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    Tatiana Mareto / SEQUESTRADOS / 1

    When starlight falls My love will guide you home

    Youll never be alone When there are no more heroes

    - Westlife -

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    CAPTULO 1

    Proposta com muito acar

    Era s mais uma manh fria em Londres, como acontecia todo inverno. Ms dejaneiro, iniciava-se mais um ano do resto da minha. Estava sentada na cafeteria

    em frente estao policial na Wood Street, olhando xamente para o creme docappuccino enquanto ele se desfazia pelo calor da bebida e retirando pequenaslascas de acar da rosquinha de canela sobre o prato.

    Tdio.Fazia tanto tempo que me sentia entediada que no me importava mais com

    nada daquilo; tudo era chato e repetitivo naquela vida que tinha escolhido paramim, h dois anos.

    Enquanto lamentava secretamente e revolvia meus dramas pessoais, senti apresena confortvel de Richard Malone ao meu lado. Ele arfava, como setivesse acabado de correr os cem metros rasos, e aquilo s me dava duasopes: ou algo muito srio tinha acontecido e, nalmente, teramos algumaagitao naquele departamento; ou o Chefe tinha descoberto quem estavafurtando toner da impressora da sua sala.

    Brown, telefone para voc. Malone conseguiu verbalizar alguma coisaassim que recuperou o flego, depois que eu o encarei por segundos.

    Voc precisa fazer alguma atividade fsica, Malone. Sinceramente, isso jeito de car s porque deu uma corridinha at aqui? Se fosse uma perseguiovoc j estaria morto.

    No foi uma perseguio, ento continuarei com meu cio saudvel pormais algum tempo. Ele disse, medindo a pulsao. Voc me ouviu? H umComissrio de Polcia querendo lhe falar, e ele disse que urgente.

    Torci os lbios e encarei Richard novamente. Eu detestava quando as pessoasqueriam qualquer coisa urgente comigo; tudo que fazia era no meu tempo e nomomento que considerava adequado ou necessrio. Pssimo costume adquiridona Interpol, mas o que poderia fazer? Bebi o cappuccino restante em um gole,

    sujando os lbios de creme e canela, e devorei a rosquinha em duas mordidas.Com a boca cheia e melada, batendo o acar da roupa, levantei-me e segui

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    meu parceiro at o quartel general, do outro lado da rua, para atender oinconveniente Comissrio com sua urgncia.

    O telefone estava fora do gancho sobre a mesa totalmente ordenada. Sim, euera manaca por organizao; os papeis eram separados por ordem alfabtica,de cor e tamanho. Desabei literalmente sobre a cadeira e peguei o fone, jimaginando que repreenso sofreria, daquela vez. Fazia tempo que no destruanada, ento no deveria ser importante.

    Brown falando. Detetive Abby Brown? Bom dia, quem fala o Comissrio Anthony

    Berkeley, Polcia Internacional.A vontade de desligar o telefone foi to grande que quase esqueci que

    aquela atitude poderia me custar o distintivo. Errar meu nome era o erro maisgrave que algum poderia cometer ao falar comigo. Eu no era Abby ou Abbe, onome era Abbey, em homenagem clebre rua que os Beatles imortalizaram. Eera assim que eu queria ser chamada.

    Diga, Comissrio, em que posso lhe ajudar? Precisamos conversar pessoalmente. Onde posso encontr-la? Em minha estao policial. No, detetive. A voz diminuiu de volume, como se algum no

    pudesse ouvir o que falava o tal Berkeley. Preciso falar-lhe em particular.

    Podemos nos encontrar depois do seu expediente? No costumo encontrar-me com estranhos para tratar de assuntosdesconhecidos. Fui enftica e movi a mo para desligar o telefone.

    Conversei com seu Capito; ele est disposto a interceder em nosso favor. uma delicada situao de refns, precisamos de sua expertise.

    Voltei com o telefone para o ouvido, curiosa. Eu no lidava com refns, nemningum precisava de mim para casos daquele tipo, h bastante tempo. Nosabia se estava interessada, mas ouvir um pouco mais no me custaria nada.

    Tudo bem, Comissrio. Vamos conversar hoje, s dezenove horas, noMoonlight Cafe.Desliguei o telefone, daquela vez sem maiores cerimnias, e desconcentrei-

    me totalmente do que poderia ter que fazer durante o dia. Havia umainvestigao em andamento sobre fraudes e possvel homicdio, mas noconsegui focar nos papeis que se amontoaram sobre a mesa depois que Richarddeixou algumas pastas para que analisasse. A perspectiva de que algumdesejava minhas orientaes sobre o passado me intrigava.

    O passado.Refns eram o passado, para mim, e nada do passado me trazia boas

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    recordaes. De qualquer forma, estava cansada do presente e o futuro no seapresentava com uma perspectiva muito melhor. Tudo aquilo fazia com querefns e terrorismo se tornassem intrigantes mais uma vez.

    J tinha me cansado de ler as manchetes do jornal do dia quando o ComissrioBerkeley chegou ao Cafe, com um homem jovem de terno que o acompanhava.O relgio marcava dezoito e cinquenta e sete, mas eu j esperava h mais demeia hora. Certamente estava de mau humor, mesmo que a culpa pela esperano fosse do convidado.

