SEPARAÇÃO, IGUALDADE, APROXIMAÇÃO. TRÊS MODELOS DA RELAÇÃO ESTADO-IGREJA, por Winfried...

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Exposição de três modelos de relacionamento entre Estado Laico e Igreja.

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    Vol. 7, n. 7, (jan./jun. 2010), p. 14-32.

    14UniBrasil - Faculdades Integradas do BrasilRua Konrad Adenauer, 442, Tarum. CEP: 82820-540 Curitiba - PR - BrasilTelefone: 55 (51) 3361.4200revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/

    SEPARAO, IGUALDADE, APROXIMAO.TRS MODELOS DA RELAO ESTADO-IGREJA1

    SEPARABITILY, EQUALITY, APPROXIMATION. THREE MODELS OF THE STATE-CHURCH RELATIONSHIP

    Winfried Brugger2

    Sumrio: I. O ponto de partida jurdico: separao entre Estado e igreja, garantia de liberdadee igualdade de religio. II. O primeiro modelo: Liberdade das religies do Estadoatravs de grande distncia e separao estrita. III. O segundo modelo: Igualdade dasreligies como valor preferencial. IV. O terceiro modelo: integrao atravs daproximidade entre religio civil e moral constitucional. Literatura.

    RESUMO

    Como os Estados devem lidar com a religio atualmente um dos temas maiscontrovertidos. As razes para isso se tornam especialmente claras quando se toma otermo genrico "religio" e o divide, assim, mais claramente revelando os seguintesproblemas: (1) Religies ocorrem no plural, o que leva questo de como lidar com opluralismo religioso: Todas as religies podem ser tratadas de forma rigorosamenteidntica? Se a religio tradicional do pas, ou seja, o cristianismo no Ocidente e Isl noOriente Mdio, desfrutam de liberdade especial? Ou deveria ser o oposto do processo:Se s religies minoritrias deveriam ser conferidas proteo especial em relao religio da maioria? (2) Religies normalmente existem nas verses moderadas queesto sintonizadas com os valores sociais, bem como variaes mis radicais,fundamentalistas, como, por exemplo, algumas seitas do Isl. Como deve ser a lei e areao de estado quando as sanes contra as faces fundamentalistas so interpretadascomo decorrentes de preconceito implcito e desprezo de toda a religio, ameaandoassim um choque de culturas? (3) debatido se religiosos e instituies do Estadoprosperam melhor em grande distncia ou maior proximidade. Qual a melhor soluopara seu prprio bem? E sobre o bem da comunidade como um todo, que deve abrangere integrar as preocupaes de ambas as religies e o Estado secular com um grau deigualdade?

    1 Artigo recebido em: 17/06/2010. Aceito para publicao em: 22/06/2010. Texto objeto de Palestra

    proferida na UniBrasil em 25 de Maio de 2010. Traduo do alemo pela Profa. Msc. EliseteAntoniuk. Reviso da traduo e notas pelo Prof. Dr. Marcos Augusto Maliska. Atividades realizadasno mbito do NupeConst Ncleo de Pesquisa em Direito Constitucional da UniBrasil.

    2 Professor Catedrtico de Direito Pblico, Teoria Geral do Estado e Filosofia do Direito da Ruprecht-Karls-Universitt, de Heidelberg, Alemanha. E-mail: [email protected];

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    PALAVRAS-CHAVE

    Lei Constitucional, Direitos Humanos, Democracia, Religio, Modelos Igreja-Estado, Cristianismo, Islamismo, Liberdade, Igualdade.

    ABSTRACT

    How States should handle religion is presently one of the most disputed topics.The reasons for this are made especially clear when one takes the generic term religionand breaks it down, thereby more clearly revealing the following problems: (1)Religions occur in the plural, which leads to the question of how to handle religiouspluralism: Should all religions be treated in a strictly identical manner? Should thetraditional religion of the country, i.e. Christianity in the West or Islam in the Near East,enjoy special liberties? Or should the opposite be the case: Should minority religions beafforded special protections in relation to the religion of the majority? (2) Religionsusually exist in moderate versions that are attuned to societal values as well as inradical-fundamental variations, a common example being the many sects of Islam. Howshould the law and state react when sanctions against the fundamentalist factions areinterpreted by the larger, moderate community of the believers as flowing from implicitbias and contempt of the whole religion, thereby threatening a clash of cultures? (3) It isdebated whether religious and state institutions thrive best in great distance or nearnessto one another. Is the former or the latter best for their own good? What about the goodof the community as a whole, which must encompass and integrate the concerns of bothreligions and the secular state to an equal degree?

    KEYWORDS

    Constitutional Law, Human rights, Democracy, Religion, Church-State Models,Christianity, Islam, Freedom, Equality.

    INTRODUO

    A questo sobre como os Estados devem tratar a religio um dos temas maispolmicos da atualidade. Isso se torna mais evidente quando deciframos o conceitoReligio e assim temos o problema mais claramente diante de ns:

    Primeiramente, religies aparecem no plural, o que nos conduz questo de comose deve lidar com o pluralismo religioso: todas as religies devem ser tratadas de formaigualitria? Deve a religio tradicionalmente sedimentada em um pas, no caso doOcidente o Cristianismo e no Oriente Mdio o Islamismo, possuir certos privilgios? Oudeveria ser exatamente o contrrio: as religies minoritrias devem ser fortalecidas faces religies majoritrias?

    Em segundo lugar, religies aparecem em verses moderadas e adaptadas aosvalores sociais, bem como em variantes radicalmente fundamentalistas. Pense-se emalgumas variantes do Islamismo. Como Direito e Estado devem reagir quando sanes

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    contra a parte fundamentalista so classificadas como preconceito/animosidadeimplcita e desconsiderao da religio em geral, o que ameaa uma coliso de culturase religies?

    Em terceiro lugar, discute-se se as religies e os rgos estatais prosperam estandoem grande distncia ou em proximidade. Qual dos casos pode ser melhor para cada um,mas tambm para o bem de toda a sociedade, que deve igualmente integrar ecompreender os interesses religiosos e secular-estatais?

    Estes so grandes e complexos temas para cuja soluo no h uma sada mgica.Primeiramente, vou apresentar os pressupostos mnimos de uma ciso ou separao dosmbitos de Estado e religio ou igreja, bem como da garantia de liberdade e igualdadede religio, vlidos para a Modernidade e para o entendimento atual dos DireitosHumanos. (I.) Na sequncia sero apresentados trs modelos de equilbrio diferenciadodos critrios de separao, igualdade e proximidade inclusive de seus pontos fortes efracos. (II., III., IV), de forma que deve ser criada, nas controvrsias atuais sobrereligio, uma base mais informadora para a reflexo sobre a correta relao entreEstado e igreja.

    I. O PONTO DE PARTIDA JURDICO: SEPARAO ENTRE ESTADO E IGREJA,GARANTIA DE LIBERDADE E IGUALDADE DE RELIGIO

    Com a formulao separao fundamental dos mbitos do Estado e da religio ouigreja3 excluem-se, j de incio, sistemas Estado-Igreja, caracterizados pela amplaidentificao ou unio de domnio espiritual e secular, que, portanto, no apontanenhuma ou quase nenhuma distncia entre si.4 Hoje encontramos sistemas unitrios emalguns Estados islmicos. Eles influenciaram por muito tempo tambm na histriaeuropeia, como no Santo Imprio Romano, a princpio homogeneamente cristo(entretanto, com concorrncia interna entre o Papa e o Imperador) e depois, aps aReforma, na bipartio das igrejas estatais catlicas e evanglicas, no mbito do regimecuius regio, eius religio.5

    Movemo-nos aqui, portanto, num mbito apresentado por modernas Constituiese catlogos de Direitos Fundamentais e de Direitos Humanos: fundamentalmente estclaro que em uma ancoragem de liberdade de religio e viso de mundo, como no art. 4da Lei Fundamental alem6, no possvel uma relao Estado-Igreja no mbito da

    3 A palavra igreja(Kirche) no ttulo do artigo uma abreviao. Aqui se coloca igreja no sentido de

    comunidades religiosas em geral, independentemente de estarem organizadas de forma imprecisa oucoesa, juridicamente formal ou de maneira informal.

