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SERES HUMANOS: COMODATO PLANETÁRIO BEINGS: LENDING PLANETARIUM Ana Lucia Brunetta Cardoso RESUMO Atualmente o problema da proteção do meio ambiente tornou-se um dos assuntos mais discutidos e difundidos nos meios de comunicação de todo o mundo. A preservação ambiental do planeta deixou de ser apenas uma previsão tornando-se uma necessidade em face da poluição e degradação ambientais, cada vez mais intensas, com as quais o homem tem que conviver. Por outro lado, o desenvolvimento econômico também é necessário à satisfação das necessidades do homem. Em virtude disso, e procurando trazer o equilíbrio entre a necessidade de preservação ambiental e a necessidade de desenvolvimento econômico, tem surgido uma legislação em todo o mundo que procura, senão resolver o problema da poluição e degradação ambiental, ao menos manter sob controle as atividades das empresas e das pessoas para a melhoria da qualidade de vida, em todas as suas formas, para que as presentes gerações consigam atender às suas necessidades sem comprometer o atendimento das necessidades das gerações futuras. Palavras Chaves: Meio Ambiente, sustentabilidade planetária, direito ambiental, seres humanos, responsabilidade ambiental ABSTRACT Currently the problem of environmental protection has become one of the most discussed and disseminated in the media around the world. Environmental preservation of the planet is no longer just a prediction becoming a necessity in the face of pollution and environmental degradation, increasingly intense, with which man has to conviver. Por other hand, economic development is also necessary to meet needs of man. As a result, and for bringing balance between the need for environmental preservation and the need for economic development, there has been a law throughout the world are looking for, but the problem of pollution and environmental degradation, at least keep in check the activities of companies and individuals to improve the quality of life in all its forms, so that present generations are able to meet their needs without compromising the care of the needs of future generations. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 579

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SERES HUMANOS: COMODATO PLANETÁRIO

BEINGS: LENDING PLANETARIUM

Ana Lucia Brunetta Cardoso

RESUMO

Atualmente o problema da proteção do meio ambiente tornou-se um dos

assuntos mais discutidos e difundidos nos meios de comunicação de todo o

mundo. A preservação ambiental do planeta deixou de ser apenas uma previsão

tornando-se uma necessidade em face da poluição e degradação ambientais, cada

vez mais intensas, com as quais o homem tem que conviver. Por outro lado, o

desenvolvimento econômico também é necessário à satisfação das necessidades

do homem. Em virtude disso, e procurando trazer o equilíbrio entre a

necessidade de preservação ambiental e a necessidade de desenvolvimento

econômico, tem surgido uma legislação em todo o mundo que procura, senão

resolver o problema da poluição e degradação ambiental, ao menos manter sob

controle as atividades das empresas e das pessoas para a melhoria da qualidade

de vida, em todas as suas formas, para que as presentes gerações consigam

atender às suas necessidades sem comprometer o atendimento das necessidades

das gerações futuras.

Palavras Chaves: Meio Ambiente, sustentabilidade planetária, direito ambiental,

seres humanos, responsabilidade ambiental

ABSTRACT

Currently the problem of environmental protection has become one of the most

discussed and disseminated in the media around the world. Environmental

preservation of the planet is no longer just a prediction becoming a necessity in

the face of pollution and environmental degradation, increasingly intense, with

which man has to conviver. Por other hand, economic development is also

necessary to meet needs of man. As a result, and for bringing balance between

the need for environmental preservation and the need for economic

development, there has been a law throughout the world are looking for, but the

problem of pollution and environmental degradation, at least keep in check the

activities of companies and individuals to improve the quality of life in all its

forms, so that present generations are able to meet their needs without

compromising the care of the needs of future generations.

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Keywords: Environment, global sustainability, environmental law, human rights,

environmental responsibility

A Lei n. 6938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) define o que se

entende por meio ambiente, considerando-o "conjunto de condições, leis, influências e

interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em

todas as suas formas". Temos aqui um conceito amplo e juridicamente indeterminado,

cabendo ao intérprete o preenchimento do seu conteúdo. O conceito de meio ambiente é

totalizador.

Embora possamos falar em meio ambiente marinho, terrestre, urbano etc., essas

facetas são partes de um todo sistematicamente organizado onde as partes,

reciprocamente, dependem uma das outras e onde o todo é sempre comprometido cada

vez que uma parte é agredida.

Ao questionarmos se o direito a um meio ambiente equilibrado e sadio é

suficientemente importante para ser alçado a categoria de um direito fundamental,

devemos levar em conta o papel essencial que o mesmo desempenha no

desenvolvimento humano em todos os tempos. Assim, fica evidente tratar-se de um dos

pilares de outros Direitos, tal como o direito à vida e à saúde.

