SEQUENZA XI DE LUCIANO BERIO Reflexões sobre uma prática gestual

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    UNIVERSIDADE DE AVEIRO Departamento de Comunicao e Arte

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    BELQUIOR SEQUENZAXI DE LUCIANO BERIOGUERRERO SANTOS MARQUES Reflexes sobre uma prtica gestual

    2014

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    UNIVERSIDADE DE AVEIRO Departamento de Comunicao e Arte

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    BELQUIOR SEQUENZAXI DE LUCIANO BERIOGUERRERO SANTOS MARQUES Reflexes sobre uma prtica gestual

    Dissertao apresentada Universidade deAveiro para cumprimento dos requisitosnecessrios obteno do grau de Mestreem Msica, realizada sobre a orientaocientfica da Doutora Helena Paula MarinhoSilva de Carvalho, Professora auxiliar doDepartamento de Comunicao e Arte daUniversidade de Aveiro e coorientaocientfica do Doutor Pedro Joo AgostinhoFigueiredo Rodrigues, Professor auxiliarconvidado do Departamento de Comunicaoe Artes da Universidade de Aveiro.

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    Aos meus pais e aos meus mestres.

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    o jri

    presidenteDoutor Jos Paulo Torres Vaz de CarvalhoProfessor associado do Departamento de Comunicao e Artes da Universidade de Aveiro

    Doutor Ricardo Ivn Barcel AbeijnProfessor auxiliar convidado do Departamento de Msica da Universidade do Minho

    Doutora Helena Paula Marinho Silva de CarvalhoProfessora auxiliar do Departamento de Comunicao e Artes da Universidade de Aveiro

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente minha orientadora,Prof. Dra. Helena Marinho por todo apoio,fundamental, na realizao deste trabalho.

    Agradeo ao meu co-orientador, Prof. Dr.Pedro Rodrigues, no somente pela ajudaessencial no preparo do repertrio relacionadoa este trabalho, mas pela pacincia, peloexemplo e sobretudo pelo enorme

    compromisso dedicado a minha formao.

    Agradeo aos Professores Doutores doDepartamento Comunicao e Artes daUniversidade de Aveiro, Paulo Vaz deCarvalho, Helena Santana e Rosrio Pestana,cujo contato foi determinante nodesenvolvimento de minha pesquisa.

    Agradeo imensamente aos compositoresRael Gimenes e Edson Zampronha pelosuporte na realizao desta dissertao.

    Devo agradecer com especial nfase aosmeus amigos-colegas, cujo apoio foi essencialna realizao deste trabalho, Caio Pierangeli,Caoqui Sanches, Cristiano Amrico, FernandoCury, Glauco Marini, Heder Dias, MariBastos, Maurcio Gomes, Maurcio Perez,Miguel De Laquila, Paulo Ramos, RobertoRezende, Vincius de Lucena, Wallace Gomese Yuri Marchese.

    Sou imensamente grato aos meus pais, PauloMarques e Maria Sueli Marques, meu av,Fernando Marques, meus tios e tias, RobertoGuerrero, Zulmira Lacava, Miriam Falkenberg,Snia dos Santos, meus primos Bruno eLeandro Lacava, e demais familiares, porsempre me apoiarem. Por fim, agradeo minha namorada, Gabriela Guerreiro, pelosuporte em vrias instncias durante arealizao deste trabalho.

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    Palavras chaveGesto musical, performance musical, violo erudito,interpretao musica

    ResumoEste trabalho consiste numa pesquisa acerca daspossibilidades de aes gestuais que podem serdesenvolvidas na performance da pea Sequenza XI

    de Luciano Berio. Num primeiro momento, exponhocomo acredito que o gesto musical se tornou focodas pesquisas na rea da performance nos ltimosanos, e, em seguida, mostro como a atual produoacadmica aborda este fenmeno na rea daperformance musical. Com a finalidade de orientar asaes corpreas a serem desenvolvidas naperformance, realizei uma anlise da pea quepermitiu definir quais eventos sonoros seriamsubmetidos explorao gestual. A etapa seguinteconsistiu em sees de estudo prtico que foramregistradas atravs de dirios de estudo e gravaes

    audiovisuais. Tais processos de investigaopermitiram uma discusso sobre a prtica gestual naperformance, sendo meu principal objetivo, com estetrabalho, compreender formas de abordar umapartitura onde as qualidades epistmicas eexpressivas, atribudas ao gesto pela recenteproduo acadmica, possam ser exploradas naperformance musical.

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    KeywordsMusical gesture, musical performance, Classicalguitar, musical interpretation

    AbstractThis research explores the possibilities of gesturalactions in the performance of Sequenza XI,composed by Luciano Berio. Firstly, I discuss how

    musical gesture has become an important focus ofresearch in performance in recent years, and later Ipresent current academic research on this topic in thearea of musical performance. In order to develop thebodily actions involved in the performance, Iconducted an analysis of the work which allowed meto define the sound events that would be submitted togestural exploration. The next step involved asequence of practical study sessions, recorded in areflective journal and audiovisual recordings. Theseresearch processes were the basis for a discussionabout gestural practice in performance, aiming to

    understand manners of approaching a score in whichthe epistemic and expressive qualities attributed tothe gesture by recent academic research may beexploited in musical performance.

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    NDICE

    INTRODUO.....................................................................................................................1

    CAPTULO 1........................................................................................................................7

    1. Reviso da literatura.......................................................................................................9

    1.1. Gesto musical.......................................................................................................9

    1.2. Gesto no pensamento musical...........................................................................10

    1.3. Gesto na pesquisa em performance..................................................................11

    1.4. Gesto e Berio.....................................................................................................18

    CAPTULO 2......................................................................................................................21

    2. Mtodos e procedimentos..............................................................................................23

    2.1. Pesquisa bibliogrfica........................................................................................23

    2.2. Anlise................................................................................................................23

    2.3. Autoetnografia....................................................................................................24

    2.4. Dirio reflexivo....................................................................................................24

    2.5. Gravaes audiovisuais.....................................................................................25

    2.6. Escuta e anlise de outras obras do compositor Luciano Berio..........................26

    2.7. Estudo da obra Preparao para a performance............................................26

    2.8. Tratamento de dados.........................................................................................27

    CAPTULO 3......................................................................................................................29

    3. Descrio dos resultados...............................................................................................31

    3.1 Anlise gestual....................................................................................................31

    3.1.1. Classificao gestual 1 Identificao dos eventos sonoros................32

    3.1.2. Classificao gestual 2 Identificao dos gestuais em grupos...........40

    3.1.3. Anlise descritiva das interaes gestuais na pea Sequenza XI..........44

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    CAPTULO 4......................................................................................................................47

    4. Aplicao prtica............................................................................................................49

    4.1. Estudo programado Trechos escolhidos.........................................................49

    4.2. Estudo programado Execuo........................................................................52

    5. Dados Coletados............................................................................................................55

    5.1. Dirio reflexivo....................................................................................................55

    CONCLUSES..................................................................................................................61

    BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................65

    ANEXO: Anlise Gestual....................................................................................................73

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    NDICE DE FIGURAS

    Fig. 1: Exemplo de gesto classificado como A...................................................................33

    Fig. 2: Exemplo de gesto classificado como B...................................................................34

    Fig. 3: Exemplo de gesto classificado como C..................................................................34

    Fig. 4: Exemplo de gesto classificado como D..................................................................35

    Fig. 5: Exemplo de gesto classificado como E...................................................................36

    Fig. 6: Exemplo de gesto classificado como F...................................................................36

    Fig. 7: Exemplo de gesto classificado como G..................................................................37

    Fig. 8: Exemplo de gesto classificado como H..................................................................37

    Fig. 9: Exemplo de gesto classificado como I....................................................................38

    Fig. 10: Exemplo de gesto classificado como J.................................................................38

    Fig. 11: Exemplo de gesto classificado como K.................................................................39

    Fig. 12: Exemplo de gesto classificado como K como funo de pedal............................39

    Fig. 13: Exemplo de gesto que porta caractersticas das classes 3 e 5............................43

    Fig. 14: Exemplo de gesto(s) no submetidos a classificao..........................................44

    Fig. 15: Trecho de estudo n 1 Justaposio de gestos de classe 1 e 4........................49

    Fig. 16: Trecho de estudo n 2 Presena de todos os gestos classificados...................49

    Fig. 17: Trecho de estudo n 3 Justaposio de gestos de classe 1 e 3........................50

    Fig. 18: Trecho de estudo n 4 Justaposio de gestos de classe 2 e 3........................50

    Fig. 19: Trecho de estudo n 5 Justaposio de gestos de classe 5, 3 e 4....................51

    Fig. 20: Trecho de estudo n 6 Justaposio de gestos de classe 3 e 4........................51

    Fig. 21: Trecho de estudo n 7 Justaposio de gestos de classe 1 e 2........................51

    Fig. 22: Trecho de estudo n 8 Justaposio de gestos de classe 2 e 4........................52

    Fig. 23: Imagem extrada de gravao audiovisual...........................................................55

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    INTRODUO

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    Meu interesse sobre o gesto na performance musical surgiu quando estava

    concluindo o curso de bacharelado em msica pela Universidade Estadual de Maring.

    Naquela altura, meu interesse era o de, atravs da investigao de conceitos da retrica

    clssica, encontrados em filsofos como Ccero, Quintiliano e principalmente Aristteles,

    compreender como as aes corpreas eram concebidas de forma a que o orador

    pudesse usufruir destas atitudes, reforando um modelo de discurso que tinha como

    finalidade a persuaso do ouvinte. Tal pesquisa foi desenvolvida buscando reconhecer

    como tais aes gestuais passam a ser inseridas na prtica musical e como um

    performer poderia utilizar recursos gestuais que, de forma consciente, fossem

    desenvolvidos conjuntamente ao texto musical.