    4 Sobre esse tipo de relao Estado-Igreja vide BRUGGER, Winfried. Varianten der Unterscheidungvon Staat und Kirche, Archiv des ffentlichen Rechts, Parte II.

    5 Vide CAMPENHAUSEN, Axel F. e VON/DE WALL, Heinrich. Staatskirchenrecht, 3-7;WALTER, Christian. Religionsverfassungsrecht, Cap. 2.

    6 Art. 4 (Liberdade de crena, de conscincia e de confisso). (1) A liberdade de crena, de conscinciae a liberdade de confisso religiosa e ideolgica so inviolveis. (2) assegurado o livre exerccio de

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    identificao material; o art. 137 I da Constituio de Weimar7, incorporado na LeiFundamental de 1949 pelo art. 140, com a afirmao de que no h igreja estatal, uma expresso clara dessa distino. Um sistema eclesistico-estatal com unio materialde Estado e Igreja iria confundir-se j em sua estrutura e poder de coero de naturezainterna e externa, tornando impossvel uma livre deciso de f/crena e impedindo, emgeral, uma igualdade de religio, seja ela de que natureza fosse. Aos Direitos Humanosse aplica algo semelhante, apesar dos Pactos Modernos de Direitos Humanos, como aConveno Europeia de Direitos Humanos, garantirem somente direitos subjetivos eno prescreverem, como tal, as estruturas organizacionais dos Estados isso excederiaseu mbito de atuao.8 Apesar disso, o patamar dos Direitos Humanos pode excluircertas estruturas organizacionais como no mbito nacional-estatal sobre a garantia dosDireitos Fundamentais. Impede-se, de toda forma, sistemas de unio entre Estado eIgreja nacional, desde que no prevejam, jus materialmente, liberdade e igualdade dereligio de forma ampla, como o caso caracterstico para as igrejas estatais formais,cite-se o Reino Unido da Gr-Bretanha.9

    O Direito moderno prescreve, portanto, trs pressupostos para as relaes atuaisentre Estado e Igreja: ciso (distncia ou separao em sentido amplo10), liberdade eigualdade, o que leva questo sobre se e at que ponto pode-se pensar emaproximaes entre Estado e Igreja no seu mbito. Todas as trs caractersticas podemser entendidas em uma determinao mnima dissociada, permevel e disposta aocompromisso ou de uma forma estrita, rigorosa, absoluta ou concorrente; o esquemaseguinte resume isso literalmente.

    Os trs modelos apresentados a seguir de separao (II.), igualdade (III.) eaproximao (IV.) mantm-se no mbito das exigncias mnimas do pensamentojurdico e constitucional moderno.11 Textos constitucionais ou decises de Tribunaispodem, naturalmente, dizer algo diferente e privilegiar um dos trs modelos. Eles

    cultos religiosos. (3) Ningum poder ser obrigado, contra a sua conscincia, ao servio militar comarmas. Uma lei federal estabelecer normas detalhadas. (N. R.)

    7 Art. 137 (1) No h uma Igreja estatal (Staatskirche). (N.R.)8 Vide FROWEIN, Jochen A. Religionsfreiheit und internationaler Menschenrechtsschutz, p. 78, sobre

    a extenso da EMRK (Conveno Europeia dos Direitos Humanos).9 Vide sobre isso FROWEIN, Jochen A. Religionsfreiheit und internationaler Menschenrechtsschutz, p.

    78 seg.; WALTER, Christian. Religionsverfassungsrecht, Cap. 12; BRUGGER, Winfried. Variantender Unterscheidung von Staat und Kirche, Archiv des ffentlichen Rechts, Parte II.

    10 Na discusso cientfica so frequentemente utilizados os conceitos de distncia, ciso e separaode forma sinnima, o que faz sentido. Aqui se trata, primeiramente, da diagnose de que todos essesconceitos no podem ser utilizados to estreitamente (por assim dizer, em sentido amplo), ouestreitamente (em sentido estrito) ou de forma maximizada, ou tambm ser utilizados faticamente.Para os fins desse artigo importante delimitar a camada de definio mais permevel dedistncia/separao/ciso (ponto I) da camada estreita (ponto II), bem como das determinaes derelao (III., IV.) concorrentes, mas tambm construtivas no ponto I.

    11 Vide tambm a classificao de modelos Estado-Igreja em HEINIG, Hans Michael. Die Ordnung derFreiheit. Das Staatskirchenrecht vor neuen Herausforderungen, Zeitschrift fr evangelischesKirchenrecht Heinig, Cap. II: Hierarchisierung (corresponde aproximadamente ao modelo deproximidade) und Distanzierung (aqui o primeiro modelo).

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    podem prever, como na Frana, algo como a laicidade, com a maior distncia possvelentre Estado e Igreja. Mas isso tambm no seria um impedimento para nossa reflexocomo cidados, juristas e cientistas, pois os textos constitucionais podem sermodificados e os Tribunais podem mudar sua jurisprudncia. Isso significa que noparmetro mnimo apontado da moderna organizao Estado-Igreja so possveis outrosmodelos com diferentes prioridades12, sobre os quais necessria uma discusso abertaface ao crescente significado da esfera religiosa bem como do conflito dessas questes.Tal discusso pode ser elucidada atravs de uma clara viso sobre as diversasprioridades nos trs modelos a serem apresentados separao, igualdade,proximidade.13

    Pressupostos mnimos da relao Estado-Igreja e amplas determinaes nos trsmodelos de distncia, igualdade e proximidade

    Estado moderno e Pactosdos Direitos Humanos

    Pressuposto mnimo:Modelo da ciso ouseparao

    Exigncia intensificada:Modelo da separaoestrita e da grandedistncia no 1 modelo

    Liberdade de religio exclui coao jurdica eacentuada coao ftica

    exclui no 1 modeloqualquer forma de coaopsicolgica ou mesmodistanciada

    Igualdade de religio exclui desvantagensjurdicas e discriminaesfticas acentuadas

    exclui no 1 modeloqualquer forma detratamento desigual,mesmo que de naturezamarginal.Alternativamente: Permiteou possibilita fomento daminoria no 2 modelo

    12 O Tribunal Constitucional Federal alemo (Bundesverfassungsgericht, BVerfG) afirma isso afirma

    exemplarmente na sua deciso sobre a burca em BVerfGE 108, 282 (309 ff.), conforme a qual devemser conferidas aos legisladores estaduais diferentes possibilidades de configurao segundo avaliaoda situao (quanto de integrao ou conflito ocorreria se o uso da burca fosse permitido paraprofessoras muulmanas) e conforme a ponderao constitucional (direitos fundamentais dosprofessores, dos alunos, dos pais somado s competncias estaduais nesse mbito). Assim, deve serpossvel um direcionamento de maior laicidade e neutralidade (aqui o primeiro modelo) bem como apermisso da burca no mbito escolar com maior proximidade entre Estado e igreja (aqui o segundoou terceiro modelo, conforme a configurao mais prxima). Sobre as regras isoladas vide asreferncias em CAMPENHAUSEN, Axel F. e VON/DE WALL, Heinrich. Staatskirchenrecht, p. 72 eseg. com nota de rodap n 117.

    13 No distingo juridicamente de forma precisa entre direito organizacional e direito fundamental ou, nosdireitos fundamentais, entre mbito de proteo, interveno e limite ou entre as jurisdies isoladas apartir das quais tirei os meus exemplos de casos. Em vez disso, desenvolvo modelos para comparaogeral nos quais esses elementos se relacionam internamente entre si, bem como concorremexternamente entre si.

