Ser Professor
Click here to load reader
description
Transcript of Ser Professor
Ser ProfessorPor João Ruivo
Educare.pt
O Estado democrático soçobraria sem a escola. O novo milénio atribui aos professores funções e competências indispensáveis ao desenvolvimento da sociedade do conhecimento. O futuro tem que ser construído com os professores e as suas organizações. Nunca contra ou apesar deles.
Ser professor é a mais nobre dádiva à humanidade e o maior contributo para o
progresso dos povos e das nações. E, como ninguém nasce professor, é necessário
aprender-se a ser. Leva muitos anos de estudo, trabalho, sacrifício, altruísmo e até
dor.
Um professor tem que aprender o que ensina, o modo de ensinar e tudo (mesmo tudo)
sobre os alunos que vão ser sujeitos à sua actividade profissional. Mas não se iludam:
depois de tudo isso um professor nunca está formado. Tem que aprender sempre. Um
professor carrega para toda a vida o fardo de ter que ser aluno de si próprio. De se
cuidar, de estar sempre atento, ter os pés bem postos no presente e os olhos bem
focados no futuro.
Ser professor obriga a não ter geração. Professor tem que saber lidar com todas elas,
as que o acompanham durante quatro décadas de carreira. É pai, mãe e espírito
santo. E, para o Estado, ainda é um funcionário que, zelosamente, se obriga a cumprir
todas as regras da coisa pública.
Por tudo isso, professor é obra permanentemente inacabada. É contentor onde cabe
sempre mais alguma coisa. O professor é um intelectual, mas também é um artesão; é
um teórico, mas que tem que viver na e com a prática; é um sábio, mas que tem de
aprender todos os dias; é um cientista que tem que traduzir a sua experimentação
para mil linguagens; é um aprendente que ensina; é um fazedor dos seres e dos
saberes; mas é também um homem, ou uma mulher, como todos nós, frágil,
expectante e sujeito às mais vulgares vulnerabilidades.
O professor contenta-se com pouco: alimenta a sua auto-estima com o sucesso dos
outros (os que ensina) e tanto basta para que isso se revele como a fórmula mágica
que traduz a medida certa da sua satisfação pessoal e profissional. Por isso é altruísta
e, face ao poder, muitas vezes ingénuo e péssimo negociador.
O professor vive quase todo o tempo da sua carreira em estádios profissionais de
enorme maturidade e de mestria. São estádios em que a maioria dos docentes se
sentem profissionalmente muito seguros, em que trabalham com entusiasmo, com
serenidade e com maturidade, e em que, num grande esforço de investimento
pessoal, se autoconduzem ao impulsionar da renovação da escola e à diversificação
das suas práticas lectivas.
Infelizmente, de onde devia partir o apoio, o incentivo e o reconhecimento social,
temos visto aplicar medidas políticas, e expressar pensamentos, através de palavras e
de obras, que menorizam os professores, que os denigrem junto da opinião pública, no
que constitui o maior ataque à escola e aos professores perpetrado nas últimas três
décadas do Portugal democrático.
Um ataque teimoso, persistente, vitimador e injustificado que tem levado o grande
corpo da classe docente a fases profissionais negativas, de desânimo, de desencanto,
de desinvestimento, de contestação, de estagnação, e de conformismo, o que
pressagia a mais duradoira e a mais grave conjuntura profissional de erosão, mal-estar
e de desprofissionalização.
Se não for possível colocar um fim rápido a estas políticas de agressão profissional,
oxalá uma década seja suficiente para repor toda uma classe nos trilhos do
envolvimento, do empenhamento e do ânimo, que pressagiem o regresso ao bem-
estar e à busca do desenvolvimento pessoal.
Importante, agora, será a persistência na ilusão. Os professores são uma classe única
e insubstituível. A sociedade já não sabe, nem pode, viver sem eles. O Estado
democrático soçobraria sem a escola. O novo milénio atribui aos professores funções
e competências indispensáveis ao desenvolvimento da sociedade do conhecimento. O
futuro tem que ser construído com os professores e as suas organizações. Nunca
contra ou apesar deles.
Ser professor é, portanto, tudo isto e muito mais. É uma bênção, é um forte orgulho e
uma honra incomensurável. Quem é professor ama o que faz e não quer ser outra
coisa. Mesmo se, conjuntural e extemporaneamente, diz o contrário. Fá-lo por raiva e
revolta contra os poderes que, infamemente, o distraem da sua missão principal e,
injustamente, o tentam julgar na praça pública, com cobardia e sempre com grave falta
ao rigor e à verdade.
Como diria a minha colega Alen, ao longo da história mais recente a sociedade já
precisou que os professores fossem heróis para que assegurassem o ensino nos
momentos mais difíceis e nas condições mais adversas; já necessitou que fossem
apóstolos para que aceitassem ganhar pouco; que fossem santos para que nunca
faltassem, mesmo quando doentes; que se revelassem sensíveis, para que
garantissem as funções assistenciais e se substituíssem à família e ao Estado; e que,
simultaneamente, se mantivessem abertos e flexíveis para aceitarem todas as novas
políticas e novas propostas governamentais. Mesmos as mais ilógicas e infundadas.
Porém, agora é bom que os mantenhamos lúcidos, para que possam ultrapassar com
sucesso este injusto desafio a que, ultimamente, têm vindo a ser sujeitos.