    Desta forma, acabei por ter contato com uma vasta produo cientfica, que

    desconhecia na altura, sobre o gesto na performance musical. Ao aprofundar meus

    estudos em tal rea surgiu a necessidade de compreender determinados processos

    relacionados ao fenmeno gestual na performance. Com o desenvolvimento deste

    trabalho, em que foi possvel ampliar meu conhecimento sobre o tema, constatei que os

    pontos que eu acreditava carecerem de maior ateno ainda no haviam sido at o

    momento abordados pela produo acadmica. Sendo assim, alm do meu principal

    objeto com este trabalho, a explorao de atitudes gestuais no desenvolvimento daperformance da pea Sequenza XI (1988) do compositor Luciano Berio, acabei por

    buscar compreender como o interesse sobre o gesto na performance surge recentemente

    e como a necessidade de tal prtica pode ser justificada.

    Atualmente o gesto em msica abordado em vrios aspectos; neste trabalho foco

    como o fenmeno se manifesta na relao do corpo com a produo sonora, no entanto,

    como ser exposto, o gesto musical tem sua aplicabilidade explorada em diversas reas

    do fazer musical. Sendo assim, o gesto investigado no somente por pesquisadores na

    rea de performance musical, mas tambm por aqueles que abordam este fenmenotanto no processo de aprendizagem, onde o gesto pode contribuir com tal processo

    atravs de suas propriedade cinestsicas, quanto no processo de composio, onde

    Zampronha (2005) alega que o fenmeno pode ser concebido como um elemento

    coordenador da prtica composicional.

    Apesar das capacidades expressivas do gesto musical serem exploradas

    atualmente por vrios pesquisadores que se dedicam ao campo da performance musical

    fator que tem contribudo muito para uma melhor compreenso do fenmeno nesta

    rea destaco aqui duas causas que me induzem a realizar o presente trabalho:

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    1) A maior parte dos trabalhos que se dedicam ao tema investigam como

    instrumentistas abordam o repertrio clssico/romntico gestualmente; penso que tal

    abordagem importante, contudo, o que pretendo realizar com este trabalho abordar

    um repertrio que concebido tendo o gesto assumidamente como parte do processo

    composicional. Tal postura assumida por Luciano Berio, e isto direcionou a escolha da

    pea SequenzaXI para a explorao das aes gestuais neste trabalho.

    2) Como ser exposto, a recente produo acadmica tem atribudo ao gesto na

    performance qualidades expressivas e cinestsicas; partindo de tal constatao diversas

    pesquisas tm investigado como instrumentistas realizam gestos numa determinada

    performance e como tais gestos causam impactos perceptuais em determinado pblico.

    Nesta pesquisa parto do mesmo pressuposto, contudo, ao invs de investigar como

    determinados instrumentistas realizam aes corpreas que podem ser portadoras de

    certa expressividade, pretendo, atravs da anlise, reflexo e aplicabilidade prtica,

    investigar como os movimentos corpreos podem ser desenvolvidos numa performance,

    visando coordenar de forma consciente a expressividade na execuo de determinada

    pea.

    Muitos fatores convergem para a efetivao de determinados movimentos

    corpreos na performance, tais como: nvel tcnico do instrumentista; dificuldade da peaabordada; tipo de instrumento; convenes na execuo de determinados clichs

    musicais; bases culturais do repertrio abordado e do prprio msico; dentre outras

    disposies. Contudo, este trabalho, que tm carter autoetnogrfico justamente para

    melhor identificar tais disposies, investiga como as exploraes corpreas podem ser

    desenvolvidas por um msico especfico, sobre uma pea especfica. Tal atitude talvez

    possa limitar a vasta gama de possibilidades que a ao corprea pode realizar visando a

    performance, contudo, tal abordagem se faz necessria sendo que o principal objetivo

    desta pesquisa a explorao e identificao de como possvel emergir de um textomusical aes corpreas que possam valorizar as qualidades atribudas ao gesto na

    performance musical atualmente.

    No intuito de conhecer melhor o estgio atual das pesquisas sobre o gesto na

    performance, busco em autores como Hatten (2004), Freitas (2005), ou Cox (2006), as

    definies e abordagens atuais sobre o tema. Neste trabalho, tambm aponto pesquisas

    que, desde a dcada de 1980, abordam o gesto musical na performance atravs de

    diferentes paradigmas investigativos, para, atravs de tal processo, relacionar a produo

    acadmica que investiga o gesto na performance musical ao destaque que o gesto

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    recebe na prtica composicional, como apontado por Zampronha (2005). Pelo fato de o

    presente trabalho tratar de um conceito especfico, o gesto na performance, aplicado

    execuo da pea Sequenza XIde Luciano Berio, foi necessrio pesquisar como o gesto

    musical concebido pelo compositor da obra aqui abordada, exposio que ser

    realizada no corpo do texto. Com a finalidade de definir meios para orientar a explorao

    gestual na pea abordada, foi realizada uma anlise gestual. Tal anlise permitiu delimitar

    quais eventos sonoros seriam submetidos ao estudo, visando evidenciar contrastes

    estruturais de tal eventos atravs da percepo do gestual realizado pelo performer.

    Nesse processo, foram realizadas gravaes audiovisuais e elaborado um dirio reflexivo

    que foram fundamentais para investigar o impacto perceptual das aes corpreas

    realizadas durante a explorao do gestual durante a prtica da Sequenza XI.

    Embora o gesto na performance seja um tema bastante dinmico em sua definio,

    talvez devido crescente produo acadmica acerca do tema, vrios autores como

    Assis e Amorim (2009), MacRitchie, Buck, e Bailey (2009), Cox (2010), atribuem ao

    fenmeno capacidade expressiva e epistmica. Minha inteno com o presente trabalho

    investigar e discutir como o performer, que tem o violo como instrumento, pode

    desenvolver em sua prtica atitudes gestuais que possam tornar possvel usufruir das

    qualidades atribudas a este fenmeno na performance musical.

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    CAPTULO 1

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    1. Reviso da literatura

    1.1 Gesto Musical

    Pretendo neste captulo expor alguns fatores que contriburam para o gesto se

    tornar foco de interesse na rea da investigao em performance musical no final do

    sculo XX. A primeira seo desta reviso bibliogrfica consiste numa exposio de como

    o gesto surge como uma alternativa para o processo criativo de alguns compositores na

    segunda metade do sculo XX, segundo o trabalho realizado por Zampronha (2005).

    Numa segunda seo exponho como esse fenmeno passa a ser abordado no contexto

    acadmico. A terceira e ltima seo consiste numa exposio de como o gesto musical

    concebido pelo compositor italiano Luciano Berio, o autor da pea abordada neste

    trabalho. Ao longo destas 3 sees, pretendo tambm demonstrar como o gesto musical

    abordado na recente produo acadmica.

    O conceito de gesto musical compreendido de forma plural, e, mesmo existindo

    algumas propostas de formalizao, como as encontradas nos trabalhos de Delalande

    (1988), Ramstein (1991) e Zagonel (1992), o assunto ainda no foi encerrado no que serefere sua definio. Nos ltimos trinta anos, a produo acadmica tem atribudo

    diferentes valores e at mesmo transformado a concepo do tema, sendo uma tarefa

    difcil estabelecer uma definio unificada do termo. Desde os primeiros trabalhos que

    abordam diretamente o tema na performance, crescente o interesse investigativo

    acerca do gesto. Tal afirmao pode ser constatada pelas publicaes de livros

    dedicados exclusivamente ao assunto como Hatten (2004), Gritten (2006) e Gody &

    Leman (2010), como tambm pelo nmero de pesquisas acerca do tema publicadas em

    revistas especializadas e anais de congresso, como, por exemplo, SIMCAM,PERFORMA, ANPPOM, dentre outras.

    Como alegado anteriormente, principalmente na rea da pesquisa em performance

    musical, difcil encontrar uma delimitao clara sobre o conceito de gesto. Mesmo que

    alguns autores adotem uma definio especfica do termo, no possvel estabelecer

    uma vertente principal na aplicao e na abordagem do assunto. Apontar para pioneiros

    na pesquisa em tal rea tambm uma tarefa que pode induzir a equvocos, dado que a

    ao gestual um fenmeno intrnseco prtica instrumental e, na medida em que um

    paradigma de investigao fenomenolgica se tornou comum no final do sc. XX, as

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    manifestaes corpreas realizadas na performance se tornaram um alvo mais explcito

    do pensamento cientfico.

    1.2. Gesto no pensamento musical

    Zagonel (1992), embasada na obra de Delalande (1988), afirma que o gesto

    musical pode ser concebido de vrias formas inerentes ao fenmeno sonoro. Deste

    modo, Zagonel (1992) apresenta cinco formas de manifestao do gesto na msica,

    nomeadamente: o gesto vocal, o gesto reproduzido computacionalmente, o gesto do

    regente, o gesto do compositor e, por fim, o gesto do instrumentista. Acredito que o gesto

    do compositor, ou melhor, o conceito de gesto como manifestao acstica elaborada no

    processo composicional, um fator importante para compreender como a relao com os

    fenmenos sonoros pode ter influenciado as pesquisas que surgem ao final do sc. XX

    na rea da performance musical. A seguir, pretendo expor os motivos que me induzem a

    acreditar em tal hiptese.

    De acordo com Zampronha (2005), em meados de 1950 diferentes tendncias

    composicionais tinham em comum no processo criativo a segmentao dos parmetrossonoros. Segundo o autor, particularmente aps 1980, foi reconhecido que tais

    parmetros no tinham tanta independncia: A maneira como eles so combinados afeta

    a maneira como eles so escutados1(Zampronha, 2005, pg. 3). Zampronha alega que,

    neste contexto, o gesto surge como alternativa composicional na abordagem dos eventos

    sonoros. Alguns compositores, como Brian Ferneyhough e Dennis Smalley, assumem tal

    postura composicional, ainda que com aplicaes distintas do conceito na msica

    instrumental e eletroacstica. Luciano Berio, autor da obra abordada nesta dissertao,

    um dos compositores que, neste contexto, adota o gesto como elemento que integra oprocesso composicional. Julgo a compreenso do conceito de gesto para Luciano Berio

    fundamental para o desenvolvimento deste trabalho, por isso, este ter maior foco ao

    final deste captulo, sendo tal ponto apresentado agora apenas com a finalidade de

    fornecer informaes que julgo necessrias para o desenvolvimento desta seo.