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    Possvel aproximaoentre Estado ereligio/igreja?

    Proximidade,reconhecimento, fomentopossveis desde quembitos nucleares emensagens nuclearespermaneam separadas

    No 1 modelo: probequalquer forma deaproximao, poisrecomenda-se o maiordistanciamento possvel.Alternativamente: permiteaproximao no mbitodas religies minoritrias(2 modelo) ou da religiotradicional (3 modelo)

    II. O PRIMEIRO MODELO: LIBERDADE DAS RELIGIES DO ESTADO ATRAVS DEGRANDE DISTNCIA E SEPARAO ESTRITA

    Partamos, primeiramente, de uma prioridade do Direito Fundamental de liberdadede religio e interpretemos isso no somente de forma minimalista atravs de certadistncia dos dois poderes, como o Direito moderno certamente pressupe, e sim atravsdo pensamento da separao estrita.14 Ampla liberdade de religio significa, com isso,maior distncia entre Estado e religio em si, bem como das outras religies, pois namaior distncia do poder estatal, como pressupe essa premissa, fiis e igrejas podemdesenvolver-se livremente sem a coero do poder estatal. Em maior distncia asreligies podem desenvolver sua doutrina de forma mais pura, formular suas prpriasregras e as aplicar. Tal regime uma vantagem, a princpio, para todas as religies, masfaticamente ganham, primeiramente, as religies minoritrias, para o caso de no serembem vistas, at mesmo desprezadas ou combatidas pelos poderes dominantes na polticaou tambm por religies mainstream,15 o que vale, na Alemanha, para as chamadasseitas. Mas no modelo de distanciamento difcil proibir ou regulamentar de fora. Nomodelo da distncia qualquer religio igual para o Estado, tem igual validade, mas tambm indiferente. Tanto faz se a comunidade religiosa grande ou pequena, rica oupobre, comporta-se ponderada ou radicalmente, condiz com os valores constitucionaisou os recusa, o Estado no se ocupa disso, a princpio. Religies so simplesmente 14 Ponto de referncia real uma parte da jurisprudncia norte-americana firmada sob o ttulo dos strict

    separationists. Sobre isso BRUGGER, Winfried. Varianten der Unterscheidung von Staat undKirche, Archiv des ffentlichen Rechts, em nota 28 segs. Antiga smula da US Supreme Court sobreisso Everson v. Board of Education, 330 U.S. 1 (1947), nos votos minoritrios dos juzes Jackson (p.18 e segs.) e Rutlege (p. 28 e segs.). Os discordantes retomam a expresso wall of separation (p. 16)j utilizada no voto minoritrio e a interpretam estritamente, enquanto que a maioria escolhe umainterpretao flexvel que leva constitucionalidade no caso do nibus citado no texto principal; paraa minoria tem-se a inconstitucionalidade. Na Alemanha no domina tal estrita separao e distncia;mas esta exigida oportunamente. Vide as referncias em BRENNER, Michael. Staat und Religion,in: Verffentlichungen der Vereinigung der Deutschen Staatsrechtslehrer, p. 271 e seg. Com nota derodap n 28 e seg. e HEINIG, Hans Michael. Die Ordnung der Freiheit. Das Staatskirchenrecht vorneuen Herausforderungen, Zeitschrift fr evangelisches Kirchenrecht, nota de rodap n 38.

    15 Vide a opinio divergente do Justice Jackson em Everson v. Board of Education, 330 U.S. 1, 27(1947) sobre os catlicos e escolas catlicas indesejadas, na poca, em alguns lugares dos EstadosUnidos. Separao estrita e distanciamento entre Estado e Igreja: alone assures Catholics the right tomaintain these schools at all when predominant local sentiment would forbid them.

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    concorrentes no amplo e desenfreado mercado da transcendncia. O modelo subentende,alm disso, que tal distncia no somente para as religies, mas tambm para o podersecular.16 Este se omite das disputas fundamentalistas que s vezes, ou tambmfrequentemente, ocorrem entre as religies isoladas, e se concentra na preservao dosinteresses seculares de proteo da vida, bem estar e no violncia.17

    O limite para a proteo da distncia est l onde uma comunidade de f torna-seexternamente violenta e com isso ameaa a paz geral e a proteo da vida como bemsecular, de toda forma, quando da presena de uma violncia evidente e direta.18 Olimite da proteo da distncia tambm repousa, possivelmente, onde internamente seusa de coero e violncia contra fiis ou se pratica separaes entre membros isoladosdo grupo, que se apresentam como discriminaes ilegtimas na viso dos valoresseculares da comunidade (como entre homens e mulheres).19 Caso o Estado queiracontrolar a relao interna das comunidades religiosas para proteger indivduos dadiscriminao, de religio demais (zuviel Religion) ou falsa religio, subordinandoos fiis ou atravs de intervenes financeiras, o modelo de distanciamentonaturalmente se torna frgil e perde sua prerrogativa prioritria. Ento o lema liberal deenter and exit (entrada e sada) e a mxima do amplo tratamento igualitrio colocamlimites ao modelo de distanciamento.20 Tais relativizaes do modelo distanciadotambm se apresentam quando so defendidos entendimentos amplos sobre coeroproibida ou violncia ilegal. Isso se torna relevante, especialmente, quando o Estado responsvel no somente pela proteo da integridade fsica, mas tambm psquica dosfiis, como na fiscalizao das chamadas seitas psquicas.21 Quanto mais permevelfor o mandamento de distncia, mais o Estado assume a competncia regulamentar paraa aplicao de sua moral geral ou de seus valores constitucionais em face dos valoresdas diversas comunidades religiosas.22

    16 O Juiz Rutledge em Everson v. Board of Education, 330 U.S. 1, 59 (1947) sustenta nesse sentido,

    that complete separation between the state and religion is best for the state and best for religion.17 Vide Rutledge em Everson v. Board of Education, 32: A completa separao de Estado e Igreja

    secures all forms of religious expression, creedal, sectarian or nonsectarian, wherever and howevertaking place, except conduct which trenches upon the like freedoms of others or clearly and presentlyendangers the communitys good order and security.

    18 Sobre isso as expressivas formulaes do Justice Black in Everson v. Board of Education, 330 U.S. 1,8ff (1947), bem como a nota anterior. Vide tambm as contribuies em OBERDORFER, Bernd eWALDMANN, Peter. (Orgs.) Die Ambivalenz des Religisen. Religionen als Friedensstifter undGewalterzeuger, bem como HEINIG, Hans Michael. Die Ordnung der Freiheit. DasStaatskirchenrecht vor neuen Herausforderungen, Zeitschrift fr evangelisches Kirchenrecht, nota derodap n 64: Religionsrecht ist auch Gefahrenabwehrrecht.

    19 Um novo exemplo sobre isso de Israel se encontra em RADAY, Frances. Claiming Equal ReligiousPersonhood: Women of the Walls Constitutional Saga.

    20 Referncias sobre isso com exemplos em RADAY, Frances. Claiming Equal Religious Personhood:Women of the Walls Constitutional Saga, e MEDINA, Barak. Does the Establishment of ReligionJustify Regulating Religious Activities? The Israeli Experience.

    21 Amplamente sobre isso, WALTER, Christian. Religionsverfassungsrecht, Cap. 9.22 Vide BVerfGE 102, 370 (Testemunhas de Jeov) sobre os pressupostos da concesso de Status como

    corporao jurdica pblica, segundo o Art. 140 GG em conexo com o Art. 137, Inciso V, frase 2 daConstituio de Weimar. Tal Status pressupe fidelidade jurdica que ser melhor explicada adiante.

