Sepulturas escavadas na rocha: preservação ou abandono?

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I adenda electrónica adenda electrónica N.º 14 | Dezembro 2006 [http://almadan.cidadevirtual.pt] [em migração para http://www.almadan.publ.pt] SUMÁRIO s adenda electrónica I Sumário II Editorial | Jorge Raposo Arqueologia III O Espólio Lítico de Santo Antão do Tojal João Oliveira Costa IV O Santuário Rupestre do Penedo da Moura (Nogueira, Viana do Castelo) Luís Filipe Loureiro V Espaços e Estratigrafias da Qt.ª de St.º António / Qt.ª da Torrinha (Monte de Caparica, Almada) Rui Pedro Barbosa e Pedro López Aldana VI Ocupação Romana no Subsolo da Travessa do Mercado (V. F. de Xira) João Pimenta e Henriques Mendes VII O Lugar da Idade do Bronze do Lombo da Enxurreira (Riba de Âncora, Caminha) Luís Filipe Loureiro e Ivone Magalhães VIII Tafonomia, Paleodemografia e Morfologia (Convento de Jesus, Lisboa) Filipe Ribeiro Bárrios Opinião IX Sobre uma Nova Legenda Monetária Ibérica: leuni ou laBini ? António Marques de Faria Património X Requalificação das Colecções de Arqueologia Pré-Histórica do Museu Geológico José M. Brandão XI O “Padrão dos Povos” de Aquae Flaviae João Mário Martins da Fonte XII Notícias: actividade arqueológica

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Artigo publicado na Revista Al-Madan, versão online, sobre a questão da preservação de um tipo de património arqueológico pouco olhado pelos organismos competentes.

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S U M Á R I O sadenda electrónica

I Sumário

II Editorial | Jorge Raposo

Arqueologia

III O Espólio Lítico de Santo Antão do TojalJoão Oliveira Costa

IV O Santuário Rupestre do Penedo da Moura (Nogueira, Viana do Castelo)Luís Filipe Loureiro

V Espaços e Estratigrafias da Qt.ª de St.º António / Qt.ª da Torrinha(Monte de Caparica, Almada)Rui Pedro Barbosa e Pedro López Aldana

VI Ocupação Romana no Subsolo da Travessa do Mercado (V. F. de Xira)João Pimenta e Henriques Mendes

VII O Lugar da Idade do Bronze do Lombo da Enxurreira (Riba de Âncora, Caminha)Luís Filipe Loureiro e Ivone Magalhães

VIII Tafonomia, Paleodemografia eMorfologia (Convento de Jesus, Lisboa)Filipe Ribeiro Bárrios

Opinião

IX Sobre uma Nova Legenda Monetária Ibérica: leuni ou laBini ?António Marques de Faria

Património

X Requalificação das Colecções de Arqueologia Pré-Histórica do Museu GeológicoJosé M. Brandão

XI O “Padrão dos Povos” de Aquae FlaviaeJoão Mário Martins da Fonte

XII Notícias: actividade arqueológica

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O ano de 2006 fica marcado pela criação do IGESPAR - Instituto deGestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, que reúneatribuições e competências dos antigos IPA, IPPAR e DGEMN e

concretiza a anunciada reformulação dos institutos públicos na área doPatrimónio, transformando radicalmente a tutela que condiciona a gestãopública e privada do Património e tem a missão de definir o futuroenquadramento da actividade arqueológica no nosso país.

Contudo, uma vez que o enquadramento legislativo final e o modo dematerialização desta solução só serão conhecidos em 2007, as páginas da ediçãoimpressa da Al-Madan n.º 14 centram a sua atenção noutro acontecimento comreflexos importantes na sociedade portuguesa: o início da aplicação do “modelode Bolonha” ao ensino superior universitário e politécnico.

De facto, no ano lectivo de 2006-2007, boa parte das ofertas de formaçãosuperior foram reformuladas, no sentido de integrar o sistema português numa“Área Europeia do Ensino Superior” que reflicta os mecanismos de integraçãoeuropeia nos planos da igualdade de oportunidades e da mobilidade doscidadãos. Tendo subjacente um novo paradigma pedagógico, mais centrado naacção do aluno, a adesão a Bolonha implicou a reformulação dos grausacadémicos, dos planos de curso e dos conteúdos curriculares, para facilitar a suacompatibilidade e complementaridade. Um estudante europeu poderá, a partir de2010, quando se prevê que o novo sistema esteja generalizado, circular pordiferentes estabelecimentos de ensino, no seu país ou no estrangeiro,acumulando créditos transferíveis que lhe garantem a equivalência e oreconhecimento das habilitações académicas.

Em dossiê especial, Al-Madan apresenta uma síntese do processo e dos seus objectivos, da forma como o sistema de ensino português se está areajustar e da procura que esta nova oferta suscitou na última fase do concursode ingresso, nas áreas da Arqueologia, da História, do Património e daConservação. São também incluídos alguns textos de opinião e é dadaoportunidade aos representantes dos diferentes estabelecimentos de ensino para apresentarem as propostas pedagógicas com que respondem aos desafios de Bolonha.

Para além disso, na continuidade da experiência iniciada com sucesso em2005, a edição inclui ainda uma Adenda Electrónica, que permite explorar acrescente expansão da Internet para distribuir outros conteúdos junto de umuniverso de utilizadores potencialmente muito vasto.

Com um tratamento editorial em tudo semelhante ao do tradicional volumeem papel, o site da Al-Madan Online constitui assim uma via suplementar decomunicação entre autores e leitores, promovendo a difusão alargada da culturacientífica, sem os constrangimentos e as limitações de distribuição que sempreenfrentam iniciativas desta natureza.

Jorge Raposo

f i c h a t é c n i c a

Capa Jorge Raposo

Fase de escavação de um dos fornos da olaria romana da Quinta do Rouxinol (Corroios, Seixal, 1988), em homenagem ao Amigo recentemente desaparecido,Armando Sabrosa, que na imagem trabalha na companhia de Maria Fernanda Lourenço.

