Servico social 2009_5_2 (1)

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SERVIÇO SOCIAL www.interativa.uniderp.br www.unianhanguera.edu.br Anhanguera Publicações Valinhos/SP, 2009 Autores Edilene Maria de Oliveira Araújo Elisa Cléia Pinheiro Rodrigues Nobre Helenrose Aparecida da Silva Pedroso Coelho Maria Aparecida da Silva Maria Roney de Queiroz Leandro Educação sem fronteiras 5 00 - Servico Social - 5 Sem.indd 1 1/5/09 3:52:57 PM

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SERVIÇO SOCIAL

www.interativa.uniderp.br

www.unianhanguera.edu.br

Anhanguera Publicações

Valinhos/SP, 2009

AutoresEdilene Maria de Oliveira Araújo

Elisa Cléia Pinheiro Rodrigues NobreHelenrose Aparecida da Silva Pedroso Coelho

Maria Aparecida da SilvaMaria Roney de Queiroz Leandro

Educaçãosem fronteiras

5

00 - Servico Social - 5 Sem.indd 1 1/5/09 3:52:57 PM

© 2009 Anhanguera PublicaçõesProibida a reprodução final ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica, resumida ou modificada em língua portuguesa ou qualquer outro idioma.Impresso no Brasil 2009

ANHANGUERA EDUCACIONAL S.A.CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE CAMPO GRANDE/MS

PresidenteProf. Antonio Carbonari Netto

Diretor AcadêmicoProf. José Luis Poli

Diretor AdministrativoAdm. Marcos Lima Verde Guimarães Júnior

CAMPUS I

ReitorProf. Guilherme Marback NetoVice-ReitorProfa. Heloísa Gianotti PereiraPró-ReitoresPró-Reitor Administrativo: Adm. Marcos Lima Verde Guimarães JúniorPró-Reitora de Graduação: Prof. Paulo de Tarso Camillo de Carvalho Pró-Reitor de Extensão, Cultura e Desporto: Prof. Ivo Arcângelo Vendrúsculo Busato

ANHANGUERA EDUCACIONAL S.A.UNIDERP INTERATIVA

DiretorProf. Ednilson Aparecido Guioti

CoodernaçãoProf. Wilson Buzinaro

COORDENAÇÃO PEDAGÓGICAProfa. Terezinha Pereira Braz / Profa. Eva Maria Katayama Negrisolli / Profa.Evanir Bordim Sandim / Profa. Maria Massae Sakate / Profa. Lúcia Helena Paula Canto (revisora)

ANHANGUERA PUBLICAÇÕES

DiretorProf. Diógenes da Silva Júnior

Gerente AcadêmicoProf. Adauto Damásio

Gerente AdministrativoProf. Cássio Alvarenga Netto

PROJETO DOS CURSOSAdministração: Prof. Wilson Correa da Silva / Profa. Mônica Ferreira SatolaniCiências Contábeis: Prof. Ruberlei BulgarelliEnfermagem: Profa. Cátia Cristina Valadão Martins / Profa. Roberta Machado PereiraLetras: Profa. Márcia Cristina RochaPedagogia: Profa. Vivina Dias Sol Queiroz / Profa. Líliam Cristina CaldeiraServiço Social: Profa. Maria de Fátima Bregolato Rubira de Assis / Profa. Ana Lucia Américo AntonioTecnologia em Gestão e Marketing de Pequenas e Médias Empresas: Profa. Fabiana Annibal Faria de OliveiraTecnologia em Gestão e Serviço de Saúde: Profa. Irma MarcarioTecnologia em Logística: Prof. Jefferson Levy Espíndola DiasTecnologia em Marketing: Prof. Jefferson Levy Espíndola DiasTecnologia em Recursos Humanos: Prof. Jefferson Levy Espíndola Dias

S514 Serviço social / Edilene Maria de Oliveira Araújo ...[et al]. - Valinhos : Anhanguera Publicações, 2009.

224 p. - (Educação sem fronteiras ; 5).

ISBN: 978-85-62280-06

1. Serviço social – Processo de trabalho. 2. Serviço social – Cidadania. I. Araújo, Edilene Maria de Oliveira. II. Título. III. Série.

CDD: 360

Ficha Catalográfica produzida pela Biblioteca Central da Anhanguera Educacional

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AULA 1 — A Base do Pensamento Econômico

iii

Nossa Missão, Nossos Valores____________________

A Anhanguera Educacional completa, em 2009, 15 anos. Desde sua fundação, buscou a ino-

vação e o aprimoramento acadêmico em todas as suas ações e programas. É uma Instituição de

Ensino Superior comprometida com a qualidade dos cursos que oferece e privilegia a preparação

dos alunos para a realização de seus projetos de vida e sucesso no mercado de trabalho.

A missão da Anhanguera Educacional é traduzida na capacitação dos alunos e estará sempre

preocupada com o ensino superior voltado às necessidades do mercado de trabalho, à adminis-

tração de recursos e ao atendimento aos alunos. Para manter esse compromisso com a melhor

relação qualidade/custo, adotou-se inovadores e modernos sistemas de gestão nas instituições de

ensino. As unidades no Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais,

Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul preservam a missão e difundem os valores da

Anhanguera.

Atuando também no Ensino à Distância, a Anhanguera Educacional orgulha-se de poder es-

tar presente, por meio do exemplar trabalho educacional da UNIDERP Interativa, nos seus pólos

espalhados por todo o Brasil.

Boa aprendizagem e bons estudos!

Prof. Antonio Carbonari Netto

Presidente — Anhanguera Educacional

Apresentação____________________

A Universidade Anhanguera/UNIDERP, ao longo de sua existência, prima pela excelência no

desenvolvimento de seu sólido projeto institucional, concebido a partir de princípios modernos,

arrojados, pluralistas, democráticos.

Consolidada sobre patamares de qualidade, a Universidade conquistou credibilidade de par-

ceiros e congêneres no País e no exterior. Em 2007, sua entidade mantenedora (CESUP) passou

para o comando do Grupo Anhanguera Educacional, reconhecido pelo seu compromisso com

a qualidade do ensino, pela forma moderna de gestão acadêmico-administrativa e pelos seus

propósitos responsáveis em promover, cada vez mais, a inclusão e ascensão social.

Reconhecida por sua ousadia de estar sempre na vanguarda, a Universidade impôs a si mais

um desafio: o de implantar o sistema de ensino a distância. Com o propósito de levar oportuni-

dades de acesso ao ensino superior a comunidades distantes, implantou o Centro de Educação

a Distância.

Trata-se de uma proposta inovadora e bem-sucedida, que em pouco tempo saiu das fronteiras

do Estado do Mato Grosso do Sul e se expandiu para outras regiões do País, possibilitando o

acesso ao ensino superior de uma enorme demanda populacional excluída.

O Centro de Educação a Distância, atua por meio de duas unidades operacionais, a Uniderp

Interativa e a Faculdade Interativa Anhanguera(FIAN), em função dos modelos alternativos ofe-

recidos e seus respectivos pólos de apoio presencial, localizados em diversas regiões do País e ex-

terior, oferecendo cursos de graduação, pós-graduação e educação continuada e possibilitando,

dessa forma, o atendimento de jovens e adultos com metodologias dinâmicas e inovadoras.

Com muita determinação, o Grupo Anhanguera tem dado continuidade ao crescimento da

Instituição e realizado inúmeras benfeitorias na sua estrutura organizacional e acadêmica, com

reflexos positivos nas práticas pedagógicas. Um exemplo é a implantação do Programa do Livro-

Texto – PLT, que atende às necessidades didático-pedagógicas dos cursos de graduação, viabiliza

a compra pelos alunos de livros a preços bem mais acessíveis do que os praticados no mercado e

estimula-os a formar sua própria biblioteca, promovendo, dessa forma, a melhoria na qualidade

de sua aprendizagem.

É nesse ambiente de efervescente produção intelectual, de construção artístico-cultural, de

formação de cidadãos competentes e críticos, que você, acadêmico(a), realizará os seus estudos,

preparando-se para o exercício da profissão escolhida e uma vida mais plena em sociedade.

Prof. Guilherme Marback Neto

AULA 1 — A Base do Pensamento Econômico

v

EDILENE MARIA DE OLIVEIRA ARAÚJOGraduação: Serviço Social – Faculdades Unidades Católica de Mato Grosso – FUCMT – 1986

Especialização: Formação de Formadores em Educação de Jovens e Adultos – Universidade Nacional de Brasília – UNB – 2003

Especialização: Gestão de Iniciativas Sociais – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – 2002

ELISA CLÉIA PINHEIRO RODRIGUES NObREGraduação: Serviço Social – Universidade Católica Dom Bosco, UCDB – 1992

Especialização em Políticas Sociais – Universidade doEstado e da Região do Pantanal – UNIDERP – 2003

Mestrado em Educação – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS – 2007

HELENROSE APARECIDA DA SILVA PEDROSO COELHOGraduação: Ciências Sociais/Universidade Estadual de

Campinas – UNICAMP, Campinas /SP – 1982Graduação: Psicologia/Universidade Católica

Dom Bosco – UCDB, Campo Grande/MS – 1992Graduação: Direito/Universidade para o Desenvolvimento do

Estado e da Região do Pantanal – UNIDERP, Campo Grande/MS – 2004Especialização: Gestão Judiciária Estratégica

Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso, CEFETMT – 2007Mestrado: A Construção dos Sentidos de Promoção e

Prevenção de Saúde na Mídia Impressa – UCDB – Campo Grande/MS, 2006

MARIA APARECIDA DA SILVAGraduação: Serviço Social/Faculdades Unidas

Católicas Dom Bosco – FUCMT/ Campo Grande-MS – 1984Especialização: Educação na Área da Saúde/Universidade Federal do

Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, 1985Mestrado: Saúde Coletiva/Universidade Federal

de Mato Grosso do Sul – Campo Grande/MS, 1998

MARIA RONEY DE QUEIROZ LEANDROGraduação: Serviço Social/Faculdades Unidas

Católicas Dom Bosco – FUCMT/Campo Grande-MS/1987Especialização: Saúde Pública – Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz/1993

Autores____________________

AULA 1 — A Base do Pensamento Econômico

vii

Sumário____________________

MÓDULO – PROCESSO DE TRAbALHO EM SERVIÇO SOCIAL

UNIDADE DIDÁTICA – ESTÁGIO SUPERVIONADO EM SERVIÇO SOCIAL

AULA 1

O diagnóstico como ferramenta de trabalho do serviço social ......................................... 3

AULA 2

Projetos sociais: solucionando problemas .......................................................................... 10

UNIDADE DIDÁTICA – PROCESSO DE TRAbALHO EM SERVIÇO SOCIAL

AULA 1

Trabalho e relações sociais na sociedade contemporânea ................................................. 19

AULA 2

Divisão social do trabalho ................................................................................................... 24

AULA 3

Produção social e valor ........................................................................................................ 29

AULA 4

Trabalho assalariado, capital e propriedade ........................................................................ 37

AULA 5

Processos de trabalho e produção da riqueza social ........................................................... 43

AULA 6

O trabalho coletivo – trabalho e cooperação ...................................................................... 48

AULA 7

Trabalho produtivo e improdutivo ...................................................................................... 52

AULA 8

A polêmica em torno da crise da sociedade do trabalho .................................................... 59

AULA 9

Trabalho e sociedade em rede .............................................................................................. 65

UNIDADE DIDÁTICA – ESTRATÉGIAS DE TRAbALHO EM SERVIÇO SOCIAL

AULA 1

A inserção do assistente social nos processos do trabalho e as estratégias de trabalho

em serviço social ................................................................................................................... 75

AULA 2

Trabalho e serviço social: demandas tradicionais e demandas atuais ................................ 78

AULA 3

O redimensionamento da profissão: o mercado, as condições de trabalho, as

perspectivas e competências profissionais ........................................................................... 81

AULA 4

Condições de trabalho e respostas profissionais. A relação assistente social e usuários

dos serviços sociais ............................................................................................................... 86

AULA 5

As demandas e a intervenção profissional no âmbito das relações entre o estado e a

sociedade ............................................................................................................................... 89

AULA 6

A dimensão ético-política da prática profissional e o serviço social como instrumento

de cidadania e garantia de direitos....................................................................................... 92

AULA 7

Estratégia profissional e instrumental técnico-operativo utilizados no desempenho do

trabalho profissional – Parte 1 ............................................................................................. 95

AULA 8

Estratégia profissional e instrumental técnico-operativo utilizados no desempenho do

trabalho profissional – Parte 2 ............................................................................................. 99

AULA 9

Instrumentos, metodologias e técnicas utilizados pelo serviço social na busca de

respostas as demandas do trabalho ...................................................................................... 103

SEMINÁRIO INTEGRADO ...................................................................................................... 108

MÓDULO – SOCIEDADE E CIDADANIA

UNIDADE DIDÁTICA – TERCEIRO SETOR E SERVIÇO SOCIAL

AULA 1

Considerações históricas sobre a emergência do terceiro setor ......................................... 111

AULA 2

Terceiro setor: conceitos, objetivos e características ........................................................... 114

AULA 3

Questões sociais, serviço social e as relações com o terceiro setor ..................................... 118

AULA 4

Organizações de interesse público e legislações pertinentes .............................................. 122

AULA 5

As organizações de interesse público e a gestão das políticas sociais ................................. 127

AULA 6

Responsabilidade social e suas dimensões ........................................................................... 131

AULA 7

Voluntariado ......................................................................................................................... 135

AULA 8

O voluntariado no terceiro setor.......................................................................................... 140

AULA 9

Financiamento do terceiro setor .......................................................................................... 144

AULA 1 — A Base do Pensamento Econômico

ix

UNIDADE DIDÁTICA – CONSELHOS POPULARES E CIDADANIA

AULA 1

Contexto da cidadania .......................................................................................................... 153

AULA 2

Participação e controle social: instâncias de cidadania....................................................... 159

AULA 3

Conselhos de políticas públicas: assistência social .............................................................. 169

AULA 4

Conselhos de políticas públicas: saúde ................................................................................ 174

AULA 5

Conselhos de defesa de direitos: do idoso e da pessoa com deficiência ............................. 179

AULA 6

Conselhos de defesa de direitos: da criança e do adolescente (ECA) ................................. 187

AULA 7

Conselhos de defesa de direitos: da mulher ........................................................................ 192

AULA 8

Conselhos de defesa de direitos: do indígena e do negro ................................................... 199

AULA 9

Atuação do profissional na efetivação do controle social ................................................... 207

SEMINÁRIO INTEGRADO ...................................................................................................... 215

AULA 3 — Produção Social e Valor

17

PROCESSO DE TRABALHO EM

SERVIÇO SOCIAL

Professora Especialista Edilene Maria de Oliveira Araújo

Professora Especialista Maria Roney de Queiroz Leandro

Professora MSc. Helenrose Aparecida da Silva Pedroso Coelho

Módulo

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

18

Apresentação

Prezados acadêmicos!

Sejam bem-vindos ao módulo TRABALHO E SOCIEDADE. Espero que vocês estejam preparados para

promover boas reflexões sobre a questão do trabalho e sua importância para nós, seres humanos.

O tema é bastante instigante porque faz parte de uma realidade que nos é muito familiar e por isso mesmo

nos provoca tanto envolvimento, ora para criticar o modo capitalista de produção, ora para considerá-lo im-

portante para o desenvolvimento social.

De qualquer forma, são imprescindíveis para o futuro profissional do serviço social o conhecimento da

força-motriz de nossa sociedade e as relações decorrentes do trabalho. O entendimento de como se dão as

relações no trabalho e quais são as origens do capital e da força de trabalho promoverão uma melhor compre-

ensão do processo de alienação e da cristalização de ideologias dominantes. Assim, teremos um profissional

apto para lidar com as relações advindas do ambiente de trabalho, posto que compreenderá os mecanismos

de produção de valor em nossa sociedade.

Desejamos as boas-vindas e sigamos o nosso curso.

Professora Helenrose Aparecida da Silva Pedroso Coelho

AULA 1 — Trabalho e Relações Sociais na Sociedade Contemporânea

19

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AULA

1____________________TRABALHO E RELAÇõES SOCIAIS nA

SOCIEDADE COnTEMPORânEA

Conteúdo• Noções sobre trabalho

• Importância do trabalho na sociedade capitalista

• As relações sociais que envolvem o ser humano e o trabalho

Competências e habilidades• Compreender a importância do trabalho em nossa sociedade

• Refletir sobre as relações oriundas das relações do trabalho e sua importância para o serviço social

Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizados no portal.

• Sites relacionados: http://www.dieese.org.br

• Filme: O Germinal. Diretor: Claude Berri

Caracteriza perfeitamente o processo de produção do trabalho do modelo capitalista, a expansão do chamado capital, mostrando assim, de uma forma bem clara, os opostos entre as necessidades humanas e as materiais. O filme se passa na França do século XIX e transmite muito bem aquele determinado momento histórico e seu contexto social, econômico e político e, é claro, cultural. Para obtermos uma análise satisfatória se torna necessário o conhecimento dos antecedentes da Revolu-ção Industrial, nele presentes.

Duração2h/a – via satélite com o professor interativo

2h/a – presenciais com o professor local

6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo

INTRODUÇÃO

Vamos verificar nos nossos estudos a impor-

tância do trabalho para o ser humano. O trabalho

aparece desde os primórdios como a necessidade

de o homem intervir sobre a natureza, produzindo

os meios de sua sobrevivência e, dessa forma, clari-

fica-se a noção de que o trabalho afigura-se como

elemento inerente à existência do homem e como

mola propulsora de seu desenvolvimento perante as

limitações primitivas impostas pela sua fragilidade

diante do meio ambiente.

A partir do trabalho, o homem foi tornando-se

capaz de criar novas formas de interação com a

natureza, as quais permitiram o desenvolvimento

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

20

amplo do gênero humano, estendendo-se às formas

de organização social, sempre alicerçadas na orga-

nização do trabalho e da produção social, conforme

entendimento de Engels, 1979, p. 269-280.

Com a consolidação do sistema capitalista, como

modo de produção, essa noção de centralidade do

trabalho na sociabilidade humana desvendado sob

a ótica de exploração dentro de uma sociedade de

classes foi objeto de vasta produção teórica e políti-

ca, impulsionando grandes transformações e revo-

luções sociais a partir de meados do século XIX.

Dentro do processo histórico, inúmeros abusos

foram cometidos dentro do mundo do trabalho e

impulsionaram a luta social pelo reconhecimento

de direitos mínimos da dignidade humana e, com

base no desenvolvimento de ideários novos de or-

ganização social do trabalho, instaurou-se, no cam-

po ideológico, uma grande disputa no seio da so-

ciedade burguesa, até mesmo dentro do campo de

atuação do assistente social, pois o trabalho na área

social vai saindo paulatinamente das mãos da Igreja

e do ideário da caridade e passando ao Estado e à

sociedade dentro das idéias capitalistas.

No art. 193, Título VIII, Capítulo II, Seção I – Da Or-

dem Social, a Constituição Federal de 1988 aponta

que a ordem social brasileira tem como base o prima-

do do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça

sociais.

Assim, grande parte da história do século XX en-

cerrou a disputa entre concepções diversas no que

tange à organização social do trabalho, e o mundo

dividiu-se geopoliticamente na afirmação dessa dis-

puta, com conseqüências como a Guerra Fria, a Cri-

se do Petróleo etc.

Nos dias de hoje, o debate sobre o mundo do tra-

balho continua desenvolvendo-se com enfoque na

hegemonia político-ideológica capitalista. Obser-

va-se essa questão discutida através do espaço cada

vez maior que se dá ao debate cujo tópico é em rela-

ção ao emprego na sociedade contemporânea, im-

pulsionando pesquisadores, políticos, movimentos

sociais, organizações internacionais e tantos outros

atores sociais que buscam apresentar soluções e

fazer reflexões para um dos principais problemas

enfrentados por grande parte dos países. E não

apenas a isso se resume o debate. Distribuição de

renda, diminuição de desigualdades e promoção de

desenvolvimento social são temas recorrentes, des-

dobramentos, ainda que superficiais, daquilo que

pode ser considerado uma das principais crises no

mundo do trabalho dentro da sociedade burgue-

sa. E daí a importância do profissional do serviço

social na compreensão e reflexão sobre essas ques-

tões, compreendendo sua origem e os rumos toma-

dos na atualidade.

Não é só a sobrevivência que dá significado ao

trabalho, mas, no dizer de Engels, op. cit., também

o desenvolvimento de habilidades manuais e inte-

lectuais é proporcionado por ele, porque o homem

com a necessidade desenvolveu técnicas utilizando

o corpo nas atividades de trabalho e iniciou uma

nova forma de vida em grupo, desenvolvendo a lin-

guagem e as relações sociais.

Graças à cooperação das mãos, dos órgãos da

linguagem e do cérebro, não só em cada indivíduo,

mas também na sociedade, os homens foram apren-

dendo a executar operações cada vez mais comple-

xas, a propor-se a alcançar objetivos cada vez mais

elevados (ENGELS, 1979, p. 275).

A especialização da mão implica o aparecimento

da ferramenta, que, por sua vez, implica atividade

especificamente humana, a ação do homem sobre a

natureza, que resultará na produção de bens. E esse

homem vai cada vez mais exercer sua força sobre

a natureza, para dominá-la, diferenciando-se dos

animais.

No início o homem praticava a caça e a pesca e,

mais tarde, a agricultura. Com o passar do tempo

surgem a fiação, a tecelagem, a elaboração de me-

tais, a olaria e a navegação, tudo graças a esse de-

senvolvimento de habilidades oriundas do trabalho.

Aparecem o comércio e os ofícios acompanhados

das artes e das ciências, bem como as nações e os

Estados. De acordo com Engels, 1979, p. 275, o rá-

pido progresso da civilização foi atribuído exclusi-

vamente à cabeça, ao desenvolvimento e à atividade

AULA 1 — Trabalho e Relações Sociais na Sociedade Contemporânea

21

do cérebro, e os homens acostumaram-se a explicar

seus atos pelos seus pensamentos em vez de procu-

rar essa explicação em suas necessidades.

Diferentemente dos animais que utilizam a natureza e

a modificam pelo simples fato de sua presença, o ho-

mem modifica a natureza, dominando-a por meio do

trabalho.

RETROSPECTIVA HISTÓRICA

Ao fazermos uma rápida retrospectiva histórica,

percebemos que a Grécia Antiga valorizava o ócio

para seus cidadãos, o qual somente era possível pela

exploração do trabalho escravo. Em um determi-

nado momento, quem sabe por oposição aos ideais

greco-romanos de ócio, o cristianismo intentou

recuperar o valor do trabalho sem colocá-lo como

valor maior da existência. Podemos observar até

os dias de hoje que o trabalho ainda é utilizado e

valorizado como ponto central da dinâmica social

em que atuamos, sem que haja uma reflexão maior

sobre o contexto em que ela foi gerada e com que

finalidade, pois à época era necessário incutir esse

ideal, pois o capitalismo iniciava seu processo de

desenvolvimento como novo modelo econômico e

precisava conquistar aliados para seu ideal.

Para o entendimento dos fatores que envolvem

a crise do mundo do trabalho atual, é fundamen-

tal a compreensão do desenvolvimento histórico da

sociedade capitalista. Para tanto é preciso situar a

transição do regime feudal ao capitalista pela expan-

são ultramarina e a formação de novos mercados: o

mercado das Índias Orientais e da China, a coloni-

zação da América, o intercâmbio com as colônias, o

aumento dos meios de troca e das mercadorias em

geral deram ao comércio, à navegação e à indústria

um impulso jamais conhecido e, em conseqüência,

favoreceram o rápido desenvolvimento do elemen-

to revolucionário na sociedade feudal em decom-

posição.

Diante do crescimento desses novos mercados,

o modo de exploração feudal não atendia mais às

suas necessidades, dando lugar à manufatura, subs-

tituindo a divisão do trabalho entre as diversas cor-

porações pela divisão do trabalho dentro de cada

oficina.

Continuando a crescer, vemos o mercado da ma-

nufatura também se tornando insuficiente para abas-

tecê-lo, tomando o seu lugar a grande indústria mo-

derna, através da Revolução Industrial, onde a má-

quina a vapor revolucionou a produção industrial.

A grande indústria criou o mercado mundial,

para o qual a descoberta da América preparou o

terreno. O mercado mundial deu um imenso desen-

volvimento ao comércio, à navegação e às comuni-

cações por terra. Esse desenvolvimento, por sua vez,

reagiu sobre a extensão da indústria; e na proporção

em que a indústria, o comércio, a navegação, as fer-

rovias cresciam, a burguesia também se desenvolvia,

aumentava seus capitais e colocava num plano se-

cundário todas as classes legadas pela Idade Média.