    Bonaf (2001), na sua descrio do ensaio Du geste et de Piazza Carit de

    Luciano Berio, estabelece uma relao muito prxima com Zampronha (2005) acerca do

    surgimento do gesto como alternativa que almeja uma no segmentao dos parmetros

    1 Todas as tradues de citaes foram efetuadas pelo autor desta dissertao.

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    sonoros do fenmeno musical no processo composicional. Bonaf (2001, pg. 4) afirma:

    Nesse ensaio, Berio constri a ideia de gesto como elemento central da expresso

    musical, conferindo a ele a capacidade de recuperao de sentido que teria, de certa

    maneira, sucumbido ao carter esotrico do serialismo integral.

    Portanto, pode-se entender que, tambm para o compositor italiano, o gesto no

    processo composicional foi uma alternativa para a necessidade da relao com os

    fenmenos sonoros de forma no dissociada, como j havia claramente sido alegado por

    Zampronha (2005). Acredito que, pela percepo de tal contexto no mbito

    composicional, pesquisadores passam tambm a investigar o fenmeno gestual no

    campo da performance. Como aleguei anteriormente, a diversidade das abordagens e

    das definies referentes a tal processo na performance torna difcil delimitar as

    propriedades do fenmeno, portanto, acredito no ser possvel estabelecer uma vertente

    conceitual que possa ser destacada como principal nas pesquisas atuais. Contudo, a

    seguir pretendo expor como a pesquisa na rea de performance se tem dedicado ao

    tema.

    1.3. O gesto na pesquisa em performance musical

    Embora a apresentao realizada acima aponte para um olhar acerca do gesto na

    performance apenas no final do sc. XX, a preocupao com tal fenmeno na prtica

    instrumental no recente. Segundo Wilson, Buelow, e Hoyt (2001), o compositor

    Franchinus Gaffurius (1451-1522) adaptou conceitos retricos de Quintiliano ao canto,

    escrevendo sobre como os cantores deveriam alcanar resultados musicais utilizando

    no somente gestos da boca, mas tambm da cabea e das mos. Para estes autores,

    surge tal interesse neste perodo devido publicao de escritos de filsofos clssicoscomo Ccero e Quintiliano. Desta maneira, ao serem estabelecidas associaes com

    tratados sobre retrica, surgem as primeiras indicaes conhecidas sobre o pensamento

    acerca do movimento corporal na performance, no reduzido a uma abordagem

    puramente mecnica ou tcnica. Vale salientar que pelo gestual ser um fenmeno

    intrnseco prtica instrumental, acredito no ser Gaffurius o primeiro a pensar sobre a

    relao corporal com o fenmeno musical, dado que na prpria aprendizagem de um

    instrumento necessrio perceber como o corpo se comporta e se relaciona com os

    eventos sonoros. Entretanto, acredito que o trabalho de Gaffurius merea aqui destaque

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    pelo fato de talvez ser o primeiro registro de uma descrio explcita sobre a gestualidade

    do msico interferindo no fenmeno acstico.

    Como vimos anteriormente, Zampronha (2005) alega que a segmentao dos

    parmetros sonoros era uma prtica comum no processo criativo de vrias tendncias

    composicionais na dcada de 50 do ltimo sculo, e que o gesto se tornaria mais tarde

    uma alternativa para fugir desta concepo dissociada dos eventos sonoros. Tal

    dissociao dos eventos sonoros, abordada pelo serialismo integral, apontada por Assis

    e Amorim (2009) como um fator responsvel para uma segmentao tambm na

    performance musical. A respeito do comportamento corporal do performer no repertrio

    composto a partir do sc. XX, Assis e Amorim alegam que a coordenao dos gestos

    passa a ser controlada diretamente pelo compositor na msica contempornea e no

    est mais condicionada a um conjunto de convenes pr estabelecidas (Assis &

    Amorim, 2009, pg. 1). Os autores alegam isto embasados na produo de Vasconcelos

    (2008) e Souza (2004), que afirmam que a serializao de diversos parmetros musicais

    no incio do sculo XX fez com que a atuao do intrprete fosse substituda pela msica

    eletrnica.

    Tambm acerca da possvel dissociao da prtica instrumental e do pensamento

    do gesto inerente a esta, Freitas (2005) afirma que o gesto na performance no temrecebido uma ateno correspondente sua importncia na prtica instrumental. O

    pesquisador acredita que isto ocorra pelo fato de o ensino de msica oferecido na maior

    parte dos conservatrios tender pelo desenvolvimento de independncias e habilidades

    motoras especficas na aprendizagem de um instrumento. Tal modelo de ensino e prtica,

    segundo o autor, uma concepo de performance enraizada no sc. XIX, quando o

    cenrio ps-revoluo industrial, aliado ao ideal romntico, direcionou o ensino da msica

    para a formao (produo) de virtuoses. Sendo assim, a fragmentao do saber est

    ainda presente na prtica musical devido supervalorizao de mecanismos tcnicos emdetrimento da compreenso do fenmeno da performance musical como uma unidade.

    Iazzetta (1997) aponta outro importante fator que tambm interfere numa forma de

    pensar o gestual de forma dissociada da prtica instrumental: segundo o autor, o

    crescimento da indstria fonogrfica no incio do sc. XX influenciou de forma efetiva a

    relao entre o pblico e a experincia da performance musical. O fato da presena fsica

    da gestualidade do performer no ser mais um fator crucial para a experincia musical

    causa um forte impacto na atividade artstica, revertendo at mesmo parmetros de

    apreciao musical.

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    Acredito que tais fatores acima relatados so de importncia na compreenso de

    como o gesto na performance musical se torna alvo de investigao desde meados da

    dcada de 1980. A seguir pretendo expor algumas abordagens sobre o tema que vm se

    desenvolvendo desde essa poca.

    Uma importante referncia para os trabalhos que abordam o gesto na performance

    musical a produo cientfica do pesquisador Franois Delalande, reconhecido

    principalmente pelo trabalho que desenvolveu analisando os gestos realizados pelo

    pianista Glenn Gould. Neste trabalho, Delalande (1995) identifica uma vasta gama de

    tipos gestuais e afirma que: o tipo gestual se relaciona fortemente com a execuo

    instrumental (piano/forte, legato/staccato), isto deixa uma marca no objeto sonoro

    (Delalande, 1995, pg. 4). Zagonel (1992), cujo trabalho se embasa na obra deste autor,

    expe os trs nveis como: gesto que efetua, o gesto que acompanha e o gesto figurado.

    Esta diviso almeja abordar os seguintes eventos atribudos ao gesto do instrumentista:

    1) o gesto que efetua responsvel pela realizao mecnica do som, ou seja, a ao do

    msico de extrair objetos sonoros de seu instrumento: este gesto tambm responsvel

    pelas qualidades contidas no som produzido, como dinmica, timbre, dentre outras; 2) o

    gesto que acompanha, segundo Zagonel (1992), consiste na participao do corpo na

    produo sonora; 3) por fim, o gesto figurado, tambm de acordo com Zagonel (1992), serefere a movimentos corporais desnecessrios performance que podem at se

    tornarem prejudiciais execuo musical. A autora tambm afirma que o instrumentista

    deve levar em conta no s o corpo na execuo musical, mas a relao deste com o

    instrumento, como podemos constatar no seguinte trecho:

    o instrumentista deseja transmitir ao pblico as emoes de sua msica.

    Deve estar em pleno acordo com seu instrumento, pois este , no

    somente seu meio de produo de sons, mas sobretudo, uma

    continuao de seu corpo, de seus braos. O instrumento deveintegrar-se imagem que o intrprete tem de seu corpo, no plano fsico

    e no da expresso (Zagonel, 1992, pg. 25).

    Thompson (2007) alega que a definio de gesto que acompanha pode no ser

    muito clara. Embora vrios trabalhos se tenham debruado sobre a proposta de

    formalizao de Delalande (1988), como Zagonel (1992), Cadoz e Wanderley (2000), e

    Gody e Leman (2010), acredito que, alm de certa falta de claridade nas delimitaes

    entre os diferentes tipos de nveis gestuais propostos por Delalande (1988), possvel

    encontrar outros problemas na classificao realizada pelo investigador. Penso que uma

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    classificao dos nveis gestuais inerentes performance deva, mesmo sendo uma tarefa

    difcil, no conceber o fenmeno de forma segmentada. Tal fenmeno tem sido abordado

    justamente por possibilitar a compreenso da performance de forma no dissociada,

    como ser reforado ao longo deste trabalho. Contudo, aprofundar tal questo foge ao

    escopo desta pesquisa, e os trabalhos de Delalande (1988) ainda exercem grande

    influncia nas investigaes atuais acerca do tema.

    Alm da discusso acerca da definio do termo, surge tambm na dcada de 1980

    pesquisas que associam o gesto musical a condies naturais do ser humano: nesse

    sentido, Hatten (2006) alega que o gesto musical biologicamente fundamentado. Tal

    afirmao recebe apoio de outros investigadores que buscaram e ainda buscam formas

    distintas de justific-la. Para Hatten (2006), a fundamentao biolgica do gesto gerada

    pela interao entre sistemas perceptuais e motores que efetivam o movimento no tempo

    atravs de aes portadoras de significado e fora expressiva. Contudo o autor, ao alegar

    tais questes, no desconsidera fatores culturais como agentes na experincia do

    fenmeno gestual. Sendo assim, o autor afirma que a relao dos gestos com o

    significado em msica gerada pela correlao de aspectos biolgicos e culturais. O

    autor tambm alega que gestos musicais transmitem movimento afetivo, emoo e

    intencionalidade. A convergncia destes fatores culturais e biolgicos na ao gestualtambm referida por Lidov (2006) e Cox (2006). Lidov (2006) alega que a compreenso

    dos gestos musicais se d pela referncia de vrias outras experincias somticas. O

    pesquisador afirma que, se conseguirmos diferenciar tais experincias, talvez possamos

    compreender melhor as questes a respeito de como as imagens musicais so geradas.