Fotografia © Jorge Raposo/Centro de Arqueologia de Almada

E D I T O R I A L eadenda electrónica

II al-madan adenda electrónica ISSN 0871-066X | IIª Série (14) | Dezembro 2006

C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D Aadendaelectrónica

al-madan IIª Série, n.º 14, Dezembro 2006

adenda electrónicaPropriedadeCentro de Arqueologia de AlmadaApartado 603 EC Pragal2801-601 Almada PORTUGAL

Tel. / Fax 212 766 975E-mail [email protected] de imprensa 108998

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ISSN 0871-066X

Depósito Legal 92457/95

Director Jorge Raposo ([email protected])

Conselho Científico Amílcar Guerra, António Nabais, Luís Raposo, Carlos Marques da Silva e Carlos Tavares da Silva

Redacção Rui Eduardo Botas, Ana Luísa Duarte, Elisabete Gonçalves e Francisco Silva

Colunistas Mário Varela Gomes, Amílcar Guerra, Víctor Mestre,Luís Raposo, António Manuel Silva e Carlos Marques da Silva

Colaboram na edição em papel Ass. Port. Avaliação de Impactes,Miguel Almeida, Jorge António, Thierry Aubry, Helena Barranhão,Pedro Barros, Lília Basílio, Luísa Batalha, Fátima Bento, José Bettencourt,Nuno Bicho, Jean-Yves Blot, Pedro Braga, Jacinta Bugalhão, João P.Cabral, Marco Calado, João Caninas, Guilherme Cardoso, RosalinaCarmona, António R. Carvalho, Patrícia Carvalho, Helena Catarino,João Catarino, Manuela Coelho, João Costa, Eugénia Cunha, AdriaanDe Man, Fernando Dias, Gina Dias, A. Dias Diogo, Ana L. Duarte,Carlos Fabião, Lídia Fernandes, Mª Teresa Ferreira, Sofia Figueiredo,Iola Filipe, Victor Filipe, João Fonte, Tiago Fontes, Ana Gaspar, M.Varela Gomes, R. Varela Gomes, Filipe Gonçalves, Victor S. Gonçalves,Suzana T. Grave, Jorge A. Guedes, Amílcar Guerra, FernandoHenriques, Mafalda Jorge, Vítor O. Jorge, Virgílio Lopes, Luís Luís,Isabel Luna, António Marques, José Meireles, Víctor Mestre, MárioMonteiro, João Muralha, Pedro Narciso, Nuno Neto, Mª João Neves,N’Zinga Oliveira, Luiz Oosterbeek, Rui Parreira, Gabriel R. Pereira,Teresa R. Pereira, Marina Pinto, João Raposo, Jorge Raposo, LuísRaposo, Paulo Rebelo, João Rebuge, Ana Ribeiro, Leonor Rocha,Armando Sabrosa †, Jorge D. Sampaio, Raquel Santos, António M.Silva, Teresa Soeiro, Manuela Teixeira, João P. Tereso, Ana M. Vale,António C.Valera, Gonçalo L. Velho, Alexandra Vieira

Colaboram na Adenda Electrónica M. Arsénio, Rui P. Barbosa, JoséBettencourt, José M. Brandão, João Cabral, Patrícia Carvalho, LuísCónego, João O. Costa, António M. de Faria, Cristóvão Fonseca, JoãoM. da Fonte, Tiago Fontes, Pedro López Aldana, Luís F. Loureiro,Ivone Magalhães, Henrique Mendes, J. Miranda, Nuno Neto, LurdesNieuwendam, João Pimenta, Salete da Ponte, Margarida Ramalho,Paulo Rebelo, Filipe Ribeiro Bárrios, Raquel Santos, António L. Tavares

Publicidade Elisabete Gonçalves

Apoio administrativo Palmira Lourenço

Resumos Jorge Raposo (português), Luisa Pinho (inglês) e Maria Isabel dos Santos (francês)

Modelo gráfico Vera Almeida e Jorge Raposo

Paginação electrónica Jorge Raposo

Tratamento de imagem Jorge Raposo

Ilustração Jorge Raposo

Revisão Maria Graziela Duarte, Fernanda Lourenço

Pré-impressão GC Design Ldª

Impressão Printer Portuguesa

Distribuição da edição em papel CAA

Distribuição da Adenda Electrónica distribuição gratuita atravésde http://almadan.cidadevirtual.pt

Tiragem da edição em papel 1500 exemplares

Periodicidade Anual

Apoios C. M. de Almada, C. M. do Seixal e Inst. Port. da Juventude

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Prior do Crato e assim abrir um cami-nho rápido à rendição da fortaleza vizi-nha de S. Julião da Barra e, consequen-temente, de Lisboa. Ficava demonstra-da assim a fraca capacidade defensivada velha torre. Nos anos que se seguem,durante o reinado de Filipe II, a torre éentão envolvida por dois meios baluar-tes virados ao mar, e um outro inteiro,virado a terra, tornando-se numa forta-leza abaluartada de planta triangular.Rebaptizada, passa a ter o nome de N.ªSr.ª da Luz. Após a reconquista da inde-pendência, em 1640, a defesa de Cas-cais é de novo reforçada com a constru-ção da cidadela. AFortaleza de N.ª Sr.ªda Luz perde então alguma importância,passando a funcionar apenas comomais uma bateria da cidadela.

Esta intervenção teve como objec-tivo o melhor entendimento da sequên-cia estratigráfica e estrutural, quer daTorre de St.º António, quer da própriaFortaleza de N.ª Sr.ª da Luz. Para esseefeito, nesta primeira fase dos trabalhosforam realizadas várias sondagens pari-etais e 18 sondagens no solo, bem comoa conclusão da escavação do “baluarte”da torre. Foi possível pôr a descobertovárias estruturas e ter um melhor enten-dimento da planta e evolução da Torrede St.º António, bem como apurar asestruturas directamente relacionadascom a construção da fortaleza ou reali-zadas depois, nomeadamente após aRestauração e, finalmente, em finaisdo séc. XIX-inícios do séc. XX. Seránecessária uma segunda fase para ummelhor entendimento de algumasquestões levantadas durante os traba-lhos agora dados a conhecer, bem comopara a preparação e concretização doprojecto museológico da fortaleza.

No que se refere ao espólio arqueo-lógico, foi possível detectar nos níveissuperiores materiais contemporâneos.No entanto, nas camadas subsequentesverificámos uma coerência cronológi-

ca datável dos finais do séc. XV aoXVII, onde foi exumada variada cerâ-mica comum e vidrada, bem como fa-iança portuguesa pintada a azul sobrefundo branco, a grande maioria datávelda primeira metade do séc. XVII. En-contrámos ainda cerâmicas importadas,tais como: cerâmica sevilhana pro-duzida entre os finais do séc. XV e aprimeira metade do séc. XVI, onde sedestacam os pratos cónicos e as malgascarenadas; vários fragmentos decoradosa azul sobre azul (berettino), cujaproveniência é algo duvidosa, podendoser das oficinas italianas (possivelmentede Pisa) ou de Sevilha que, após asegunda metade do séc. XVI e séc.XVII, produzirá cerâmicas assim deco-radas, designadas por tipo “italiani-zante”. Surgem igualmente objectosmetálicos, vidros, moedas enquadra-das entre finais do séc. XV e finais doséc. XVI, e embutidos em osso, per-tencentes possivelmente a partes dealgum móvel ou caixa de madeira.

Fosso Norte daFortaleza de N.ª Sr.ª da Luz

O troço objecto de intervençãositua-se entre a muralha Sul do revelimda cidadela e a cortina Nordeste daFortaleza de N.ª Sr.ª da Luz.

Esta fortificação marítima tinha aenvolvê-la um largo fosso, que primi-tivamente teria os dois acessos abertosao mar. Com a construção da cidadela,a partir de 1640, o fosso terá sido mura-do, donde se depreende que terá estadoaberto ao mar no máximo durante cer-ca de cinquenta anos.