Não restam dúvidas de que, a partir de convenções e acordos internacionais e da

pressão da opinião pública mundial, os países buscaram adequar-se do ponto de vista de

suas legislações ao clamor “politicamente correto” da observância e garantia de um dos

mais expressivos direitos dentre aqueles conhecidos.

O Brasil, ao que se nota, buscou positivar constitucionalmente o direito ao meio

ambiente, tanto que a Carta de 1988 contém um capítulo bastante amplo que está em

profunda harmonia com os sistemas legais dos países que mais se preocupam com o

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tema, já que contemplou princípios e conceitos claros e suficientes a nortear a

formulação de uma política ambiental coerente e adequada ao país.

A positivação de direitos de proteção do meio ambiente como direito humano se

dá, pela primeira vez, no âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente

Humano de 1972, na Declaração de Estocolmo "O homem tem o direito fundamental à

liberdade, à igualdade, e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio cuja

qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene

obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras".

(AZEVEDO, 1988)

Mais recentemente, este direito humano ao meio ambiente foi reafirmado pela

Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992:

"Os seres humanos constituem o centro das preocupações

relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm

direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com

o meio ambiente".

Assim, como a Declaração de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano de

1972 e a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, as

constituições contemporâneas começaram a conter dispositivos destinados a garantir

qualidade de vida aos cidadãos. Dessa forma, o termo "qualidade de vida" passa a

integrar o rol dos direitos fundamentais constitucionalmente positivados.

O reconhecimento de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio

como Direito Fundamental baseia-se no artigo 225 de nossa CF e nas declarações

internacionais. Pois como tal, é entendimento doutrinário de que este é uma extensão do

direito à vida, constante no artigo 5º "caput de nossa Constituição e no artigo 3º da

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Trata-se do direito à sadia qualidade de

vida um dos requisitos indispensáveis a existência digna do ser humano. (ANTUNES,

1996)

A proteção do meio ambiente como um valor fundamental reveste-se de um

caráter comunitário, um direito difuso (sujeitos indeterminados no tempo e no espaço) e

visa de forma solidária garantir a proteção do meio ambiente global para todos os seres

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humanos, contrapõe o valor da qualidade de vida humana contra os riscos da

degradação ecológica contra a apropriação indevida do patrimônio natural causadas pela

devastação e pela poluição.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 inovou na defesa dos direitos

fundamentais ao reconhecer a proteção dos interesses transindividuais criando normas

jurídicas diretamente relacionadas à tutela dos direitos coletivos e difusos.

De acordo com José Afonso da Silva, direitos fundamentais são uma conquista

histórica da sociedade. Direitos que no processo de formação histórica das sociedades

surgem (passam a ser aceitos) e se transformam. Nesse sentido, os direitos fundamentais

que apareceram com a revolução burguesa "evoluíram, ampliando-se, com o correr dos

tempos. A cada etapa da história novos direitos fundamentais surgem, a ponto de se

falar em gerações de direitos fundamentais.”(SILVA, 1995)

A indisponibilidade do bem ambiental é decorrência do interesse público pela

preservação do meio ambiente, da atribuição da qualidade pública a esse bem de uso

comum do povo. Ou seja, é da natureza pública do meio ambiente que se extrai a sua

indisponibilidade, e conseqüentemente, sua natureza constitucional de valor

fundamental.

Além disso, a idéia de indisponibilidade do meio ambiente vem reforçada pela

necessidade de sua preservação em atenção às gerações futuras. Uma obrigação imposta

pela própria Carta Magna como um dever das gerações atuais transferirem esse

"patrimônio" ambiental às gerações vindouras.

A vida, a saúde e o bem-estar das pessoas e dos outros seres vivos dependem

muito da preservação do meio ambiente. Muitos, em nome do desenvolvimento,

desrespeitam a natureza, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, criando um problema

internacional.

O princípio da cooperação parte da premissa de que a proteção do meio

ambiente não é tarefa apenas do Estado, isoladamente. É um princípio que busca

fortalecer a democracia e a solidariedade nas decisões e políticas ambientais, trata da

democratização e transparência nas relações entre a sociedade e o Estado e da

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necessidade da superação das fronteiras políticas no que diz respeito à proteção do meio

ambiente, a partir da cooperação entre os Estados.

A participação popular na proteção do meio ambiente está prevista

expressamente na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 92. O

princípio da cooperação, uma atuação conjunta do Estado e sociedade, ocorre na escolha

de prioridades e nos processos decisórios. Ele está na base dos instrumentos normativos

criados com o objetivo de aumentar a informação e a ampliação de participação nos

processos da política ambiental, dotando-a de flexibilidade, legitimidade e eficácia.