    Cox (2006), alegando que existe uma lacuna na compreenso dos gestos em msica,

    estuda o comportamento neuronal durante a relao dos observadores (plateia) com o

    objeto observado (msico), constatando que, na experincia musical, os gestos

    estimulam um tipo de participao imitativa no ouvinte. Deste modo, o investigadorassegura que o pensamento musical fundamentado na experincia corporal. Na mesma

    vertente que atribui ao gesto condies biologicamente fundamentadas, London

    (2006) tambm se baseia na neurocincia para investigar a experincia do fenmeno na

    msica, partindo da relao com atividades no musicais. Sendo assim, London (2006),

    analisando aes como correr e andar, constata que nossa percepo no dissocia a

    experincia do gesto na prtica musical de outras experincias cotidianas.

    Outra vertente, que pode ser identificada dentre os trabalhos de investigao acerca

    do gesto que surgem no final do sculo XX, visa compreender como os instrumentistas

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    desenvolvem atitudes gestuais na performance de determinada obra. Estas pesquisas,

    que na maior parte se dedicam abordagem de repertrio clssico e romntico, partem

    do princpio de que as aes corpreas do msico so geradas por associaes do

    movimento corporal com estruturas musicais, sendo tais associaes mantidas por

    convenes ou modelos na abordagem de dado repertrio. Neste sentido, MacRitchie,

    Buck e Bailey (2009) investigaram o relacionamento entre a direcionalidade do

    movimento fsico com estruturas musicais subjacentes. Para isso, os autores gravaram

    num sistema de captao de vdeo em 3D a performance de pianistas universitrios

    executando preldios de Frdric Chopin. Deste modo, pelo exame das performances de

    vrios msicos, os autores constataram similaridades e diferenas nos gestos realizados

    na performance e como estes se relacionam com as estruturas musicais. Como

    concluso, os autores alegam que existe uma relao intrnseca dos gestos fsicos

    realizados pelos pianistas com as frases musicais. Tal constatao vai de encontro com o

    trabalho de Assis e Amorim (2009), que afirmam uma relao dos gestos corporais do

    instrumentista com pr disposies culturais que tornam possvel que tais aes gestuais

    sejam geradas pela relao de elementos musicais como a melodia e a harmonia.

    A relao do gestual com estruturas musicais, como por exemplo a frase, tambm

    constatada por Teixeira (2010). Este autor, ao analisar o comportamento gestual declarinetistas submetidos a realizarem a performance de um trecho de Mozart sem e com

    metrnomo, ou seja, uma performance livre e outra condicionada temporalmente,

    constatou que, na performance sem o condicionamento temporal, os instrumentistas

    realizam menos gestos do que na execuo realizada com metrnomo, porm mais

    longos. Sendo assim, Teixeira (2010) concluiu que a ao gestual dos instrumentistas

    estabelecia relaes com as estruturas musicais nas execues livres, isto porque o

    performer tomava como referncia para a execuo pontos finais de frases, como

    concluses harmnicas ou relaes de antecedente e consequente nos trechosexecutados. Na performance com metrnomo a referncia se torna mais pontual, o que

    direciona no s a ateno do msico como a inteno gestual.

    possvel notar que o trabalho dos dois ltimos autores articula a discusso acerca

    das propriedades expressivas do gesto com os potenciais expressivos deste atravs de

    estudos de caso, sendo esta modalidade de investigao bastante recorrente em

    pesquisas atuais. Investigadores como King (2006), Chaib (2011), e Wanderley et al.

    (2005) tm, atravs deste tipo de abordagem, investigado o comportamento gestual de

    performances especficas, analisando a abordagem de diversos instrumentistas em

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    determinados trechos musicais, e conferido a relao do pblico com os gestos

    produzidos pelo performer. possvel encontrar nesta recente produo acadmica uma

    srie de fatores qualitativos atribudos prtica gestual que abrange desde as

    capacidades cinestsicas envolvidas na aprendizagem musical at ao reforo que tal

    atitude fornece expressividade na realizao da performance. Segundo Freitas (2005),

    a concretizao dos movimentos do corpo durante uma performance musical deveria

    surgir da explorao e pesquisa do gestual necessrio para realizar determinados

    eventos sonoros. Deste modo, como o objetivo final do instrumentista a msica, nesta

    ltima ele deve buscar a referncia na produo sonora, e no somente em parmetros

    estritamente tcnicos/mecnicos. Fundamentado em tais ideais, Freitas (2005) alega que

    a construo do gestual do instrumentista deve ocorrer em funo do material sonoro,

    no s como reforo visual externo deste, mas sim como parte fundamental do fenmeno

    musical, desenvolvendo assim uma inteligncia sensrio motora e uma percepo

    corporal necessrias para convergir fatores afetivos, emotivos, intelectuais e expressivos

    na performance musical. O pesquisador alega que o gesto instrumental, desenvolvido de

    forma desvencilhada da concepo musical de determinada obra, se torna um artifcio

    desnecessrio para execuo; deste modo Freitas (2005, pg. 63) afirma que: no a

    posio mais elegante ou o gesto teatral que vai gerar uma boa execuo, mas o gestoque a prpria msica suscita como o mais adequado para sua concretizao, dentro da

    unidade de uma concepo.

    Referente relao entre significado e msica, Maulon (2010) alega que um gesto

    um movimento (deslocamento espacial) ou ao (movimento com propsito) que

    carrega sentido em um contexto cultural e comunicacional. De acordo com a autora, o

    gesto implica na transmisso de um significado, um sentimento ou uma inteno

    (Maulon 2010, p. 98). possvel notar que vrias pesquisas se dedicam relao do

    gesto e significado, dado que o estudo do fenmeno visa o tratamento no dissociadodos elementos inerentes performance. Neste sentido, Thompson (2007) salienta que

    um ponto em comum encontrado na definio de vrios autores acerca do gesto musical

    que um gesto um movimento com significado. Referente ao processo de significao

    relacionado ao gesto, Leal (2011) aponta para o pensamento de Pavis (1999), autor que

    no concebe o gesto como processo de comunicao de um sentido anterior, mas como

    a produo do prprio sentido. Nesse sentido, acredito que Pavis prope uma forma de

    olhar o fenmeno gestual de maneira ontolgica, da mesma maneira que Merleau-Ponty

    trata a dicotomia de sujeito e objeto na fala. Penso que, neste ponto, outra abordagem

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    que busca no reduzir as propriedades comunicacionais do fenmeno gestual realizada

    na pesquisa de Bittencourt (2007). A autora, embasada em Sve (2002), defende que o

    gesto sonoro no apenas uma metfora, pois o corpo no se ausenta nunca da

    produo musical. A meu ver, essa afirmao alega que, se de certo modo no

    conferido ao gesto musical uma capacidade comunicacional estrita, como a de uma

    linguagem, a fruio dele implica em relaes epistmica e fisiolgicas que seriam

    responsveis por suas capacidades expressivas. Acredito que, mais uma vez, h o

    indcio da necessidade de abordar o fenmeno gestual, tanto composicionalmente quanto

    na performance, de forma no dissociada, pois este seria um elemento que surge pela

    necessidade de unificao de processos musicais, tanto na concepo de eventos

    sonoros durante o processo composicional, quanto na conscincia do corpo durante a

    performance.

    Como visto acima, alguns estudos indicam que possvel encontrar certas

    convenes gestuais compartilhadas de certa forma na performance e na compreenso

    de um determinado repertrio, este composto em sua maior parte nos sculos XVIII e

    XIX. Contudo, a ao corprea do instrumentista na performance de msica

    contempornea, principalmente aquela no composta dentro do paradigma da tonalidade,

    o ponto de maior interesse para a realizao do presente trabalho, dado que acreditopoder existir uma forte relao entre a concepo composicional do final do sc. XX e o

    surgimento das pesquisas em performance que datam da mesma poca, mesmo sendo

    esta relao aparentemente mais prxima da abordagem ideolgica do que numa

    contribuio investigativa convergente.

    At o momento, foram expostas abordagens do gesto na performance musical que

    atribuem diversas qualidades a esta ao na execuo instrumental. Sendo possvel

    compreender a contribuio deste fenmeno pela suas qualidades epistemolgicas e

    cinestsicas, julgo necessrio investigar como o gesto pode ser explorado durante apreparao de uma performance, visando influir nas propriedades significativas desta.

    A seguir, ser exposto como o gesto concebido pelo compositor italiano Luciano

    Berio, alm de outros fatores que contextualizam a composio da obra abordada neste

    trabalho.

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    1.4. Gesto e Berio

    Para autores como Castellani (2010) e Bonaf (2001), o conceito de gesto musical

    admitido por Luciano Berio indissocivel da histria. De acordo com Bonaf (2001, pg.

    4), essa relao do gesto com a histria tem duplo sentido. Um deles seria a histria do

    gesto atravs dos sculos e o outro a histria energtica prpria a este gesto, restrita ao

    espao-temporal de uma determinada pea. Sendo assim, na primeira situao

    encontramos uma concepo do gesto vinculado conveno, ou seja, a

    referencialidade gerada por determinado gesto musical, e, na segunda situao, uma

    preocupao com a estrutura discursiva dos eventos sonoros de determinada pea.

