos os que, direta ou indiretamente, auxiliaram a elaboração deste trabalho, cujo resultado deriva de inúmeras conversas realizadas durante aulas de Direito e Processo do Trabalho — e fora delas —, além das incontáveis aulas ministradas em cursos de sentença.

Campinas, outono de 2009.

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Introdução à segunda edição

Dizia-se que Otto Lara Resende jamais permitia que seus livros fossem reedi-tados. Para ele, uma nova edição de um livro seu representava um processo tão amplo de revisão que ele praticamente reescrevia a obra, pois tinha o olhar muito crítico em relação ao que havia escrito. Por isso, considerava cada edição um novo texto. Ao propor o desafio de atualizar e reeditar meu primeiro livro, Teoria e prática da sentença trabalhista, compreendi totalmente o sentimento do saudoso cronista, cuja literatura aprendi a admirar desde meus passos juvenis na leitura de escritores brasileiros. Afinal, nesses sete anos foram tantas as mudanças em minha vida e no direito processual, que exigiram quase uma refeitura do texto integral.

Por certo, o espírito do livro continua o mesmo: destina-se a subsidiar aqueles que se envolvem nessa complexa tarefa que é a elaboração de uma sentença trabalhista, seja com o fim de complementar seus estudos para provas de concurso, seja para aperfeiçoamento profissional dos que atuam em atividades de apoio a magistrados. No entanto, tive de rever alguns tópicos em face de mudanças legislativas — como a extinção dos juízes classistas na Justiça do Trabalho, que representou a modificação da denominação do órgão jurisdicional de primeiro grau e a própria procedimentalização da sentença — e outros tantos em razão da mudança de postura que adotei nesse período, inclusive com modificação de alguns entendimentos.

Por outro lado, sem perder a concepção prática do texto, procurei aprimorá-lo teoricamente, ressaltando fatores que considero relevantes no mister jurisdicional, como, por exemplo, um pequeno tópico sobre a efetividade processual, como prin-cípio fundamental. Acresci, ainda, ao final da obra, algumas questões relevantes que costumam permear o labor sentencial na Justiça do Trabalho, propondo aos leitores a discussão e solução delas, como meio de exercitar a aplicação dos concei-tos que propomos no decorrer do trabalho. Resisti a uma tendência que considero infeliz: a de colocar no livro “questões resolvidas”, como se os interessados em uma obra dessa natureza fossem pessoas que precisam que lhe digam como resolver problemas. Com efeito, acredito no processo de aquisição de conhecimento como algo a ser amadurecido em cada um, consoante suas capacidades e mediante dire-trizes científicas conferidas pela literatura e outros meios de apreensão cognitiva. Por isso, lancei apenas problematizações a serem resolvidas pelos leitores, como mecanismo de aprimoramento intelectual, sem impingir-lhes nenhum dogma.

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Não posso deixar de registrar a inestimável colaboração da Dra. Ana Paula Alvarenga Martins, Juíza do Trabalho, que se abstraiu da condição de minha esposa e adotou um papel crítico na revisão do texto original. Agradeço-lhe, juntamente com nosso amigo, Dr. Marcus Menezes Barberino Mendes, também Juiz do Trabalho, por terem auxiliado no aprimoramento do conteúdo do livro, a partir de Cursos Práticos de Sentença Trabalhista que juntos gestamos e desenvolvemos nos dois últimos anos.

Campinas, outono de 2003.

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Introdução

Não se pode negar que a sentença é o ponto culminante do processo, ma-terializando a resposta do Judiciário àquilo que a sociedade veio buscar às suas portas: uma prestação, a jurisdicional, que visa a resolver um conflito de interesses. De outro lado, para o magistrado a sentença representa a expressão objetiva de sua concepção sobre o direito, pois sua realização encerra não só o estudo dos preceitos básicos que estão em discussão, mas também as regras de conduta exis-tentes na ordem jurídica abstrata e hipotética, que são concretizadas no caso que lhe foi submetido à análise.

Outrossim, por ser o retorno imediato outorgado pelo Estado ao cidadão, o acuramento na sua elaboração passa a ser fundamental tanto para as partes que aguardam aquele provimento quanto ao seu próprio redator, que vê ali consolida-do o fruto do seu trabalho.

No entanto, por ser uma atividade eminentemente prática, existe uma infeliz tendência a que seja priorizada a técnica, deixando de lado a inequívoca consta-tação de que o aprimoramento teórico do labor sentencial é fundamental para sua correção e clareza, evitando aquilo que de pior pode haver para um prolator: a decretação de nulidade de seu ato por vício de formalidade ou de conteúdo. Isso sem contar que alguns fatores externos, como o excesso de trabalho e o uso inadequado ou improdutivo da informática, acabam por criar um processo de industrialização das sentenças, de modo que nem mesmo seus aspectos técnicos são sempre observados.