(MUKAI, 2002)

A Carta Magna evoluiu ideologicamente em relação às Constituições anteriores,

mesmo a liberal de 1946, ampliando as garantias constitucionais. Ocorreu incontestável

avanço na abordagem dos direitos fundamentais, que devem integrar-se em uma

justaposição harmônica, evitando a deformação individualista, para abranger o rol de

todos os direitos que devem ser reconhecidos ao cidadão e ao homem.

Assim, o princípio da cooperação, num sentido amplo engloba tanto o princípio

da cooperação internacional, quanto o princípio da participação da sociedade, que por

sua vez é garantido pelo princípio da informação e princípio da educação ambiental.

O direito ao meio equilibrado consignado no art. 225 da CF de 1988 funciona

como contraponto ao dever de produtividade na medida em que um determinado bem de

produção gerar um dano ambiental intolerável. Em determinadas circunstâncias o não

uso é a conduta que melhor se adapta ao preceito constitucional. O direito de

propriedade privada clássico atribuía ao titular a faculdade de agir ou não agir segundo

as suas conveniências. A função social da propriedade amenizando esse poder impõe ao

titular o uso do bem de produção para fins sociais. Os dispositivos constitucionais que

regulam o meio ambiente introduzem uma nova perspectiva e determinam o não uso

econômico do bem quando em risco o direito ao meio equilibrado. A impossibilidade do

uso intolerável do meio encarta-se no amplo e generoso conceito do direito à vida digna.

Nesse quadro o meio equilibrado é um direito fundamental. (FACHIN, 1988)

O não uso do bem em decorrência de motivos ambientais, não o transforma em

propriedade improdutiva e por conseqüente suscetível de desapropriação para fins de

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reforma agrária. É relevante considerar que o fato do não uso em dadas circunstâncias

liga-se à preservação da vida e funciona como uma garantia para gerações presentes e

futuras. É de se destacar por fim que o não uso do bem objeto de apropriação é a

determinante constitucional apenas nos casos em que se põe em risco o equilíbrio

ambiental.

O direito ambiental vem sendo construído ao longo do tempo através de uma

imensa atividade legislativa na busca de dotar de sentido e coerência o sistema jurídico

e na procura de sua efetividade, e para tanto, necessita ser conhecido e operado a partir

de princípios, valores e diretrizes de ação a serem seguidos pelo poder público e pela

sociedade para a proteção do meio ambiente e da qualidade de vida humana.

Os princípios constitucionais empregados no direito ambiental têm um papel

importante na busca de uma mudança comportamental, primeiro do poder público,

como uma forma de fortalecimento de determinadas diretrizes estabelecidas legalmente,

a serem por estes assumidas, como o dever de prevenir danos, agir de forma

transparente, possibilitar a participação da sociedade, considerar a variável ambiental no

planejamento do desenvolvimento econômico, etc.

Segundo, os princípios ajudam no entendimento e no fortalecimento das normas

jurídicas de modo que o direito ambiental possa ser conhecido, reconhecido e mais

respeitado pela sociedade, dotando o sistema normativo da proteção ambiental, também

de um caráter educador e conscientizador dos direitos, deveres e responsabilidades do

cidadão e da comunidade.

Finalmente, a proteção ambiental deve ser manifestada pelo homem por uma

atitude natural e instintiva, motivada por fins e razões de direito que concorram a

sobrepujar atos atentatórios à universalidade de bens que constituem o meio ambiente,

como se movido pelo mesmo instinto que agiria em proteger direito próprio iminente e

indisponível.

O Direito Ambiental, de um modo geral, ainda continua sendo um daqueles

ramos que são verdadeiros “tabus” dentro da ciência, jurídica. Um daqueles ramos

que trilha em extremos: ou é reverenciado ardentemente, ou tratado com descaso e

indiferença.

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Este fato em muito se deve à imagem de que a preocupação ambiental está

associada ao radicalismo, ao extremismo ambientalista, que até pode realmente ter

caracterizado os primeiros movimentos ambientalistas. Esta, contudo, é uma imagem

distorcida e equivocada, porque o desenvolvimento científico e a realidade em que

vivemos demonstrou, sobretudo nas últimas três décadas, o quanto o meio ambiente

e suas alterações podem influenciar nossa vida, inclusive sob o ponto de vista

econômico.

Realmente, depois de séculos de exploração desenfreada do meio ambiente,

pudemos ver, nos últimos anos, que nenhuma atividade humana passa incólume.

Toda atividade humana tem alguma repercussão sobre o meio em que vivemos, e o

acúmulo destes efeitos começou a causar prejuízos visíveis.

Não há estudos conclusivos, mas boa parte dos problemas climáticos tem sido

relacionada ao aquecimento do planeta. Pequenas alterações de temperatura no mar

podem ter enormes conseqüências sobre o regime de chuvas, por exemplo, gerando

enchentes, como as vistas no sul do País em 1983.