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    Voltando ao modelo de distncia. Sob o ponto de vista jurdico-organizacional,um modelo efetivo de distncia leva separao estrita entre Estado e Igreja e a umamaior disposio para j antecipadamente diagnosticar coao estatal e tratamentosdesiguais em face dos fiis e das comunidades de f, em caso de intervenes marginaise tratamentos desiguais, e as classificar como inconstitucionais.23 Sob o ponto de vistajurdico j suficiente, para uma interveno ou um tratamento desigual, uma violaoftica aos Direitos Fundamentais, que no pressupe um prejuzo ftico especialmentegrave; muito menos h que se apresentar uma ofensa clssica aos Direitos Fundamentaiscom efeito vinculante, imperativo. O que isso significa concretamente?

    Um primeiro exemplo uma subveno estatal para transporte para levar e trazeralunos de seus distantes locais de moradia para a escola. Contra tal ajuda financeirageralmente no h o que se opor, ela protege a vida dos alunos e fomenta a formaoescolar atravs da dinamizao do tempo. Mas o que acontece quando no somentealunos de escolas pblicas, mas alunos de escolas religiosas tiram proveito de talarranjo?24 Tais alunos e seus pais a nada so obrigados, o que se apresenta apenas umaoferta. Tambm no h tratamento desigual, e sim, justamente, um tratamentoigualitrio entre escolas estatais e religiosas. Tudo isso conta a favor da legitimidade detal subveno do transporte escolar. Isso se coloca diferentemente quando se parte deuma separao estrita e da interpretao de liberdade como distncia evidente, atmesmo maior possvel: ento atravs do fomento do transporte abranda-se a separaoentre Estado e Igreja, aproxima-se, subvenciona-se at mesmo o Outro (Gegenber),que deveria ser mantido grande distncia. Alm disso, atravs da subveno tambmse acendem outras demandas financeiras das igrejas, que tambm apontamprovavelmente para outras aproximaes e confundem as esferas de ambos os poderesreligio e Estado, em verdade pervertem, diluem na sua pureza.

    O segundo exemplo diz respeito apresentao de uma rvore de Natal na formada assim chamada rvore crist (Christbaum), durante a poca de Natal, sobre uma reapblica, como um parque municipal. primeira vista poderamos pensar que aqui nosurgem problemas de liberdade, igualdade ou de separao. Ningum obrigado a ir aoparque ou obrigado a admirar a rvore. A prpria rvore, poderamos dizer, umsmbolo festivo e de feriado do Natal em geral reconhecido, que tem fortes conotaesde fim de ano, de reflexo, encontro familiar e que deixa para trs conotaes religiosasque no so, de toda forma, vinculantes ou preponderantemente inerentes. Nesse sentidono pode ocorrer nenhum problema srio de igualdade com outras religies. A rvore deNatal no , enfim, na essncia, nenhum smbolo ritualista de uma religio isolada, esim, uma rvore festiva, de forma que no se pode falar de uma identificao entrepoder estatal e poder eclesistico. Apesar disso, podem ser formuladas questes contra arvore natalina a partir da posio da liberdade das religies atravs de distncia eseparao, ou at mesmo objees contundentes, pois nesse modelo de relao Estado-Igreja trata-se do maior distanciamento possvel entre os dois poderes e do impedimentomesmo de uma aparente aproximao ou parcialidade. Visto sob essa lente, h na

    23 Vide sobre isso referncias em CZERMAK, Gerhard. Zur Unzulssigkeit des Kreuzes in der Schule

    aus verfassungsrechtlicher Sicht, p. 30 e seg, mesmo para o sistema Estado-Igreja alemo que nocontm um modelo de separao estrito.

    24 O caso real atrs do exemplo Everson v. Board of Education , 330 U.S. 1 (1947), por muitas vezes jcitado.

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    utilizao da palavra crist, da palavra rvore crist, uma confuso inadmissvel euma unilateralidade do poder estatal.25

    Quais so as vantagens e as desvantagens de tal modelo estrito de distncia?Como vantagem pode-se entender que se garante a maior pureza e liberdade dasdoutrinas das comunidades de f face regulamentao estatal. Outra vantagem queno surgem problemas de igualdade nas atividades estatais em relao ao espectro dascrenas e organizaes religiosas no pas, porque o poder estatal simplesmente semantm distante; ele no se ocupa com nada alm da proteo contra a violncia. Seforem elencados problemas de igualdade entre foras sociais e religiosas, como entre asigrejas grandes e pequenas, moderadas e radicais, esses problemas devem serresolvidos, sob o ponto de vista estatal, na concorrncia entre as religies. Estado eDireito colocam disposio somente uma ordem geral que probe a violncia. Nissosomos confrontados com a questo sobre se o impedimento da violncia se relacionasomente com a relao externa de uma comunidade de f e o seu meio ambiente ou setambm diz respeito proteo dos fiis na sua relao interna; violncia tambmpode ser entendida como estritamente fsica ou psquica em sentido amplo. Entendendo-se no ltimo sentido citado, que violncia psquica contra fiis tambm deve serimpedida pelo Estado, isso pressupe enormes intervenes na relao interna dascomunidades de f. Permanece imprecisa, nesse modelo, a relao entre moral estatal econstitucional face moral religiosa. Estas aparecem como fontes separadas, isoladas deorientao da vida; permanece em aberto como elas se colocam entre si. Nisso pode-sever uma desvantagem: no ocorre nenhum acordo ou mediao institucional entre asduas fontes de moral, a partir do que se poderia esperar um direcionamento scio-educativo comum.26 Escolhendo-se, mesmo assim, o estrito modelo de distncia eseparao, ento provavelmente em um contexto histrico ou em um cenrio futurista,em que h graves conflitos religiosos ou onde ameaa uma superao do Estado pelareligio. Diante de tal cenrio fictcio ou real faz sentido implantar e estabilizar a maiordistncia possvel.

    III. O SEGUNDO MODELO: IGUALDADE DAS RELIGIES COMO VALORPREFERENCIAL

    O segundo modelo propaga como valor primaz a segurana da igualdade, em vezda segurana da liberdade atravs da distncia.27 Nisso no depende, ou no tanto, de

    25 Assim entende de fato o Juiz da US Supreme Court William Brennan, em sua opinio divergente em

    Allegheny County v. ACLU, 492 U.S. 573, 639 (1989): In my view, this attempt to take theChristmas out of the Christmas Tree is unconvincing. Na Alemanha essa viso pode parecerabsurda, mas de toda forma para festejos natalinos nas escolas pode-se ter com certeza umaproblematizao. Vide ZACHARIAS, Diana. Das Weihnachtsfest im deutschen ffentlichen Recht,Neue Zeitschrift fr Verwaltungsrecht.

    26 Nesse sentido SCHIEDER, Rolf. Das prekre Verhltnis von Politik und Recht. Eine historischeSkizze, p. 234: A frmula separao de Igreja e Estado no d conta da complexidade da relaoentre poltica e religio. Ela tambm suscetvel a falsas interpretaes anticlericais e apagatotalmente o problema da religio civil.

