SEQÜESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS:...

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ROSANNE CHRISTINE DA SILVA BASTOS LOPES SEQÜESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS: Análise e estudo do caso do menino Sean. Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília. Orientador: Prof. Jorge Luiz Ribeiro de Medeiros BRASÍLIA 2010

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ROSANNE CHRISTINE DA SILVA BASTOS LOPES

SEQÜESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS: Análise e

estudo do caso do menino Sean.

Monografia apresentada como requisito

para conclusão do curso de bacharelado em

Direito do Centro Universitário de Brasília.

Orientador: Prof. Jorge Luiz Ribeiro de

Medeiros

BRASÍLIA

2010

Agradeço primeiramente a Deus pelo maior presente que

me deu, a vida, ao meu orientador Jorge Luiz Ribeiro de

Medeiros, pela compreensão e dedicação. Ao meu pai,

Marcus Augustus, pelos conselhos e pela oportunidade de

aprendizado; a minha mãe, Zélia Marques, pelo apoio e

incentivo que sempre me deu; a minha irmã, Ingrid

Christine, pela amizade; e ao meu namorado, Tiago

Muniz, pelo carinho, paciência e companheirismo que

sempre me proporcionou.

Amo todos vocês, que caminharam junto comigo durante

essa grande jornada da minha vida, obrigada!

RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade estudar e analisar o caso do

menino Sean Goldman, caso muito discutido na mídia e entre os Tribunais, sobre Seqüestro

Internacional de Crianças. O caso veio a se tornar um marco, pois muitas pessoas não

conheciam esse dilema, apesar de ser algo muito comum hoje em dia pelo fato de haver

vários estrangeiros espalhados pelo mundo. Muitas das pessoas que passam por situações

parecidas com a da família de Sean, não sabem como lidar com o fato, não sabem a que

Justiça recorrer para atingir o objetivo de retorno da criança, o mais rapidamente possível, a

seu país de origem, sua residência habitual para que lá sim, sejam discutidas as questões

relativas à guarda do menor.

Palavras-chave: Convenção de Haia. Seqüestro internacional de crianças. Incidente de

competência. Paternidade biológica. Paternidade sócio-afetiva.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 6

CAPÍTULO 1 ......................................................................................................................... 7

1. Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças ................... 7

1.1 A denominação da Convenção ......................................................................................... 9

1.2 Objetivos da Convenção ................................................................................................. 10

1.3 Requisitos para o pedido de retorno da criança seqüestrada .......................................... 11

1.4 Exceções que podem negar o pedido de retorno da criança seqüestrada ....................... 12

1.5 Responsabilidade Internacional dos Estados Signatários ............................................... 14

1.6 A Convenção no Brasil ................................................................................................... 15

1.6.1 Trâmite do pedido no Brasil ........................................................................................ 17

1.7 Seqüestro Internacional de Crianças............................................................................... 18

CAPÍTULO 2 ....................................................................................................................... 20

2. Ordenamento Jurídico Constitucional .............................................................................. 20

2.1 Princípio do Melhor Interesse da Criança ...................................................................... 20

2.1.1 Denominação ............................................................................................................... 22

2.2 Paternidade ..................................................................................................................... 23

2.3 Paternidade Biológica ..................................................................................................... 24

2.4 Paternidade Afetiva ou Sócio-afetiva ............................................................................. 26

CAPÍTULO 3 ....................................................................................................................... 31

3. Relato do caso Sean Goldman .......................................................................................... 31

3.1 A narrativa apresentada pela mídia ................................................................................ 31

3.2 Sentença .......................................................................................................................... 33

3.2.1 Ausência de Interesse Processual. .............................................................................. 41

3.2.1.1 Ilegitimidade Ativa da União. .................................................................................. 42

3.2.1.2 Incompetência da Justiça Federal para Regulamentação de Visitas e Pedido de

Sobrestamento do Processo. ................................................................................................. 42

3.2.2 Incidência do Artigo 3° da Convenção da Haia. Perfeita Subsunção dos Fatos à

Norma. .................................................................................................................................. 43

3.2.2.1 Exceção do Artigo 12 da Convenção da Haia. Adaptação do Menor.

Inaplicabilidade ao Caso. .................................................................................................... 45

3.2.2.2 Exceção do Artigo 13, Alínea “b”, da Convenção da Haia. Inaplicabilidade.

Inexistência de Perigo de Dano Físico ou Psíquico ao Menor. ........................................... 48

3.2.2.3 Exceção do Artigo 13, Alínea “b”, Segundo Parágrafo. Oposição da Criança ao

Retorno. Inaplicabilidade. .................................................................................................... 50

3.2.2.4 Artigo 17 da Convenção da Haia. Existência de Decisão Provisória, Concessiva da

Guarda de Sean ao Réu, pela Justiça Estadual. Irrelevância, In Casu. Decisão nula, de

pleno Direito. ........................................................................................................................ 51

3.2.2.5 Exceção do Artigo 20 da Convenção da Haia. Violação aos Princípios

Fundamentais do Estado Requerido. Inaplicabilidade. ....................................................... 52

3.2.2.6 Nacionalidade de Sean. Irrelevância. ...................................................................... 52

3.2.2.7 Necessidade de Retorno Imediato do Menor. Antecipação dos Efeitos da Tutela.

Medida Impositiva. ............................................................................................................... 53

3.2.2.8 Pedido de Condenação do Réu ao Custeio da Viagem de Retorno do Menor.

Princípio da Causalidade. Improcedência. .......................................................................... 57

3.3 Incidente de Competência .............................................................................................. 58

3.4 Desenvolvimento do caso após a sentença ..................................................................... 62

3.4.1 Análise da decisão no âmbito do TRF da 2ª Região ................................................... 62

3.4.2 Analise do recurso dos Lins e Silva ao Min. Marco Aurélio ....................................... 63

3.4.3 Decisão do Ministro Gilmar Mendes .......................................................................... 66

CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 74

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 77

6

INTRODUÇÃO

O tema escolhido para minha monografia diz respeito ao seqüestro

internacional de crianças. Comecei a pensar no tema com a repercussão que a mídia tem

dado sobre o caso do menino Sean, em que a mãe brasileira, que era casada com pai

americano, resolveu passar uma temporada com o filho no Brasil, e simplesmente alguns

dias depois ligou para o pai da criança avisando que queria o divórcio e que não voltaria

mais para os EUA. Conseqüentemente, após um tempo, a mãe brasileira casou-se

novamente com um brasileiro, e teve uma filha concebida dessa nova relação. Porém, o

ponto fático da história foi que, por complicações no parto, a mãe de Sean veio a óbito. A

partir dos fatos ocorridos, o padrasto de Sean pediu a guarda provisória do menino,

alegando paternidade sócio-afetiva. Foi então que o pai biológico resolveu dar inicio à

disputa de seus direitos como único genitor vivo, pedindo a guarda definitiva de seu filho.

O seqüestro internacional de crianças tem uma grande relevância e

importância na vida social das famílias do mundo todo, pois é algo que pode ocorrer com

qualquer pessoa. É um fato que mais do que nunca se torna familiar, ainda mais com tantos

estrangeiros espalhados pelo mundo afora que não conhecem seus direitos, não sabem a que

Justiça recorrer em situações como esta, se a de seu país de origem ou a do país de

residência habitual.

Portanto, este trabalho monográfico tem como objetivo estudar e explicar

o caso do menor Sean Goldman, encontrando uma solução, finalização coerente para este

caso que foi tão repercutido.

7

CAPÍTULO 1

1. Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de

Crianças

As controvérsias decorrentes do deslocamento internacional compulsório

e conflituoso de crianças por ação dos parentes mais próximos, tornadas mais numerosas

pela ampliação dos deslocamentos e relacionamentos humanos pelo mundo afora passaram

a ser fonte de forte preocupação dos Estados, sobretudo europeus. Essa realidade levou a

que se propusesse, no fórum da Conferência da Haia, a elaboração de uma convenção sobre

o ―deslocamento ilegal de crianças ao estrangeiro‖, do que resultou a aprovação da

Convenção sobre Seqüestro, de 1980.1 Embora concluída em 1980, a Convenção só foi

internalizada no Direito Brasileiro por meio do Decreto 3.413 de abril de 2000. Em 20

anos, o tratado produzido pelos então 29 Estados Membros da Conferência alcançou o total

de 60 Estados Contratantes2, e continuou crescendo em adesões à média de 3 por ano, para

enfim atingir 793 Estados Contratantes em 2007, conforme divulgado pelo site da internet

da Conferência da Haia.

1 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: a criança no direito internacional. Rio de Janeiro:

Renovar, 2003, p. 239. 2 DYER, Adair. To celebrate a score of years. N.Y.U. Journal of International Law and Politics, v.33, 2000,

p. 9. Apud: MESSERE, Fernando L. de L. Direitos da Criança: O Brasil e a Convenção sobre aspectos

civis do seqüestro internacional de crianças, 2005. Dissertação(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação

em Direito: Direito das Relações Internacionais, Uniceub, 2005, pág. 82. 3 Em 3/12/07: África do Sul, Albânia, Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bahamas, Belarus, Bélgica,

Belize, Bósnia & Herzegovina, Brasil, Bulgária, Burkina Faso, Canadá, Chile, China, Colômbia, Costa Rica,

Croácia, Chipre, Dinamarca, El Salvador, Equador, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos da

América, Estônia, Finlândia, França, Geórgia, Grécia, Guatemala, Honduras, Hungria, Ilhas Fiji, Ilhas

Maurício, Islândia, Irlanda, Israel, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Macedônia, Malta, México,

Moldova, Mônaco, Montenegro, Nicarágua, Nova Zelândia, Noruega, Países Baixos, Panamá, Paraguai, Peru,

Polônia, Portugal, Reino Unido, República Dominicana, República Tcheca, Romênia, San Marino, São

Cristóvão e Nevis, Sérvia, Suécia, Suíça, Sri Lanka, Tailândia, Turcomenistão, Turquia, Trinidad e Tobago,

Ucrânia, Uruguai, Uzbequistão, Venezuela, Zimbábue.

8

O seqüestro de uma criança por um de seus familiares é uma

manifestação doentia do exercício do poder familiar, e revela uma especial beligerância na

disputa pela custódia da criança. O estado de desacordo entre os pais é de tal ordem que um

deles arrebata, muito facilmente, o filho e desloca-se para outra jurisdição onde acredita

poder obter situação de direito ou de fato que melhor atenda a seus interesses. Embora a

Convenção não seja perfeita, é uma das melhores alternativas à autodefesa que costumava

imperar nos casos da espécie, trazendo conseqüências perigosas e prejudiciais à criança,

muitas vezes mantidas longe de atividades sociais, impossibilitada de criar vínculos de

amizade e culturais, matriculada em escolas variadas e com utilização de nomes fictícios.

Um tratado multilateral como a Convenção da Haia insere os Estados em um regime

internacional de localização e avaliação da real situação da criança, que deverá ser

restituída ao Estado de residência habitual. Eventual decisão diversa deverá ser objeto de

esclarecimentos e fundamentada no primado do superior interesse da criança.4

A primeira observação a ser feita quanto a Convenção sobre os Aspectos

Civis do Seqüestro Internacional de Crianças é que não se trata de seqüestro criminal

(tráfico de menores), na acepção clássica do termo no Direito brasileiro. Consoante se

observa nos comentários do Grupo de Haia5 ao texto da Convenção, embora o Brasil tenha

adotado o termo ―seqüestro internacional de crianças‖, não se trata, precisamente, do

seqüestro tal como conhecemos no Direito Penal. Trata-se, sim, de (a) um deslocamento

ilegal da criança de seu país de residência habitual e/ou (b) a sua retenção indevida em

4 DYER, Adair. To celebrate a score of years. N.Y.U. Journal of International Law and Politics, v.33, 2000,

p. 1-3. Apud: MESSERE, Fernando L. de L. Direitos da Criança: O Brasil e a Convenção sobre aspectos

civis do seqüestro internacional de crianças, 2005. Dissertação(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação

em Direito: Direito das Relações Internacionais, Uniceub, 2005, pág. 81. 5 STF: http://www.stf.jus.br/convencaohaia/cms/verTexto.asp. Data de acesso: 23/03/2009.

9

outro país que não o da sua residência habitual.6 A utilização do termo ―seqüestro‖ tem

causado repulsa até mesmo entre os pais que o cometem, por estar ligado à subtração de

pessoas com o objetivo de obter dinheiro ou vantagem financeira, o que não é o caso. Por

ser, o seqüestro internacional, um assunto pouco explorado nas legislações nacionais, essas

dúvidas e confusões quanto sua nomenclatura e denominação são freqüentes não só para

nos cidadãos comuns como também para os supremos legisladores e juristas de nosso país.

1.1 A denominação da Convenção

Inicialmente, faz-se necessário esclarecer que a tradução da nomenclatura

do tratado para o português, empregando o vocábulo ―seqüestro‖ (o original, em inglês, é

child abduction), leva-nos erroneamente a pensar em crime de seqüestro, embora a

expressão ―aspectos civis‖ tenha sido incluída para tentar compensar a imprecisão

terminológica7. O termo seqüestro, utilizado no título da Convenção, já levou até mesmo os

tribunais brasileiros a fazerem referências indevidas ao texto convencional da Haia.

Nos países de língua espanhola optou-se pelo termo ―sustracción‖,

enquanto que em Portugal é utilizado o vocábulo ―rapto‖. Na Inglaterra e na França, as

expressões escolhidas foram ―abduction‖ — que tem tradução equívoca para a língua

portuguesa, tendo significado tanto criminoso quanto exclusivamente civil — e

―enlèvement‖ — cuja tradução para o português leva à idéia de ―retirada‖, ―arrebatamento‖,

6 MAURIQUE, Jorge Antonio. Seqüestro Internacional de Crianças, anotações sobre a convenção de

Haia. In: Revista Jurídica Consulex, ano XII, n° 284, 15 de novembro de 2008, pág. 24 – 29. 7 BATISTA, Carolina de Abreu. Até Quando?. In: Revista Jurídica Consulex, ano XII, n° 284, 15 de

novembro de 2008, pág. 30 – 31.

10

―rapto‖, e não se confunde com a palavra utilizada para o comportamento criminal do

seqüestrador.8

1.2 Objetivos da Convenção

Os objetivos da Convenção estão dispostos no Capítulo 1, artigo 1°, assim

estabelecendo:9

Artigo 1°

A presente Convenção tem por objetivo:

a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para

qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;

b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os

direitos de guarda e de visitas existentes num Estado Contratante.

O objetivo da Convenção é o de retornar a criança, o mais rapidamente

possível, à sua situação anterior, garantindo que as questões relativas à sua guarda sejam

discutidas no âmbito da jurisdição do seu país de residência habitual. A Convenção, além

disso, visa a evitar que as crianças sejam afastadas abruptamente do convívio com um dos

pais, e a remediar esta situação, seja retornando a criança, seja garantindo o direito de

visitas do left-behind parent.10

8 MESSERE, Fernando L. de L. Direitos da Criança: O Brasil e a Convenção sobre aspectos civis do

seqüestro internacional de crianças, 2005. Dissertação(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em

Direito: Direito das Relações Internacionais, Uniceub, 2005, pág. 85. 9 BRASIL. Decreto nº 3.413 de 14 de abril de 2000. Ementa. Diário Oficial da República Federativa do

Brasil, Brasília, DF, 17 de abril de 2000. Disponível em:

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3413.htm. Acesso em: 25/08/2009. 10

DITTRICH, Lalisa Froeder. A Convenção sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de

Crianças e sua aplicação no Brasil. In: Palestra do Grupo de Estudos de Direito de Família do Centro

Universitário de Brasília – UNICEUB, primeiro semestre de 2009.