Entretanto, a partir da segunda metade do sécu-

lo XVIII, iniciou-se na Inglaterra a mecanização

industrial, desviando a acumulação de capitais da

atividade comercial para o setor da produção. Esse

fato trouxe grandes mudanças, tanto de ordem eco-

nômica quanto social, que possibilitaram o desapa-

recimento dos restos das relações e práticas feudais

ainda existentes e a definitiva implantação do modo

de produção capitalista.

Simultaneamente ao desenvolvimento do capital tam-

bém se desenvolve o proletariado, a classe operária

moderna, que para Marx e Engels, (2001):

(...) vivem apenas na medida em que encontram tra-

balho e que só encontram trabalho na medida em que

o seu trabalho aumente o capital. Tais operários, obri-

gados a se vender por peça, são uma mercadoria como

qualquer outro artigo de comércio...”

Nessa fase inicial do capitalismo notadamente, o

proletariado acaba concentrado em grandes massas,

submetidas a péssimas condições de trabalho.

A primeira metade do século XX foi marcada por

uma série de calamidades: as duas guerras mun-

diais, os impérios coloniais que ruíram, duas ondas

de rebelião e revolução que significaram a ascensão

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

22

ao poder de um sistema colocado como alternativa

histórica à sociedade burguesa e que, após a Segunda

Guerra Mundial, representou um terço da popula-

ção mundial. Além disso, o ano de 1929 apresentou

uma crise econômica sem precedentes, até mesmo

abalando economias capitalistas mais fortes, cau-

sando o quase desaparecimento das instituições e

da democracia liberal.

Enquanto a economia balançava, as instituições

da democracia liberal praticamente desapareceram

entre 1917 e 1942; restaram apenas uma borda da

Europa e partes da América do Norte e da Austrália.

Enquanto isso, avançavam o fascismo e os movi-

mentos e regimes autoritários.

A democracia só se salvou porque houve uma

aliança temporária entre o capitalismo liberal e o co-

munismo: basicamente a vitória sobre a Alemanha

de Hitler foi conseqüência do Exército Vermelho.

De muitas maneiras, esse período de aliança capita-

lista-comunista contra o fascismo – sobretudo nas

décadas de 1930 e 1940 – constitui o ponto crítico

da história do século XX e seu momento decisivo.

Após a depressão de 1929, o fascismo e a guerra,

houve um surpreendente salto para a Era do Ouro

(denominação de Eric Hobsbawn), que dura de

1947 a 1973.

Neste contexto a recuperação dos estragos da

guerra foi a prioridade para os países europeus e

o Japão, sendo que ela significava, acima de tudo,

o medo de revolução social e avanço comunista. A

partir de meados da década de 1950, os avanços ma-

teriais se tornaram palpáveis para estas nações.

Este grande desenvolvimento foi alcançado gra-

ças à implantação de modelos de produção que se

disseminaram pelas indústrias de todo o mundo,

buscando a ampliação de mercados a partir da pro-

dução para um mercado de massa. Estudaremos

mais detalhadamente esses modelos de produção

nas próximas aulas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho alcançou, na sociedade ocidental, a

partir da implantação e da consolidação do siste-

ma capitalista, um grau esclarecedor do processo

de desenvolvimento filogenético da espécie e repre-

sentativo da condição humana. O exercício de ativi-

dades coletivas e de trabalho conjunto é apontado

como responsável pelo surgimento das especifici-

dades próprias do homo sapiens, como pensamento,

consciência e linguagem (LEONTIEV, 1978). Por

meio da análise do trabalho alienado, Marx (1989)

o apresenta como conferindo a qualificação de hu-

mano ao seu portador, a partir de uma concepção

de natureza humana que se constitui na inserção no

mundo das relações sociais.

O trabalho é um momento efetivo de colocação

de finalidades humanas, dotado de intrínseca di-

mensão teleológica. E, como tal, mostra-se como

uma experiência elementar da vida cotidiana, nas

respostas que oferece às necessidades sociais. Reco-

nhecer o papel fundamental do trabalho na gênese

e no fazer-se do ser social nos remete diretamente à

dimensão decisiva dada pela esfera da vida cotidia-

na, como ponto de partida para a generalidade para

si dos homens (ANTUNES, 2001, p. 168).

O trabalho aparece, definitivamente, como um

operador fundamental na própria construção do

sujeito, revelando-se também como um mediador

privilegiado, senão único, entre inconsciente e cam-

po social e entre ordem singular e ordem coletiva.

Não é apenas um teatro aberto ao investimento

subjetivo, mas um espaço de construção do sentido

e, portanto, de conquista de identidade, da conti-

nuidade e da historicização do sujeito (DEJOURS e

ABDOUCHELI, 1994).

Em uma perspectiva materialista histórico-dialé-

tica, o trabalho é a fonte de toda riqueza, conforme

explicitado por Engels no texto O papel do trabalho

na transformação do macaco em homem, fonte tam-

bém de prazer e de realização humanas. A categoria

ontológica do marxismo permite entender que, ao

realizar trabalho, o ser humano abandona a depen-

dência para com a natureza e adentra a aventura do

especificamente humano. Visto assim, o trabalho é

produto do homem e ao mesmo tempo produtor

do ser, da cultura e da civilização humana, objeti-

vando sistemas de comunicação e de inter-relação

AULA 1 — Trabalho e Relações Sociais na Sociedade Contemporânea

23

humanos que determinaram o desenvolvimento de

nossa sociedade. Trabalhar, então, tem o significado

de garantir as condições objetivas e subjetivas para

a manutenção e o desenvolvimento da existência do

homem, o que só poderia trazer satisfação e prazer.

Entretanto, quando se analisa o sistema produ-

tivo capitalista, o trabalho, para uma grande fatia

da população, deixa de possuir tais possibilidades e

expectativas e se consolida, na verdade, como fon-

te de desprazer, causando tensão e sofrimento, não

permitindo a criatividade e até mesmo o usufruto

de seus resultados. Todos esses motivos consolidam

um tipo de trabalho chamado por Marx de traba-

lho alienado, haja vista que se baseia na exploração

do tempo de trabalho do trabalhador e divide sua

existência em tempos distintos, porém articulados à

dimensão da produção necessária ao capital. A alie-

nação do trabalho consiste no fato de o trabalhador

não conseguir ter a visão de pertencer ao processo

de produção, de ser o gerador de um determinado

produto, de fazer parte daquele trabalho; ele acaba

não se reconhecendo como parte do produto final.

Esse conceito é muito importante para o futuro pro-

fissional de serviço social, porque ele é fator gerador

de sérios mecanismos desencadeadores de mal-es-

tar, sofrimento e desigualdades na esfera social.

Assim, concluindo, observamos a importância do

trabalho na interação do ser humano com os outros

e na formação da sociedade e sua estruturação em

torno do trabalho.

* AnOTAÇõES

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

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2____________________DIVISãO SOCIAL DO TRABALHO

Conteúdo• A divisão social do trabalho

• A estruturação da sociedade capitalista

Competências e habilidades• Entender como se dão a divisão social do trabalho e os seus reflexos em outros setores da sociedade

• Compreender a importância para o serviço social da divisão social do trabalho

• Refletir sobre a repercussão da divisão social do trabalho no cotidiano dos trabalhadores

Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizados no portal.

• Sites relacionados: http://mariag.multiply.com/reviews/item/135

• Filme: Tempos Modernos. De e com Charles Chaplin, fala sobre o modo da produção capitalista, retratando a exploração do trabalho e a forma mecanicista adotada no trabalho da indústria a partir do início do século XX.

Duração2h/a – via satélite com o professor interativo

2h/a – presenciais com o professor local

6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo

INTRODUÇÃO

Veremos como nasceram as teorias clássicas da

Economia para podermos entender como foram

elaboradas as teorias sobre o trabalho.

A economia política clássica nasceu na Inglaterra, o

mais evoluído país capitalista. Estudando o seu regime

econômico, Adam Smith e David Ricardo lançaram as

bases da teoria do valor do trabalho. Marx deu um

fundamento estritamente científico a essa teoria, de-

senvolvendo-a de maneira coerente, e inovou-a com o

conceito de valor como sendo intrínseco à mercado-

ria e determinado pelo tempo de trabalho socialmen-

te necessário para a produção da mercadoria.

Desenvolveu o estudo sobre a mercadoria a partir

do pressuposto de que a riqueza das sociedades, regi-

das pela produção capitalista, é a acumulação de mer-

cadorias (considerada em qualidade e quantidade) e

que a mercadoria, a forma elementar dessa riqueza,

possui dois fatores: valor de uso e valor de troca.

O valor de uso está relacionado à utilidade da

mercadoria, sua utilização ou seu consumo, e é con-

siderado como o conteúdo material da riqueza.

AULA 2 — Divisão Social do Trabalho

25

Marx observa que para se chegar ao valor-de-uso e

como conseqüência gerar a riqueza material não basta

apenas o trabalho, é necessário combiná-lo com os re-

cursos naturais, como nessa passagem:

“O homem, ao produzir, só pode atuar como

a própria natureza, isto é, mudando as formas

da matéria. E mais. Nesse trabalho de trans-

formação, é constantemente ajudado pelas

forças naturais. O trabalho não é, por conse-

guinte, a única fonte dos valores de uso que

produz da riqueza material. Conforme diz

Willian Petty, o trabalho é o pai, mas a mãe é

a terra.” (p. 50)

Quando a mercadoria passa a ser trocada por ou-

tra, ela adquire um valor de troca e, se for trocada

por mais de uma mercadoria, diz-se que pode ter

um ou mais valores de troca de espécies diferentes.

Como exemplo, Marx cita a possibilidade de uma

quantidade de trigo ser trocada por uma quantida-

de de seda, outra de ouro e outra de graxa.

Na relação de troca entre a quantidade de um

produto e a de outro é que se percebe o seu valor. E

o valor é entendido como a quantidade de dispên-

dio do trabalho humano, da força de trabalho gas-

ta em sua produção ou, melhor, da quantidade de

trabalho humano que nele se armazenou (trabalho

humano abstrato). A quantidade de trabalho mede-

se pelo tempo de sua duração e o tempo de trabalho,

por frações do tempo, como hora, dia, etc.

Há desdobramentos a serem considerados para

se compreender a substância do valor de uma mer-

cadoria, que é o trabalho. Valor é mais bem enten-

dido conjugando quantidade produzida com a pro-

dutividade alcançada nesse processo de produção,

conforme Marx (p. 46-47) explana:

“A grandeza do valor de uma mercadoria perma-

neceria, portanto, invariável, se fosse constante o

tempo do trabalho requerido para sua produção.

Mas este muda com qualquer variação na produti-

vidade (força produtiva) do trabalho. A produtivi-

dade do trabalho é determinada pelas mais diversas

circunstâncias, entre elas a destreza média dos tra-

balhadores, o grau de desenvolvimento da ciência

e sua aplicação tecnológica, a organização social

do processo de produção e as condições naturais.

(...) Generalizando: quanto maior a produtividade

do trabalho, tanto menor o tempo de trabalho re-

querido para produzir uma mercadoria, e quanto

menor a quantidade de trabalho que nela se crista-

liza, tanto menor seu valor. Inversamente, quanto

menor a produtividade do trabalho, tanto maior

o tempo de trabalho necessário para produzir um

artigo e tanto maior seu valor. A grandeza do valor

de uma mercadoria varia na razão direta da quanti-

dade e na inversa da produtividade do trabalho que

nela se aplica.”

DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO

Para Marx, em seu livro Manifesto Comunista, a

sociedade moderna não substituiu a luta de clas-

ses, apenas trocou classes antigas por novas, novas

condições de opressão e, da mesma forma, novas

formas de condições de luta. Nessa época da bur-

guesia a sociedade cada vez mais caminhava para

dois grandes blocos inimigos – o proletariado e a

burguesia –, tendo passado, para Marx e Engels, por

um longo processo de desenvolvimento, pelos dife-

rentes modos de produção, haja vista o vertiginoso

papel fundamental que ocupou a burguesia ao lon-

go da história.

Marx concebe a idéia de que a sociedade está

dividida em classes, cada uma com suas regras e

condutas apropriadas, mas que estão inseridas em

um único sistema, que é o modo de produção ca-

pitalista. A divisão social do trabalho é para Marx

“a totalidade das formas heterogêneas de trabalho

útil, que diferem em ordem, gênero, espécie e va-

riedade” (O Capital I, Cap. I).

É interessante observar que Marx considera a

divisão do trabalho não só como um meio para se

alcançar a produção de mercadorias, mas considera

a divisão de tarefas entre os indivíduos, e ainda nas

relações de propriedade. Assim, a divisão do traba-

lho e a especialização das atividades em classes são

basicamente a divisão dos meios de produção e da

força de trabalho. Modernamente, essa divisão se

refere também à divisão internacional do trabalho,

que trata do trabalho nos diversos países e da divi-

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

26

são sexual do trabalho, referindo-se às diferencia-

ções de gênero e de sexo feitas no trabalho.

No dicionário do Pensamento Marxista de Tom Bot-

tomore (p. 112) encontramos a seguinte definição

para a divisão do trabalho:

Primeiro, há a divisão social do trabalho, en-

tendida como o sistema complexo de todas

formas úteis de trabalho que são levadas a

cabo independentemente umas das outras

por produtores privados, ou seja, no caso do

capitalismo, uma divisão do trabalho que se

dá na troca entre capitalistas individuais e

independentes que competem uns com os

outros.

Em segundo lugar, a divisão de trabalho en-

tre trabalhadores, cada um dos quais execu-

ta uma operação parcial de um conjunto de

operações que são todas executadas simulta-

neamente e cujo resultado é o produto social

do trabalhador coletivo. Esta é uma divisão

de trabalho que se dá na produção, entre o

capital e o trabalho em seu confronto dentro

do processo de produção. Embora esta divi-

são do trabalho na produção e a divisão de

trabalho na troca estejam mutuamente rela-

cionadas, suas origens e seu desenvolvimento

são de todo diferentes.

Para Marx, as relações sociais de produção divi-

dem os homens entre proprietários e não-proprie-

tários dos meios de produção. Esta formação, carac-

terística da sociedade capitalista, expressa as desi-

gualdades nas quais se baseiam as classes sociais.

Aqui cabe salientar que, no entender de Marx, a

divisão social do trabalho sempre existiu em todas

as sociedades. Essa divisão é inerente ao trabalho

humano e ocorre em relação a tarefas econômicas,

políticas e culturais. Desde as sociedades tradicio-

nais, a divisão do trabalho correspondia à divisão de

papéis por gênero, sendo sucedidas, mais tarde, pela

divisão das atividades como a agricultura, o artesa-

nato e o comércio. A divisão do trabalho surge com

o excedente da produção e a apropriação privada

das condições de produção. Foi ainda por meio da

Revolução Industrial que se intensificaram-se e se

fragmentaram as tarefas, aumentando, por sua vez,

a produtividade.

Observem que, nesse contexto, a força de traba-

lho se torna uma mercadoria, vendida ao empresá-

rio capitalista por um salário, o que vem a reforçar

a teoria do economista inglês Adam Smith, de que

o trabalho seria a verdadeira fonte de riqueza da

sociedade. Esse conceito foi apropriado e ampliado

por Marx, o qual demonstra que a força de traba-

lho significa criação de valor, mas este é um valor

apropriado pelo capitalista e que aparentemente se

“perde” dentro do produto.

A força de trabalho, ao ser negociado como mer-

cadoria, promove a completa separação do traba-

lhador dos meios de produção, alienando o homem

de sua própria essência, que é o trabalho. Assim, a

divisão social do trabalho e a divisão industrial do

trabalho promovem a alienação e destroem as rela-

ções entre os homens, uma vez que eles não têm do-

mínio do processo de produção e não se beneficiam

do produto de seu trabalho.

É sobre essa base material que se ergue a superes-

trutura da sociedade moderna, segundo Marx. A su-

perestrutura é formada pela esfera jurídica, política e

ideológica da sociedade, que, por sua vez, representa a

forma como os homens estão organizados no proces-

so produtivo. Como afirma Marx: “O modo de pro-

dução condiciona o desenvolvimento da vida social,

política e intelectual em geral.” Nesse sentido, o Esta-

do surge para garantir o interesse da classe dominan-

te. Apesar de o Estado liberal difundir a idéia da defe-

sa da igualdade, Marx assim denuncia no Manifesto

do Partido Comunista (1848): “A sociedade burguesa

moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal,

não aboliu os antagonismos de classe. Não fez senão

substituir novas classes, novas condições de opressão,

novas formas de luta às que existiram no passado”,

referindo-se aos nobres e senhores feudais.

Marx ressalta aqui a idéia de que é a burguesia a

classe social que irá controlar o poder político, ide-

ológico e jurídico da sociedade.

O estado de alienação do proletariado, resultado

da divisão do trabalho, também se reflete nessas for-

AULA 2 — Divisão Social do Trabalho

27

mas de dominação da burguesia. Marx afirma que

o Estado é um instrumento criado pela burguesia

para garantir seu domínio econômico sobre o pro-

letariado, preservando e protegendo a propriedade

privada dos meios de produção. O aparato jurídi-

co, por sua vez, seria o responsável por garantir a

igualdade entre os homens, camuflando a divisão

da sociedade entre classes sociais distintas e com in-

teresses opostos. A ideologia seria a encarregada de

difundir a visão de mundo e os valores burgueses,

legitimando e consolidando seu poder. Conforme

afirma Marx (1993):

“As idéias da classe dominante são, em cada época,

as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força

material dominante da sociedade é, ao mesmo tem-

po, sua força espiritual dominante. A classe que tem

à sua disposição os meios de produção material dis-

põe, ao mesmo tempo, dos meios de produção es-

piritual, o que faz com que a ela sejam submetidas,

ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles

aos quais faltam os meios de produção espiritual.

As idéias dominantes nada mais são do que a ex-

pressão ideal das relações materiais dominantes, as

relações dominantes concebidas como idéias; por-

tanto, a expressão das relações que tomam a classe

dominante; portanto, as idéias de sua dominação.”

Para Marx, a divisão do trabalho se estende para

além da produção material e exerce uma função de

dominação da classe burguesa sobre a classe prole-

tariada. Essa dominação se expressa nas formas de

segmentação da sociedade, seja pela divisão social

do trabalho ou pela sua divisão industrial.

No que se refere à divisão do trabalho, Dürkheim,

sociólogo e autor de um estudo sobre a divisão so-

cial do trabalho, considera que a característica fun-

damental da sociedade moderna é a divisão social

do trabalho, porque suas diferentes esferas se dife-

renciam entre si e se especializam, o que concorre

para a integração dos indivíduos na sociedade.

Dürkheim considera a existência da divisão social

do trabalho como determinante do grau de coesão

entre os indivíduos de uma determinada sociedade.

No caso das sociedades tradicionais, como não há

uma divisão social do trabalho, os indivíduos es-

tão integrados na coletividade pela tradição e pelo

costume, ou seja, por uma consciência coletiva que

indica suas formas padronizadas de pensamento ou

conduta. O tipo de solidariedade apresentado nes-

sas sociedades é a solidariedade mecânica.

A solidariedade orgânica seria a solidariedade

típica da sociedade capitalista moderna. Essa soli-

dariedade decorre da evolução da sociedade, que

promove a diferenciação social por meio da divi-

são do trabalho. Portanto, a função da divisão so-

cial do trabalho seria a de criar um sentimento de

solidariedade entre os homens. Para Dürkheim, as

diferenças sociais criadas pela divisão social do tra-

balho unem os indivíduos pela necessidade de troca

de serviços e pela sua interdependência: “O ideal de

fraternidade humana só pode ser realizado na razão

do progresso da divisão do trabalho.”

Esta é uma das diferenças fundamentais entre

a teoria marxista e a teoria durkheimiana. Para

Marx, as sociedades tradicionais apresentam uma

forma de divisão do trabalho, mesmo que baseadas

na idade, gênero ou força física. O que diferencia

essa forma de divisão natural do trabalho pela divi-

são do trabalho no capitalismo é a ausência de um

excedente na produção.

Se para Dürkheim a divisão social do trabalho

gera solidariedade, para Marx, a divisão do trabalho

expressa os meios de segmentação da sociedade. Em

caráter primeiro, a divisão do trabalho se refere à

apropriação dos meios de produção pelo empresário

capitalista; em segundo, essa apropriação que distan-

cia o trabalhador dos meios de produção distancia o

trabalhador de si mesmo, provocando nele um estado

de alienação. Como vemos, ao se dividir a sociedade

entre proprietários e não-proprietários dos meios de

produção, as classes sociais que daí surgem passam

a lutar por interesses antagônicos, apesar da interde-

pendência que se estabelece entre elas.

Para Marx, a sociedade moderna está organizada

sobre a produção econômica da mais-valia, ou seja,

a exploração da força de trabalho proletária pela

classe burguesa. Portanto, o sistema capitalista pro-

porciona à burguesia a difusão de suas ideologias

por meio do controle do aparelho do Estado.

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

28

Enfim, para Dürkheim, a divisão social do tra-

balho irá ocupar o lugar da Igreja, do Estado e das

demais instituições sociais na função de integrar o

indivíduo ao corpo social, promovendo a coesão na

sociedade, levando-a ao progresso, o que se dará

por meio da especialização de funções que cria uma

interdependência entre os indivíduos. Para Marx, a

divisão do trabalho gera uma relação de exploração

da classe burguesa sobre o proletariado, promoven-

do a sua alienação por meio da propriedade priva-

da dos meios de produção. Nesse caso, a alternativa

para a classe proletária será promover uma revolu-

ção capaz de solucionar os antagonismos sociais,

eliminando a sociedade de classes.

QUAL O SIGNIFICADO DO TRABALHO?

• É a expressão de funcionamento, “metabólica”, entre o ser social e a natureza.

• O homem, por meio do trabalho, transforma a natureza e produz coisas com valor de uso.

• O trabalho tem, desde o seu nascimento, uma in-tenção voltada para o processo de humanização do homem em seu sentido amplo – nas inter(ações) que realiza.

• É por meio do trabalho que o homem se reconhece en-quanto sujeito histórico capaz de agir e transformar a sua realidade.

• QUAL O SIGNIFICADO DO TRABALHO NO CAPITALIS-MO?

• O trabalho se transforma em valor de troca.

• O homem vende sua força de trabalho para realizar a reprodução social – consumir e produzir.

• É um trabalho alienado – o trabalhador não se reconhe-ce naquilo que produz, não conhece nem domina todo o processo de produção.

• O trabalhador não é o dono dos meios de produção e de trabalho.

• Baseia-se no lucro e na mais-valia, ou seja, no excedente do trabalho humano, que não é repassado ao trabalhador.

SÍnTESE

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO:

• É FEITA POR MEIO DA DIVISÃO DO TRABALHO

• DIVISÃO DE TAREFAS: O CONTEÚDO, O RITMO

• DIVISÃO DE HOMENS: RESPONSABILIDADES, SISTEMA HIERÁRQUICO, RELAÇÕES DE PODER E CONTROLE

• DIVISÃO BASEADA NA ESPECIALIZAÇÃO FUNCIONAL DO TRABALHO = BUROCRACIA

* AnOTAÇõES

AULA 3 — Produção Social e Valor

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AULA

3____________________PRODUÇãO SOCIAL E VALOR

Conteúdo• O trabalho social

• O processo de produção social

Competências e habilidades• Aprofundar o conhecimento sobre relações de trabalho

• Analisar a importância do trabalho como fator de geração de capital e de riqueza

• Refletir sobre a importância para o serviço social dos aspectos relacionados com a geração de riqueza e os efeitos sobre o ser humano

Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizados no portal

• Sites relacionados: http://www.mpt.gov.br

• Filme: Gaijin – Caminhos da Liberdade – 1980, Brasil

Diretora: Tizuka Yamazaki

Em meio às festas comemorativas ao centenário da imigração japonesa para o Brasil, este filme nos faz refletir sobre o contexto e os conflitos em que se deu este processo histórico. A miséria e a falta de perspectivas de trabalho no Japão “empurraram” muitos nativos a emigrarem em busca de novas oportunidades.

