Servicos Publicos e Cont Da Adm Pública 2012-2

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Questões objetivas concurso

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  • GRADUAO2012.1

    SERVIOS PBLICOS E CONTROLE

    DA ADMINISTRAO PBLICA

    AUTOR: SRGIO GUERRA

  • Sumrio

    AULA 1: COMPREENDENDO A REGULAO ESTATAL DAS ATIVIDADES ECONMICAS.............................................................. 7

    AULAS 2 E 3: O DIREITO ADMINISTRATIVO NA ATUAL ORDEM ECONMICA CONSTITUCIONAL: O ESTADO REGULADOR, O PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAO, AS REFORMAS CONSTITUCIONAIS E AS PRIVATIZAES. .. 13

    AULA 4: AS COMPETNCIAS E FORMAS DE EXECUO DOS SERVIOS PBLICOS ................................................................ 27

    AULA 5: DELEGAO DOS SERVIOS PBLICOS: CONCESSO E PERMISSO DE SERVIOS PBLICOS. LICITAO E CONTRATO DE CONCESSO .................................................................................................................. 31

    AULAS 6 E 7: DIREITOS DOS USURIOS E OS PRINCPIOS QUE REGEM A CONCESSO DE SERVIOS PBLICOS. ........................... 41

    AULA 8: EXTINO DO CONTRATO DE CONCESSO DE SERVIO PBLICO .......................................................................... 59

    AULA 9: AS PARCERIAS PBLICO-PRIVADAS ............................................................................................................ 68

    AULA 10: O NOVO REGIME JURDICO DAS AUTORIZAES ............................................................................................ 74

    AULA 11: REGULAO DAS ATIVIDADES MONOPOLIZADAS PELO ESTADO ......................................................................... 83

    AULA 12: AGNCIAS REGULADORAS I. AGNCIAS REGULADORAS E SUA CONSTITUCIONALIDADE. CARACTERSTICAS. ................. 90

    AULAS 13 E 14: AGNCIAS REGULADORAS II E III: FUNES EXERCIDAS PELAS AGNCIAS REGULADORAS E SEU PODER NORMATIVO ........................................................................................ 99

    AULA 15: AGNCIAS REGULADORAS IV: FUNO EXECUTIVA (FISCALIZADORA, SANCIONADORA) E JUDICANTE (SOLUO DE CONTROVRSIAS). ....................................................................................................... 108

    AULA 16: AGNCIAS REGULADORAS IV: LEGITIMIDADE DEMOCRTICA. CONSULTAS E AUDINCIAS PBLICAS ....................... 114

    AULA 17: CONTROLE DO ATO ADMINISTRATIVO I: CONTROLE NO MBITO DO EXECUTIVO. ANULAO E REVOGAO DO ATO ADMINISTRATIVO. RECURSO HIERRQUICO E RECURSO HIERRQUICO IMPRPRIO.............. 120

    AULA 18: CONTROLE DO ATO ADMINISTRATIVO II: CONTROLE PELO PODER LEGISLATIVO, PELO TRIBUNAL DE CONTAS EXTENSO E LIMITES E PELO MINISTRIO PBLICO.................................................................................................. 125

    AULA 19: CONTROLE DO ATO ADMINISTRATIVO III: A REVISO DO ATO ADMINISTRATIVO PELO PODER JUDICIRIO ................. 130

    AULAS 20 E 21: RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAO PBLICA ..................................................................... 136

    AULA 22: PROCESSO ADMINISTRATIVO I: PRINCPIOS E FUNDAMENTOS ....................................................................... 141

    AULA 23: PROCESSO ADMINISTRATIVO II: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA E PRESCRIO ADMINISTRATIVA. ........................................................................... 146

    AULAS 24 E 25: REGIME JURDICO DOS AGENTES ESTATAIS: SERVIDOR PBLICO ............................................................. 162

    ANEXO I ........................................................................................................................................................ 171

    ANEXO II ....................................................................................................................................................... 187

    ANEXO III ...................................................................................................................................................... 195

    ANEXO IV ...................................................................................................................................................... 224

    Servios Pblicos e Controle da Administrao Pblica

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    1 GUERRA, Srgio. Discricionariedade e refl exividade: uma nova teoria sobre as escolhas administrativas. Belo Horizon-te: Frum, 2008.

    2 Sobre a releitura da supremacia do interesse pblico sobre o privado, des-tacamos, para aqueles que desejam uma introduo sobre o assunto, a obra de MEDAUAR, Odete. O direito admi-nistrativo em evoluo, p. 185 et seq., e, em maior profundidade, os diversos artigos que compem a coletiva intitu-lada: Interesses pblicos versus interes-ses privados: desconstruindo o princpio da supremacia do interesse pblico. Daniel Sarmento (Org.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005; o artigo de VILA, Humberto. Repensando o princpio da supremacia do interesse pblico sobre o particular. In: SARLET (Org.). O direito pblico em tempos de crise: estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 99-127; o artigo de OSRIO, Fbio Medina. Existe uma supremacia do interesse pblico sobre o privado no direito admnistrativo brasileiro? Revista de Direito Administrativo, v. 220, 2000, p. 69-107.

    3 CASSESE, . La globalizacin jurdica, p. 181.

    4 Nesse sentido, consulte-se a obra DUGUIT. Les transformations du droit public, (que reproduz a obra publicada em 1913 por Max Leclerc e H. Bourrelier pela Ed. Colin).

    5 Expresso utilizada por Srgio Bu-arque de Holanda para se referir aos movimentos aparentemente reforma-dores ocorridos no Brasil, conduzidos pelos grupos dominantes. Na obra clssica HOLANDA, Srgio. Razes do Brasil, p. 160.

    INTRODUO:

    O direito administrativo brasileiro foi muito infl uenciado pelo direito ad-ministrativo francs. Nesse sentido, o direito administrativo era considerado como sendo um mero conjunto de condies necessrias conformao da estrutura burocrtica do Governo s regras criadas pelo Poder Legislativo. Isto , pensava-se o direito administrativo como sendo a disciplina voltada apenas organizao da mquina administrativa do Estado, com caracte-rsticas de unidade, centralizao e uniformidade, em posio privilegiada em relao ao cidado e direcionada manuteno do funcionamento dos servios pblicos.1

    A inquestionvel superioridade do interesse pblico sobre o privado2 foi conjugada pela supremacia da administrao, o princpio da legalidade e a funo discricionria.3 Da adveio o regime administrativo diferenciado, compreendendo as prerrogativas da administrao pblica: poder de polcia e radical desigualdade, unilateral e singular, tais como espcies diferentes de propriedade, contratos e responsabilidade (diversas, portanto, do direito pri-vado), submetidas as causas desta matria, inclusive, a um tribunal prprio no caso francs.

    Um passo importante para a evoluo do direito administrativo ocorreu no incio do sculo passado, com Len Duguit, ao doutrinar acerca das trans-formaes do direito pblico.4 Nessa obra, destacando a passagem, no direito administrativo, da puissance public para o service public, Duguit advertia que, com o desaparecimento do sistema imperialista, a noo de servio pblico substituiu a de soberania e mudou a concepo de lei, do ato administrativo, da justia administrativa e de responsabilidade estatal.

    Na modernidade, a concepo de direito administrativo no Brasil, seguin-do os infl uxos do direito administrativo francs, estava totalmente conforme a uma atuao executiva estatal hierarquizada e suportada por decises de cima para baixo,5 luz da teoria clssica da separao de poderes. Esse fato era justifi cado pelo modelo de estado social, com forte interveno executiva estatal direta nas atividades econmicas.