    27 Vide com referncias CZERMAK, Gerhard. Religions- und Weltanschauungsrecht, 10 (sobre arelao entre igualdade e neutralidade) e HEINIG, Hans Michael. Die Ordnung der Freiheit. Das

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    proximidade ou distanciamento entre Estado e Igreja, enquanto no houver uniomaterial proibida entre ambos. H que se diferenciar, muito mais, dentro do axiomaprioritrio da igualdade, se no deve dominar uma igualdade formal ou material entre asigrejas e sua relao com o Estado. O modelo formal de igualdade j foi referido nomodelo de distncia. Conforme ele, toda comunidade de f igual para o Estado,igualmente vlida e indiferente, independente de ser grande ou pequena, rica ou pobre,moderada ou radical. Mas o axioma da igualdade nesse modelo geralmenteconsiderado numa funo mais forte que compreende o tratamento igualitrio estritotambm e justamente das pequenas comunidades, ou at ordena a equiparao daschances justamente das religies pequenas ou minoritrias, mesmo que nisso se percadistncia.28

    Tomemos como exemplo a apresentao de um smbolo da religio majoritrianuma escola pblica, como o da cruz crist num pas fortemente acentuado peloCristianismo. Tal apresentao claramente ilegtima do ponto de vista do modelodistanciado. Mas isso se apresenta diferentemente no mbito da prioridade do Direitomaterial de igualdade: Nele depende, primordialmente, se ao lado do smbolo dareligio tradicional tambm so colocados aqueles smbolos que so representativospara as religies dos alunos minoritrios na respectiva classe ou escola; o mesmodeveria valer para convices no religiosas e smbolos de natureza secular.29 Noexemplo j citado de subveno ao transporte escolar, haveria outra soluo diferente domodelo distanciado: uma aproximao espacial da religio atravs de subveno dotransporte de alunos a suas escolas no um problema desde que garantida a igualdadeentre alunos de escolas pblicas e religiosas e entre escolas religiosas de qualquernatureza.30

    Staatskirchenrecht vor neuen Herausforderungen, Zeitschrift fr evangelisches Kirchenrecht, nota derodap 39 e seg. Da literatura norte-americana vide a defesa da igualdade de PAULSEN, Michael A.,Religion, Equality, and the Constitution: An Equal Protection Approach to Establishment ClauseAdjudication, Notre Dame Law Review, p. 314, com uma crtica Supreme Court, que falafrequentemente de separao em vez de igualdade e neutralidade. No debate alemo sobre otratamento da burca da professora muulmana, defendem a tese da igualdade todos aqueles quequerem permitir tal burca (portanto, recusam o primeiro modelo da distncia), mas exigemtratamento igualitrio estrito com o uso do vu cristo ou judaico ou, ate mesmo, aceitam ou exigemcerta funo compensatria de proteo para religies minoritrias. Sobre o debate da burca vide asreferncias em CZERMAK, Gerhard. Religions- und Weltanschauungsrecht, p. 309 e seg.

    28 J apontei para exemplos respectivos de Israel. Aqui se pode pensar num paralelo ao argumento deJohn Rawls, de que o direito liberdade no pode tomar distncia grande demais do valor daliberdade, o que leva consequncia do fomento de pobres e fracos e minorias. RAWLS, John. EineTheorie der Gerechtigkeit, p. 229 e seg., n 32 e seg.

    29 Assim o resultado em HUSTER, Stefan. Die ethische Neutralitt des Staates, p. 681, Tese 20: OEstado obrigado neutralidade pode, assim, privar-se da colocao de smbolos ideolgico-religiososna escola (isso seria o resultado do modelo de separao; W. B.); mas ele tambm pode prever suacolocao atentando para o mandamento da igualdade de tratamento. Nesse sentido, o mandamento daneutralidade indiferente frente alternativa de uma integrao de interesses ideolgico-religiosos oude uma separao estrita de Estado e questes ideolgico-religiosas.

    30 Nos Estados Unidos h, na Supreme Court, ao lado dos strict separationists j citados, outro grupo,os accommodationists, que so mais abertos frente a certas aproximaes entre Estado e Igreja e,

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    Esse exemplo leva a uma questo geral: no que diz respeito a apoios financeirosde comunidades de f e igrejas, h que se distinguirem dois mbitos. No primeirombito se tratam de culto, rito e profisso de f, portanto o que prprio da religio.Visto puramente a partir dos axiomas da igualdade, no h impedimento tambm parasua subveno estatal, desde que isso ocorra de forma igualitria (seja l o que issosignifique, como mesmo valor em dinheiro independente do tamanho da religio ounivelado segundo o nmero de membros). Mas dvidas incisivas contra tal fomento noproblemtico, sob esse ngulo, surgem a partir dos delineamentos pressupostos para oDireito moderno e o pensamento dos Direitos Humanos sobre uma separaofundamental entre assuntos e poderes seculares e aqueles genuinamente religiosos(acima I). Mas no se tratando de um mbito genuinamente religioso de culto, rito eprofisso de f, mas ao contrrio, existindo uma proximidade com tarefas estatais como,sobretudo, apoio a jovens, idosos, pobres, fracos e doentes, h menos dvidas pormotivos de distino. Em contrapartida, aumentam os problemas de aplicao. Onde ecomo depende, no caso de apoio financeiro, do carter diferenciado dessascomunidades? Enfim h um grande nmero de comunidades de f, de pequenas agrandes, de desarticuladas a rigidamente organizadas, de pobres a ricas, de adaptadas afundamentalistas. Quais devem ser as medidas de apoio, at mesmo medidas deequiparao, se for o caso? Conhece-se o problema a partir da clusula do Estado social,atravs da qual o Estado chamado a ajudar, de forma compensatria, pobres e fracosque no podem afirmar-se na sociedade e na economia, para ascender do direito formalde liberdade, que eles tm, ao real valor do exerccio da liberdade.31 Pode valer omesmo no mbito da ajuda compensatria para comunidades de f menores, ameaadaspelo insucesso, de modo que se lhes impea o declnio como ocorre com empresascomerciais ameaadas de insolvncia, para que at se abram para seus maiores e maiscapazes concorrentes? H que se negar isso, pois a propaganda de fiis e a conservaode sua lealdade dentro de uma religio, bem como sua segurana financeira, questoreligiosa genuna. Isso no pode ser comparado a tarefas seculares, como a manutenode postos de trabalho, para cuja segurana so, s vezes, pagas subvenes, pelo Estado,para empresas econmicas ameaadas de insolvncia.32

    Mesmo que se classifiquem perigos religiosos de insolvncia ou marginalizaocomo irrelevantes para o fomento estatal, permanecem as outras questes j elencadassobre como se deve aplicar o princpio da igualdade em mbitos prximos ao estatal,como apoio aos pobres, fracos e doentes, face diversidade apresentada das respectivas

    nisso, permitem mais com relao a fomento desde que este seja igual ou neutro. Taisprestaes/auxlios devem compreender, em regra, no somente todas as religies correspondentes(como escolas religiosas), bem como tambm as organizaes estatais correspondentes (portanto,escolas estatais e seculares). Resumindo sobre essa linha de jurisprudncia, BRUGGER, Winfried.Varianten der Unterscheidung von Staat und Kirche, Archiv des ffentlichen Rechts, p. 15 e seg., e opanorama em MUCKEL, Stefan e OGOREK, Markus. Staatliche Kirchen- und Religionsfrderung inDeutschland und den USA, Die ffentliche Verwaltung,

    31 RAWLS, John. Eine Theorie der Gerechtigkeit, p. 229 e seg., n 32 e seg.32 Vide a argumentao paralela em HABERMAS, Jrgen. Anerkennungskmpfe im demokratischen

    Rechtsstaat, p. 173 e seg., contra uma proteo de naturezas para culturas ameaadas.

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    comunidades de f. E no somente isso: Programas de fomento condizentes com ascomunidades de f devem, naturalmente, saber muito sobre isso, portanto, tomarconhecimento e avaliar internamente. Isso no , incondicionalmente, um problema doponto de vista da igualdade, mas a partir da mxima da garantia de liberdade atravs dadistncia!33

    Resumindo as vantagens e desvantagens do princpio da igualdade: o princpio daigualdade, ancorado no mbito da fundamental, mesmo que no estrita, ciso eseparao, tem, certamente, vantagens quanto ao objetivo poltico da integrao dasreligies minoritrias. Isso vale especialmente se seus adeptos esto sensibilizados paratoda forma de tratamento desigual, ou at mesmo percebem que por detrs de todadesvantagem h recusa e desprezo, como evidentemente tem-se na Alemanha paraalguns adeptos do islamismo. Ao contrrio, ateno especial ou ajuda s religiesminoritrias tambm podem levar desintegrao dos adeptos de uma religiominoritria, caso estes desenvolvam a ideia de que Lei e Direito no tm mais somentecarter geral, mas tambm oferecem um status especial para minorias e justamente suassensibilidades.34 Aqui se pode pensar em concepes de camadas da populao alem,que se sentem atingidas pelo fato de se tirar a Cruz da escola, enquanto que professorasmuulmanas podem portar seu vu em qualquer lugar.35 Outro exemplo a liberao daaula de esporte conjunta somente para muulmanas, mas no para alunas crists, mesmoque estas apresentem argumentos semelhantes de que seus corpos devem permanecerencobertos.36 Sob o ponto de vista do princpio da distncia, o modelo da igualdade tem