Duração• 2h/a – via satélite com o professor interativo

• 2h/a – presenciais com o professor local

• 6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo

INTRODUÇÃO

Colocamos no primeiro capítulo a importância

do trabalho para o desenvolvimento físico, psicoló-

gico e social do ser humano, pois é pelo exercício

de determinadas tarefas que sentimos a necessidade

de desenvolver habilidades técnicas, tanto manuais

como mentais, e também nos relacionamos com

os outros, ampliando nosso círculo de relações no

emprego ou em outras formas de atuação na socie-

dade. Deriva daí, assim, a importância que tantos

estudiosos dão ao tema trabalho.

A centralidade do trabalho precisa ser focalizada

tendo em vista o processo de produção e reprodu-

ção material da vida humana em sociedade, em sua

interação com os outros homens e com a natureza.

É dessa maneira que os homens produzem para si

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

30

próprios, a sociedade e as próprias formas sociais

em que produzem, ou seja, é por essa forma que o

homem produz as riquezas humanas e consegue dar

prosseguimento ao desenvolvimento social.

O trabalho social tem uma dupla “natureza”, por-

que ele é tanto o trabalho envolvido no processo de

produção da sociedade em que se trabalha, que de-

termina socialmente, quanto o trabalho concreto na

sociedade vigente, socialmente determinado, isto é,

uma via de mão dupla onde temos o homem exer-

cendo suas habilidades socialmente e a sociedade

determinando a forma de atuação do ser humano.

De volta a Marx, um dos maiores estudiosos do

tema trabalho, ele se refere a essa questão no capítu-

lo seis, Inédito, de O Capital:

“(...) os economistas burgueses, enredados nas

idéias capitalistas, vêem sem dúvida como se pro-

duz no interior da relação capitalista, mas não como

se produz esta relação propriamente dita (...)”

Temos assim que a denominada “sociedade do

trabalho” é uma construção social constituída por

homens e mulheres no curso do processo de re-

produção de sua vida material, na interação social

e com a natureza. Vivemos numa sociedade capi-

talista focada no trabalho sob a forma social de-

terminada da acumulação do capital. O processo

de construção da sociedade capitalista exigiu uma

série de condições históricas antes não existentes

– uma ética do trabalho, a conversão de trabalho

em mercadoria, o apoio social à acumulação sem

propósito de uso – apontadas de modo exemplar

na obra de Max Weber, A ética protestante e o espí-

rito do capitalismo.

Para nós, em nosso dia-a-dia, a formação social

assim constituída parece natural, como produto

abstraído do processo de formação material. En-

caramos a constituição atual da sociedade, pautada

no trabalho com base na ideologia capitalista, como

sendo parte integrante e imutável de nossa socieda-

de. Mas esquecemos que nem sempre foi assim, já

passamos por diversos modelos de produção, como

o feudalismo, por exemplo, e continuaremos ainda

adiante vivenciando outras formas de geração de

riquezas.

Nessa sociedade atual o nexo com o trabalho é contra-

ditório. A melhor formulação disso ainda é de Marx:

“O capital é, ele próprio, a contradição em processo

(porque) procura reduzir o tempo de trabalho a um

mínimo, ao mesmo tempo em que, de outro lado, dis-

põe o tempo de trabalho como única medida e fonte

da riqueza (...) Por um lado conclama à vida todos os

poderes da ciência e da natureza, bem como da com-

binação social e do intercâmbio social para tornar a

criação da riqueza (relativamente) independente do

tempo de trabalho neles aplicado. De outro lado, pre-

tende medir as enormes forças sociais assim criadas

pelo tempo de trabalho e aprisioná-las nos limites exi-

gidos para conservar como valor o valor já criado.”

Percebam que o capitalismo se estrutura na so-

ciedade de forma a tentar manter-se e por isso apre-

senta a relação capital e trabalho como a necessária

para a manutenção da vida social, para gerar rique-

zas, gerando um nexo de dependência da socieda-

de em todas as suas formas sociais com o trabalho,

ao mesmo tempo em que ocorre uma dominação

social em função desse trabalho, que se exerce por

meio do próprio trabalho, “aprisionado nos limites

exigidos para conservar como valor o valor já cria-

do”. Ou melhor, junto com uma tendência à genera-

lização da “natureza” social capitalista como socie-

dade do trabalho, há uma imposição dos critérios e

das condições da acumulação em todos os âmbitos

das relações dos homens entre si. O próprio modo

de apreender a sociedade por parte de seus sujeitos

efetivos se encontra marcado pelas determinações

da sociedade do capital, tudo girando em torno da

produção de riquezas e consumo. O capitalismo

quer, mediante os mecanismos sociais, manter-se,

privilegiando o capital em detrimento da mão-de-

obra, que trabalha por meio do convencimento de

que essa é a única forma de se produzir trabalho. E

as instituições são organizadas de forma a reprodu-

zir as formas de vida social necessárias à prolonga-

ção da vida dessa forma de exploração econômica.

Existe uma relação necessária entre formação

social, capital e trabalho, isso é evidente, porque o

trabalho representa algo de muito valor para o ser

AULA 3 — Produção Social e Valor

31

humano, mas há uma tendência à dominação do

capital sobre o trabalho que configura uma deter-

minada formação social. Portanto, há na formação

social vigente uma estrutura de dominação no que

se apresenta como relações entre capital e trabalho.

A sociedade capitalista existente é uma sociedade

do trabalho pela perspectiva dominante do capital,

que desenvolve formas de dominação. A base des-

sa dominação seria apreendida por Marx enquanto

processo de alienação na relação dos homens com

a sociedade e a natureza, a partir de sua análise do

trabalho alienado enquanto processo de objetiva-

ção invertida, em que se constitui uma abstração do

produto em relação ao seu processo de produção.

Nas palavras de Marx, trata-se de “uma formação

social onde o processo de produção domina os ho-

mens e os homens ainda não dominam o processo

de produção”.

Isso porque para esse autor poderia ser diferen-

te. A sociedade poderia não privilegiar o capital e a

propriedade privada, dando ênfase ao proprietário

da mão-de-obra, o trabalhador, mas tal não ocorre

devido ao processo que denominou de alienação, no

qual o trabalhador não se vê como proprietário dos

bens produzidos, pois não detém a propriedade das

ferramentas de produção e por isso se deixa explo-

rar vendendo o que possui, sua força de trabalho, ao

empresário, dono da indústria ou da empresa, por

um determinado valor.

Ocorre que isso gera o que Marx chamou de mais-

valia, que é o valor que não é entregue ao empregado

pelo desempenho de seu trabalho. Exemplificando,

o valor que o proprietário da empresa paga ao tra-

balhador não inclui na realidade tudo o que deveria

ser pago a ele, porque o empresário paga somen-

te um valor que atribui na categoria salário e nesse

valor não está incluído todo o valor da mercadoria

que foi produzida. Então, o que resta e não é pago

ao trabalhador fica nas mãos do empresário, que se

utiliza do valor da forma que lhe aprouver. A aliena-

ção ocorre porque o trabalhador não se apercebe do

que produz porque não consegue ter consciência de

todo processo produtivo e não visualiza em termos

financeiros quanto é o valor do seu trabalho, rece-

bendo por ele menos do que muitas vezes produziu

no mês.

“Sem produção”, afirma Marx, “não há consumo,

porém sem consumo tampouco há produção, já que

neste caso a produção não teria objeto.” A reprodu-

ção social revela-se inicialmente como um processo

produtivo, forma pela qual o ser social integra-se

à natureza, garantindo sua autoperpetuação. Marx

alinha produção, distribuição, intercâmbio e consu-

mo, afirmando que: “O resultado a que chegamos

não é que a produção, a distribuição, o intercâmbio

e o consumo sejam idênticos, senão que constituem

as articulações de uma totalidade, diferenciações

dentro de uma unidade.”

Marx, por sua vez, abre O Capital chamando a

atenção para o fato de que a riqueza – uma catego-

ria aparentemente absoluta – é, na verdade, histórica

e socialmente determinada. No modo de produção

capitalista, a unidade essencial da riqueza não é o

bem material – o valor de uso –, mas a mercadoria,

marcada pela dupla determinação de valor de uso –

conteúdo material da riqueza – e valor de troca – seu

conteúdo social. O valor de troca, que historicamente

se sobrepõe ao valor de uso, é uma unidade absoluta-

mente social, cuja grandeza é determinada pelo tem-

po de trabalho socialmente necessário à produção de

um determinado valor de uso – reduzido a mero su-

porte daquele. Se seguirmos acompanhando a análise

de Marx ao longo do primeiro capítulo de O Capital,

ao duplo caráter da mercadoria corresponde o duplo

caráter do trabalho: trabalho concreto – produtor de

valor de uso, riqueza material – e trabalho abstrato –

produtor de valor, cuja objetividade é absolutamente

social. Nesse contexto, a contradição entre as forças

produtivas e as relações de produção, tal como postu-

lada por Marx, está diretamente vinculada ao caráter

social da riqueza, ou seja, ao valor, que é a manifesta-

ção social desta sob o capitalismo. É importante ob-

servar que, da perspectiva marxista, o trabalho não é

compreendido como forma absoluta de produção do

mundo e da riqueza, mas num sentido absolutamen-

te histórico. O trabalho como elemento essencial da

riqueza sob o capitalismo é a abstração do trabalho

concreto – dispêndio de força de trabalho (cérebro,

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

32

músculos, nervos, mãos etc.) sem consideração pela

forma como foi despendida – seja ele manual ou in-

telectual, que se desenvolve sobre certas condições

sociais específicas, ou seja, como trabalho assalaria-

do posto a serviço da valorização do capital. Assim, o

trabalho não é considerado como a forma universal

e absoluta de atividade humana, de relação sujeito e

objeto, mas a forma social a que são convertidas as

atividades humanas em geral sob o capitalismo.

Para Marx, o trabalho é o próprio elemento es-

truturador das relações sociais, haja vista constituir

esse a atividade que permite a satisfação das ne-

cessidades básicas do indivíduo. O autor referido

reconhece que a divisão do trabalho é responsável

por um grande progresso material, mas contrapõe a

esse um processo ininterrupto de alienação do indi-

víduo, ou seja, à medida que o modo capitalista de

produção evolui, o trabalho dos indivíduos passa a

ser encarado na sua forma abstrata, as mercadorias

parecem que adquirem vida própria e as relações

sociais passam a ser encaradas como relações entre

coisas. A produção capitalista desenvolve-se em bus-

ca do aumento da mais-valia relativa, visando a di-

minuir o valor da força de trabalho pela redução do

tempo necessário para a produção. Segundo Marx,

os indivíduos se realizam, por meio da execução de

alguma tarefa, também pelo trabalho. Entretanto,

o modo capitalista de produção, ao impor um tra-

balho parcelado e repetitivo, retira dos indivíduos a

oportunidade de criar algo novo, colocando-os sub-

missos à lógica capitalista de produção.

O QUE É O TRABALHO ENTÃO?

O trabalho humano efetiva-se, concretiza-se em

coisas, objetos, formas, gestos, palavras, ações coti-

dianas, realizações materiais e espirituais. O ser hu-

mano cria e recria os elementos da natureza que es-

tão ao seu redor e lhes confere novas formas e novos

sentidos. Dessa forma, o trabalho é o fundamento

da produção material e espiritual do ser humano

para sua sobrevivência e reprodução.

O trabalho ou as atividades a que as pessoas se

dedicam são formas de satisfazer as suas necessida-

des que, por sua vez, são os fundamentos dos di-

reitos estabelecidos na vida em sociedade, mas se o

sujeito é o mercado, o capital, o determinante social

é a acumulação do capital, e toda a estrutura social

irá girar em torno do crescimento desse capital.

As condições de produção da mercadoria envol-

vem a divisão e a hierarquização do trabalho dos

indivíduos, que vão fazer parte de um processo de

trabalho que é coletivo. A divisão do trabalho não

só potencia, dinamiza a capacidade produtiva, mas

também limita o trabalhador a tarefas cada vez mais

“parciais”, mais “simples”, tarefas que restringem,

no trabalhador, o uso de sua sensibilidade, de sua

criatividade, para executar com rigor aquilo que a

máquina pede.

A história da sociedade industrial é uma história

de lutas dos trabalhadores contra a imposição da

disciplina do trabalho, da disciplina de quartel, da

organização e racionalização dos processos de tra-

balho, que geram o esvaziamento completo dos in-

teresses e motivações pessoais no ato de trabalhar.

A produção da existência humana e a aquisição

da consciência se dão pelo trabalho, pela ação sobre

a natureza. O trabalho, nesse sentido, não é empre-

go, não é apenas uma forma histórica do trabalho

em sociedade, é a atividade fundamental pela qual

o ser humano se humaniza, se cria, se expande em

conhecimento, se aperfeiçoa. O trabalho é a base

estruturante de um novo tipo de ser, de uma nova

concepção de história. O que nos permite fazer a

distinção entre duas formas fundamentais de traba-

lho: o trabalho como relação criadora, do homem

com a natureza, produzindo a existência humana,

o trabalho como atividade de autodesenvolvimen-

to físico, material, cultural, social, o trabalho como

manifestação de vida; e o trabalho nas suas formas

históricas de sujeição, de servidão ou de escravidão,

ou do trabalho moderno, assalariado, alienado na

sociedade capitalista.

Dessa forma, entendemos que o trabalho funcio-

na como uma forma que gera um produto que pode

trazer satisfação ao ser humano, mas isso não ocor-

re na sociedade capitalista porque existe o mascara-

mento das contradições entre capital e trabalho para

que essa forma de produção nunca deixe de existir.

AULA 3 — Produção Social e Valor

33

Ao mesmo tempo, existe o movimento contrário

para que se reorganize o trabalho, direcionem-se

os objetivos para a realização do trabalhador por

meio de movimentos sociais, grupos organizados

e inúmeras outras maneiras de questionamento e

reflexão.

Em síntese, as relações de trabalho na constru-

ção da personalidade do trabalhador influenciam

os processos da alienação ou a reificação (coisifica-

ção), cujas origens residem nas relações capitalistas

de produção.

Quer se trate de caça num clã primitivo, quer do

trabalho agrícola de um servo ou da corvéia na terra

do senhor, os homens têm sempre consciência, em

maior ou menor escala, da necessidade de produzir

certos bens para alimentar-se, vestir-se etc. (GOLD-

MANN, 1967, p. 126).

Para Goldmann (1967), é a sobrevivência que dá signi-

ficado ao trabalho, sendo que, nas sociedades de econo-

mia de troca, o produto do trabalho tinha apenas valor

de uso, trocava-se pela importância daquilo naquele

momento. É nas sociedades pré-capitalistas (economia

mercantil) que o produto do trabalho passa a ser um

bem, isto é, transforma-se em mercadoria. Essa trans-

formação desloca o valor de uso do produto para o

consumidor final e acrescenta o valor de troca, mas esse

valor não é agregado ao salário do trabalhador.

Desse modo, o trabalho propriamente dito, aquele que

envolve o produtor e o produto numa relação tal que a

produção é como um objeto fabricado pelo produtor,

reconhecendo-se em sua obra, passa a ser um traba-

lho “abstrato”, em que a produção é qualitativamente

igual, pois, seja o que for produzido, o valor de troca

igualará tudo pelo nivelador comum – o preço – e o

produto do trabalho será todo dirigido para o mer-

cado.

O exercício de atividades coletivas e de trabalho

conjunto é apontado como responsável pelo sur-

gimento das especificidades próprias do Homo sa-

piens, como pensamento, consciência e linguagem

(LEONTIEV, 1978). Pela análise do trabalho alie-

nado, Marx (1989) o apresenta como conferindo a

qualificação de humano ao seu portador, a partir de

uma concepção de natureza humana que se consti-

tui na inserção no mundo das relações sociais.

O trabalho é, portanto, um momento efetivo de co-

locação de finalidades humanas, dotado de intrínseca

dimensão teleológica. E como tal mostra-se como uma

experiência elementar da vida cotidiana, nas respostas

que oferece aos carecimentos e necessidades sociais.

Reconhecer o papel fundante do trabalho na gênese

e no fazer-se do ser social nos remete diretamente à

dimensão decisiva dada pela esfera da vida cotidiana,

como ponto de partida para a generacidade para si dos

homens (ANTUNES, 2001, p. 168).

Os diversos locais de trabalho vão constituir-se

em oportunidades diferenciadas para a aquisição de

atributos qualificativos da identidade de trabalha-

dor. São inúmeros os estudos que têm como tema

a investigação de características identificatórias

próprias da classe operária e/ou de determinadas

categorias profissionais, os quais apontam que o

exercício de certas atividades e o convívio com algu-

mas relações sociais constituem modos de ser que

qualificam os pares como iguais (mesmo facultando

diferenças individuais) e se expressam em compor-

tamentos similares (modos de vestir e de falar etc.).

Apontam, ainda, a incorporação desses modos de

ser como constitutivos da identidade.

O PROCESSO DE PRODUÇÃO SOCIAL

O processo de tornar-se homem acontece na cor-

relação com o ambiente natural e humano, ou seja,

o ser humano em desenvolvimento não somente se

correlaciona com o ambiente natural, como tam-

bém com uma ordem cultural e social. Em suma,

está submetido a uma contínua interferência social-

mente determinada; na verdade, a uma multiplici-

dade de determinações socioculturais. Embora se

possa dizer que o homem tem uma natureza, é mais

significativo dizer que ele constrói sua natureza, que

ele se produz a si mesmo.

Os pressupostos genéticos do eu são, está claro,

dados no nascimento. Mas o eu, tal como é experi-

mentado mais tarde como uma identidade subjeti-

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

34

va e objetivamente reconhecível, não é. Os mesmos

processos sociais que determinam a constituição do

organismo produzem o eu em sua forma particular,

culturalmente relativa (BERGER, 1985, p. 73).

O eu como produto social não se limita a como

o indivíduo entende ou se identifica como sendo

ele mesmo, mas abrange o equipamento psicológi-

co (emoções, por exemplo) amplo, que serve como

complemento. Disso tudo, deduz-se que o organis-

mo humano e o eu não podem ser compreendidos

fora do contexto social em que se formaram. A

instabilidade do organismo humano gera uma ne-

cessidade de que o homem forneça a si mesmo um

ambiente estável para sua conduta.

A humanidade e a socialidade do homem estão

entrelaçadas, ou seja, ao se organizarem os fenôme-

nos humanos está-se entrando no reino do social.

Nesse reino, há uma ordem social que precede o de-

senvolvimento individual orgânico. Essa ordem so-

cial é entendida por Berger (1985) como uma pro-

gressiva produção humana, existindo como produ-

to da atividade humana. O ser humano, por sua vez,

tem de estar continuamente se exteriorizando na

atividade. As ações humanas tornadas habituais ad-

quirem um caráter significativo para o indivíduo.

Afirma Berger (1985, p. 87): “A sociedade é um

produto humano. A sociedade é uma realidade ob-

jetiva. O homem é um produto social.”

O sujeito aprende-se a si mesmo como essencial-

mente identificado com a ação socialmente obje-

tivada. Depois da ação, acontece uma importante

conseqüência, que é a reflexão do sujeito sobre ela.

Enquanto apresentada como um processo dialé-

tico, a identidade social facilita a incorporação de

normas do grupo social, implica uma participação

ativa do sujeito na construção da identidade gru-

pal e afeta o contexto histórico onde ocorrem essas

relações concretas. Por sua vez, as estruturas socio-

lógicas influenciam as representações que os indi-

víduos fazem de si enquanto representações do eu.

Da mesma forma, o caráter inter-relacional entre

identidade pessoal e social pressupõe que não haja

identidade pessoal que não, ao mesmo tempo e da

mesma forma, identidade social. Alguns espaços de

trabalho e/ou categorias profissionais, pelas suas es-

pecificidades próprias, em geral associadas a prestí-

gio ou desprestígio social, proporcionam atributos

de qualificação ou desqualificação do eu.

Dejours (1993) relata que, a partir de seus estu-

dos, foi possível mostrar que as pressões do trabalho,

que põem particularmente em causa o equilíbrio

psíquico e a saúde mental, provêm da organização

do trabalho em contraposição aos constrangimen-

tos perigosos para a saúde somática, que se situa

nas condições de trabalho, mais precisamente nas

condições físicas, químicas e biológicas, cujo alvo

principal é o corpo.

O trabalho também pode ser fonte de prazer e,

mesmo, mediador da saúde. Conforme Dejours

(1993), em sua luta contra o sofrimento, às vezes,

o sujeito elabora soluções originais, que são favo-

ráveis tanto à produção quanto à saúde. Tal forma

de sofrimento foi por ele denominada “sofrimento

criativo”. Quando, ao contrário, nessa luta contra

o sofrimento, o sujeito chega a soluções desfavo-

ráveis tanto à produção quanto à sua saúde, esse

sofrimento caracteriza-se como “sofrimento pato-

gênico”.

Por intermédio do trabalho, o sujeito engaja-se

nas relações sociais, para onde transfere questões

herdadas de seu passado e de sua história afetiva.

Cada vez que o trabalhador encontra solução para

os problemas que lhe são colocados (atividade de

concepção) e que obtém em troca reconhecimento

social de seu trabalho, é também o sujeito sofredor,

mobilizador de seu pensamento que recebe reco-

nhecimento subjetivo à sua capacidade para conju-

rar a angústia e dominar seu sofrimento.

Porém, o prazer obtido dessa gratificação tem

curta duração, ressurgindo o sofrimento, impelin-

do-o para outras situações de trabalho, novas apos-

tas organizacionais e novos desafios simbólicos. Por

outro lado, sendo o reconhecimento a retribuição

fundamental da sublimação, isso significa que esta

representa um importante papel na conquista da

identidade. Identidade e reconhecimento social

como condição de sublimação conferem à primeira

uma função essencial na saúde mental.

AULA 3 — Produção Social e Valor

35

Entretanto, o trabalhar é um ato imprescindível

para as pessoas, mesmo que parcelado e especializa-

do, pois se refere à própria sobrevivência e ao condi-

cionamento social do indivíduo. O trabalho, de fato,

não é sempre patogênico; ele tem, ao contrário, um

poder “estruturante”, em face da saúde tanto mental

como física (DEJOURS, 1994).

Conforme destaca Berger (1985), a ordem institu-

cional tem origem na tipificação dos desempenhos

de um indivíduo e dos outros, requerendo haver um

sentido objetivo nas ações.

As instituições incorporam-se à experiência do

indivíduo por meio dos papéis. Ao desempenhá-

los, o indivíduo participa de um mundo social. Ao

interiorizar esses papéis, o mesmo mundo torna-se

subjetivamente real para ele.

A realidade da vida cotidiana mantém-se, por-

que se corporificou em rotinas, o que é a essência

da socialização. Os outros significativos ocupam

uma posição central na economia e na conserva-

ção da realidade e são particularmente importan-

tes para a confirmação do elemento crucial da re-

alidade chamada identidade. E somente é possível

o indivíduo manter sua auto-identificação como

pessoa de importância em um meio que confirma

essa identidade.

A socialização realiza-se sempre no contexto

de uma estrutura social específica. Em uma so-

ciedade onde há uma divisão muito simples do

trabalho e mínima distribuição de conhecimen-

to, a socialização verifica-se com maior sucesso.

Isso decorre da massividade coercitiva da reali-

dade objetiva a ser interiorizada. Essa realidade

será plenamente representada na identidade do

indivíduo.

Berger (1985) salienta que, numa sociedade

complexa como a nossa, haverá uma consciência

geral cada vez maior da relatividade de todos os

mundos, inclusive o do próprio indivíduo, cuja

conduta será aprendida como um papel. Isso im-

plica a análise tanto do pluralismo da realidade

quanto do pluralismo da identidade, referidos à

dinâmica estrutural da sociedade industrial, da es-

tratificação social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trabalhar é um ato imprescindível para o ser hu-

mano, pois se refere à própria sobrevivência e ao seu

condicionamento social (DEJOURS, 1994). É pelo

trabalho que o indivíduo pode criar a cultura, a lin-

guagem, a história e a si mesmo. Marx se expressa

de maneira totalmente direta quando diz que o tra-

balho é a propriedade fundamental do homem, que

este é, em certa medida, criado pelo trabalho. Pois

é justamente o trabalho, isto é, a possibilidade de

mudar as coisas, de transformar o mundo e de fazer

objetos, que vai diferenciar, fundamentalmente, o

animal do homem. É claro que Marx não se refere

ao tipo de trabalho alienado, presente na sociedade

que está se desenvolvendo a sua época. Ele sonha

com uma sociedade onde cada um pudesse traba-

lhar de maneira verdadeiramente livre e com um

certo modelo de associação com os outros.