Pensando nisso, e sentindo as dificuldades que muitos têm nessa fundamental atividade jurisdicional, compilamos aqui alguns tópicos doutrinários sobre a sentença, visando, eminentemente, a informar sobre elementos técnicos para os que atuam ou que pretendam atuar como magistrados trabalhistas, e ainda àqueles que lhes servem como seus assessores. Não desconsideramos, outrossim, os candidatos à magistratura do trabalho que, em uma das fases do laborioso concurso a que se submetem, precisam demonstrar seus conhecimentos em matéria sentencial, em prova essencialmente prática. E mesmo os estudantes de direito, na sua imanente ânsia de saber, não fugiram às nossas perspectivas na elaboração deste trabalho, pois acreditamos ser um valioso instrumento em seus estudos e mesmo no início de sua preparação para eventuais concursos públicos.

Nesses escritos não pretendemos, como dito, estabelecer parâmetros teóricos sobre o tema, o que deixamos a cargo dos eminentes professores e juristas que

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citamos na bibliografia deste trabalho, por certo muito mais apreciáveis do que poderíamos modestamente oferecer. Buscamos, antes de tudo, trazer algumas noções básicas a respeito, destinando-se, exclusivamente, a oferecer um roteiro didático de estudos, permitindo que seja investido um maior tempo em elaborações práticas.

Assim, na primeira parte, realizamos uma singela avaliação doutrinária da matéria, fundamental para que se restaure a concepção processual da sentença, seu significado, suas espécies e, fundamentalmente, a metodologia de sua produção. Além disso, destacaremos algumas peculiaridades da sentença trabalhista que, pela sua natureza, cada vez mais se distancia das decisões proferidas em outros Juízos. Na segunda parte, apresentaremos questões práticas envolvendo diversas matérias que podem ser objeto de apreciação na sentença trabalhista, como, p. ex., questões processuais, preliminares, prejudiciais e questões de mérito.

Não nos esquecemos, outrossim, de que um trabalho dessa natureza somente se desenvolve e se aprimora quando aqueles que desejam nele sucesso se debruçam sobre a mesa de trabalho e se colocam totalmente envolvidos com seu intento. O nosso objetivo, pois, é apenas com estes colaborar.

Campinas, outono de 1996.

I

Generalidades

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1. A jurisdição e o juiz

É certo que a principal função do Direito é a de ordenar a convivência social e compor os eventuais conflitos entre os seres sociais, o que faz, primordialmente, pela edição de normas de conduta. Mas isso quase nunca é suficiente para que o Estado alcance os seus objetivos, surgindo regularmente a necessidade de se individualizar, declarar e fazer com que essas regras sejam observadas. Isso é feito pelo exercício da jurisdição, cuja função é a de garantir eficácia prática ao ordenamento jurídico, tanto na aplicação como na criação do direito, nos países em que vigoram sistemas como os de commom law. É de se notar que, mesmo em modelos como o brasileiro, que não seguem esse padrão científico, há uma tendência crescente de se admitir a possibilidade da criação jurisdicional de diretrizes não previstas em lei. A jurisdição funciona, assim, como uma importante via de suprimento das lacunas legislativas, o que tem transformado o sistema em um modelo híbrido, com nuances relevantes de realismo jurídico. Assim, ao lado das demais esferas do poder estatal, o poder jurisdicional é um atributo fundamental do Estado, usado mediante a imposição da sua vontade sobre a vontade das pessoas. Em sua literalidade, está relacionado ao atributo de se “dizer o direito”, revelando a concepção daqueles a quem caberia solucionar os conflitos entre os cidadãos, expressando como a ordem jurídica deve impor-se nas relações interpessoais, de forma a assegurar sua convivência e sobrevivência.

Ainda que fundado em diretrizes presentes desde o Direito Romano, somente no decorrer do Iluminismo, com a vertente criação da doutrina da tripartição dos poderes estatais, é que essa ideia foi aprimorada, voltando-se tal atributo exclusivamente — ou, nem sempre — a uma ramificação específica do Estado. A esse ramo chamou-se Poder Judiciário, que, desde então, por intermédio dos seus agentes, passou a se qualificar como o prolator nato de qualquer manifestação sobre os conflitos específicos, verificados entre os membros da sociedade. Como observa Dinamarco, a jurisdição se revela pela chamada função social do processo, “que depende, sem dúvida, da efetividade deste. Já que o Estado, além de criar a ordem jurídica, assumiu também a sua manutenção, tem ele interesse em tornar realidade a disciplina das relações intersubjetivas previstas nas normas por ele mesmo editadas”.(1) Dentro dessa sua lógica funcional, o Judiciário é o braço estatal que, por meio da jurisdição, interfere na vida da sociedade e nas relações entre seus membros, em nome da chamada paz social.

