Sentido e Verdade No Tractatus

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8/10/2019 Sentido e Verdade No Tractatus http://slidepdf.com/reader/full/sentido-e-verdade-no-tractatus 1/14 Sentido  e Verdade no Tractatus  de L. Wittgenstein Raul F. Landim Filho Curioso destino teve o  Tractatus  (2). Recusado por diversos editores durante um período de três anos, foi finalmente publicado graças à decisiva intervenção de B. Russell (3). Editado, logo consagrou um estilo de filosofia que influenciou não só o pensamento anglo-saxôni- co,  como também um grupo de cientistas e filósofos que naquela época começaram esboçar o ambicioso projeto neo-positivista (4). Tão surpreendente quanto a acolhida dada a um livro que mal conse- (*) Conferência realizada na UNICA MP no  Encontro  de  Filosofia das Ciências em novembro-79. (2) Wittgenstein, Ludwig  Tractatus  Logico-Philosophicus.  Ed. Bilingüe (ale mão/inglês). Tradução de D.F.  Pears  e B.F.  McGulness, London,  Routiedge & Kegan  Paul,  1961. (3) Sobre a história da publicação do  Tractatus  ver: von  Wright,  G.H. Histori- cal  Introduction: The Origin of Wittgenstein's  Tractatus in  Prototractatus. An  early  version  of Tractatus  Logico-Philosophicus,  edição de B.F. McGui- ness, T. Nyberg e G.H. von  Wright.  London Routiedge & Kegan  Paul,  71. p.2-34. 35

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S e n t i d o   e V e r d a d e n o

Tractatus  d e L . W i t t ge n s t e i n

Raul F. Landim Filho

Curioso destino teve o  Tractatus  (2). Recusado po r diversos editore s

durante um p erío do de três anos, fo i f inalm en te pub licado graças à

decisiva intervenção de B. Russell (3). Editado, logo consagrou um

esti lo de fi losofia que influenciou não só o pensamento anglo-saxôni-

co,  como também um grupo de cientistas e fi lósofos que naquela

época começaram esboçar o ambicioso projeto neo-positivista (4).

Tão surpreendente quanto a acolhida dada a um livro que mal conse-

( *) Con ferênc ia rea l izada na UN ICA M P no   E n c o n t r o  de  F i l o s o f i a  das Ciências

em novembro-79 .

(2 ) W i t tgens te in , Lu dw ig

  Tractatus

  Log ico-Ph i l osoph icus .

  E d . B i l ingüe (a le

mão/ i ng lês ) . T radução de D .F .  Pears e B . F .  M c G u l n e s s ,  L o n d o n ,  Rou t i edge

& Kegan  Pau l ,  1961.

(3) Sob re a h is tó r ia da pub l icação do   Tractatus   ve r : von Wright, G . H . H i s t o r i -

cal  I n t r odu c t i on : T h e O r i g i n o f W i t t g ens t e i n ' s  T r a c t a t u s in   P ro to t rac ta tus .

A n

  early

  ve rs ion

  o f T racta tus

  Log ico-Ph i l osoph icus ,   ed iç ão de B . F . M c G u i -

ness,

  T . Nyberg e G .H. von  Wright.  L on do n Rou t i edg e & K eg an  P au l ,  71 .

p.2-34.

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guira um editor, foi o rápido declínio da sua inf luência. Hoje o   Trac-

tatus,

  ten do conh ecido a glória e o esq uecim ento, se enc ontra à dis

posição dos historiadores e dos arqueólogos nç mausoléu dos clássi

cos que perderam momentaneamente a atualidade.

Uma aparente ambigüidade na estrutura do   Tractatus  (5) pode ter

contr ibuído para o seu prematuro abandono. O l ivro tem ao mesmo

tempo uma dimensão

  crítica

  (no sentido de que a f i losof ia é compre

endida co mo uma at iv idade , um instrum en to de análise con ceitua i, e

não como uma teoria, um conjunto sistemático de enunciados verda

deiros) e

 especulativa,

  (que o ap rox im a muitas vezes das reflexões da

metafísica clássica). Segundo a 'ontologia' do

  Tractatus

  o

  mundo é a

tota lidad e dos fatos (Pr. 1,2, 2 .04 ), os fatos a conexão de objetos (Pr.

2-2.01), os objetos substancias imutáveis da realidade. Entretanto,

não é função da filosofia descrever o real, mas traçar os limites do di-

zível,

  isto é, estabelecer as condições do discurso significativo (Pr.

4.112). Significativas são as proposições verdadeiras ou falsas, isto é,

as proposições descritivas das ciências (Pr. 4.11-4.111). A filosofia é

portanto uma

  crítica

  (mos tra apenas a form a) da linguagem . (Pr.

6.53-6.54).