No contexto da fragmentação da subjetividade

causada pelas organizações, questiona-se a possibi-

lidade de se falar em solidariedade, autogestão, fra-

ternidade, colaboração, altruísmo e participação.

Numa primeira análise, pensa-se o contrário, que sob

a égide da reestruturação produtiva, orientada pelo

pensamento neoliberal, é mais provável que fiquem

vigorando as práticas que visam à exclusão, à discri-

minação e a um maior isolamento das pessoas.

Entretanto, para que a luta de todos aqueles que

acreditam na possibilidade de transformar de algu-

ma forma a realidade social, tal como se apresenta,

faça sentido há que se acreditar que é possível cons-

truir-se um novo tipo de sociedade, em que o traba-

lho seja configurado de maneira distinta, de forma

a se constituir em uma atividade cheia de sentido,

autodeterminada, para além da divisão hierárquica

que subordina o trabalho ao capital hoje vigente e,

portanto, sob bases inteiramente novas.

Pode-se pensar em outras formas de organização

do trabalho, nas quais os indivíduos não estejam

simplesmente em um trabalho repetitivo, mas que

possam ter uma certa autonomia e uma possibili-

dade de decisão. Pode-se pensar, igualmente, no

desenvolvimento de atividades de ensino, educação,

de lazer.

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

36

É preciso que os seres humanos possam encontrar

a dimensão que se tende a esquecer, que é a históri-

ca, o seu peso na história. É preciso poder também

reencontrar o sentido político, o significado dos

seus atos, além do prazer de viver juntos; conjugar

autonomia individual com autonomia coletiva, que

será voltada ao bem comum e ao interesse geral.

Nesse sentido, devido à sua importância na vida

do sujeito, ele não perde a centralidade.

O postulado de que o trabalho não tem função

integradora e identitária e a ênfase dada às ativida-

des alternativas desviam a atenção da importância

da sua transformação. Está suficientemente de-

monstrado que o trabalho pode ser organizado com

propósitos sociais e psicológicos, tornando-se uma

atividade com interesse e sentido intrínseco, permi-

tindo autonomia, uso e desenvolvimento de conhe-

cimentos e habilidades, participação na realização

de objetivos coletivos, oportunidades para uma va-

riedade de relações interpessoais e para a obtenção

de reconhecimento.

Mesmo o trabalho organizado com propósitos

estritamente econômicos permite satisfazer necessi-

dades psicológicas e sociais importantes, ainda mais

um trabalho organizado com outros objetivos. O

desespero dos que ficam sem o seu emprego mostra

claramente que o trabalho assalariado é muito mais

do que uma atividade meramente instrumental. Es-

ses trabalhadores perdem mais do que o seu salário;

perdem a sua dignidade, um espaço importante de

afirmação pessoal, e ficam privados de um conjunto

de relações sociais.

É relativamente consensual que o trabalho re-

munerado ou o emprego, na sociedade industrial, é

uma atividade central que estrutura a vida dos indi-

víduos e a vida social em geral.

O papel do assistente social, como agente transforma-

dor atuante na sociedade, passa também pelo estudo

dessas formas de organização social, para que se reno-

vem as estruturas dominantes.

* AnOTAÇõES

AULA 4 — Trabalho Assalariado, Capital e Propriedade

37

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AULA

4____________________TRABALHO ASSALARIADO, CAPITAL E

PROPRIEDADE

Conteúdo• Noções sobre salário e trabalho assalariado

• Importância da propriedade privada na acumulação do capital

• O capital e sua influência na sociedade

Competências e habilidades• Adquirir conceito de propriedade privada

• Verificar a importância do trabalho assalariado na sociedade capitalista

• Conhecer a importância para o serviço social dos conceitos de capital e salário

• Entender a evolução do capital desde sua origem até a sociedade

Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e atividades serão disponibilizados no portal. http://www.interativa.uni-

derp.br.

• Sites relacionados: http://www.oitbrasil.org.br/

• Filme: Daens – Um Grito de Justiça. Diretor: Stijn Coninx

Passa-se no final do século XIX, em Aalst (Bélgica), uma pequena cidade flamenga, onde se iniciam as primeiras rebeliões dos trabalhadores da indústria por melhores condições de trabalho. Nessa época ainda não havia leis que garantissem os direitos trabalhistas, e o papel da Igreja, com sua dou-trina social Rerum Novarum era muito importante para a sociedade.

Duração2h/a – via satélite com o professor interativo

2h/a – presenciais com o professor local

6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo

Tomando por base conceitos desenvolvidos por

Marx, vamos observar que ele considera que o cres-

cimento do capital e a acumulação de riqueza são

mantidos pelo trabalho assalariado, que se baseia

exclusivamente na concorrência dos trabalhadores

entre si.

Afirma que o trabalho assalariado não cria a pro-

priedade para o trabalhador, o que cria é o capital e

não a propriedade, que se move entre os dois termos

antagônicos: capital e trabalho. O proprietário não

é, na maioria das vezes, aquele que trabalha, apenas

fornece as ferramentas para o trabalho.

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

38

O capital é um produto coletivo: só pode ser pos-

to em movimento pelos esforços combinados de

muitos membros da sociedade, e mesmo, em última

instância, pelos esforços combinados de todos os

membros da sociedade. O capital não é, pois, uma

força pessoal, mas uma força social. Assim, quando

o capital é transformado em propriedade, ela já pas-

sa a pertencer a todos os membros da sociedade, e

não é a propriedade privada que se transforma em

propriedade social.

Nesse caso, o que se transformou foi apenas o ca-

ráter social da propriedade, passou de propriedade

particular para propriedade social. Por isso, Marx

entendia que a propriedade não poderia ser de uma

pessoa só, ou seja, apropriada pelo capitalista, e sim

de todos, donde conclui que ser capitalista significa

ocupar não somente uma posição pessoal, mas tam-

bém uma posição social na produção.

Nota: A Constituição de 1988 prevê a garantia da in-

violabilidade da propriedade privada (art. 5º), mas es-

tabelece que a propriedade deve atender a sua função

social (art. 5º, XXIII ), sendo assegurada a justa e prévia

indenização, no caso de desapropriação de propriedade

rural e de imóveis urbanos (arts. 5º, XXIV, e 182) e pre-

vê o usucapião de terrenos urbanos (art. 183).

TRABALHO ASSALARIADO

Vejam que a questão do salário é sempre relevan-

te, porque o preço médio que se paga pelo trabalho

assalariado é o mínimo de salário, isto é, a soma dos

meios de subsistência necessária para que o traba-

lhador viva como trabalhador.

No entanto, o que o trabalhador obtém com o

seu trabalho é o estritamente necessário para a mera

conservação e reprodução de sua vida. É uma apro-

priação pessoal dos produtos do trabalho, indispen-

sável à manutenção e à reprodução da vida humana,

pois essa apropriação não deixa nenhum lucro lí-

quido que confira poder sobre o trabalho alheio. O

que Marx pretendia era suprimir o caráter miserável

dessa apropriação, que faz com que o trabalhador só

viva para aumentar o capital e só viva na medida em

que o exigem os interesses da classe dominante, que

é a classe dirigente, aquela que exerce uma quanti-

dade maior de poder sobre os cidadãos.

Em sua concepção, o salário do trabalho subirá ou

baixará consoante a relação de procura e fornecimen-

to, consoante a forma que tomar a concorrência entre

os compradores da força de trabalho, os capitalistas, e

os vendedores da força de trabalho, os operários. As

oscilações dos preços das mercadorias em geral cor-

respondem às oscilações do salário. Mas dentro dessas

oscilações o preço do trabalho será determinado pelos

custos de produção, pelo tempo de trabalho exigido

para produzir essa mercadoria, a força de trabalho.

Pergunta-se, então, quais são os custos de produ-

ção da força de trabalho? São aqueles que são exi-

gidos para manter o operário como tal e para fazer

dele um operário realmente. Por isso, quanto menos

tempo de formação um trabalho exige, menores se-

rão os custos de produção do operário, mais baixo

será o preço do seu trabalho, o seu salário. Nos ra-

mos da indústria em que quase não se exige tempo

de aprendizagem e a mera existência física do ope-

rário basta, os custos exigidos para a produção desse

reduzem-se quase só às mercadorias exigidas para o

manter vivo em condições de trabalhar. O preço do

seu trabalho será, portanto, determinado pelo preço

dos meios de existência necessários.

Em sua visão, o fruto do trabalho (trabalho acu-

mulado) deveria ser um meio de ampliar, enriquecer

e melhorar cada vez mais a existência dos trabalha-

dores e não de aumentar a riqueza individual, que

será apropriada pela classe dirigente, a qual detém

os meios de produzir a riqueza.

Nota: Relacionando o texto com os avanços sociais

atuais, podemos dizer que a CF/1988 dá prioridade ao

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como sen-

do um dos pilares da sociedade democrática brasileira,

o que significa dizer que o ser humano não pode viver

em condições degradantes e que o valor do trabalho

deve ser entendido como um bem de natureza social e

não individual, tanto que estão no art. 1º:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela

união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito

AULA 4 — Trabalho Assalariado, Capital e Propriedade

39

Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito

e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”

Outro aspecto importante é saber que, para a CF/88,

também o Princípio do Salário Mínimo (art. 7º, IV)

é obrigatório para os trabalhadores urbanos e rurais,

e veja a idéia de que o salário deve garantir uma vida

com dignidade, pois se um cidadão tem acesso aos

itens indicados no art. 7º, IV, ele tem uma vida digna,

ou seja, são as condições necessárias ao desenvolvi-

mento de uma pessoa e sua família:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,

além de outros que visem à melhoria de sua condição

social:

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente

unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais

básicas e às de sua família com moradia, alimentação,

educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e

previdência social, com reajustes periódicos que lhe pre-

servem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação

para qualquer fim;”

CAPITALConforme explanam Pinho e Vasconcelos (2003,

p. 34), a análise do valor foi modificada por Marx

que desenvolveu conceitos que se tornaram muito

conhecidos, como, por exemplo, o de mais-valia, ca-

pital variável, capital constante, exército de reserva

industrial.

Para se entender o porquê da tendência de os

salários se manterem no nível de subsistência, es-

clarece que os capitalistas recorrem ao exército de

reserva industrial, que corresponde à mão-de-obra

desempregada para substituir aquela que deseja

melhores salários.

Então, devido às condições da produção do siste-

ma capitalista, o trabalhador fica obrigado a vender

mais tempo de trabalho do que o necessário para

produzir valores equivalentes às suas necessidades

de subsistência, e o valor criado pelo tempo exce-

dente é apropriado pelos detentores dos meios de

produção, que são os capitalistas, gerando a acumu-

lação de capital.

Na formação do capital, segundo Marx (2005, p. 24),

encontramos elementos de natureza social porque a

acumulação do capital decorre do trabalho humano,

sem o qual não existiria, e esse acúmulo que não é

transformado em salário será reutilizado pelo capi-

talista, que detém os meios de produção, para nova

produção ou para seu uso exclusivo como se fosse sua

propriedade, de seu uso pessoal e de sua família:

“O capital consiste de matérias-primas, instrumentos

de trabalho e meios de subsistência de toda a espé-

cie que são empregados para produzir novas maté-

rias-primas, novos instrumentos de trabalho e novos

meios de subsistência. Todas essas suas partes consti-

tutivas são criações do trabalho, produtos do trabalho,

trabalho acumulado. Trabalho acumulado que serve

de meio para nova produção é capital.

Nesse sentido, o capital é uma relação social de pro-

dução. É uma relação burguesa de produção, uma re-

lação de produção da sociedade burguesa. Os meios

de subsistência, os instrumentos de trabalho, as maté-

rias-primas de que se compõe o capital, não foram eles

produzidos e acumulados em dadas condições sociais,

em determinadas relações sociais? Não são eles em-

pregados para uma nova produção em dadas condi-

ções sociais, em determinadas relações sociais? E não

é precisamente esse caráter social determinado que

transforma em capital os produtos que servem para a

nova produção?”

Dessa forma, conclui-se que o capital não consis-

te só de meios de subsistência, instrumentos de tra-

balho e matérias-primas, só de produtos materiais,

consiste em igual medida de valores de troca. Todos

os produtos que integram o capital são mercadorias.

O capital não é só, portanto, uma soma de produtos

materiais, mas de mercadorias, de valores de troca,

de grandezas sociais.

Há uma diferença a ser considerada em relação à

posse de um bem que provém do esforço, do suor do

trabalho pessoal de seu proprietário, e à posse de um

bem que resulta da apropriação privada do todo ou

de parte de um trabalho social, do esforço alheio.

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

40

PROPRIEDADE PRIVADA

As relações entre a família e a sociedade têm sido

objeto de estudo em diversas áreas do conhecimen-

to e, no que se relaciona à propriedade privada, es-

tudos importantes como o de Engels contribuíram

para se compreender a função da propriedade no

sistema capitalista e de que forma a família mono-

gâmica passou a contribuir para manter a proprie-

dade privada.

Nesse sentido, Reis (1988, p. 101) nos informa

que Engels elaborou a formulação materialista dia-

lética sobre a gênese e as funções da família mono-

gâmica, porque na família é que se iniciou a divisão

social do trabalho, a qual primeiramente separou o

trabalho do homem e da mulher, o que se denomina

de divisão do trabalho sexual:

“Essa divisão foi o ponto de referência para uma

complexificação do processo de divisão do trabalho

manual e trabalho intelectual (concomitantemen-

te) com a principal divisão, sobre a qual se funda o

modo de produção capitalista: a oposição entre os

proprietários das condições de produção e os que

possuem apenas uma força de trabalho, explorada

pelos primeiros. O estágio de desenvolvimento das

forças produtivas e do processo de divisão social do

trabalho determina então a estrutura familiar. Se-

gundo Engels, a família monogâmica surgiu e foi

determinada pelo aparecimento da propriedade

privada.”

No desenvolvimento da sociedade, a família foi

se modificando de uma família grupal, que usufruía

a propriedade como coletiva, até chegar ao casa-

mento monogâmico, cuja finalidade passou a ser a

retenção da propriedade privada na mesma família.

Em seu estudo A Origem da Família, da Proprie-

dade Privada e do Estado, Engels aborda a questão

do surgimento da monogamia entre os gregos, por

volta de 650 a.C. Os casamentos eram de conveniên-

cia, não com base no fruto do amor sexual indivi-

dual, mas surge a primeira forma de família que não

se baseava em condições naturais, e sim econômi-

cas, e também com a mudança da propriedade co-

mum primitiva, originada espontaneamente, para a

propriedade privada.

Os gregos proclamavam abertamente que os úni-

cos objetivos da monogamia eram a preponderân-

cia do homem na família e a procriação de filhos

que só pudessem ser seus para herdar dele. Quanto

ao mais, o casamento era para eles uma carga, um

dever para com os deuses, o Estado e seus antepas-

sados, dever que estavam obrigados a cumprir. Em

Atenas, a lei não apenas impunha o matrimônio

como, ainda, obrigava o marido a um mínimo de-

terminado do que se chama de obrigações conju-

gais, conforme explana Engels:

“A monogamia não aparece na história, portan-

to, absolutamente, como uma reconciliação entre

o homem e a mulher e, menos ainda, como a for-

ma mais elevada de matrimônio. Pelo contrário,

ela surge sob a forma de escravização de um sexo

pelo outro, como proclamação de um conflito en-

tre os sexos, ignorado, até então, na pré-história.

Num velho manuscrito inédito, redigido em 1846

por Marx e por mim, encontro a seguinte frase: “A

primeira divisão do trabalho é a que se fez entre o

homem e a mulher para a procriação dos filhos.”

Hoje posso acrescentar: o primeiro antagonismo

de classes que apareceu na história coincide com o

desenvolvimento do antagonismo entre o homem

e a mulher, na monogamia; e a primeira opressão

de classes, com a opressão do sexo feminino pelo

masculino. A monogamia foi um grande progres-

so histórico, mas, ao mesmo tempo, iniciou, jun-

tamente com a escravidão e as riquezas privadas,

aquele período, que dura até nossos dias, no qual

cada progresso é simultaneamente um retrocesso

relativo, e o bem-estar e o desenvolvimento de uns

se verificam à custa da dor e da repressão de outros.

É a forma celular da sociedade civilizada, na qual

já podemos estudar a natureza das contradições e

dos antagonismos que atingem seu pleno desenvol-

vimento nessa sociedade.”

A forma de família monogâmica, estudada por

Engels, baseava-se na supremacia do homem sobre

a mulher e passou a família individual a ser a unida-

de econômica da sociedade. Em seu entendimento,

com o surgimento do Estado, este teve a função, em

todos os períodos da História, de servir à classe do-

AULA 4 — Trabalho Assalariado, Capital e Propriedade

41

minante e, de outra forma, ser equivale a uma má-

quina administrativa destinada a reprimir a classe

oprimida e explorada.

No processo civilizatório, por um lado, foi se

dando a fixação da oposição entre a cidade e o cam-

po como base de toda a divisão do trabalho social e,

por outro lado, a introdução dos testamentos, por

meio dos quais o proprietário pode dispor de seus

bens ainda depois de morto, garantindo a transmis-

são da propriedade privada.

A forma capitalista de propriedade, sob a qual se

realizam a dominação e a exploração do trabalho

assalariado, pode apresentar-se como condição e o

fruto da liberdade pessoal. Nos tempos atuais, ha-

bitualmente constatamos em publicidades a asso-

ciação da propriedade privada (bens de consumo,

como um carro ou um imóvel) como uma conquis-

ta individual ou uma forma de ser independente ou

de ser livre.

Porém, é importante não confundir esse aspecto

com o valor excedente, que foi gerado pelo traba-

lho, inclusive pelo trabalho assalariado, e também

apropriado pelo empresário como parte de sua pro-

priedade. Essa apropriação se transformou em pro-

priedade do capitalista. Essa dinâmica é a essência

da propriedade privada capitalista.

Para exemplificar essas idéias citamos Bihr e

Chesnais (2003), quando analisam as contradi-

ções do sistema capitalista e salientam que um

dos objetivos e principais resultados da desregu-

lamentação e da privatização dos últimos 20 anos

foi aumentar a esfera da propriedade privada, de

tal forma que:

“A sacralização da propriedade individual, à cus-

ta das diferentes formas da propriedade pública e da

propriedade social, baseia-se em várias confusões

grosseiras. Em primeiro lugar, sobre a natureza do

bem possuído: na verdade, colocam-se, ao mesmo

tempo, no mesmo plano, os bens de uso pessoal, dos

quais os indivíduos desfrutam sozinhos ou com sua

família, e os meios necessários à produção (terra,

imóveis, infra-estruturas produtivas, fábricas e esta-

belecimentos comerciais etc.). A segunda confusão,

muito mais grave, baseia-se no próprio conteúdo

da relação de propriedade. Colocam-se, então, no

mesmo nível, a posse de um bem que, de uma ma-

neira ou de outra, provém do trabalho pessoal de

seu proprietário, e a posse de um bem que resulta

da apropriação privada do todo ou de parte de um

trabalho social.

No final dessa dupla confusão, a posse de uma

habitação por um indivíduo, fruto de seu trabalho

pessoal, é confundida com a propriedade privada

de meios de produção (de empresas), que decorre

da acumulação dos frutos do trabalho de dezenas e

até de centenas de milhares de assalariados, durante

décadas. A forma capitalista de propriedade, sob a

qual se realizam a dominação e a exploração do tra-

balho assalariado, pode então apresentar-se como a

condição e o fruto da liberdade pessoal.

Confusões como essas, na verdade, mascaram a

grande contradição que se encontra no cerne dessa

apropriação privada do trabalho socializado e que

constitui a própria essência da propriedade capita-

lista. Contradição que não pára de se reproduzir em

uma dimensão cada vez maior. O capital socializa o

processo de trabalho, organizando a cooperação dos

trabalhadores em ampla escala, dividindo as tarefas

produtivas entre eles, aumentando constantemente

a parte do trabalho morto (matérias-primas e meios

de trabalho) em relação ao trabalho vivo (salários,

contribuições sociais…). Dessa maneira, qualquer

mercadoria – da lata de ervilhas até a refinaria mo-

nitorada por computador – é a materialização e a

soma de inúmeros atos produtivos, distribuídos por

todo o espaço mundial e por todo o tempo históri-

co. É esse trabalho socializado que o capital encerra

na propriedade privada, de modo que os resultados

de uma imensa acumulação de operações produ-

tivas sejam apropriados por poucos indivíduos ou

grupos sociais limitados.”

De uma forma resumida, o estágio da produção de

mercadorias com que começa a civilização caracteri-

za-se, segundo Engels e do ponto-de-vista econômico,

pela introdução:

• Da moeda metálica (e, com ela, o capital em dinhei-

ro), dos juros e da usura.

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

42

• Dos comerciantes como classe intermediária entre

os produtores.

• Da propriedade privada da terra e da hipoteca.

• Do trabalho como forma predominante na pro-

dução.

Tendo-se em vista a evolução do sistema capita-

lista, também a definição de propriedade vem sendo

alterada no transcorrer do tempo, materializando-

se no mercado de capitais, que é uma outra maneira

de se entender a propriedade privada, tal como dis-

cutem a questão, para Bihr e Chesnais (2003):

“Um dos objetivos e um dos principais resultados

do processo de desregulamentação e de privatiza-

ção das duas últimas décadas foi aumentar conside-

ravelmente a esfera da propriedade privada. Nesse

contexto, a questão da forma da propriedade dos

meios de produção, de comunicação e de troca, que

curiosamente se tornou uma questão tabu para os

dirigentes sindicais e políticos, assim como para a

maioria dos intelectuais de esquerda, não o é para

a burguesia mundial: para esta, a propriedade tem

uma importância estratégica da qual ela não faz

mistério.

Há 20 anos, portanto, na esfera do capital priva-

do, assistimos a uma profunda transformação da

própria definição da propriedade, dos “direitos” que

lhe dizem respeito, os dos acionistas, que se torna-

ram todo-poderosos, e das esperanças que eles po-

dem alimentar “legitimamente” em termos da ren-

tabilidade de suas partes da propriedade. A “contra-

revolução conservadora” baseia-se na revitalização

contemporânea dessa instituição muito particular

do capitalismo que é o mercado de capitais (a Bol-

sa). Essa instituição garante aos acionistas, exceto

em épocas de crises financeiras graves, a “liquidez”

de suas ações, ou seja, a possibilidade de se desfazer

à vontade dessa fração de sua propriedade que to-

mou a forma de cotas de uma ou outra empresa. Os

mercados de ações, em poucos anos, passaram do

status de mercados em que se negociam títulos para

o de mercados em que as empresas são inteiramente

negociadas, trocadas, aglomeradas ou desmantela-

das.”

Outro aspecto levantado pelos autores acerca da

propriedade privada é a atual discussão ecológica

acerca do planeta e o conjunto de suas riquezas – se-

jam minerais, vegetais ou animais – que deveriam

ser considerados patrimônio comum e indivisível

de toda a humanidade, presente e futura. Qualquer

apropriação privada dessas riquezas passa a ser ile-

gítima. No máximo, pode-se reconhecer a toda ou

a parte da humanidade (indivíduo ou coletividade)

um direito de uso de uma parte dessas riquezas, com

a condição de que este uso não seja prejudicial ao

restante da humanidade, no presente ou no futuro.

• SEGUNDO MARX, A TENDÊNCIA DO CAPITA-

LISMO É A ACUMULAÇÃO DO CAPITAL

• O AUMENTO DERIVADO DA INOVAÇÃO TEC-

NOLÓGICA (UTILIZANDO-SE CADA VEZ MAIS

MÁQUINAS) ORIGINA UM AUMENTO DO CA-

PITAL CONSTANTE

• A ESSE AUMENTO DO CAPITAL CONSTAN-

TE ASSOCIA-SE UMA DESCIDA DA TAXA DE

LUCRO

• ESSE MOVIMENTO PODE SER CONTRARIA-

DO PELA EXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRA-

BALHO

MERCADORIA

• TODAS AS MERCADORIAS SÃO CRISTALIZA-

ÇÕES DO TRABALHO GASTO PARA PRODUZI-

LAS. SÃO A MATERIALIZAÇÃO DO TRABALHO

SOCIAL.

* AnOTAÇõES

AULA 5 — Processos de Trabalho e Produção da Riqueza Social

43

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AULA

5____________________PROCESSOS DE TRABALHO E PRODUÇãO DA

RIQUEZA SOCIAL

Conteúdo• Processo de trabalho

• A riqueza social

Competências e habilidades• Conhecer os processos de trabalho existentes

• Analisar a importância da produção da riqueza social para a sociedade capitalista

• Conhecer a importância para o serviço social dos processos de trabalho e da produção da riqueza

Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e atividades serão disponibilizados no portal. http://www.interativa.uni-

derp.br.