Por outro lado, começamos a nos deparar com a realidade de dezenas de espécies

animais e vegetais extintas, o que representa um total desequilíbrio ambiental, algo

impensável a algumas décadas.

Hoje, os reflexos nocivos da atividade humana são uma realidade inegável.Basta

ver a redução do volume e quantidade de cursos de água, algo que ocorre a olhos

vistos. Por isso, se por um lado podem ser questionados os métodos utilizados na

abordagem desta temática (a ambiental) por alguns seguimentos, por outro é

inquestionável que a questão existe e demanda atenção.

Na esteira desta constatação, é concebido o direito a um meio ambiente sadio

como um dos diretos de quarta geração, direitos de ordem pública titularizados por

todos e por ninguém especificamente, ou seja, direitos difusos.

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Neste diapasão, o texto da Magna Carta de 1988 prevê, em seu artigo 225, o

direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, prescrevendo uma séria de

obrigações ao poder público e às pessoas físicas e jurídicas. Este dispositivo e seus

desdobramentos, constitui a base constitucional de toda legislação ambiental.

Mas apesar de a preocupação ambiental ter crescido muito nos últimos anos, o

Direito Ambiental ainda é um ilustre desconhecido para muitos, pois poucos são os

profissionais que têm contato com a matéria na prática, e o assunto ainda é visto com

reservas por boa parte da população, que vê a legislação ambiental como um

obstáculo ao desenvolvimento econômico. Para os acadêmicos, por vezes não passa

de um mero adendo em alguma matéria.

O presente trabalho pretende fazer uma abordagem de alguns conceitos básicos,

tratando, igualmente, de algumas questões práticas, procurando fornecer elementos

para facilitar a compreensão da dinâmica do Direito Ambiental, abrangendo

especificamente a questão da responsabilidade por infrações ambientais.

A existência de qualquer ser vivo gera reflexos no meio circundante, diretas ou

indiretas, por mais tênues que sejam. Isto é um fato. No caso dos seres humanos,

estes reflexos se avolumam, pois nossas capacidades intelectivas nos permitem

multiplicar nossa capacidade de interação com o meio ambiente.

Assim é que atividade humana é, direta ou indiretamente, responsável por

modificações de monta na maior parte da cobertura vegetal do planeta, e está

relacionada à extinção de várias espécies animais.

A proteção ambiental tem em vista os reflexos destas atividades sobre outros

seres humanos, pois o meio ambiente é um sistema formado por complexas e

recíprocas interações entre os elementos naturais e os seres vivos

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Mas evidentemente que não são todos os reflexos que são objeto de previsão

legislativa, se não aqueles de maior monta, e que sejam capazes de gerar dano

ambienta , potencial ou efetivamente.

Ao operador jurídico interessa o conceito jurídico de dano, e não é todo o dano

ambiental que demanda responsabilidade jurídica. Sim, porque se qualquer dano

ambiental fosse implicar em responsabilização, a maior parte das atividades

corriqueiras dos seres humanos se tornaria inviável.

Neste passo, urge socorrermo-nos da lei, mais especificamente da Lei nº

6.938/81, pois é neste diploma que encontramos os conceitos básicos relacionados à

proteção ambiental. É pertinente a invocação do artigo 3º, in verbis:

Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem

física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida, em todas as suas

formas; II - degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do

meio ambiente;

III - poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que

direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais

estabelecidos;

IV - poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável,

direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas,

os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a

flora.

Trata-se, como se vê, de um dispositivo de conceitos amplos, abrangentes, e que

traz os conceitos fundamentais para o operador jurídico. É de suma importância que

verifiquemos que a noção leiga de meio ambiente e degradação ambiental muito se

distancia da amplitude que lhe confere a lei.

O conceito jurídico de meio ambiente não se confunde com o estereótipo de uma

área bucólica ou com densa vegetação e animais silvestres. Degradação ambiental e

poluição, de seu turno, não se limitam a grandes complexos industriais ou obras

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gigantescas, como soe parecer na visão leiga. Impedir a regeneração de uma área,

por exemplo, também é degradar.

Por aí se vê que todas as atividades humanas aptas a gerar qualquer alteração

ambiental estão sob a alçada do direito ambiental.

O que ocorre é que somente algumas delas recebem previsão específica e

sancionamento. De qualquer forma, ainda assim, a quantidade de situações

potencialmente passíveis de ensejar a proteção ambiental e a responsabilização do

agente infrator é consideravelmente maior do que costumeiramente pensamos. Este

aspecto merece atenção: para trabalharmos com direito ambiental, temos de

desconsiderar muitas noções culturais “leigas” a respeito da matéria.