    33 Vide o exemplo da proteo de igrejas de uma elevao de carga tributria, que procede quase que de

    forma contrria, em Walz v. Tax Commissioner of New York, 397 U.S. 664 (1970): L a ajudafinanceira para igrejas atravs de desencargo tributrio no caso de um imposto imobilirio foijustificada justamente no sentido de que uma tributao dos imveis levaria a investigaes maisprecisas das relaes internas das igrejas. O modelo de no tributao mantm, portanto, maisdistncia apesar da subveno em geral garantida: The exemption creates only a minimal and remoteinvolvement between church and state and far less than taxation of churches (p. 676). Motivo:Elimination of exemption would tend to expand the involvement of government by giving rise to taxvaluation of church property, tax liens, tax foreclosures, and the direct confrontations and conflictsthat follow in the train of those legal processes (p. 674).

    34 Vide CZERMAK, Gerhard. Zur Unzulssigkeit des Kreuzes in der Schule aus verfassungsrechtlicherSicht, p. 40: No deveramos esquecer: Smbolos ideolgicos so discrepantes. Da mesma formacomo integram uma parte, excluem outra.

    35 Vide o panorama em CZERMAK, Gerhard. Religions- und Weltanschauungsrecht, 13 IV und V 5.Juridicamente os casos se distinguem se a cruz na escola fora determinada pelo Estado, a professora,ao contrrio, pessoa da administrao pblica, mas tambm titular de direitos humanos. A distinopossui, sem dvida, relevncia jurdica; mas discutvel se tambm decisiva. No mbito dasconcepes de modelo aqui utilizadas, essa distino jurdica pode ainda estar inconclusa.

    36 Referncias em BRENNER, Michael. Staat und Religion, in: Verffentlichungen der Vereinigung derDeutschen Staatsrechtslehrer, p. 282, nota de rodap n 71, 72. Vide tambm o exemplo relatado sobo ttulo suspensa (Beurlaubt) no Berliner Tagesspiegel de 29.10.2006, em que se trata doafastamento temporrio da comissria de bordo britnica Nadia Eweida do servio na British Airways:Nadia Eweida fazia parte do pessoal de terra no aeroporto de Heathrow. Ela foi suspensa por utilizaruma corrente de pescoo com uma pequena cruz e se recusar a esconder essa cruz durante a jornada detrabalho. A mulher argumentou que se permite, ao contrrio, muulmanas e sikhs portar burcas eturbantes.

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    naturalmente o problema de que no somente no se devem evitar relaes deproximidade, seno at mesmo buscar essas relaes para se cooperar com todas ascomunidades de f em razo do objetivo do tratamento igualitrio ou at de equiparaoentre grandes e pequenas, pobres ou ricas. Com isso pode-se esperar mesclas/confusese de toda forma sob a viso da teoria da distncia mculas/contaminaes entre osecular e o religioso. Tambm possvel o aumento de prerrogativas/exigncias detratamento igualitrio ou fomento especial de todas as religies e igrejas possveis, atpara as comunidades menores. Quanto mais estrita e exigente for entendida e formuladaa igualdade, to mais amplo e extenso se torna seu mbito de aplicao, to maior podeser a disputa por um tratamento igualitrio adequado,37 e possivelmente se torna maisconflituosa a relao entre os fiis e suas comunidades de f e o poder estatal.

    IV. O TERCEIRO MODELO: INTEGRAO ATRAVS DA PROXIMIDADE ENTRERELIGIO CIVIL E MORAL CONSTITUCIONAL

    O terceiro modelo objetiva uma aproximao entre religio civil e moralconstitucional ou estatal. Proximidade, como conceito diretivo, sinaliza j a distinoem relao ao modelo de separao. O lema no a clara, grande e at mesmo a maiordistncia possvel entre Estado e Igreja, e sim, uma aproximao, uma complementaorecproca de ambos os poderes, at a cooperao em relao ao mbito moral ou sensode cidadania do qual depende toda a ordem social.

    Para evitar mal entendidos h que se ressaltar dois pontos. Aproximao significa,por um lado, uma equiparao ou total identificao entre uma religio e uma formaoestatal, seja em mensagem, organizao ou pessoas. A princpio h que se manter umaseparao do mbito religioso-espiritual em relao ao secular (e o Papa no podeconsequentemente ser imperador, e vice-versa, para prontamente desviar-se decategorias histricas; vide acima o item I.). Mas aproximao pressupe, por outro lado,que apesar das diferenas apontadas tambm deve haver algo que vincule, para que talaproximao no seja somente expresso de poltica de poder vinculada maioria, deum lado ou de outro. Como isso poderia ocorrer?

    Isso pode ser, em primeiro, a relao fundamental de estrutura ou, pelo menos, decomplementao da moral estatal do cidado (Staatsbrgermoral) e da moral religiosa(Regiligionsmoral).38 Com isso entende-se que cidados engajados no podem ser 37 Vide a opinio divergente do Justice Rutledges em Everson v. Board of Education, 330 U.S. 1, 59: it

    is only by observing [a strict separation of church and state] rigidly that the state can maintain itsneutrality and avoid partisanship in the dissensions inevitable when sect opposes sect over demandsfor public moneys to further religious education, teaching or training in any form or degree, directlyor indirectly.

    38 Sobre isso vide o princpio da continuidade formulado por John Dewey e explicado por SELZNICK,Philip. The Moral Commonwealth. Social Theory and the Promise of Community, p. 28 e seg. Aqui setrata de que para a relao adequada da ordem social so importantes diferenas entre seusordenamentos parciais, mas que no devem extremar-se para um pernicious dualisms (p. 21). Aocontrrio, h que se colocar o mesmo peso sobre as relaes estruturais contrapostas dos respectivosordenamentos, para que se tenha uma vida boa para os indivduos bem como para a comunidade.

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    formados somente pelo Estado ou por escolas estatais, mas necessitam tambm do apoiode famlias e religies e comunidades de f.39 Essas instituies so, sobretudo, ascrianas e os jovens que evidenciam o contexto do desenvolvimento individual dapersonalidade com a estrutura e a dependncia de mundos de vida sociais, culturais ereligiosos. Essas relaes de proximidade ou core communities que abrem oentendimento para o pensamento do enriquecimento de perspectivas subjetivas deorganizao de vida atravs de amplas formas de vida.40 Com isso no se pressupe quea partir de determinada imagem da moral burguesa estatal possam ou devam seruniformizados e instrumentalizados convices religiosas ou valores familiares. Aautonomia parcial desses mbitos e, com isso, tambm a relao de tenso entre elespermanecem.41 O ponto essencial de contato de natureza estrutural, maisprecisamente, de natureza anloga estrutura. Em todos os trs mbitos objetiva-se umentendimento sobre bem comum (mesmo que nem sempre alcanado), que compreendeo indivduo, seu bem estar individual, mas tambm estabelece e forma uma perspectivasobre o bem estar daquelas comunidades nas quais a perspectiva individualeventualmente frgil encontra enriquecimento, direo e importncia. No se nega, esim, se pressupe que seja possvel ou que ocorra de fato a crtica, proveniente do bemestar familiar, sobre o bem estar da religio ou estatal;42 da mesma forma a visovoltada para todos os trs mbitos fundamentais se torna perspectiva prpria do todo ouvinculante, sem a qual no se realiza o bem estar de cada um, tambm do Estado. 43

    Resumindo, p. 29: Sociology looks to the continuities in life, to how things fit together and areinterdependent, and it finds in these continuities the primordial sources of obligation andresponsibility.