11

É importante destacar que não há uma hierarquia entre os objetivos

anteriormente transcritos, embora seja evidente que a Convenção tenha tratado mais

detalhadamente ao compromisso de restituição de crianças que tenham sido transferidas ou

retidas em violação a direito de guarda, uma vez que esses são os casos que geram os

maiores danos, a requerer soluções mais urgentes. Assim, embora os objetivos indicados

nas alíneas ―a‖ e ―b‖ do artigo 1° devam ser teoricamente ―postos no mesmo plano, na

pratica o desejo de garantir o restabelecimento da situação alterada pela ação do

seqüestrador11

é o que prevalece na Convenção‖.12

1.3 Requisitos para o pedido de retorno da criança seqüestrada

Primeiramente, os Estados envolvidos no pedido de retorno devem ser

signatários da Convenção; o segundo requisito é que a criança deve ter residência

habitual no Estado requerente; o terceiro requisito é que tenha ocorrido violação do

direito de guarda ou de visita; o quarto diz que à criança deve ter idade inferior a 16 anos

completos; o quinto e último requisito é que o pedido deve ser feito no prazo de 01 ano da

retirada ou retenção da criança do país.13

Os requisitos para que um pedido de retorno da criança seja aceito, é que

a retirada da criança ou sua retenção em outro país tenha violado o direito de guarda ou

visita do requerente, sendo considerada ilícita pelas leis vigentes no país de residência

11

Texto original: ―abductor‖. 12

(PÉREZ-VERA, Elisa. op. cit., p. 4/5). MESSERE, Fernando L. de L. Direitos da Criança: o Brasil e a

Convenção sobre os aspectos civis do seqüestro internacional de crianças, 2005. Dissertação(Mestrado),

Uniceub. 2005, pág. 83. 13

DITTRICH, Lalisa Froeder. A Convenção sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de

Crianças e sua aplicação no Brasil. In: Palestra do Grupo de Estudos de Direito de Família do Centro

Universitário de Brasília – UNICEUB, primeiro semestre de 2009.

12

habitual da criança. A analise do pedido, portanto, deve basear-se na lei do país

requerente14

. Esse direito de guarda é muito comum de ser violado, pois em sua maioria

quando acontece, um dos pais faz o descolamento da criança dizendo que irá passar férias,

assim recusando, posteriormente, a devolução da criança a quem possui sua guarda.

A Convenção não fixou critérios para determinação da residência

habitual. Também não há consenso sobre o tempo que caracterizaria a residência habitual

da criança, mas, em geral, entende-se que 01 ano seria o prazo razoável. Portanto, cada caso

é analisado de acordo com suas particularidades. Mesmo que o tempo seja menor que 01

ano, a residência habitual esta caracterizada, por exemplo, quando os pais concordam com a

transferência da família pra outro país.15

1.4 Exceções que podem negar o pedido de retorno da criança

seqüestrada

Mesmo quando os requisitos dos artigos 3° e 4°16

tenham sido

preenchidos, o pedido pode ser negado se houver transcorrido mais de 01 ano da retirada ou

retenção, no momento do recebimento do pedido, e ficar provado que a criança já se

14

Ibidem. 15

Ibidem. 16

Artigo 3° do Decreto n° 3.413 de 14 de abril de 2000: ―A transferência ou a retenção de uma criança é

considerada ilícita quando:

a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro

organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual

imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e

b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da

transferência ou da retenção, ou devesse está-lo

sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

O direito de guarda referido na alínea a) pode resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão

judicial ou administrativa ou de um acordo vigente segundo o direito desse Estado‖.

Artigo 4° do Decreto n° 3.413 de 14 de abril de 2000: ―A Convenção aplica-se a qualquer criança que tenha

residência habitual num Estado Contratante, imediatamente antes da violação do direito de guarda ou de

visita. A aplicação da Convenção cessa quando a criança atingir a idade de dezesseis anos‖.

13

encontra adaptada ao seu novo meio; se existir um risco grave de a criança, no seu retorno,

ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa

situação intolerável; ou até mesmo quando a própria criança se opuser ao retorno e, pela sua

idade e maturidade, a autoridade se convencer de que deva levar em consideração a sua

opinião.

As exceções supracitadas devem ser analisadas e aplicadas com cuidado.

A simples alegação de que o retorno pode ser emocionalmente difícil para a criança não

pode, por exemplo, ser interpretado como ―risco psíquico‖. É preciso que haja um risco real

para a criança.

Quanto à exceção do artigo 12° da Convenção17

, relativa ao prazo,

também deve ser aplicada de forma restritiva. A rigor, se o pedido for feito no prazo de 01

ano, a criança deve ser retornada imediatamente. Porém, sem deixar de analisar a ressalva

(exceção) feita pelo artigo 13°, que estabelece que a autoridade estatal pode ―recusar-se a

ordenar o retorno da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu idade

e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre

o assunto‖18

. No entanto se o pedido for feito após o prazo de 01 ano, deve-se analisar bem

17

Artigo 12 do Decreto n° 3.413 de 14 de abril de 2000: ―Quando uma criança tiver sido ilicitamente

transferida ou retida nos termos do Artigo 3 e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da

transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou

administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o

retomo imediato da criança.

A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após expirado o período de uma ano referido no

parágrafo anterior, deverá ordenar o retorno da criança, salvo quando for provado que a criança já se

encontra integrada no seu novo meio.

Quando a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tiver razões para crer que a criança

tenha sido levada para outro Estado, poderá suspender o processo ou rejeitar o pedido para o retomo da

criança.‖ 18

Artigo 13 do Decreto n° 3.413 de 14 de abril de 2000: ... ―A autoridade judicial ou administrativa pode

também recusar-se a ordenar o retorno da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu

14

a situação concreta para concluir se a criança realmente está adaptada e se o retorno lhe será

prejudicial.19

1.5 Responsabilidade Internacional dos Estados Signatários

A responsabilidade internacional dos Estados-partes é um tema central do

Direito Internacional Público, sendo certo que o Estado é ―internacionalmente responsável

por todo ato ou omissão que lhe seja imputável e do qual resulte a violação de uma norma

jurídica internacional ou de suas obrigações internacionais‖.20

Abordar a proteção internacional da pessoa natural, em qualquer de seus

momentos da vida, significa estar atento à responsabilidade internacional do Estado, pois ―a

responsabilização do Estado por violação de direitos humanos é essencial para reafirmar a

juridicidade deste conjunto de normas voltado para a proteção dos indivíduos e para a

afirmação da dignidade humana‖.21

Essa responsabilidade existe e resulta da identificação

de compromissos internacionais assumidos pelos Estados adotantes de textos como a

Convenção sobre Seqüestro de Crianças. De fato, uma das mais relevantes características

dos textos convencionais da Conferencia da Haia é o estabelecimento de compromissos

internacionais de cooperação entre os Estados(apoio dos órgãos estatais), para melhor

já idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o

assunto.

Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão

tomar em consideração as informações relativas à situação social da criança fornecidas pela Autoridade

Central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado de residência habitual da criança.‖ 19

DITTRICH, Lalisa Froeder. A Convenção sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de

Crianças e sua aplicação no Brasil. In: Palestra do Grupo de Estudos de Direito de Família do Centro

Universitário de Brasília – UNICEUB, primeiro semestre de 2009. 20

ACCIOLY, Hildebrando. SILVA, Geraldo E. do N. e. Manual de direito internacional público. São

Paulo: Saraiva, 1996, p. 124. 21

RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos. Rio de

Janeiro: Renovar, 2004, p. 19.

15

dirimir as controvérsias em pequeno intervalo de tempo, além dos compromissos do Estado

face aos particulares. Dessa forma, um determinado Estado responde ordinariamente por

violação de obrigação perante outro Estado, mas também pode vir a responder por violação

de obrigação perante nacional desse outro Estado, situação em que operaria a proteção

diplomática.22

1.6 A Convenção no Brasil

A Convenção sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de

Crianças é um tratado multilateral moderno que tem proporcionado solução para o grave

problema de proteger crianças do mundo inteiro dos efeitos prejudiciais das transferências e

retenções em Estados diferentes daqueles de residência habitual da criança, com violação

dos direitos de guarda e visita. Em 28 de fevereiro de 2005, 75 Estados haviam aderido à

Convenção, o que fornece uma idéia razoável do sucesso do texto, ―considerada pela

doutrina internacional a mais bem sucedida Convenção da Haia sobre direito de família‖.23

Em verdade, para Fernando Messere, a remoção de crianças entre estados

federados não constitui especial preocupação de juristas e legisladores em nosso País,

diferentemente do que ocorre em Estados também federais como os Estados Unidos da

América. Acredita ele que a razão para a diferença, reside no fato de a legislação civil no

Brasil ser de competência privativa da União, ente federal, o que exclui a possibilidade de

conflitos espaciais no interior da federação brasileira, diferentemente do que ocorre nos

EUA. Ou seja, as controvérsias decorrentes do deslocamento indevido de crianças pelos

22

REUTER, Paul. Direito Internacional Público. Lisboa: Editoria Presença, 1981. 23

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: a criança no direito internacional. Rio de Janeiro:

Renovar, 2003, pág. 244.

16

pais também ocorrem no Brasil, mas apresentam interesse concernente apenas ao conflito

de jurisdições internas e ao controle do respeito aos princípios que devem reger as decisões

sobre direitos da criança, como o da dignidade humana e do superior interesse da criança.24

O Decreto n° 3.951/2001 designou a Secretaria Especial dos Direitos

Humanos (SEDH) como Autoridade Central Federal, nos termos do artigo 6° da

Convenção25

. E as competências das Autoridades Centrais são: localizar uma criança

transferida ou retida ilicitamente; evitar novos danos à criança, ou prejuízos às partes

interessadas, tomando ou fazendo tomar medidas preventivas; assegurar a entrega

voluntária da criança ou facilitar uma solução amigável; proceder, quando desejável, à troca

de informações relativas à situação social da criança; fornecer informações de caráter geral

sobre a legislação de seu Estado relativa à aplicação da Convenção; dar início ou favorecer

a abertura de processo judicial ou administrativo que vise ao retorno da criança ou, quando

for o caso, que permita a organização ou o exercício efetivo do direito de visita; acordar ou

facilitar, conforme as circunstâncias, a obtenção de assistência judiciária e jurídica,

incluindo a participação de um advogado; assegurar no plano administrativo, quando

necessário e oportuno, o retorno sem perigo da criança; manterem-se mutuamente

informados sobre o funcionamento da Convenção; e tanto quanto possível, eliminarem os

obstáculos que eventualmente se oponham à aplicação da Convenção.

24

MESSERE, Fernando L. de L. Direitos da Criança: o Brasil e a Convenção sobre os aspectos civis do

seqüestro internacional de crianças, 2005. Dissertação(Mestrado), Uniceub. 2005, pág. 128. 25

Artigo 6° do Decreto n° 3.413 de 14 de abril de 2000: ―Cada Estado Contratante designará uma

Autoridade Central encarregada de dar cumprimento às obrigações que lhe são impostas pela presente

Convenção. Estados federais, Estados em que vigorem vários sistemas legais ou Estados em que existam

organizações territoriais autônomas terão a liberdade de designar mais de uma Autoridade Central e de

especificar a extensão territorial dos poderes de cada uma delas. O Estado que utilize esta faculdade deverá

designar a Autoridade Central à qual os pedidos poderão ser dirigidos para o efeito de virem a ser

transmitidos à Autoridade Central internamente competente nesse Estado‖.

17

1.6.1 Trâmite do pedido no Brasil

Os agentes envolvidos no trâmite do pedido no Brasil são: ACAF-SEDH,

INTERPOL, MPF, MRE, AGU, Judiciário, Juízes de ligação. Os pedidos recebidos pelo

Brasil, em situação de cooperação passiva, inicia-se na ACAF-SEDH, que tenta localizar a

criança, e não obtendo êxito encaminha o caso a INTERPOL, que faz a localização da

criança e em seguida a tentativa da mediação entre as partes. Porém fracassando a

mediação, o caso será enviado para análise minuciosa na AGU. A ACAF segue no processo

como informante a Autoridade Central requerente, assim se houver decisão positiva para o

retorno da criança, negociam-se as condições solicitando ajuda do MRE, se for necessário.

Mas caso for comprovado risco para a criança, a ACAF envia o caso para acompanhamento

do MPF.26

A AGU tem uma essencial participação no trâmite do processo, pois ela

que analisa o caso a fundo, e após essa analise encaminha-se o caso para que seja

preenchido os requisitos formais da Convenção, de tal forma iniciando-se uma ação de

Busca e Apreensão na Justiça Federal.27

Já quando os pedidos são enviados pelo Brasil, em situação de

cooperação ativa, a ACAF recebe o pedido e encaminha-o a Autoridade Central do país em

que a criança se encontra, caso seja necessário a Autoridade Central requerida aciona a

26

DITTRICH, Lalisa Froeder. A Convenção sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de

Crianças e sua aplicação no Brasil. In: Palestra do Grupo de Estudos de Direito de Família do Centro

Universitário de Brasília – UNICEUB, primeiro semestre de 2009. 27

Ibidem.

18

INTERPOL, e havendo necessidade ainda, os Consulados brasileiros são acionados para

prestarem apoio para o retorno da criança ao Brasil.28

1.7 Seqüestro Internacional de Crianças

O seqüestro internacional a qual esta sendo referido nesta pesquisa, diz

respeito, a remoção ou retenção ilícita da criança por um de seus genitores para um país que

não seja o de sua residência habitual. Essa ilicitude se caracteriza quando (a) se fizer de

forma contrária a uma decisão judicial ou administrativa ou (b) com infringência à lei29

,

que aqui no caso seria a Convenção sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de

Crianças (Convenção de Haia).

A retirada de crianças de sua residência habitual de forma contrária ao

ordenamento jurídico é um grande mal, pois implica num afastamento da criança do seu

local de convivência, de sua escola, de seus amigos e parentes, levando-a para uma terra

estrangeira onde, muitas vezes, não possui praticamente vínculos afetivos que não com o

―seqüestrador familiar‖, implicando, assim, sérios problemas no desenvolvimento sadio de

personalidades ainda em formação. Psicologicamente foi diagnosticado que essa situação

pode ocasionar uma doença chamada ―Síndrome da Alienação Parental‖, que é quando um

dos pais treina a criança para romper os laços afetivos com o outro genitor, criando fortes

sentimentos de ansiedade e temor em relação ao genitor que causou a situação (e não ao

que é vítima dela). Buscando evitar esse mal, a Convenção referida anteriormente

determina que, uma vez caracterizada a remoção ilícita da criança do país de sua residência,

28

Ibidem. 29

MAURIQUE, Jorge Antonio. Seqüestro Internacional de Crianças, anotações sobre a convenção de

Haia. In: Revista Jurídica Consulex, ano XII, n° 284, 15 de novembro de 2008, pág. 25 – 26.

19

ou a retenção indevida em outro país, é necessária a imediata devolução da criança ao país

de residência habitual, retornando, desse modo, ao seu centro de convivência. As questões

decorrentes dos litígios entre os cônjuges (como guarda ou pensão) deverão ser decididas

pelo juiz do país daquele país onde a criança residia antes do deslocamento ilícito (também

previsto na legislação brasileira).30

Quando tratamos do tema Seqüestro Internacional de crianças,

precisamos sempre estar atentos ao superior interesse da criança, que é, em primeiro lugar,

ser devolvida ao seu centro de convivência, que é o país de sua residência habitual com

seus familiares e conhecidos.

30

MAURIQUE, Jorge Antonio. Seqüestro Internacional de Crianças. Disponível em:

http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/05/16/e16056876.asp. Data de acesso: 27/08/2009.

20

CAPÍTULO 2

2. Ordenamento Jurídico Constitucional

2.1 Princípio do Melhor Interesse da Criança

Considerando-se que as crianças e os adolescentes são pessoas suscetíveis

à vulnerabilidade, devido a pouco vivência e maturidade, reconheceu-se que eles deveriam

fruir de maior proteção. Conseqüentemente, além dos direitos e garantias usuais a que têm

direitos como seres humanos que são e que estão inseridos na Constituição Federal e no

Código Civil, existem ainda direitos especiais a eles assegurados, em virtude de sua

condição especial de pessoas em desenvolvimento31

conforme o disposto no art. 3º do

ECA.32

O princípio do melhor interesse foi incorporado ao direito brasileiro e

tornou-se mais conhecido a partir da instituição da Constituição Federal de 1988, por força

de seu artigo 5°, § 2°33

, e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Há que se

salientar que o reconhecimento e a utilização da doutrina jurídica da proteção e o princípio

31

KRETER. Mônica Luiza de Medeiros.Conflitos interfamiliares de guarda e o principio do melhor

interesse: uma associação possível. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Serviço

Social do Departamento de Serviço Social do Centro de Ciências Sociais da PUC - Rio de Janeiro, 2007, pág.