    Examinei meus convidados por breves segundos, enquanto eles meprocuravam pelas mesas. Berkeley usava roupa militar. Bastante clich. O jovemhomem que o acompanhava devia ter no mximo trinta anos. Seus olhos azuischamavam ateno ao longe. Os cabelos pretos pareciam articiais queladistncia, mas eu no poderia dizer. Nunca tinha visto cabelos to pretos.Engoli um pedao de rosquinha sem mastigar direito e senti o esfago arranhar.Se eu fosse tendente a car sem palavras ou sem ao, teria cado.

    Ele era lindo. Boa noite, detetive. Sou Berkeley, esse Romeo Bianchi. Berkeley

    estendeu a mo para me cumprimentar. Precisei me limpar com vriosguardanapos antes. A espera me deixava ansiosa e a ansiedade me fazia comer.

    Sente-se, pea um caf e conte logo o que quer, Comissrio. Pode noparecer, mas tenho outras coisas a fazer alm de car batendo papo em umacafeteria.

    Os dois homens se entreolharam, movendo a cabea para cima e para baixo,e sentaram-se. Observei-os brevemente; o Comissrio tinha cabelos grisalhos ebigode, suas roupas estavam j um tanto desbotadas. Romeo Bianchi, noentanto, parecia uma esttua grega, uma ostentao beleza masculina. Seuterno era impecvel, de grife. Seus cabelos eram realmente naturais. E as feies

    eram absurdamente bem delineadas. Ele todo poderia ter sado de uma pinturarenascentista. Detetive, seremos breves. Precisamos de seus servios para um caso

    delicado. So refns que esto nas mos de guerrilheiros, e no conseguimosevoluir nas negociaes.

    Guerrilheiros? Mordi a ltima rosquinha. Sinto muito, mas noestou interessada. No trabalho mais com casos assim.

    Sabemos que no, mas precisamos que reconsidere. O sequestro envolvepessoas de renome internacional, existem vrios complicadores que nos fazempensar que no se trata de acaso.

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    Eu nunca lido com acasos. E minha resposta nal no.Levantei-me na inteno de deix-los com a conta, mas meus ouvidos

    capturaram algo que no deveriam. Detetive, por favor reconsidere. O Adnis falava. Certamente ser

    muito bem remunerada se aceitar o trabalho; estamos dispostos a pagar at dezpor cento do valor do resgate.

    Pagam? Sentei-me novamente. Resgate? Tudo bem, d-me detalhes.No era preciso de muito para capturar minha ateno. A voz grave de

    Romeo Bianchi me fez decidir saber mais sobre o servio. No sabemos muita coisa, tambm. Bianchi bebeu um gole do seu

    frapuccino. Peguei-me encarando-o e reprimi-me, internamente. Alm detudo, precisamos ter certeza de sua discrio primeiro.

    Euno sou discreta, como vocs podem notar. Fiz meno a meuvesturio composto de uma combinao extica de roxo e azul. Mas nodiscuto assuntos de trabalho com quem no cliente; quando se trata de refnsqualquer passo errado pode signicar o m da misso.

    Detetive, verdade que nunca perdeu um refm? Berkeley tambmesquivou-se da pergunta.

    Dena perder. Nenhum refm morreu durante suas negociaes.

    Nenhum refm. Conrmei. Sou estatstica zero, pretendo continuarassim. Por isso estou aposentada. De quanto seria esse resgate? Cem milhes de Libras.Engasguei com o acar. Raramente me incomodava com valores, mas

    aquele era signicativo. Poderia ser, realmente, minha aposentadoria. Comaquela quantia eu poderia desaparecer daquele departamento policial tedioso emudar-me para as Ilhas Fiji, ou algum lugar onde no precisasse lidar compessoas.

    Recuei. Se eu aceitar, e digo isso hipoteticamente, vocs vo precisar me dar maisinformaes. No trabalho no escuro; impossvel negociar sem ter plenaconscincia da situao. Quero relatrios, dados, nomes; tudo que vocstiverem. Quem est no comando hoje?

    Paolo DeRossi. Bianchi respondeu sem titubear Ele est no local doconito.

    Local do conito ? Pensei que fosse um sequestro. Sim, tudo indica que um sequestro. Detetive, podemos fazer o seguinte.

    Vamos conversar com as famlias dos refns, assim voc poder ter toda as

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    informaes que deseja. O que acha? Amanh, mesmo horrio. Espero vocs s dezenove na frente da estao

    de polcia.Aquela era minha resposta nal. Nem sim, nem no; eu saberia mais sobre o

    caso. O valor que receberia caso aceitasse o servio ecoava em minha cabea,batendo de um lado a outro, fazendo-me desconcentrar at mesmo das minhaspromessas. Deixei uma nota de dez Libras sobre a mesa e voltei para meuapartamento - tudo que queria era enar a cabea no travesseiro e acreditar queno estava fazendo uma grande besteira.

    Dezenove horas e cinco minutos e o telefone ainda no tinha tocado avisandoque pessoas me esperavam do lado de fora. Minha irritao era latente; Malonej tinha se afastado e ido para a mesa de Hattaway, temendo a nuvem defumaa que se formava por sobre minha cabea, exatamente como nosdesenhos animados. Quando o telefone nalmente apitou, indicando umaligao de nmero desconhecido, eu j pretendia desistir das muitas mil Librasque poderia ganhar com aquele servio.