    39 Encontra-se frequentemente essa argumentao atrs do ttulo neutralidade amigvel ou positiva.Referncias em WALTER, Christian. Religionsverfassungsrecht, p. 21, e na deciso Walz da US.Supreme Court (nota 29). Vide tambm KIPPENBERG, Hans G. Die Macht religiserVergemeinschaftung als Quelle religiser Ambivalenz, p. 63 e seg. Sobre as Funes dacomunitarizao religiosa do capital social (Funktionen des Sozialkapitals religiserGemeinschaftlichkeit).

    40 Sobre as core communities minuciosamente SELZNICK, Philip. The Moral Commonwealth. SocialTheory and the Promise of Community, p. 184 seg.

    41 Constitucionalmente fica claro como evidencia o regime fundamental: pais, filhos, escolas ecomunidades de f so protegidos atravs de direitos fundamentais e competncias prprias. Videtambm HEINIG, Hans Michael. Die Ordnung der Freiheit. Das Staatskirchenrecht vor neuenHerausforderungen, Zeitschrift fr evangelisches Kirchenrecht, segundo nota 72: Igrejas so mais ealgo diferente do que agncias de valores federais (Kirchen sind mehr und anderes alsBundeswerteagenturen).

    42 Vide o interessante caso Wisconsin v. Yoder, 406 U.S. 205 (1971), onde membros da seita Amishtiveram sucesso na demanda de no ter que enviar seus filhos a escolas estatais superiores, apesar deisso ser geralmente a ordem. A Supreme Court analisou os esforos realizados pela prpriacomunidade religiosa no mbito da educao e decidiu: The Amish alternative to formal secondaryschool education has enabled them to function effectively in their day-to-day life [] this is strongevidence that they are capable of fulfilling the social and political responsibilities of citizenshipwithout compelled attendance beyond the eight grade at the price of jeopardizing their free exercise ofreligion belief. (p. 225).

    43 Esse argumento contingente. Portanto, h que se avaliar se faticamente ocorre o que se pressupenormativamente, ou seja, que essencialmente dominam foras produtivas (e no inimigas) entre

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    Uma tica puramente formal de patriotismo constitucional provavelmente no podeconstruir tal perspectiva.

    Em segundo lugar, a concepo de proximidade pode adquirir, historicamente,importncia naqueles pases em que partes importantes da moral social no sejam talvezexclusivamente, mas preponderantemente cunhadas por uma tradio religiosa isoladade maioria, como na Alemanha e talvez no Brasil? atravs do Cristianismo, mesmoque na bipartio confessional.44 No ponto central no se encontram, portanto, maioriaspolticas ocasionais para este ou aquele programa de esprito da poca, e sim, tradiesformadas durante longo tempo em pocas fceis e difceis, geralmente contraadversidades, tendo assim atrs de si uma prova histrica de afirmao.45 Pense-se novalor do individualismo, fortemente influenciado pelo liberalismo e pelo iluminismo,46

    enquanto que o valor de equiparao decisivo do apoio a pobres, fracos e doentes foiformado, fortemente, pelo Cristianismo,47 apesar de tradies seculares, do Estadosocial, terem desenvolvido seu efeito.48 Outro exemplo a ideia, que influencia aAlemanha, de que toda pessoa indisponvel e insubstituvel, que possui uma dignidadeque lhe subtrai de estratgias utilitaristas ou de instrumentalizao. Esse pensamentointegrado no art. 1 da Lei Fundamental alem49 tem conotaes fortemente cristsconstrudas sobre a semelhana divina de cada pessoa.50 Com isso novamente no senega que pode haver outras concepes seculares e, nesse caso, sobretudo noentendimento de dignidade de Kant, que expressam efetivamente tais pensamentos.51

    religio, famlia e Estado. Sendo outra a realidade, portanto dominando foras tensas e at mesmodestrutivas entre (algo como) cls e poder estatal ou religies e Estado, ou entre religiespropriamente, o argumento de produtividade acima citado perde fora. Ento h que se avaliar se osmodelos de concorrncia funcionam melhor.

    44 Aqui tambm se coloca um pressuposto contingente que necessita de avaliao sobre se taisinfluncias realmente se apresentam. Relacionado tambm forte influncia crist da comunidadealem e da Lei Fundamental se apresenta menos uma premissa inexplorada, e sim, uma hiptesedependente de investigao emprica. Sobre a primeira alternativa citada vide HUSTER, Stefan. Dieethische Neutralitt des Staates, p. 200: A argumentao sobre o motivo de integrao repousa emduas premissas: (1) A ordem de liberdade da Lei Fundamental depende de uma orientao cristpluralista, que de toda forma influencia a conscincia pblica de seus cidados. (2) Essa situaojustifica que se garanta um status privilegiado ao Cristianismo, tambm no Direito estatal e nasinstituies estatais - especialmente na escola.

    45 Vide a conceituao de funded experience em SELZNICK, Philip. The Moral Commonwealth.Social Theory and the Promise of Community, p. 20, 37, 40, 129, 289, 403.

    46 Ao lado disse se apresenta uma linha religiosa de individualizao que fica evidente especialmente nadiscusso sobre a importncia da conscincia.

    47 Por exemplo, Mateus, cap. 25, 35-40.48 Vide HEINIG, Hans Michael. Der Sozialstaat im Dienst der Freiheit (erscheint demnchst)49 Art. 1 (Proteo da dignidade do homem). (1). A Dignidade do Homem intangvel. Respeit-la e

    proteg-la obrigao de todo poder pblico. (2) O povo alemo reconhece, portanto, os direitosinviolveis e inalienveis do Homem como fundamento de qualquer comunidade humana, da paz e dajustia no mundo. (N.R.)

    50 Mais precisamente HRLE, Wilfried. Menschenwrde konkret und grundstzlich.51 Minuciosamente BRUGGER, Winfried. Menschenwrde im anthropologischen Kreuz der

    Entscheidung.

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    Estando presentes tais constelaes, a identidade de um pas consiste na misturaparticular de posturas e valores habituais e institucionalizados, que se tornaram umaimagem humana, social e estatal caracterstica no decorrer da Histria, que justamentena sua particularidade vai alm da caracterizao, naturalmente sempre tambmpossvel, de pessoa, sociedade, Estado.

    Esse argumento pode ser generalizado em relao ao papel das religies: empases fortemente influenciados por determinada direo religiosa, como o Ocidente etalvez no Brasil atravs do Cristianismo, essa religio se inseriu em alguns ou tambmem muitos aspectos da moral social e constitucional. Aqui normalmente se utiliza ottulo de religio civil.52 O conceito de religio civil conota dois elementos: o primeiroj citado elemento a disseminao de um valor religioso originalmente genuno dentroda moral social aqui se coloca, conceitualmente, civil antes de religio. O segundoelemento coloca religio antes de civil, desde que estes contedos generalizantesmantenham uma dimenso profunda e vinculante especificamente religiosa, no inseridaem todos os mandamentos normativos e que apresenta, por exemplo, um alto obstculo instrumentalizao poltica diuturna.53 Em tais casos pode-se plausivelmenteargumentar que seria contraproducente para toda a organizao social no tomarconhecimento ou no apoiar essa corrente de valor originalmente religiosa, parcialmentegeneralizada at o momento, sendo assim civil-religiosa, ou simplesmente equipar-la aoutras religies que ainda no passaram por essa prova, esse teste de disseminao civil-religiosa.54 Para evitar tal desintegrao ameaadora, tenta-se atravs do princpio daproximidade manter as relaes estruturais at agora produtivas,55 mesmo que estasestejam majoritariamente influenciadas por certa fonte religiosa, como no nosso caso oCristianismo (ao lado da corrente concorrente do Iluminismo). Nessa concepo sereconhece e at se acentua, amplamente, a integrao como objetivo, mesmo que maiscom o objetivo de manuteno das relaes de lealdade estabelecidas; em contrapartida,o Modelo 2, com o foco na equiparao especialmente da integrao, prescreve ofomento de religies e grupos minoritrios. Quais so as vantagens e desvantagensdesse modelo, se lhe dermos a prioridade no mbito fundamental da liberdade e