    O direito administrativo est mudando (est em mutao).O atual direito administrativo que a sociedade atual necessita no se pode

    caracterizar com a mesma disciplina do sculo XIX e da primeira metade do sculo XX. Deve acompanhar as caractersticas e os riscos por que passa a sociedade contempornea globalizada, que, por isso, clama por uma releitura de categorias, frmulas e institutos desse ramo do direito pblico, cunhados h mais de um sculo.

    A globalizao forou com que a sociedade repensasse a funo, a estrutura e o custo dos Estados, especialmente luz dos princpios da subsidiariedade e

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    6 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direi-to Administrativo Regulatrio. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002, pp. 1, 2 e 16.

    7 BRASIL (Constituio de 1988). Art. 174. Como agente normativo e regula-dor da atividade econmica, o Estado exercer, na forma da lei, as funes de fi scalizao, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor pblico e indicativo para o setor privado.

    da efi cincia. [...] Essa transio balana alicerces de h muito solidifi cados no Direito Administrativo e que, por isso, precisam ser revistos para acompanhar a evoluo dos fatos nos planos econmico e social, proporcionando um neces-srio e seguro travejamento jurdico para as novas relaes que se produzem no campo em expanso do pblico no estatal. [...] A globalizao da economia tem ampliado as fronteiras comerciais entre os pases gerando blocos econmicos e acordos internacionais que colocam a Administrao Pblica, direta e indireta, cada vez mais em contato com outros pases, organismos internacionais espe-cialmente os de fomento e cidados que adquirem liberdade de circulao e de ofcio, com igualdade de tratamento, forando, com isso, o aparecimento de novo aspecto no estudo do Direito Administrativo.6

    A atividade administrativa, mais do que instrumento de defi nio auto-ritria do direito aplicvel vai, aos poucos, tornando-se um mecanismo de composio de interesses pblicos e privados, que se manifestam no pro-cedimento, e que os rgos de deciso devem regular de maneira a tomar a deciso mais adequada e que melhor salvaguarde os direitos subjetivos e os interesses em presena.

    Nesse diapaso, desponta uma questo de capital importncia estudada nas uals de direito administrativo concernente confi gurao da regulao estatal nas relaes contemporneas entre a Administrao Pblica descentralizada e o agente regulado que recebe a delegao dos servios pblicos. Essa forma de in-terveno estatal (regulao) que ser estudada nas aulas 2 e 3, deve atender ao interesse pblico, sem, contudo, deixar de sopesar os efeitos e impactos dessas decises no subsistema regulado com os interesses de segmentos especfi cos da sociedade e, at mesmo, com o interesse individual no caso concreto. De certa forma, esse aspecto uma novidade no estudo do Direito Administrativo.

    Nesse campo de questes, as atribuies estatais, no contemporneo Es-tado Regulador confi rmado, entre ns, com a promulgao da Carta de 19887 deve atentar para a justia material no caso real, impossvel de ser previsvel e positivado, na maioria das vezes, pelo poder legislativo. Isto , o Direito Administrativo se estruturou, no passado, no princpio da legalidade e, hoje, veremos que a legalidade no sufi ciente para desvendar todos os desafi os postos aos estudiosos do Direito Administrativo.

    Por exemplo: sabido que nas principais questes submetidas regulao estatal as normas tm linhas mestras da poltica econmica e social, fazendo com que tenha de haver uma liberdade ao administrador pblico na hora de executar os comandos gerais da norma, dependendo: (i) dos dados empricos decorrentes das tcnicas disponveis e testadas; (ii) da circunstncia ftica em que a norma est sendo aplicada, e; (iii) dos impactos prospectivos multilate-rais decorrentes do ato. Estaremos diante, portanto, de questes que transcen-dem a vinculao do administrador pblico ao princpio da legalidade.

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    Assim, faz parte do objetivo dessa disciplina chamar ao debate jurdico essa nova fase por que passa o estudo do Direito Administrativo, como, por exemplo, a forma de compatibilizao dos instrumentos de regulao de servios pblicos dentro das premissas decorrentes do Estado Democrtico de Direito, com os riscos que devem ser previstos ou minimizados pela Administrao Pblica regulatria.

    Vejam-se as privatizaes e delegaes de servios pblicos. H, nesse caso, um confronto direto entre, de um lado, a necessidade de se estabelecer e respeitar contratos de concesso, fi rmados por longos perodos, e, de outro, a regulao dos riscos a que se submete a sociedade e que afeta direitos e garantias fundamentais.

    Como o Direito Administrativo atual vem lidando com estes temas?Com efeito, na delegao de servios pblicos (v.g., com prazo de 50 ou

    60 anos) os editais e os contratos de concesso que conformam, juntamente com as normas, o marco regulatrio, nem sempre prevem solues para mi-nimizar os problemas que afetam os direitos do cidado.Alm de contratos fi rmados entre o poder concedente e o setor privado para a prestao de servi-os pblicos, por delegao do Estado, este intervm em atividades privadas sensveis (a exemplo da sade suplementar e da vigilncia sanitria), em um ambiente de permanente mutao das questes tcnicas, situaes imponde-rveis e das variaes socioeconmicas no pas.

    Ademais disso, o controle judicial dos atos administrativos discricionrios, na maioria das vezes, limita-se mera invalidao deste mesmo ato para que a administrao pblica edite outro que no esteja maculado de arbitrarie-dade, irrazoabilidade ou desproporcionalidade. No entanto, cada vez mais comum que, em determinadas situaes complexas, notadamente de grande apelo popular, essa invalidao do ato administrativo seja seguida de um co-mando judicial que o substitui no mrito.

    Por esse fato, o estudo da regulao jurdica, o seu controle e a responsabili-dade civil estatal como resultado fi nal da atuao estatal (incluindo-se os regimes dos servidores pblicos) se apresenta como de capital importncia para o aluno de direito, especialmente diante das novas tecnologias ou provenientes de im-pactos, naturais ou no, ocorridos no ambiente mercadolgico globalizado.

    CONTEDO DA DISCIPLINA:

    A disciplina Servios Pblicos e Controle da Administrao Pblica dis-cutir o Direito Administrativo sob a tica das funes desempenhadas pelo Estado no mbito da Ordem Econmica, com nfase na regulao estatal e na disciplina dos servios pblicos.

    Como decorrncia necessria compreenso dos limites da atuao da Administrao Pblica na Ordem Econmica, ser apresentado o rol de

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    controles a que se sujeitam os atos da Administrao Pblica. O programa abrange ainda a responsabilidade civil do Estado por atos e omisses da Administrao Pblica, bem como o estatuto jurdico do servidor pblico.

    METODOLOGIA:

    A metodologia do curso eminentemente participativa, requerendo in-tensa interao dos alunos nos debates em sala, utilizao da wiki-Direito e preparo prvio para as aulas, mediante a leitura das indicaes bibliogrfi cas obrigatrias e, sempre que possvel, das leituras complementares. Tambm sero produtivas as iniciativas dos alunos que trouxerem assuntos ligados aos temas tratados, e que estejam nas pautas dos principais veculos da imprensa.

    Em razo dessa natureza eminentemente dialtica, a presente apostila foi estruturada em 25 aulas para um total de 28 encontros, j antevendo que algumas matrias podero se prolongar por mais de uma aula.