    Os refns esto mortos, Comissrio. Disparei, to logo atendeu-o. Como assim, mortos? Voc est quase dez minutos atrasados. A primeira regra do manual

    como resgatar um refm nunca se atrasar. Lamento, detetive. Estou aguardando-a.Ainda irritada, fechei as gavetas, peguei a jaqueta do tailleur e joguei as

    chaves para Malone. Apenas o parceiro tinha direito de acesso s minhasborrachinhas e clipes. Novamente idealizando o dia em que no precisariaretornar quele lugar de tortura, encontrei-me com o ultrapassado Comissrioda Polcia Internacional para ser guiada at um bairro em Chelsea. Berkeleyparou o Cabriolet na frente de uma residncia de aparncia nobre e fomos

    recebidos por uma senhora trajando preto. Ela segurava um copo de gua nasmos e tinha a expresso de quem tinha chorado muito durante aquele dia. Berkeley! A senhora cumprimentou efusivamente o Comissrio. Seja

    bem vindo, meu bom amigo. Lady Clarke, que bom rev-la. Essa a Detetive Abby Brown, a

    negociadora. Abbey. Corrigi meu nome na tentativa de no me enfezar ainda mais.

    Como eu no cumprimentava pessoas, deixei que o Comissrio zesse a partesocial e apenas o segui para dentro da casa, at uma sala grande, toda decoradacom estantes de livros e mveis antigos. Havia tanta gente concentrada ali que

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    eu podia confundir o momento com uma festa da terceira idade.Meus olhos, no entanto, prenderam-se imediatamente na gura surreal de

    Romeo Bianchi. Ele se destacava no ambiente. Casualmente vestido e comcabelos midos de um banho recente, to logo nos viu chegar, aproximou-se.Engoli saliva, daquela vez. Meu corpo parecia gaguejar com a viso daquelehomem. No era uma reao qual eu estava acostumada. Minha boca couseca.

    Ento, Lady Clarke, as famlias esto todas aqui? Berkeley perguntou. Sim, Comissrio. Essa a Sra. DeRossi, me de Paolo. Fomos

    rapidamente apresentados a outra senhora, de feies nas e cabelos tingidos.Ela parecia mais calma.

    Sra. DeRossi, permita-me apresent-la Detetive Brown. Ela anegociadora recomendada por Edward.

    O nome Edward acendeu um grande sinal de alerta em mim. Aquela casano era da nobreza, aquelas pessoas no pertenciam realeza, mas falavam deum prncipe como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. De qualquerforma, para eles terem ido atrs dele, a coisa deveria ser bastante sria.

    Muito prazer, detetive. A senhora estendeu-me a mo, mas mantive osbraos cruzados no peito. Vocs j acertaram os detalhes da viagem?

    Viagem? Franzi a sobrancelha, confusa. Bem, nada cou acertado

    comigo, vim at aqui para obter informaes fora e conrmar o desejo dasfamlias em me contratar. Utilizei-me do mesmo termo do Comissrio, nainteno de causar boa impresso. Eu no tinha mais muita habilidade em lidarcom pessoas. Naquele momento, Romeo Bianchi estava parado ao meu lado.Sua presena era um pouco perturbadora. Seu aroma almiscarado, um tantoinebriante.

    Detetive, seu nome foi o nico que todos recomendaram. Voc precisatrazer nossos meninos de volta, salvo. Lady Clarke interferiu. Pagamos a

    quantia prometida e todas as suas despesas enquanto estiverem no Brasil, masprecisamos Brasil? Ah, o passado! Esperem, eu no ia comandar as negociaes

    de um sequestro? O que o Brasil tem a ver com isso; no vamos tirar frias! O sequestro aconteceu l. Romeo Bianchi respondeu minha recente

    dvida. Por que eu estava achando tudo aquilo muito esquisito? E vocs pretendiam me contar isso quando? Virei-me para Berkeley,

    que estava vermelho como pimenta malagueta. Chegaram a cogitar que eujamais aceitaria um caso de terrorismo em continente americano? PorqueBrasil no estamos falando do crime organizado de l, estamos? Isso

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    aconteceu aonde, na oresta? Diga-me, foi na Amaznia? No. Foi em uma oresta prxima a Santa Cruz, Bolvia. Romeo

    conrmou. Um nibus foi abordado e sequestrado por guerrilheiros locais, a verso ocial do Governo Boliviano. At agora no conseguimos descobrirquem eles so ou por que zeram isso. Eles pediram o resgate, mas asnegociaes no evoluem. J fazem trs dias, e mal conseguimos noscomunicar com eles. O valor que eles esto pedindo considervel, maspodemos conseguir. S queremos certeza que, pagando, todos os refnsretornaro salvo.

    Comprimi as tmporas com as mos para manter-me calma e no explodir.Tinha sido manipulada, levada a acreditar que apenas ajudaria no resgatemilionrio de refns famosos, enquanto, na verdade, lidaria com guerrilheirosde uma zona de conito. No havia muito trabalho para uma negociadora, emum caso como aqueles.