19. Disponível em: http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0510661_07_cap_02.pdf. Data de

acesso: 28/10/2009. 32

Artigo 3° da Lei 8.069/90: ―A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à

pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por

outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental,

moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.‖ 33

PEREIRA, Tânia da Silva. Supremo deve se pautar no interesse de Sean. Disponível em:

http://www.conjur.com.br/2009-jun-10/melhor-interesse-crianca-pautar-julgamento-sean-stf. Data de acesso:

16/09/2009. Artigo 5°, §2°- CF: ―Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte.‖

21

do melhor interesse da criança decorreram da grande ―valorização legislativa‖ da família

oriunda do advento da Constituição Federal de 1988, em que aquela se consolidou como

espaço de afetividade, desenvolvimento e realização dos seus membros e não mais como

uma instituição que por si só deveria ser preservada, assegurando-se a paz domiciliar a

qualquer custo.34

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela

ONU em 1989, que adotou a doutrina da proteção integral, reconhecendo direitos

fundamentais para a infância e adolescência, incorporada pelo art. 227-CF35

e pela

legislação estatutária infanto-juvenil, mudou o paradigma do princípio do melhor interesse

da criança. Na vigência do Código de Menores, a aplicação do melhor interesse limitava-se

ao seu público alvo, os ditos ―menores‖ em situação irregular, que segundo José Ricardo

Cunha36

são os filhos de famílias empobrecidas, geralmente negros ou pardos, vindos do

interior das periferias. Agora, com a adoção da doutrina da proteção integral, a aplicação do

referido princípio ganhou amplitude, aplicando-se a todo público infanto-juvenil, inclusive

e principalmente nos litígios de natureza familiar.37

Logo, o legislador quis oferecer

proteção total impondo uma tutela ativa da infanto-adolescência, ou seja, a realização de

34

KRETER. Mônica Luiza de Medeiros. Conflitos interfamiliares de guarda e o principio do melhor

interesse: uma associação possível. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Serviço

Social do Departamento de Serviço Social do Centro de Ciências Sociais da PUC - Rio de Janeiro, 2007, pág.

19. Disponível em: http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0510661_07_cap_02.pdf. Data de

acesso: 28/10/2009. 35

Art. 227 da CF: ―É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com

absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à

cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a

salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão‖. 36

CUNHA, José Ricardo. “O Estatuto da Criança e do Adolescente no Marco da Doutrina Jurídica da

Proteção Integral”. In: Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes. Rio de Janeiro, vol. 1, 1996, pág.

98. 37

AMIN, André Rodrigues. Curso de Direito da Criança e do Adolescente Aspectos práticos e teóricos,

capítulo: Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente. Editora: Lúmen Júris, Rio de

Janeiro, 2009, pág. 27.

22

condutas cujo objetivo é garantir a eficácia dos direitos, tais como saúde, a vida, educação,

moradia, convivência familiar, dentre muitos outros.38

O melhor interesse da criança é um principio orientador tanto para o

legislador como para o aplicador, determinando a primazia das necessidades da criança e do

adolescente como critério de interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo para

elaboração de futuras regras. Portanto, na análise de casos concretos, acima de todas as

circunstâncias jurídicas, deve pairar sempre o princípio do melhor interesse, como

garantidor do respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens.39

Atualmente, a aplicação do princípio do best interest (―melhor interesse‖)

permanece como um padrão considerando, sobretudo, as necessidades da criança em

detrimento dos interesses de seus pais, devendo realizar-se sempre uma análise do caso

concreto. Ou seja, este principio tem a função de solucionar situações conflituosas

envolvendo crianças.

2.1.1 Denominação

Nos textos originais da Declaração Universal dos Direitos da Criança, de

1959, e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, de 1989, utilizou-se à

expressão the best interest of the child (―o melhor interesse da criança‖). Já nas versões em

38

KRETER. Mônica Luiza de Medeiros. Conflitos interfamiliares de guarda e o principio do melhor

interesse: uma associação possível. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Serviço

Social do Departamento de Serviço Social do Centro de Ciências Sociais da PUC - Rio de Janeiro, 2007, pág.

15. Disponível em: http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0510661_07_cap_02.pdf. Data de

acesso: 28/10/2009. 39

AMIN, André Rodrigues. Curso de Direito da Criança e do Adolescente Aspectos práticos e teóricos,

capítulo: Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente. Editora: Lúmen Júris, Rio de

Janeiro, 2009, pág. 28.

23

português, preferiam-se as expressões ‗interesse superior da criança‖ e ―interesse maior da

criança‖.40

As expressões ―maior (ou superior) interesse da criança‖ e ―melhor interesse da

criança‖ estão ligadas aos tópicos de quantidade e da qualidade, respectivamente. A escolha

pela segunda opção vai encontrar a sua justificativa por diversos fatores.41

Em primeiro lugar, encontrara a justificativa na própria essência da

criança. Por esta em um estágio de desenvolvimento, a criança ainda não é capaz de

discernir o certo do errado. Os cuidados especiais que recaem sobre a criança decorrem do

peculiar momento de sua formação, cujas conseqüências podem ser irreversíveis e vão

influenciar o seu comportamento durante toda a vida. Em segundo lugar, a opção pela

qualidade rejeita a discussão do problema sob uma ótica utilitarista. A infância e

adolescência merecem prioridade por seu caráter único, pois nessas fases encontram-se

pessoas em estágio de formação, e pela natureza transitória, com possibilidade de seqüelas

irreparáveis. Por estas razões é preferível o uso da expressão ―melhor interesse da criança‖,

para se evitar o irreparável. 42

2.2 Paternidade

Quando falamos em paternidade logo, imaginamos uma família

constituída por pai, mãe e filho. Filho este esperado e aceito dentro da família. Porém, esta

distinção, este ideal de verdadeiro sentido de paternidade veio evoluindo com o passar dos

anos. Hoje o ideal de paternidade não é mais, apenas, aquele em que pai é o que gerador,

40

PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor Interesse da Criança: Um debate interdisciplinar, Ed. Renovar,

pág. 4-6. 41

LAURIA, Flávio Guimarães. A regulamentação de visitas e o principio do melhor interesse da criança,

Ed. Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2002, pág.31-32. 42

Ibidem, pág. 31-33.

24

mas sim aquele que esta sempre presente exercendo seu papel de pai, dando amor à criança

e ajudando na fase de desenvolvimento, na formação daquele ser ainda tão desprovido do

mundo.

A paternidade pode ser aquela referente ao pai que gerou a criança,

paternidade biológica, ou então ser aquela em que o ―pai‖ não gerou, mas pela grande

vontade de constituir uma família, criou um laço afetivo com a criança, oferecendo-lhe

carinho, respeito, afeição e dedicação, esta é a paternidade sócio-afetiva.

2.3 Paternidade Biológica

O vínculo biológico consiste na identidade genética que une dois

indivíduos pelos laços do parentesco, neste prisma, ao que diz respeito à filiação, trata-se de

uma relação genética ou consangüínea entre os pais e os filhos. Assim, como é no caso de

Sean Goldman e seu pai, David Goldman. Seguindo essa linha de pensamento, Maria

Helena Diniz (1997, pág. 308), aduz que ―filiação é o vínculo existente entre pais e filhos;

vem a ser a relação de parentesco consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma

pessoa e aqueles que lhe deram vida‖.43

Portanto, sem maiores discussões, isto significa que

Sean Goldman, David Goldman e Bruna Bianchi possuem uma relação, um vinculo de

parentesco e filiação.

Pai biológico é aquele que independente de ser casado, mantém relação

com uma mulher contribuindo geneticamente para a formação de uma criança. Esse pai

43

DINIZ, Maria Helena. 1997, pág. 308. Apud: JATOBA, Clever. Filiação Socioafetiva: os novos

paradigmas de filiação. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigos=535. Data de acesso:

24/08/2009.

25

estará ligado à criança através dos laços sanguíneos. Por ser a paternidade biológica uma

relação consangüínea em linha reta de primeiro grau, verifica-se ser ela uma fonte para a

conquista de direitos principalmente de ordem patrimonial. Ademais, os pais ao

transmitirem fatores genéticos ao novo ser, estarão inserindo-o em uma história familiar,

ligada a uma ancestralidade.44

No entanto, transcrevo o entendimento exposto por Rosana Fachin: ―em

determinados casos, a verdade biológica cede espaço à verdade do coração. Na construção

da nova família deve se procurar equilibrar essas duas vertentes, a relação biológica e a

relação sócio-afetiva‖.45

O comentário da autora acima exposto traz a evidência de que

família é aquela onde se encontra o amor dos pais biológicos e conseqüentemente seu afeto.

O caso de Sean Goldman é a mostra clara do entendimento de Rosana Fachin, pois seu pai,

David Goldman sempre se mostrou bom pai, sempre presente, porém todos os deveres e

direitos inerentes a ele, como pai biológico, foram-lhe tirados, trazendo assim, muitos

prejuízos a Sean que viveu durante alguns anos longe de seu pai, longe do seu afeto, da

própria relação entre pai e filho.

Embora, em poder familiar seja a convivência o pressuposto principal de

paternidade biológica, o senso comum já dita de outra maneira, diz que para ser pai não

basta colocar o filho no mundo, tem que haver o processo de acompanhamento da criança

em desenvolvimento, pois como a criança esta em fase de crescimento, está suscetível a

todo e qualquer tipo de situação, seja ela boa ou ruim, por isso é tão importante a figura do

44

SOUZA, Ionete de Magalhães. Paternidade Socioafetiva. Revista Prática Jurídica. Ano V, n. 54, p.26-28,

set. 2006, pág. 27. 45

DEUSDARÁ, Ingrid Caroline Cavalcante de Oliveira. O Direito de ser filho e a Constituição de 1988.

Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/tesxto.asp?id=7397> Acesso em: 10/09/09.

26

pai, mãe, da família na vida de um ser, ou melhor, de um aprendiz em formação. Os

Direitos mais importantes, indispensáveis e que tem que fazer parte da vida das crianças e

dos adolescentes em desenvolvimento, são os Direitos Fundamentais (art. 227 – CF).46

Esses Direitos, conforme elencados no artigo 227, são deveres em especial dos pais, mas

também dos familiares, da sociedade e do Estado, ou seja, todos são responsáveis por

nossas crianças e adolescentes.

No caso de Sean Goldman, seu pai biológico não teve escolha quanto

exercer seu papel de pai, pois ele foi privado pela mãe de Sean a praticar seu dever pátrio e

a conviver com seu filho. Quando Bruna, mãe do menor, o seqüestrou para o Brasil, David

ficou em uma situação muito complicada, pois não conseguiu mais manter contato com seu

filho, não conseguiu ser pai, o que é de seu pleno direito, além disso foi também privado,

pelo padrasto do menor, de buscar seu filho e de obter sua guarda após a morte de sua mãe.

2.4 Paternidade Afetiva ou Sócio-afetiva

O sistema clássico de estabelecimento da filiação vinha assentado na

direção protetiva da instituição familiar matrimonializada e calcado, por isso, numa visão

patriarcal e hierarquizada da família. Muitas vezes não passava pelos muros da verdade

jurídica a busca da verdade biológica, menos ainda a da verdade sócio-afetiva.47

46

Art. 227, “caput” - CF:“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e

opressão”. 47

FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade; relação biológica e afetiva, Belo Horizonte, Del Rey, 1996,

pág.65.

27

A superação desse sistema leva em conta precisamente à verdade da

filiação, permitindo-se perquirir a verdadeira descendência genética. Mas, além disso, como

cita Fachin: ―Expressivo movimento legislativo percebeu uma realidade marcante: a

verdadeira paternidade não pode se circunscrever na busca de uma precisa informação

biológica; mais do que isso, exige uma concreta relação paterno-filial, pai e filho que se

tratam como tal, donde emerge a verdade sócio-afetiva‖.48

Paulo Lobô seguindo a mesma

linha entende que: ―A relação de paternidade não depende mais de exclusiva relação

biológica entre pai e filho. Toda paternidade é necessariamente sócio-afetiva, podendo ter

origem biológica ou não‖.49

A concepção de uma filiação sócio-afetiva parte da idéia da construção da

paternidade de fato, construída no convívio cotidiano com base no afeto, na garantia de

uma criação digna, preocupada com a saúde e a educação típica das relações domésticas

familiares inerentes ao vínculo entre pais e filhos.50

No entanto, essa filiação (sócio-

afetiva), não pode ser confundida quanto o aspecto da à afetividade e do afeto. À vista

disso, o Direito converteu a afetividade em principio jurídico, com força normativa,

impondo dever e obrigação aos membros da família, ainda que na realidade existencial

destes tenha desaparecido o afeto. Assim, portanto há a possibilidade de haver desafeto

entre pai e filho, porém o Direito impõe o dever da afetividade.51

No caso analisado nesta

pesquisa monográfica, entendemos que Sean foi muito bem cuidado por seu padrasto, ele

48

Ibidem, pág. 65. 49

LOBÔ, Paulo Luiz Netto. A paternidade socioafetiva e a verdade real. In: Revista CEJ, n. 34, pág. 15-

21, jul/set. 2006. 50

JATOBA, Clever. Filiação Socioafetiva: os novos paradigmas de filiação. Disponível em:

http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigos=535. Data de acesso: 24/08/2009. 51

LOBÔ, Paulo Luiz Netto. A paternidade socioafetiva e a verdade real. In: Revista CEJ, n. 34, pág. 15-

21, jul/set. 2006.

28

teve muito afeto, uma criação digna de um filho ―biológico‖, assim tendo um ambiente de

convívio harmonioso. Sean tinha uma relação de paternidade de fato, com seu padrasto

João Paulo Lins, esta foi construída a partir de uma relação entre pai e filho, porém sócio-

afetivos.

Entende Fachin que, ―Se o liame biológico que liga um pai a um filho é

um dado, a paternidade pode exigir mais do que apenas laços de sangue. Afirma-se,

portanto a paternidade sócio-afetiva que se capta juridicamente na expressão de posse de

estado de filho‖.52

Ou seja, a pessoa que agir como pai diante de seu ―filho‖, assumindo as

responsabilidades a ele inerentes, sejam elas, educação, saúde, cuidado, segurança e afeto,

são designados como PAI. É como diz o velho ditado popular: ―Pai é o que cria, genitor é o

que gera‖. Cita Paulo Lôbo que (Revista CEJ, 2006): ―Paternidade vai além da idéia de

prover alimentos ou causa de partilha de bens hereditários; envolve a constituição de

valores e da singularidade da pessoa e de sua dignidade humana, adquiridos principalmente

na convivência familiar durante a infância e adolescência‖.

O vínculo sócio-afetivo pode ser configurado e identificado em casos de

filhos de criação, na adoção à brasileira, na adoção judicial e na inseminação artificial.

Entretanto, o caso mais flagrante e comum que gira em torno dessa paternidade é o de

filhos de criação, atentando àquela situação em que uma pessoa cria uma criança,

educando, assistindo sua formação em desenvolvimento, sem que estejam vinculados pelos

52

FACHIN, Luiz Edson. . Da paternidade; relação biológica e afetiva, Belo Horizonte, Del Rey, 1996, pág.

36-37.

29

laços consangüíneos. Os elementos determinados pela doutrina como constitutivos do

Estado de filho afetivo são o nome, o trato e a fama (reputação).53

Sendo o mais importante destes elementos à reciprocidade de tratamento

entre pai e filho. Com relação a esse aspecto observa-se primeiramente a relação afetiva

existente entre pai e filho, ou seja, verifica-se a existência dos elementos necessários para

que a posse de estado de filho (relação clara e pura de um vinculo natural existente entre

pai e filho) seja configurada. Somente após verificar se estão presentes os requisitos e

prevendo o surgimento de um relacionamento futuro entre pai e filho após a descoberta da

inexistência do vinculo biológico, que o juiz irá optar pela permanência ou não do vinculo

afetivo. Enfim, a imputação da paternidade biológica não substitui a convivência, a

construção permanente dos laços afetivos. A paternidade sócio-afetiva visa, primeiramente,

o bem-estar da criança e a partir daí é que ela se estabelecerá ou não.54

João Paulo Lins foi realmente um pai afetivo de Sean, esteve sempre

presente, assumindo responsabilidades de pai, dando carinho e afeto, e criou Sean como seu

verdadeiro filho. Porém, não podemos deixar de analisar a situação que Bruna Bianchi

deixou esses pais, tanto o biológico como o sócio-afetivo. Sabe-se que o padrasto já possui

um vinculo afetivo com o menor, que também possui uma meia-irmã, fruto do

relacionamento de sua mãe com João Paulo, mas também sabemos que David Goldman foi

afastado sem seu consentimento de seu filho, que era ainda muito pequeno e não podia se

53

SILVA, Luana Babuska Chrapak. A paternidade socioafetiva e a obrigação alimentar. Disponível em:

http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5321. Acesso em: 15/09/2009 54

SANTOS, Silas Silva, NEGRÃO, Sonia Regina e GUIMARÃES, Angélica Bezerra. Paternidade x

paternidade socioafetiva. Disponível em:

http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Silas_Silva_Santos/Paternidade.pdf. Data de acesso:

04/09/2009.