Introdução

O presente artigo visa dara conhecer as interven-ções realizadas no de-

correr do ano de 2004 e primeiro se-mestre de 2005 na Fortaleza de N.ª Sr.ªda Luz e área envolvente. Estas decor-reram sob responsabilidade do Gabinetede Arqueologia da Câmara Municipal deCascais, integradas num projecto de in-vestigação, que culminará com a recu-peração e musealização da fortaleza.

Num futuro próximo, procurar-se--á dar a conhecer de uma forma maisdesenvolvida os diferentes aspectosdesta intervenção arqueológica, nomea-damente a cultura material e a análiseestrutural e evolutiva do espaço.

AFortaleza N.ª Srª da Luz locali-za-se em contexto urbano, mesmo jun-to ao mar, espaço fronteiro agora ocu-pado pela Marina de Cascais. A suaconstrução terá sido iniciada por voltade 1590, envolvendo a antiga Torre deSt.º António, mandada construir porD. João II em finais do século XV. Estaé desenhada em pormenor por GeorgiusBraun, num desenho publicado em1572, na obra Civitates Orbis Terrarum.Afazer fé nessa representação, esta es-trutura militar era composta por umatorre quadrangular, um anexo maisbaixo, de planta rectangular, e uma cin-tura de muralhas, o “baluarte”, que en-volvia o conjunto, pelo menos do ladodo mar. As primeiras intervenções ar-queológicas, realizadas entre 1986 e1991 sob a responsabilidade de Marga-rida Magalhães Ramalho, vieram, gros-so modo, confirmar a veracidade destedesenho (RAMALHO 1989).

Cerca de 100 anos depois da suaconstrução, a torre capitula em menosde duas horas perante a artilharia do du-que d’Alba. Nas suas muralhas são ex-postos os corpos de D. Diogo de Mene-ses, do alcaide da torre e de mais doissoldados, sacrificados pelos castelhanospara atemorizar as tropas afectas ao

Através da realização de cinco son-dagens de dois metros de lado, pudemosdistinguir em termos estratigráficos ostrês momentos de utilização do fosso.

Num momento inicial, foi colo-cada uma primeira camada de pedras demédias e grandes dimensões. O fossooriginal da Fortaleza de N.ª S.ª da Luzestaria praticamente à cota da platafor-ma rochosa onde esta se implanta.

Um segundo momento correspon-de ao entulhamento do fosso com terrasprovenientes do interior da fortalezaaquando da realização de obras, nos fi-nais do séc. XVIII-inícios do séc. XIX.Estas terras terão sido niveladas com no-va camada de pedras, sobre as quais seimplantou a ponte que liga as duas ba-terias da fortaleza. Esta ponte substituiuuma ponte levadiça anterior. De facto,durante as guerras liberais a fortalezaserviu para receber cerca de duzentospresos políticos que vinham de S. Juliãoda Barra. Pela descrição feita na épocapor um dos presos, deduz-se que estes te-rão entrado na fortaleza através de umaponte de pedra, que aparece referenci-ada pela primeira vez numa planta definais do séc. XVIII-princípios do XIX.

O terceiro momento correspondeao entulhamento do fosso com terraspossivelmente provenientes de obras nopalácio da cidadela, em princípios doséc. XX. Estas terras terão sido nivela-das e, por cima delas, foram deposita-das terras de jardinagem quando o fos-so foi transformado em jardim, perden-do as suas funções militares. Adataçãodeste último enchimento poderá remon-tar a 1902, altura em que o rei D. Car-los mandou acrescentar um andar ao

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N O T Í C I A S nadenda electrónica

Fortaleza de Nª. Sr.ª da Luz (Cascais)apresentação dos trabalhos arqueológicos

inseridos no programa de recuperação

João Cabral, Lurdes Nieuwendam, Margarida Ramalho, Nuno Neto, Paulo Rebelo, Raquel Santos e Tiago Fontes[Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Cascais]

Fig. 1 - Fortaleza de N.ª Sr.ª da Luz.

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N O T Í C I A Sn

Revelim

Na parte final do Passeio MariaPia, realizou-se uma sondagem de 6,2por 10,5 metros na zona onde se situariao paiol do revelim da cidadela.

Foi possível detectar várias reali-dades arqueológicas e respectiva evolu-ção cronológica. Sobre o calcário reci-fal, observou-se uma camada de nivela-mento, sobre a qual foi implantada umaestrutura bastante destruída, de plantarectangular, de pedra e argamassa. In-tegradas nas camadas junto à base des-ta estrutura surgiram duas moedas, quepermitem uma aproximação à dataçãoda sua construção e/ou destruição du-rante o séc. XVI: um ceitil de D. Manuel(1495-1521) e V reais de D. Sebastião(lei de 1560). O alicerce detectado po-derá ter pertencido a uma casa de apoioàs obras periódicas de consolidaçãodas estruturas da torre de Cascais. Coma construção da fortaleza esta estruturaterá sido abandonada.

Após a Restauração, foi construí-da junto à fortaleza uma fortificação deraiz, a cidadela. Esta fortaleza de plan-ta irregular vai desenvolver-se a partirda Fortaleza de N.ª Sr.ª da Luz, que pas-sa a funcionar quase como um baluarteautónomo. Ao mesmo tempo, é tam-

bém levantado um revelim, que vai tercomo objectivo reforçar a defesa da en-trada na baía de Cascais, funcionandocomo a porta de ligação entre a cidadelae a fortaleza. Construído sobre uma es-carpa rochosa, toda a área do futuro re-

velim teve de ser alteada e nivelada, sen-do encontradas várias camadas de ter-ras barrentas calcadas com esse objecti-vo. Os estratos da intervenção arqueo-lógica agora realizada neste local reve-lam o modo como se procedeu a esseenchimento. Em termos estratigráficos,os níveis mais antigos devem ser con-

temporâneos da estrutura do séc. XVI,já referida. Terão sido cortados quandose abriram os alicerces do paiol de queadiante falaremos.

Acima destes níveis encontram-sesucessivos enchimentos de terra bar-renta (com características idênticas às da

terra rossa), alternando comcamadas de lixeira. Os materiaisaqui exumados são variados eabundantes, destacando-se: cerâ-mica comum com e sem vidrado,integrável nos séculos XVI-XVII;faiança portuguesa, datável sobre-tudo da primeira metade do séc.XVII; cerâmica de importação,

alguma dela possivelmente das oficinassevilhanas, e vários fragmentos deco-rados a azul sobre azul, de produção ita-liana ou igualmente das oficinas sevilha-nas; bem como porcelana chinesa. Sur-gem também artefactos metálicos e em

palácio. Existem também duas plantasda cidadela, uma de 1911 e outra de1914, onde está marcado um jardimao longo do fosso, no lado adjacente aopalácio. Nos finais dos anos 1930, du-rante as obras de adaptação da Fortale-za da Luz a Estação Rádio Naval, foiaberta uma vala para implantação deuma conduta de esgoto.