    Eles queriam outra coisa. Tudo bem. Deixe-me expor a vocs como trabalho. A sala silenciou-se

    para me ouvir, que falava entre dentes, reprimindo uma ira que me acabariaenvenenando. No ajudarei nas negociaes; a partir de agora eu vouassumir todo e qualquer contato com os sequestradores. Quem estiver nocomando no est mais. Eu trabalho sozinha e s aceito ajuda quando solicito.

    Preciso car prxima da zona de conito, portanto temos que ir para o Brasilagora. No creio que receberemos apoio do governo Boliviano, mas tenho bonscontatos no exrcito Brasileiro. E vocs vo parar de mentir para mim agora, oueu voltarei para a minha casa to rapidamente que jamais percebero que sa del uma hora. Quero a verdade, com detalhes de tudo que aconteceu at agoranesse caso.

    Disse tudo em um s flego, enquanto o grupo de pessoas me encarava. Aonal de meu breve discurso, outra mulher, com a mesma aparncia de

    sofrimento de Lady Clarke, me interpelou. Eles diro tudo que precisar, Detetive. S traga-os de volta. Meu nome Simona Campi, meu lho um dos refns.

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    CAPTULO 2

    A caminho do paraso

    Poucas horas depois da reunio com as famlias eu j estava em um avio emdireo ao Brasil. O chatssimo Comissrio Berkeley me acompanhava. No

    apenas ele. Para minha grata surpresa, o deus grego da beleza estava includono pacote turstico. Ou eu deveria chamar de visita ao tnel do tempo. Brasil,situao de refns, negociaes. Aquilo era algo que eu tinha deixado nopassado h pelo menos dois anos.

    Eu era Brasileira. Depois do divrcio de meus pais fui morar com papai, umocial da Polcia Internacional. Eu tinha dez anos quando mudamos para africa, e depois para a sia, e para os Estados Unidos, e fomos mudando de umlugar para outro indenidamente. A realidade militar era a nica que euconhecia. Voltamos ao Brasil algumas vezes, principalmente para que eupudesse entrar em contato com meus irmos, Lucy e John. Nossos nomes, meue de meus irmos, eram todos homenagens aos Beatles, dolos de minha me.

    Havia boas recordaes naquele lugar. Participei de vrias operaes nocombate das guerrilhas sul-americanas. Sa momentaneamente de meusdevaneios quando Romeo Bianchi retornou a seu assento e precisou passar pormim. Eu era uma pequena quase insignicante, mas ele poderia ter-me pedidolicena. Prendi a respirao, aguardando que o homem se acomodasse. A modele me tocou diversas vezes enquanto tentava abotoar o cinto de segurana. Oavio no parecia confortvel o suciente para ele.

    Lembre-me de conseguir assentos melhores, da prxima vez. Romeosibilou para Berkeley. No tenho mais estrutura para viajar na classeeconmica.

    Franzi a testa. O que aquilo poderia signicar? Preferia a primeira classe, Sr. Bianchi? Dei uma pequena risada. Eu

    ainda no sabia onde ele se encaixava naquele contexto. Nada me tinha sidodito a respeito dele. Poderia ter tentado trocar seu bilhete. Brinquei.

    Eu tentei, mas os assentos estavam todos ocupados. Ele pareceudesolado. Mas convenci os atendentes de bordo a nos servirem champanhe a

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    noite toda. Convenceu-os? Sim, eu sou bom em convencer pessoas. Ele me sorriu. Prendi a

    respirao novamente, em mais uma reao incoerente do meu corpo presena do Italiano. Homens nunca me deixavam desconfortvel. Bem, eu noestava acostumada a homens como aquele.

    Estupidamente lindos.As luzes do avio se apagaram logo aps o jantar. Escolhi todos os itens do

    menu - eu adorava comida de avio. Pretendia dormir a viagem inteira. Eramdoze horas que eu passaria espremida em um avio e absolutamente entediada.Precisava que o tempo passasse rpido. Mas os deuses no ouviriam as minhaspreces. Enquanto eu sonhava com qualquer coisa que envolvesse muita chuva euma oresta tropical, meus olhos foram assaltados pela luz brilhante da tela deum computador.

    Romeo Bianchi estava com olaptop apoiado sobre a mesa. Ele pareciaconcentrado olhando para a tela. Usava fones de ouvido. Seu perl erainumano. No podia negar, nunca tinha visto feies to perfeitas em um serhumano. Meus padres provavelmente precisavam de recalibragem. Movi-meno assento tentando uma posio que impedisse aquela luz em meus olhos.

    Incomodo voc? Ele sussurrou, movendo a cabea para o lado. Senti

    sua respirao em meu pescoo. Voc no dorme? Olhei sutilmente no relgio. Passava de trs damanh, no meu fuso horrio.

    Responder pergunta com pergunta no um movimento interessante,Detetive Brown. Romeo sorriu. Pude perceber seus lbios se erguendo, masele tambm sabia ser sutil. Com agilidade, ele puxou alguma coisa que estavaem seu bolso e exibiu para mim. A soluo de todos os meus problemas. Useisso. Ele desenrolou a mscara de tecido e displicentemente moveu-se para o

    lado, colocando-a por sobre meus olhos. Sobressaltei-me, mas permiti que eleme tocasse daquela forma. Obrigada. Acomodei o travesseiro sob minha cabea. No seria

    mais simples se voc dormisse? Seria. Mas preciso resolver alguns assuntos de negcios. O sequestro do

    meu irmozinho no afetou o balano do mercado internacional.Rosnei sons ininteligveis, demonstrando que a conversa tinha se encerrado.