30

manifestar. Portanto, ao estudar os dois lados da história me posiciono a favor de Sean

voltar para sua residência habitual (EUA), onde vive seu pai biológico, pelo fato de que

ambos, tanto pai como filho, foram privados por sua mãe de conviver juntos, e David

Goldman sendo agora o único genitor vivo do menor, deve possuir sua guarda total, é seu

direito como pai.

Diante do meu posicionamento anteriormente imposto, ainda me coloco

quanto à situação do padrasto e dos avós maternos. Como Sean passou muitos anos

convivendo com João Paulo e seus avós maternos, mesmo que ilicitamente, criou-se um

laço, laço este que se for quebrado forçosamente poderá acarretar sérios danos psíquicos e

até mesmo físicos a criança. Pois ainda muito pequeno, na fase mais importante do ser

humano, onde ele começa a se desenvolver, a distinguir e entender as coisas da vida

acostumou-se com a rotina, o jeito, a maneira como essas pessoas o criaram.

Portanto, frente a essa situação também entendo que essas pessoas

envolvidas na vida de Sean, padrasto e avós maternos, devem ao menos ter o direito a

visitar com uma certa freqüência o menor nos EUA, para não perderem esse laço já criado

tanto por eles como pelo menino, porém, esse visitação não poderia envolver demais o

menor para que ele pudesse também ter uma abertura, uma oportunidade de criar um laço

afetivo com seu pai biológico, laço este que não foi criado por falta de oportunidade e de

convivência entre os dois.

31

CAPÍTULO 3

3. Relato do caso Sean Goldman

Este capítulo foi dedicado especialmente para descrever o caso a que

venho estudando para minha pesquisa monográfica. Ele se torna muito importante, pelo

fato que meu estudo se baseou literalmente em uma historia conturbada de um simples

menino, Sean Goldman, que tinha sua vida normal como a de qualquer outra criança ate

que de uma hora para outra, por conflitos familiares, ela se tornou pública e problemática.

3.1 A narrativa apresentada pela mídia

A história apresentada pela mídia relatava o começo com um caso de

amor no mundo da moda em Milão. Em 1997, o americano David Goldman vivia em Milão

como modelo, lá ele conheceu a brasileira Bruna Bianchi, que estudava moda.

Apaixonaram-se e mudaram-se para Nova Jersey, Estados Unidos. Após algum tempo

convivendo juntos, Bruna engravidou, e assim resolveram contrair o matrimônio em 17 de

dezembro de 1999. Logo em seguida, Sean veio a nascer, no dia 25 de maio de 200055

e foi

registrado no consulado brasileiro em Nova York, o que foi ratificado no cartório da 1ª

Circunscrição das Pessoas Naturais do Rio de Janeiro, Brasil. Portanto, Sean, pelo artigo

12, inciso I, alínea ―c‖ da CF, é brasileiro nato.56

55

A História de David. Disponível em: http://bringseanhome.org/letter_port.html. Data de acesso:

04/03/2009. 56

Jornal do Brasil. Sean: advogado explica caso que abalou relações entre EUA e Brasil. Disponível em:

http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/03/14/e140322976.asp. Data de acesso: 14/03/09.

32

Em 16 de junho de 2004, Goldman levou a mulher, o filho e sogros ao

aeroporto para embarcarem para uma curta temporada no Rio de Janeiro - Brasil, como

faziam com uma certa freqüência. Porém, já no Brasil, Bruna ligou dizendo que o

casamento acabara e que Goldman somente veria o filho Sean se, entre outras condições,

lhe desse a guarda definitiva do menino. No Rio de Janeiro, Bruna casou-se novamente

após conseguir um divórcio aos olhos da lei brasileira, com o advogado João Paulo Lins e

Silva, e engravidou. Em 22 de agosto de 2008, ao dar à luz Chiara, sua única filha com João

Paulo, Bruna morreu em decorrência de complicações do parto. Assim que Goldman soube

da morte de Bruna, resolveu vir ao Brasil certo de que como pai biológico e única pessoa de

quem seria razoável um pedido de custódia, levaria seu filho de volta a sua residência

habitual. Mas o esperado por ele não aconteceu, pelo fato de que, o padrasto já imaginando

que após a tragédia com Bruna, Goldman iria querer levar o filho de volta, entrou com

pedido de guarda alegando paternidade socioafetiva, e assim teve seu pedido agilmente

concedido.57

Com isso, em 5 anos, a vida de Sean atravessou grandes complicações:

foi levado do pai biológico, perdeu a mãe, ganhou uma meia-irmã, além de ter tido sua

guarda concedida ao padrasto e não a seu pai, após alguns dias da morte de sua mãe.

Após essa conturbada história refletida pela mídia, importantes

autoridades se envolverem, se mobilizaram pela causa Sean, assim protestaram para que o

caso fosse resolvido o mais rápido possível e criticaram a celeridade da justiça brasileira.

Afinal, existia uma vida, a vida de uma criança, para ser decidida. Com esses fatos

57

ROGAR, Silvia e FRANÇA Ronaldo. Um menino e dois paises, Rio de Janeiro, Revista Veja, ed. 2102, 04

de março de 2009. Disponível em: http://veja.abril.com.br/040309/p_060.shtml. Data de acesso: 04/03/2009.

33

anteriormente relatados e com a repercussão que deu a história de Sean, vazada pela

imprensa, a justiça resolveu correr o mais rápido possível para sentenciar, decidir o futuro

do menino, de seu pai biológico e de seus familiares maternos.

3.2 Sentença

O Processo n° 2009.51.01.018422-0, relata acerca de ação de busca e

apreensão e restituição do menor, Sean Goldman, ajuizada pela União Federal em face de

João Paulo Bagueira Leal Lins e Silva, no contexto de cooperação jurídica internacional,

com amparo na Convenção sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças.

Abaixo, segue o relatório do trâmite processual da disputa de guarda do

menor, que começou na Justiça Estadual do Rio de Janeiro por seu padrasto alegando

paternidade sócio-afetiva, e passou após para a competência da Justiça Federal quando o

pai biológico, que é americano, também recorreu à guarda do menor alegando que este

estava na posse de pessoa não detentora de guarda. Ocorrendo assim, portanto, um conflito

de competências judiciais. A decisão foi sentenciada pelo Juiz Federal Substituto Rafael de

Souza Pereira Pinto, na 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

Perante a situação de Sean Goldman permanecer no Brasil com sua mãe

ilicitamente, seu pai, David Goldman, ajuizou uma anterior ação semelhante a esta em

desfavor da mãe, Bruna Bianchi, por ter violado o direito de guarda que lhe era assegurado,

diante do fato dos dois ainda serem casados. Porém esta ação foi julgada improcedente em

1° e 2° graus de jurisdição, alegando que o tempo transcorrido já caracterizava adaptação

do garoto e se ele retornasse aos EUA sem a mãe poderia sofrer danos psíquicos. Houve

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ainda, a interposição de Recurso Especial ao STJ que foi negado provimento. Tal processo,

quando do ajuizamento desta nova ação, aguardava julgamento de Agravo de Instrumento,

interposto pelo pai, perante o STF, contra despacho que negará seguimento a Recurso

Extraordinário. Juntamente a essa anterior demanda de busca e apreensão do menor, o Juízo

de Direito a 2ª Vara de família da comarca do Rio de Janeiro processou e julgou ação de

guarda, movida pela mãe, julgando procedente o pedido de guarda exclusiva do garoto.

Mas, com o fato de Bruna mãe do Sean, vir a óbito por complicações no parto, o padrasto

João Paulo Lins e Silva ajuizou outra ação judicial perante Justiça do Rio de Janeiro

requerendo reconhecimento de paternidade sócio-afetiva em relação a Sean, cumulada com

posse e guarda. Em frente a tal situação, David, pai biológico requereu a intervenção da

Autoridade Central dos EUA, dado que o menino foi retirado ilicitamente de seu país por

pessoa não detentora do direito de guarda, assim encaminhando ao Brasil o pedido de

cooperação inter-jurisdicional, afim de haver o retorno do menino ao seu país de origem e a

seu pai biológico.

Colocados os fatos, a União formulou os seguintes pedidos, como

provimento de mérito:

1) seja julgado procedente o pedido de busca e apreensão e restituição

do menor aos EUA, cumprindo as cautelas devidas, que são: presença do

parente próximo por ele indicado para acompanhar a criança na viagem

de retorno e supervisão das diligências por psicólogo ou assistente social

a ser designado pela Autoridade Central brasileira;

2) condenação do Réu (padrasto) ao pagamento de todas as despesas

advindas do retorno da criança ao país de origem, como passagem,

hospedagem e outras; e

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3) condenação do requerido a arcar com as despesas processuais e

honorários advocatícios.

De outro lado, a titulo de antecipação dos efeitos da tutela, postulou a

União o seguinte:

1) determinação para que se procedesse a imediata busca, apreensão e

restituição aos EUA, do menor para que a Autoridade Central dos EUA

procedesse a entrega do menor a seu pai;

2) acaso não acolhido o pleito principal, requereu a proibição do ora

Réu e do menor de se ausentarem da cidade do Rio de Janeiro, sem

expressa autorização judicial, procedendo-se à apreensão e depósito de

todos os documentos e passaportes que possibilitassem o livre trânsito

dentro e fora do país, do menor e do Réu, intimando-se ainda, a

Superintendência Regional da Policia Federal, bem como o

Comissariado da Vara da Infância e Adolescência; e

3) também em caráter subsidiário a fixação provisória de regime de

visitas em favor do pai da criança.

Além disso, e preliminarmente, pretendeu a União o deslocamento da

competência da ação proposta por David Goldman, perante a Justiça Estadual, em favor da

Justiça Federal, seguida, posteriormente de sua suspensão.

De início foi proferida decisão indeferindo a análise do pedido de

antecipação dos efeitos da tutela, para momento posterior à vinda da resposta, ou decurso

do prazo para tanto. Além disso, foram indeferidos a apreensão dos documentos, os pedidos

de proibição do Réu (padrasto) e do menor de se ausentarem do Rio de Janeiro sem prévia

autorização judicial, e também o pedido de deslocamento da competência da ação de

reconhecimento de paternidade sócio-afetiva cumulada com posse e guarda do menor

proposta perante a Justiça Estadual. No entanto, foi deferido o pleito subsidiário da União

para fixar regime provisório de visitação em favor do pai.

36

Seguiu-se, assim, a primeira manifestação do Ministério Público Federal,

por meio da qual requereu o deferimento do pedido de proibição do menor de se ausentar

do Rio de Janeiro, bem como de acautelamento de seus passaportes. O pai, David Goldman,

postulou ingresso no feito, via petição, na qualidade de assistente da União. Em

contestação, o Réu, requereu: sobrestamento do feito, até que houvesse decisão da AGU em

relação a um pedido administrativo apresentado, pelo qual postulou que o ente federal

desistisse desta demanda; ausência de interesse processual da União; ilegitimidade ativa da

União; e incompetência absoluta da Vara Federal, no que tange regulamentação de visitas.

No mérito brigou pela improcedência do pedido de que incidiriam todas as exceções

previstas na própria Convenção de Haia (arts. 12, 13 e 20), segundo as quais não devem as

Autoridades determinar o retorno da criança, sempre se tendo em mira a prevalência do

melhor interesse da criança.

David Goldman, peticionou nos autos, em cumprimento à decisão que lhe

deferira o direito de visitação de seu filho, informando onde estaria hospedado no Rio de

Janeiro, além disso, requereu a expedição de mandado de busca e preensão, pra

cumprimento da ordem de visitação, sendo o pleito apreciado e deferido. Porém, na data e

horário determinados para inicio da visitação, compareceram dois Oficiais de Justiça, dois

Agentes da Policia Federal, mas o menor e o Réu não se encontravam no local

determinado, assim frustrando a ordem judicial. Após, foi proferido despacho pela União

para iniciar o cumprimento da determinação tendente à realização de estudo psicológico

prévio, como condição ao inicio da visitação. Nomeou-se equipe formada por três peritos

psicólogos, bem como oportunizou-se a apresentação de quesitos e indicação de assistentes

técnicos pelas partes.

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Em seguida, David Goldman, apresentou três petições a Justiça Federal.

A primeira, negou as acusações e explicações trazidas por João Paulo Lins, relativas aos

fatos que teriam ocorrido na manhã da suposta visitação. Na segunda, comunicou seu

retorno aos EUA, em vista da impossibilidade de aguardar a conclusão dos trabalhos

periciais no Brasil, por possuir compromissos profissionais. E a terceira, foram ofertadas

suas razões, à maneira de replica à contestação. Posteriormente, prolatou-se decisão

adotando as seguintes providências: deferimento do ingresso de David Goldman no feito,

na qualidade de assistente litisconsorcial da União; indeferimento do pedido de

sobrestamento do processo, formulado pelo Réu; substituição de um dos peritos

inicialmente nomeados, por declínio de função; intimação das partes para se manifestarem,

em 48 horas, sobre as propostas de honorários dos experts; após, remessa dos autos ao

Ministério Público Federal, para ciência do processado e oferecimento de quesitos, se fosse

o caso; determinação para que o Réu apresentasse, em Juízo, os passaportes brasileiro e

americano do menor, a fim de que ficassem acautelados nesta Secretaria; proibição do

menor de se ausentar do Rio de Janeiro, sem autorização; e determinação para que os Srs.

Oficiais de Justiça, encarregados da diligência de busca e apreensão, manifestassem-se nos

autos, via certidão circunstanciada, acerca das alegações contraditórias das partes.

Esse decisum foi objeto de Agravo de Instrumento, interposto pelo Réu,

indeferindo o pedido de efeito suspensivo. Da decisão foi apresentado pelos Oficiais de

Justiça à certidão, e em vista desta, o Sr. David, veiculou nova petição requerendo

condenação do Réu por litigância de má-fé. Em seguida, proferiu-se a decisão com as

seguintes providencias: manter a decisão atacada no agravo, por seus próprios

fundamentos; intimar o Réu para que informasse, em 24 horas, a síntese das atividades

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escolares e extracurriculares do menor, de modo que a entrevista com a equipe de peritas

fosse adaptada a sua rotina semanal; concessão do prazo de 10 dias à União Federal, para,

querendo, falar em réplica, a fim de se concluir a fase postulatória; condenação do Réu, por

litigância de má-fé, por ter alterado flagrantemente a verdade dos fatos, aos acontecimentos

da manhã da visitação; condenação do Réu por ato atentatório ao exercício da jurisdição,

fato ao descumprimento judicial da visitação; e encaminhamento de peças ao Ministério

Público Federal, pela prática do delito pelo Réu, previsto no art. 330-CP. Contra essa

decisão foi interposto Agravo de Instrumento, não tendo havido até o momento, notícia de

atribuição de efeito suspensivo.

Ambas as partes fizeram alguns pedidos, que foram decididos da seguinte

forma: indeferir o pedido de exame das preliminares argüidas, uma vez que, sobre esse

tema, já havia manifestação do próprio TRF 2ª Região, razão por que uma decisão de

primeiro grau não poderia se sobrepor e, por via indireta, ―reformar‖ outra de instância

superior; deferir o pedido de expedição de oficio à douta 2ª Vara de Família do Rio de

Janeiro, para fins de solicitar a remessa dos autos da ação de reconhecimento de

paternidade sócio-afetiva, a fim de que fosse examinada a eventual existência de interesse

da União no feito, tal como alegado; e divulgar o cronograma dos trabalhos periciais, com

inicio em 24/11/2008 e termino para 1/12/2008.