O espólio recolhido nesta inter-venção é heterógeneo e com materiaismuito fragmentados, integráveis sobre-tudo no intervalo entre os séculos XVIe XIX. Surge cerâmica comum com esem vidrado plumbífero (local e regio-nal, de difícil integração cronológica en-tre os séculos XVI e XIX); cerâmica devidrado estanhífero (da qual se destacacerâmica sevilhana de tipo “mourisco”,do séc. XVI, e cerâmica azul sobre azul,“berettino”, de proveniência sevilhanaou italiana dos séculos XVI e XVII); fa-iança portuguesa (pintada a azul e bran-co, do séc. XVII, bem como faiança po-lícroma datável a partir de 1750); porce-lana da Companhia das Índias, pro-duzida durante a dinastia Qing (1644--1911), incluindo exemplares do servi-ço “Coroa Real”, associado à RainhaD. Maria Pia, produzidas no séc. XIX;fragmentos de azulejo hispano-mou-risco (técnica de aresta, datável do séc.XV ou da primeira metade doXVI); cachimbos (sobretudo decerâmica branca ou caulino, comcronologia nos sécs. XVII-XVIII,e um exemplar de fornilho emporcelana, com datação nos sécu-los XVIII-XIX); metais (elemen-tos de construção como, por exem-plo, pregos e botões de farda); epederneiras em sílex, entre outros. Naprimeira fase de enchimento foi tam-bém detectada uma moeda proposita-damente cortada, identificada comosendo de dez reis, enquadrável nosreinados de D. João V ou de D. José I.

vidro. Destacamos ainda o apareci-mento de fragmentos de tecido (?), quesurgem associados a um cordão emcabedal e a um medalhão (?).

É de realçar que estes níveis de en-chimento foram deliberadamente com-pactados, muito provavelmente parasuportar o piso do revelim e respectivamuralha. De notar, neste nível, a exis-tência de dois conjuntos de buracos, dis-postos em grupos de três e com restosde madeira e pregos. Pensamos quepoderiam ter sido feitos para instalar“cabrilhas” (estruturas de madeira com-postas de três varas, que serviam paramontar e desmontar peças de artilhariae levantar pesos).

Na zona do revelim foi tambémidentificado o antigo paiol que servia deapoio à artilharia aqui posicionada. Co-mo a maior parte dos paióis, este foiconstruído de modo a ter uma cave. Oacesso a esta era feito por uma escadade cantaria, também agora posta a des-coberto. O paiol terá sido utilizado co-

mo casa de apoio às artes de pesca lo-cal até à altura da sua efectiva destrui-ção, em 1986.

Referências Bibliográficas

CID, P. de A. I. (1998) − “As Arquitecturasda Barra do Tejo: as fortificações”. In N.ªSr.ª dos Mártires: a última viagem.Lisboa: Editorial Verbo, pp. 33-49.

RAMALHO, M. de M. (1989) − “ATorre deCascais: uma perspectiva arqueológi-ca”. Arquivo de Cascais. BoletimCultural do Município. Cascais. 7.

RAMALHO, M. de M. (1989) − “Em Buscada Torre Perdida”. Revista Oceanos.Lisboa. 2.

RAMALHO, M. de M. (2001) − “II. AsFortificações Marítimas do Porto eNobre Vila de Cascais”. In BARROS, M.F. R. et al., As Fortificações Marítimas daCosta de Cascais. Lisboa: QuetzalEditores, pp. 25-80.

a c t i v i d a d e a r q u e o l ó g i c a

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2adendaelectrónica al-madan adenda electrónica ISSN 0871-066X | IIª Série (14) | Dezembro 2006

C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D A

Fig. 2 - Sondagem III, calçada e exterior da cisterna. Fig. 3 - Revelim, estruturas identificadas.

Fig. 4 - Revelim, aspecto geral da escavação.

Fig. 5 - Cachimbo.

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gra Ae Angra B e desenvolve trabalhosde prospecção remota em frente àcidade. Em 1998, no âmbito da miti-gação de impactes das obras de cons-trução da marina de Angra do Heroís-mo, foram localizados vestígios de ou-tros dois navios (Angra C e D), escava-dos posteriormente e depositados a Estedo Monte Brasil, onde se encontram naactualidade (GARCIA et al. 1999). Asdescobertas continuaram em 2001,quando mergulhadores declararam osnaufrágios Angra E e F e, mais recen-temente, em 2004, no âmbito do pro-grama de carta arqueológica dos Açorespromovido pela Direcção-Regional daCultura (DRC), com a identificação deAngra G e H.

Em 2005, na sequência destasdescobertas, a DRC constituiu o ParqueArqueológico da Baía de Angra, quevisa a protecção legal e valorizaçãodeste Património através do seu estudoe divulgação. Em 2006, o Centro deHistória de Além-Mar (CHAM), unidadede investigação da Faculdade de Ciên-cias Sociais e Humanas da Universi-dade Nova de Lisboa, deu início aoPROJECTO PIAS (projecto de estudo, sal-vaguarda e valorização dos sítios AngraA, B, D, E e F), que conta com finan-ciamento da DRC e apoio logístico daUniversidade dos Açores (UA). Co-ordenado na sua componente de inves-tigação histórica pelo Doutor DamiãoRodrigues (CHAM-UA), e na de Arque-ologia pelo primeiro signatário desteartigo, este projecto trienal tem comoobjectivos científicos contribuir parao conhecimento do porto de Angraatravés do estudo integrado das fontesarqueológicos e escritas relacionadascom o tema nas suas diferentes ver-tentes, ambiental, económica, social ecultural. Em parceria com a DRC, pre-vê ainda colaborar na protecção e valo-rização dos vestígios arqueológicos emestudo.

Aprimeira campanha arqueológi-ca desenvolvida no âmbito do PRO-JECTO PIAS e realizada em Agosto de

2006 teve como principal objectivo aexecução de um levantamento prelimi-nar dos arqueossítios. Este registo ba-seou-se essencialmente na execuçãodas seguintes tarefas: croqui com recur-so a medidas (Fig. 1), levantamentobatimétrico, fotografia e caracteriza-ção/interpretação dos contextos arqueo-lógicos. Estes trabalhos permitiramavaliar de forma preliminar as condi-ções de jazida de cada sítio e, conse-quentemente, planear as intervençõesfuturas.