    DESAFIOS/DIFICULDADES DO CURSO:

    O Curso exigir do aluno uma viso refl exiva do Direito Administrativo e capacidade de relacionar a teoria exposta na bibliografi a e na sala de aula com outras disciplinas, especialmente o Direito Constitucional. O desafi o construir uma viso contempornea e ps-moderna do Direito Administrativo, centrado na proteo da dignidade da pessoa humana e no respeito aos direitos dos cida-dos, buscando sempre cotejar o contedo da disciplina com a realidade do Pas.

    MTODO DE AVALIAO:

    A avaliao ser composta por duas provas de igual peso. A mdia fi nal ser a mdia aritmtica entre as duas notas obtidas pelo aluno, notas por conceito e eventuais atividades complementares que venham a ser oportunamente so-licitadas aos alunos. O Professor poder atribuir nota a atividades como, por exemplo, a participao do aluno dos debates feitos no mbito da wiki-direito, em sala de aula etc. Poder ser solicitado ao aluno a realizao de trabalho prtico, envolvendo o estudo de casos identifi cados em matrias jornalsticas.

    ATIVIDADES COMPLEMENTARES:

    Podero ser defi nidas atividades complementares, de acordo com a evolu-o das discusses sobre os temas.

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    8 CHEVALLIER, Jacques. O Estado ps-moderno. Traduo de Maral Justen Filho. Belo Horizonte: Editora Frum, 2009. p. 16.

    9 Post-modern condition. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1985.

    10 Eros Roberto Grau entende que esto inseridos nas atividades econmicas em sentido amplo (gnero) tanto os servios pblicos (espcie) quanto s atividades econmicas em sentido estrito (espcie). GRAU. A ordem eco-nmica..., p. 138 et seq. Em sentido contrrio, ao qual aderimos, se ma-nifesta Odete Medauar: A nosso ver, no parece adequado ao ordenamento brasileiro considerar o servio pblico como atividade econmica. De um lado, tem-se o art. 175, que, de modo claro atribui o servio pblico ao poder pblico, podendo ser realizado pelo setor privado mediante concesso ou permisso. V-se que a Constituio Fe-deral fi xou um vnculo de presena do poder pblico na atividade qualifi cada como servio pblico, presena esta que pode ser forte ou fraca, mas que no pode ser abolida. Esta presena se expressa na escolha do modo de reali-zao da atividade, na sua destinao ou atendimento de necessidades da coletividade. MEDAUAR. Segurana jurdica e confi ana legtima. In: VILA (Coord.). Fundamentos do estado de di-reito: estudos em homenagem ao pro-fessor Almiro do Couto e Silva, p. 125.

    AULA 1: COMPREENDENDO A REGULAO ESTATAL DAS ATIVI-DADES ECONMICAS

    OBJETIVO:

    O objetivo desta aula inaugural consiste em discutir alguns dos principais temas que comporo o curso Servios Pblicos e Controle da Administrao Pblica. A partir de um caso gerador, poder ser proposta aos alunos a parti-cipao em role play, estimulando-os a se posicionarem sobre a controvrsia, sendo que para isto a turma dever ser dividida em grupos, a exemplo de promotores de Justia, representantes da concessionria de servios pblicos e dos investidores, advogados de entidades de defesa do consumidor.

    INTRODUO:

    Em vista das mudanas por que passa a humanidade, em que a lei no consegue tudo prever, abrindo-se construo das normas os princpios, sustenta-se na doutrina que estamos vivendo o perodo de transformao ou superao da modernidade.

    Segundo Jacques Chevallier, as transformaes que os Estados conhe-cem atualmente no podem ser consideradas um fenmeno isolado: elas remetem a uma crise mais genrica das instituies e dos valores da moder-nidade nas sociedades ocidentais; e essa crise parece dever condizir a uma construo de um novo modelo de organizao social.8

    O termo ps-modernidade, popularizado por Jean-Franois Lyotard,9 indica novas concepes surgidas a partir da segunda grande guerra mundial, incrementadas nas dcadas de oitenta e noventa do sculo XX. Nesta fase, adote-se ou no essa terminologia, vive-se sob um modelo de Estado em que o jusnaturalismo liberal e a interveno social cedem lugar interferncia estatal nas atividades econmicas privadas (em sentido amplo e restrito)10 e setores sensveis sociedade sob confi gurao de escolha regulatria. Busca-se uma atuao efi ciente e com foco no bem estar social mediante ponderao nos confl itos distributivos, luz de princpios no apenas regras que trabalham com categorias econmicas.

    Um dos principais traos dessa fase por que passa a sociedade est no fato de que a atuao estatal em um determinado aspecto do conjunto social ten-de a produzir refl exos em outro segmento e afetar o direito individual.

    Nesse perodo, o problema bsico de qualquer Constituio poltica con-tempornea no pode mais ser captado em toda sua extenso por aquela frmula clssica em que se tinha um problema de delimitao do poder esta-

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    11 JUSTEN FILHO. Curso de direito ad-ministrativo. 2 ed. So Paulo: Saraiva, 2006, p. 18.

    12 Conforme advertncia de Sabino Cassese, a regulao existe quando a classe poltica se libera de uma parte de seus poderes a favor de entidades no eleitas pelo povo, que so capazes de bloquear as decises das eleitas. Para que essa condio ocorra, no basta a separao entre regulador e operador. preciso, tambm, a separao entre regulador e governo, cujo fi m evitar a politizao das decises. Ele permite distinguir toda forma de interveno ou controle desenvolvida sob a direo do governo da regulao em sentido estrito. La globalizacin jurdica. Trad. Luis Ortega, Isaac Martn Delgado e Isabel Gallego Crceles. Madrid: Marcial Pons, 2006, p. 151. Nas palavras de Egon Bockmann Moreira, o fenmeno da concentrao sem centralizao faz com que o poder estatal seja fragmen-tado numa rede de autoridades inde-pendentes, detentoras de competn-cias autnomas, com o poder central apenas estabelecendo a poltica geral de todos os setores e as metas a serem atingidas. MOREIRA, Egon Bockmann. Agncias reguladoras independentes, dfi cit democrtico e a elaborao processual de normas. In: Estudos de direito econmico. Belo Horizonte: Ed. Frum, 2004, p. 172.

    13 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Agn-cias reguladoras: a metamorfose do Estado e da democracia (uma refl exo de direito constitucional e comparado). In: Direito da regulao. Revista de Direito da Associao dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. IX. Alexandre Santos de Arago (org.) Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 90.

    tal em face do cidado individualmente considerado. Hoje se demanda um disciplinamento da atividade poltica e econmica, permitindo a satisfao do interesse coletivo que as anima, compatibilizando-o com interesses de na-tureza individual e pblica com base em um princpio de proporcionalidade.

    O Quadro abaixo apresenta a evoluo do Estado Moderno at a denomi-nada ps-modernidade:

    Com as premissas da ps-modernidade e que acabaram por impor fortes mudanas na conduo da Ordem Econmica em diversos pases, notada-mente na Europa durante a dcada de 80, o modelo de Estado Regulador foi confi rmado no Brasil com a promulgao da Constituio Federal de 1988.

    Nesse novo sistema dito neoliberal, o modelo liberal e o intervencionismo social cedem lugar interveno estatal na ordem econmica social, impon-do-se que novas necessidades sejam identifi cadas e expostas, especialmente para que o Estado neutralize os excessos e se valha de seu poder como instru-mento de controle da atuao privada.11

    Diante desse contexto, e sob o aspecto orgnico, a Administrao Pblica direta, considerando a premente necessidade de atrair investimentos so-bretudo estrangeiros decidiu abrir mo da funo de regular diretamente os subsistemas privatizados de telecomunicaes, energia eltrica, transportes etc., conferindo essa funo a entidades reguladoras independentes.12

    O modelo regulatrio decorre do fenmeno de mutao constitucio-nal13, desencadeado pelas alteraes estruturais por que passou a sociedade e que esse acontecimento teve como conseqncia, no plano das instituies polticas, o surgimento do imperativo de mudana nas formas de exerccio

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    14 Autoridades reguladoras independen-tes. Coimbra: Coimbra Editores, 2003, p. 10.