Tal decisum, então, restou alvejado pelo Agravo de Instrumento, ao qual

foi negado efeito suspensivo. Foram recebidos nos autos o Oficio, proveniente da 2ª Vara

de Família, noticiando a recusa no envio dos autos da ação de reconhecimento de

paternidade sócio-afetiva, por razões ali expedidas. Além deste, foi recebido outro Oficio,

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oriundo da Segunda Seção do STJ, de ordem do Min. Luis Felipe Salomão, pelo qual foram

solicitadas informações no tocante ao Conflito de Competência, suscitada pelo assistente da

União (David). Além disso, o Juízo Federal também suscitou conflito positivo de

competência, em face do douto Juízo da 2ª Vara de Família do Rio de Janeiro, por força da

negativa de remessa dos autos da ação de reconhecimento de paternidade sócio-afetiva,

face à evidente ofensa à Súmula 150/STJ. Posteriormente, nova decisão da lavra do Min.

Luis Felipe Salomão, deu notícia da designação de audiência de conciliação, no âmbito do

Conflito de Competência, bem assim para inverter a designação do Juízo competente, para

medidas urgentes, passando a ser a douta 2ª Vara de Família do Rio de Janeiro.

Prosseguindo, por meio de despacho, possibilitou-se que as partes

especificassem outras provas, além das já produzias, porém somente se manifestou o Réu,

via petição, pugnando pela produção de prova documental suplementar oral. No seu pleito,

postulava a expedição de carta rogatória, dirigida ao Tribunal Superior de Nova Jersey,

EUA, visando a que fossem oficiadas:

1) à Receita Federal Americana para: a) informar os rendimentos do Sr.

David, nos últimos 5 (cinco) anos, a fim de averiguar sua condição

patrimonial e financeira; b) informar se o Sr. David e a empresa Shore

Catch Guide Service LCC estão registrados junto à Receita Federal

Americana para receber doações que estão sendo arrecadadas por meio

do site www.bringseanhome.com; e c) informar os valores arrecadados

com as doações do referido site até a data da resposta do ofício;

2) à instituição responsável pelo registro dos corretores de imóveis do

Estado de Nova Jersey, para informar a situação do Sr. David nos

cadastros de tal instituição, vale dizer, se está em dia com as suas

obrigações legais e pecuniárias, se deixou de estar durante algum

período e qual seria esse período, ou se está ativo;

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3) à autoridade norte-americana competente para a expedição de

atestado de bons antecedentes, de modo a que o certificado com relação

ao Sr. David;

4) à autoridade portuária competente do Estado de Nova Jersey, para

informar a situação e a condição do Sr. David nos cadastros da referida

instituição.

Além disso, como prova oral, postulou o depoimento pessoal do Sr.

David, oitiva de testemunhas a serem oportunamente arroladas, além da oitiva de Sean.

O laudo técnico pericial foi impugnado pelo Réu e aceito pelo assistente

da União (David). Seguindo, houve decisão saneadora, no sentido de indeferir o pedido de

nulidade do laudo, requerido pelo Réu, bem como de produção de outras provas, dando-se

por encerrada a fase probatória e remetendo-se, por conseguinte, os autos ao Ministério

Público Federal para parecer de mérito. Contra esse decisum, o Réu opôs embargos de

declaração, os quais foram apreciados e rejeitados. O Réu então, opôs novo Agravo de

Instrumento, ao qual foi negado efeito suspensivo, pelo Juiz Federal Dr. Luiz Paulo da

Silva Araújo Filho. Em seguida, o Ministério Público Federal ofereceu o parecer opinando

pela procedência parcial do pedido, a fim de se determinar o retorno do menor aos EUA,

após um período de transição a ser fixado por este Juízo.

Por fim, quando os autos já se encontravam conclusos para sentença, o

Réu atravessou mais duas petições. A primeira delas foi juntado recente parecer do

Ministério Público Federal, só que oferecido nos autos do Agravo de Instrumento

interposto pelo ora assistente da União (David), perante o STF, no âmbito da ação anterior,

movida por ele próprio, Sr. David, em face de sua falecida ex- esposa, também com base na

Convenção de Haia. Alegava em síntese, que o falecimento de sua ex-esposa, por si só, não

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conduziria a extinção daquele feito, visto que o direito envolvido não seria personalíssimo.

Daí, concluiu o Réu, que o processamento desta demanda implicaria em ―ofensa à coisa

julgada anterior‖. Na segunda petição, o Réu traz ao conhecimento do Juízo o recente

ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade- ADIN, pelo Partido Democratas-

DEM, contra diversos dispositivos do Decreto Presidencial n° 3.413/2000, pelo qual foi

introduzida em nosso ordenamento jurídico a Convenção da Haia de 1980. Quer o Réu,

assim, que este Juízo considere a matéria discutida, em tal ADIN, na forma do art.462-

CPC. Este é o relatório.

Por conseguinte, segue a fundamentação das questões preliminares.

3.2.1 Ausência de Interesse Processual.

A esse respeito, sustentou o Réu que a União Federal careceria de

interesse processual, na vertente necessidade da prestação jurisdicional, uma vez que já

existiria ação em curso com objeto de causa de pedir idênticos. É de se notar que o aludido

processo anterior, processo este ajuizado por David Goldman em face da falecida mãe do

menor que se encontra em fase de apreciação diante do STF, deverá ser julgado extinto,

sem análise do recurso ainda pendente, face à ausência de uma das partes. Com a morte da

mãe de Sean, alterou o panorama fático até então existente, e isto a ponto, de legitimar a

propositura de nova ação, a qual, em suma, embora contenha pedido semelhante, lastreia-se

em causa de pedir com contornos próprios. Além da causa de pedir apresentar fato novo e

essencial ao processo anterior, as partes que litigam neste processo são evidentemente

distintas do anterior. No processo anterior figuravam como autor e réu, o pai e a mãe de

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Sean, aqui por sua vez, o pólo autor é ocupado pela União e o pólo Réu por João Paulo Lins

e Silva, padrasto do menor. Sendo portanto, essa questão preliminar superada.

3.2.1.1 Ilegitimidade Ativa da União.

Esta preliminar também foi superada, pelo fato da União atuar com vistas

a assegurar o cumprimento de obrigações internacionais encampadas pela República

Federativa do Brasil perante outros Estados soberanos, e não na defesa de interesses

privados, como equivocadamente aduzido na peça de bloqueio. Assim, não ostentando

procedência quanto à idéia de que a União estaria aqui atuando na defesa dos interesses de

um estrangeiro, contra um brasileiro nato, ocorrendo desvio de finalidade na atuação da

Procuradoria da União.

3.2.1.2 Incompetência da Justiça Federal para Regulamentação de

Visitas e Pedido de Sobrestamento do Processo.

Por fim, quanto a esta última fundamentação também superada como

todas as outras preliminares, entende-se que a competência desta Justiça Federal para

processar e julgar a presente demanda restou definitivamente reconhecida, pelo STJ, no

âmbito do julgamento do conflito de competência. Por sua vez o pedido de sobrestamento

também foi devidamente analisado, sendo, inclusive matéria preclusa.

Diante dos fatos expostos no relatório, seguido da fundamentação das

questões preliminares, agora adentramos no mérito da sentença julgada pelo Juiz Federal

Substituto Rafael de Souza Pereira Pinto.

43

3.2.2 Incidência do Artigo 3° da Convenção da Haia. Perfeita

Subsunção dos Fatos à Norma.

No artigo 3° há duas condições para que a norma possa ser legitimamente

aplicada, quais sejam: violação a direito de guarda de uma dada pessoa, via de regra, um

dos genitores, de acordo com a legislação do Estado em que a criança possuía residência

habitual; e efetivo exercício desse mesmo direito, no momento da transferência ou da

retenção ilícita da criança. Portanto afirma o Juiz Substituto Rafael, que é fato

incontroverso nos autos, que o menor Sean detinha residência habitual no Estado de Nova

Jersey e vinha apenas passar férias no Brasil, assim configurando situação ilícita do artigo

3° da Convenção de Haia. Também não há discussão quanto ao fato de que David Goldman

vinha exercendo plenamente o direito de guarda relativamente a seu filho, até a vinda deste

ao Brasil para aquilo que seria apenas uma viagem de férias na companhia de sua mãe.

Noutro giro, para os fins no artigo 15 da Convenção da Haia, há

documento idôneo nos autos a demonstrar que a retenção de Sean no Brasil constituiu

violação à legislação aplicável ao caso no Estado de Nova Jersey, onde a contínua retenção

por parte da mãe e sua intenção declarada de se recusar a trazer o menor de volta aos

EUA tem sido e pode continuar sendo considerada ilegal de acordo com as disposições

aplicáveis da lei da residência habitual da criança, Nova Jersey (Decisão da Corte de

Nova Jersey). Logo, apenas para que se registre, não há duvida de que o assistente da União

continua, até o presente momento, detentor do direito de guarda de seu filho, de acordo com

a legislação vigente no Estado de Nova Jersey.

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E é nesse particular aspecto que entendemos a particularidade e o

delicadíssimo caso do menor aqui examinado. Refere-se o Juiz, precisamente, ao fato de ter

havido uma primeira retenção ilícita do menor, perpetrada por sua mãe, associada,

posteriormente, ao seu trágico e lamentável falecimento, ao que sucedeu, por fim, uma

segunda retenção do mesmo menor, agora realizada por seu padrasto que nada mais fez se

não retomar a situação de ilicitude iniciada pela mãe da criança. Ambas retenções dando

ensejo ao ajuizamento de demandas distintas.

Seguindo esse raciocínio, se a permanência de Sean no Brasil encontrava-

se viciada na sua origem, evidentemente, a residência habitual do menor jamais poderia ter

sido validamente fixada em nosso País, como de maneira equivocada, sustentou o padrasto,

ora Réu. Não importa, em suma, o quanto de tempo se passou desde o inicio da

permanência de Sean no Brasil, à revelia de seu pai, para fins de se aferir qual seria a

residência habitual da criança. O que importa é que a situação de ilicitude nunca deixou de

existir. Mesmo à luz da aplicação da legislação brasileira, verifica-se que o domicilio de

Sean, após o óbito de sua mãe, passou a ser, de pleno direito, o de seu pai, e não mais

aquele em que vinha morando com sua mãe.

Conseqüentemente, neste sentido configura-se a norma do artigo 76 do

Código Civil brasileiro, que determina em seu parágrafo único, que o domicilio do incapaz

é o do seu representante ou assistente(...). Portanto, em se tratando de um menor, como no

caso de Sean, é evidente que os representantes legais, via de regra, são os próprios

genitores, sendo que na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com

exclusividade (artigo 1631-CC). Pela conjuração das normas do art. 1631-CC e 76 do

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Código Civil brasileiro, é forçoso concluir que, a partir do lamentável falecimento da mãe

de Sean, o domicilio legal e necessário do menor em questão passou a ser, exclusivamente,

o de seu genitor sobrevivente, isto é, o de seu pai. Sendo assim, com a negativa de entrega

do menor ao legitimo detentor de sua guarda, configura-se a retenção ilícita do menor, nos

exatos termos do disposto no art. 3°, alínea ―a‖ da Convenção. E o requisito da alínea ―b‖

também estaria configurado, após o óbito da mãe de Sean, em que o direito de guarda

passou imediatamente ao pai e deveria estar sendo exercido se a retenção não fizesse

presente. Destarte, configuram-se todos os requisitos do art. 3° da Convenção da Haia, no

que concerne à caracterização da ilicitude da retenção de Sean, em território nacional.

3.2.2.1 Exceção do Artigo 12 da Convenção da Haia. Adaptação do

Menor. Inaplicabilidade ao Caso.

Diante da exceção prevista no artigo 12 da Convenção, entende-se que só

é aplicável na hipótese, de entre a data da transferência ou retenção ilícita e a data do inicio

do procedimento administrativo ou judicial, visando ao retorno da criança, haja decorrido

um período de tempo superior a 1 ano. Ora, in casu, a retenção ilícita de Sean, perpetrada

pelo Réu, e que é objeto de exame nos presentes autos, iniciou-se a partir do falecimento da

mãe do menor, ocorrida em 22/08/08. A presente demanda, de seu turno, veio a ser

proposta em 26/09/08, isto é, pouco mais de um mês apenas, após o inicio desse novo ato

ilícito. O simples cotejo de tais datas afasta, por completo, a incidência da exceção exposta

no art. 12 da Convenção.

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Como se vê, concluiu o Juiz Substituto que tanto na primeira retenção

pela mãe, quanto nesta segunda retenção ilícita pelo padrasto, a hipótese se amolda à regra

geral prevista no caput do artigo 12 da Convenção, em que o retorno imediato caso o

procedimento administrativo ou judicial tenha sido deflagrado em prazo inferior a 1 ano do

ato ilícito, não se aplicando, portanto a exceção estabelecida em seu segundo parágrafo,

visto que não decorreu o lapso temporal ali estipulado, tanto em um, quanto em outra

situação.

A exceção contida no art. 12 da Convenção parte de uma premissa lógica,

qual seja, a de que a criança objeto do pedido de restituição esteja em poder de um de seus

genitores. Logo, não é razoável admitir que uma dada pessoa, desprovida de poder familiar

sobre o menor, um terceiro, oponha-se à entrega da criança ao pai, ou à mãe, ou a ambos,

sob o fundamento de que o menor está integrado a seu novo meio. Com isso, sendo David

Goldman o único genitor vivo de Sean, nunca tendo o abandonado, ele quer e poderá

exercer o pátrio poder sobre o filho. Porém, ainda sustentando a incidência da exceção do

artigo 12, o Réu argumenta que a Justiça brasileira, no âmbito do processo anterior, teria

reconhecido que a adaptação de Sean ao Brasil consubstanciaria óbice intransponível ao

envio do menor de volta a seu país de origem. Articula, no ponto, que esse menino daqui

não poderia sair, visto que a Justiça já decidiu que ele aqui deve permanecer. A esse

respeito, finda o Juiz esclarecendo que é evidente que as decisões judiciais anteriores, ao

optarem pela manutenção de Sean no Brasil, tiveram como linha principal de raciocínio o

fato de que o menor aqui se encontrava juntamente com sua mãe, sob sua guarda.

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Com efeito, na primeira decisão proferida por este Juízo, foi concedida,

liminarmente, ao Sr. David Goldman, o direito de rever seu filho, fixando-se regime

provisório de visitas à criança, até ulterior decisão em contrário. No entanto, ao saber que o

pai do menor encontrava-se a caminho do Brasil para exercer o direito de reaver o próprio

filho, o Réu, contra aquela decisão, interpôs imediatamente recurso perante o TRF da 2ª

Região, visando a revogar tal provimento, retirando, novamente, do Sr. David, o direito de

ver seu filho. O efeito suspensivo foi parcialmente concedido, mas, apenas, para se adiar o

inicio da visitação. Assim sendo, como não conseguiu, pelas vias legais, a eficácia da

decisão recorrida, o Réu resolveu, na marra, frustrar o encontro entre pai e filho, no dia e

horário determinados judicialmente.

Dias após, protocolizou o Réu, simples petição, pela qual apresentou uma

mal explicada estória, tudo visando a justificar a ausência de Sean para aquilo que seria o

aguardado reencontro entre um filho e seu pai. Mas, não satisfeito ainda, nessa mesma

petição, imputou ao assistente da União suposta tentativa de se promover, às custas do

encontro com seu filho, uma vez que teria trazido consigo uma comitiva de repórteres.

Todavia, Oficiais de Justiça que estiveram na residência do Réu para cumprimento da

diligência, afirmaram que não havia sequer um repórter na porta do condomínio em que

reside o Réu, rendendo, portanto ao Réu, condenação por litigância de má-fé, face à

acintosa alteração da verdade dos fatos pó ele alegados, e também por ato atentatório ao

exercício da jurisdição, além do encaminhamento de peças ao Ministério Público Federal,

pela prática, em tese, do crime de desobediência, em vista do descumprimento deliberado

de duas decisões judiciais.