Esta ambigüidade é ainda reforçada pelo t ipo de exposição adotado

por Wittgenstein. Como as proposições iniciais do   Tractatus  (Pr.

1 2063

são consideradas como 'ontológicas', a ordem de exposição

(4) Ver Wais m an,

  F r i e d r i c h .

  Lu dw ig Wi t t gens te in y e i  C i rcu lo   de Viena.

  T r a d u

ção de

  Manuel

  A rb o l é . M é x i c o , F u ndo de C u l t u ra E c onô m i c a , 7 3 , p.8-27; e

C a r n a p ,  R u d o l f A u t o b l o g r a p h y in

  Ludw ig Wi t t gens te in The Man and His

P h i l o s o p h y ,  ed. K.  F a n n .  New  J e r s e y ,  H u m a n i t i e s  Press  - 67, p. 33-34.

(5 ) A es t ru tu ra do T rac ta tu s é por dema is

 c o n h e c i d a.

  São sete p ropos ições fun

damenta i s .

1 .  Die Welt  is t  al ies,  was der

  Fa l i

  i s t .

2 .

  Was der

  Fa l i

  is t , d ie

  Ta t s ac he ,

  i st das B es t eh en v on S a c h v e rh a l t en .

3 .

  Das

  logische

  B i l d de r T at s a c h en is t de r G ed a nk e .

4 . Der Gedan ke is t de r s i nnvo l i e

  Sa t z .

5 .

  Der Sa tz i st e ine Wahr he i t s fun k t i o n der E lem enta rs a tze . (Der

  E l e m e n -

t a rsa tz is t e ine Wahrhe i t s fun k t i o n

  se iner se ibs t ) .

6 .

  D i e a ll g em e i ne F o rm de r W a h rh e i t s f u nk t i on i s t : [ p , x ,

 N(x)].

  Dies ist d ie

a l l geme ine Form des

  Satzes .

7 .

  W ov on m a n n i c h t

  sprechen

  k a n n , da rü b e r

  muss

  m an

  s c hwe ige n .

O s ign i f i cado

  destas

  p ropos ições bás icas é exp l icado pe las p ropos ições n.1 ,

n . 2 , e t c , ond e n = 1 . . . 7. Se n . e m são nú m eros in t e ir os a rb i t r ár i os ,

n.m.1, n.m.2,

  e tc . exp l i c i t am a p ropos i ção n .m .

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(indicada pela numeração das proposições (6)) poderia exprimir uma

prioridade lógica da dimensão especulativa sobre a dimensão crítica.

Assim,

  considerando as 'proposições básicas' (numeradas pelos intei-

rios positivos de 1 à 7) com o encadeadas num a ord em crescente de

importância, a análise da liguagem (que se inicia à partir da proposi

ção 3) dependeria dos 'princípios metafísicos' anteriormente enun

ciados. Alguns com entadores, ide ntif ica nd o a ord em da exposição

com a ordem lógica das razões, transformam o

  Tractatus

  num l ivro

basicamente especulativo (7).

Mas,

  Wittgenstein é também um pensador próximo à tradição clássica

da fi losofia crítica pela sua ambição de traçar rigorosamente os limi

tes entre o ex prim íve l , o que pode claramente ser d i t o , e o inexp ri-

mível,  objeto do místico. Naquela época, graças à influência de Fre

ge,

  delimitar estas fronteiras consistia em analisar a relação da lingua

gem com a realidade sob dois aspectos: (i) o da possibil idade da re

presentação co m o descrição lingü ística (simbólica e con ven ciona l) do

real;

  (i i) o da correspo ndência (ob jetividad e) da representação à reali

dade.

  Portanto, del imitar as fronteiras do 'dizível ' s igni f icava formu

lar uma teoria do sentido e da verdade, e analisar, ao mesmo tempo, a

conexão e a independência destas duas noções. Tal é o objetivo de

um dos primeiros escri tos f i losóf icos de Wittgenstein (8), que formu

la com simplicidade um dos temas centrais da sua obra:

. . . nós somos capazes de compreender uma proposição sem saber

se ela é verdadeira ou falsa. O que nós sabemos quando compreende

mos uma proposição é o seg uinte: nós sabemos o que é o caso se ela é

verdade ira; e o que é o caso se ela é falsa. Mas nós não sabemos neces

sariamente se ela é atualmente verdadeira ou falsa .

(6 ) Sobre o p rob lema da num eração das p ropos ições do   Tractatus   ver :

(a)  S t e n i u s , E r i k  -  Wi t tgenste in s Tracta tus .   O x f o r d ,  Bas i l  B l a c k w e l l ,  1964,

p. 3-17.