    15 Conrado Hbner Mendes aduz que: as empresas que saem do domnio es-tatal e passam a fazer parte do domnio privado no podem estar submetidas, exclusivamente, s livres decises de seus administradores, motivadas uni-camente pelas contingncias econmi-cas. Devem, sim, estar em consonncia com interesses que transcendem os meramente capitalistas. Por esse mo-tivo, ao retirar da mquina estatal tais empresas, nasce a necessidade de regu-l-las intensamente. MENDES, Conrado Hbner. Reforma do Estado e agncias reguladoras. In: Direito administrativo econmico. Carlos Ari Sundfeld (coord.). So Paulo: Malheiros, 2000, p. 108.

    16 CHEVALLIER. O Estado ps-moderno, p. 73.

    17 SOUTO, Marcos Juruena Villela. De-sestatizao: privatizao, concesses, terceirizaes e regulao. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 441.

    18 ARAGO, Alexandre Santos de. Agn-cias reguladoras e a evoluo do direito administrativo econmico. Rio de Janei-ro: Ed. Forense, 2002, p. 68.

    19 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Pensando o controle da atividade regu-lao estatal. In: SRGIO GUERRA (Co-ord.). Temas de direito regulatrio. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2005, p. 202.

    das funes estatais clssicas. O fenmeno da regulao, tal como concebido nos dias atuais, nada mais representa do que uma espcie de corretivo in-dispensvel a dois processos que se entrelaam. De um lado, trata-se de um corretivo s mazelas e s deformaes do regime capitalista e, de outro, um corretivo ao modo de funcionamento do aparelho do Estado engendrado por esse mesmo capitalismo.

    Diante desses fatos, quais devem ser os objetivos dessa funo regulatria descentralizada, adotada em diversos pases, inclusive no Brasil? Vital Morei-ra e Fernanda Maas14 advertem serem vrias as razes para a adoo do mo-delo de regulao estatal por entidades independentes, ao invs da regulao direta pelo Poder Executivo. Uma dessas razes est atrelada ao novo sentido de regulao administrativa.

    Com efeito, no modelo intervencionista havia uma confuso entre inter-veno direta estatal na atividade econmica e as tarefas regulatrias e, em vrias situaes, a funo regulatria competia ao prprio operador pblico, muitas vezes sob a fi gura do monoplio. Com o aparecimento de novos ope-radores privados na execuo de atividades econmicas e servios pblicos, entendeu-se que deveria haver uma separao das funes de regulao e as funes de participao pblica na prpria atividade regulada.15

    Para Jacques Chevallier, a regulao se distingue dos modos clssicos de in-terveno do Estado na economia, pois consiste em supervisionar o jogo eco-nmico, estabelecendo certas regras e intervindo de maneira permanente para amortecer as tenses, compor os confl itos e assegurar a manuteno de um equilbrio do conjunto. Ou seja, por meio da regulao o Estado no se pe mais como ator, mas como rbitro do processo econmico, limitando-se a en-quadrar a atuao dos operadores e se esforando para harmonizar suas aes.16

    Marcos Juruena Villela Souto17 leciona que um processo de regulao impli-ca, tipicamente, em vrias fases, em que se destacam a formulao das orienta-es da regulao, a defi nio e operacionalizao das regras, a implementao e aplicao das regras, o controle da aplicao das regras, o sancionamento dos transgressores e a deciso nos recursos. Paralela e simultaneamente aos desafi os colocados pela globalizao, o Estado atual sofre a crise do fi nanciamento das suas mltiplas funes. Diante dessa crise h inevitabilidade da retrao do Estado frente s necessidades sociais, ou, alternativamente, adotam-se novas estratgias de atuao compatveis com a escassez de recursos.18

    Nesse contexto, Floriano Azevedo Marques Neto19 anota: A atividade re-gulatria espcie do gnero atividade administrativa. Mas trata-se de uma espcie bastante peculiar. Como j pude afi rmar em outra oportunidade, na moderna atividade regulatria estatal que melhor se manifesta o novo paradig-ma de direito administrativo, de carter menos autoritrio e mais consensual, aberto interlocuo com a sociedade e permeado pela participao do ad-ministrado.

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    20 Sabino Cassese chega a afi rmar que as entidades reguladoras independen-tes no devem ponderar o interesse pblico a elas confi ado com outros interesses pblicos secundrios, como sucede em outros rgos pblicos que formam parte do Estado, comeando, sobretudo, pelo governo.. La globaliza-cin..., p. 151.

    21 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A nova regulao dos servios pblicos. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 228, p. 13-29, abr./jun.2002.

    22 JUSTEN FILHO, Maral. O direito das agncias reguladoras independentes. So Paulo: Dialtica, 2002, p. 21.

    Entretanto, o principal objetivo perseguido com a instituio de um mo-delo estatal regulatrio foi a cesso de capacidade decisria sobre aspectos tcnicos para entidades descentralizadas em troca de credibilidade e estabi-lidade, demonstrando-se, com isso, que a regulao estatal deixava de ser assunto de Governo para ser assunto de Estado. Adveio, com a globalizao, a obrigao de se gerar salvaguardas institucionais que signifi quem um com-promisso com a manuteno de regras (segurana jurdica) e contratos de longo prazo.20

    Por esse novo papel do Estado Regulador se abandona o perfi l autorit-rio em prol de uma maior interlocuo do Poder Pblico com a sociedade. Enquanto na perspectiva do liberalismo compete ao poder pblico assegurar as regras do jogo para livre afi rmao das relaes de mercado, e no modelo social inverte-se este papel, de modo que a atividade estatal seja a provedora das necessidades coletivas, ao Estado neoliberal so exigidas funes de equa-lizao, mediao e arbitragem das relaes econmicas e sociais, ponderados os interesses em presena. 21

    Nessa ordem de convices, Maral Justen Filho22 conclui que a concep-o regulatria retrata uma reduo nas diversas dimenses da interveno estatal no mbito econmico, incorporando uma concepo de subsidiarie-dade. Isso importa reconhecer os princpios gerais da livre iniciativa e da livre empresa, reservando-se ao Estado o instrumento da regulao como meio de orientar a atuao dos particulares realizao de valores fundamentais.

    Assim, pode-se identifi car a seguinte comparao entre as fases acima exa-minadas:

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    A importncia da funo regulatria, como nova categoria examinada pelo Direito Administrativo na ps-modernidade, est em conformar a ga-rantia de equilbrio de um subsistema, por meio de mecanismos para sua efetividade com vistas ao ajuste das oscilaes econmicas, mesmo contra suas prprias regras.

    LEITURA OBRIGATRIA:

    GUERRA, Srgio. Discricionariedade e refl exividade: uma nova teoria sobre as escolhas administrativas. Belo Horizonte: Frum, 2008, p. 73 a 105.

    CASO GERADOR OPCIONAL:

    A Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro promulgou a lei n 3.339, a qual concedeu gratuidade de transporte aos estudantes da rede p-blica de ensino, idosos e defi cientes fsicos no sistema ferrovirio.