    Ao menos eu tinha descoberto o que levava Romeo Bianchi quela aventura.

    A aeronave clareou novamente quando Berkeley abriu a janela e permitiu que a

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    luz do dia penetrasse no seu interior. Praticamente todos os passageiros tinhamjanelas abertas. O comissrio chefe anunciava alguma coisa em Portugus. Euestava grogue demais para me aperceber das palavras. Fazia calor, mais calor doque deveria dentro de um avio climatizado. Foi quando tentei me mover epuxei a venda de meus olhos que descobri o motivo da minha temperaturacorporal elevada.

    Romeo Bianchi.Adormecido, ele tinha se movido e cado parcialmente por sobre mim. Seu

    travesseiro estava sobre meu ombro. Sua cabea pendia para o lado e recostava-se na minha. Seu corpo estava dobrado, seu brao direito parte sobre meuestmago, parte sobre minhas pernas. Havia um cobertor que nos envolvia.Aquela situao era constrangedora. Um pouco irritante. Ele pareciaconfortvel, mas precisava acordar.

    Por sorte, a equipe de bordo avisou que o caf da manh seria servido. Maiscomida. Voar sempre me deixava de bom humor - e meu humor erafundamental para que toda operao desse certo. Bianchi acordou subitamentecom o burburinho que se formou na aeronave. A situao era constrangedorapara ele tambm. Notei, pelo seu embarao, que ele no esperava despertarquase por cima de mim.

    Interessante que, mesmo recm desperto de um sono irregular em uma

    cadeira desconfortvel, ele ainda era estonteante. A aeromoa quase tropeouduas vezes enquanto tentava servir o caf. Acabei satisfeita por suspeitar queRomeo Bianchi causava aquele efeito em outras mulheres. Eu no deveria estarto errada em me assustar com sua beleza.

    Quando chegamos ao destino eu j estava certa de que me arrependeria deter aceitado aquele trabalho. As variveis estavam todas contra mim. Um clienteque tirava o flego das mais desavisadas que cruzavam seu caminho. Uma selvatropical e todos os riscos que ela representava. Guerrilheiros armados e

    dispostos a sabe-se l o que para conseguir seus objetivos. E muitos refns.Chovia em Cuiab e fazia tanto calor que no era possvel entender como aspessoas conseguiam car vestidas naquele lugar. Muita umidade e muitosmosquitos; eu suava e encardia a farda que sempre me acompanhava nasmisses, e cava ainda mais aborrecida do que j era. O bom humor trazidopela comida de avio j tinha se esvado quando encontrei meu amigoBrasileiro.

    Mas que lugar infernal esse em que fui me meter. Reclamei, antesmesmo de cumprimentar Eduardo, que nos aguardava no aeroporto. J estavaparcialmente molhada do trajeto at a sala de embarque.

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    Bom te ver de novo, Abbey. O amigo me cumprimentou com um beijo. Ento, problemas com os guerrilheiros Bolivianos dessa vez?

    Pois , mas trata-se de um servio particular. Voc pode me ajudar? Temos um ponto de apoio em uma cidadezinha beira da oresta, bem

    prximo da fronteira. Tambm temos nossos contatos no exrcito Boliviano;vocs tero acesso livre ao pas para poder trabalhar. O governo local estciente do ocorrido?

    Sim, porm no esto sendo de grande valia at agora. Berkeleycomentou.

    Podem contar com nosso apoio, mas no podemos nos intrometer, se meentende. No temos Brasileiros envolvidos, e nossas relaes diplomticas nopodem se abalar.

    Fique tranquilo, eu nunca envolvo governos em minhas misses. Teremoscomunicao?

    Providenciei rdios, computadores e acesso internet. Se precisar de algomais, voc sabe como me contatar.

    Claro que eu sabia. Eduardo nos colocou em um Jipe e fomos de carro atonde foi possvel. Como o ponto de apoio cava totalmente embrenhado namata, tivemos que caminhar uma pequena parte do trajeto at chegarmos estrutura de madeira e alvenaria que nos abrigaria por alguns dias - era o que se

    esperava.Nada mais do que alguns dias.Bianchi cou no telefone durante todo o trajeto. Na verdade, desde que ele

    ligou o aparelho na sala de desembarque, no parou mais de falar. Eramligaes aparentemente de negcios, porque eu no entendia absolutamentenada do que falavam. Ele no tentava ser discreto. Daquela vez ele estavavestido casualmente. Nada de terno, apenas jeans e uma camisa azul de botes.No devia ser autorizado que homens com olhos azuis como os de Romeo

    usassem roupas que evidenciassem ainda mais aquela caracterstica. Apesar deeu achar que no havia olhos como os dele. E de olhos azuis eu entendia bem.