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Contudo, após a realização de acordo entre as partes, no âmbito de

audiência de conciliação promovida pelo STJ, o Sr. David voltou ao Brasil para exercer,

novamente, o direito de visitar seu filho. O Réu, então, ao saber da vinda do assistente da

União, atravessou rapidamente petição, dirigida a este Juízo, informando que Sean não

estaria disponível para ser visitado em dias úteis, sob pena, justificou, haver possíveis

prejuízos à freqüência escolar da criança. Em vista de tal petitório, este juízo, em decisão,

esclareceu ao Réu que a visitação poderia sim ser efetuada, em dias úteis para que fossem

restabelecidos plenamente todos os laços e sentimentos inerentes a qualquer relação entre

pai e filho.

Diante de tudo exposto, em especial desse novo panorama, qual seja,

ausência definitiva, lamentavelmente, da mãe de Sean, em virtude de seu falecimento, e

mesmo que se pudesse cogitar da aplicação da exceção contida no art. 12 da Convenção, o

que já se viu não ser o caso, considera o Juiz Rafael Pinto, improcedente a tese de defesa,

segundo a qual a adaptação de Sean ao Brasil constituiria óbice intransponível a seu retorno

aos EUA.

3.2.2.2 Exceção do Artigo 13, Alínea “b”, da Convenção da Haia.

Inaplicabilidade. Inexistência de Perigo de Dano Físico ou Psíquico ao Menor.

Com relação à incidência da exceção prevista no art. 13 da Convenção, a

contestação afirma que não se poderia entregar Sean ao pai porque, com isso, estar-se-ia

submetendo a criança a um evidente risco de dano de ordem física ou psíquica. A previsão

de que cogita o art. 13, ―b‖, da Convenção, refere-se a situações fáticas absolutamente

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caóticas no âmbito do Estado requerente, no que se poderiam enquadrar hipóteses de

conflito armado, epidemias incontroláveis, severo desabastecimento de alimentos, enfim,

situações que escapassem ao controle das próprias autoridades competentes ao Estado de

residência habitual da criança. Pois bem, o Réu postulou a aplicação do artigo referido,

porque o pai de Sean não teria condições de arcar com o pagamento de seu plano de saúde.

O Réu também alega que o retorno de Sean aos EUA implicaria danos psíquicos ao menor,

em vista da “quebra do vinculo familiar que decorreria dessa mudança”.

A existência de parentes de Sean aqui no Brasil, notadamente seus avós

maternos e sua irmã recém nascida, não constitui razão bastante para que, a pretexto de

mantê-lo em permanente contato com tais pessoas, seja simplesmente suprimido o direito

inalienável do menor de viver ao lado do único genitor que lhe restou, seu pai. Até porque,

Sean também possui avós paternos nos EUA, que por sinal vem sendo privados, assim

como seu pai, de estabelecer qualquer contato direto. Portanto, se for o caso, poderão

perfeitamente ser pleiteados direitos de visitação a Sean, seja em favor de sua irmã Chiara,

seja em prol dos avós maternos, ou em favor do próprio padrasto. Concluiu, por

conseguinte o Magistrado, o que é inadmissível é negar o retorno de Sean, negar-lhe o

exercício de seu direito fundamental e inalienável de conviver com seu pai, apenas pelo

argumento relativo à existência de parentes do menor no Brasil.

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3.2.2.3 Exceção do Artigo 13, Alínea “b”, Segundo Parágrafo.

Oposição da Criança ao Retorno. Inaplicabilidade.

Sobre esta exceção é de se notar que a própria previsão legal adverte para

a necessidade de que o juiz avalie se a criança atingiu idade e grau de maturidade capazes

de possibilitar que sua opinião seja levada em consideração. Note-se, ainda que, mesmo em

se constatando a presença de tais requisitos, a norma estabelece que a autoridade poderá

recusar o retorno do menor. Não há, todavia, tal obrigatoriedade, como sugere a parte ré, de

maneira equivocada.

De qualquer sorte, no presente caso concreto, nem mesmo tais requisitos

encontram-se presentes. Afinal, frisa o Juiz Substituto Rafael Pereira Pinto que no teor do

laudo pericial psicológico, Sean não está apto a decidir sobre o que realmente deseja, seja

pelas limitações de maturidade inerentes à sua tenra idade, seja pela fragilidade de seu

estado emocional, seja, ainda, pelo fato de já estar submetido a processo de alienação

parental por parte da família brasileira. De toda forma, acaso se pudesse atribuir o peso

desejado pelo Réu à palavra de Sean, é interessante observar que, na primeira oportunidade

em que o menor foi chamado a opinar sobre sua preferência, ficar no Brasil ou voltar aos

EUA, sua resposta não foi categórica no sentido de querer aqui permanecer. O menino

primeiro disse que para ele tanto fazia ficar no Brasil ou voltar aos EUA, somente após, ser

interpelado e perceber haver desagradado a Dra. Juíza Vera Lemgruber, representante ali de

sua família, passou então, a repetir, seguidamente, querer ficar no Brasil.

51

Por fim, a hipótese ajuizada pelo Juiz Rafael Pinto, através de tudo

exposto, seria de conduta ilegal, no tocante à incapacidade de Sean tomar decisões com tal

nível de repercussão em sua vida, o que se afirma em vista de sua imaturidade para tanto,

bem como em razão do profundo abalo emocional em que se encontra mergulhado,

conforme demonstrado com clareza no laudo pericial.

3.2.2.4 Artigo 17 da Convenção da Haia. Existência de Decisão

Provisória, Concessiva da Guarda de Sean ao Réu, pela Justiça Estadual.

Irrelevância, In Casu. Decisão nula, de pleno Direito.

Foi prolatada decisão antecipatória de tutela, pelo douto Juízo da 2ª Vara

de Família do Rio de Janeiro, sem oitiva da parte contrária, no bojo da ação de

reconhecimento de paternidade sócio-afetiva, por meio da qual foi deferida ao padrasto,

João Paulo Lins e Silva, a guarda provisória de Sean. Segundo o Juiz relator desta sentença,

é de se referir que tal decisão revela-se nula de pleno direito, conforme reconhecimento

expresso, por parte deste Juízo.

Com efeito, o Dr. Juiz Rafael de Souza , entendeu que a nulidade da

decisão, assim como de todas as demais que a sucederam decorreu, fundamentalmente, de

vício insanável ocorrido na origem do processo, consistente em evidente ofensa ao

principio constitucional do juiz natural, na medida em que houve indevida distribuição

dirigida do processo ao douto Juízo da 2ª Vara de Família da comarca da capital do Rio de

Janeiro. Finaliza, o Juiz relator da sentença que é, portanto, totalmente improcedente a

fundamentação erigida pelo douto Juízo Estadual, como forma de justificar o deferimento

52

da guarda provisória de Sean ao ora Réu, razão por que, nem de longe poderia constituir

óbice ao retorno do menor a seu país de origem.

3.2.2.5 Exceção do Artigo 20 da Convenção da Haia. Violação aos

Princípios Fundamentais do Estado Requerido. Inaplicabilidade.

O Réu sustenta, em sua contestação, que a devolução de Sean aos EUA

implicaria violação aos princípios constitucionais do melhor interesse da criança e da

proteção integral. Assim, na sua concepção, haveria afronta a princípios fundamentais

previstos em nossa Constituição da República de 1988, como decorrência do principio da

dignidade da pessoa humana. Porém, ao ideal do Juiz Federal Rafael de Souza Pereira

Pinto, ao contrário do que sustenta a parte ré, entende que negar a Sean o direito de

conviver e de ser criado por seu pai, seu único genitor vivo, é que constituiria violação

frontal ao principio da dignidade humana.

3.2.2.6 Nacionalidade de Sean. Irrelevância.

Entendeu o Juiz relator desta sentença, que é absolutamente irrelevante a

nacionalidade de Sean, para fins de se deliberar pela devolução, ou não, dessa criança a seu

país de origem. Desinfluente se afigura apurar se o menor em tela é norte-americano ou

brasileiro, se tem dupla nacionalidade, se é apenas brasileiro enquanto estiver no Brasil e

apenas norte-americano enquanto estiver nos EUA. Enfim, a disciplina da Convenção da

Haia tem lugar exatamente para os casos envolvendo crianças brasileiras, indevidamente

transferidas ou retidas em território nacional. Isso porque, para todas as crianças de outras

nacionalidades, a retenção ilícita do menor conduziria à conclusão de que o menor

53

encontrar-se-ia em situação irregular em território nacional, razão por que bastaria que se

acionasse os mecanismos ordinários de deportação, aplicáveis a quaisquer estrangeiros que

estejam em situação irregular no Brasil, a fim de que se alcançasse o retorno do menor a

seu país de residência habitual. Portanto, o âmbito de aplicação da Convenção da Haia,

destina-se, primacialmente, aos menores brasileiros.

3.2.2.7 Necessidade de Retorno Imediato do Menor. Antecipação

dos Efeitos da Tutela. Medida Impositiva.

O pedido principal de antecipação dos efeitos da tutela não chegou a ser

apreciado até o momento, porque este Juízo de início, entendeu por bem oportunizar prévia

oitiva da parte contrária, após o que, a tutela de urgência seria examinada. Primeiro houve

decisão do TRF 2ª Região, no sentido de condicionar o início do regime de visitação,

liminarmente deferido, até então, à realização de um estudo psicológico prévio. Dado início

à produção de tal prova pericial, houve sobrestamento do processo, por ordem do STJ, até

ulterior decisão do conflito de competência lá suscitado. Em seguida, quando da retomada

do andamento do feito, o Juiz Rafael de Souza entendeu por bem dar prosseguimento à

aludida prova pericial, concluindo a instrução do processo, a fim de que, de posse de mais e

melhores elementos, pudesse apreciar todos os pedidos, em sede de sentença.

Com efeito, e por todos os fundamentos anteriormente expedidos,

entendeu o Juiz ser absolutamente impositiva a devolução imediata do menor Sean

Goldman aos EUA, o que deriva do evidente preenchimento de todos os requisitos

previstos na Convenção da Haia, associado à inaplicabilidade de quaisquer das eximentes

54

ali também disciplinadas. De plano, é de se registrar que a própria Convenção impõe a

adoção de medidas urgentes visando ao retorno do menor, o que se depreende,

fundamentalmente dos dispositivos 2°, 11° e 12° da Convenção da Haia.

Soma-se a isso, a inegável constatação de que o fator tempo nesse caso

concreto, encontra-se ao lado da parte ré, que por sua vez vem dando continuidade ao que

já fizera a falecida mãe do menor, ou seja, vem tirando proveito de tal situação, valendo-se

do argumento de que o menor está adaptado ao Brasil. Daí conclui-se o Juiz relator da

sentença que a possibilidade de sobrevirem danos psíquicos efetivos a esse menor, longe de

estar relacionada com o retorno da criança aos EUA, derivará, na verdade, de sua

permanência aqui no Brasil, caso o menino continue sob a posse e guarda do Réu e, por

conseguinte, dos demais familiares maternos, pois como foi constatado no laudo pericial,

Sean vem sendo submetido a um processo de alienação parental. E essa alienação poderá

alcançar estágio tal em que essa criança sequer reconhecerá na figura de David Goldman a

de seu pai, o que é de todo prejudicial para o menor. Por isso é fundamental que o menino

Sean seja devolvido com a maior brevidade possível à guarda de seu pai, de maneira a que

sua readaptação à família paterna possa também se reiniciar de maneira imediata.

Quanto à questão da possibilidade do retorno do menor ser medida

irreversível, assim frustrando-se a eficácia de futuros recursos a serem interpostos, é

incorreta. Pois em se tratando de pedido de cooperação jurídica internacional, aplicam-se

plenamente os princípios da confiança e da reciprocidade entre os Estados contratantes,

razão pela qual não há receio de que, uma vez fora do Brasil, o menor se torne inacessível à

efetivação de medidas tendentes a trazê-lo de volta, se for o caso, considerando, nesse

55

particular, a necessidade de o Estado estrangeiro retribuir o tratamento dispensado pelo

Brasil. Não se pode, partir do pressuposto de que um outro Estado signatário adotará

comportamento negligente e, pior ainda, utilizar essa hipotética e falsa premissa, como

forma de negar efetividade a uma decisão judicial de índole emergencial, como a presente.

A hipótese em exame envolve um dos Estados signatários da Convenção da Haia que com

mais fidelidade vem dando cumprimento aos ditames de tal conferência internacional. Não

há, portanto, por que temer, acaso sobrevenha decisão judicial em contrário, determinado-

se o retorno de Sean ao Brasil, nenhum dano terá sido causado à criança, pois não existem

males no fato de um filho ir viver com seu próprio pai.

Por todos os fundamentos expedidos, o Magistrado deferiu o pedido de

antecipação dos efeitos da tutela com apoio no art. 273-CPC, para determinar o retorno

imediato do menor Sean aos EUA, observando-se as seguintes condições:

1)Primeiramente, concedeu ao Réu a oportunidade de apresentar

espontaneamente o menor em questão, evitando-se, assim, a realização

de diligencia de busca e apreensão;

2) Para tanto determinou que Sean fosse apresentado, até as 14:00, do

dia 3 de junho de 2009, perante o Consulado Americano na Cidade do

Rio de Janeiro, após o que o menor deveria ser encaminhado, com a

máxima brevidade possível, aos EUA, para que fosse entregue à

Autoridade Central norte-americana. Assegurou ao Réu, assim como aos

demais familiares brasileiros de Sean, o direito de acompanhá-lo na

viagem de retorno, concedendo-se, se for o caso, os respectivos vistos de

ingresso em território americano, com prazo de vigência de, no mínimo

30 dias. Porém, ressalvou que as despesas decorrentes da viagem do Réu

e dos parentes maternos do menor ficariam as suas próprias expensas;

3) Durante o prazo estabelecido anteriormente acima, determinou que a

Policia Federal dotasse todas as providencias possíveis e necessárias,

visando à imediata localização e monitoramento do menor em questão,

bem assim para que obste a saída dessa criança do Rio de Janeiro. Neste

56

sentido, comunique-se a aludida proibição à Policia Rodoviária Federal

e à Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro;

4) Findo o prazo concedido, em não havendo apresentação espontânea

de Sean, expeça-se, imediatamente, mandado de busca e apreensão da

criança, a ser cumprido no local em que o menor se encontrar, conforme

indicação da Policia Federal, observando-se: supervisão das diligencias

por psicólogo ou assistente social a ser designado pela Autoridade

Central brasileira e acompanhamento, sempre, do menor pelo Réu, ou

por um de seus familiares brasileiros, a menos que haja, de tais pessoas,

expressa recusa em exercer essa faculdade.

Após a efetiva chegada da criança aos EUA, estabeleceu o Juiz relator da

sentença o seguinte período de transição, até o completo e definitivo retorno de Sean à

guarda de seu pai:

1) Durante os primeiros 15 dias, excluindo-se o dia da chegada aos EUA,

poderá o Sr. David Goldman permanecer com seu filho, sem restrições de

local, e sem a necessidade de haver a presença de qualquer pessoa da

família materna, a não ser que haja expresso consentimento do próprio

Sr. David, observando-se os mesmos horários de visitação fixados na

audiência;

2) Findo o horário acima referido, o ora assistente da União deverá

entregar o menor no local em que estiverem hospedados o Réu e os

familiares maternos;

3) A partir do décimo sexto dia, Sean passará a pernoitar na residência

de seu pai, cabendo ao Réu, e aos familiares brasileiros que lá estiverem,

o horário de visitação da criança, das 14:00 às 18:00, diariamente;

4) A partir do trigésimo primeiro dia, Sean deverá ser entregue, em

definitivo, a seu pai, ressalvando-se ao Réu e aos demais familiares

brasileiros a possibilidade de, em sendo necessário, pleitear a fixação de

regime de visitas;

5) Registro, por fim, que, durante o período de transição ora

estabelecido, o passaporte do menor deverá permanecer em poder da

Autoridade Central norte-americana, findo o qual deverá ser devolvido

ao Sr. David Goldman.

57

3.2.2.8 Pedido de Condenação do Réu ao Custeio da Viagem de

Retorno do Menor. Princípio da Causalidade. Improcedência.