• Sites relacionados: http://www.mpt.gov.br

• Filme: Eles Não Usam Black-tie. Diretor: Leo Hirszman

O filme registra, por meio da história fictícia sobre a relação entre o operário e líder sindical Otávio e seu filho, o jovem operário Tião, a vida operária e da ocorrência da greve dos metalúrgicos de São Paulo em 1979 no período final da ditadura militar no Brasil (1964/1985).

A luta de classes, a exploração da mão-de-obra e a velha contradição entre o capital e o trabalho, mostrando vidas em que o trabalho é pesado e o dinheiro é escasso, dão base para a história, que gira em torno da relação entre o operário e líder sindical Otávio e seu filho Tião.

Duração2h/a – via satélite com o professor interativo

2h/a – presenciais com o professor local

6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo

INTRODUÇÃO

Para melhor compreender os processos de traba-

lho e as mudanças que aconteceram com as formas

de trabalho é mais indicado fazermos uma retros-

pectiva histórica desde a Grécia, onde se valorizava

o ócio para seus cidadãos, o qual somente era possí-

vel pela exploração do trabalho escravo.

Se o trabalho produz a riqueza da humanidade,

nada mais natural que essa riqueza advenha de de-

terminados processos de trabalho.

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

44

A economia feudal possuía base agrária, ou seja,

a agricultura era a atividade responsável por gerar a

riqueza social naquele momento. Ao mesmo tempo,

outras atividades se desenvolviam, em menor escala,

no sentido de complementar a primeira e suprir ne-

cessidades básicas e imediatas de parcela da socieda-

de. A pecuária, a mineração, a produção artesanal e

mesmo o comércio eram atividades que existiam de

forma secundária. Como a agricultura era a ativida-

de mais importante, a terra era o meio de produção

fundamental. Ter terra significava a possibilidade de

possuir riquezas (como na maioria das sociedades

antigas e medievais). Por isso, preservou-se o caráter

estamental da sociedade. Os proprietários rurais eram

denominados senhores feudais, enquanto os trabalha-

dores camponeses eram denominados servos.

Em um determinado momento, quem sabe por

oposição aos ideais greco-romanos de ócio, o cris-

tianismo promoveu a recuperação do valor do tra-

balho, sem colocá-lo como valor maior da existên-

cia. Cristãos, calvinos e puritanos acreditaram que

a riqueza material seria demonstração de saúde es-

piritual, e a pobreza, conseqüentemente, doenças e

males do espírito.

Temos impregnado na nossa cultura até os dias de

hoje a idéia de trabalho como valor e ponto central

da dinâmica social em que atuamos, sem que haja

uma reflexão maior sobre o contexto em que ela foi

gerada e com que finalidade, pois à época em que se

tentou criar uma valorização do trabalho era neces-

sário incutir esse ideal porque o capitalismo iniciava

seu processo de desenvolvimento como novo mo-

delo econômico e precisava conquistar aliados para

seu ideal.

Com o crescimento do capitalismo em vários pa-

íses, ou seja, com a ampliação do mercado, a manu-

fatura também se tornou insuficiente para abastecê-

lo, tomando o seu lugar a grande indústria moder-

na, durante a Revolução Industrial, onde a máquina

a vapor revolucionou a produção industrial.

A grande indústria criou o mercado mundial,

para o qual a descoberta da América preparou o

terreno. O mercado mundial deu um imenso desen-

volvimento ao comércio, à navegação e às comuni-

cações por terra. Esse desenvolvimento, por sua vez,

reagiu sobre a extensão da indústria; e na proporção

em que a indústria, o comércio, a navegação e as fer-

rovias cresciam, a burguesia também se desenvolvia,

aumentava seus capitais e colocava num plano se-

cundário todas as classes legadas pela Idade Média.

A partir da segunda metade do século XVIII, en-

tretanto, iniciou-se na Inglaterra a mecanização

industrial, desviando a acumulação de capitais da

atividade comercial para o setor da produção. Esse

fato trouxe grandes mudanças, tanto de ordem eco-

nômica quanto social, que possibilitaram o desapa-

recimento dos restos das relações e práticas feudais

ainda existentes e a definitiva implantação do modo

de produção capitalista.

Simultaneamente ao desenvolvimento do capital

também se desenvolve o proletariado, a classe ope-

rária moderna. Nessa fase inicial do capitalismo,

notadamente o proletariado acaba concentrado em

grandes massas, submetidas a péssimas condições

de trabalho.

A Primeira Guerra Mundial significou o colapso

dessa civilização ocidental do século XIX, caracte-

rizada pela estrutura legal e constitucional liberal,

com a imagem da classe hegemônica burguesa pro-

fundamente convencida do eurocentrismo, sedi-

mentado pelo fato de ser o continente berço das re-

voluções da ciência, artes, política e indústria, além

do domínio econômico que exercia na maior parte

do globo, sobretudo pelo jugo militar que exerceu.

Vamos verificar agora como se deram as mudan-

ças no processo do trabalho durante o século XX.

Depois de duas guerras mundiais e uma grave crise

econômica, a partir de meados da década de 1950 os

avanços materiais se tornaram palpáveis. O desenvol-

vimento foi alcançado graças à implantação de um

modelo de produção que se ampliou pelas indústrias

de todo o mundo, buscando a ampliação de merca-

dos a partir da produção para um mercado de massa.

Esse modelo inaugurado por Henry Ford, chamado

de fordismo, expandia-se para novos tipos de produ-

ção, desde a construção civil até às grandes redes de

alimentação, tipo McDonald’s. Esse sistema foi feito

com base nas pesquisas de Taylor, que criou um siste-

AULA 5 — Processos de Trabalho e Produção da Riqueza Social

45

ma de administração científica do trabalho, método

de racionalizar a produção, de possibilitar o aumen-

to da produtividade do trabalho, suprimindo gestos

desnecessários e comportamentos supérfluos no in-

terior do processo produtivo. Taylor aperfeiçoou a

divisão social do trabalho introduzida pelo sistema

de fábrica, assegurando definitivamente o controle

do tempo do trabalhador pela classe dominante.

As décadas de 1970 e 1980 mais uma vez se fami-

liarizaram com a fome, com a imagem clássica da

criança exótica morrendo de inanição vista após o

jantar em toda tela de tevê do Ocidente. Enquanto

isso, o problema do mundo desenvolvido era que

produzia tanto alimento que não sabia o que fa-

zer com o excedente, e na década de 1980 decidiu

plantar substancialmente menos ou então (como

na Comunidade Européia) vender suas “montanhas

de manteiga” e “lagos de leite” abaixo do custo, des-

truindo com isso os produtores nos países pobres.

Ficou mais barato comprar queijo holandês nas

ilhas do Caribe do que na Holanda.

Essa estratégia dos países ricos não permite que

a economia dos países pobres se desenvolva porque

qualquer iniciativa de produção industrial e de in-

vestimento econômico é sufocada pelo ingresso de

produtos a preços irrisórios, provocando o desem-

prego, a fome e o subdesenvolvimento.

Para não esquecer!

Manufatura Era trabalho manual que foi substituído pela maquinaria, durante a Revolução Industrial, para ampliar o abastecimento

Mecanização Durante a Revolução Industrial, no século

industrial XVIII, com a introdução da maquinaria dá-se início ao modo de produção capi-talista, desviando a acumulação do capi-tal da atividade comercial para o setor da produção.

Proletariado Classe de trabalhadores que se desenvolve no início do capitalismo em condições precárias e desumanas.

Fordismo 1950 Processo de produção implementado por Henry Ford com base nas pesquisas de Taylor, que criou um sistema de admi-

nistração científica do trabalho. Método de racionalizar a produção, de possibi-litar o aumento da produtividade do trabalho, suprimindo gastos desneces-sários e comportamentos supérfluos no interior do processo produtivo. Taylor aperfeiçoou a divisão social do trabalho introduzida pelo sistema de produção da fábrica. Modelo fordista/taylorista.

Lema: cada trabalhador será o compra-dor dos produtos da fábrica.

Toyotismo Introduziu a subcontratação do trabalho especializado na área-fim da indústria automobilística. Como não podia ter qualidade superior em toda a linha de produção, contratou uma empresa es-pecializada que fizesse melhor parte de sua linha de montagem. A indústria automobilística deixa de ser fábrica e passa a ser chamada de montadora, por-que não realiza o processo de produção por inteiro (gerenciamento flexível, com o relacionamento cooperativo entre os gerentes e os trabalhadores).

Teve início então a crise do fordismo/taylorismo a

partir dos anos 1970, uma crise estrutural do capital

devido ao esgotamento do padrão de acumulação

taylorista/fordista graças à retração do consumo,

reflexo do desemprego estrutural que se iniciava;

maior concentração de capitais; crise do welfare sta-

te com a retração de gastos públicos e transferência

para o capital privado; privatizações, desregulamen-

tação e flexibilização do processo produtivo.

Este quadro encontra suas raízes ainda nos anos

1960 devido ao excesso de capacidade e de produ-

ção que gerou um grande crescimento do capital fi-

nanceiro nos anos 1970, enquanto as indústrias de

transformação viviam perdas de lucratividade.

Constatada a incontrolabilidade do então siste-

ma de dominação do capital, forja-se a sua reorga-

nização a partir do ideário neoliberal, por meio da

liberação comercial e de novas formas de domínio

técnico-científico, das quais resultaram um cará-

ter centralizador e discriminador centrado em três

grandes potências capitalistas: EUA (Nafta), Alema-

nha (União Européia) e Japão (Tigres Asiáticos).

A resposta do capitalismo à sua crise estrutural

foi apenas superficial, enfrentando apenas sua di-

mensão fenomênica, por meio da transição do pa-

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

46

drão produtivo fordista/taylorista para um padrão

de acumulação flexibilizada.

A produção em massa, homogeneizada e vertica-

lizada, marcada pelo trabalho parcelado e fragmen-

tado (com a decomposição de tarefas), onde o tra-

balhador transformou-se em mero apêndice da má-

quina; a extração de mais-valia torna-se intensiva

pela sua dimensão relativa; suprime-se a dimensão

intelectual do trabalho operário transferindo-a para

a gerência científica (separação entre elaboração e

execução), essas são as características elementares

do fordismo/taylorismo que se desenvolvem princi-

palmente no pós-guerra na maioria dos países capi-

talistas (e até mesmo na URSS).

Relacionando a crise do welfare state – Estado do

bem-estar social com a eclosão das revoltas do ope-

rariado, tem-se que graças à nova identidade do

novo proletariado fordista, com nova consciência

de classe e sociabilidade marcada pela massificação,

a partir dos anos 1960, o operário-massa transfor-

ma-se no principal elemento de ruptura com o Es-

tado de bem-estar, mediante seu questionamento

em prol do controle social da produção.

Diante deste contexto as forças do capital reor-

ganizaram-se, desafiando e deixando em situação

desfavorável o mundo do trabalho. Os capitalistas

foram capazes de reorganizar o processo produtivo

a ponto de avançar a exploração meramente mus-

cular do trabalhador para a exploração de sua inte-

ligência e imaginação a partir de novos sistemas de

administração com o desenvolvimento da tecnolo-

gia eletrônica.

Um trabalhador que raciocina no ato do tra-

balho e conhece mais os processos tecnológicos

e econômicos do que os aspectos estritos do seu

âmbito imediato é um trabalhador que pode ser

tornado polivalente. É esse o fundamento das eco-

nomias de escala humanas. Cada trabalhador pode

realizar um maior número de operações, subs-

tituir outras ou coadjuvá-las. A cooperação fica

reforçada no processo de trabalho, aumentando

por isso as economias de escala em beneficio do

capitalismo. Dessa forma, o toyotismo significou a

saída histórica para esse processo de reorganização

produtiva do capitalismo. Nesse sentido, constitui-

se como um modelo de gestão dotado de peculiar

relação de classes, da qual resulta grande processo

de acumulação por meio da construção de pode-

rosa estrutura produtiva, ou, melhor, é um método

de produção em massa, adaptado para o gerencia-

mento flexível, com o relacionamento cooperati-

vo entre os gerentes e os trabalhadores, conforme

Castells, 2006, p. 215.

Sua gênese ligada à indústria automobilística ja-

ponesa do pós-guerra, responsável pela retomada

do processo de industrialização no país, consolida-

se como padrão produtivo e modelo de gestão ideal

para contextos de crescimento lento.

O toyotismo é caracterizado por suas técnicas

(just in time, kanban, polivalência e automação),

por uma relação salarial individualizada (emprego

vitalício, salário-antiguidade, sindicato-empresa,

bônus de aposentadoria aos 55 anos), por um nú-

mero mínimo de trabalhadores estáveis, além do

trabalho precário, parcial, temporário. Caracteriza-

se também pelo controle centralizado de rede hori-

zontalizada e hierarquizada de fornecedores.

Como resultado concreto, imediato, dessa for-

ma de organizar a produção, verificcaram-se pelas

empresas que adotam essa estratégia o crescimen-

to da produtividade, a melhoria da qualidade dos

produtos, a eliminação dos lapsos de tempo ainda

existentes, o esgotamento do trabalhador e o maior

controle sobre o trabalho.

Já considerado uma resposta à crise da década de

1970, o toyotismo passa a ser ampliado, adaptando-

se à transferência para as empresas da América do

Norte e da Europa.

Assumindo a denominação de produção flexí-

vel, incorporou a gestão da produção pela efici-

ência produtiva, da produção em pequenos lotes

variados, comandada pela demanda. Trata-se de

uma flexibilidade que se impõe à organização do

trabalho, incorporando o trabalho em equipe, a

concentração das tarefas em ciclos realizadas em

novos layouts com sistemas de máquinas automa-

tizadas. Não se pode omitir a necessidade de par-

ticipação e colaboração dos sindicatos e trabalha-

AULA 5 — Processos de Trabalho e Produção da Riqueza Social

47

dores no desenvolvimento-padrão de produção

toyotista. O que é uma imposição desse processo

reflete diretamente na subjetividade da classe tra-

balhadora.

O toyotismo foi um marco nas novas formas

de flexibilidade organizacional e na formação de

redes entre empresas porque a empresa teve que

se modificar para estar preparada diante das con-

dições de imprevisibilidade introduzidas pela

rápida transformação econômica e tecnológica.

Para atuar na nova economia global, caracterizada

pela onda de novos concorrentes que usam novas

tecnologias e capacidades de redução de custos,

as grandes empresas tiveram de tornar-se princi-

palmente mais eficientes que econômicas. Foram

adotadas as estratégias de formação de redes, e a

empresa teve que se tornar uma rede, com a des-

centralização e crescente autonomia dada a cada

uma das unidades empresariais. A crise do modelo

antigo, da grande empresa vertical, deu origem ao

sistema de redes, as quais passam a ser os compo-

nentes fundamentais das organizações, de acordo

com Castells, 2006, p. 225.

E, continuando, a evolução do mercado de tra-

balho durante o chamado período “pós-industrial”

mostra um padrão de deslocamento do emprego

industrial e uma grande expansão do emprego em

serviços relacionados à produção e em serviços so-

ciais e de distribuição. Ocorre uma diversidade cada

vez maior de atividades.

Temos então aqui os processos de trabalho que

percorremos desde o fim da escravidão e com o início

do capitalismo. Passamos por processos que tinham

como fim único a reestruturação do capital versus a

força de trabalho. O taylorismo/fordismo e o toyotis-

mo foram processos que serviram para a reestrutura-

ção em períodos de crise do capitalismo.

Agora, vivemos uma nova era, a da sociedade

informacional, devido ao grande progresso tecno-

lógico, entrando em jogo também as forças do ca-

pital financeiro, do mercado, das bolsas de valores,

que, em verdade, ainda, trazem no seu rastro crises

financeiras constantes, como a que estamos vendo

neste ano de 2008.

QUADRO DEMONSTRATIVO DAS FASES DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL

PERÍODO MODELO CARACTERÍSTICAS HISTÓRICO ADOTADO PRINCIPAIS

Séculos V a XVI Feudalismo Sistema familiar e de corporações Ferramentas manuais, artesanato, agricultura, servos

Séculos XVII a XIX Manufatura Trabalhador assalariado Máquina a vapor, fiadeira, substituição do manual pela máquina

Século XX Taylorismo Sistema fabril, controle de tempo, padronização, mecanização, tarefas rotineiras, administração científica do trabalho

Século XX Fordismo Linha de montagem, sem autonomia, postos de trabalho

Ano 1948 Toyotismo Flexibilização de gerenciamento, tecnologia da informação

Final século XX Redes Globalização, intercâmbio, descentralização das empresas

PRODUÇÃO DA RIQUEZA SOCIAL

O prosseguimento da agricultura, acompanhado do desenvolvimento da indústria e do comércio, le-vou a um grande aumento da riqueza social, o que motivou grandes desentendimentos relativos à sua aquisição e distribuição, originando agitações po-líticas entre as classes, que já mantinham posições elevadas e influência e pretendiam adquirir mais ri-queza, e os senhores rurais, se beneficiando bastante dos contínuos desenvolvimentos agrícolas, acumu-lavam grandes riquezas e adquiriam poder político. As instituições religiosas transformaram-se igual-mente em grandes detentoras de imensas riquezas e de domínios agrícolas muito vastos.

A exploração do trabalho alheio permite acumu-lar riquezas nas mãos de uns poucos e utilizá-las para adquirir poderio econômico e poder sobre os outros membros da sociedade.

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

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6____________________O TRABALHO COLETIVO –

TRABALHO E COOPERAÇãO

Conteúdo• Noções de trabalho coletivo e de cooperação

• Conhecer a diferenciação do trabalho produtivo e trabalho coletivo

• Conhecer a importância para o serviço social do trabalho coletivo

Competências e habilidades• Conhecer a diferenciação do trabalho produtivo e trabalho coletivo

• Conhecer a importância para o serviço social do trabalho coletivo

Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Textos para auto-estudo e atividades serão disponibilizados no portal http://www.interativa.uni-

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• Sites relacionados: www.mte.gov.br/ww1.anamatra.org.br

• Filme: Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento (Erin Brockovich).

Direção: Steven Soderbergh.

Sinopse: leis, justiça e direito são temas centrais do filme que traz para a cena o trabalho do advoga-do. Mas a história não se limita ao mundo da advocacia, aborda também o trabalho dos operários, os prejuízos causados por empresas e a situação da mulher no mercado de trabalho. Julia Roberts vive Erin Brockovich, mulher divorciada, pobre e com três filhos. Ao conseguir trabalho no escritório de seu advogado, recebe um voto de confiança. Mesmo sem o diploma de advogada, assume um caso que já estava dado como perdido. Ela se envolve tanto com a causa que descobre acidentes ocorridos por falhas de uma grande empresa que não constavam no processo. Esse acidente envolve casos de água contaminada que causava graves doenças nos moradores das redondezas. A história é baseada em fato verídico. O acordo a que os advogados chegaram foi a maior indenização já paga num litígio direto na história dos Estados Unidos, cerca de US$ 333 milhões. O filme mostra um cotidiano duro de trabalho. Ele enfatiza o lado sacrificado de Erin ter de se manter longe de casa e dos filhos por causa do trabalho. O curioso é que quem fica para cuidar das crianças é o namorado George (Aaron Eckhart), jovem habilidoso e carinhoso. Há aí uma clara inversão de papéis que reforça o interesse pelo filme. Por fim, trazendo a análise para a lógica dos movimentos sociais, podemos dizer que Erin extrapola as exigências do trabalho, tornando-se praticamente uma militante da causa. Sua ação civil com base em ideais e valores faz as vezes da ação sindical.

Duração2h/a – via satélite com o professor interativo

2h/a – presenciais com o professor local

6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo

AULA 6 — O Trabalho Coletivo – Trabalho e Cooperação

49

O TRABALHO COLETIVO – TRABALHO E

COOPERAÇÃO

O conceito de trabalho coletivo tem uma correla-

ção com o conceito de trabalho produtivo da teoria

marxista, segundo a qual o proletariado é a única

classe da sociedade burguesa que valoriza e produz

capital (trabalho produtivo produz mais-valia) e

que todas as outras classes sociais vivem do “conte-

údo material da riqueza social”, dos meios de pro-

dução e de subsistência, produzidos pelo trabalho

proletário, do campo e da cidade (trabalho coletivo

não produz mais-valia).

Tendo em vista essa noção, Lessa (2005, p. 6) rea-

firma que para se entender o trabalho coletivo há que

se considerar também o problema da relação e dis-

tinção entre o proletariado e os assalariados em geral,

entre o trabalho coletivo e o trabalho intelectual, en-

tre o trabalho produtivo e o trabalho improdutivo.

Fazendo uma análise do texto de O Capital, Lessa

salienta que Marx não restringiu o trabalho produ-

tivo apenas àquele que produz de forma geral, mas

sim ao tipo trabalho que produz a mais-valia que

será apropriada pelo capitalista e irá gerar a acumu-

lação da riqueza:

“A ampliação do conceito de trabalhador coletivo

refere-se ao conceito anterior, em “abstrato”, do

Capítulo V, em que era produtivo apenas e tão-so-

mente o intercâmbio orgânico com a natureza.

Agora, nos novas condições históricas do capita-

lismo, passa a ser produtivo o trabalhador do qual

o capitalista extrai mais-valia. Se, no tratamento

abstrato, “independentemente de suas formas his-

tóricas”, “eterna necessidade” (Marx, 1986a: 153), o

trabalho produtivo era aquele que produzia os va-

lores de uso “em geral” a partir da transformação

da natureza, no capitalismo essa situação se altera.

Para a reprodução do capital, o que importa é pri-

mordialmente a produção de mais-valia e, nesse

sentido, no período histórico que conhece a divisão

social de trabalho da qual resulta o trabalhador co-

letivo, o trabalho produtivo se “amplia”.”

Para o capital, será produtivo todo e qualquer

trabalho que produza mais-valia, seja ele ou não in-

tercâmbio orgânico com a natureza.

Essa ampliação do trabalho produtivo, portanto,

só é possível quando a finalidade imediata da pro-

dução deixa de ser a produção “em geral” dos valores

de uso para se converter em produção de mais-valia.

Nesse sentido, como Marx afirma no parágrafo se-

guinte, essa ampliação corresponde a um estreita-

mento do “conceito de trabalho produtivo”.

“Por outro lado, o conceito de trabalhador produti-

vo se estreita. A produção capitalista não é apenas a

produção de mercadorias, é essencialmente a produ-

ção de mais-valia. O trabalhador produz não para si,

mas para o capital. Não basta, portanto, que produza

em geral. Ele tem que produzir mais-valia.”

Nesse sentido, utiliza-se de um fragmento de O

Capital para demonstrar que nas palavras do pró-

prio Marx já se continha a idéia de ampliação do

trabalho produtivo para além daquele cujo objetivo

é produzir “em geral” (mercadoria, valor de uso),

afirmando ser produtivo apenas o trabalhador que

produz mais-valia para o capitalista ou que serve à

autovalorização do capital.” (MARX, 1986b:105).

O trabalho coletivo, com base nessas considera-

ções, pode ser redefinido numa outra abordagem,

diferente daquela que não o incluía no conceito de

trabalho produtivo. Dessa forma, o trabalho (abs-

trato) produtivo é, no modo de produção capita-

lista, ao mesmo tempo mais amplo (porque inclui

outras práxis que não apenas o intercâmbio orgâni-

co com a natureza) e mais estreito (porque só pro-

duz mais-valia) que o trabalho “eterna necessidade”,

conforme Lessa (2005, p. 7) explana:

“O trabalhador coletivo não mais produz “em ge-

ral”. O que ele produz o faz apenas e tão-somente

se for mediação para a produção de mais-valia. O

“caráter cooperativo”, alienado, do processo de tra-

balho regido pelo capital não apenas opõe “como

inimigos” trabalho intelectual e manual, como ain-

da estreita o caráter produtivo do trabalho à pro-

dução de mais-valia. Por essa razão, as relações de

produção capitalistas podem ampliar o trabalhador

produtivo até conter todos aqueles que produzem

mais-valia: a ampliação do trabalhador produtivo

é sinônima do alienado estreitamento do trabalho

produtivo à produção de mais-valia.”