    Ocorre que o referido servio de transporte coletivo objeto de contrato de concesso entre o poder pblico e a iniciativa privada, qual foi outorgada a sua explorao, por meio de processo licitatrio. Sendo assim, a concessio-nria remunerada mediante tarifa paga pelos usurios do servio.

    No entanto, considerando que referida lei no existia no momento da celebrao dos contratos de concesso, o custeio das gratuidades aprovadas pela Assemblia Legislativa no foi previsto pelos licitantes na elaborao de suas propostas.

    Isso posto, relativamente constitucionalidade da referida lei estadual:(i) Quais os argumentos da Assemblia Legislativa do Estado do Rio

    de Janeiro em favor da constitucionalidade da norma promulgada?(ii) Como deve posicionar-se a Agncia Reguladora de Servios Pbli-

    cos Concedidos de Transportes Aquavirios, Ferrovirios, Metrovi-rios e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro AGETRANSP?

    (iii) Que alegaes podero ser formuladas pelas associaes de proteo aos direitos dos estudantes?

    (iv) Como devem posicionar-se as associaes de defesa dos usurios do servio pblico?

    (v) Tem a concessionria algum pleito em razo da nova lei? Quais seriam os argumentos em favor do ressarcimento das perdas de re-ceita?

    Poder, a critrio do Professor, ser realizado um role-play sobre a questo. O material para cada um dos interessados ser distribudo em classe.

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    BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

    BINEMBOJN, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. Rio de Janei-ro: Renovar, 2006, captulo II.

    MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Juridicidade, pluralidade norma-tiva, democracia e controle social. In: Mutaes do direito pblico. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 27 e ss.

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    23 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Direito constitucional econmico. So Paulo: Saraiva, 1990, p. 9. Ver tambm GRAU, Eros Roberto. A ordem econmica na Constituio de 1988. 6a ed. So Pau-lo: Malheiros, 2001.

    AULAS 2 E 3: O DIREITO ADMINISTRATIVO NA ATUAL ORDEM ECO-NMICA CONSTITUCIONAL: O ESTADO REGULADOR, O PROGRA-MA NACIONAL DE DESESTATIZAO, AS REFORMAS CONSTITU-CIONAIS E AS PRIVATIZAES.

    OBJETIVO:

    Esclarecer a conformao atual da participao do Estado na Ordem Eco-nmica e como as modifi caes introduzidas pela Constituio de 1988 in-fl uenciaram mudanas nas funes desempenhadas pela administrao p-blica no tocante ao desempenho da atividade econmica.

    INTRODUO:

    A Constituio de 1988 e a participao do Estado na economia

    A Constituio de 1988 constitui o ponto de partida para se compreender as mudanas observadas na forma de participao do Estado na economia nos ltimos anos.

    Neste aspecto, deve-se esclarecer que as formas e o grau de participao do Estado na dinmica econmica de um Pas dependem fundamentalmente do tipo de organizao expresso na Constituio Econmica, na qual se encon-tra a determinao do regime bsico de ordenao dos fatores de produo, bem como seus princpios regedores e objetivos almejados.

    Segundo Manoel Gonalves Ferreira Filho, quatro so os requisitos que caracterizam uma ordem econmica com sendo descentralizada ou de mercado: trata-se de uma economia multipolar, constituda por redes de troca entre centros de produo, de oferta de fatores e de consumo, ligados por uma solidariedade funcional; trata-se de uma economia de empresa, que constitui uma unidade econmica de produo que assegura a ligao entre os mercados de bens e servios (demanda de consumo fi nal) e os mercados de fatores de produo (trabalho e capital); trata-se de uma economia de clculos em moeda, sendo que os preos exprimem as tenses de escassez da vida econmica, traduzem as necessidades e as pretenses entre as quais se instaura um equilbrio econmico; e trata-se de uma economia em que o Estado exerce somente uma interferncia indireta e global, podendo orientar, infl uenciar a economia atravs de polticas, mas sem cunho determinante.23

    A Constituio de 1988 adota o modelo de organizao econmica capi-talista, sendo a livre iniciativa princpio fundamental da Repblica (art 1, IV) e da Ordem Econmica (art. 170, caput); garantindo-se o direito de

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    24 Direito constitucional econmico, ob. cit., p. 9.

    25 Agncias reguladoras e a evoluo do direito administrativo econmico. 2 edio. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 132.

    propriedade, inclusive dos bens de produo (arts. 5, XII e 170, II) e; respei-tando-se a liberdade de atividade econmica independentemente de prvia autorizao, salvo nos casos previstos em lei (arts. 5, XIII e 170, pargrafo nico).24

    O art. 173, caput, da Constituio consagra o princpio da subsidiariedade da participao do Estado na atividade econmica:

    Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituio, a explorao di-reta de atividade econmica pelo Estado s ser permitida quando necessria aos imperativos da segurana nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme defi nidos em lei.

    Portanto, a Constituio determina que, como regra geral, o Estado se abstenha de exercer diretamente atividade econmica. Para que possa de-sempenh-la, faz-se necessrio que exista previso constitucional, ou lei que determine haver relevante interesse coletivo ou necessidade relacionada se-gurana nacional.

    Sobre o princpio da subsidiariedade e sua aplicao na Ordem Econmi-ca, expe Alexandre Santos de Arago:

    Inserto no Princpio da Proporcionalidade, mais especifi camente em seu ele-mento necessidade, est o Princpio da Subsidiariedade, que, na seara do Di-reito Econmico, impe ao Estado que se abstenha de intervir e de regular as atividades que possam ser satisfatoriamente exercidas ou auto-reguladas pelos particulares em regime de liberdade. Ou seja, medida que os valores constitu-cionalmente assegurados no sejam prejudicados, o Estado no deve restringir a liberdade dos agentes econmicos e, caso seja necessrio, deve faz-lo da maneira menos restritiva possvel.25

    A participao direta do Estado na atividade econmica, quando admi-tida, concretiza-se geralmente pela constituio de empresas pblicas e so-ciedades de economia mista, para as quais a Constituio previu um regime jurdico prprio e aproximado daquele aplicvel aos agentes privados, cujos princpios encontram-se estatudos no art. 173, 1, nos seguintes termos:

    Art. 173. (...)1. A lei estabelecer o estatuto jurdico da empresa pblica, da sociedade

    de economia mista e de suas subsidirias que explorem atividade econmica de produo ou comercializao de bens ou de prestao de servios, dispondo sobre:

    I sua funo social e formas de fi scalizao pelo Estado e pela sociedade;

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    26 Faz-se relevante mencionar que a jurisprudncia mitiga a equiparao das empresas pblicas e sociedades de economia mista s pessoas jurdi-cas de direito privado quando aquelas desempenham atividades considera-das servios pblicos. Nesse sentido, veja-se deciso do Supremo Tribunal Federal relativa Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos, a qual, muito embora apresente natureza jurdica de empresa pblica, goza de algumas prerrogativas inerentes Fazenda Pblica, em considerao relevncia do servio pblico por ela prestado. Ver, a respeito, Recurso Extraordinrio n 229.696, j. em 16.11.2000, Rel.do acrdo Min. Maurcio Corra, maioria.

    27 Dispe o art. 3 da Constituio Fede-ral: Constituem objetivos fundamen-tais da Repblica Federativa do Brasil: I construir uma sociedade livre, justa e solidria; II garantir o desen-volvimento nacional; III erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.