    Segundo Castellani, Luciano Berio aponta que podemos entender o gesto como a ao

    de suscitar um

    processo de comunicao qualquer; ou seja, um ato de seleo e

    atualizao de procedimentos deduzidos de um contexto significativo

    inseparvel de seu aspecto cultural. Ao fazer um gesto assume-se suas

    significaes e toma-se uma posio com relao sua histria

    (Castellani, 2010, pg. 13).

    Outro ponto que acredito ser de importncia salientar na postura composicional deBerio sua relao com o conceito de Obra aberta formalizado por Umberto Eco.

    Segundo Bonaf (2001, pg. 4):

    Alm de sua dupla relao com a histria, para Berio tambm inerente

    categoria de gesto a tenso existente entre fechamento e abertura: por

    um lado, gesto um elemento bem delimitado, cuja personalidade se

    imprime de maneira direta; por outro lado, para que um gesto no se

    degenere em smbolo, necessrio que ele se mantenha como uma

    estrutura suficientemente aberta, capaz de se remodelar segundo cadacontexto. Assim, para Berio, fundamental o estabelecimento de um

    jogo permanente de construo e desconstruo dos gestos no interior

    das peas, conferindo a eles um carter processual.

    A pea que ser abordada, Sequenza XI, faz parte do ciclo Sequenze (plural de

    sequenzaem italiano), que consiste em 14 obras escritas para instrumentos solo entre os

    anos de 1958 e 2003. De acordo com Porcaro (2003), Berio atribuiu o nome ao ciclo pelo

    fato de as peas terem em comum o tratamento sequencial de diferentes campos

    harmnicos. O autor alega que Luciano Berio no deixa claro o que ele compreende

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    como campos harmnicos, contudo, obviamente descartada a atribuio que se aplica

    ao termo na msica tonal. Sendo assim, tal termo empregado por Berio se torna mais

    coerente se visto como um processo composicional que fixa determinadas alturas, ou

    melhor, colees de notas. Porcaro (2003) tambm alega que, aps a publicao do ciclo

    completo, o compositor incluiu 3 itens que tambm poderiam unificar as obras: o

    virtuosismo, a polifonia e o idiomatismo, que sero investigados a seguir.

    Halfyard (2007) alega que Berio aborda a escrita de cada instrumento solo

    desenvolvendo durante o discurso musical menes simblicas utilizao histrica do

    instrumento utilizado. Esse processo composicional de Berio atua como uma espcie de

    citao do repertrio atribudo a cada instrumento, e este tipo de referncia ainda se

    relaciona com outro elemento atribudo ao ciclo, o virtuosismo. De acordo com Halfyard:

    O detalhe rtmico e meldico da escrita de Berio e a coreografia do

    solista determinam que o virtuosismo apresentado como parte da pea

    e no como algo adicional, ou mesmo uma substituio da msica na

    performance. Assim, o significado das Sequenze comea a emergir

    quando visto luz do passado do repertrio instrumental (Halfyard,

    2007, pg. 2).

    Tratando desta abordagem composicional de Berio especificamente na SequenzaXI, Porcaro (2003) alega que o compositor utiliza a referncia idiomtica de dois

    universos atribudos ao violo, o erudito e o flamenco. Bogunovi, Popovi e Perkovi

    (2009)apresentam um depoimento de Berio em que o compositor alega que, pelo fato de

    ser muito atrado pela transformao das tcnicas instrumentais e vocais durante a

    histria, nunca tentou mudar a herana gentica dos instrumentos utilizados no ciclo

    Sequenze, buscando no os utilizar contra sua prpria natureza (Bogunovi, Popovi &

    Perkovi, 2009,pg. 2).

    Segundo Porcaro (2003) e Castellani (2010), a concepo de Berio sobre ovirtuosismo no empregada se referindo a uma espcie de exibicionismo que se

    atribui ao termo, mas sim capacidade do performer em mentalizar eventos sonoros

    complexos fornecidos pela partitura e execut-los no instrumento. No obstante, Porcaro

    (2003) alega que, para Berio, virtuosismo consiste na tenso que surge entre a novidade

    e a complexidade de pensamento musical, e a imposio de sua efetivao no

    instrumento. Bogunovi, Popovi e Perkovi (2009)ainda afirmam que, Para Berio, o

    melhor performer capaz de comprometer-se com o nico tipo de virtuosismo que

    aceitvel atualmente, o da sensibilidade e inteligncia (Bogunovi, Popovi & Perkovi,

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    2009,pg. 2).

    De acordo com Ferraz (1998), um importante aspecto a ser destacado na srie das

    Sequenze de Luciano Berio a polifonia. O autor compara o ciclo de peas compostas

    por Berio com a tcnica de melodia polifnica que Johann Sebastian Bach aplica em

    algumas obras para instrumento solo, como as Partitas para violino e Sutes para

    violoncelo, onde a percepo da polifonia no ocorre de forma simultnea, mas sim

    justaposta. Tal postura pode ser constatada pelo prprio depoimento do autor numa

    entrevista realizada com Rosana Dalmonte (Berio, Dalmonte & Varga, 1985). Segundo

    Halfyard (2007), o modo de escuta polifnico desenvolvido nas Sequenzepor Berio tem

    como inteno engajar o ouvinte a participar de forma ativa na construo de significados

    de cada obra. H aqui uma indicao da relao de Berio com o conceito de obra aberta

    j mencionado, que Halfyard (2007) refora com a seguinte afirmao de Porcaro: Deste

    modo, Berio almeja que o ouvinte perceba a exposio e superposio dos diferentes

    modos de ao e caractersticas instrumentais (Halfyard, 2009, pg. 4). Ferraz (1998)

    ainda salienta que Berio adota uma postura composicional nas Sequenze em que a

    concepo de escrita no se constitui pela construo formal do discurso musical, mas

    sim por artifcios de suporte formal que, pelo desenvolvimento de expectativas devido

    explorao da relao simtrica de elementos sonoros, tornam efetivo o tratamentopolifnico de Berio, como o prprio autor afirma: A similaridade textural dos elementos

    sonoros empregados na pea de Berio abre escuta a possibilidade de que sejam

    encadeados ou no em eventos diversos (Ferraz, 1988, pg. 3). Segundo Ferraz (1998),

    atravs da anlise da SequenzaVII para obo, possvel identificar como o discurso

    gerado a partir da instabilidade, onde referncias simtricas ou lineares no so

    fornecidas ao ouvinte.

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    CAPTULO 2

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    2. Mtodos e procedimentos

    Aqui exponho os mtodos selecionados para o desenvolvimento do presente

    trabalho. Tambm sero colocadas as necessidades investigativas que direcionaram a

    escolha dos mtodos utilizados, justificando sua aplicabilidade. Logo em seguida,

    apresento como ocorreram tais procedimentos durante a realizao desta pesquisa.

    2.1. Pesquisa Bibliogrfica

    A pesquisa bibliogrfica abrangeu revistas, jornais, e artigos acadmicos sobre

    temas relacionados ao presente trabalho, nomeadamente, gesto em msica, significado

    musical e movimento corpreo na performance. Tambm foi realizada uma pesquisa

    acerca da vida e obra do compositor Luciano Berio, sendo includa neste ponto a procura

    por gravaes e pelas partituras do ciclo Sequenze. A pesquisa do material terico foi

    realizada em fontes como JSTOR, anais de congressos como ANPPOM, Performa,

    SIMCAM e outros, alm de serem utilizadas ferramentas para busca online como o site

    scholar.google.com.A pesquisa bibliogrfica ocorreu durante todo o desenvolvimento do trabalho,

    nomeadamente entre novembro de 2012 e abril de 2014. Este procedimento foi realizado

    atravs da pesquisa em fontes j citadas, visando suprir as necessidades das diferentes

    qualidades de material que surgiram durante a pesquisa. Esta etapa foi orientada pela

    investigao de como o gesto abordado atualmente nas pesquisas em performance

    musical. Tambm foi investigado como o tema se tornou alvo de maior foco na

    abordagem musical, relacionando a performance com a composio musical. Por fim, foi

    investigada a biografia e obra do compositor italiano Luciano Berio, visando obterinformaes que poderiam ser teis ao propor uma performance da pea Sequenza XI

    deste compositor.

    2.2. Anlise

    Visando obter um suporte analtico da pea abordada neste trabalho, a Sequenza

    XI de Luciano Berio, foi realizada uma anlise gestual da obra baseada no modelo

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    encontrado em Bonaf (2011). Tal processo permitiu definir parmetros a partir dos quais

    foram desenvolvidas as reflexes acerca das exploraes gestuais possveis na

    performance da obra. A anlise gestual teve importncia fundamental no desenvolvimento

    deste trabalho e ter no prximo captulo um maior foco. Deste modo, ser possvel

    realizar uma melhor descrio de tal procedimento nesta pesquisa.

    2.3. Autoetnografia

    Como ser possvel perceber no decorrer deste trabalho, esta dissertao

    apresenta um perfil autoetnogrfico. De acordo com Benetti (2013), tal modalidade de

    investigao difere da pesquisa etnogrfica pela observao participativa que, segundo o

    autor, no ocorre na pesquisa etnogrfica por esta ser baseada na relao

    observador/objeto. Deste modo, as ferramentas que forneceram os dados para o

    presente trabalho foram mecanismos teis a este tipo de perfil investigativo, como a

    auto-reflexo e a anlise de gravaes, aonde analisei minhas prprias performances e

    sesses de estudo. Autores como Anderson (2006) e Benetti (2013) alegam que a

    pesquisa etnogrfica apresenta qualidades importantes que podem ser fundamentais naobteno de dados para determinado tipo de investigao; dentre tais qualidades,

    destaco algumas como: a proximidade do investigador com os dados pode permitir o

    acesso a informaes antes ocultas ou imperceptveis sobre o sujeito da ao (Benetti,

    2013, pg. 165); o carter experiencial da autoetnografia permite uma viso profunda

    sobre o fenmeno envolvido (Benetti, 2013, pg. 166); o pesquisador/objeto de estudo

    representa (e deve representar) uma amostra fidedigna individual sobre o evento

    (Benetti, 2013, pg. 166). Acredito que estas condies da pesquisa de carter

    autoetnogrfico a tornou uma metodologia fundamental para a realizao destadissertao. Meu envolvimento com o tema e a conscincia de abordar tal processo na

    performance de forma sincera me induziram a adotar um perfil autoetnogrfico neste

    trabalho.