Outro aspecto para o qual devemos atentar é aquele que concerne às feições da

responsabilidade ambiental in genere, entendida como a imputação de conseqüências

ao infrator da legislação ambiental. É que. juridicamente, a infração ambiental pode

ter repercussão em três esferas distintas e independentes, embora uma possa,

eventualmente, ter repercussão em outra. Assim sendo, a infração de normas

ambientais poderá ter reflexos penais, civis e administrativos, conforme a natureza

da norma em pauta.

A apuração destas três modalidades de responsabilidade não é realizada pelo

mesmo órgão, tem conseqüências jurídicas diversas, e está submetida a regime

jurídico específico, embora se verifiquem alguns pontos em comum.

É que constatada a existência de uma infração às normas ambientais, deverá ter

início uma série de procedimentos de ordem legal e administrativa, os quais

invariavelmente materializam-se em atos concatenados em um rito procedimental.

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Como a Constituição Federal assegura ampla defesa e contraditório, tanto no

processo administrativo, como judicial, já se infere que a observância destes aspectos

é imperativa em qualquer das hipóteses.

Da mesma forma, a apuração da responsabilidade em uma esfera pode ter reflexos

em outra eventualmente. É o caso da condenação criminal, que torna certa a

obrigação de reparar o dano. A natureza difusa dos direitos atingida pelo dano

ambiental não é óbice para a aplicação desta regra.

Mas, como já referido, a natureza das responsabilidades é diversa e demanda

tratativa separada.

O meio ambiente é um patrimônio de todos. Quando falamos em responsabilidade

civil decorrente de infração ambiental não estamos falando, portanto, em aspectos

econômicos da questão, que também estão presentes e que podem dar ensejo à

atuação do proprietário ou de terceiro prejudicado.

De fato, a derrubada de uma área de mata, por exemplo, poderá ensejar

responsabilização ambiental de ordem civil e, além disso, uma ação de indenização

por parte do proprietário. São hipóteses onde a questão é abordada sob uma

perspectiva distinta.

Sob a ótica do direito ambiental está em apuração a conseqüência do ato sobre um

direito que é difuso ou coletivo. Não está em voga o aspecto econômico, ao passo

que sob o prisma do direito civil, ou seja, da responsabilidade civil stricto sensu, é

exatamente este o ponto chave.

Qual a conseqüência desta observação? Simples. É que se tratando de direito

difuso ou coletivo, pela sua natureza não pode se alvitrar sobre transação. Com

efeito, posta em causa a questão ambiental, não se há falar em transação sobre o

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direito, ou em efeitos de veracidade de fatos decorrente da revelia, incidindo na

espécie os artigos 302, inc. I, e 320, inc. II, do CPC.

Poderá unicamente haver acordo quando à forma de reparação do dano, mas

jamais sobre o direito em si. Por outras palavras, na ação civil pública, a única

hipótese de transação concerne à forma de reparação.

Da natureza indisponível do direito, da mesma forma, decorre que não haverá

extinção por desistência da ação, cumprindo, como refere o artigo 5º, parágrafo 3º,

da Lei nº 7.437/85, a outra entidade ou ao Ministério Público assumir o processo.

Qual o regime da responsabilidade decorrente de dano ambiental? A pergunta não

comporta uma resposta apriorística, porquanto há uma responsabilidade geral e

outras específicas.

A responsabilidade geral encontra previsão no artigo 14, parágrafo 1º, da Lei nº

6.938/81, e é de ordem objetiva. Significa dizer que não se há de perquirir culpa ou

dolo, bastando o nexo causal. O citado dispositivo tem a seguinte redação:

§ 1º- Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o

poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a

indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros,

afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos

Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e

criminal por danos causados ao meio ambiente.

Mas responsabilidade objetiva não significa imputação objetiva. Como já

referido, mister a presença de nexo causal entre uma ação ou omissão do infrator e o

dano. Assim sendo, a simples condição de proprietário não basta para

responsabilização por eventuais danos ali existentes, ainda que até mesmo adquirente

possa ser responsabilizado pelos danos já existentes, mas somente em caso de

omissão sua.

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Destarte, embora a obrigação de reparação do dano ambiental seja considerada

uma obrigação propter rem, o proprietário somente poderá ser responsabilizado por

danos anteriormente existentes se acaso se omitir, permitindo, por exemplo, que seus

perpetradores continuem na prática, ou impedindo que área se regenere.

É que, conforme bem concluiu o julgamento dos Embargos Infringentes Cível

(GR) nº 0089897301, Acórdão 995, 3º Grupo de Câmaras Cíveis do TJPR, Rel. Des.

Cordeiro Cleve. j. 20.12.2001: “Conquanto seja objetiva a responsabilidade por

dano ambiental, não se pode dispensar o nexo de causalidade, que decorre do fato e

da conduta considerada lesiva, não podendo ser responsabilizado quem já adquiriu

o imóvel totalmente desmatado e não assumiu nenhum risco pela degradação

existente, pois é da norma constitucional que ninguém será obrigado a fazer ou não

fazer alguma coisa senão em virtude de lei nos casos desta ordem devem ser

punidos os infratores (CF/88, arts. 5º, Inc. II, e 225, § 3º)”.