Postulou a União a condenação do Réu a arcar com as despesas referentes

à viagem de retorno do menor. O pleito, em principio, está embasado na norma do artigo 26

da Convenção da Haia. Contudo, esclarece o Juiz Substituto relator dessa sentença que o

disposto neste artigo anteriormente citado deve ser interpretado sob o enfoque do principio

da causalidade, segundo o qual aquele que, por um ato comissivo ou omissivo, ocasiona um

dano a outrem, deve, em principio, ser chamado a reparar esse dano. Na hipótese em

comento, muito embora o Réu tenha praticado o ato ilícito de reter o menor no Brasil, em

violação ao direito de guarda do pai, conveio o Juiz Rafael de Souza Pinto não ser correto

imputar ao demandado o dever de arcar com as despesas de retorno da criança, visto que

não foi ele, Réu, quem deu causa à vinda de Sean para o Brasil. Assim, devendo ser as

despesas necessárias ao custeio de retorno de Sean ao EUA, pagas pela União ou por seu

assistente, Sr. David Goldman.

Ao final desta sentença em seus dispositivos, o Juiz Substituto Rafael de

Souza Pereira Pinto da 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro, julgou parcialmente procedente

o pedido para retorno do menor Sean Goldman aos EUA, deferiu o pedido de antecipação

dos efeitos da tutela, condenou o Réu ao reembolso da integralidade das despesas

processuais havidas no decorrer do feito, em especial os honorários adiantados pela União

às peritas e ao interprete da língua inglesa, bem como ao pagamento de honorários

advocatícios. Oficiou, à Superintendência da Policia Federal, e às Policias Rodoviária

Federal e Militar do Estado do Rio de Janeiro, bem como à INTERPOL, para o

58

cumprimento dos fins descritos anteriormente. Oficiou também, ao MM. Desembargador

Federal relator de todos os agravos de instrumento interpostos nos autos, para que tomasse

ciência da presente sentença. E pediu que comunicassem, por fim, à Autoridade Central

brasileira e à Embaixadora dos EUA no Brasil, para fins acima delimitados. Tudo

observando-se segredo de Justiça.

3.3 Incidente de Competência

O incidente de competência no caso que esta sendo estudado reflete o

conflito da Justiça Estadual com a Justiça Federal. A Justiça Estadual foi acionada, pelo

padrasto de Sean logo após a morte de sua mãe, com pedido de reconhecimento de

paternidade sócio-afetiva, porém a Justiça Federal em mesmo momento também foi

acionada, mas pelo pai biológico, com, de certa forma, o mesmo objetivo, de guarda

definitiva do menor.

Se no caso de Sean, assim como no de outras famílias que passam pela

mesma situação, o processo fosse encaminhado como deveria ser feito na prática, não

teríamos tantos problemas com o conflito de competência relacionados a guarda da criança

seqüestrada. Na prática, o mais comum a ser feito, é o pai ou a mãe, sabendo que o seu ex-

cônjuge foi para outro Estado, comunica-se o fato à autoridade central de seu país que, ao

ser provocada, realiza um juízo prévio de admissibilidade de aplicação da Convenção,

encampa a pretensão daquele que fez o pedido de proteção, e transforma em pretensão do

Estado. Após, encaminha o pedido de restituição para o país onde se encontra a criança.

Não é o pai, a mãe ou outra pessoa que faz o pedido, mas sim o Estado provocado. É

cooperação inter-estatal, Estado pedindo para Estado. No caso do Brasil, a Autoridade

59

Central Brasileira (Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH), não pode provocar

diretamente o Estado, fazendo-o por meio da Advocacia Geral da União. Nesses casos, a

União está a encampar as pretensões do Estado estrangeiro (Estado requerido) e o faz por

conta do seu dever constitucional de cumprir e fazer cumprir as obrigações internacionais

impostas ao Estado brasileiro. Ao Estado brasileiro interessa prestar a cooperação a que

está obrigado no direito internacional, fazer valer a competência e a autoridade do Estado

estrangeiro em cuja jurisdição deve ser discutida toda e qualquer questão relativa à guarda e

ao direito de visita do menor.58

Segundo o art. 16 da Convenção de Haia59

, é vedado às autoridades do

país requisitado decidirem sobre o mérito do direito de guarda, após terem sido informadas

da transferência ou retenção ilícitas de uma criança, nos termos do art. 3º. Com a finalidade

de promover a realização dos objetivos da Convenção relativamente ao retorno da criança,

a disposição busca prevenir uma decisão de mérito do direito de custódia que poderá ser

conseguida ―fraudulentamente‖ no Estado de refúgio. Para este fim, é proibido às

autoridades competentes deste Estado julgar o mérito, quando eles foram informados de

que a criança em questão foi, em termos da convenção, injustamente removida ou retida.60

58

SILVA, Leonardo Peter. Breves considerações acerca da Convenção de Haia sobre os aspectos civis do

seqüestro internacional de crianças à luz do Direito Internacional Privado. Jus Navigandi, Teresina, ano

11, n. 1270, 23 de dezembro de 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9319.

Acesso em: 07/05/ 2009. 59

Artigo 16 da Convenção de Haia, Decreto n° 3413 de 14/04/2000: “Depois de terem sido informadas da

transferência ou retenção ilícitas de uma criança nos termos do Artigo 3°, as autoridades judiciais ou

administrativas do Estado Contratante para onde a criança tenha sido levada ou onde esteja retida não

poderão tomar decisões sobre o fundo do direito de guarda sem que fique determinado não estarem reunidas

as condições previstas na presente Convenção para o retorno da criança ou sem que haja transcorrido um

período razoável de tempo sem que seja apresentado pedido de aplicação da presente Convenção.‖ 60

Convenção sobre aspectos civis do seqüestro internacional de crianças comentada. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/convencaoHaiaConteudoTextual/anexo/textoConvencao.pdf. Data de

acesso: 19/03/2009.

60

A grande problemática que gira em torno do Seqüestro Internacional de

Crianças, particularmente no caso do menino Sean Goldman, cinge-se no conflito de

competência quando com o falecimento da mãe do menor, João Paulo Lins e Silva,

padrasto, ajuizou ação ordinária declaratória de paternidade sócio-afetiva c/c posse e guarda

do menor em face do pai biológico, David Goldman, visando ao reconhecimento de sua

paternidade sócio-afetiva bem como a retificação do assento de nascimento da criança. De

outro lado, a União ajuizou ação de busca, apreensão e restituição do menor em face de

João Paulo Lins, com fundamento na Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do

Seqüestro Internacional de Crianças, objetivando o repatriamento do menor aos Estados

Unidos da América, ao argumento de que teria ocorrido a retenção indevida do menor por

pessoa não detentora do direito de guarda.61

As informações prestadas pelo Juízo Federal dão conta de que a União

peticionou ao Juízo da 2ª Vara da Família do Rio de Janeiro, manifestando interesse na

demanda e requerendo o deslocamento da competência; além disso, o Juízo Federal oficiou

ao Juízo Estadual, solicitando a remessa dos autos para análise do interesse manifestado

pela União. Diante da recusa da 2ª Vara da Família do Rio de Janeiro em remeter o

processo à Justiça Federal, o Juízo Federal suscitou o Conflito de Competência.62

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 109, incisos I e III, dispõe

que:

Artigo 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

61

CC 100345/RJ, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 18/03/2009, pág.6 relatório e voto. 62

Ibidem, pág. 6.

61

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública

federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou

oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas

à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

... omissis...

III – as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado

estrangeiro ou organismo internacional.

Sendo assim, estando a União presente em ambas as demandas objeto do

conflito, em uma delas na condição de autora (art. 109, I, CF) e na outra como assistente

(art. 109, III, da CF), entendeu o Superior Tribunal de Justiça ser imprescindível à reunião

dos feitos perante a Justiça Federal, para se evitar decisões conflitantes63

. A União é que

possui competência exclusiva de manter relações com Estados estrangeiros e com eles

celebrar tratados e convenções, assim, tal como ocorre com as demais matérias ligadas ao

Direito Internacional, a competência pode ser reservada à justiça federal, a qual possui

natureza de justiça especializada.64

Concluindo, a Justiça Federal tem competência de processar e julgar a

questão relativa ao retorno do menor, Sean Goldman, que terá conseqüências imediatas

sobre o cumprimento da decisão relativa à guarda. Porém, a questão relativa à guarda não

poderá ser apreciada e decidida pela Justiça Federal, nos termos do Art. 109-CF, por

implicar questão objeto de convenção internacional.

63

Ibidem, pág. 9-10 relatório e voto. 64

CARVALHO, Vladimir Souza. Competência da Justiça Federal. Ed. 6ª, Curitiba: Juruá, 2005, pág. 429.

62

3.4 Desenvolvimento do caso após a sentença

3.4.1 Análise da decisão no âmbito do TRF da 2ª Região

A decisão do TRF da 2ª Região, não foi disponibilizada em seu site,

assim dificultando bastante o acesso à íntegra da decisão. Com isso, portanto, tive que

recorrer a outros meios, no caso como a história de Sean foi bastante divulgada obtive

respostas e atualizações da pesquisa através de jornais, sites e revistas. Dessa forma, esta

parte do trabalho, sobre o caso estudado, ficou desprovida de materiais concretos para um

entendimento maior dos leitores.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro determinou

que o menino Sean fosse levado aos Estados Unidos para viver na companhia de seu pai

biológico, David Goldman. A decisão tomada no dia 16/12/2009 foi unânime e previu que

o menor fosse entregue ao consulado norte americano no prazo de 48 horas.65

Porém, no dia 17/12/2009 o ministro do STF, Min. Marco Aurélio Mello

concedeu uma liminar à avó materna de Sean, garantindo a permanência do menino no

Brasil até que o plenário da Corte julgasse o mérito do pedido, feito por ela, para que o

menor fosse ouvido sobre o país onde queria morar.66

No despacho o ministro não se

manifestou sobre a questão, apenas considerou prudente a permanência do menor no Brasil.

65

Agência Brasil. Justiça determina que Sean Goldman seja levado para EUA. Disponível em:

http://www.abril.com.br/noticias/brasil/justica-determina-sean-goldman-seja-levado-eua-520587.shtml.

Acesso em: 16/12/2009. 66

Correio Braziliense. STF mantém Sean com avó e padrasto. Disponível em:

http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2009/12/18/brasil,i=161806/STF+MANTEM+SEAN+C

OM+AVO+E+PADRASTO.shtml. Acesso em: 18/12/2009.

63

Outrora com essa medida concedida, ficou suspensa a decisão do Tribunal Regional

Federal da 2ª Região.

3.4.2 Analise do recurso dos Lins e Silva ao Min. Marco Aurélio

O habeas corpus n° 101.985 do STF, publicado em 17/12/2009, foi

impetrado com requerimento de liminar, por Silvana Bianchi Carneiro Ribeiro, avó

materna, em favor do menor.

No processo da Justiça Federal, n° 2009.51.01.018422-0, referente à

busca, apreensão e restituição do paciente, foi realizada perícia visando a estabelecer as

condições psicológicas do menor e os impactos decorrentes da eventual transferência de

domicílio para os EUA. Sendo, assim, as partes foram ouvidas e constatou-se que o menor

havia respondido que ―tanto fazia‖ permanecer no Brasil ou voltar para os EUA. No

entanto, a família materna insatisfeita com a resposta colhida pelas técnicas requereu a

oitiva do paciente, para sanar a dúvida quanto à ida ao país de origem. Porém, o Juiz

Federal rejeitou a pretensão, afirmando confiança no trabalho das técnicas nomeadas.

Contra o mencionado ato foi interposto agravo de instrumento, com

pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso. No TRF da 2ª Região, o Juiz não

colheu o pleito relacionado ao implemento de efeito suspensivo ao agravo.

Antes do julgamento final do recurso do TRF da 2ª Região, o Juiz

Federal, após a manifestação do Ministério Público Federal, ao proferir sentença favorável

ao pai biológico, determinou o retorno imediato do menor aos EUA. E contra este referido

64

ato foi formalizado habeas corpus no TRF da 2ª Região. Buscou-se a declaração de

nulidade da sentença, por não ter sido colhido o depoimento do menor, porém o pedido foi

liminarmente indeferido. A defesa interpôs agravo regimental, objetivando a seqüência do

processo e a decisão foi mantida.

Em seguida houve protocolação de recurso ordinário em habeas corpus

no STJ e formalização de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal. O Min. Gilmar

Mendes, no período de férias, negou seguimento à impetração, por entender inadequado o

habeas ao intento perseguido pela impetrante, que alegava ser efetivo o risco de remeter o

menor aos EUA, sem colher depoimento deste, em decorrência do julgamento da apelação

que seria realizado pelo TRF da 2ª Região. Pediu a impetrante também a concessão de

liminar, no sentido de afastar, até o julgamento final desta impetração, o cumprimento da

determinação judicial relacionada à entrega do menor. No mérito, pleiteia o

reconhecimento da ilicitude do citado ato, levando em conta o fato de não ter sido colhido o

depoimento da criança.

O quadro do caso motivou o ajuizamento e o deferimento da liminar de

Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 172, pelo Min. Marco Aurélio

Mello. Este descumprimento de preceito fundamental deferiu o não comparecimento do

menor ao Consulado Americano do Rio de Janeiro para retornar aos EUA. Com isso, foi

discorrido sobre o quadro, apontando-se haver prevalecido o interesse político, nas relações

internacionais, em vez das garantias constitucionais. Com isso, em plano secundário vieram

a ficar, segundo as razões expedidas, a independência nacional e a prevalência dos direitos

65

humanos, mitigando-se o interesse do próprio menor. Assim, sob o ângulo da liminar foi

decidida a permanência do menor no Brasil, no seio de sua família materna.

Ao submeter à decisão ao Plenário, o Min. Marco Aurélio pronunciou

pela inadequação da medida, sendo acompanhado pelos integrantes da Corte. Porém, a essa

altura já havia providência do TRF da 2ª Região mantendo o menor no Brasil até o

julgamento do recurso cabível contra a sentença, a apelação, o qual conforme consta o

desprovimento. Na oportunidade ficou afastado o período de transição previsto em sentença

e determinada a entrega da criança ao pai biológico.

Após todos esses dados, o ministro relator deste habeas corpus frisou

novamente a problemática que envolve o menor, acrescentando a idéia deste não ter sido

ouvido em momento algum. Além de destacar que esta em jogo uma vida em plena

formação, com direitos de ir e vir, direito de opinião e expressão bem como a dignidade

humana, assegurados pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do adolescente. Ele

afirma ainda, que diante do quadro retratado não se verificou o seqüestro internacional de

crianças.

Com todas as evidências anteriormente descritas, o habeas corpus n°

101.985 foi deferido, pelo Min. Marco Aurélio, em favor da impetrante, mantendo-se o

menor no Brasil. Afastando, assim, a eficácia do acórdão proferido pelo TRF da 2ª Região,

66

do qual resultava a ordem peremptória de entrega do paciente ao Consulado americano na

cidade do Rio de Janeiro em 48 horas.67

3.4.3 Decisão do Ministro Gilmar Mendes

No dia 22/12/2009 o presidente do STF, Gilmar Mendes, determinou que

Sean fosse devolvido ao pai biológico. Ele cassou a liminar que havia sido concedida pelo

Min. Marco Aurélio Mello (17/12/2009), determinando a permanência do menino no

Brasil. A decisão foi tomada na análise de dois mandados de segurança protocolados no

STF, MS 28.524 e MS 28.525, por David Goldman e pela Advocacia Geral da União,

contra decisão do ministro Marco Aurélio Mello.68

MS 28.524

Trata-se de mandado de segurança com pedido de liminar, impetrado pela

União contra ato do relator no HC n° 101.985/RJ, Min. Marco Aurélio, em trâmite no STF,

que liminarmente determinou a suspensão da ―eficácia do acórdão proferido pelo TRF da 2ª

Região na Apelação Cível n° 2008.51.01.018422-0, do qual resulta a ordem peremptória de

entrega do paciente ao Consulado americano do Rio de Janeiro em 48 horas‖.

A impetrante destacou que, na decisão ora impugnada, proferida em sede

de habeas corpus, deferiu-se medida liminar para impedir a entrega do paciente ao

67

STF:http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=19&dataPublicacaoDj=02/0

2/2010&incidente=3812987&codCapitulo=6&numMateria=2&codMateria=2. Acesso em: 08/03/2010. 68

Correio Braziliense. Gilmar Mendes cassa liminar e determina que Sean Goldman seja entregue ao

pai. Disponível em:

http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2009/12/22/brasil,i=162553/GILMAR+MENDES+CAS

SA+LIMINAR+E+DETERMINA+QUE+SEAN+GOLDMAN+SEJA+ENTREGUE+AO+PAI.shtml. Acesso

em: 22/02/2010.