    2.4. Dirio reflexivo

    O dirio reflexivo foi elaborado tendo como modelo o dirio reflexivo proposto por

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    Benetti (2013), adaptado a partir de Gray e Malins (2004), e teve a funcionalidade de

    registrar como o processo de desenvolvimento da performance da obra selecionada

    ocorreu. O dirio reflexivo consistiu no registro escrito de minhas impresses acerca dos

    estudos programados. Aps cada sesso de estudo ser efetuada, escrevi como percebi,

    durante a preparao da performance, o desenvolvimento das estratgias adotadas.

    Aps este procedimento, analisei as gravaes audiovisuais realizadas sobre as sesses

    de estudo e desenvolvi consideraes sobre a relao entre a impresso dos

    movimentos corpreos durante a prtica instrumental e a percepo externa de tais

    movimentos. Este modelo de dados coletados foi de importncia tanto para

    consideraes pontuais, justificando mudanas na progresso do estudo dirio, quanto

    para as consideraes realizadas no final do trabalho, onde foi possvel ter uma viso

    global do processo de preparao da performance.

    2.5. Gravaes audiovisuais

    Foram realizadas, durante a pesquisa, dois tipos de gravao: o primeiro consistiu

    em registros audiovisuais da performance de trechos da pea, realizados anteriormenteao estudo orientado pela reflexo acerca do gestual; o segundo tipo consistiu em

    gravaes que visaram dar suporte ao dirio reflexivo, registrando a rotina de preparao

    da performance assim como as estratgias que foram adotadas durante o estudo dos

    trechos.

    As gravaes foram fundamentais por proporcionarem ao pesquisador uma

    perspectiva externa da prpria performance, uma outra experincia do fenmeno, em

    que foi possvel conferir a correspondncia entre a conscincia dos gestos realizados

    durante a performance e a percepo destes pela gravao.Estes registros audiovisuais ocorreram somente na terceira etapa de estudo, onde a

    aplicao da gestualidade foi designada. Estas gravaes foram importantes tanto nas

    consideraes ao final do trabalho, estabelecendo assim relaes do preparo da

    performance com o concerto, quanto para a anlise e autoavaliao que ocorreu

    frequentemente durante este estgio da pesquisa. As gravaes tiveram a durao

    determinada pelo tempo de estudo programado na preparao da pea.

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    2.6. Escuta e anlise de outras obras do compositor Luciano Berio

    Este ponto do trabalho teve importncia por possibilitar estabelecer relaes entre a

    obra abordada e as peas que pertencem ao ciclo Sequenze. Desta forma foi possvel

    criar ligaes entre a escrita e a realizao sonora de diferentes eventos musicais, o que

    forneceu ao intrprete uma gama maior de conhecimento sobre as aes instrumentais

    sugeridas pelo texto musical.

    2.7. Estudo da obra preparao para performance

    Tendo como base a discusso acerca da gestualidade do instrumentista encontrada

    na recente produo acadmica, foram propostas aes corporais para serem realizadas

    na performance da pea selecionada. As propostas de ao gestual tm como ponto de

    partida relaes estruturais internas do discurso musical da Sequenza XI, principalmente

    no que diz respeito ao conceito de polifonia latente que, segundo autores como Ferraz

    (1988), foi utilizado por Berio no ciclo de peas Sequenze.Deste modo, foi possvel obter

    uma compreenso estrutural da obra que satisfez as necessidades de minha proposta detrabalho. Esta etapa teve como objetivo fornecer, pela identificao dos eventos gestuais

    na pea, uma compreenso dos eventos sonoros que pudessem orientar a escolha dos

    procedimentos tcnicos instrumentais necessrios para a efetivao da performance. Tal

    escolha das aes instrumentais teve como objetivo a explorao gestual do

    instrumentista.

    Tambm foi estudada a aplicabilidade dos conhecimentos derivados da anlise na

    rotina de estudo do performer. Deste modo, fez parte deste ponto a elaborao de mapas

    de estudo onde foram determinadas formas de abordar a pea, afim de reconhecer eresolver as dificuldades que foram encontradas na execuo instrumental dos fenmenos

    musicais. Foram utilizadas tcnicas de estudo em que fossem claras as delimitaes dos

    objetivos especficos no estudo dirio.

    O processo de pesquisa gestual e aplicao pea Sequenza XI ocorreu durante

    todo o desenvolvimento do trabalho, contudo, houve abordagens distintas relacionadas

    aos mtodos de estudo para a performance. As diferentes etapas foram:

    a) Na primeira etapa, a pea foi preparada para uma performance de forma em que a

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    rotina de estudo no visasse explicitamente a incluso de atitudes gestuais na execuo

    da pea. Resumidamente, a pea, neste ponto, foi preparada para uma performance

    atravs de um processo de trabalho que o msico julgou como habitual em sua prtica.

    Este processo ocorreu entre dezembro de 2012 e setembro de 2013.

    b) A segunda etapa consistiu no estudo mental da partitura, atravs da leitura dos

    eventos sonoros e da memorizao tanto da estrutura da pea como das aes

    corpreas selecionadas para a performance. Esta fase ocorreu de forma conjunta

    escuta e anlise das outras peas do ciclo Sequenze, possibilitando orientar

    determinadas escolhas interpretativas pela conscientizao de como determinados

    eventos sonoros so utilizados na escrita de Luciano Berio. O compositor alegou que

    uma das caractersticas deste ciclo o virtuosismo, e, para Berio, este termo designa a

    capacidade do performer em materializar eventos sonoros que so elaborados

    mentalmente. Esta etapa foi realizada entre outubro de 2013 e fevereiro de 2014.

    c) A terceira e ltima etapa consistiu no estudo da pea novamente ao instrumento com a

    diferena de que a rotina de estudo programada visou a aplicao e explorao da

    gestualidade na performance. Aqui a concepo sonora e discursiva da pea, adquiridanas etapas anteriores, foi valorizada atravs de estratgias de estudo que pretenderam

    efetivar a aplicao dos conhecimentos adquiridos. Esta etapa de estudo foi gravada

    parcialmente, registrada no dirio reflexivo (ver 3.1) e submetida a autoavaliao. Este

    processo ocorreu dentre os meses de maro e abril de 2014.

    2.8. Tratamento de dados

    Os dados obtidos nos procedimentos acima descritos foram organizados pela

    codificao de contedos e estabelecendo categorias. Deste modo foi possvel organizar

    os contedos fornecidos durante a pesquisa bibliogrfica, anlise e gravaes,

    utilizando-os de acordo com a finalidade proposta neste trabalho.

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    CAPTULO 3

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    3. Descrio dos resultados

    Acredito que, atravs da exposio da reviso bibliogrfica, pude demonstrar como

    o gesto atualmente abordado nas pesquisas em performance musical. Tal abordagem

    fruto de uma relao entre diversos fatores como: a abordagem do conceito de gesto na

    prtica composicional, visto em Zampronha (2005); o estgio atual do gesto na

    performance em funo de condies histricas dessa prtica; por fim, estudos que,

    embasados em outras reas como a neurocincia, investigam a dimenso expressiva do

    gesto em vrias atividades humanas, incluindo na performance. Nesta etapa tambm foi

    possvel constatar que, embora haja uma vasta gama de trabalhos que abordam as

    capacidades expressivas e cinestsicas do gesto na performance, poucos trabalhos,

    como o realizado por Pierce (2007), investigam como a explorao de tais aes

    corpreas podem ser concretizadas numa performance.

    3.1. Anlise Gestual

    Antes de delimitar quais sees da pea seriam submetidas ao estudo dirio egravadas em vdeo, realizei a descrio dos tipos de gestos sonoros encontrados na

    Sequenza XI. Consciente de certas manifestaes musicais gestuais que ocorrem na

    pea, tive a possibilidade de realizar uma reflexo que fosse de encontro s proposies

    de ao gestual do instrumentista na abordagem da pea.

    Ao analisar a obra Sequenza XI de Luciano Berio utilizei o modelo de mapeamento

    gestual proposto por Bonaf (2011). Segundo a autora, Berio confere aos gestos um

    carter processual na composio musical, desconstruindo-os e reconstruindo-os no

    interior da pea. Castellani coloca da seguinte forma a abordagem gestual de Berio naprtica composicional:

    Luciano Berio aponta que podemos entender o gesto como a ao de

    suscitar um processo de comunicao qualquer, ou seja, um ato de

    seleo e atualizao de procedimentos deduzidos de um contexto

    significativo inseparvel de seu aspecto cultural. Ao fazer um gesto

    assumem-se suas significaes e se toma uma posio com relao a

    sua histria (Castellani, 2010, pg. 13).

    O sistema utilizado por Bonaf (2011) como ferramenta analtica para a pea

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    Sonata per piano forte de Berio consiste na identificao de fenmenos sonoros de

    naturezas distintas, e a classificao dos perfis de realizao morfolgica destes eventos.

    A autora, que alega tambm a noo de obra aberta como elemento importante para a

    compreenso da postura composicional de Berio, aps a primeira etapa de classificao,

    investiga os procedimentos utilizados pelo compositor italiano na manipulao do

    discurso musical, relacionando estes eventos gestuais por um processo de transformao

    que ocorre atravs de quatro procedimentos: a sobreposio, a modulao, o

    agrupamento, e a transio.

    O que pretendi, atravs da classificao dos eventos gestuais na pea Sequenza

    XI, verificar como Berio relaciona tais manifestaes sonoras com nveis de tenso

    atribudos a outros aspectos acsticos, como consonncias e dissonncias geradas a

    partir da srie harmnica. Porcaro (2003), que investiga o tratamento polifnico de Berio

    na Sequenza XI,aponta outros conceitos de tenso discursiva abordados por Berio,

    como tempo, dinmica, altura, e dimenso morfolgica.