    28 Mesmo antes da promulgao da Constituio Federal de 1988, o profes-sor Fbio Konder Comparato j ensinava que: Quando se fala em funo social da propriedade no se indicam as res-tries ao uso e gozo dos bens prprios. Essas ltimas so limites negativos aos direitos do proprietrio. Mas a noo de funo, no sentido em que emprega-do o termo nesta matria, signifi ca um poder, mais especifi camente, o poder de dar ao objeto da propriedade des-tino determinado, de vincul-lo a certo objetivo. O adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde ao interesse coletivo e no ao interesse prprio do dominus; o que no signifi ca que no possa haver harmonizao entre um e outro. Mas, de qualquer modo, se se est diante de um interesse coletivo, essa funo social da propriedade cor-responde a um poder-dever do proprie-trio, sancionvel pela ordem jurdica. COMPARATO, Fbio Konder. Funo social da propriedade dos bens de pro-duo. In Revista de Direito Mercantil. So Paulo: Malheiros, n. 63, p. 73.

    29 A terminologia de Eros Roberto Grau. A ordem econmica na Constitui-o de 1988, ob. cit., p. 169.

    II a sujeio ao regime jurdico prprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigaes civis, comerciais, trabalhistas e tributrios;

    III licitao e contratao de obras, servios, compras e alienaes, obser-vados os princpios da administrao pblica;

    IV a constituio e o funcionamento dos conselhos de administrao e fi scal, com a participao de acionistas minoritrios;

    V os mandatos, a avaliao de desempenho e a responsabilidade dos ad-ministradores.26

    Para uma melhor compreenso do papel do Estado face atividade eco-nmica, no se pode desconsiderar que a Constituio de 1988 possui uma pliade de objetivos da Repblica de contedo marcadamente redistributi-vo (art. 3 da Constituio de 1988)27, os quais vo reclamar uma atuao positiva do Estado na seara econmica para a sua efetivao. Alm disso, os artigos 5o, XXIII e 170, III, da Constituio Federal determinam que a propriedade cumprir funo social28. Ademais, a livre concorrncia como princpio fundador da Ordem Econmica (art. 170, IV) exige uma inter-veno do Estado na preveno e represso do abuso do poder econmico (art. 174, 3, CF/88).

    Em adio aos princpios supracitados, uma das chaves para guiar o esforo de hermenutica da Ordem Econmica o artigo 174 da Constituio, o qual se mostra bastante elucidativo no que tange ao papel conferido ao Estado na atividade econmica aps a inaugurao do novo regime constitucional:

    Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econmica, o Es-tado exercer, na forma da lei, as funes de fi scalizao, incentivo e planejamen-to, sendo este determinante para o setor pblico e indicativo para o setor privado.

    Interpretando-se esse artigo, observa-se que ao Estado consagrado o pa-pel precpuo de agente normativo e regulador da atividade econmica, exer-cendo as funes de incentivo, fi scalizao e planejamento, na forma em que dispuser a lei.

    Ou seja, por um lado, o Poder Constituinte no previu a prestao direta da atividade econmica como funo primordial do Estado (art. 173, caput, CRFB/88); por outro lado, conferiu-lhe amplos instrumentos de interven-o indireta, mediante, por exemplo, das funes de planejamento e regula-o. Nesse sentido, cumpre esclarecer que, ao transferir algumas atividades de utilidade pblica execuo por particulares, por meio do processo de desestatizao, o Estado brasileiro no deixou de possuir profunda infl uncia sobre a atividade econmica, mas sua tradicional participao direta (como Estado-empresrio) foi substituda por uma interveno primordialmente de direo ou induo29.

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    30 Sobre essa fase, e o incio das privati-zaes no Brasil, ver item 2.4.

    Portanto, encontra-se no artigo 174 da Constituio Federal uma previso genrica de ordenao da economia pelo Estado, baseada no exerccio do poder-dever fi scalizatrio, normativo e sancionador, no qual pode ser ante-visto o embrio do futuro desmembramento dessas competncias nos orde-namentos setoriais regulatrios, hoje personifi cados na fi gura das agncias reguladoras, que sero estudadas adiante neste Curso.

    O Programa Nacional de Desestatizao

    O ltimo Governo brasileiro comandado por um militar foi o do General Joo Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1984). Foi nesse momento que se iniciou o desmantelamento do Estado Empresrio com o Programa Nacio-nal de Desburocratizao, iniciando o processo de privatizaes.30

    Por meio desse Programa, foram preconizadas as seguintes aes, visando dinamizar e simplifi car o funcionamento da Administrao Pblica Federal: a) construir para a melhoria do atendimento dos usurios do servio pblico; b) reduzir a interferncia do Governo na atividade do cidado e do empresrio e abreviar a soluo dos casos em que essa interferncia necessria, mediante a descentralizao das decises, a simplifi cao do trabalho administrativo e a eliminao de formalidades e exigncias cujo custo econmico ou social seja superior ao risco; c) agilizar a execuo dos programas federais para assegurar o cumprimento dos objetivos prioritrios do Governo; d) substituir, sempre que praticvel, o controle prvio pelo efi ciente acompanhamento da execu-o e pelo reforo da fi scalizao dirigida, para a identifi cao e correo dos eventuais desvios, fraudes e abusos; e) intensifi car a execuo dos trabalhos da Reforma Administrativa de que trata o Decreto-Lei n 200, de 25 de feverei-ro de 1967, especialmente os referidos no Ttulo XIII; f ) fortalecer o sistema de livre empresa, favorecendo a empresa pequena e mdia, que constituem a matriz do sistema, e consolidando a grande empresa privada nacional, para que ela se capacite, quando for o caso, a receber encargos e atribuies que se encontram hoje sob a responsabilidade de empresas do Estado; g) impedir o crescimento desnecessrio da mquina administrativa federal, mediante o estmulo execuo indireta, utilizando-se, sempre que praticvel, o contra-to com empresas privadas capacitadas e o convnio com rgos estaduais e municipais; h) velar pelo cumprimento da poltica de conteno da criao indiscriminada de empresas pblicas, promovendo o equacionamento dos casos em que for possvel e recomendvel a transferncia do controle para o setor privado, respeitada a orientao do Governo na matria.

    Mas foi com a instituio de uma fi losofi a regulatria na matriz constitu-cional brasileira, implementou-se no pas um amplo processo de desestatizao, considerando-o como sendo a retirada da presena do Estado de atividades reser-

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    31 No caso do setor eltrico, tinha-se o Departamento Nacional de Energia Eltrica DNAEE, rgo do Ministrio das Minas e Energia.

    32 PINHEIRO, Armando Castelar. Re-gulatory Reform in Brazilian Infras-tructure: Where do We Stand? Rio de Janeiro, IPEA, Texto para discusso n 964, maio de 2003, p. 7. Disponvel em http://www.ipea.gov.br, consultada em 13.02.2005.

    33 Auto-regulao profi ssional e admi-nistrao pblica. Lisboa: Almedina, 1997, p. 38.

    vadas constitucionalmente iniciativa privada (princpio da livre iniciativa) ou de setores onde ela possa atuar com maior efi cincia (princpio da economicidade).

    Assim, a partir do arcabouo constitucional supracitado, em 1990 foi cria-do o Programa Nacional de Desestatizao (PND), por intermdio da Me-dida Provisria n 155/1990, posteriormente convertida na Lei n 8.031, de 12.04.1990. Nos termos desta Lei, a desestatizao compreende a alienao, pela Unio, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou por meio de outras controladas, preponderncia nas deliberaes sociais e o poder de eleger a maio-ria dos administradores da sociedade; e a transferncia, para a iniciativa privada, da execuo de servios pblicos explorados pela Unio, diretamente ou por meio de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade.