Angra F foi o primeiro sítio inter-vencionado, procurando-se caracterizarum contexto que ainda não tinha sidoobjecto de registo arqueográfico exaus-tivo. Os trabalhos efectuados permiti-ram delimitar o núcleo central dos vestí-gios, que se estende por cerca de 15 mde comprimento e 7 de largura. Nestaárea conserva-se um tumulus de pedrasde lastro, onde foram identificados blo-cos de calcário e quartzito, e onde apa-rece parte da sobrequilha, do complexodo mastro principal, o arranque das ba-lizas num dos bordos e uma tábua doforro exterior. A sobrequilha conser-va-se em aproximadamente 4,5 m decomprimento e mede 19,8 cm de largu-ra, ostentando na sua face superior doisentalhes para os pés de carneiro que su-portavam a primeira coberta. Acarlin-ga corresponde a uma expansão da so-brequilha e mede um metro de com-primento por 0,38 m de largura, con-

A s viagens de descobri-mento e expansão euro-peia no Atlântico e no

Índico cedo relevaram a importância dalocalização geográfica do arquipélagodos Açores, particularmente evidenteapós a abertura regular das ligaçõesentre a Europa, o Oriente e o continen-te Americano, em finais do século XV,inícios do XVI. Com efeito, as condi-cionantes naturais de navegação à velano Atlântico obrigaram (até à vulgari-zação da navegação a vapor na segun-da metade do século XIX) os navios emrota para a Europa a passar ao largo oua fazer escala nas ilhas açorianas. Du-rante todo o século XVI e parte do XVII,a principal escala atlântica localizou-sena baía de Angra, na costa Sul da ilhaTerceira, então tornada porto oceânicopara os navios portugueses e castelha-nos que voltavam à Europa com as al-mejadas riquezas do Novo Mundo e doOriente. Ancoradouro natural por exce-lência, protegido dos ventos dominan-tes de Norte-Nordeste, a baía de Angraé porém sensível às tempestades deSul e Sudoeste, que estão na origem denumerosas perdas de navios, atestadasna documentação e na tradição oral,confirmadas em numerosas evidênciasarqueológicas, que apenas recente-mente começam e ser identificadas.

É conhecido, desde o início domergulho com escafandro, um conjun-to de âncoras a Este do Monte Brasil,um dos antigos fundeadouros da cida-de. Ainda na década de 1960, foi recu-perada uma colecção de artilharia embronze na baía do Fanal, actualmentedepositada no museu de Angra, tal co-mo acontece com algumas peças cerâ-micas e numerosas peças de artilhariaem ferro recuperadas no interior dabaía de Angra. É, contudo, a partir de1996 que se dá um primeiro impulso nainvestigação dos vestígios já antes co-nhecidos, quando uma equipa do Institutof Nautical Archaeology (INA) e dosAmigos do Museu de Angra faz os pri-meiros levantamentos nos sítios An-

servando ainda parte do poço (0,18 mde comprimento máximo por 0,15 m delargura e 0,09 m de profundidade). Ascavernas medem de largura longitudi-nal entre 0,10 m e 0,19 m e aparentamestar fixas ao tabuado com pregaduramista, constituída por cavilhas de ma-deira e pregos de ferro, o mesmo padrãoque foi observado nas ligações entre ascavernas e os braços. Sendo ainda cedopara avançar hipóteses sobre a origem,dimensão e cronologia destes vestí-gios, não deixam de ser significativos osparalelos que as características arqui-tecturais referidas têm com os navios dachamada tradição de construção navalIbero-Atlântica do século XVI, nomea-damente os navios de Cattewater, RedBay, Molasses Reef, Highborn Cay,Western Ledge, Emanuel Point e Ria deAveiro A(OERTLING 2001 e bibliografiacitada pelo autor). Por outro lado, as di-mensões dos elementos observados pa-recem indicar estarmos na presença deuma embarcação de pequeno/médioporte, o que torna este sítio de enormeimportância para o estudo da construçãonaval do período de expansão ibérica.

Após a intervenção em Angra F, aequipa concentrou os seus esforços noregisto do sítio Angra B, já conhecidoe alvo de trabalhos arqueológicos emanos anteriores (CRISMAN 1999). Ostrabalhos efectuados neste sítio, quemereceram especial atenção devido àextensão e dispersão dos vestígios ex-

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Projecto PIASresultados dos trabalhos de 2006

José Bettencourt, Patrícia Carvalho e Cristóvão Fonseca[Centro de História de Além Mar da Universidade Nova de Lisboa]

Fig. 1 - Aspecto geral dos trabalhos em Angra B. Na foto observam-se as estruturas localizadas no núcleo 3.

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centro do tumulus (cavernas, quilha etabuado) e na periferia (escoas).

Já no final da intervenção, a veri-ficação metódica de estruturas em ma-deira que se observavam desde iníciodos trabalhos junto à bóia de amarraçãoda embarcação de apoio, permitiu iden-tificar o que parecem ser os vestígios deum outro navio. Com efeito, além des-tas madeiras, que numa limpeza super-ficial foi possível reconhecer comoparte da extremidade de um navio, foiidentificado um tumulus de lastro eoutras estruturas em madeira disper-sas e profundamente protegidas porareias. Arelação destes restos com o ca-daste referido anteriormente não é deexcluir, o que também só poderá serconfirmado com trabalhos de sondageme amostragem deste sector.

O sítio Angra E não foi relocali-zado, situação que poderá dever-se a umfenómeno de acreção na parte Oeste dabaía. Em Angra D apenas se verifi-caram as condições do depósito dasestruturas removidas após a escavaçãode 1998, com vista à programação detrabalhos futuros. No âmbito dos tra-balhos efectuados foi ainda recuperadoum caldeirão em liga de cobre identifi-cado isolado a Norte de Angra F.

Estes vestígios vieram relançar adiscussão sobre o contributo que a Ar-queologia Marítima pode assumir nodesenvolvimento do conhecimento his-tórico da Expansão, nomeadamenteacerca do papel estratégico das ilhas nocontexto da navegação no Atlântico.

Os resultados obtidos na primeira cam-panha confirmaram o enorme potencialcientífico, cultural e patrimonial destesvestígios, que comprovam no mar oestatuto de Cidade Património Mundialatribuído a Angra do Heroísmo.

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N O T Í C I A Sntífica, os restos da popa de um navio en-contrados sobre placas do que pare-cem ser vestígios de uma segunda em-barcação, em ferro (Fig. 2). Esta peça,recuperada no final da campanha por seencontrar em claro risco de destruição(Fig. 3), corresponde a um couce de po-pa conservado em 2,60 m da sua exten-são original, ainda com a patilha, o iní-cio do cadaste, com 1,17 m de altura, econcreções da primeira fêmea de leme.Mais uma vez, este importante vestígionáutico tem paralelos em numerososcouces e cadastes de navios de origempeninsular dos séculos XVI e XVII,nomeadamente no de Angra D (GARCIAet al.1999), surgindo ainda em ilus-tração do tratado de construção naval deJoão Baptista LAVANHA (1996). A ori-gem desta peça não foi ainda estabele-cida: as suas características e estadode conservação não permitem relacio-ná-la com as estruturas identificadasem Angra B. Surge assim a possibilida-de deste vestígio, em contexto secun-dário, ter sido, por factores pós-deposi-cionais dinâmicos, remobilizado de umcontexto de naufrágio localizado nointerior da baía, ainda não identificado.Esta hipótese apenas poderá ser con-firmada com a continuação dos traba-lhos.