(b) (i)  A e n i s h a n s l i n ,  IVIarkus - L a s t ru c tu re cy c l i qu e du T rac t a tus de Wit

t g e n s t e i n ,

  in e

(i i) M o r eno , A r i ey - L e s y st èm e de nu m ér o t a t i on du T r ac t a t u s , in  Sys -

tèmes

  Symbol iques,

  Science   e P t i i loso ph ie .  Par is ,  Edições do  C N R S  -

1978.

(7 ) V e r es pec ia lm en t e K lem k e , E . T h e on t o l og y o f W i t tgens t ei n ' s T r ac t a t u s

in

  Essays

  on Wi t tgens te in ,   ed . E . K lem k e

  C h i c a g o ,

  Un i v e r s i t y o f I l l i no i s

Press,

  71 . . . i s t h e wo r ld  with  wh ich Wi tt gens te in i s p r im ar i l y  c onc e rned .

Tractatus

  is ch ie f ly a t reat ise o f

  m e t a p h y s i c s .

  p. 104.

Ver

  t a m b é m F o g e l i n , R o b e r t .  Wi t tgenste in .   L o n do n , Rou t i edge & K egan

Paul ,  76.

(8 ) W i t t gens te in , Lu dw ig . N o tes on   L o g i c in   Noteb oo ks - í914-1916.   (ed. G .

H. von  Wright  e

 G . E . M .

  A n s c o m b e ). O x f o r d ,  Bas i l  B lack w e l l - 69 p . 94 .

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A noção de sentido diferencia-se po rta nt o da noção de verdade, em

bora as frases significativas sejam ou bem verdadeiras ou bem falsas.

O sen tido da frase não é assim fixa do independentem ente das cond i

ções de verdade, embora possa ser determinado independentemente

do seu atual valor de verdade. Portanto, só as frases que podem ser

verdadeiras ou falsas têm sentido; pode-se compreender uma proposi

ção verdadeira ou mesmo falsa, mas não se pode compreender uma

proposição que não é nem falsa, nem verdadeira.

A idéia central desta tese, que terá uma formulação menos contun

den te e mais precisa na teoria pic tór ica da p roposiçã o, é a de de finir

o sentido de uma frase pelas suas condições de verdade. É assim uma

versão realista (9) e essencialista da teoria do significado, pois fixa o

sentido da frase independentemente da ação dos interlocutores como

sujeitos l ingüísticos ou como sujeitos históricos. Além disso, formula

da num quadro clássico da lógica bivalente, restringe em demasia o

ambicioso projeto crí t ico do  Tractatus  de traçar de finit ivam en te os

limites do discurso significa tivo . Pois o que pode ser claramen te di

t o são agora apenas as frases suscetíveis de tere m va lor de verdade.

Assim,

  um estudioso da fi losofia da linguagem con temp orânea e co

nhecedor da atual complexidade das diversas teorias do sentido não

se surpreenderá com o 'esque cime nto' a que fo i condenado o   Tracta-

tu s

  em razão do aparente dogmatismo das suas teses.

Sem preocupação de uma análise estritamente histórica, pretendemos

neste artigo mostrar que a fi losofia da linguagem do

  Tractatus

  não

pressupõe qualquer

  teoria do real,

  apesar de neste livro serem usados

alguns termos característicos da tradição metafísica, e alguns enun

ciados, que em razão destes term os , p ode m ser considerados com o as-

serções de uma teoria ontológica. A fi losofia da l inguagem tem uma

prioridade lógica

  sobre qualquer ou tra te oria , e deve ser com preendi

da a partir da noção de representação (quadro), definida a partir das

proposições  2.1-2.11.  A leitura do rracfaft/s deve aí se iniciar. Entre

t an to ,

  na definiçã o de representação certos termo s com o f a t o ,

o b je to , su bs tân cia , etc. são uti l izado s. Para evitar imprecisões o

autor f ixa o signif icado destes termos. Tal é o objetivo dos enuncia

dos que antecedem a proposição 2 . 1 .

(9 ) V e r D u m m e t , M i c h a e l . T r u t h e

  R e a l i s m

in   T ru t h and Othe r   En igmas.

D u c k w o r th , L o n d o n 7 8 , p . 1 -2 4 e p .  145-165 respec t i vam en te .

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Pretendemos ainda mo strar que é possível inte rpre tar a teoria d o

  sen

t ido de Wittgenstein I não como uma teoria que procura f ixar cr i té

rios gerais que de lim itam as fron teiras e ntre o discurso sign if icativo e

0  não signif icativo, mas elucidar as condições lógico-l ingüísticas que

certas expressões devem satisfazer para poderem ser util izadas como

asserções verdadeiras ou falsas. O tema central do   Tractatus  é portan

to a asserção,

 é

  pois a questão do sentido na sua conexão com a ver

dade.

- Teoria Pictórica da Proposição

Duas teses centrais, e inter-relacionadas, são apresentadas ao longo do

Tractatus.