É necessário, portanto, que o apontado infrator tenha, no mínimo ciência do fato,

pois não pode ser responsabilizado por dano cuja existência lhe é desconhecida,

havendo, porém, o dever do proprietário de manter vigilância em sua propriedade,

cuja violação pode ensejar a configuração de culpa.

Desta forma, o que ocorre é que é afastada a responsabilidade somente quando o

dano é decorrente de causas totalmente alheias à condição de proprietário, como

seria, por exemplo, a inesperada invasão da área.

No caso das reservas legais, no entanto, o adquirente tem, ou deve ter,

conhecimento de que a área de reserva encontra-se degredada, e ao adquirir a

propriedade, assume igualmente ônus de recuperá-la.

A obrigação de reparação do dano subsiste independentemente da

responsabilidade administrativa e penal, conforme preconiza o artigo 225, parágrafo

3º, da CF/88. A quem compete a apuração da responsabilidade civil por danos ao

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meio ambiente? Para respondermos a esta pergunta temos de fazer uma dicotomia

entre apuração e constatação.

A constatação da existência de danos pode ser feita por qualquer agente estatal,

notadamente aqueles que tem por finalidade a fiscalização nesta área, mas a apuração

da responsabilidade civil, entendida como o processo de responsabilização, é levada

a efeito pelo Ministério Público, consoante o artigo 129, inc. III, da CF/88.

Assim sendo, a notícia da existência de dano ambiental pode chegar a este órgão

por várias formas: comunicação de cidadãos, informação obtida em autos

processuais, ação de agentes públicos, etc...oportunidade em que passará a dispor de

dois mecanismos básicos de atuação, quais sejam o inquérito civil e a ação civil

pública.

O Inquérito Civil é um instrumento previsto pela Lei nº 7.437/85 que se

caracteriza como um procedimento administrativo destinado a fornecer elementos de

informação para a formação da convicção do órgão do Ministério Público, podendo

viabilizar, também, a composição através de compromisso de ajustamento.

A sua instauração, por isso, é uma faculdade, e não um dever, pois destina-se à

formação da convicção do promotor, e somente secundariamente serve de subsídio

de prova judicial para eventual ação civil pública. A propósito, é lapidar lição de

Hugo Nigro Mazilli:

O inquérito civil é uma investigação administrativa prévia,

residida pelo Ministério Público, que se destina

basicamente a colher elementos de convicção para que o

próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre

circunstância que enseje eventual propositura de ação civil

pública...

Em síntese, o inquérito civil destina-se á coleta de

elementos de convicção para que, á sua vista, o Ministério

Público possa identificar ou não a hipótese em que a lei

exige sua iniciativa na propositura de qualquer ação civil

pública a seu cargo.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 592

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Adiante, esclarecer:

A rigor, o inquérito civil não é processo, mas sim

procedimento. Nele não há uma acusação nem nele se

aplicam sanções.; nele não se decidem nem se aplicam limitações, restrições ou perda de direitos...

No inquérito civil não se decidem interesses; não se

aplicam penalidades ou sanções, não se extinguem bem se

criam novos direitos. Apenas serve para colher elementos

ou informações, basicamente como fim de formar-se a

convicção do órgão do Ministério Público pára eventual

propositura de ação civil pública ou coletiva.

Assim sendo, não se pode falar em contraditório e ampla defesa nesse

“procedimento administrativo”, não ficando por isso, prejudicado o direito do

investigado, que terá a instância judicial para exercer com plenitude sua defesa.

Mas admitindo o infrator, no âmbito do inquérito civil, a infração e os danos e

aquiescendo com a obrigação de indenizá-los, abre-se oportunidade de celebração de

compromisso de ajustamento, que constitui título executivo extrajudicial, ex vi do

artigo 5º, parágrafo 6º, da Lei nº 7.437/85.

Neste instrumento, conforme a espécie de obrigação assumida, deverá haver a

previsão de sanções, como v.g. a multa diária nas obrigações de fazer.

É de todo conveniente que o instrumento seja redigido de forma precisa e clara,

abrangendo todos os aspectos envolvidos, como juros, correção monetária, e os

respectivos índices e termos; obrigações de comprovação de cumprimento; formas

de parcelamento de prestações; sanções por mora, etc..

.

Também deverá ser considerada no compromisso de ajustamento a fixação de

penalidade, levando-se em conta as circunstâncias da infração e as condições do

infrator. Um bom norte está nas circunstâncias de agravação da reprimenda penal

previstas na Lei nº 9.605/98.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 593

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Em caso de descumprimento do compromisso de ajustamento, fica aberta a porta

para execução forçada, dando margem ao ajuizamento de tantas execuções quantas

sejam as espécies de obrigações ajustadas, pois é cediço que obrigações de fazer e de

não fazer apresentam rito diferenciado das obrigações de dar e de pagamento.