Foram ainda efectuados trabalhosde registo e monitorização dos vestígiosde Angra A. As características arqui-tecturais desta embarcação indicam tra-tar-se de um navio do século XIX

(CRISMAN e LOWENN 1999), que se con-serva sob uma mancha de lastro comcerca de 35 m de comprimento e onzede largura. Neste ano, os trabalhos efec-tuados resumiram-se a um fotomosaicoda área ocupada pelos vestígios e auma observação das estruturas. Estasapresentam evidentes sinais de bio-erosão, responsável pela quase totaldestruição das madeiras expostas no

postos, permitiram identificar restosdo navio numa extensão de aproxi-madamente 18 m de comprimento, pro-tegidos por um tumulus de lastro − cal-cário (?), quartzito e sílex − que garan-tiu a protecção de parte significativa docasco numa zona particularmente ex-posta à ondulação durante eventos ex-tremos (profundidade inferior a 5 m).No sítio observam-se três núcleos estru-turais distintos do navio: no primeiro,situado na extremidade Este, preser-vam-se parte das balizas e tábuas do for-ro exterior (extensão máx. de 2,90 m);o segundo núcleo apresenta as extremi-dades das balizas de um dos bordos donavio, que se conserva numa extensãomáxima de 4,60 m; o núcleo 3, situadona extremidade Oeste da jazida, con-serva também parte das balizas e dotabuado (Fig. 1), que ocupam uma áreade aproximadamente 7 m2. As balizasnos diferentes núcleos, muito erodidasno sentido descendente do topo para abase, medem entre 15 e 21 cm de largu-ra longitudinal e apresentam-se fixas aotabuado por pregadura mista, com cavi-lhas de madeira e pregos de secçãoquadrangular. O tabuado mede entre 5e 5,5 cm de espessura e entre 32 e 35 cmde largura. Dispersos por todo o con-texto observam-se fragmentos do forroem chumbo que protegia o casco, frag-mentos de cerâmica comum e balas demosquete em chumbo. Trata-se obvia-mente dos vestígios de um navio degrande porte que, como já proposto

por Kevin CRISMAN (1999), poderá da-tar de inícios do século XVII. Nas pro-ximidades do núcleo principal foramainda identificados outros materiaisarqueológicos em madeira e concre-ções de ferro que, nesta fase, não podemser relacionados com o a estrutura con-servada em Angra B.

Entre estes vestígios destacam-se,pela sua dimensão e importância cien-

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Fig. 2 - Couce de popa localizado nas proximidades de Angra B.

Fig. 3 - Aspecto da recuperação do couce de popa.

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Foram igualmente identificadosalguns degraus, que ligariam o pisotérreo a um corredor, a uma cota apro-ximada de 31,60 metros, com destino àcasa de fornax.

O aparelho das paredes é de opustestacium, oscilando a sua largura entre0,40 e 0,60 metros. As paredes de ele-vação do corredor, de acesso ao prae-

furnium, são constituídas com pedrasirregulares, seixos do rio e cal hidraúli-ca, embora a superfície externa seja ra-zoavelmente bem afeiçoada. Os blocosde pedra são de calcário da região(Fig. 2), envolvendo em argamassa etijolo moído os seixos do rio e pedramiúda, ficando os enchimentos bemacamados com terra amarelada e are-nosa.

O revestimento interior das pare-des de alvenaria teria, em determinadossectores do edifício termal, reboco deargamassa pintado (pintura mural),dada a presença abundante de frag-mentos pictóricos. Os pavimentos, oratêm revestimento de opus signinum,ora lajeado em pedra, ora tijoleira, oracobertura musiva. Os massames para oopus signinum eram constituídos porpedra miúda e tijolos miúdos, unidospor argamassa de cal hidráulica e areia.

Estes assentam directamente num las-tro compósito de seixos, tijolo, areia ecal, constituindo duas camadas nítidasde assentamento: uma nivelando osuave declive do terreno, composto porseixos irregulares e argamassa de areiae cal não depurada (statumen); outra su-porte de opus signinum, constituídapor tijolo britado e fragmentos de tijo-

lo, unidos por massame de argamassa ecal (nucleus).

O calcário, proveniente da regiãode Constância, ocupa dois comparti-mentos situados, respectivamente, asudeste e sudoeste da ampla sala octo-gonal; no primeiro, o pavimento calcá-rio descreve dois círculos adjacentes,faltando ainda definir o seu perímetro;no outro, o lajeado em calcário apareceassociado a mosaico policromo. É per-ceptível o desenho de uma figura de seisfolhas ou fusos, com os espaços inter-calares preenchidos por tesselas musi-vas.

2.1. Mosaico: medidas preventivas

Os trabalhos decorrentes de 1999a 2004 foram férteis na identificação deinúmeras tesselas soltas, resultantes decamadas de revolvimento ou “arranca-

1. Introdução

A descoberta ocasional deuma talha (1998), com ografito ARPIVS, em

propriedade agrícola, situada no MédioTejo, e a recolha de material de cons-trução junto à ribeira da Bica, a umascentenas de metros daquele “tesouro”rural, foram determinantes para a orga-nização de um conjunto de acções ar-queológicas, sistemáticas, que permi-tissem a identificação daqueles achadosromanos.

Os resultados arqueológicos defi-niriam, numa primeira fase de acção sis-temática (PONTE 2003), o tipo daquelasruínas romanas, a poucos metros dosolo ocupado de oliveiras e figueiras,tendo coexistindo com as pré-existên-cias algumas dessas árvores, que impe-diam a progressão e leitura daquelas.

Trata-se de alicerces de um edifí-cio termal, dos meados do século III aoV d.C., encravado em propriedaderural. Os trabalhos arqueológicos desteano (2006) foram bastante profícuos,quanto à definição de alguns espaçosfuncionais do complexo termal.

2. Arquitecturas e materiais

O balneário descoberto ocupauma área de 165 m2 (Fig. 1), não es-tando ainda definidos os contornos doedifício termal (balnea).

O modelo e volumetria deste bal-neário, de forma radiocêntrica, peloque foi já identificado, situam-se numaépoca tardo-romana. O eixo axial doedifício com orientação Este-Oeste e àcota média de 33,60 metros, consta deuma sala octogonal, pavimentada aopus signinum, com dois alveii semicir-culares, dando aquele espaço nuclearacesso a outras salas radiais, de meno-res proporções; umas dão acesso direc-to a áreas de serviço, enquanto outras aespaços nobres do balneário.

das” pela acção da lavoura. Porém, em2005, na quadrícula NA 22, surgiramtrês pequenos núcleos musivos, comtesselas de diferentes cores (branco,vermelho, cinzento e amarelo), cujadimensão não permite qualquer per-cepção temática.

Estes núcleos apresentam-se comuma estrutura de suporte / fixação mui-to fragilizada devido, por um lado, àsujeição temporal dos trabalhos agrí-colas, por outro à forte presença de raí-zes de diferentes elementos arbóreos(figueira e oliveira).

Nesse ano, os trabalhos de con-servação, para além de alguma limpezacom água destilada, visavam funda-mentalmente garantir a não degradaçãodos núcleos. Assim, desenvolveram-sealgumas operações técnicas elemen-tares, que incluíram a fixação de um ele-mento têxtil (gaze), com a ajuda deuma resina acrílica (Paraloid B72, diluí-do em acetona).

Em 2006, na quadrícula NA 21,surgiu mais um núcleo musivo, repre-sentando um entrançado compósito,policromo (cor branca, ocre vermelho,ocre amarelo), em fundo azul (Figs. 3 e4).