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

50

Neste sentido, Gláucia Angélica Campregher, em

seu estudo Das novas possibilidades do trabalho co-

letivo, firma entendimento de que o trabalho tem

como característica vincular o indivíduo à comuni-

dade mais próxima e à sociedade em geral da forma

a mais íntima possível. Novas práticas de organiza-

ção e de cooperação podem demonstrar que o ser

humano, evolui para além da visão de que o capi-

tal deve ser produtivo, porque essa é apenas a sua

função, para a emancipação crítica do trabalho no

contexto em que está inserido, desenvolvendo o po-

tencial emancipador de indivíduos e comunidades.

Mesmo que o trabalho seja mais concreto (quando

o valor de uso está intrinsecamente ligado à mercado-

ria por meio do trabalho) ou mais abstrato (quando o

trabalho humano perde sua essência e passa a ser um

valor abstrato que é representado pela moeda), é por

meio dele que se estabelecem diversas relações nos

grupos sociais, com diversas finalidades, tais como: a

comunicativa, a de solidariedade e a de economia.

A essa característica do trabalho denomina-se de

“dimensão produtora de organização social”, que é

mais abrangente do que a dimensão convencional

do trabalho de apenas produzir bens e serviços.

Faz-se referência a valores humanos ligados a

uma educação diferenciada, um sentimento de per-

tencimento a uma determinada comunidade ou re-

gião, um passado democrático e de forte conteúdo

comunitário, ou uma cultura cívica e um conjunto

de experiências cooperativas as mais diversas, que

reuniriam pessoas em torno de um objetivo co-

mum, que buscaria a emancipação do indivíduo e

da comunidade na qual está inserido e, com isso,

agregariam poder político para atuar na sociedade.

Nessa direção, o próximo passo é entender o pa-

pel emancipador do trabalho, que para autores como

Wolfgang Leo Maar, Oskar Negt e Elmar Altvater é

um assunto controvertido, ainda em discussão, pois

segue o caminho de identificar os outros tipos de tra-

balho, que não são considerados trabalho produtivo

na acepção marxista, e acreditar em uma “nova qua-

lidade de unificação do trabalho” em que os trabalha-

dores da produção não estariam separados daqueles

que realizam tarefas de “regulagem e controle”.

Na seguinte citação, selecionada por Campre-

gher, é possível compreender a construção do pen-

samento dos teóricos alemães Kern e Schumann,

apud MAAR, idem, p.100, para justificar essa ten-

dência atual:

“Nova qualidade de unificação do trabalho” em que

os trabalhadores da produção não estariam sepa-

rados daqueles que realizam tarefas de “regulagem

e controle”. Acreditam que, se o desmoronamento

da produção em massa fordista não é mera ideo-

logia, será sob seus escombros que – como preten-

dem Kern e Schumann – encontraremos uma nova

‘qualidade de unificação’ do trabalho atual. O tem-

po libertado do trabalho produtor de bens de con-

sumo seria usado por um aumento das atividades

de regulagem e controle, sob a égide do trabalho

coletivo do ponto de vista do trabalho. Sob a égide

do capital, enquanto trabalhador coletivo capitalis-

ta, para o qual “trabalho” seria apenas o “produti-

vo”, isso não seria “trabalho”, mas função do capital.

Mas há muitas atividades fora do espectro estrito

do trabalho produtivo que também são “trabalho”;

precisam ser consideradas como tal para restabele-

cer os vínculos de seu potencial emancipativo com

a efetiva estrutura material produtiva, expor uma

racionalidade social.”

Para a referida autora, a sociedade atual passa por

transformações de natureza tecnológica e científica

e cria novas regras para o trabalho e a produção,

mas, ao mesmo tempo, abre possibilidades para

que os trabalhadores se utilizem, em seu favor, do

mesmo instrumental disponível ao mercado para se

auto-organizarem e interferirem na sociedade, am-

pliando a cidadania no espaço público.

A ocupação do espaço público e a inserção de

muitos desempregados ou “deserdados” dos direi-

tos sociais, que se encontram excluídos do merca-

do formal de trabalho, possibilitam alternativas de

trabalho em atividades de natureza comunitária

que dependem de organização amparada na coo-

peração.

Em pesquisas realizadas envolvendo o trabalho

cooperativado, foi observado, por Nasciutti, Razeto

e outros, que muitas cooperativas populares surgem

AULA 6 — O Trabalho Coletivo – Trabalho e Cooperação

51

como movimentos sociais instituintes, movimentos

autogestionários e cooperativos como motores da

economia solidária, e têm encontrado dificuldades

em face das regras impostas pelo mercado:

“Eles não têm conseguido se impor como sujeitos

históricos autônomos, dotados de uma capacida-

de efetiva de direção de mudanças econômicas e

do desenvolvimento. Devemos reconhecer que se

mantêm em um plano de subordinação a respeito

das grandes tendências da economia e da política

(Razeto, 1997, p. 13). Isso não significa, no entanto,

que, em muitos casos, as cooperativas não surjam

como movimentos sociais instituintes, principal-

mente aqueles que emergem naturalmente da ação

voluntária e empreendedora de grupos e atores

sociais. Isso efetivamente acontece. No entanto, há

um processo de “ajustamento” ao longo dos treina-

mentos através do qual as leis do “mercado livre”

definem os limites e as possibilidades da ação co-

operativa. As contradições entre as lógicas da co-

operação (que se pretende regendo internamente

a instituição) e da competição (que se espera no

mercado externo) não chegam a ser problematiza-

das no processo de incubação.

Prepara-se um trabalhador para se tornar sócio

de uma organização (preparo esse, essencialmen-

te técnico), aspecto fundamental para a criação e

para a sobrevivência da instituição. Não se prepara,

porém, o indivíduo para romper com a cristaliza-

ção e com a naturalização de lugares no mercado

de trabalho em direção a novas relações psicos-

sociais com o outro, com o coletivo. A assessoria,

via de regra, prepara o membro da organização,

não a pessoa do trabalhador. Ademais, no contexto

socioeconômico vigente, não parece estar havendo

nenhum movimento efetivo de mudanças na cultu-

ra que define a valorização institucional atribuída

às cooperativas.

Dados estatísticos evidenciam o que a fala dos co-

operativados já denuncia: as cooperativas são vis-

tas, sobretudo as de caráter comunitário popular,

como coisa menor na “bolsa de valores” das repre-

sentações sociais. A mesma mercadoria, o mesmo

serviço prestado recebem avaliações (financeira e

social) diferentes conforme sejam originários de

uma indústria ou de uma empresa organizadas nos

moldes tradicionais ou quando oferecidos por uma

cooperativa.”

Devido a esses novos estudos, muitos questio-

namentos a respeito das relações de trabalho e da

teoria marxista estão em pauta e sendo rediscutidos

na agenda atual em todo o mundo. As respostas aos

questionamentos fazem parte do momento no qual

vivemos e requerem o uso da nossa inteligência e

do nosso esforço a serviço da humanidade. Alguns

deles são enumerados por Lessa:

a) O proletariado se dissolveu nos “trabalhado-

res”?

b) Os trabalhos produtivo e improdutivo fundi-

ram-se de tal forma que o que antes era ati-

vidade de controle (como o planejamento, a

concepção do produto, a organização da pro-

dução etc.) se converteu em trabalho produti-

vo?

c) É afirmativa a hipótese de Marilda Iamamoto

de o serviço social ser “trabalho”?

d) Podemos concordar com o conceito “classe-

que-vive-do-trabalho”, proposto por Ricardo

Antunes, com base no fato de que a sociedade

do capital e sua lei do valor necessitam cada

vez menos do trabalho estável e cada vez mais

das diversificadas formas de trabalho parcial

ou part-time, terceirizado, que são, em escala

crescente, parte constitutiva do processo de

produção capitalista e ao mesmo tempo en-

tender que o trabalho assalariado não deve

acabar?

e) A prática pedagógica é também entendida

como trabalho?

* AnOTAÇõES

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

52

Un

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alAULA

7____________________TRABALHO PRODUTIVO E IMPRODUTIVO

Conteúdo• Conceitos de trabalho produtivo e improdutivo

• Reflexão sobre a estrutura social na sociedade capitalista e a importância da mais-valia

Competências e habilidades• Estudar os conceitos de trabalho produtivo e improdutivo e sua importância para o sistema capita-

lista

• Compreender o papel do assistente social no processo de organização da sociedade capitalista

Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e atividades serão disponibilizados no portal. http://www.interativa.uni-

derp.br.

• Sites relacionados: ww1.anamatra.org.br/www.abet-trabalho.org.br

• Filme: Ou Tudo ou Nada (The Full Monty).

Direção: Peter Cattaneo

A partir da década de 1970, no processo de transição da indústria pesada para a automatizada, mul-tiplicou-se o número de trabalhadores que não puderam mais ser absorvidos pelo sistema produti-vo. O fechamento de indústrias das cidades da Inglaterra, no processo de desindustrialização, levou enorme contingente de operários ao desemprego. O filme mostra seis homens, ex-metalúrgicos, sem perspectivas e desesperados por dinheiro, que se conhecem em uma agência de empregos numa cidade chamada Shenffild, e que, como alternativa, concluindo que o único bem que possuem é o próprio corpo, decidem realizar um show de strip-tease.

Duração2h/a – via satélite com o professor interativo

2h/a – presenciais com o professor local

6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo

NOÇÕES DE TRABALHO PRODUTIVO E

TRABALHO IMPRODUTIVO

Veremos agora um assunto que é bastante in-

teressante para se refletir a respeito do que é tra-

balho.

Se vamos a um supermercado e compra-

mos comidas, bebidas, material de limpeza etc.,

estamos adquirindo bens. E quando pagamos a

passagem do ônibus estamos pagando um ser-

viço.

AULA 7 — Trabalho Produtivo e Improdutivo

53

Na sociedade em que vivemos, as pessoas partici-

pam diretamente da produção, da distribuição e do

consumo de bens e serviços, ou seja, participam da

vida econômica da sociedade. O conjunto de indiví-

duos que participam da vida econômica é o conjunto

de indivíduos que participam da produção, distribui-

ção e consumo de bens e serviços. Exemplo: operários

quando trabalham estão ajudando a produzir. Quan-

do com o salário que recebem compram algo, estão

participando da distribuição, pois estão comprando

bens e consumo. E quando consomem os bens e os

serviços que adquiriram estão participando da ativi-

dade econômica de consumo de bens e serviços.

A discussão sobre o caráter produtivo ou impro-

dutivo das atividades econômicas passa exatamente

pela discussão de como a produção capitalista con-

segue atingir o trabalho produtivo, ou seja, aquele

que gera lucro.

Trabalho produtivo, portanto é o que, no sistema

de produção capitalista, produz mais-valia para o em-

pregador ou que transforma as condições materiais de

trabalho em capital e o dono delas em capitalista, tra-

balho que produz o próprio produto como capital.

Assim, ao falarmos de trabalho produtivo, fala-

mos de trabalho socialmente definido, trabalho que

envolve uma relação bem determinada entre o com-

prador e o vendedor do trabalho.

O trabalho produtivo tem como propriedade sa-

tisfazer as necessidades humanas e ainda produzir

um excedente tão grande que pode satisfazer um

maior número de pessoas e/ou satisfazer um maior

número de necessidades.

De acordo com Marx (1983):

“Trabalho produtivo no sentido da produção capi-

talista é o trabalho assalariado que, na troca pela

parte variável do capital (a parte do capital despen-

dida em salário), além de reproduzir essa parte do

capital (ou o valor da própria força de trabalho),

ainda produz mais-valia para o capitalista.”

No processo de produção capitalista podemos

identificar quatro atividades sociais básicas: a pri-

meira é aquela em que valores de uso são utiliza-

dos para criar outros valores de uso; a segunda é a

distribuição desses valores de uso; a terceira etapa

é quando se empregam esses valores de uso para a

reprodução do sistema, por meio da polícia, justiça,

administração pública etc.; e a quarta etapa é a ati-

vidade de consumo pessoal.

Para Marx, o trabalho produtivo é aquele realiza-

do na etapa um, ou seja, trabalho resultante na cria-

ção ou transformação de valores de uso, enquanto

o trabalho improdutivo é o trabalho desenvolvido

nas etapas de distribuição e manutenção da ordem

estabelecida.

O trabalho improdutivo, na realidade, acaba por

ser dependente do trabalho produtivo, porque ele

consome mais do que produz, no sentido de que de-

vem ser pagas a força de trabalho e a cota de quem a

explora na realização da mais-valia (MARX, 1983).

Resumindo: trabalho produtivo é aquele que é

comprado com o capital dinheiro, sendo capaz de

produzir um excedente ou qualquer forma de tra-

balho que crie mais-valia. Trabalho improdutivo é o

trabalho contratado como serviço pessoal ou como

artigo de consumo.

O capital é uma relação social que aparece com o

surgimento da burguesia, classe social que se apro-

veita privadamente dos meios de produção e se fir-

ma definitivamente após a dissolução do mundo

feudal. O capital é uma relação que se caracteriza

pela compra e venda da força de trabalho, surgindo

quando tudo se torna mercadoria, inclusive a força

de trabalho. É a partir dessa relação que os meios de

produção se tornam capital, e a força de trabalho,

mercadoria. O capitalista vai ao mercado e compra

mercadorias (força de trabalho e meios de produ-

ção) com a finalidade de aumentar o dinheiro.

O valor de uso significa o quanto vale o bem, para

que ele serve. Agora, o valor de uma mercadoria é

igual ao tempo de trabalho socialmente necessário

para produzi-la. Já o valor que excede o valor da for-

ça de trabalho e que vai para as mãos capitalistas,

Marx denomina mais-valia. A essência do capitalis-

mo é a formação do valor e a apropriação da mais-

valia pelo capital.

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

54

O trabalho improdutivo seria então os trabalhos

que não geram lucro, como os desenvolvidos nas

áreas da administração pública, por exemplo, mas

só podem existir e serem sustentados por causa do

excedente produzido pelo trabalho produtivo.

Graças à superprodução dos trabalhadores do se-

tor produtivo é que se pode manter esse grande nú-

mero de trabalhadores improdutivos, porque além

dos muito novos e dos muito velhos para o trabalho

existem as profissões ideológicas, como os gover-

nantes, polícia, igreja, magistratura, exército etc. e as

pessoas que vivem somente do trabalho alheio sob

a forma de renda fundiária, de juros, de dividendos,

e esses devem ser sustentados de alguma forma na

sociedade capitalista.

Simone de Beauvoir dizia: “Se o aposentado fica

desesperado com a falta de sentido de sua vida pre-

sente, é porque o sentido de sua existência sempre

lhe foi roubado”, criticando assim a forma de explo-

ração capitalista, que, segundo ela, não fornece sen-

tidos ao trabalho para que pudéssemos envelhecer

de forma natural, sem o sentimento de improduti-

vidade. Porque essa improdutividade de que esta-

mos falando agora é aquela que a sociedade condena

porque não gera lucro. Não gerar lucro na sociedade

do capital é ser considerado marginal, dependente,

sem autonomia, descartável.

As sociedades capitalistas supervalorizam o traba-

lho na vida dos seres humanos e, quando esse deixa

de existir, pela aposentadoria, por doença ou pelo

desemprego, compromete a qualidade do envelheci-

mento do indivíduo, principalmente se lhe faltarem

habilidades e condições para incorporar e priorizar

outras atividades e valores em sua vida. Compre-

endemos que no sistema capitalista o trabalhador é

obrigado a vender a sua força de trabalho para ga-

rantir a própria subsistência e/ou a de seus familia-

res. Entretanto, a forma que a força de trabalho assu-

me na sociedade capitalista – enquanto mercadoria

– contribui para a percepção do idoso sobre o en-

velhecimento basicamente como perda das funções

físicas e mentais, restando pouco saldo positivo para

o processo de envelhecimento ancorado no acúmulo

de experiência e sabedoria. Quanto ao significado do

envelhecimento no mercado de trabalho, as narrati-

vas evidenciaram que a ausência do trabalho pode

ser substancialmente responsável pela redução da

qualidade de vida e de envelhecimento.

Marx (1983) salienta que só o trabalho que se

transforma em capital é produtivo, ou seja, aquele

que produz mais-valia, bem como envolve uma re-

lação determinada entre compra e venda do traba-

lho. A atividade produtiva vai designar o conjunto

de relacionamentos e dos modos em que a força de

trabalho figura no processo capitalista de produção.

Já o trabalho improdutivo, para Marx, pode ser en-

tendido como um processo onde o dinheiro é troca-

do diretamente pelo trabalho, sem produzir capital

e sem ser, portanto, produtivo, caso em que se está

comprando um serviço. Mas Marx ainda acrescenta

que a mesma espécie de trabalho pode ser produti-

va ou improdutiva, como é o caso do trabalho do

professor, do escritor, do cantor. Segundo ele, isto

ocorre quando “o produto deste trabalho reverte em

capital para quem o contratou”.

Braverman (1987) destaca que a transformação

do trabalho improdutivo em trabalho produtivo,

para os fins capitalistas, é forma de extrair valor ex-

cedente, presente no próprio processo da criação da

sociedade capitalista; em outras palavras, o autor é

enfático ao afirmar que “o modo capitalista de pro-

dução subordinou a si mesmo todas as formas de

trabalho”.

Wunsch e Mendes (2003) apontam que, “ao revi-

sar essa composição entre trabalho produtivo e im-

produtivo, elaborada à luz do referencial marxista,

transportando-a para o atual estágio de desenvolvi-

mento do capitalismo, pode-se inferir que há pouca

distinção a ser feita, na atualidade, acerca do traba-

lho produtivo e improdutivo. Isso ocorre principal-

mente pela apropriação do segundo pelo primeiro,

no processo de acumulação capitalista. Quer dizer,

embora o trabalho dito improdutivo não gere di-

retamente valor excedente, ele trabalha diretamente

para o capital, dando evasão a esse valor distribuí-

do entre os vários capitais. Então, quanto maior for

esse capital, maior é a tendência à ampliação das ati-

vidades improdutivas.”

AULA 7 — Trabalho Produtivo e Improdutivo

55

Os autores ressaltam também que se tem obser-

vado um decréscimo do trabalho tido como impro-

dutivo no seio da indústria tradicional. Esse fator

vem ocorrendo por dois movimentos. O primeiro

deles diz respeito à crescente terceirização destas

atividades pelas empresas, a exemplo do que ocor-

re nos setores de alimentação, limpeza, vigilância,

recursos humanos, contabilidade, saúde ocupacio-

nal etc. Como segundo movimento, destacam-se as

atividades tradicionalmente realizadas e “pensadas”

pelos funcionários do “escritório”, nas indústrias, e

que passam a ser realizadas por trabalhadores do

piso da fábrica, agora “multifuncional”, que passam

a incorporar o dito “improdutivo” nas suas funções

produtivas. Transformam a natureza do seu traba-

lho, contribuindo para aumentar o seu valor exce-

dente. Amplia-se, então, a extração da mais-valia

nesse processo de trabalho combinado. O imbrica-

mento entre ambos e a redução da absorção da força

de trabalho, com o advento da ampliação da produ-

tividade do trabalho, têm constituído um excedente

de trabalhadores com características distintas, mas

que se aproximam pelas circunstâncias econômicas

e históricas.

DESEMPREGO E TRABALHO

A principal interface emprego/desemprego está

na ausência de uma linha divisória entre inseridos

e “excluídos” no “mundo do trabalho”. Essa linha é,

pontualmente, sinalizada por Matoso (1994). Para

ele, o capital reestrutura-se, movendo-se contra o

trabalho organizado, gerando crescente insegurança

e desestruturação do mesmo. Segundo esse autor, a

insegurança no emprego se dá, fundamentalmente,

pela elevação das facilidades patronais em despedir

e utilizar trabalhadores eventuais, assim como pela

insegurança na renda. Essa insegurança está rela-

cionada à fragmentação da atividade remunerada,

à contratação em condições de eventualidade e de

precariedade.

Portanto, o desemprego apresenta-se sob múlti-

plos aspectos: como expressão da questão social; na

constituição de incontável número de trabalhadores

ativos que compõem o exército de reserva; na inse-

gurança no trabalho e emprego. Acima de tudo, no

entanto, o desemprego incide de maneira conjuga-

da na configuração da classe operária, quer seja pela

perda do papel social de quem não consegue vender

sua força de trabalho ou pela mescla de diferentes

formas de trabalho, imprimindo uma heterogenei-

dade à classe e a seus integrantes.

Trabalho produtivo, portanto, de acordo com

Marx (1987), não é uma simples troca de dinhei-

ro por trabalho, mera produção de mercadoria,

mera troca entre capitalista e trabalhador (como

possuidores de mercadorias). Não é definido pelo

predominante dispêndio de força física. Tampouco

se restringe à produção de riqueza material (em de-

terminadas condições, produção não-material pode

configurar-se trabalho produtivo). Na relação capi-

tal/trabalho, trabalho produtivo é aquele que acres-

ce valor. O que define o trabalho produtivo não é o

tipo de atividade, nem a quantidade ou qualidade

do produto resultante do trabalho e, sim, o fato de

trocar-se diretamente por capital.

O trabalho aplicado na esfera da produção for-

mando o capital produtivo e o trabalho aplicado na

esfera da circulação formando o capital-mercadoria e

o capital-dinheiro são imediatamente trabalhos pro-

dutivos na medida em que os trabalhadores recebem

dinheiros-salários provenientes da troca de sua força

de trabalho pelo capital. E isso acarreta uma exclusão

dos trabalhadores à riqueza por eles produzida.

De acordo com Lima, no texto Da Produção de

Mercadorias à Produção de Não-Mercadorias, a di-

nâmica econômica a partir do crash de 1929 estará

fundada no trabalho improdutivo-destrutivo, no

Estado despótico, na moeda inconversível, no défi-

cit público etc. A produção humana, para dar sus-

tentabilidade ao sistema capitalista, passa a produzir

como partes necessárias e imanentes à sua dinâmi-

ca: guerras, drogas, lavagem de dinheiro, corrupção

etc. Esse é o verdadeiro desenvolvimento sustentável

que o capitalismo conhece e pratica.

A dominação do trabalho improdutivo-destruti-

vo repercute em todos os setores da sociedade do-

minada pelo capital. Esse é o capitalismo, ele não é

outro, só vai mudando de forma social.

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

56

A demanda sob a dominação do trabalho im-

produtivo-destrutivo se constitui em objetos qua-

litativamente diversos dos demandados por traba-

lhadores: tanques de guerra, AR-15, superinfovias,

propaganda, naves espaciais etc.

A MAIS-VALIA

Ao realizar o trabalho produtivo, o indivíduo

vende a sua força de trabalho por um salário para

quem possui os meios de produção, ou seja, a pro-

priedade dos instrumentos de produção. Assim, a

força de trabalho vendida será embutida no capital

em forma de capital variável, de modo que, por meio

do processo de produção, valorize o capital inicial e

este seja incrementado na mais-valia. A mais-valia

parece ser uma simples conseqüência do processo,

mas é muito mais: é o motor de todo o processo.

Marx elucida que para “transformar dinheiro em

capital tem o possuidor do dinheiro de encontrar o

trabalhador livre no mercado de mercadorias, livre

nos dois sentidos, o de dispor como pessoa livre de

usar força de trabalho como sua mercadoria, e o de

estar livre, inteiramente despojado de todas as coi-

sas necessárias à materialização de sua força de tra-

balho, não tendo além desta outra mercadoria para

vender (MARX, 1970).

Conforme o autor e a exposição de Giubertti

(2007), o valor da força de trabalho é determinado

como o de qualquer outra mercadoria pelo tempo

necessário à sua produção. Karl Marx foi um dos

grandes pensadores do funcionamento do sistema

capitalista. Em O Capital, assume como um dos

principais objetivos explicar a sua estrutura, bem

como o seu desenvolvimento. Mais do que isso,

Marx se preocupou com a condição dos homens

e mulheres inseridos no referido regime, além da

própria história do regime capitalista, e, inclusive,

os acontecimentos e contradições que levariam ao

fim esse sistema de exploração.

Segundo Marx, a essência do capitalismo é, pri-

mordialmente, a busca do lucro. E como explicar a

origem do lucro? A resposta encontrada por Marx é

o processo de produção da mais-valia. O autor parte

do princípio de que o valor de qualquer mercadoria

é, geralmente, proporcional à quantidade de traba-

lho social médio nela contida, chegando à teoria

do valor-trabalho. Nessa teoria, Marx afirma que

o único elemento quantificável que se identifica na

mercadoria é a quantidade de trabalho gasto para a

sua realização. Assim, o valor do trabalho pode ser

medido como o valor de qualquer outra mercado-

ria. O salário que o trabalhador recebe pela venda da

sua força de trabalho equivale à quantidade de tra-

balho social necessário para produzir mercadorias

essenciais para a vida do trabalhador e sua família.