É de importância referir que o compromisso de ajustamento é que embasa a

execução, e tem origem em um negócio jurídico à base do qual está a vontade do

infrator.

Por este motivo, é completamente descabida, em eventual ação de embargos à

execução, a discussão acerca da existência e montante dos danos ambientais, pois a

fonte da obrigação em execução não é diretamente a existência destes danos, mas

sim o ato negocial, que passa a ser a causa efetiva da obrigação indenizatória.

A impossibilidade de celebração de compromisso de ajustamento resulta,

persistindo a constatação da existência de danos a reparar, na propositura de ação

civil pública com esta finalidade, na qual poderão se habilitar como listisconsortes

associações de proteção ao meio ambiente e os órgãos do Ministério Público de outra

esfera.

Este último caso referido ocorre, por exemplo, em casos de danos às margens de

rios federais, quando há repercussão local e regional. Neste caso, a ação deverá ser

proposta no foro da circunscrição judiciária com jurisdição sobre o local, em vista da

atração da competência pela justiça federal, valendo este foro por “local onde

ocorrer o dano”, referido no artigo 2º da Lei nº 7.437/85.

A reparação do dano ambiental deve, sempre que possível, ser feita mediante

reparação específica e relacionada ao dano em si, ou seja, somente em caráter

secundário aparece a obrigação pecuniária como sucedâneo de reparação específica.

Tal ocorre porque, lembremos nós, estamos diante de interesses de toda a

coletividade e não há um interesse econômico em pauta sob este prisma. De lembrar

que até mesmo em obrigações de cunho privado, a tutela especifica tem sido um

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 594

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objetivo da legislação, como atestam o artigo 461, caput, e parágrafo primeiro, do

CPC.

A transformação da obrigação de reparação específica em pecuniária somente

ocorrerá se justificadamente impossível aquela.

Mas isso não significa que a obrigação de reparação deva ter o conteúdo inverso

do dano. É que a reparação específica absoluta quase nunca é possível. Explico.

Veja-se, por exemplo, a derrubada de uma área de mata com árvores centenárias ou

de outra com vegetação em fase inicial de desenvolvimento.

Na primeira hipótese, um projeto de recuperação da área irá ter por conseqüência

o plantio de mudas que passados 10 anos, serão árvores de pequeno porte. Se não

tivesse ocorrido o desmatamento, teríamos no local árvores centenárias. No segundo

caso, o replantio também irá se fazer, em regra, com mudas. Daqui a 10 anos,

poderemos ainda ter no local uma vegetação com nível inicial de desenvolvimento,

ao passo que se não houvesse o desmatamento, a vegetação já seria classificável

como de nível intermediário.

O mesmo vale para um derrame de agente poluente em curso de água causando

queda da qualidade de água. Embora a reparação possa fazer com a retomada da

qualidade da água, jamais se poderá aquilatar efetivamente o dano causado, pois a

morte de um peixe significa milhares de alevinos a menos.

O que se quer dizer é que há sempre um dano marginal, materializado no tempo

perdido, que jamais poderá ser recuperado.

Por isso é que se fala em possibilidade de reparação específica de conteúdo

diverso do dano efetivado. No caso dos desmatamentos acima referidos, além da

recuperação da área, podemos alvitrar como obrigação à doação de mudas ao poder

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 595

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público para reflorestamento. No caso do derrame do agente poluente, podemos

alvitrar a possibilidade de doação de alevinos por período determinado.

Não deixam de ser formas de reparação específica, visto que voltadas à temática

ambiental, e que podem não encontrar imediata relação com o dano causado.

Desta forma, ainda quando a reparação relacionada diretamente ao dano seja

impossível, ou quando tenha sido procedida e ainda restar um dano secundário,

sempre que possível as obrigações impostas devem ser relacionadas à preservação

ambiental, até para se evitar que a questão ambiental se torne mais uma fonte de

arrecadação anômala.

Uma questão que pode suscitar dúvidas em relação à ação civil pública por dano

ao meio ambiente concerne à espécie de obrigação a que pode ser compelido o

infrator. É que o artigo 3º da Lei nº 7.436/81 somente refere obrigação de fazer e de

não fazer, omitindo-se acerca das obrigações de dar, que como já visto, podem ser

utilizadas como forma de reparação específica.

Creio que a omissão legislativa à obrigação de dar não pode servir de base para se

afastar, a priori, o cabimento da obrigação de dar como objeto de ação civil pública

para ressarcimento de dano ambiental quando esta espécie de obrigação se

demonstrar ajustada ao caso.