    At os anos 90, as atividades relacionadas aos setores de infra-estrutura eram executadas basicamente por empresas pblicas e sociedades de econo-mia mista, sendo a regulao e gerncia dos setores de infra-estrutura atri-buda a departamentos ministeriais diretamente subordinados aos ministros de Estado.31 Armando Castelar Pinheiro32 comenta que tais departamentos apresentavam as seguintes caractersticas, as quais contriburam signifi cati-vamente para o cenrio de inefi cincia acima descrito: (i) no eram inde-pendentes do governo; (ii) mostravam-se capturados pelos agentes do setor (as chamadas estatais) e (iii) no possuam competncia no que concerne determinao das tarifas, as quais eram fi xadas pelo ministro da Fazenda como parte da poltica macroeconmica pretendida. Eram tambm comuns as prticas de subsdios cruzados entre diferentes segmentos de uma mes-ma atividade, assim como o recurso a emprstimos externos garantidos pelo governo, os quais permitiam manter as tarifas artifi cialmente baixas, dentre outros mecanismos que impediam a auto-sufi cincia dos agentes setoriais e, conseqentemente, o seu funcionamento em bases de mercado.

    Na verdade, como leciona Vital Moreira, o processo de privatizao pode conduzir ao estabelecimento de esquemas reguladores que a anterior proprie-dade pblica permitia dispensar. Muitos dos servios pblicos geridos pelo Es-tado comearam por ser servios pblicos concedidos altamente regulados, de modo que o binmio privatizao/regulao signifi ca, de certa maneira, retorno s origens.33 Com o diagnstico acima descrito, no surpreendente que, em 1988, o Constituinte brasileiro e, posteriormente, o Poder Constituinte Deri-vado (por emendas constitucionais) tenham pretendido inaugurar uma nova forma de participao estatal na vida econmica, conforme a seguir detalhado.

    As Emendas Constitucionais de 1995

    O Executivo Federal iniciou o processo de privatizaes brasileiro com a edio da Lei n 8.031/1990, promulgada na gesto do presidente Fernando

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    34 BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Estado. Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/PLANDI.HTM>. Acesso em: 03 abr. 2010.

    Collor de Melo. Em 1995, com uma srie de medidas e notadamente com a promulgao de Emendas Constitucionais, o Estado pode avanar com a desestatizao.

    Convm registrar alguns trechos da apresentao do Plano Diretor da Re-forma do Aparelho do Estado,34 que bem refl ete seus objetivos:

    A crise brasileira da ltima dcada foi tambm uma crise do Estado. Em ra-zo do modelo de desenvolvimento que Governos anteriores adotaram, o Estado desviou-se de suas funes bsicas para ampliar sua presena no setor produtivo, o que acarretou, alm da gradual deteriorao dos servios pblicos, a que recor-re, em particular, a parcela menos favorecida da populao, o agravamento da crise fi scal e, por conseqncia, da infl ao. Nesse sentido, a reforma do Estado passou a ser instrumento indispensvel para consolidar a estabilizao e assegurar o crescimento sustentado da economia. Somente assim ser possvel promover a correo das desigualdades sociais e regionais. Com a fi nalidade de colaborar com esse amplo trabalho que a sociedade e o Governo esto fazendo para mudar o Brasil, determinei a elaborao do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, que defi ne objetivos e estabelece diretrizes para a reforma da Administra-o Pblica brasileira. O grande desafi o histrico que o Pas se dispe a enfrentar o de articular um novo modelo de desenvolvimento que possa trazer para o con-junto da sociedade brasileira a perspectiva de um futuro melhor. Um dos aspectos centrais desse esforo o fortalecimento do Estado para que sejam efi cazes sua ao reguladora, no quadro de uma economia de mercado, bem como os servios bsicos que presta e as polticas de cunho social que precisa implementar.

    Sobre a necessidade de reforma constitucional para o atingimento dessa poltica absentesta, de fato ocorrida em 1995, digno de meno o posicio-namento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

    Dois so os temas de reforma: o da ordem econmica e o da ordem fi nan-ceira. Com relao necessidade de rever-se o captulo da ordem econmica basta lembrar da Constituio de 1967-1969, dita estatizante e autocrtica, era menos regulatria da economia e menos monopolista que a Constituio de 1988. Passamos de sete para mais de vinte modalidades de interveno regulat-ria e de uma para seis previses de intervenes monopolistas. Houve, portanto, um retrocesso. (...) O Estado, ao imiscuir-se na ordem econmica para competir com a sociedade ou para se substituir a ela com exclusividade, ou seja, nas mo-dalidades de interveno concorrencial e monopolista, se afasta do exerccio re-gular de seu poder coercitivo, do qual detm o monoplio, para ser mais apenas uma empresa ou mais um concorrente. Com isso, ele perde suas caractersticas pblicas. O Estado se privatiza, perdendo de vista os interesses gerais, que lhes

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    35 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Reforma da ordem econmica e fi nan-ceira. Cadernos de Direito Constitucional e Cincia Poltica. So Paulo, v. 3, n. 9, p. 22-25, out/dez. 1994.

    36 Idem. Em sentido oposto a esse ra-ciocnio, Paulo Bonavides assevera que todas essas Emendas constitucionali-zam a dependncia do Pas, um crime que jamais a ditadura militar de 1964 ousou perpetrar, pois os seus generais-presidentes faa-se-lhes justia eram quase todos nacionalistas. Aceito e aplaudido por algumas elites como o determinismo deste fi m de sculo, o ne-oliberalismo arvora a ideologia de sujei-o, para coroar, como uma fatalidade, a abdicao, nos mercados globais, da independncia econmica do Pas. Cur-so de direito constitucional. 12a ed. So Paulo: Malheiros, 2002, p. 613.

    37 BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Estado. Disponvel em: . Acesso em: 03 abr. 2010.

    so prprios, para ter interesses privados. Alm de no existirem mais recursos para recapitalizar as empresas do Estado, escasseiam tambm os recursos para o desempenho de suas atividades pblicas: o Estado privatizado acaba se despu-blicizando.35

    E conclui que

    privatizar torna-se necessrio para republicizar o Estado: faz-lo retornar s prestaes que s ele pode fazer numa sociedade; dar-lhe segurana jurdica, segurana fsica, segurana social, nos campos da sade e da educao, e, to negligenciado, dar-lhe segurana monetria, uma moeda estvel, inconspurcada pelas emisses infl acionrias, essa modalidade imoral de obter recursos sem tri-buto, ou o que pior, sem o respeito s reservas e condicionantes tributrios.36

    As Emendas Constitucionais cujas matrias esto voltadas nova poltica de retirada do Estado da execuo direta das atividades econmicas so as de n 5, de 15 de agosto de 1995, que transferiu aos Estados a competncia para a explorao diretamente, ou mediante concesso, dos servios pblicos de distribuio de gs canalizado; n 6, de 15 de agosto de 1995, que ps fi m distino entre o capital nacional e o estrangeiro; n 7, de 15 de agosto de 1995, que tratou da abertura para navegao de cabotagem; n 8, de 15 de agosto de 1995, que fl exibilizou o monoplio dos servios de telecomunica-es e de radiodifuso sonora e de sons e imagens; e n 9, de 9 de novembro de 1995, que fl exibilizou o monoplio da explorao do petrleo e do gs natural.