(1) Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 12.

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Contemporaneamente, os estudos sistêmicos do direito processual nos re-velam que o poder jurisdicional não comporta apenas um determinado objetivo, mas sim uma conjugação de propósitos, tanto de ordem política, como social e também jurídica. De forma bastante sintética, podemos dizer que, sob o enfoque jurídico, o escopo da jurisdição é o de manter intacta e íntegra a ordem jurídica, tendo como objetivo fundamental o de assegurar a vontade daquilo que estipula o direito material. Já no sentido político, a atuação da jurisdição está relacionada com a prevalência da autoridade do Estado (poder), com a liberdade dos cida-dãos, que têm no Judiciário a salvaguarda de seus direitos mais fundamentais e ainda com a possibilidade de participação do cidadão nos destinos da sociedade política. Do ponto de vista social, a função jurisdicional serve para que o Estado possa alcançar aquele que é seu principal objetivo, ou seja, a promoção do bem comum, além de contribuir no processo educativo dos cidadãos, a partir da função pedagógica das decisões.(2)

A partir dessa dinâmica dos escopos da jurisdição, vemos que o processo tem uma importante função pacificadora. Partindo do pressuposto de que a vida social é própria para os conflitos de interesses, cabe ao Estado, legislando e exercendo a jurisdição, eliminar as insatisfações decorrentes dos conflitos sociais. Assim, é imprescindível que o conflito seja efetivamente resolvido por meios idôneos — ainda que remanesça a insatisfação da parte perdedora. Toda a lógica do sistema permite, além da esperança de reversão da decisão pelos graus recursais apropriados, a inexorabilidade das decisões já consumadas, cuja destruição é inconveniente para a sociedade. Mas essa missão pacificadora do processo somente vai ser alcançada se os conflitos forem eliminados mediante critérios justos e eficientes, pois este é o mais elevado escopo social do Estado. Daí por que a busca incessante por diretrizes normativas que possam assegurar a concessão desses meios de solução eficiente dos conflitos é a tônica contemporânea da ciência processual.

Daí se nota a relevância do papel do juiz na organização democrática da sociedade: a ele cabe cumprir a missão fundamental para convivência pacífica dos sujeitos sociais, impedindo que se processem iniciativas de uso arbitrário dos próprios direitos ou usurpação indevida de garantias legais ou contratuais. Modernamente, especialmente na sociedade brasileira, que vem amadurecendo sua perspectiva de consolidação do regime democrático, após longo período de repressão, a figura do magistrado passou a fazer parte do cotidiano das pessoas, desde o mais simples trabalhador até o mais rico empresário. Na mesma proporção em que aumentou

(2) Essa classificação é de Dinamarco, que pontua: “Por isso é que, hoje, todo estudo teleológico da jurisdição e do sistema processual há de extrapolar os lindes do direito e da sua vida, projetando-se para fora. É preciso, além do objetivo puramente jurídico da jurisdição, encarar também as tarefas que lhe cabem perante a sociedade e perante o Estado como tal. O processualista contemporâneo tem a responsabilidade de conscientizar esses três planos, recusando-se a permanecer num só, sob pena de esterilidade nas suas construções, timidez ou endereçamento destoante das diretrizes do próprio Estado social” (A instrumentalidade do processo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 153).

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sua importância para a sociedade, pode-se dizer que foi estendida também a sua responsabilidade. Afinal, a sociedade finalmente reconheceu que o juiz presta, em verdade, um serviço público, o que faz com que o “consumidor” desse serviço — o cidadão — passe a ter, naturalmente, uma postura de maior exigência.

Com isso, o bom desempenho do magistrado não pode mais ser visto — se é que chegou a ser, exclusivamente — como simples fator de sua satisfação pessoal, ou mesmo como critério de promoção funcional: há de ser tomado, sobretudo, como uma resposta eficaz àqueles que lhe vieram pedir guarida a um interesse ofendido, e que, em última análise, são os que pagam seus vencimentos. Por esses fatores, o juiz nunca pode deixar de lado seu aprimoramento intelectual, buscando sempre a renovação dos seus pensamentos jurídicos e também relativos a outras áreas do conhecimento, sempre fundamentais para a resolução dos problemas concretos que enfrenta.