(1)

  a teoria p ictór ica da proposição, ou , a proposição com o quad ro,

imagem,

  figuração dos estados de coisas; tese esta que permite

elucidar o problema do sentido.

(2)

  a l inguagem como constituída de proposições que são funções de

verdade.

Ao lado destas duas teses, uma outra não menos importante, mas ra

ras vezes explicitamente formulada, e que fixa o signif icado das duas

anteriorm ente me ncionadas, é a da univocidade do s entido. Sobre ela

refletiremos mais tarde.

Em virtude do caráter de função de verdade das proposições da

  l in

guagem (11) é ó bv io que graças à análise das proposições devemos

chegar às proposições elem entare s (Pr. 4 .2 2 1 ); e se todas as propo si

ções elementares for em dadas, a pa rtir delas poderemos fo rm ar todas

as proposições (Pr. 4.51). Obtem-se portanto uma completa descrição

do mundo se forem fixadas as proposições elementares verdadeiras

(Pr. 4.26), já que estas afirmam a existência de um estado de coisas,

isto é, de um fa to atôm ico (Pr. 4.25 e 4.2 1).

(10) Ver  Dummett,  M ichae l .  What  is a Th eo r y o f Mean ig i n M indand Langua -

g e,

  I   Claredon-Press  - 75 , p . 97 -137.

G r i c e ,

  H. Mean i ng in

  The Ph i l osop h i ca l Rev iew ,

  v o l .

  L X V I ,

  n ° 3 - 1 9 5 7 , p .

377-88.

Sear le ,  J o h n .

  Speech

  Acts,

  Cambr idge Un i ve rs i t y

  Press,

  Cambr idge 69, p .

22-53.

Evans,  Gareth and Mcdowel l ,   J o h n   (ed.).

  T ru th and Mean ing

  C la redon   Press

O x f o r d , 7 6 .

(11 ) Como d i sc ípu lo de

  F r ege ,

  Wi t tgens te in pos tu la que a un idade l ingüís t i ca

dotada de s ig n i f i cado é a f rase e não a pa lavra .

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o

  problem a do sen tido se reduz pois à análise da proposição  elemen-

tar.

Uma proposição (elementar) diz W ittgens tein . . . m ostra  como as

coisas estão (conectadas) se ela é verdadeira. E ela

  firm

(sagt) que

as coisas estão assim (Pr. 4. 02 2) .

l\/lostra o seu sen tido, representa (darstellt) esta ou aquela situa çã o ,

(Pr. 4031), e  firm (sagt) a sua representação. E a representação

consiste na de scrição (Beschreibung) de um estado de coisas (Pr.

4.023).

A análise desta dupla fun ção da prop osiçã o, descritiva e assertiva, nos

conduz ao estudo da Teoria da Representação (Quadro) (12), sob

dois aspe ctos:

1)  Em que condições uma representação é possível?

2)  Em que condições é possível afirmar uma representação?

Em termos mais adequados ao estilo do   Tractatus  duas questões de

vem ser analisadas:

1)  Sob que condições um fato, uma conexão de elementos, é um qua

dro (uma representação)?

2)  Em que condições um quadro á uma proposição?

II - Fato como Quadro (Representação)

A origem da hipótese do qu adro ser uma propo sição e da proposição

ter uma dimensão pictó rica , po rta nto a origem da teoria pictórica

da proposição, é relatada por G. Wright no seu conhecido resumo

biográfico (13), e retomado pelo próprio Wittgenstein no seu diário

em 29 /9 /1 4 (14). Ao ver num jorna l o esquema de um acidente auto-

mobilístico, Wittgenstein intui que este esquema pode ser usado co

mo uma proposição. A representação deste fato, o acidente automo

bilístico, consiste não só na substituição dos automóvies por dese

nhos particulares, como também na apresentação da conexão entre

os elementos que substituem no esquema os automóveis. Com efeito,

o fato do acidente não consiste simplesmente na existência dos obje

tos,  mas no modo determinado pelo qual estão inter-relacionados.

(12) O  termo  q u a d r o (das B i l d ) p oder i a s er t r a du z i do c om o F i g u ra ç ã o ,

Modelo ,  Rep res en tação , e t c .

(13 ) Ma lco im , Norman -   Ludw ig Wi t t gens te in   A  Memoir with  a B iog ra f i ca l Ske-

tch

  by G.H. vo n

 Wright O x f o r d U n i v .  Press,  1975, p. 7-8.

(14) Wi t tgenste in , L . (Notebooks) , op . c i t . , p . 7 .

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Um quadro, um esquema,

 apresenta

  assim uma situação possível, isto

é, um estado de coisas subsistente ou não (Pr. 2.11).

Quais são as condições de uma representação?