Este núcleo musivo, apesar de seencontrar em melhor estado de conser-vação do que os anteriores, apresentaalgumas alterações físicas, como ondu-lação, desprendimento e falhas, devidoa factores similares aos já referidos.

Os trabalhos de conservação, alémda limpeza química e mecânica, con-substanciaram-se à pretensão de preser-var o núcleo musivo. Assim, as lacunase extremidades foram protegidas,através da aplicação de uma argamas-sa hidráulica pobre.

Ainda em 2006, e no que respeitaaos núcleos musivos descobertos noano anterior, foram também eles su-jeitos a limpeza química, visando essen-

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As Termas Tardo-Romanas de Chã da Bica(Montalvo-Constância)

Salete da Ponte, J. Miranda, e M. Arsénio

Fig. 1 - Pormenor do alveum sudoeste da sala octogonal.

Fig. 2 - Ligação interior da zona de serviço à sala octogonal, do lado sudeste da ruína.

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N O T Í C I A SnAs valências científicas e pedagó-

gicas destas memórias passadas, cons-tituirão, por assim dizer, os vectoresfundamentais para um conhecimento efruição participadas das comunidadescontemporâneas.

Bibliografia

PONTE, S. (2003) − “Villa Tardo-Romana deChã da Bica (Montalvo-Constância)”.Cadernos do Património (Escora). Mon-talvo. 1: 13-66.

TARECO, H. (2001) − Relatório Final. Pros-pecção por Georadar em Constância--Montalvo. Sítio Arqueológico de Chãosdas Bicas. Lisboa: GeoSurveys. Consul-tores em Geofísica, Ld.ª.

cialmente retirar a “gaze” aplicada ante-riormente, devido ao seu estado de de-gradação. Os tratamentos posteriores fo-ram similares aos descritos em relaçãoao núcleo de 2006.

As acções desenvolvidas no con-texto dos trabalhos arqueológicos doano de 2006 foram assumidas clara-mente como uma intervenção de emer-gência, visando uma acção imediatade conservação “in loco”, tendo comoperspectiva futura um enquadramentogeral destes testemunhos arqueológicos.

3. Perspectivas futuras

Projecta-se para este sítio arqueo-lógico, e num futuro bem próximo, umPlano de Investigação e de Salvaguardamais amplo, quer no campo da Arqueo-logia, quer no plano da conservação erestauro das ruínas. Está em preparação,um plano de investigação destas ruínase de outras existentes na região deConstância, num Projecto de Revitali-zação das Memórias Identitárias doTerritório, numa perspectiva turística ecultural.

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Fig. 3 - Pormenor de núcleo musivo policromo, com um entrançado, de três cordões.

Fig. 4 - Remate em voluta do mesmo núcleo musivo.

estudo, mas tam-bém devem terum papel de in-tervenção, natu-ralmente funda-mentado, no co-nhecimento daHistória e do Pa-trimónio existentes na região onde seenquadram.

Associações há que têm uma sec-ção, um departamento, dedicado exclu-sivamente ao estudo da História e dosdiversos patrimónios locais. Associa-ções há que contam nessas secçõescom a colaboração de arqueólogos ehistoriadores.

É fundamental evitar que o tempo,a incúria, o desconhecimento das pes-soas conduza ao definitivo desapareci-

mento de muitos monumentos. Emparticular, as sepulturas escavadas narocha, por se situarem normalmentenas zonas rurais, longe de tudo e de to-dos, estão sujeitas ao esquecimento e àdestruição.

Ainclusão destes testemunhos nosroteiros turísticos ajuda definitivamenteà sua conservação e preservação. Outrasacções podem ser tomadas.

Nesta linha propusemos, em 2006,à Junta de Freguesia de Cunha Baixa, a

A presentamos nestas li-nhas algumas considera-ções sobre a defesa e pre-

servação das sepulturas escavadas narocha, baseando-nos numa proposta detrabalhos apresentada a uma Junta deFreguesia.

De facto, têm sido poucas as ini-ciativas, pelo menos divulgadas, deprotecção física destes monumentosarqueológicos.

É, por conseguinte, importanteque se estabeleça entre os arqueólogose as juntas de freguesia, as associaçõesculturais, as câmaras municipais umarelação de cooperação que vise a defe-sa eficaz dos diversos vestígios históri-co-arqueológicos.

Efectivamente, as associações cul-turais não deverão apenas dedicar-se ao

realização de trabalhos de limpeza earranjo do espaço envolvente aos váriosexemplares ali existentes, bem como asua divulgação turística.

A proposta de trabalhos constabasicamente do seguinte:

1 − Limpeza da sepultura (detritose lixo do seu interior);

2 − Limpeza da zona envolvente(corte de vegetação rasteira: fetos, etc.);

3 − Possível delimitação da sepul-tura: sugere-se que na área em volta do

Sepulturas Escavadas na Rochapreservação ou abandono?

António Luís Marques Tavares

Fig. 1 - Sepultura de Cumieira (Espinho).

Page 9: Sepulturas escavadas na rocha: preservação ou abandono?

de trabalhos, em substituição daquelasempresas, e em articulação com as enti-dades acima aludidas.

As sepulturas que nos propuse-mos valorizar e preservar foram as dafreguesia de Cunha Baixa, no concelhode Mangualde, popularmente conheci-das por “campas”, “campas dos mou-ros”, e até por “pias” e “pias dos mou-ros”.

Um dos motivos que nos levou aapresentar a proposta enunciada à Juntade Freguesia, para além dos já expostos,foi também o de proceder a uma revi-são das sepulturas publicadas pelo autor(TAVARES 1988 e 1999), por GOMES eCARVALHO (1992) e por Menezes MAR-QUES (2000). Outro propósito foi o daconfirmação da existência na actuali-dade de todas as sepulturas referencia-das por estes autores, bem como as queestão identificadas no LevantamentoArqueológico do Concelho de Man-gualde, elaborado por Luís Filipe Go-mes e por mim (GOMES e TAVARES1985).

Identificar novas estações ou se-pulturas nas estações já existentes, re-colher o máximo de informação e pro-ceder a uma tentativa de integração nocontexto arqueológico e histórico ondese localizam, foram as restantes tarefasa que nos propusemos.

Para além do tratamento técnicodas sepulturas, tentámos problemati-zar aspectos como a cronologia, os ri-tuais funerários, quem as escavou e aquem se destinavam as sepulturas, asformas de povoamento.

Rapidamente demos conta quepoderíamos alargar o campo de estudoà freguesia vizinha, para obter maiorconsistência no tratamento destas ques-tões, pois aumentava significativa-mente o número de túmulos a estudar.Assim aconteceu e daí resultou um tra-balho de sistematização, de caráctermonográfico, que intitulámos “Sepul-turas Escavadas na Rocha das Fregue-sias de Cunha Baixa e Espinho (con-tributos para a História da Alta IdadeMédia numa micro região)” e está nestemomento no prelo.