Esses comentários se mostram oportunos porque é justamente na sentença que se costuma identificar o juiz efetivamente preocupado com as repercussões de seu trabalho, pois ali, mais que em qualquer outro ato que pratique, é que fica efetivada a aplicação das regras jurídicas ao caso enfocado. No entanto, o processo de elaboração de uma sentença, para quem a examina extrinsecamente, não revela exatamente o labor a que se submeteu seu redator. Com efeito, antes da transcrição para o papel da sua perspectiva sobre o problema, é fundamental que ele tenha pleno conhecimento do caso e das repercussões que pode causar. Tornou-se tristemente comum um tipo de produção massificada na elaboração de sentenças, explicável, é bem verdade, pela também massificação dos litígios e sua repetição inacabável. Porém, há que se diferenciar a simples repetição de argumentos expressos em outro caso similar com o julgamento padronizado, sem atentar para certas peculiaridades de cada problema.

Nessa linha de conduta, e principalmente pela edição intensa de súmulas pelos tribunais superiores, tem havido uma prática de se julgar, apenas, com base em tais decisões. Por evidente, a manifestação consolidada dos tribunais, que têm a missão precípua de uniformizar a jurisprudência, é uma fundamental fonte subsidiária do direito, podendo-se até reconhecer como salutar que sejam seguidos os posicionamentos já assumidos pelos graus majoritários de jurisdição, em benefício do próprio jurisdicionado. No entanto, a conduta criticável é a redução da aplicação efetiva dos preceitos jurídicos a uma remissão infindável a súmulas e julgados, sem a devida conexão narrativa e sem ofertar a justificativa que fundamenta sua adoção pelo magistrado da tese ali esposada, em franco prejuízo da liberdade de convicção do magistrado, que representa uma importante garantia da sociedade.

O juiz português Oliveira Guimarães afirmava, ao publicar uma coletânea das suas sentenças no início do século passado:

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“Acresce que para aplicar o direito ao facto, o meu principal trabalho consiste em interpretar, à custa exclusiva do meu exforço, a disposição legal que julgo adequada.

Para esse fim, leio-a reflectidamente, comparo-a com outras disposições legais que com ela tem pontos de contacto, e vejo se consigo conhecer a vontade do legislador.

Se não consigo ou se me embaraçam dúvidas, vou ver se nos estudos que precederam a confecção da lei, na legislação anterior ou na legislação estranha, encontro elementos para formar minha convicção jurídica.

Só depois, quando me julgo suficientemente conhecedor da matéria, e, assim, liberto da sugestão de personalidades, é que leio os arestos dos tribunais e as opiniões dos jurisconsultos.

Então sei bem que são as razões as únicas causas que podem sugestionar, ou confirmando o meu modo de ver, ou fazendo-me adoptar outro, e que os nomes que subscreveram esses arestos ou opiniões em nada influiram no meu espírito, por maior que seja a reputação de valor scientífico que a eles ande ligada.

O julgador só cumpre o seu dever e só fica satisfeito com a sua consciência quando profére a sua decisão, convencido de que atingiu a verdade, e para chegar a esse convencimento não pode substituir o exforço próprio pelo exforço alheio.

Limitar-se a adoptar a doutrina dua acordão ou duma duzia deles, a seguir a opinião de um ou de muitos jurisconsultos, sem ter formado primeiro a sua convicção jurídica, é falsa a sua missão.”(3)

As ásperas palavras por ele utilizadas não podem, é claro, ser tomadas como uma injunção absoluta. Mas sua citação ensina, fundamentalmente, que é primordial na elaboração de uma sentença a visão própria que o juiz tem da matéria. Evidente a crítica do ilustre magistrado à postura mecânica de certos juízes que, à guisa de facilitar seu trabalho, se limitam a citar decisões já proferidas em situações similares, ou mesmo já sumuladas. Deixa de considerar, quem assim age, a própria criação da ciência jurídica, nativamente polêmica e ensejadora das mais célebres divergências da humanidade. E, para sua própria tristeza, perde a parte mais romântica do direito: a possibilidade de se polemizar.

(3) Na introdução da sua curiosa obra Sentenças e crítica jurídica (Coimbra: F. França Amado, Editor, 1914), sem numeração dessas páginas, em que narra o autor diversas decisões que proferiu enquanto magistrado de primeira instância, comentando-as, inclusive, e referindo-se à existência ou não de recurso, e, eventualmente, reforma. A versão aqui reproduzida respeitou a grafia da época, em Portugal, daí por que com diversas variantes hoje incomuns.