(1 )

  Primeiramente deve-se notar que uma representação somente

acessível àquele que é o seu produtor não é verdadeiramente uma re

presentação. Esta deve ser pública; nos termos de Wittgenstein, um

fato (Pr. 2.141).

(2) Um fato para se transformar numa representação deve ainda ter

os seus elementos considerados como substitutos dos objetos. São as

sim os elementos da representação signos, isto é, objetos material

men te percep tíveis, e sím bo los, isto é, designadores de objetos ou tros

que eles mesmos (Pr. 2.13, 2.131).

(3 )

  Mas não é ainda suficiente para que se trans form e um fat o num a

representação que os seus objetos sejam símbolos. É a conexão dos

elementos que deve traduzir, segundo certas regras convencionais, a

concatenação dos estados de coisas representados. Que os elementos

do quadro estejam relacionados uns com os outros representa que as

coisas estão assim relacionadas umas co m as outra s (Pr. 2 .15 ).

Um fato só é portanto representativo se ele é interpretado. Esta inter

pretação consiste em regras de correspondência bi-unívocas que asso

ciam cada elemento da representação a um objeto. Wittgenstein de

nomina esta regra de correspondência de Relação Pictorial (Relação

Afigurante = Die Abbi ldende Beziehung) (15).

Em cada representação está definida convencionalmente uma função

bi-unívoca que correlaciona os elementos do quadro com os objetos

do estado de coisas. Mas a representação é uma  estrutura,  uma cone

xão atual de elementos (um fa to ). E com o já f o i assinalado, a repre

sentação não consiste simplesmente em simbolizar os objetos, mas

em preservar  convencionalme nte na estrutura representante a estru tu

ra dos estados de coisas representados. É certo que, definida a Rela

ção Pictorial, uma mesma conexão de diferentes elementos, ou dife

rentes conexões dos mesmos elementos, podem representar, correta

ou incorretamente, um mesmo estado de coisas. Em outros termos,

fixada a Relação Pictorial, diferentes estruturas podem representar

um mesmo estado de coisas.

(15) Ver Pr.  2.153-2.1515.

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Para dar conta disto, Wittgenstein introduz a noção de Forma Pictori

al (Die Form der A bb i ldu ng ). Inic ialmente definida com o a possibi

lidade da es tru tu ra (pr. 2.0 33 ), a sua noção é precisada na Pr.  2.151:

a

  pos sibilidade de que as coisas estejam um as em relação as ou tras

com o os elementos da f iguração (q ua dro ) (16).

A Forma Pictorial explica assim como uma pluralidade de estruturas

pode representar um mesmo fato possível, e portanto como uma re

presentação pode ser representação   incorreta  deste fa to .  É interessan

te assinalar que sem levar em consideração a noção de Forma Pictori

al e Relação Pictorial não se pode compreender a afirmação de que

uma representação apresenta incorretamente um fato (Pr. 2.17). É a

Relação Pictorial que torna tal estrutura representação de tal estado

de coisas, correlacionando os elementos da representação com os ob

jetos do fato. Este correlacionamento transforma o fato num quadro

(Pr. 21.513) mesmo se a conexão não for preservada, o que a torna

uma representação incorreta.

A Form a Pic toria l é o que há de co m um en tre a representação e o es

tado de coisas (Pr. 2.17). Mas a representação não é uma reprodução

de um fa to possível, mas a sua re-apresentação, sua recriação s im bó li

ca.

  A Form a P ictor ial é assim uma F orma de Representação (D ie

Form der Darstellung) (Pr. 2.173). O que há de comum entre todas

as Formas Pictoriais é de serem elas Formas Lógicas, formas que de

te rm ina m as estrutura s possíveis de representação (Pr. 2.20 2 . 2.2 03 ).

E a Forma Lógica é a Forma de Realidade (Pr. 2.18).

Proposição de difíci l interpretação que relembra afirmações da fi loso

fia clássica, mas que em Wittgenstein é apenas uma conclusão da sua

argumentação l ingüística. Com efeito, se um fato é a representação

de um estado de coisas, deve haver algo de comum entre o fato repre

sentante e o estado de coisas representado para que a representação

seja representação deste estado de coisas. O

 comum

  não pode ser en

contrado nas estruturas que são diferentes em razão dos seus objetos:

elementos simbólicos na representação,  coisas  do fato possível. A

identidade da representação e do representado não pode ser procura

da nem na material idade das coisas do fato possível, nem na dimen

são material-simbólica dos elementos do quadro. Tão pouco na cone

xão apenas preservada por convenção (e não reproduzida) na repre

sentação.

(16 ) D ie F o rm der Abb i l du ng i s t d ie Mog l i chk e i t ,  dass sich  die Dinge so zu ei -

nander ve rha l ten , w ie d ie E lemen te des   Bi ldes.