Conseqüentemente, o trabalho é também uma mer-

cadoria e a força de trabalho é vendida como tal.

Segundo Marx (1970), todo o trabalho é, de um

lado, dispêndio de força humana de trabalho, no

sentido fisiológico, no seu caráter abstrato e cria o

valor das mercadorias. Por outro lado, todo o traba-

lho é também dispêndio de força humana para um

determinado fim e, nessa qualidade de trabalho útil

e concreto, produz valores de uso. Um outro aspec-

to importante ressaltado pelo autor é que, no pro-

cesso de troca, para que os bens se relacionem uns

aos outros como mercadorias, importa que os seus

donos se relacionem entre si como pessoas. Somen-

te de acordo com a vontade do outro se apropria da

mercadoria alheia enquanto aliena a própria. É cla-

ro que, segundo essa lógica, o dono da mercadoria

só propõe trocá-la se ela não tem para ele nenhum

valor de uso. Assim, cada possuidor de mercadorias

só se propõe a alienar sua mercadoria por outra

cujo valor de uso satisfaça a sua necessidade, e que,

sem dúvida, o indivíduo queira realizar a troca da

sua mercadoria, enquanto valor, por qualquer outra

mercadoria que lhe agrade e do mesmo valor.

Continua a autora, afirmando que o ciclo mer-

cadoria-dinheiro-mercadoria parte de uma mer-

cadoria à outra, que sai de circulação e entra no

consumo, para a satisfação de necessidade, ou seja,

valor de uso, objetivo final do processo. Marx tam-

bém argumenta, na sua análise da transformação

do dinheiro em capital, que esse processo tem que

ser desenvolvido com base nas leis imanentes ao in-

tercâmbio de mercadorias, de modo que a troca de

equivalentes sirva de ponto de partida.

AULA 7 — Trabalho Produtivo e Improdutivo

57

Em resumo, Marx (1970) afirma que, para trans-

formar dinheiro em capital, o dono do dinheiro

precisa encontrar no mercado a mercadoria traba-

lho, vendida por um tempo determinado e de forma

livre pelo seu proprietário e que este tenha apenas a

mercadoria-trabalho para vender. Tal quadro não é

considerado por Marx como natural, mas historica-

mente construído.

A exploração por parte do capitalista se dá da se-

guinte forma: o operário, por exemplo, produz, em

seis horas, um valor igual ao que está contido em seu

salário. Mas ele não trabalha apenas seis horas, ele

trabalha oito horas. Assim, duas horas do seu tempo

trabalhado é do patrão. As seis primeiras horas Marx

chama de trabalho necessário, as duas horas que ele

trabalha para o dono da empresa é nomeada de so-

bretrabalho. A mais-valia, então, é a quantidade de

valor produzido pelo trabalhador além do tempo de

trabalho necessário, ou seja, com o sobretrabalho.

Marx sustenta que existem duas maneiras para

aumentar a mais-valia, o que corresponde também

à exploração dos trabalhadores. Essa também é a

resposta de como o lucro é possível, como é possível

ao final do processo ter mais do que no seu início. O

primeiro procedimento é o de prolongar a duração

do trabalho e, conseqüentemente, o sobretrabalho;

ou, segundo, reduzir o mais possível o trabalho ne-

cessário, o que dá no mesmo. Um dos mecanismos

para reduzir a duração do trabalho necessário seria

aumentar a produtividade, ou seja, produzir o valor

correspondente ao salário em menos tempo.

TEMPOS MODERNOS

Nos dias atuais, Braverman (1974) afirma que o

trabalho improdutivo se confunde com o produtivo

com o aumento dos setores burocráticos e de servi-

ços, que fazem parte dos setores improdutivos por-

que não geram riqueza nem lucro ao capital e não

criam ou transformam valores de uso. Braverman

observa nisso uma articulação em que todas as for-

mas de trabalho passam a servir ao capital, “todos os

processos de trabalho são considerados igualmente

úteis – inclusive aqueles que produzem, concreti-

zam ou desviam o excedente. As formas de trabalho

produtivo e improdutivo são confundidas, nas fir-

mas individuais e na economia como um todo, em

igual nível” (BRAVERMAN, 1974).

Assim, o trabalho produtivo decresce devido à sua

produtividade exacerbada que o torna desnecessário

e resulta em um aumento do trabalho improdutivo

para captar esses excedentes, mas, enquanto massa

de trabalhadores, figuram indistintos para o capital

(BRAVERMAN, 1974).

! CONCEITOSIMPORTANTES

A força motriz do sistema capitalista é a acumulação

de capital. O excedente é criado e apropriado: a conhe-

cida mais-valia.

MAIS VALIA: expressão usada para designar a dispa-

ridade entre o salário pago e o valor do trabalho pro-

duzido.

MAIS-VALIA ABSOLUTA: é a mais-valia que se ob-

tém pelo prolongamento da jornada de trabalho.

MAIS VALIA RELATIVA: é a mais-valia que se obtém

mediante a diminuição do tempo de trabalho neces-

sário (ex.: o trabalhador deixa de gastar 8 horas para

produzir seu sustento, passando a gastar 6 horas).

FORÇAS PRODUTIVAS: são os elementos que en-

tram no processo produtivo: força de trabalho e meios

de produção.

RELAÇÕES DE PRODUÇÃO: estabelecidas entre os

proprietários dos meios de produção e os trabalhadores.

SUPERESTRUTURA: é a base econômica que condi-

ciona a forma do Estado, o direito e a ideologia de um

povo.

PROCESSO PRODUTIVO: O homem transforma a

natureza em produtos

MODO DE PRODUÇÃO: Combinação entre as for-

ças produtivas e as relações sociais e técnicas.

Para ficar mais fácil de entender, vamos estudar um

exemplo. Suponhamos que um operário seja contra-

tado para trabalhar 8 horas por dia numa fábrica de

motocicletas. O patrão lhe paga 16 reais por dia, ou

seja, 2 reais por hora, e o operário produz duas motos

por mês. O patrão vende cada moto por 3.883 reais.

Desse dinheiro, ele desconta o que gasta com maté-

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

58

ria-prima, desgaste de máquinas, energia elétrica etc.;

exagerando bastante, vamos supor que esses gastos so-

mem 2.912 reais. Logo, sobram de lucro para o patrão

971 reais por moto vendida (3.883 menos 2.912 é igual

a 971). Se o operário produz duas motos por mês, ele

produz, na verdade, 1.942 reais por mês (2x971). Se,

num mês, ele trabalhar 240 horas, produzirá 8,1 reais

por hora (1.942 dividido por 240 horas).

Portanto, em 8 horas de trabalho ele produz 64,8 reais

(8,1x8) e ganha 16 reais. A mais-valia é exatamente o

valor que o operário cria além do valor de sua força

de trabalho. Se sua força de trabalho vale 16 reais e

ele cria 64,8, a mais-valia que ele dá ao patrão é de

48,8 reais, ou seja, o operário trabalha a maior parte

do tempo de graça para o patrão! Para saber quanto,

basta fazer uma regra de três simples:

64,8 ...............8 h.

16 ..................X

16 vezes 8 dividido por 64,8 é igual a 2h e 6m

Conclusão: das 8 horas que o operário trabalha, ele

só recebe 2 horas e seis minutos. O resto do tempo ele

trabalha de graça para o capitalista. Esse valor que o

patrão embolsa é o trabalho não pago.

Ao patrão o que interessa é o aumento constante

da mais-valia porque assim seus lucros também au-

mentam.

Exemplo retirado do site www.pstu.org.br/juventude/

mg/maisvalia.html

* AnOTAÇõES

AULA 8 — A Polêmica em Torno da Crise da Sociedade do Trabalho

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AULA

8____________________A POLêMICA EM TORnO DA CRISE DA

SOCIEDADE DO TRABALHO

Conteúdo• As recentes crises do capitalismo

• A discussão a respeito da centralidade do trabalho no sistema capitalista

Competências e habilidades• Entender os antecedentes históricos de natureza econômica para contextualizar as discussões acerca

da polêmica em torno da crise da sociedade do trabalho.

• Conhecer as correntes de pensamento que discutem a crise relativa à relação capital e trabalho.

Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizadas no portal

• Sites relacionados: http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/http://www.unb.br

• Filme: O Corte (Le Couperet).

Direção: Costa-Gavras. Origem: Bélgica/França/Espanha, 2005

Sinopse: Após quinze anos de leais serviços como executivo de uma fábrica de papel, Bruno D. é despedido com centenas dos seus colegas devido a corte de despesas.Três anos se passam sem que ele encontre um novo emprego. Agora ele está disposto a tudo para conseguir um novo posto, inclusive partir para a ofensiva.

Duração2h/a – via satélite com o professor interativo

2h/a – presenciais com o professor local

6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo

A polêmica em torno da crise da sociedade do

trabalho se refere a uma discussão recente que, de

forma geral, polariza-se entre aqueles que declaram

o fim do trabalho na sociedade contemporânea, sig-

nificando que o trabalho perdeu a centralidade, não

é mais o centro do sistema capitalista; que deixou de

ser tão importante em face da ciência e da tecnolo-

gia, que foram elevados a fatores preponderantes no

atual estágio de desenvolvimento da economia.

De outro lado, há aqueles para quem a socie-

dade continua fundada no trabalho e que tanto

a ciência quanto a tecnologia não são a principal

força produtiva do capitalismo contemporâneo,

porque ambas dependem do trabalho. Tanto An-

tunes quanto Lessa combatem a visão eurocên-

trica dos teóricos que negam ser o trabalho o ele-

mento central para estruturação da organização

social.

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

60

O debate acerca da crise da sociedade do trabalho,

de acordo com Lessa (2005), se dá devido ao fato de

que há, em Marx, uma diferenciação da função social

do proletariado e dos outros assalariados fundada

na distinta inserção na estrutura produtiva de cada

classe social. Essa distinção está claramente posta em

O Capital e que, com freqüência, muitos estudiosos

recorrem aos manuscritos, como os Grundrisse ou o

Capítulo VI, Inédito, para desautorizar o texto pu-

blicado por Marx e que, política e teoricamente, têm

servido para revogar a centralidade do proletariado

para superação do sistema do capital.

“No início dos anos de 1990 a vaga neoliberal e

as teses do fim do trabalho estavam em plena ascen-

são. Um dos argumentos então freqüentes contra o

marxismo era a identificação imediata da centrali-

dade ontológica do trabalho com a centralidade po-

lítico-revolucionária do proletariado. Procuravam

demonstrar a falsidade das teses marxianas acerca

do trabalho e seu papel fundante para o mundo dos

homens, associando-as imediatamente à “centrali-

dade política” dos trabalhadores. Se o trabalho de

fato fosse a categoria fundante do mundo dos ho-

mens, argumentavam, então os trabalhadores deve-

riam ser – sempre – a classe politicamente funda-

mental. Como nem no escravismo nem no feuda-

lismo coube aos escravos e servos a direção política

e, prossegue o argumento, como hoje não podemos

identificar o peso decisivo das lutas proletárias, en-

tão a tese marxiana da centralidade ontológica do

trabalho estaria sendo peremptoriamente negada

pela história.”

Conforme esclarece Teixeira (2007, p. 64), “tal-

vez, por conta desse caráter contingencial da luta

de classes, Marx, nos Grundrisse, especula sobre a

possibilidade do aparecimento de uma nova forma

de produção de mercadorias na história do desen-

volvimento do capitalismo. Uma forma de produ-

ção de mercadorias superior à da grande indústria,

considerando que, nela, a investigação científica

pura e sua aplicação produtiva atingiriam um de-

senvolvimento extremamente avançado; tão avan-

çado que o trabalhador, diria Marx, de apêndice

que era da máquina, na grande indústria, se trans-

formaria num controlador do processo de trabalho.

Noutras palavras, nessa nova forma de produção

de mercadorias, o sobretrabalho da massa, como

assinala Marx, deixaria de ser a condição para o

desenvolvimento da riqueza social; assim como o

não-trabalho de poucos, para o desenvolvimento da

força universal do cérebro humano. Essa forma de

produção de mercadorias é, hoje, tematizada pelos

teóricos do fim da sociedade do trabalho como ex-

pressão de uma nova configuração assumida pelo

sistema produtor de mercadorias, que pouco ou

quase nada tem a ver com o capitalismo da época

de Marx. Realmente, para Claus Offe e Giannotti, as

modificações por que passou o sistema na realidade

contemporânea implodiram o tempo de trabalho

socialmente necessário como a medida objetiva do

valor. Para Offe, a implosão dessa categoria deve-se

ao aparecimento do setor serviços como um corpo

estranho dentro da produção capitalista. Para ele,

essa forma de trabalho não pode ser submetida à

mesma racionalidade que governa a produção in-

dustrial. Conseqüentemente, parcela significativa

da força de trabalho não é mais uma simples mer-

cadoria, cujo valor possa ser determinado como o

das demais mercadorias.”

No quadro a seguir são apresentados, de forma

sintética, alguns teóricos e os seus respectivos posi-

cionamentos acerca da discussão sobre modificações

do trabalho no atual estágio de desenvolvimento do

sistema capitalista de produção.

Discussão sobre a polêmica em torno da sociedade do trabalho

André Gorz Considerado como um pensador da ecologia política e do anticapitalismo, na década de 1980, publicou Adeus ao proletariado, que teve um grande impacto em toda a Europa e, na França, lhe rendeu o repúdio da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT). Difundiu a idéia de que o proletariado acabou e com ele as respectivas forças do movimento do trabalho.

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AULA 8 — A Polêmica em Torno da Crise da Sociedade do Trabalho

61

Claus Offe Tratou da retração do trabalho e não do seu fim propriamente dito. Reconhece a alterna-tiva do trabalho cooperativo como forma democrática e socialista de trabalho. Para ele há uma nova ordem social decorrente falência do Estado de bem-estar social, principal provedor dos serviços sociais aos cidadãos.

Jürgen Habermas O desenvolvimento do ser humano não está somente no mundo do trabalho, mas, tam-bém, no “mundo da vida”, na ação por meio da comunicação. Acredita que a transfor-mação da ciência na principal força produtiva, em substituição ao valor trabalho, é uma das causas da precarização nas relações de trabalho.

Dominique Meda Desenvolve a idéia do trabalho como um valor em extinção e, conseqüentemente, contes-ta a idéia da centralidade do trabalho no sistema capitalista.

Jeremy Rifkin A crescente redução do emprego aponta para o fim do trabalho. Em 1996 publicou o best-seller O fim dos empregos, no qual debate a questão do desemprego estrutural, ou seja, aquele que, independentemente da conjuntura econômica e da performance do nível de atividades, decorre da substituição da mão-de-obra pela tecnologia e do enxugamento dos recursos humanos como fator de competitividade. Os instrumentos utilizados são robôs, mecatrônica, parafernálias cibernéticas e tecnologia da informa-ção, o que faz com que o desemprego estrutural aumente o número de pessoas em busca de trabalho.

Robert Kurz Os trabalhadores integram o mundo da mercadoria e por essa razão estariam impossibili-tados de realizar grandes transformações no “sistema produtor de mercadorias”.

Robert Castel Entende a centralidade do trabalho a partir da defesa contratualista da sociedade sala-rial. As “formas particulares de emprego” disseminam a terceirização, a contratação temporária, o estágio remunerado, o trabalho parcial ou eventual por tempo determi-nado, a contratação por meio de cooperativas, o trabalho domiciliar, a subcontratação, entre outras, que possibilitam a redução de despesas com encargos sociais. Tais formas de “emprego” assemelham-se a antigos sistemas de contratação, que acabavam diluin-do o status do trabalhador diante das pressões do trabalho.

Ricardo Antunes O trabalho ocupa a centralização, não está mais em desaparecimento. A ciência não pode abdicar do trabalho, há interação entre ciência e trabalho. A sociedade continua fun-dada no trabalho.

na medida em que, para se reproduzir, o capital precisa do trabalho, “sujeito real da produção”, não é possível pensar num processo produtivo capitalista totalmente auto-matizado e sem trabalhadores. Contesta a visão eurocêntrica sobre a centralidade do trabalho.

novas formas de conter o capital A luta social associada com a luta ecológica. Greenpeace e Anistia Internacional. Movimentos contra organismos internacionais como o G8 e o OMC.

Movimentos sociais de O exercício do direito de greve pelos trabalhadores. contestação do capital Chiapas, no México; Movimento Campesino, na Itália; MST, no Brasil; Canudos e Contestado.

Para que se compreendam as razões dessa discus-

são são necessárias algumas referências do contex-

to da economia mundial, nas últimas décadas, que

criou novas dinâmicas para aumentar seus ganhos,

com impacto tanto no comércio internacional de

mercado quanto nas formas de contratação de tra-

balho, em face do desemprego estrutural que se fir-

mou no sistema capitalista.

Ao tratar das décadas de crise no mundo con-

temporâneo, Hobsbawn (1999, p. 393-394) afirma

que: “A história dos vinte anos após 1973 é a de um

mundo que perdeu suas referências e resvalou para

a instabilidade e a crise. E, no entanto, até a década

de 1980 não estava claro como as fundações da Era

de Ouro haviam desmoronado irrecuperavelmen-

te. A natureza global da crise não foi reconhecida

e muito menos admitida nas regiões não-comunis-

tas desenvolvidas, até depois que uma das partes do

mundo – a URSS e a Europa Oriental do ‘socialismo

real’ – desabou inteiramente. Mesmo assim, durante

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

62

muitos anos os problemas econômicos ainda eram

‘recessões’. O tabu de meio século sobre o uso do

termo depressão, lembrança da Era da Catástrofe,

não foi inteiramente rompido. (...) Só no início da

década de 1990 encontramos o reconhecimento

– como, por exemplo, na Finlândia – de que os pro-

blemas econômicos do presente eram de fato piores

que os da década de 1930.

(...) As Décadas de Crise após 1973 não foram

mais uma Grande Depressão, no sentido dos anos

1930, do que as décadas após 1873, embora também

elas recebessem esse nome na época. A economia

global não desabou, mesmo momentaneamente,

embora a Era de Ouro acabasse em 1973-5 como

alguma coisa bem semelhante a uma depressão cí-

clica bastante clássica, que reduziu a produção in-

dustrial nas ‘economias de mercado desenvolvidas’

em 10% em um ano, e o comércio internacional em

13% (ARMSTRONG, GLYN, & HARRISIN, 1991,

p. 225).

(...) A tendência geral da industrialização foi

substituir a capacidade humana pela capacidade das

máquinas, o trabalho humano por forças mecânicas,

jogando com isso pessoas para fora dos empregos.

Supunha-se, corretamente, que o vasto crescimen-

to da economia tornado possível por essa constante

revolução industrial criaria automaticamente mais

do que suficientes novos empregos em substituição

aos velhos perdidos, embora as opiniões divergis-

sem sobre o tamanho do corpo de desempregados

necessário para a operação eficiente de uma tal eco-

nomia. (...) O crescente desemprego dessas décadas

não foi simplesmente cíclico, mas estrutural.

O desempenho e a produtividade da maquina-

ria, segundo Hobsbawn (1999, p.404), podiam ser

elevados constantemente, e para fins práticos in-

terminavelmente, pelo progresso tecnológico, e seu

custo, dramaticamente reduzido. O mesmo não se

dava com o desempenho dos seres humanos, como

demonstra uma comparação das melhoras na velo-

cidade do transporte aéreo com o recorde dos 100

metros. De qualquer modo, o custo do trabalho hu-

mano não pode, por nenhum período de tempo, ser

reduzido abaixo do custo necessário para manter

os seres humanos vivos num nível mínimo aceitá-

vel como tal em sua sociedade ou, na verdade, em

qualquer nível. Os seres humanos não foram efi-

cientemente projetados para um sistema capitalista

de produção. Quanto mais alta a tecnologia, mais

caro o componente humano de produção compara-

do com o mecânico.

Nesse aspecto, Antunes entende que máquinas

inteligentes operando sozinhas (e consumindo) só

existem no terreno da ficção científica. O fracasso

do projeto Saturno, da General Motors, é um exem-

plo da impossibilidade de “automatizar o processo

produtivo desconsiderando o trabalho. Não só as

máquinas inteligentes não podem substituir os tra-

balhadores, mas, pelo contrário, elas exigem uma

força de trabalho ainda mais complexa, multifun-

cional, que deve ser explorada de maneira mais in-

tensa e sofisticada, ao menos nos ramos produtivos

dotados de maior incremento tecnológico”.

Ou seja, a transformação do trabalho vivo em tra-

balho morto, possível a partir do momento em que

há uma transferência das capacidades intelectuais

dos trabalhadores para os computadores, a redução

do trabalho improdutivo nas fábricas (eliminação

de várias funções intermediárias que foram incor-

poradas pelo trabalho produtivo) e a ampliação

das formas de trabalho intelectual não indicam de

modo algum que a teoria do valor-trabalho tenha se

tornado obsoleta.

Portanto, em vez da substituição do trabalho pela

ciência, ou ainda da substituição da produção de va-

lores pela esfera comunicacional, da substituição da

produção pela informação, o que vem ocorrendo no

mundo contemporâneo é uma maior inter-relação,

maior interpenetração, entre as atividades produti-

vas e as improdutivas, entre as atividades fabris e de

serviços, entre as atividades laborativas e as ativida-

des de concepção, que se expandem no contexto da

reestruturação produtiva do capital, possibilitando

a emergência de processos produtivos pós-tayloris-

tas e pós-fordistas.

Conforme esclarece Lessa (2005), “é a forma tipi-

camente capitalista de ‘cooperação’ na ‘manipulação

do objeto de trabalho’ que particulariza o trabalha-

AULA 8 — A Polêmica em Torno da Crise da Sociedade do Trabalho

63

dor coletivo frente aos outros trabalhadores pro-

dutivos. Como o ‘objeto de trabalho’ é a natureza

ou a natureza convertida em matéria-prima (Marx,

1983a:150), em Marx o trabalhador coletivo se dis-

tingue por se relacionar ‘mais de perto ou mais de

longe’ com o intercâmbio orgânico com a nature-

za. Como, no mesmo parágrafo, Marx já nos havia

adiantado que o trabalhador coletivo é um modo

de controle do trabalho pelo capital em que o tra-

balho intelectual e o manual são ‘opostos’ como

‘inimigos’, a expressão mais perto ou mais distante

tem em Marx limites explícitos: do trabalhador co-

letivo não fazem parte os trabalhadores intelectuais.

Apenas aqueles produtores da mais-valia que se re-

lacionam com a manipulação do objeto do trabalho

compõem o trabalhador coletivo.

Além disso, poucas linhas depois, Marx se refere

ao professor de uma escola privada que, em sendo

um trabalhador produtivo, pois gera mais-valia para

seu patrão, não é de modo algum um trabalhador

coletivo. (MARX, 1983b:106??).

Há, portanto, não apenas no interior do traba-

lhador coletivo, mas também fora dele, produção

de mais-valia. Repetimos: nem todo trabalhador

produtivo é partícipe do trabalhador coletivo, ainda

que todo trabalhador coletivo necessariamente seja

um trabalhador produtivo de mais-valia.”

Dentre os estudiosos que pertencem à corren-

te de pensamento que entende estar o trabalho na

centralidade do sistema capitalista, temos Antunes,

que cunhou a expressão classe-que-vive-do-trabalho

com o objetivo de “conferir validade contemporâ-

nea ao conceito marxiano de classe trabalhadora.

Quando tantas formulações vêm afirmando a per-

da da validade analítica da noção de classe, nossa

designação pretende enfatizar o sentido atual da

classe trabalhadora, sua forma de ser”, ou seja, An-

tunes (p. 101 e 102) esclarece que a classe-que-vive-

do-trabalho, que é a classe trabalhadora, refere-se

ao ser social que trabalha “e hoje inclui a totalidade

daqueles que vendem sua força de trabalho, tendo

como núcleo central os trabalhadores produtivos

(no sentido dado por Marx, especialmente no Capí-

tulo VI, Inédito). Ela não se restringe, portanto, ao

trabalho manual direto, mas incorpora a totalidade

do trabalho social, a totalidade do trabalho coleti-

vo assalariado. Sendo o trabalho produtivo aquele

que produz diretamente mais-valia e participa di-

retamente do processo de valorização do capital, ele

detém, por isso, um papel de centralidade no inte-

rior da classe trabalhadora, encontrando no prole-

tariado industrial o seu núcleo principal. Portanto,

o trabalho produtivo, onde se encontra o proleta-

riado, no entendimento que fazemos de Marx, não

se restringe ao trabalho manual direto (ainda que

nele encontre seu núcleo central), incorporando

também formas de trabalho que são produtivas, que

produzem mais-valia, mas que não são diretamente

manuais (idem)”.