67

Consulado americano na cidade do Rio de Janeiro. Dessa forma, houve a suspensão do

acórdão de apelação prolatado pelo TRF da 2ª Região, nos autos da Ação Ordinária de

Busca e Apreensão e Restituição n° 2009.51.01.018422-0, ajuizada pela União em desfavor

do padrasto do referido paciente.

A impetrante asseverou que a manutenção da decisão impugnada poderia

implicar o descumprimento da Convenção sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional

de Crianças pelo Estado brasileiro e a imposição de sanções no âmbito internacional.

Alegou, ainda, que as instâncias ordinárias, por meio de sentença e acórdão em sede

apelação, determinaram, após ampla cognição de fato e de direito de todos os elementos do

caso, a restituição do paciente ao seu pai biológico e a impossibilidade de o referido hábeas

corpus ser manejado como sucedâneo recursal. Afirmou que as premissas adotadas na

fundamentação da decisão impugnada destoariam dos elementos de fato e de direito fixados

no acórdão suspenso, por não incidir nenhuma das exceções previstas pela Convenção de

Haia para se deixar de repatriar o paciente aos EUA, inclusive quanto à questão de ter sido

o paciente ouvido durante os trabalhos periciais.

No tocante ao periculium in mora, a impetrante apontou que o eventual

descumprimento da Convenção poderia prejudicar diversos outros cidadãos brasileiros, na

medida em que os demais países poderiam negar cumprimento aos pedidos brasileiros de

assistência jurídica internacional no âmbito do referido Tratado, por violação ao princípio

da reciprocidade.

Com isso, passou, o relator, a decidir preliminarmente, ao cabimento do

presente mandado de segurança, pelo fato, desta Corte em hipóteses excepcionais, já ter

68

admitido a impetração de mandado de segurança contra atos jurisdicionais irrecorríveis e

exarados monocraticamente por Ministros do STF.

Após vislumbrar a presença dos requisitos para deferimento do pedido,

constatou-se dos autos a inadequação da via do habeas corpus para revolvimento de

matéria de fato já decidida por sentença e acórdão de mérito e para servir como sucedâneo

recursal. Salientou também, o relator, que o fato novo referente ao acórdão em apelação do

TRF da 2ª Região, de 16/12/2009, reforçou o entendimento de inadequação do habeas

corpus impugnado, e não o contrário, na medida em que concluiu em sentido oposto a todas

as alegações da decisão impugnada.

Em síntese, apontaram-se os fundamentos que autorizaram o deferimento

desta liminar: (1) peculiaridade de o caso já ter sido debatido, de forma explícita, pelo

Plenário desta Corte (na ADPF n° 172/RJ); (2) impetração que decidiu situação idêntica à

contida no HC n° 99.945/RJ, em que se negou seguimento ao habeas corpus por ser este

incabível para rever fatos e provas e para servir como meio de reforma de decisão de

mérito; (3) ausência de demonstração de ilegalidade ou de abuso de poder exigíveis para a

concessão da medida liminar deferida no habeas corpus; (4) inadequação da vai estreita do

habeas corpus para revolvimento de fatos e provas; (5) inadequação da via eleita como

sucedâneo recursal; (6) existência de sentença e acórdão, que definem no mérito,

determinação de entrega imediata do menor Sean ao pai biológico.

Primeiramente, há explicitas manifestações do Plenário desta Corte,

sobretudo na medida liminar deferida pelo Min. Marco Aurélio, na ADPF n° 172/RJ de

02/06/2009, com base em um poder geral de cautela, a fim de suspender a tutela antecipada

69

deferida na sentença do processo de busca, apreensão e restituição do menor Sean

Goldman. Assim, deferiu a medida liminar que suspendeu a sentença de mérito,

entendendo, em síntese, inexistir certeza jurídica suficiente ao deferimento da tutela

antecipada. Contudo, ao encaminhar a questão para o Plenário do STF, o Ministro relator

da ADPF reviu sua analise, ressaltando que apenas concedera a liminar para acautelar a

situação e reconheceu o não cabimento da mencionada ação para o caso. Foi neste

momento que o colegiado do STF, tomou amplo conhecimento do caso ora debatido, ainda

que sob os limites da discussão de cabimento da referida ADPF.

Se, naquele momento, esta Corte se deparava com a discussão do

cabimento da ADPF em relação à impugnação de sentença, o que se dizer, em que há

acórdão prolatado pelo TRF da 2ª Região, o qual revisava, em ampla cognição, todos os

elementos de fato e de direito e assentava a correção da sentença em seus fundamentos, a

exigir, inclusive, a não postergação do cumprimento das conseqüências previstas no

mencionado tratado (de repatriação da criança). É importante considerar, inclusive, que o

acórdão do TRF da 2ª Região assentou a configuração de retenção ilícita do menor Sean,

nos termos do tratado internacional. Assim, não havendo possibilidade de se negar a

ilicitude da conduta de manutenção da criança no Estado brasileiro.

Diante disto tornou-se evidente, mais uma vez a ilegalidade da medida

liminar ora impugnada, bastando confrontar os fundamentos para a concessão da medida

proferida, à época, pelo Min. Marco Aurélio no âmbito da ADPF n° 172/RJ, com os

argumentos expedidos na concessão do HC n° 101.985/RJ, também de sua relatoria. O que

se evidenciava nas manifestações trazidas pelo referido ministro, apontadas tanto na ADPF

70

quanto no HC n° 101.985/RJ foi o fato da criança em momento algum ter sido ouvida

diretamente.

De fato, em 16/12/2009, sobreveio o acórdão do TRF da 2ª Região, em

que se julgava parcialmente procedente a apelação do padrasto, João Paulo Lins, para

reformar apenas a tutela antecipada antes deferida. No entanto, manteve-se a sentença de

mérito em todos os seus termos, à exceção da forma como seria concedida a tutela

antecipada. Assim, as instâncias ordinárias definiram o mérito determinando a ocorrência

de retenção ilícita do menor e de descumprimento do tratado internacional, bem como

assegurando a validade do laudo pericial e a desnecessidade de oitiva do menor.

Dessa forma, ocorreram duas grandes mudanças em relação ao decidido

em sentença. Primeiro, revogou-se o regime de transitação (em face de acordo de visitação

entre os parentes brasileiros e americanos fixado no STJ - CC n° 100.345/RJ). E em

segundo, modificaram-se os demais efeitos da antecipação de tutela concedida na sentença,

para, em síntese, ―fixar ao apelante o prazo de 48 horas para apresentação voluntária do

referido menor ao Consulado Americano na cidade do Rio de Janeiro‖. Notou-se, portanto,

com isso a ausência de demonstração de qualquer ilegalidade ou abuso de poder no ato

atacado, que contrariava duas decisões de mérito no processo principal (sentença e acórdão

do TRF da 2ª Região). Pelo contrário, constatava-se mera reiteração dos fundamentos

rejeitados pelo plenário nos fundamentos da ADPF n° 172/RJ, dando amparo a expedientes

processuais inadequados para retardar o regular processamento da ação de busca, apreensão

e restituição do menor.

71

Na verdade, há decisão de mérito de todas as instâncias ordinárias, que

definiram de forma uniforme o deslinde da controvérsia, ainda que contrário aos interesses

da impetrante do HC n° 101.985/RJ. Não se tornou possível o manejo do referido habeas

corpus, pois há meios eficazes de se obter o efeito suspensivo do acórdão pela vias

recursais ordinárias e extraordinárias. Ademais, caso não haja possibilidade de concessão

de efeito suspensivo, a determinação que se infere do ordenamento jurídico brasileiro é o

imediato cumprimento das decisões.

Diante de todo o exposto, resultou: a) que já houve sentença e acórdão e

mérito nos autos da ação de busca, apreensão e restituição do menor e que a jurisprudência

desta Corte já assentou, na ADPF n° 172/RJ e no HC n° 99.945/RJ, competir às instancias

ordinárias a resolução do caso; b) que o ato atacado em sede de habeas corpus não

demonstra qualquer ilegalidade ou abuso de poder; c) que a única alteração do quadro

fático, desde o julgamento da ADPF n° 172/RJ e do HC n° 99.945/RJ, foi a prolação do

acórdão em favor da União, mantendo-se o mérito decidido pela sentença; d) que o acórdão

do TRF da 2ª Região assentou que, nos termos do julgamento do CC n° 100.345/RJ (STJ),

assegurando-se um acordo de visitação entre os parentes brasileiros e americanos, para

garantia da continuidade das relações familiares.

Conclui-se, assim, pela inadequação da via do habeas corpus para

revolvimento de matéria de fato já decidida por sentença e acórdão de mérito e para servir

como sucedâneo recursal.

Demonstradas as peculiaridades do caso, que evidenciaram o seu caráter

excepcional, apto a ensejar o cabimento da presente medida como único meio idôneo de

72

reversão da decisão impugnada no presente momento, bem como constatada a ausência de

comprovação inequívoca dos requisitos autorizadores do deferimento de medida liminar em

habeas corpus, faz-se mister o deferimento da presente medida liminar, pois presentes os

requisitos de periculum in mora e de fumus boni iuris.

Ante o exposto, foi deferido, pelo Ministro Gilmar Mendes, o pedido

liminar para sustar os efeitos da decisão liminar proferida pelo Ministro relator do HC n°

101.985/RJ, do STF, restaurando-se os efeitos da decisão proferida pelo TRF da 2ª Região

na Apelação Cível n° 2008.51.01.018422-0.

MS 28.525

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por

David George Goldman contra o ato do Ministro relator do HC n° 101.985/RJ, Min. Marco

Aurélio, em trâmite no STF, que liminarmente determinou a suspensão da ―eficácia do

acórdão proferido pelo TRF da 2ª Região na Apelação Cível n° 2008.51.01.018422-0, do

qual resulta a ordem peremptória de entrega do paciente ao Consulado americano do Rio de

Janeiro em 48 horas‖.

O impetrante sustentava o cabimento do presente processo, por entender

não existir recurso cabível ou possibilidade de correição do ato impugnado. Aduziu que o

seu interesse jurídico residiu no fato de ser o pai biológico do menor. O impetrante alegava

ainda, que o Min. Marco Aurélio não estava prevento para o conhecimento do HC n°

101.985/RJ nem do HC n° 99.945/RJ, entre os quais haveria, ainda, litispendência.

Sustentava que a prolação de acórdão pelo TRF da 2ª Região, em grau de apelação,

73

substituiu a sentença impugnada no HC n° 101.985/RJ, que teria, por isso, perdido o objeto.

Aduziu que a via eleita (habeas corpus) não é sucedâneo recursal e que não comportava

dilação probatória. Por fim, argumentava que não foi juntado aos autos do HC n°

101.985/RJ, o laudo pericial produzido pela Justiça Federal na ação de origem.

No mérito, o impetrante sustentava que não se encontrava destituído do

poder familiar e que o menor foi ouvido por peritos judiciais. Ao final, requereu vista dos

autos do HC n° 101.985/RJ, para a extração de cópias. Quanto à liminar, alegava que o

periculum in mora residia na necessidade imediata de reunião de pai e filho, tendo em vista

a ocorrência de um processo de alienação parental do menor. O fumus boni iuris residiria

no fato de o impetrante, único genitor vivo do menor, não estar privado do poder familiar.

Diante dos fatos expostos foi deferida, também pelo Ministro Gilmar

Mendes, a liminar do presente mandado de segurança com os mesmos fundamentos no

decisum do MS 28.524. O manifesto final acrescentado pelo Ministro relator foi referente

ao pedido do impetrante de vistas dos autos do HC n° 101.985/RJ, constatando-se a

inexistência do periculum in mora, em razão do deferimento da presente liminar.

74

CONCLUSÃO

Diante de toda a exposição deste trabalho, podemos concluir, que o caso

de Sean Goldman configura sim, em Seqüestro Internacional de Crianças, pois após todos

os fatos expostos podemos perceber que o menor foi retirado de sua residência habitual,

com consentimento de seu pai, porém com data para voltar para casa. No entanto, sua mãe

não teria cumprido com o trato, o que formalizou a retirada ilícita da criança de seu

aconchego familiar. Sendo afastado, portanto, da oportunidade e do Direito de convivência

com seu pai biológico, seu único genitor vivo.

A idéia do caso ter sido caracterizado como seqüestro internacional de

crianças acarretou muito desconforto inicial, pois muitas pessoas que desconheciam esse

fato ligavam esse ―crime‖ à área penal, o que não é o caso, assim associando o caso Sean a

um crime de maus costumes. E isto foi mais um dos impasses que gerou essa repercussão

tão grande do caso.

Este conflituoso ocorrido acarretou sérios problemas às famílias, tanto

materna quanto paterna, pois foi esta fuga de Bruna Bianchi, mãe de Sean, que deu inicio

ao caso do menino Sean Goldman. Após o crime cometido pela mãe do menor, o padrasto

da criança preocupado em perder o vínculo, o laço afetivo com esse garoto, resolveu entrar

com pedido de guarda alegando paternidade sócio-afetiva, afinal ele entendia que o menino

possuía maior afetividade com ele do que com o pai biológico, o qual não via a alguns

anos. Porém, o pai também desejando o mesmo, logo impetrou ação requerendo a guarda

definitiva do menor, pois ele como único genitor vivo desta criança definitivamente teria

75

esse direito. O acaso transformou a vida dos envolvidos em uma triste disputa, pois aquela

criança indefesa seria ―afastada‖ de certa forma de algum dos lados. De um lado existe o

amor, o carinho, o afeto construído pela convivência, do padrasto e dos avós maternos com

Sean, do outro existe o amor, o carinho e a verdadeira identidade biológica, do pai

biológico com Sean.

No entanto, não podemos deixar de ressaltar cada um destes lados, pois

esta também foi uma das causas deste conturbado caso. Entende-se que o padrasto e os avós

após esses anos com Sean no Brasil, o educaram, lhe deram muito amor, liberdade e

principalmente o ensinaram a viver, porém o ponto foco aqui gira em torno da situação do

pai biológico, aquele que foi privado, impedido de dar tudo isso a seu filho, pois, afinal,

quem garante que ele não lhe daria isso e um pouco mais. David Goldman, o pai biológico,

se pareceu sempre disposto a criar, a amar e educar seu filho, entretanto, com a situação a

que foi exposto e com os julgados dos processos anteriores até se chegar à decisão final,

fizeram com que David e Sean fossem afastados um do outro, assim dificultando ainda

mais esse processo de aproximação que lhe é imposto, que é de seu Direito.

O caso passou por conflitos de competência perante a justiça, não sabiam

se a Justiça Estadual era competente para avaliar e julgar o caso ou se era a Justiça Federal.

Este incidente de competência surgiu com o pedido de guarda feito pelo padrasto na Justiça

Estadual do Rio de Janeiro, que alegava paternidade sócio-afetiva, e com pedido simultâneo

do pai biológico que pedia a guarda definitiva do menor, na Justiça Federal. Mas a questão

é que também corria o processo de busca, apreensão e restituição do menor, na Justiça

Federal, e este teria que ser primeiramente cumprido, ou seja, Sean teria que voltar para seu

76

país de origem, os EUA, para que não ocorresse antes disso, uma decisão ―fraudulenta‖ de

custódia para pessoa não detentora de sua guarda, como ocorreu do padrasto de Sean ter

conseguido sua guarda, antes de ser analisado e julgado o mérito da principal ação

relacionada ao caso, a de busca, apreensão e restituição do menor, que foi embasada na

Convenção sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças - Convenção de

Haia, onde o Brasil é signatário, e tem conseqüentemente que cumprir e arcar com os

efeitos do tratado, visando o princípio da reciprocidade entre os Estado contratantes.

Hoje a situação do menino Sean, após tantos processos com tantas

decisões divergentes, por hora, se encontra estabilizada, hoje ele voltou ao seu país de

origem, os Estados Unidos da América e reside com seu pai biológico. Agora depois de

tanta luta, de tanto transtorno esse pai poderá recuperar o tempo perdido, o tempo a que foi

afastado, retirado, para criar, formar e ajudar a desenvolver o ser humano que ele gerou.

77

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