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o

  com um às duas estruturas — o q uadro e o fa to possível  — é o que

delas resta quando não são mais analisadas e diferenciadas pela mate

rialidade sensível e perceptível dos seus elementos e pela concatena

ção atual e determ inada dos objeto s. Isto é, qua ndo as duas estru tu

ras são consideradas abstratamente, como conexões indeterminadas

de objetos possíveis (e não atualmente perceptíveis). As estruturas

são assim identificadas como isomórficas. Note-se que o isomorfis-

mo se dá entre fato (representação), e um estado de coisas que pode

não ex istir atua lme nte (17 ). Isto exp lica a possibil idade de uma re

presentação incorreta.

I I I  — Propo sição, Representação e Asserção

Resta-nos refletir sobre a seguinte questão: Em que condições um

quadro é uma proposição?

Analisaremos esta questão em dois níveis:

(2.1) Sob que condições uma frase é uma representação; e

(2.2) Como uma frase significativa torna-se uma proposição?

Uma palavra, ou u m c on jun to de palavras nada representa so m en te

fatos podem exprimir um sentido; uma classe de nomes não pode

(Pr. 3.142).

É portanto a frase e não o nome que deve ser analisado.

A frase é uma concatenação, articulação, de palavras. É portanto um

f a to ,

  algo de publicamente perceptível. Os seus elementos, as pala

vras,  são signos simples e primitivos. Signos que não podem ser de

compostos, analisados ou definidos, mas elucidados por expressões

que contêm ocorrências deste mesmos signos. (Pr. 3.26, 3.263).

Estes elementos simples da frase se transformam em nomes quando

por convenção são associados, no contexto da própria frase, a obje

tos.

  U m nome denota (bedeutet) o ob jeto. O ob jeto é a sua denota-

ção .  (Pr. 3.2 03 ).

(17) A Representação sempre apresenta uma  poss ib i l i dade ,  e é asssim  i somór f i ca

a  ao menos um  fato  possíve l. E l a pode ser representação inc or re ta do

 fato,

de um es tado de  coisas  ex is tente. É representação deste

  fato

  em razão da

Relação Pic tor ia l . É representação incor re ta por não ser isomór f ico, por não

preservar

 a conexão a tua l do s ob je tos do

 fato.

4 3

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Sendo a frase uma articulação de nomes, ela é uma estrutura. Defini

das as regras de correspondência, esta estrutura agora interpretada,

preserva logicam ente a conexão dos estados de coisas. Se 'a R b ' é uma

frase elementar 'a' e 'b' nomes, em razão do símbolo 'a' estar numa

certa concatenação (expressa pela inscrição R) com o símbolo 'b'

pode-se representar que o objeto a está concatenado com o objeto

 b.

Wittgenstein assim explica e resume a frase na sua função significati

va:  U m nome apresenta uma coisa, ou tro n om e, ou tra coisa, e eles

estão combinados uns com os outros de tal modo que o todo —  como

quadro vivo

 —

  representa (vo rste llt) um estado de coisas (Pr. 4.0 31 1).

Se a frase como fato torna-se significativa, isto é, representativa, gra

ças às regras de correspondência, a frase significativa

 projeta

  como

  fa -

to

  um estado de coisas possível, e com isto transforma-se numa pro

posição. A proposição é o signo prop osicion al (a frase) em sua rela

ção projetiva com o m u n do (Pr. 3.12).

Como se desenrola este processo de projeção?

W ittgenstein diz que a form a geral da proposição é: Is to é com o as

coisas estão (Pr. 4.5 ). Tod o o p roblem a se resume na explicação da

ocorrência do term o is t o na frase anterior.

Desde o seu te xt o N ot es on Lo gic , Wittgen stein in tro du z a noção

de bi-polaridade do sentido. Pode-se usar uma mesma representação

para dizer duas coisas diferentes, (i) Dizer que a representação é

um fa to (sen tido po sitiv o) , ou (ii) dizer que a representação é apenas

um estado de coisas possível, isto é, um fato inexistente (sentido

negativo). No primeiro caso, usa-se da representação e afirma-se:

E is co m o as coisas es tão . N o segundo caso, afirma-se: E is com o as

coisas não es tão . Em ambos os casos ent re ta nto , trata-se do uso da

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mesma representação, ora afirmada como um fato existente, ora afir

mada como um fato inexistente (18).

Tome-se com o exe m plo a expressão A Lua é m aior do que a T e rr a .

No sentido po sit ivo afirma-se : Is to (a representação) é um f a t o ,

(o que evidentemente é falso). Por outro lado, usando a mesma re

presentação pode-se afirmar que a situação representada não subs-

sjste: Is to não é um fa t o . Neste caso sabe-se qua l é a situação m en

cionada (como fato possível), e se sabe em razão da representação.

Só se pode 'falar sobre' o inexistente pela menção de uma situação

que é apenas uma representação.