Dessa forma, Antunes esclarece que a classe tra-

balhadora hoje é entendida a partir de uma visão

ampliada que deve incorporar a totalidade dos tra-

balhadores assalariados, tanto o proletariado indus-

trial como o conjunto dos assalariados que vendem

a sua força de trabalho em troca de salário, os as-

salariados do setor de serviços, também o proleta-

riado rural. Essa noção incorpora o proletariado

precarizado, o subproletáriado moderno, part time,

o novo proletariado dos McDonalds, os trabalhado-

res assalariados da chamada “economia informal”,

que muitas vezes são indiretamente subordinados

ao capital, além dos trabalhadores desempregados,

expulsos do processo produtivo e do mercado de

trabalho pela reestruturação do capital e que hiper-

trofiam o exército industrial de reserva, na fase de

expansão do desemprego estrutural.

Enquanto teórico marxista, Lessa (2005) obser-

va que conceitos construídos em O Capital, que foi

um texto aprovado e publicado pelo próprio Marx,

não poderiam ser distorcidos em ocasiões nas quais

se faz uma comparação com o texto de os Manus-

critos, que não foi publicado em vida e, portanto,

deveria sempre ser cotejado como o conteúdo de O

Capital.

Nesse sentido, ressalta que há construções teóri-

cas que não podem deixar de ser observadas, por-

que “nem as transformações em curso nos anos de

1960, nem o fenômeno da reestruturação produtiva

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

64

nas últimas décadas alteraram a essência do sistema

do capital. Tal como postulou Marx, o proletariado

continua sendo a única classe que produz o “conte-

údo material da riqueza” mediante a transformação

da natureza nos bens imprescindíveis à reprodução

social. Todos os outros assalariados, assim como to-

dos os setores da burguesia (dirigentes ou não da

produção), vivem da riqueza produzida pelo prole-

tariado. E o fato de, sob o capitalismo, haver a pos-

sibilidade de a burguesia extrair mais-valia de ativi-

dades outras que não o intercâmbio orgânico com

a natureza é apenas uma das conseqüências daquela

simultânea “ampliação” e “estreitamento” do que é

produtivo sob a regência do capital: muitas ativida-

des (aqui, a ampliação do conceito de produtivo)

produzem apenas e tão-somente mais-valia (aqui,

seu estreitamento).

Portanto, a tese da manutenção da centralidade

do trabalho, defendida por Antunes, reconhece que

nos países de industrialização avançada está ocor-

rendo uma desproletarização do trabalho industrial

e havendo a concretização da sua subproletariza-

ção, quando se observa a precarização do trabalho,

mediante formas de contratação para trabalhos

parciais, terceirização, subcontratação vinculada a

setores informais e de serviços. Ressalte-se que nes-

se novo desenho do mercado de trabalho estão pre-

sentes novas formas de reordenamento do trabalho

que conduzem à exploração do trabalho, tais como

a intensificação do ritmo e do tempo de execução de

tarefas e, por conseqüência, a redução da sua jorna-

da de trabalho e do número de trabalhadores neces-

sários à sua realização.

Conforme esclarece Teixeira, “até mesmo onde a

resistência da classe trabalhadora tem sido mais efe-

tiva, o desemprego se constitui uma arma poderosa

para o capital. Ameaçados de perder o emprego, os

trabalhadores preferem aceitar os termos impostos

pelo capital do que correr o risco de engrossar as

fileiras do exército de reserva. Nessas condições, a

negociação é sempre favorável ao capital, coisa, ali-

ás, que Adam Smith, em 1776, já sabia muito bem.

Segundo ele, na determinação dos salários, os tra-

balhadores sempre estão em situação desfavorá-

vel, pois, embora o trabalhador e o capitalista de-

pendam um do outro, essa dependência não é tão

imediata. O capitalista pode suportar um período

de crise econômica por muito mais tempo do que

o trabalhador, que precisa vender diariamente sua

força de trabalho para poder sobreviver, o que não

acontece com o capitalista, que pode contar com

seu patrimônio pessoal.

* AnOTAÇõES

AULA 9 — Trabalho e Sociedade em Rede

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9____________________TRABALHO E SOCIEDADE EM REDE

Conteúdo• A sociedade em rede e a sociedade informacional

• A internet e as redes de comunicação de massa

Competências e habilidades• Estudar as mudanças nos processos de trabalho na atualidade

• Compreender como funciona a sociedade em rede e o que esse novo sistema acarretou na nova or-dem econômica

• Analisar a importância para o serviço social da atual configuração da sociedade

Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizadas no portal.

• Sites relacionados: www.cultura.gov.br/site/2008/04/06/sociedade-em-rede-a-era-das-trocas-par-a-par/www.vivaolinux.com.br/artigo/A-sociedade-em-rede

• Filme: A Corporação (The Corporation).

• Direção: Jennifer Abbott e Mark Achbar.

Documentário em que a dupla de cineastas entrevista executivos de grandes corporações america-nas. A idéia é mostrar o funcionamento desses modelos de organização a partir de depoimentos de funcionários da Shell e da IBM. Também há entrevistas com lobistas, gurus, jogadores e celebridades como Michael Moore, o polêmico diretor de Tiros em Columbine e Fahrenheit 11 de Setembro. Saiba mais sobre o caso da IBM e os nazistas. Os ataques às práticas éticas e sociais das grandes empresas que compõem o documentário A Corporação não serão novidade para a maioria dos liberais bem informados. Os temas variam desde fábricas de fundo de quintal no Terceiro Mundo até a destruição do meio ambiente, passando pela patenteação do DNA.

Duração• 2h/a – via satélite com o professor interativo

• 2h/a – presenciais com o professor local

• 6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo

INTRODUÇÃO

Esta é a nossa última aula e para que termine-

mos de forma a fechar com “chave de ouro” nosso

módulo trataremos de um debate moderno que é a

questão do novo modelo de sociedade que está se

formando: a sociedade em rede.

Para discutir esse tema, considerado um dos mais

atuais na área do trabalho, utilizaremos a obra de

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

66

Manuel Castells, intitulada A Sociedade em Rede, por

se tratar de livro considerado fundamental quando

se discute o trabalho na atualidade.

O autor estuda um novo tipo de estrutura social,

oriunda do novo processo de globalização, e que

está associada a um novo modo de desenvolvimen-

to, a que chama de informacionalismo, que teve iní-

cio no final do século XX.

O que caracteriza as mudanças? Castells respon-

de que o surgimento da sociedade em rede torna-se

possível com o desenvolvimento das novas tecnolo-

gias da informação que, no processo, “agruparam-se

em torno de redes de empresas, organizações e ins-

tituições para formar um novo paradigma sociotéc-

nico” cujos aspectos centrais representam a base

material da sociedade da informação. A mudança

de produtos para serviços, surgimento de profissões

administrativas e especializadas, fim do emprego

rural e industrial e crescente conteúdo de informa-

ção no trabalho são as inovações experienciadas na

atualidade.

O conceito de rede parte de uma definição bas-

tante simples: “Rede é um conjunto de nós interco-

nectados, mas que, por sua maleabilidade e flexibi-

lidade, oferece uma ferramenta de grande utilidade

para dar conta da complexidade da configuração

das sociedades contemporâneas sob o paradigma

informacional.” Assim, diz Castells, definindo ao

mesmo tempo o conceito e as estruturas sociais em-

píricas que podem ser analisadas por ele, “redes são

estruturas abertas capazes de se expandir de forma

ilimitada, integrando novos nós desde que consi-

gam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde

que compartilhem os mesmos códigos de comuni-

cação (por exemplo, valores ou objetivos de desem-

penho). Uma estrutura social com base em redes é

um sistema aberto altamente dinâmico susceptível

de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio” (CAS-

TELLS, 2006).

Assim, a definição dá ao autor uma ferramen-

ta poderosa para suas análises e observações e lhe

permite apresentar alguma conclusões provisórias

sobre os processos e funções dominantes na Era da

Informação, indicando que “a nova economia está

organizada em torno de redes globais de capital,

gerenciamento e informação” e que “os processos

de transformação social sintetizados no tipo ide-

al de sociedade em rede ultrapassam a esfera das

relações sociais e técnicas de produção: afetam a

cultura e o poder de forma profunda” (CASTELLS,

2006).

Posto isso, conclui-se que o conhecimento e a

informação passaram a ser as fontes principais de

produtividade e crescimento.

O conceito de sociedade em rede, ou network so-

ciety, é um conceito cunhado por Manuel Castells,

o qual sintetiza a morfologia dessa nova sociedade

que estamos vivendo, em que tudo é sistêmico e in-

terconectado. Dentre as transformações sociais que

afetam essa sociedade, destacam-se o uso da inter-

net e das tecnologias da informação como fatores

importantes, que proporcionam uma maior facili-

dade de acesso e troca de informações entre os di-

versos sujeitos individuais ou coletivos, favorecendo

o desenvolvimento de fenômenos complexos, como

a globalização, por exemplo.

Do ponto de vista social, as desigualdades sociais

se tornaram mais visíveis, bem como mais percep-

tível o fato de que o desenvolvimento dos países e

o aumento da riqueza das nações não implicaram

a melhoria da qualidade de vida da população ou

a justa distribuição de renda, conforme bem obser-

vou Castells (2006): “Apesar de um aumento eco-

nômico, os salários e a qualidade de vida baixaram;

houve uma concentração de renda.”

Mesmo o sujeito que não tem acesso à rede mun-

dial de computadores está sendo influenciado pela

sociedade em rede na medida em que tem conhe-

cimento das notícias veiculadas nos demais meios

de comunicação e percebe a necessidade de se inte-

grar a essa nova realidade virtual. As mulheres, por

sua vez, passaram a adquirir maior igualdade de

direitos em relação aos homens; a sociedade que

até pouco tempo era patriarcal ganha um novo

contorno diante do movimento feminista, do in-

gresso da mulher no mercado de trabalho e na po-

lítica. Um exemplo disso é quando se verifica que

“nas sociedades desenvolvidas a maternidade está

AULA 9 — Trabalho e Sociedade em Rede

67

sendo planejada e protelada, devido às mulheres

que combinam educação, trabalho, vida pessoal e

filhos” (CASTELLS, 2006).

Na sociedade em rede, pode-se dizer que há uma

redefinição dos papéis sociais de homens, mulhe-

res e famílias. Em face desta nova “confusão” de

valores, há novos agrupamentos em identidades

primárias: religiosa, étnica, territorial, nacional e

questões de identidade. O problema, para Castells,

é o rompimento e a falta de comunicação (CAS-

TELLS, 2006).

Para Castells (2006), a emergência da internet

como um novo meio de comunicação esteve asso-

ciada a afirmações conflitantes sobre a ascensão de

novos padrões de interação social. Observa também

que as redes são montadas pelas escolhas e estraté-

gias de atores sociais, sejam indivíduos, famílias ou

grupos sociais. De fato, o acesso à rede mundial de

computadores pode contribuir para proporcionar

uma maior comunicação e troca de informações

entre os diferentes povos, como, por exemplo, a par-

tir da criação de comunidades virtuais de interes-

se comum ou afinidades de grupo, trazendo como

conseqüência ainda um fenômeno de desvincula-

ção entre localidade, temporalidade e sociabilidade.

Segundo Castells (2006), o amadurecimento da

revolução das tecnologias da informação na década

de 1990 transformou o processo de trabalho, com

novas formas de divisão social do trabalho por meio

dos computadores em rede. Além disso, a concor-

rência global promoveu uma corrida tecnológica e

administrativa entre as empresas em todo o mun-

do, as organizações evoluíram e adotaram novas

formas, quase sempre baseadas em flexibilidade e

atuação em redes. A nova tecnologia da informa-

ção está redefinindo os processos de trabalho e os

trabalhadores, sendo eliminados muitos empregos

pela automação da indústria e de serviços, traba-

lhos não-especializados o suficiente para escapar da

automação mas caros para valer o investimento em

tecnologia para substituí-los. As qualificações edu-

cacionais cada vez maiores, gerais ou especializadas,

exigidas nos cargos requalificados da estrutura ocu-

pacional segregam ainda mais a força de trabalho

com base na educação que, por si só, é um sistema

altamente segregado. A mão-de-obra desvalorizada

está concentrada em atividades de baixa qualifica-

ção e malpagas, bem como no trabalho temporário

e serviços diversos.

Continuando, Castells (2006) afirma que a difu-

são de tecnologia da informação em fábricas, escri-

tórios e serviços reacendeu um temor centenário

dos trabalhadores de serem substituídos por má-

quinas e de se ficarem de fora da lógica produtivista

que ainda domina nossa organização social. Mas se

empregos estão sendo extintos, novos estão sendo

criados. Contuda a relação quantitativa entre as

perdas e os ganhos varia entre empresas, indústrias,

setores, regiões e países, em função da competiti-

vidade, estratégias empresariais, políticas governa-

mentais, ambientes institucionais e posição relativa

na economia global. A evolução do nível de emprego

dependerá de decisões determinadas pela sociedade

sobre os seguintes temas: utilização de tecnologias,

política de imigração, evolução da família, distri-

buição institucional do tempo de serviço no ciclo

vital e novo sistema de relações industriais.

A tecnologia da informação, reforça Castells, não

causa desemprego, mesmo que reduza o tempo de

trabalho por unidade de produção, mas os tipos de

emprego mudam em quantidade, qualidade e na

natureza do trabalho executado, requerendo uma

nova força de trabalho e indivíduos capazes de ad-

quirir conhecimentos informacionais, sob pena de

exclusão do trabalho ou rebaixamento. A flexibi-

lidade dos processos e dos mercados de trabalho,

induzida pela empresa em rede e propiciada pelas

tecnologias da informação, afeta as relações sociais

de produção oriundas do industrialismo, introdu-

zindo um novo modelo de trabalho flexível e o tra-

balhador de jornada flexível.

A tecnologia em si então não elimina empregos,

mas transforma profundamente a natureza do tra-

balho e a organização da produção. A individuali-

zação do trabalho no processo do trabalho é uma

reestruturação introduzida pela tecnologia, con-

trariando a tendência histórica de assalariação do

trabalho e socialização da produção. Com a nova

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

68

organização temos a administração descentraliza-

dora, trabalho individualizante, o que possibilita a

descentralização e coordenação de tarefas em uma

rede interativa de comunicação em tempo real, seja

entre continentes ou entre andares de um mesmo

edifício. O surgimento dos métodos de produção

enxuta, afirma Castells (2006), segue com as práti-

cas empresariais reinantes de subcontratação, ter-

ceirização, estabelecimento de negócio no exterior,

consultoria, redução do quadro funcional e produ-

ção sob encomenda.

ESQUEMAS DE TRABALHOJornada de trabalho: Trabalho flexível significa traba-

lho que não está restrito ao modelo tradicional de 35-

40 horas por semana em expediente integral.

Estabilidade no emprego: O trabalho flexível é regido

por tarefas e não inclui compromisso com permanên-

cia futura no emprego.

Localização: Embora a maioria ainda trabalhe regu-

larmente no local de trabalho da empresa, um número

cada vez maior de trabalhadores trabalha fora do local

de trabalho durante parte do tempo ou durante todo o

tempo, em casa, em trânsito ou nas instalações de ou-

tra empresa com a qual sua empresa seja contratada.

Extraído da obra Sociedade em Rede, de Castells, M

(2006).

O contrato tradicional entre patrão e emprega-

do baseia-se/baseava-se em compromisso do patrão

com os direitos bem definidos dos trabalhadores, ní-

veis padronizados de salários, opções de treinamento,

benefícios sociais e um plano de carreira previsível,

ao passo que do lado do patrão espera-se/esperava-se

que o empregado fosse leal à empresa, perseverasse

no emprego e tivesse boa disposição para fazer horas

extras se fosse necessário, mas esse modelo está em

declínio, sendo substituído pela flexibilidade.

A transformação da administração e do trabalho

melhora o nível da estrutura ocupacional e aumen-

ta o número de empregos de baixa qualificação, ge-

rando uma deterioração das condições de trabalho

e de vida para uma quantidade significativa de tra-

balhadores.

O resultado das relações capital-trabalho na so-

ciedade informacional, da empresa em rede, mui-

to embora tenha propiciado maior produtividade,

maior nível de emprego e melhor qualidade de vida

também acarretou prejuízos e crises mundiais que

foram prejudiciais para a economia mundial.

Os sindicatos foram enfraquecidos porque não

foram capazes de representar os novos trabalha-

dores (mulheres, jovens e imigrantes), de atuar em

novos locais de trabalho como escritórios do setor

privado, indústrias de alta tecnologia e de funcionar

nas novas formas de organização dentro das empre-

sas em rede.

Na opinião de Castells (2006): “O que possibilitou

essa redefinição histórica das relações capital-traba-

lho foi o uso das poderosas tecnologias da informa-

ção e das formas organizacionais facilitadas pelo

novo meio tecnológico de comunicação. A capaci-

dade de reunir mão-de-obra para projetos e tarefas

específicas em qualquer lugar, a qualquer momen-

to, e de dispersá-la com a mesma facilidade criou a

possibilidade de formação da empresa virtual como

entidade funcional... O aumento extraordinário de

flexibilidade e adaptabilidade possibilitadas pelas

novas tecnologias contrapôs a rigidez do trabalho à

mobilidade do capital.”

Houve uma divisão mundial entre vencedores

e perdedores do processo de negociação desigual

e individualizada. Com a aceleração do ritmo das

inovações tecnológicas, as qualificações especiali-

zadas não eram suficientes e a associação e fusão

de empresas foi aumentando devido ao aumento

da concorrência global. Mas dentro desse quadro o

trabalho nunca foi tão central para o processo de

geração de valor, ao mesmo tempo que os trabalha-

dores nunca foram tão vulneráveis à empresa, uma

vez que se tornaram indivíduos de baixo custo, con-

tratados em uma rede flexível mundial.

O que se observa é que a sociedade está se estrati-

ficando de forma a ter uma camada superior e outra

inferior crescendo, enquanto que a camada do meio

diminui.

O capital é global no processo de acumulação da

economia em rede eletrônica. As empresas se orga-

AULA 9 — Trabalho e Sociedade em Rede

69

nizam cada vez mais em redes e os capitalistas não

são mais aqueles proprietários dos meios de pro-

dução, eles agora não são facilmente identificáveis

porque são de diversas origens, desde administra-

dores até banqueiros, passando pelos especuladores

novos-ricos, empreendedores etc.

Na realidade temos o que Castells (2006) chama

de entidade capitalista coletiva sem rosto, formada de

fluxos financeiros operados por redes eletrônicas.

INTERNET E COMUNICAÇÃO DE MASSA

Até há alguns anos, os teóricos da comunicação

definiam como mídia de massa apenas a imprensa,

o cinema, o rádio e a televisão. No início da década

de 90, os sistemas eletrônicos interativos baseados

em computação e telefonia eram definidos como

mídias emergentes, mas, atualmente, a internet já é

tratada como uma nova mídia de massa. A rede de

computadores que a forma saiu das redes de pes-

quisas de universidades e outras instituições para

se tornar um sistema de comunicação que abrange

expressivas parcelas da população em grande parte

do mundo, o que a transformou em parte da cultura

de massa (CASTELLS, 2006).

A internet não se encaixa no paradigma tradi-

cional das teorias da comunicação, que pressupõe

passividade e fragilidade dos receptores da comuni-

cação, levando a novas possibilidades na relação do

sujeito com essa mídia, em particular na maneira

pela qual a internet se torna um meio para compor-

tamentos que contribuem para formar identidades.

Assistimos a uma sempre crescente revolução das

tecnologias digitais, que abrange a convergência dos

meios de telecomunicação com sistemas de computa-

ção. A internet constitui-se no meio mais amplamen-

te conhecido dessa convergência digital, com profun-

do impacto em novas formas de relacionamentos

pessoais e sociais, novas possibilidades de pesquisa e

aprendizagem, novos tipos de organizações e formas

de trabalho. Além disso, a rede mundial de computa-

dores (internet) também se constitui num novo ins-

trumento para a globalização econômica e cultural,

com conseqüências positivas e negativas em diver-

sas áreas. Para Castells (2006), a sociedade em rede

é o resultado desse conjunto de transformações que

abrange, direta ou indiretamente, as camadas sociais

em todas as regiões do mundo.

A globalização também leva a fusões e reestrutu-

rações de empresas, mudanças de capital e de uni-

dades de produção para outros países onde a mão-

de-obra é mais barata, em geral mantendo o contro-

le administrativo, a distribuição e o marketing nos

seus países de origem. Tal situação impulsiona mu-

danças no modelo organizacional que somente se

tornam possíveis por meio de tecnologias de comu-

nicação e softwares integrados através da internet.

A conseqüência imediata dessas reestruturações é

tanto o aumento de produtividade e a expansão de

algumas economias periféricas como também de-

missões e aviltação do emprego, com redução de sa-

lários, terceirização, perdas de direitos trabalhistas e

previdenciários (CASTELLS, 2006).

O poder da mídia levanta questões como a di-

minuição do papel do Estado, o enfraquecimento

da sociedade civil e dos laços comunitários, com a

conseqüente necessidade de regulamentação do se-

tor por intermédio dos órgãos governamentais e/ou

da sociedade civil (MORAES, 2003). Também nessa

área, a internet possui pontos comuns e divergentes

das outras mídias sob vários aspectos. Tal como en-

tre as empresas de mídia convencionais, existe uma

concentração dos principais serviços da internet nas

mãos de poucas empresas, no Brasil e no mundo. As

diferenças abrangem vários aspectos: a regulamen-

tação da internet depende muito de entidades inter-

nacionais, mas essa regulamentação torna-se mais

limitada devido às características tecnológicas desse

meio, de difícil controle, como atestam o tráfego de

vírus, as invasões de sistemas pelos hackers e a pu-

blicação de pornografia infantil e de mensagens de

organizações criminosas pela rede. Nas mídias con-

vencionais, a regulamentação é dirigida às empresas

detentoras dos meios, mas a comunicação na inter-

net pode acontecer diretamente entre os usuários.

Por outro lado, esse aspecto possibilita a organiza-

ção de movimentos sociais, como ativismo ecoló-

gico, movimentos antiglobalização e de valorização

de minorias culturais e sociais (CASTELLS, 2006).

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

70

A circulação das informações na rede e o respec-

tivo impacto sobre o trabalho e empregabilidade,

sobre as organizações e a economia em geral fazem

com que a influência da internet abranja pratica-

mente toda a sociedade (CASTELLS, 2006). Além

disso, o acesso à internet também começa a se tor-

nar possível a partir de escolas públicas e de empre-

sas que estimulam funcionários de diferentes níveis

a usarem a internet como ferramenta de trabalho e

aprendizagem on-line.

“O QUE VIRÁ DEPOIS?”

GERAÇÕES LITERATURA MÚSICA FILME PESQUISA COMUNICAÇÃO COMUNICAÇÃO PESSOAL (RÁDIO)

–60 Livro Long-play Cinema Biblioteca Telefone Rádio

–80 Livro Cassete Videocassete Biblioteca DDD TV

–2000 Livro/blog CD DVD Google Celular PC/notebook

–2020 e-book? MP (x) You tube ? ? ?

Extraído do texto: A normose na Sociedade em Rede – Paradoxos diante do fluxo informacional, de Larissa Cristina Cruz Brum, Carlos Henrique Medeiros de Souza, Universidade Estadual do norte Fluminense Darcy Ribeiro/UEnF.

* AnOTAÇõES

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* AnOTAÇõES

Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social

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Referências

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede – A era

da informação: economia, sociedade e cultura. 9a.

ed., vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social.

2a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

MORAES, D. (org.). Por uma Outra Comunicação:

Mídia, Mundialização Cultural e Poder. Rio de

Janeiro: Record, 2003.

PRINA, Júlio Leopoldo Silva. O serviço social

como um serviço. Revista Virtual Textos &

Contextos. Nº 3, ano III, dez, 2004.

SILVEIRA, Marcelo Deiro Prates da. Efeitos da

globalização e da sociedade em rede via internet

na formação de identidades contemporâneas.

Psicol. cienc. prof. v. 24, no 4, Brasília, dez, 2004.