A uma porque o artigo fala em “poderá” e não em “deverá” ter por conteúdo. A

duas, porque não há nenhum motivo a justificar a exclusão das obrigações de dar. A

três, porque a limitação afronta o artigo 5º, inc. XXXV, a CF/88, que estabelece o

dogma da tutela jurisdicional eficaz.

Assim, entendo perfeitamente cabível que possa ser pedida a condenação em

obrigação de dar na ação civil pública por dano ao meio ambiente.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 596

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Por força do artigo 79 da Lei nº 9.605/98, também os órgãos de fiscalização

ambiental estão autorizados a celebrar termo de ajustamento, que “destinar-se-á,

exclusivamente, a permitir que as pessoas físicas e jurídicas mencionadas no „caput‟

possam promover as necessárias correções de suas atividades, para o atendimento

das exigências impostas pelas autoridades ambientais competentes”. Não se trata,

portanto, de reparação de danos ambientais.

Por fim, é de mencionar que a as atividades nucleares são exemplo de

responsabilidade específica, pois contam com disciplina própria quanto a

responsabilidade por danos, prevista na Lei nº 6.453/77, em modalidade objetiva,

mas com previsão de exclusão da responsabilidade em caso de culpa exclusiva da

vítima, o que não vale para danos ambientais. Também os agrotóxicos contam com

disciplina específica.

A responsabilidade administrativa decorre de regras próprias e implica um

procedimento, in casu um “processo administrativo” próprio. Nenhuma relação

direta tem, portanto, com a responsabilidade pena ou civil, até porque o fundamento

das obrigações, embora relacionado a um fato comum, pode não ser o mesmo..

As infrações administrativas encontram um largo espectro de ocorrência, pois nos

termos do artigo Art. 70 da Lei nº 9.605/98: “Considera-se infração administrativa

ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo,

promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.”.

A constatação e apuração das infrações ambientais será levada a efeito pelas

autoridades referidas no parágrafo 1º da Lei nº 9.605/98, que são: “os funcionários

de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente -

SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das

Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha”.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 597

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No caso do Rio Grande do Sul, temos como exemplos de órgãos a PATRAN

(patrulha ambiental da Brigada Militar) e o DEFAP (Departamento Estadual de

Florestas e Áreas Protegidas),além da FEPAM.

Normalmente, a partir da constatação do dano pelos órgãos de fiscalização

ambiental, com a respectiva lavratura do Boletim de Ocorrência Ambiental e do

Auto de Infração, já se inicia a apuração das responsabilidades civil e penal, pois

cópias destes documentos são encaminhados ao Ministério Público para abertura do

competente inquérito civil, e cópias são remetidas, por este órgão, para a autoridade

policial instaurar o pertinente procedimento.

Na seara administrativa, a constatação da infração pode dar ensanchas à tomada

de medidas administrativa prévias como a apreensão de coisas e animais. Mas

somente após o processamento do feito na esfera administrativa, sob o pálio do

contraditório e da ampla defesa, é lícita a imposição de penalidade.

Não há previsão específica de que o resultado de eventual processo civil ou

criminal venha a interferir na responsabilidade administrativa, que é independente.

A aplicação de sanções administrativas também pode encontrar esteio em normas

estaduais e municipais, já que é competência comum da União, Estados, Distrito

Federal e Municípios a proteção ao meio ambiente (CF/88, artigo 23, inc. VI e VII),

havendo competência legislativa concorrente para as questões ambientais (CF/88,

artigo 24, inc. VI).

Como cediço, a competência legislativa concorrente permite que Estados e

Municípios legislem no “vácuo” da legislação de esfera mais abrangente. Tal

competência abrange, inclusive, a para legislar sobre procedimentos administrativos.

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Por fim, é de se lembrar que não devemos confundir a competência para

constatação e autuação (que é dos agentes públicos encarregados) com a

competência para processamento administrativo (que é da autoridade administrativa).

O direito ambiental ainda é uma disciplina desconhecida por muitos. Trata-se de

um ramo a ciência jurídica que tem uma dinâmica e princípios próprios, e que se

enquadra dentro do direito público.

Poucas são as atividades humanas que não demandam incidência do Direito

Ambiental. Se espectro de abrangência é, portanto, vasto. É imperativo, assim que os

operadores jurídicos e os estudantes, sobretudo, todos, busquem aprimorar-se no

conhecimento desta disciplina.

A presente abordagem buscou somar-se no processo de difusão de informações.

Se dúvida que é uma singela contribuição. Mas é através de singelas contribuições

que iremos alimentar o contínuo debate que desenvolve a ciência. Esperamos, desta

forma, que toda sociedade se torne engajado, bem como todos os profissionais do

Direito, sob pena de permanecerem estáticos, na contramão da história, como meros

redatores de petições e repetidores de comportamentos.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 599

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