Bibliografia

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GOMES, L. F. C. e TAVARES, A. L. M. (1985)− Levantamento Arqueológico do Con-

monumento sejam colocados quatropilares de secção quadrangular, discre-tos, em granito, com cerca de 10 cm, umem cada canto, de forma a “delimitar”a sepultura. A implantação dos pilaresserá feita no terreno que circunda osafloramentos graníticos e nunca noafloramento. Não haverá escavaçõesnem revolvimento do subsolo. Esta de-limitação será feita onde seja verifica-da a sua real importância como elemen-to de valorização;

4 − Identificação da sepultura: su-gere-se a colocação de painel em ma-deira tratada com a descrição sumária dasepultura;

5 − Colocação de placas sinaléti-cas do tipo de trânsito rodoviário, noslocais onde se achar conveniente, de for-ma a indicar a sua localização (publi-ca-se uma tabuleta referente a um tra-balho já efectuado, que serve de exem-plo).

6 −Após conclusão dos trabalhosserá enviado aos Serviços Regionais doIPA o relatório dos trabalhos, bem comoo estudo completo das sepulturas.

Naturalmente que ao IPA será pre-viamente enviado o projecto para mere-cer a sua necessária aprovação.

São estes trabalhos, na maior partedas vezes levados a cabo pelas empre-sas de Arqueologia, que garantem areal preservação dos diversos monu-mentos arqueológicos. Contudo, sãotrabalhos de pouco valor económico-fi-nanceiro para as empresas, pelo queestas preferem dedicar-se a projectosmais rentáveis. É total e naturalmentecompreensível que assim seja. Mas istonão significa que as sepulturas escava-das na rocha fiquem abandonadas.

Na nossa óptica, pode competiraos arqueólogos que profissionalmenteestão no ensino ou noutras actividadese que nas suas férias e tempos livres sededicam à investigação e à participaçãonas diversas escavações arqueológicasque acontecem no país, fazer este tipo

celho de Mangualde. Traba-lho académico apresentadona cadeira de Técnicas deInvestigação Arqueológica,da Fac. de Letras da Univ. deCoimbra.MARCELINO, A. M. (1995) −Sacristia da Igreja Matrizde São Julião de Azurara,Mangualde. Relatório das

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Fig. 2 - Sepultura de Abrunhosa do Mato (Cunha Baixa).

Fig. 5 - Painel de madeira tratada com sumáriadescrição histórico-cultural do monumento.

Fig. 4 - Painel Sinalético de indicação do local.Fig. 3 - Aspecto geral após intervenção:sepultura (1); afloramento granítico (2);terreno envolvente (3); pilares de granito(4), 10 cm visíveis.

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Cávado, que se estendem de SãoRomão da Ucha a Prado.

2. Considerações prévias

O arqueossítio é detentor de todasas potencialidades para ter funcionadocomo um centro oleiro, devido ao enor-me acervo de material laterício (tegul-lae, ânfora, cerâmica comum, entreoutros materiais) disperso à superfície,à existência de barreiros abandonados

que parecem ser romanos, ao tipo devegetação (rasteira), à tradição oleirapatente desde o período romano até àactualidade, sendo muito célebre noperíodo medievo. Daí levantar-se ahipótese de este arqueossítio ter sido umcomplexo oleiro dotado de todas ascondições necessárias para o fabricode material laterício, que abastecia asnecessidades da cidade de Braga.

Aexistência de um complexo in-dustrial em extramuros da cidade deBracara Augusta concede maior impor-

tância ao sítio, pois até à data só são co-nhecidos vestígios de fornos dentro doperímetro urbano. Rui MORAIS (2005:84) alega que apenas se conhece a refe-rência a um possível forno, encontradoem duas intervenções de salvamentorealizadas pela UAUM - Unidade de Ar-queologia da Universidade do Minho.

Acidade de Bracara Augusta en-contrava-se interligada com o arqueos-sítio pela Via XIX, que servia como“corredor” de extracção das matérias

existentes em todos os povoados, visan-do o abastecimento da cidade, para col-matar as suas necessidades.

A actividade oleira foi muito im-portante no império romano, outrossim,na cidade de Bracara Augusta. RuiMORAIS (2005: 83) afirma que a olariafoi sem dúvida a indústria mais signi-ficativa desta cidade romana e ManuelaMARTINS (2000: 21) refere, também, aimportância da actividade oleira, tendoa generalidade da cerâmica comum deuso doméstico e, provavelmente, as

1. Localização e contexto do arqueossítio

O arqueossítio de Maca-rome localiza-se no dis-trito de Braga, concelho

de Vila Verde, freguesia de Cabanelas,distando sensivelmente seis quilómetrosa Noroeste da cidade de Braga. As co-ordenadas geográficas são as seguintes:Latitude: 41° 35’44,02” N; Longitude:8° 29’37,74” W; Altitude: 40 metros.

O local encontra-se implantadonum planalto, no lado direito do rioCávado, com uma privilegiada posiçãogeográfica, sobre terrenos férteis pro-porcionadores da prática agrícola ebosques para a prática silvo-pastoril.

O arqueossítio ainda não se encon-tra identificado. Desta maneira, a notí-cia preliminar agora apresentada visadivulgar um sítio que, devido às suascaracterísticas de uso do solo (terrenosem reserva florestal) e arqueológicas(evidências de se poder tratar de umenorme centro oleiro, com infraestru-turas), necessita de estudo delicado eaprofundado.

Aprimeira e única referência sobreo arqueossítio é feita por JerónimoContador de ARGOTE (1732-1734), emMemórias para a História Eclesiásticado Arcebispado de Braga, que recolhea versão, sem lhe dar crédito, de podertratar-se da primitiva povoação de Pra-do. Esta versão tem enquadramentofísico e espacial devido à passagem daVia XIX, que ligava Bracara Augusta(Braga) e Asturica Augusta (Astorga,em Espanha), nas proximidades. Con-tudo, existem teorias que asseveram apassagem da Via neste arqueossítio.Entre elas está o traçado proposto porCarlos Ferreira de ALMEIDA (1979:103), que aponta a passagem da antigaVia em Oleiros (cruzando com este ar-queossítio). O centro produtor cerâmi-co ganha maior relevo devido à naturezaargilosa do solo que, segundo ManuelaMARTINS (1990: 222), integra os maio-res e melhores barreiros da região do

ânforas, sido produzidas com argilasoriundas da zona de Prado.

Devido às excelentes condiçõesgeoestratégicas, associadas à extremaabundância de matéria-prima (barro,água e lenha), pode-se avançar com aideia de este arqueossítio ter sido umproeminente centro de produção de ce-râmica, com capacidade para abastecere satisfazer as necessidades de BracaraAugusta.

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notícia preliminar do

Centro Oleiro de MacaromeCabanelas (Vila Verde)

Luís Cónego

Fig. 1 - Extracto da CMP, Fl. 56. Fig. 2 - Fotografia aérea onde se visionam os lagos artificiaisda extracção de argila e o enquadramento do arqueossítio.

Fig. 3 - Dispersão do material laterício.