    A base de apoio era uma estrutura bastante suciente. Precisamos passar poruma cidade bastante pequena, quase uma vila, antes de encontr-la. Ficavapoucos metros afastada, mas era possvel acessar mercado, farmcia e outrasfacilidades p. No havia ningum nossa espera - nem deveria haver.Estacionei o Jipe no ptio de entrada j examinando os arredores. A oresta eratambm a poucos metros da base. O barulho da selva podia ser ouvido nosilncio que nos havia capturado desde que Bianchi parou de falar no telefone.

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    Vamos nos estabelecer. Determinei. Deixei minhas coisas no veculo,abri a casa de alvenaria e madeira, com telhado estilo rstico e varanda. Poderiaser a residncia de algum. Denitivamente preferia pontos de apoio que seconfundissem com meras construes civis. Aquele nos serviria bem.

    Tudo aqui bastante simples. Bianchi entrou logo depois de mim,tambm observador. Abri as janelas imediatamente para permitir a luz naturalentrar e notei as telas reforadas em todas elas. Mosquitos. Estvamos em umasala/cozinha, e anexa a ela havia o comando. Certamente haveria um permetropara ativar, mas aquilo s seria necessrio noite.

    Esperava um hotel cinco estrelas, Sr. Bianchi? Eu ri. O cliente pareciameio distante da realidade de operaes como aquela. Suspeitei que eleestivesse acostumado riqueza e ostentao. Gostava de viajar na primeiraclasse, criticava a simplicidade das instalaes, usava roupas de grife e umtelefone que custava mais do que todos os eletrnicos da minha casa.

    No. Ele moveu os ombros e depositou nossas malas na sala principal.Nossas. Por algum motivo que desconheo, ele carregava a minha malatambm. Franzi a testa. No estava acostumada a pessoas carregando minhascoisas. Mas bem, deve haver algo que se possa fazer para melhorar isso.

    Escolha um quarto, vou me instalar. Preciso analisar a situao e discutirestratgias de resgate. Estarei na internet, se precisar.

    Peguei minha mala, deixando claro que eu a levaria comigo. A linguagemcorporal deveria dizer mais do que as prprias palavras. No gostava muito defalar. Arrastei a bagagem at o primeiro quarto disponvel, pretendendo car nocentro de tudo. Eu sempre prestava ateno em tudo que acontecia ao meuredor. Quanto mais perto do comando, da cozinha e do banheiro eu estivesse,melhor para mim.

    L pela hora do almoo decidi sair de minha recluso. Bianchi estavanovamente no telefone, girando de um lado para o outro na sala. Seus cabelos

    estavam desgrenhados de tanto que ele passava a mo por eles. A camisa jtinha sado de dentro das calas e havia dois botes abertos no colarinho. Eleera uma viso e tanto.

    Conseguiu o que queria, detetive? O cliente me interpelou apsnalizar sua ligao.

    No. Rosnei enquanto procurava mantimentos para preparar algumacoisa naquela cozinha pouco equipada. Havia um fogo a gs, algunseletrodomsticos antigos como liquidicador e uma torradeira eltrica, e umrefrigerador. Os armrios eram de madeira e parecia haver algo errado com eles.O mais trgico, estavam vazios. Droga, no tem comida nesse lugar. E a

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    internet aqui pssima, levei uma hora para acessar o sistema. Ergui o olhare Bianchi me observava com alguma curiosidade. Eu tinha trocado de roupa, eusava calas camuadas, coturnos e uma camiseta branca. A identicao doexrcito estava pendurada em meu pescoo. Eu no gostava muito de us-la porcausa do meu nome antigo - o nome que meus pais me deram ao nascer -estampado. Eu era Abbey Brown, e no Abbey Fonseca de Toledo.

    Torci os lbios e decidi que precisava de comida. Logo a minha glicoseabaixaria e eu me tornaria a mais insuportvel das pessoas. Peguei as chaves do Jipe. Era hora de visitar a cidade.

    Vai sair? Sim, precisamos de comida. Vou comprar algo e volto logo. Onde est

    Berkeley? Trancou-se em um quarto e no mais o vi, detetive. Bianchi sorriu e me

    atingiu como uma bofetada. Eu geralmente era imune a sorrisos. Mas o deleparecia infeccioso.

    Mantenha-se dentro da base, Sr. Bianchi. J volto com os mantimentos.Precisa de algo mais da cidade?

    Ele moveu os ombros em um claro sinal de indeciso mas no quei paraanalis-lo mais efetivamente. J estava com o Jipe em movimento quandoRomeo saiu correndo da base em minha direo, pedindo-me que parasse. Pisei

    no freio assustada e ele deliberadamente pulou para dentro do veculo, comuma expresso de satisfao que no me parecia coerente com o momento. Vou com voc. Tambm preciso comprar algumas coisas.

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    CAPTULO 3

    Veneno de rato

    Aquilo era um pouco diferente para mim. Eu gostaria de dizer inadequado.Irregular. Mas no era. S no estava acostumada a ter o cliente perambulando

    atrs de mim. Bem, eu no estava acostumada a ter clientes. Aquele deveria ser,provavelmente, o problema. As operaes das quais eu tomava parte eram todasmilitares. Nunca havamos feito aquilo pelo dinheiro - apenas pelo dinheiro.

    E l estava eu usando o pronome na primeira pessoa do plural. No haviamais ns.