    3.1.1. Classificao gestual 1 Identificao dos eventos sonoros

    Aps a anlise, foram identificados dez modelos de comportamentos sonoros

    distinguveis separadamente; obviamente, a interao destes gestos tambm pode ser

    compreendida como um fenmeno sonoro e analisado de forma macro-estrutural. No

    entanto, irei me limitar a princpio em discutir as peculiaridades de cada evento gestual

    distinto, visando a sua aplicabilidade instrumental.

    O gesto A (fig. 1), o primeiro a ocorrer na pea, consiste numa sequncia de

    acordes ritmicamente irregulares, executados em tempo lento. Este evento ocorre

    geralmente em dinmicas p, articulando os acordes geralmente em legatos, eacompanhados pela indicao de serem realizados dolcemente.

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    Figura 1: Exemplo de

    gesto classificado como A (pg. 1)2

    O gesto B (fig. 2), tipo de ao que ocorre frequentemente durante a pea, consisteem blocos harmnicos que so executados atravs de rasgueados. Estes eventos

    sonoros ocorrem ritmicamente de duas maneiras: sob a indicao para serem realizados

    o mais rpido o possvel; atravs da utilizao de diversos modelos de quilteras.

    Acredito ser importante destacar que esses eventos sonoros portam uma densidade

    notria dentro da pea, e entendo como maior densidade a existncia de trs elementos

    contidos nestes fenmenos sonoros: 1) o fato das dinmicas sempre serem executadas

    acima de ff; 2) a prpria natureza da ao tcnica do rasgueado, que implica na emisso

    de vrias notas ao mesmo tempo, ou seja, implica numa maior execuo simultnea de

    frequncias; e 3) o ltimo, tambm caracterizado pela natureza tcnica, consiste na

    repetio rpida dos blocos harmnicos, um comportamento sonoro quase contnuo,

    mais denso do que outras passagens em que o pontilhismo, caracterstica idiomtica do

    violo, utilizado.

    2 Devido ao fato da escrita da pea no utilizar barras de compasso, no foram registrados nmeros de

    compassos nos exemplos musicais. A edio da pea analisada nesta dissertao foi publicada porUniversal Edition (Berio 1988).

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    Figura 2: Exemplo de gesto classificado como B (pg. 1)

    Foram classificados como gesto C (fig. 3) os movimentos meldicos rpidos que se

    comportam mantendo um perfil direcional. Estes gestos so escritos de duas formas na

    pea, usando a figura de fusas, e com a indicao de que devem ser executados o mais

    rpido possvel. Estes eventos sonoros se apresentam em maior nmero com

    direcionamento ascendente, no entanto, h tambm movimentos descendentes e com

    mais de uma direcionalidade.

    Figura 3: Exemplo de gesto classificado como C (pg. 1)

    O gesto D (fig. 4) consiste na alternncia de trs notas que se apresentam em grau

    conjunto, indicadas para serem executadas o mais rpido o possvel; este fenmeno

    sequencial gera uma aluso de movimento circular. Neste gesto, uma nota serve

    sempre como eixo de transio entre as outras duas, se comportando unicamente da

    seguinte forma: a nota mais grave do clustersempre inicia o evento, seguida do intervalo

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    de segunda menor, h o retorno nota mais grave da coleo que salta para o intervalo

    de segunda maior, completando o cluster.O que acho interessante neste evento a

    forma de Berio realiz-lo: o movimento circular de cluster de trs notas bastante

    encontrado no repertrio contemporneo, porm, com uma diferena: a nota que serve

    como eixo entre as outras duas geralmente a nota do meio; deste modo, o cluster

    acaba por reforar a altura mediana, sendo que as duas notas extremas funcionam como

    sensveis que direcionam percepo da nota central nesta coleo de trs notas em

    grau conjunto. Quando Berio utiliza a nota inferior do clustercomo ponto de transio das

    outras alturas, ele desestabiliza a compreenso do evento de forma estereotipada

    evitando a afirmao do eixo pela srie harmnica.

    Figura 4: Exemplo de gesto classificado como D (pg. 1)

    O gesto E (fig. 5) similar aos gestos classificados como C, por designar

    movimentos meldicos a serem executados rapidamente. A escrita ocorre da mesma

    forma do outro evento, atravs da utilizao de fusas e de indicaes para se executar o

    mais rpido possvel. O que distingue estes dois gestos que, ao contrrio do gesto C, o

    gesto E no se comporta direcionalmente, ou melhor, sua sucesso de alturas no linearmente intencionada a um movimento ascendente ou descendente. O que ocorre no

    gesto E um movimento descrito por Bonaf (2011) como zigue-zague: sendo assim,

    temos um evento sonoro que se comporta alternando as alturas de forma no

    linearmente coerente. De forma resumida, apesar da similaridade, o gesto C um

    movimento escalar, e o gesto E no.

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    Figura 5: Exemplo de gesto classificado como E (pg. 1)

    O gesto F (fig.6) caracterizado pela fixao de uma determinada altura sendo

    executada de forma conjunta a uma segunda voz; o termo instrumental utilizado seria um

    tremolo acompanhado por uma segunda voz. Esta tcnica comumente utilizada no

    repertrio do violo erudito, fazendo parte de uma gama de aes idiomticas bastante

    associadas ao instrumento. Acredito que este evento integra o leque de referncias que

    Berio faz ao repertrio erudito do violo, assim como o rasgueado associado ao

    flamenco. O tremolo, assim como o rasgueado, um tipo de ao instrumental no violo

    que mais se aproxima de um evento sonoro contnuo, assim como os produzidos por um

    instrumento de sopro, ou mesmo pela voz humana, portanto temos a sustentao de

    determinadas alturas e uma outra voz pontilhada, que formam uma forma de polifonia

    neste gesto.

    Figura 6: Exemplo de gesto classificado como F (pg. 4)

    O gesto G (fig. 7) constitudo por melodias lentas com rtmica irregular, porm,

    com variaes temporais sutis, ao contrrio da forma abrupta que essas variaes

    ocorrem em outras sees da pea. Neste evento encontram-se melodias de uma a trs

    vozes, que, quando so inseridas, se comportam polifonicamente, de forma diferente do

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    deslocamento dos blocos harmnicos encontrados nos trechos de rasgueados ff.

    Acredito que a execuo deste gesto tambm encontra na escrita uma determinao

    relativa, sendo mais importante o intrprete evidenciar na performance os alargamentos e

    as contraes temporais, do que executar este comportamento sonoro de forma

    metricamente rigorosa.

    Figura 7: Exemplo de gesto classificado como G (pg. 2)

    O gesto H (fig. 8) que o mais breve de todos os outros aqui classificados, consiste

    na execuo de quatro notas repetidas o mais rpido possvel com um pizzicato Bartk

    no final. Este gesto apresenta uma direcionalidade dinmica, sendo que, alm do

    pizzicato Bartk, que j implica numa dinmica fortssima, este evento sempre vem com a

    indicao de crescendi. A nota a ser repetida quatro vezes a nota mais grave do

    instrumento (6 corda mi), e a altura em que se realiza o pizzicato varivel. Tambm

    perceptvel neste gesto o fato de que ele sempre exposto aps trechos em dinmicas p

    ou inferiores, o que faz com que tais gestos sejam bastante destacados perceptualmente.

    Figura 8: Exemplo de gesto classificado como H (pg. 2)

    O gesto I (fig. 9) consiste na repetio rpida de duas alturas distintas. Este gesto

    empregado na escrita atravs das duas formas mais comuns de obter velocidade nesta

    pea, ambos j descritos, o uso de fusas e indicaes de execuo mais rpida o

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    possvel. No gesto I, os intervalos de quarta justa e quarta aumentada ocorrem quando

    este exposto. Porcaro (2003) indica a importncia destes intervalos como elementos na

    elaborao da Sequenza XI:segundo o autor, o intervalo de quarta justa, presente na

    afinao do violo, e o intervalo de quarta aumentada, so importantes elementos no

    desenvolvimento do perfil desta pea, havendo um dilogo entre a harmonia de quarta

    justa da afinao do violo e uma outra harmonia.

    Figura 9: Exemplo de gesto classificado como I (pg. 6)

    O gesto J (fig. 10) consiste na repetio ritmicamente regular de tamboras. Esta

    uma tcnica em que o ataque da ao instrumental sobrepe perceptualmente as alturas

    das notas dando ao evento sonoro um carter percussivo. Alm destes trechos

    apontados, h a insero de tamboras em vrios outros trechos da pea, que funcionam

    tanto como ligao entre eventos sonoros distintos como apenas mudanas na

    caracterstica tmbrica de acordes.

    Figura 10: Exemplo de gesto classificado como J (pg. 10)

    O gesto K (fig. 11) consiste na repetio muito rpida da mesma altura. Sua

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    realizao mecnica no instrumento o torna um gesto fsico muito similar aos gestos D e

    I, no entanto, a fixao de apenas uma altura torna esse gesto alvo de ser analisado

    separadamente. Este gesto no apresentado dissociadamente de outros eventos

    gestuais, exercendo quase sempre papel de transio entre gneros gestuais distintos.

    Esta fixao de determinada altura aparece ao final da pea como uma espcie de

    tremolo, onde uma altura fixada estabelecendo propriedades polifnicas com outros

    eventos (fig. 12)

    Figura 11: Exemplo de gesto classificado como K (pg. 3)

    Figura 12: Exemplo de gesto classificado como K aqui utilizado como funo de pedal (pg. 10)

    O gesto L consiste simplesmente no pizzicato Bartk. Esse tipo de gesto, assim

    como o gesto H, exerce na pea um forte impacto perceptual quando utilizado. Por ser

    uma atitude instrumental bastante difundida, acredito que o pizzicato Bartk dispensa

    exemplos de imagem.