Este duplo sentido da proposição permite uma distinção mais clara

ainda entre as noções de sentido e verdade. A o se afir m ar : Is to (a

Lua é maior do que a Terra) não é um f a t o conhece-se a situação

mencionada pela representação, e assere-se a representação como fato

inexistente. Esta asserção é verdadeira, e a situação mencionada ape

nas uma representação. O sentido é pois a representação que pode

ser usada pela asserção de dois modos diferentes: o positivo é o nega

t ivo .  E qualquer um destes modos pode ser verdadeiro ou falso. A

verdade não é apenas uma adequação de representação ao

  real,

  mas

a concordância entre o dizer, o sentido e o   real.

IV —  A tese da univocidade do Sentido»

A Teoria Pictórica da proposição mostrou ser uma hipótese úti l e

original .  Uti l porque elucida o problema do sentido e da verdade,

porque mostra como a negação de uma proposição e a própria propo

sição mencionam uma mesma situação, enfim porque explica a   fun

ção comunicativa da l inguagem. Sobre este últ imo ponto deve ser

assinalado, que a proposição comunica aquilo que representa. Se os

sujeitos lingüísticos são capazes de compreender e de comunicar sen-

(18)Ver

  A n s c o m b e ,

  G . E . M .  An In t roduc t ion t o Wi t t gens tein s T rac tatus .   4?

edição.

  L o n d o n ,

  H u t c h i n s o n U n i v er s i t y L i b r a r y , 1 9 7 1 , p . 6 4 - 7 8 .

Ver  t a m b é m a

 defesa

  da a f i rmação de que o quadro já é uma p ropos ição em :

(i )

  S c l i w y z e r ,

  H.R. Wi t t gens te in ' s P ic tu re - T l ieo ry o f  Language .

(i i ) S hw ay d e r , Dav id . O n t he P i c t u r e T heo r y o f   Language:

E x c e r p t s  from  a Rev iew . i n   Essays   on Wi t tg enste in s Tracta tus .   E d i t a

do I rv i ng Cop i & Robe r t

  B e r n ar d , L o n d o n ,

  Rou t i edge  S  K e k a n  Paul ,

1966, p. 271-288 e 305 -312, resp ec t i vamente .

( i i i )  Rhees ,  R u s h .  M i s s A n s c o m b e  o n t h e  T r a c t a t u s in   D i scuss ions   o f

Wi t tgenste in .

  L o n d o n ,

  Rou t i edge & K ek an Pau l ,  1970 , p . 1 - 15 .

4 5

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t idos,  é em razão da função pic tor ial , descrit iva, da proposição. O uso

de uma representação não só descreve um estado de coisas, como, em

razão desta descrição, torna possível a ação comunicativa. E se a

  l in

guagem tem este poder de criar sempre novos sentidos é porque a re

presentação não supõe a existência, mas apenas a possibilidade.

A teoria pictórica é também uma solução original para o tradicional

problema do sentido e da referência (19). Só um fato representa, isto

é, só a proposição, compreendida como uma frase descritiva projeta

da no mundo, tem sentido. Um signo isolado só é nome no contexto

da proposição, e a sua função na frase significativa é a de identificar

o objeto. Regras convencionais determinadas pela Relação Pictorial

permitem associar na frase o signo ao objeto. Regras lógicas (Forma

Pictorial) permitem exprimir a conexão dos objetos pela conexão ló

gica dos nomes. Sentido e Referência mostram assim este duplo as

pecto das regras semânticas que permitem transformar um fato numa

frase significativa.

Portanto, nomear e descrever aparecem como duas atividades com-

plementares da única função da linguagem tema tizada no

  Tractatus

isto é, a função assertiva, que restringe a realidade a duas alternativas:

o sim e o não, o verdadeiro e o falso (Pr. 4.023).

Mas o

  Tractatus

  não procura apenas mostra r as condições que os

enunciados declarativos devem satisfazer, propõe-se tam bé m a uma

crítica da linguagem, linguagem que na expressão sugestiva de Wit-

tgens veda (verkieidet) o pensamento. De fato, este livro contrapõe

uma linguagem co rreta , cujas condições acabam de ser exp licitadas , a

uma linguagem ambígua. A maneira de exercer o seu método de  elu

cidação e cr ítica consiste em submeter a linguagem am bígua às regras

de uma gramática lógica que governa a linguagem correta. Um dos

(19) E i s um a d ivergênc ia  importante  co m as idéias de Frege expos tas no s céle

bres

  a rt i gos Fun ção e

  C o n c e i t o

e So br e o Sen t ido e a Re fe rênc ia , e

t a m b é m c o m as d e  Russe l l .  O nom e só tem referên cia, e a referência é o seu

s ign i f i cado .  Po r ou t ro lado , só no con tex to da  f rase ,  u m   s igno  é um nom e.