    A cidade que nos servia de apoio era Vila Bela da Santssima Trindade. Comaproximadamente 30 mil habitantes, tratava-se de uma cidade essencialmenteturstica, o que a tornava movimentada. Estvamos na primavera Brasileira, eaquilo signicava altas temperaturas e muitos turistas. Basicamente mochileiros.Pessoas em busca de contato com a natureza. Enquanto meu cliente pareciatotalmente averro a esse contato.

    Enquanto eu empurrava um carrinho de compras pelos corredores doprimeiro supermercado que apareceu na minha frente, Bianchi falava aotelefone. Ligaes internacionais em Ingls e Italiano. Ele pagaria uma fortunapor elas. Eventualmente ele pegava algo nas prateleiras e jogava dentro docarrinho. Itens masculinos, em sua maioria. Desodorante, loo ps barba,xampu, sabonete glicerinado. Eu me perguntava se ele fazia ideia do que estavapretendendo comprar. Provavelmente a similaridade de idiomas o permitiacompreender alguma coisa.

    Voc fala Portugus? No resisti em perguntar, depois que ele desligouo celular.

    No. Nem uma palavra. E como sabe que no est comprando veneno de rato? Interroguei-o,

    com uma sobrancelha erguida. Voc me deixaria comprar veneno? Romeo devolveu a pergunta.

    Tranquilizante para elefantes, talvez. Impliquei. Onde aprendeu a falar Portugus? E eu era o assunto,

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    instantaneamente. Meus pais so Brasileiros, nasci aqui. Parei em frente aos laticnios

    decidindo se compraria algo que me faria mal. Lactose no era exatamente ador de estmago que eu pretendia ter naquela operao. A expresso desurpresa e curiosidade do cliente era divertida. No aqui, nessa cidade. Aqui,nesse pas. Mudei-me para a Europa com doze anos de idade. Eu falo seteidiomas, Sr. Bianchi.

    Bastante intrigante, Detetive Brown. E por que decidiu ser uma caadorade terroristas?

    Ah, se ele soubesse como eu detestava responder perguntas. Ainda mais seelas eram sobre mim. Torci os lbios e continuei as compras. O celular deletocou mais uma vez e pude me concentrar nos itens de primeira necessidade.Eu no estava preocupada com itens de pouca importncia. Tudo que queria eracomida.

    No caixa, fui passando as compras enquanto Bianchi ainda falava algumacoisa em Italiano. Notei que a caixa olhava para ele atordoada. Com certeza erao idioma. Ou talvez a forma como a boca dele se movia quando elepronunciava as palavras. Quem diria que Italiano pudesse ser sexy. Sacudi acabea, indignada por estar fazendo exatamente o mesmo que a caixa, eprossegui. Quando puxei o carto de crdito para pagar o total senti a

    proximidade ainda bastante estranha do cliente.Parado atrs de mim, ele envolveu minha mo na dele impedindo-me deentregar o carto caixa. Eu sabia que ele sorria quando estendeu a mo livre,que segurava outro carto, prateado e dourado.

    Voc no vai pagar pelas minhas compras, Detetive Brown. Elepraticamente sussurrou em meus ouvidos, to perto estvamos. Meu corpoestremeceu levemente. Desejava solenemente que ele no tivesse percebidonada. Meu corpo, comportando-se de forma juvenil, na presena de um quase

    desconhecido. Clich.Eu ia discutir. Ele tambm no pagaria porminhas compras. Mas valia pena? Ele poderia responder por aquela insolncia depois. No estavaacostumada com homens pagando as minhas contas, nem estava com vontadede comear naquela operao. Meu salrio era uma porcaria, mas eu aindapodia me manter com dignidade.

    De volta base, Berkeley estava ansioso. O velho Comissrio dormia quandosamos e cou confuso ao no ver ningum vista. Eu tinha tanta fome quecomeria algo vivo. Desempacotei as compras com alguma ferocidade e

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    coloquei uma massa pronta no forno. Por sorte, durante a viagem, o alimento jtinha praticamente descongelado naquele calor infernal. Guardei o resto dascompras e fui para o banheiro me refrescar rapidamente. Quando retornei, amassa cheirava e Bianchi estava de p no balco, punhos da camisa dobradosat os cotovelos e descalo. Berkeley fumava um cigarro na varanda e haviamsica tocando.

    Msica? O que est fazendo? Perguntei, genuinamente. Eu no fazia ideia. O almoo. Ele no se virou, apenas continuou sua tarefa. No acha

    que podemos sobreviver de lasanha congelada e refrigerante, acha? Bem, eu sobrevivo.Girando o pescoo por cima do ombro, Bianchi em encarou, com as duas

    sobrancelhas erguidas. Seus olhos me escanearam de cima em baixo. Surpreende-me que esteja to bem, detetive. Ouvi uma risada e meu

    sangue ferveu. Mas eu no. Preciso me alimentar de conforme.Aproximei-me, muito curiosa, e vi que ele picava vegetais. Eu no tinha

    percebido que ele comprava nada daquelas coisas. Eu raramente comiavegetais. Tudo que saa do meu carrinho de supermercado era congelado,processado e industrializado. Em uma vasilha estava depositada uma carnecrua, embebida em tempero. Havia outros elementos por ali. Todos me

    confundiam. Esse o jantar. Ele apontou a carne. Por agora, vamos digerir a sualasanha pr-pronta. Mas noite teremos comida de verdade.