    Aps identificar os fenmenos gestuais singulares que ocorrem com maior

    frequncia durante a pea, iremos disp-los em um nvel de classificao superior afim

    de compreender a relao interna destes durante o desenvolvimento da pea.

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    3.1.2. Classificao gestual 2 Classificao dos fenmenos gestuais em grupos

    Bonaf (2011), ao analisar a Sonata per piano forte,tambm composta por Luciano

    Berio, divide os gestos identificados em trs famlias distintas, de acordo com as

    similaridades texturais dos eventos sonoros; deste modo, a autora prope os seguintes

    modelos:

    Repetio de nota com maior enfoque no aspecto rtmico

    Gestos formados por blocos

    Gestos formados por movimentos meldicos

    Nos gestos musicais encontrados na Sequencia XI, investiguei as similaridades

    acsticas e texturais dentre os distintos tipos de gestos. Aps comparar os eventos

    sonoros e verificar como estes se apresentavam durante a pea, optei por propor a

    seguinte diviso dos gestos em 5 classes:

    Classe 1 - Movimentos rpidos onde se torna evidente o perfil meldico dos

    eventos sonoros. Sendo os gestos inseridos nesta classe os apontados anteriormente

    como:

    C

    E

    Classe 2 Repetio rpida de nota ou de grupos de notas onde se fixam

    determinados registros que so expostos linearmente em um perodo de tempo. A esta

    classe foram atribudos os gestos:

    D

    F

    I

    K

    Classe 3 Eventos sonoros que consistem em melodias lentas com flexibilidade

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    rtmica, onde no h uma grande extenso da tessitura utilizada (regio harmnica

    comprimida) e as dinmicas so realizadas geralmente em dinmicas abaixo de p.

    Designei para esta classe os gestos:

    A

    G

    Classe 4 - Comportamento sonoro contnuo que ocorre pela sustentao de

    acordes repetidos, onde as frequncias so apresentadas simultaneamente. Gestos

    pertencentes a esta classe:

    B

    J

    Classe 5 Eventos sonoros de curta durao e forte carga dinmica. Os gestos

    pertencentes a esta classe so:

    H

    L

    Atribuindo estes parmetros aos gestos musicais presentes na pea Sequenza XI,

    foi possvel analisar como estes eventos so apresentados durantes a pea (ver anexo).

    Na identificao das classes de gestos foram destacados os eventos sonoros utilizando

    cores, realizada da seguinte forma:

    Verde Classe 1

    Azul Classe 2

    Vermelho Classe 3

    Amarelo Classe 4

    Roxo Classe 5

    Em anexo se encontra a anlise completa da Sequenza XI, utilizando esta

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    abordagem como ferramenta.

    Durante a anlise, deparei-me com o fato de que alguns fenmenos sonoros no se

    enquadram em nenhum dos modelos descritos acima. No achei pertinente criar outras

    classificaes gestuais para estes grupos, pois tais aes ocorrem com pouqussima

    frequncia durante a pea e so diferentes entre si. Aps uma anlise mais apurada a

    estes casos, verifiquei que tais eventos sonoros derivam de gestos j existentes, sendo

    variaes/distores destes que portam caractersticas de mais de uma classe, formando

    um gesto misto dentre os classificados. Portanto, optei por manter alguns fenmenos

    sonoros sem a descrio de sua natureza gestual; nestes casos, resolvi apenas

    identificar a ao deles em relao ao contexto em que esto inseridos. Farei a

    exposio de duas situaes para ilustrar os casos acima relatados.

    Os gestos mistos aparecem com mais frequncia a partir da pgina sete. Nesses

    casos, ao invs de omitir uma classificao, optei por realiz-la de acordo com as

    caractersticas sonoras que se destacam neste tipo de evento, aproximando tais

    fenmenos sonoros a uma classe gestual. O seguinte exemplo (fig. 13) mostra um gesto

    distinto, que se apresenta num nico trecho da pea (pg. 7, linhas 4 e 5); o gesto

    mistura dois elementos comuns na construo desta Sequenza, contidos nas classes 3 e

    5. Ou seja, temos um movimento meldico com uma variao rtmica flexvel (oacelerando escrito devido tercina que segue as primeiras colcheias), e temos o uso de

    pizzicato Bartk. Este gesto foi atribudo classe 5 (cor roxa), pois acredito que o efeito

    do pizzicato sobressai perceptualmente variao temporal, e se distancia ainda mais

    das caractersticas de classe 3 por conter dinmicas fortes, que no so comuns aos

    eventos sonoros desta classe. No entanto, penso que este gesto no poderia ser

    considerado apenas como pertencente classe 5, pois nos outros eventos pertencentes

    a esta o gesto sonoro serve como objeto de forte contraste entre outros fenmenos

    sonoros, o que no acontece aqui, aonde estabilizado um padro de ao gestual quedifere dos outros casos encontrados na pea. Outro fator pertinente anlise da obra que

    consta neste gesto musical o fato deste portar os intervalos indicados por Porcaro

    (2003) como essenciais na elaborao da obra. Ciente disto, acredito que o compositor

    intenta neste ponto convergir a ruptura dos padres sonoros que ocorrem na pea at ao

    momento, com os intervalos de quarta justa e aumentada, para tornar saliente a

    percepo da relao entre estas alturas.

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    Figura 13: Exemplo de gesto que porta caractersticas das classes 3 e 5 (pg. 7)

    Os eventos sonoros que no foram enquadrados em nenhum grupo de classe

    ocorrem com maior frequncia aps a pgina 8; porm, logo no incio da pea, nos

    deparamos com um comportamento sonoro que se enquadra neste perfil. No trecho

    inicial da Sequenza XI, os eventos musicais que ocorrem antes da seo identificada

    como classe 3 portam caractersticas diversas dos fenmenos presentes nas

    classificaes gestuais que propomos. De certa forma, so identificveis neste trechoalguns aspectos como uso de tamboras repetidas contidas na classe 4, e uma breve

    apario dos eventos de classe 3 que viriam logo a seguir. No entanto, nenhum dos dois

    eventos encontrados aparece integralmente, nem pode ser destacado como de maior

    relevncia textural neste trecho. Alego isto pelo fato de alguns elementos constituintes

    destas duas classes no serem expostos: o gesto de continuidade e o legato meldico

    encontrados na classe 3; e o perfil contnuo do evento sonoro presente na classe 4.

    Neste trecho tais gestos no ocorrem devido a interrupes constantes no fenmeno

    sonoro, atravs de pausas e de mudanas gestuais. Acredito que h uma forma simplesde compreender esta seo, talvez como um tipo de antecipao, ou mesmo um preldio,

    dos eventos sonoros que sero expostos e desenvolvidos durante a pea, uma breve

    introduo fundindo elementos de duas classes distintas.

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    Figura 14: Exemplo de gesto(s) no submetidos a classificao (pg. 1)

    3.1.3 Anlise descritiva das interaes gestuais na pea Sequenza XI

    Aps identificar e classificar os gestos musicais contidos na pea, foi possvel

    desenvolver as seguintes observaes:

    At a pgina 3, temos a predominncia dos gestos de classe 3 e 4, provavelmente

    os que apresentam caractersticas mais contrastantes entre si; a presena sequencial

    destes gestos torna a percepo da polifonia justaposta bastante evidente. A presena

    constante destas duas classes de gestos acontece primeiro num espao compreendidoentre as pginas 1 e 3 da partitura. Nesta seo, os gestos de classe 1 estabelecem a

    transio entre os gestos 3 e 4; deste modo, os gestos de classe 1 neste trecho

    direcionam e deslocam grupos de notas que sero fixadas em determinadas regies

    pelos gestos 3 e 4. Na segunda pgina da pea, os gestos de classe 5 so expostos

    constantemente entre dois tipos de eventos gestuais de classe 3. Nesta seo, quando o

    gesto de classe 5 no se apresenta desta forma,ele antecipa o nico trecho em que

    todas as classes gestuais so encontradas seguidamente (ver partitura em anexo). Este

    fenmeno ocorre de forma similar nas pginas 1, 11 e 12; porm, o modelo de gestoatribudo classe 5 no se apresenta nesses trechos.

    Na pgina 3 h um equilbrio de apresentaes dos gestos das classes 1, 2 e 3,

    contudo esta ltima ser apresentada unicamente ao final da pea, sendo que h uma

    pequena citao desta na zona intermediria da Sequenza XI, na pgina 6. Acredito que

    isto serve de indcio de uma estrutura da obra em que h um tratamento da forma em

    parbola, visto que o gesto de classe 3 o menos denso, e sua apario somente nas

    extremidades da pea indica uma possibilidade de aumento de tenso no interior desta.

    No trecho encontrado na pgina 4, h uma predominncia da classe de gestos 2; os

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    movimentos meldicos que caracterizam os gestos de classe 1 direcionam as sequncias

    que sero fixadas em determinadas regies pela execuo do gesto de classe 2. Nesta

    seo o gesto de classe 5, quando no utilizado entre 2 gestos da mesma classe,

    assume uma caracterstica ambgua; quando isto ocorre ele antecipa o gesto de classe 1.

    Na seo da pea que se encontra na pgina 5, h novamente um equilbrio na

    utilizao de gestos distintos que agora ocorre entre o gestos de classes 2 e 4. O gesto

    de classe 5 continua a exercer o mesmo comportamento que apresenta at ao momento.

    O gesto de classe 4 se torna mais efetivo na pgina 6, e h um equilbrio agora entre os

    gestos de classe 1 e 2. Neste trecho da pea, acredito haver o maior grau de tenso do

    ponto de vista textural, outro indcio da estrutura da pea ser formalmente uma parbola.

    Na seo encontrada na pgina 7 h novamente o predomnio do gesto de classe 2,

    e h a introduo de elementos no similares aos apresentados anteriorment