    52 Referncias em HUSTER, Stefan. Die ethische Neutralitt des Staates, p. 216 e seg.53 Na citao seguinte se coloca em destaque a segunda dimenso citada: Religio civil so contedos

    da cultura pblica, na qual a comunidade e nesta a vida civil anuncia, simbolicamente, suadependncia de pressupostos de vida, que no so politicamente dispositivos e que exigemreconhecimento de sua indisponibilidade no interesse da vida poltica comum. Assim LBBE,Hermann. Zivilreligion und der Kruzifix-Beschlu des deutschen Bundesverfassungsgerichts, p.239. Ambas as conotaes so vinculadas em BOWDEN, Henry Warden. A Historians Response tothe Concept of American Civil Religion, p. 192 seg., que remete a escritos de Robert Bellaht: Oconceito se relaciona succinctly to those sacred themes and symbols which he sees at work in culturallife (p. 192). O conceito tambm a vehicle for national self-understanding, as integrating thefamily and local community into a larger sphere, and for mobilizing support to secure nationalobjectives (p. 192 seg.).

    54 Assim LBBE, Hermann. Zivilreligion und der Kruzifix-Beschlu des deutschenBundesverfassungsgerichts, p. 248 segs. para as consequncias da deciso sobre o crucifixo doTribunal Constitucional Alemo.

    55 Como j referido nas notas 39 e 40: Caso apresentem-se relaes produtivas e no destrutivas!

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    igualdade de religio, individualmente ancoradas, e na separao entre Estado e Igreja?A vantagem conforme a situao histrica pode ser a seguinte: se a identidade e unidadenormativa de um Estado repousam na essncia da religio civil, para a qual as trsprincipais correntes de transmisso Estado, famlia e religio(s) deram, cada uma, suacontribuio, ento faz sentido que o poder estatal entenda esse potencial deidentificao e lealdade no de forma estreita ou indiferente, mas sim como fontelimitada que merece reconhecimento e tambm apoio.56 Citando o famoso ditado deBckenfrde57: o Estado no pode criar, em sua competncia prpria, essespressupostos familiares e religiosos da moral estatal do cidado, mas pode reconhecerlaos produtivos existentes e lhes permitir apoio, 58 desde que se coloque em perspectivaa vantagem essencial, juntamente com tambm possveis desvantagens dessaconcepo. Se o Estado reconhece e at fomenta tais foras integradoras, isso leva,naturalmente, nos casos como no Ocidente, onde o Cristianismo teve um papelespecialmente importante juntamente com o longo concorrente Liberalismo, tambm aum forte reconhecimento das foras religiosas dominantes.59 Em outras palavras, comtal aproximao se chega a uma considerao e a um reconhecimento mais fortes deuma crena de toda forma cultural, poltica e religiosamente dominante, estando estapresente no pas ou no continente considerado, como em nosso caso o Cristianismo.Para crticos desse modelo impe-se a palavra concentrao de poder (Vermachtung).Com isso h, naturalmente, por parte das religies minoritrias, uma suspeita de tutela,tratamento desigual e discriminao, e tambm no est distante a dvida de que osmbitos poltico e religioso se misturam. Mesmo assim essa concluso no imperativa.Tambm podem ser citados outros motivos:

    Primeiramente, tais aproximaes devem sempre respeitar os contedos mnimose essenciais apresentados no item I sobre liberdade e igualdade de religio e separaoestrutural entre Estado e Igreja/religio. Portanto, no se permite coero jurdica para o 56 Vide, por exemplo, as exposies em Walz v. Tax Commissioner of New York, 397 U.S. 664 (1970),

    um caso no qual o Estado de Nova York excluiu comunidades religiosas do imposto predial. L a U.S.Supreme Court falou de instituies that exist in harmonious relationship to the community at largeand foster its moral and mental improvement (672). O Tribunal tambm opinou que the state hasan affirmative policy that considers these groups as beneficial and stabilizing influences in communitylife (673).

    57 BCKENFRDE, Ernst-Wolfgang. Die Entstehung des Staates als Vorgang der Skularisation, p. 60:O Estado de liberdade, secularizado, vive de pressupostos que ele mesmo no pode garantir. Esse ogrande risco que ele corre por fora de sua liberdade.

    58 Isso concordaria com Bckenfrde. Ele formula em Die Entstehung des Staates als Vorgang derSkularisation , p. 61: O Estado que no mais confia nas foras vinculantes internas ou at asuprime por depender demais da garantia de expectativas eudemonistas de vida dos cidados nopoder se suster com o tempo. Em que se apia esse Estado em dia de crise? Assim se perguntaria com Hegel se o Estado secularizado tambm no tem que viver, por fim, de suas foras vinculantese impulsos internos, propagados pela f religiosa de seus cidados. Formula-se a partir da viso aquidefendida: das foras vinculantes e relaes estruturais que vinculam produtivamente a moral familiar,religiosa e civil-estatal.

    59 Vide LBBE, Hermann. Zivilreligion und der Kruzifix-Beschlu des deutschenBundesverfassungsgerichts, p. 243 e seg., 237 e seg.: Religio civil como aquela parte da culturareligiosa dominante que se relaciona com a vida poltica constituda numa comunidade.

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    exerccio de (uma determinada) religio; esto vetadas desvantagens jurdicas parareligies minoritrias (como de ocupao de cargos pblicos); separa-se coerojurdica externa de coero interna de conscincia. Naturalmente, sempre so possveis,e tambm provveis, os conflitos, no que concerne delimitao, especialmente emsrias violaes fticas de Direitos Fundamentais aqum da coero jurdica,60 maspermanece o prprio limite. Nesse modelo est mal construda a absolutizao deseparao, distncia e liberdade, como objetiva, tendencialmente, o primeiro modelo.Mal construda est tambm uma comparao ou compensao automtica em favor dereligies minoritrias atravs de igual ou at mesmo especialmente forte fomento,como se apresenta no segundo modelo. Pode-se dizer que no terceiro modelo, como nosoutros dois, as vantagens e desvantagens mais ou menos se equivalem. Num modelo ha ameaa da majorao, noutro a da minorao. Num h a ameaa da indiferena doEstado, no outro a da tutela atravs de muito estreitamento ou fomento. Se issorealmente descreve acertadamente a situao e se mantidos os pressupostos bsicosapresentados inicialmente, poderamos dizer de forma kantiana: cada um dessesmodelos pode ser generalizado, pois no se relaciona, categoricamente, prefernciapor uma religio o que no terceiro modelo o Cristianismo, a fora motriz para aEuropa, para o Oriente o Islam. O princpio da generalizao no oferece respostasuficiente a essa questo sobre o que concretamente generalizvel, aqui e agora, narelao Estado-Igreja, e que pode encontrar a maior concordncia possvel. A discussodos trs modelos mostra, portanto, que em cada modelo ocorrem perdas. Com outraspalavras: aqueles que sentem a perda atravs de (na sua viso) muita ou pouca distncia,liberdade, igualdade ou proximidade, levantaro objees. Sendo isso inevitvel,deveria ser evitvel a concluso de que cada protesto semelhante identificaautomaticamente um regime injusto e provoca violncia. Justamente por se manter e sedever manter os pressupostos mnimos de juridicidade e liberdade em todos os trsmodelos, os representantes de todos esses modelos Estado-Igreja deveriam aprender aaceitar os correspondentes ganhos, mas tambm suportar as perdas a issorelacionadas. Para suportar talvez ainda no seja suficiente, mas deveria bastar paraexcluir violncia e guerra.

    LITERATURA

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    60 Sobre isso Parte II supra.

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