    Sr. Bianchi, no estamos de frias nem em um hotel. No acho quecomida seja nossa principal preocupao aqui. Desde que estejamos providosde carboidratos, a fonte irrelevante.

    Romeo riu, aquele mesmo sorriso de desarme de antes. Seu corpo todorespondeu risada, e aquilo tambm foi sexy. Afastei-me dele o quanto

    podia, pois minhas reaes ainda eram inadequadas. Se o cliente estavatomando conta da cozinha, eu poderia voltar para minhas pesquisas at que oalmoo casse pronto.

    Alguma meia hora depois ouvi batidas na porta do meu quarto e em seguidaRomeo Bianchi colocou a cabea para dentro, avisando-me que a comidaestava servida. Se eu j estava confusa e surpresa com todas as atitudes docliente, quei ainda mais ao ver uma mesa rstica de madeira totalmentetransformada. Utilizando os elementos que haviam disposio na casa,Bianchi decorou-a com ores, colocou a comida em vasilhas, arrumou pratospara trs pessoas e abriu uma garrafa de vinho.

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    E eu s queria comida.Mas aquele cliente me intrigava. Quem era aquele homem, anal, e por que

    ele estava ali? Eu j tinha sido contratada, j estava com Berkeley na linha defrente, por que ele precisava acompanhar as negociaes? Desisti de ocupar-mecom essas questes enquanto comia. O vinho estava soberbo, fazia tempo queeu no degustava um valpolicella. Eu poderia descobrir sobre o cliente depois.

    Dormir no era uma de minhas atividades favoritas durante as operaes.Depois de passar a tarde no quarto, na companhia de rosquinhas e outrosalimentos pouco saudveis, consegui terminar a pesquisa sobre os possveisgrupos de guerrilheiros que se espalhavam pela rea do sequestro. Aproveiteipara fazer uma pequena busca sobre Romeo Bianchi.

    Trinta e sete anos, solteiro e dono de um imprio. Aquilo no deveria depormuito a favor de seu carter. Homens daquela idade que no tinham umrelacionamento estvel. Morava em Londres h alguns anos, mas era oriundo deMilo. Desisti de me aprofundar mais na pesquisa quando percebi que estavagastando mais tempo investigando o cliente do que os guerrilheiros. Aquiloestava invertido.

    A noite estava abafada e mida. O sol se punha muito mais cedo no Brasildo que na Europa, e teramos que nos acostumar com um longo perodo de

    escurido quase que absoluta. Estvamos em um local pouco iluminado edespovoado. Depois de ligar o permetro decidi fumar na varanda. Segurandouma taa do valpolicella do almoo, acendi um cigarro de canela e recostei-menos balastres enquanto observava o cu estrelado.

    Boa noite, detetive. A voz de Romeo me tirou de um transe de algunssegundos. No sabia que era adepta do cncer de pulmo como Berkeley.

    Ah, eu adorava que implicassem com meus cigarros. Virei-me para o cliente.Ele estava ainda usando as mesmas roupas da viagem, mas os botes da camisa

    estavam praticamente todos abertos, daquela vez. O notebook estava ligado emseu colo, o celular ao seu lado, e uma taa de vinho idntica minha repousavaem um tronco de rvore cortado que servia de mesa.

    Sr. Bianchi. No sou adepta do cncer, mas a canela meu relaxantenatural. Se tiver algum problema com isso, voc pode ir para a cidade ehospedar-se em algum dos hoteis.

    O jantar ser servido em breve. Sente-se, vamos conversar.Ele realmente falava como se estivssemos de frias. Vocs me disseram que Paolo DeRossi estava no comando das operaes.

    Onde ele est?

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    Em Santa Cruz. J falei com ele hoje; provavelmente amanh estar aqui. E o que ele representa, nessa histria toda? Paolo um bom amigo. Ele dirige o documentrio. Dirigia, no sei bem.

    Romeo bebeu um gole do vinho. Ele parecia to sereno e controlado. Eugostava do controle.

    Quais foram os resultados at agora? Algum xito nas negociaes? Comoele se comunica com os guerrilheiros?

    Ele no se comunica. Romeo sorriu parcialmente. Sua expresso era dedesapontamento. Ainda no zeram nenhum contato conosco, apenas parainformar o valor do resgate e nos oferecer um prazo de pagamento de dez dias.

    Sentei-me em um banco de madeira e recostei-me nos balastres. Nadadaquilo era produtivo. Seria eu a responsvel pelos primeiros contatos, mas euj estava acostumada. Ao menos parecia uma tpica situao de sequestro.

    Romeo levantou-se em seguida para checar o jantar. Peguei-meacompanhando o movimento de seu corpo. De costas, caminhando, ele erauma bela viso. No consegui resistir ideia de imagin-lo sem os jeans. No,aquilo denitivamente era mais inadequado do que eu poderia admitir. Prefericoncentrar-me no vinho e ngir que nada daquilo estava realmenteacontecendo. Que eu no estava, em hiptese alguma, atrada pelo cliente.