Desaparece

  assim  a n o ç ão d o n o me c o m o s ímb o l o c o m p l e to  essencial  à teo

r ia  de  Russe l l .  Ver em

  espec ia l :

(i )

  F rege,

  G o t t i o b -

  L óg ica e F i loso f ia da L inguagem.

  (Tradução P. A lc o fo -

rado) .

  São  Pau lo .  Ed i to ra Cu l t r i x , 1978 , p . 36 -36 .

(ii)

  Russe l l ,

  B e r t r a n d e W h i t e h e a d , A l f r e d .

  P r i nc ip ia

  Mathematica

  ( to 56).

C a m b r i dg e ,  Un ive rs i t y

  Press,

  1969, p. 66-70.

( i i i )  Russe l l ,  B e r t r a n d .  In t r oduc t i on t o Ma themat i cal Ph i l oso ph y .  New

Y o r k ,  A . To u c h s t o n e B o o k , p . 1 6 7 -1 8 0 .

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princípios fundamentais desta gramática é o da substituição na frase

do signos pelos objetos (Pr. 4.0312).

A ambigüidade, na l inguagem natural por exemplo, reside, entre ou

tras razões, nos diferentes modos de designação, seja que um mesmo

signo é usado para diversas designações, usado portanto como dife

rentes símbolos, seja que diferentes signos são usados como um mes

mo símbolo (Pr. 3.322 e 3.323). Estas ambigüidades seriam supera

das se cada signo estivesse no lugar de um e somente de um objeto.

Fixada conven ciona lmente a designação do signo, e estabelecida as

regras lógicas de conexão dos símbolos segue-se por necessidade a

descrição do estado de coisas.

A oposição entre linguagem co rreta e liguagem amb ígua corresponde ,

entre outras coisas, à oposição da univocidade à equivocidade do

 sen

t ido.

Se po r razões puram en te lógicas poder-se-ia ace itar a ex istênc ia, so

bre tudo num a linguagem idea l, de proposições elementares, estas ga

nham co nto rnos bem precisos na linguagem corre ta graças à un ivo ci

dade do sentido. Com efeito, uma proposição elementar é uma cone

xão de nomes. E nomes são signos simples. Se numa proposição ele

mentar não ocorressem somente signos simples, o sentido desta pro

posição seria revelado po r outra s p roposições . Se não se encontrasse

nesta regressão uma proposição realmente elementar, haveria uma in-

determinação do sentido e assim impossibil idade de se obter uma des

crição do m un do . Diz W ittgen stein : Po stular a possibil idade dos sig

nos simples é postular a dete rm inabil idade do se nt ido (Pr. 3.23 ).

Por outro lado, não só os signos, mas também os seus correlatos, os

objetos, devem ser simples. A argumentação aqui se repete; se uma

proposição tratasse de complexos o seu sentido só poderia ser deter

minado através de outra s proposiçõe s que designassem as partes cons

tituintes destes complexos. Se a análise regressasse ao infinito, nova

mente não se poderia descrever o mundo face à indeterminabil idade

do sen tido. Ca da asserção sobre com plex os deixa-se d ivi d ir num a as

serção sobre suas partes constituintes e naquelas proposições que des

crevem inteiram ente tais co m plex os (Pr. 20 20 1).

A exigência da univocidade do sentido conduz assim a teoria da

  l in

guagem do  Tractatus

  a

 postular a existência de proposições elementa

res que são conexões de nomes, signos simples, cujos correlatos são

objetos simples. Os objetos simples, substâncias do mundo (Pr. 2021)

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imutáveis

 e subsistentes Pr. 2.027), e com tantas outras propriedades

caras à ontologia tradicional, são a

 conseqüênci

e o fundamento da

tese da univocidade. Se a teoria da linguagem apresentada no

  Tracta

tus não

 pressupõe

 uma teoria do real, ela termina por

 introduzir

 aqui-

lo

  que a linguagem correta, que o

  próprio  Tractatus

 pacientemente

elaborara, procurara banir: a filosofia como teoria e não como análi-

se

 lógic

da linguagem.

A

  peripéci

do

  Tractatus

 talvez nos

 sugira

 que uma filosofia da

  lin-

guagem

 quando regida exclusivamente por

  nálises

  lógicas que não

levam em

  consider ção

 as

  intenções

 do locutor, as

  circunstânci s

 da

enunciação

as

  re ções

 do ouvinte, corre o risco de encontrar como

seu fundamento

  firm ções

 especulativas, tão mais estranhas quando

se aprende que estes enunciados não podem ser formuladas numa

  lin-

guagem

 correta submetida ao rigor da

  nálise

  lógica. O abandono do

Tractatus

 à

 arqueologia encontra

 assim suas

 razões.

8