    Aps a promulgao das Emendas Constitucionais de ns 5 a 8, foi apro-vado, em 21 de setembro de 1995, o j mencionado Plano Diretor da Re-forma do Aparelho do Estado, sob a motivao de reconstruir o Estado de forma a resgatar sua autonomia fi nanceira e sua capacidade de implementar polticas pblicas:37

    Este Plano Diretor procura criar condies para a reconstruo da Admi-nistrao Pblica em bases modernas e racionais. No passado, constituiu grande avano a implementao de uma Administrao Pblica formal, baseada em princpios racional-burocrticos, os quais se contrapunham ao patrimonialismo, ao clientelismo, ao nepotismo, vcios estes que ainda persistem e que precisam ser extirpados. Mas o sistema introduzido, ao limitar-se a padres hierrquicos rgidos e ao concentrar-se no controle dos processos e no dos resultados, reve-lou-se lento e inefi ciente para a magnitude e a complexidade dos desafi os que o Pas passou a enfrentar diante da globalizao econmica. A situao agravou-se a partir do incio desta dcada, como resultado de reformas administrativas apressadas, as quais desorganizaram centros decisrios importantes, afetaram a

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    memria administrativa, a par de desmantelarem sistemas de produo de in-formaes vitais para o processo decisrio governamental. preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma Administrao Pblica que chamaria de gerencial, baseada em conceitos atuais de administrao e efi cincia, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para o poder chegar ao cidado, que, numa sociedade democrtica, quem d legitimidade s instituies e que, portanto, se torna cliente privilegiado dos servios prestados pelo Estado.

    A desestatizao implementada no pas foi executada mediante vrias mo-dalidades38: alienao de participao societria detida pelo Estado, inclusive de controle acionrio; abertura de capital; aumento de capital, com renncia ou cesso, total ou parcial, de direitos de subscrio; alienao, arrendamen-to, locao, comodato ou cesso de bens e instalaes; dissoluo de socie-dades ou desativao parcial de seus empreendimentos, com a conseqente alienao de seus ativos; e concesso, permisso ou autorizao de servios pblicos.39 Conforme visto, o programa de desestatizao fez-se acompanhar da instituio de toda uma estrutura reguladora por parte do Estado, sen-do relevante, por conseguinte, estudar o signifi cado da regulao do Estado sobre a atividade econmica, a partir das consideraes a seguir tecidas, e o conseqente impacto sobre o estudo do direito administrativo.

    Regulao da atividade econmica

    A terminologia regulao da atividade econmica apresenta mais de um sentido, dependendo do contexto em que for utilizada. Com efeito, o termo

    38 Segundo dados obtidos no BNDES (www.bndes.gov.br/privatizacao - acesso em 31 de julho de 2003), entre 1990 e 1992 foram includas sessenta e oito empresas no PND, das quais de-zoito foram desestatizadas, com a arre-cadao de cerca de quatro bilhes de dlares norte-americanos, em grande parte atravs de ttulos representati-vos da dvida pblica federal. Nos trs primeiros anos do PND a estratgia governamental constituiu-se em con-centrar esforos na venda de estatais produtivas, pertencentes a setores anteriormente estratgicos para o de-senvolvimento do Pas, tais como com-panhias siderrgicas, petroqumicas e de fertilizantes. Em 1993 e 1994 inten-sifi cou-se o processo de transferncia de empresas produtivas ao setor pri-vado, concluindo-se a privatizao das empresas siderrgicas. Nesse perodo foram desestatizadas quinze empresas, com a arrecadao de cerca de quatro e meio bilhes de dlares norte-ame-ricanos, em sua maior parte em mo-eda corrente. Em maro de 1994, pelo Decreto n 1.068 o Executivo Federal incluiu no PND as participaes societ-rias minoritrias detidas por fundaes, autarquias, empresas pblicas, socie-dades de economia mista e quaisquer outras sociedades controladas, direta ou indiretamente, pela Unio Federal. Com a eleio do Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995 houve uma intensifi cao nas privatizaes. O PND foi apontado como sendo um dos prin-cipais instrumentos do Programa Dire-tor da Reforma do Aparelho do Estado. Entre 1995 e 1996, aps signifi cativas alteraes da matriz constitucional mediante a fl exibilizao dos servios de telecomunicaes e do monoplio da explorao do petrleo e do gs natural, dentre outras, e com a edio de lei especfi ca acerca da concesso e permisso dos servios pblicos (Lei n 8.987/95), iniciou-se uma nova fase do PND, em que os servios pblicos foram sendo concedidos iniciativa privada, com destaque para o setor eltrico, de transportes e telecomunicaes. re-levante registrar que em 1997 ocorreu um dos grandes marcos do PND, com a venda das aes da Companhia Vale do Rio Doce - CVRD, num processo de desestatizao pautado por intensa batalha de liminares judiciais. Com a privatizao da Companhia Vale do Rio Doce encerrou-se praticamente a transferncia iniciativa privada das empresas industriais e o incio de uma nova fase, cujo foco principal foi a pri-vatizao de empresas ligadas rea de infra-estrutura e as concesses de servios pblicos. Alm da privatiza-o da CVRD, merece destaque, ainda, o trmino da desestatizao da Rede Ferroviria Federal RFFSA, com a venda da malha Nordeste e o leilo de sobras de 14,65% das aes ordinrias

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    da Companhia Esprito Santo Centrais Eltricas - Escelsa. Nesse ano tambm foi realizada a primeira privatizao no setor fi nanceiro, envolvendo as aes do Banco Meridional do Brasil S/A. Em 16 de julho de 1997 foi editada a Lei n 9.472, a Lei Geral de Telecomunicaes, tornando-se possvel o processo de privatizao do setor de telecomuni-caes, no qual foram licitadas con-cesses de telefonia mvel celular para trs reas do territrio nacional. Em ju-lho de 1998 o governo federal alienou as aes das doze holdings, criadas a partir da ciso do Sistema Telebrs, re-presentandoa transferncia iniciativa privada das Empresas de Telefonia Fixa e de Longa Distncia, bem como das empresas de Telefonia Celular-Banda A. O resultado fi nanceiro com a venda das aes dessas doze empresas somou 22.057 milhes de reais, sendo que o gio mdio foi de 53,74% sobre o preo mnimo. Foi transferida para a iniciativa privada a explorao do Terminal de Contineres do Porto de Sepetiba (Te-con 1), da Cia. Docas do Rio de Janeiro, do Cais de Paul e do Cais de Capuaba (Cia. Docas do Esprito Santo-CODESA), Terminal roll-on roll-off (CDRJ) e Porto de Angra dos Reis (CDRJ). No setor eltrico foi realizada a venda das aes de emisso da Companhia Centrais El-tricas Geradoras do Sul S/A - GERASUL, aps a ciso efetivada em 29 de abril de 1998. A arrecadao foi de 800,4 milhes de dlares norte-americanos, pagos totalmente em moeda corren-te. Em 1999 o governo arrecadou 128 milhes de dlares norte-americanos com a outorga das concesses para explorao de quatro reas de telefonia fi xa das empresas espelho que fazem concorrncia s atuais companhias de Telecomunicaes. Em 23 de junho daquele ano foi realizada a venda da Datamec S.A - Sistemas e Processa-mento de Dados, empresa do setor de Informtica, que foi adquirida pela Unisys Brasil S.A pelo preo mnimo de 47,29 milhes de dlares norte-ame-ricanos. O Porto de Salvador (CODEBA) foi adquirido em 21 de dezembro pela Wilport Operadores Porturios pelo preo mnimo de 21 milhes de dlares norte-americanos. O resultado obtido com o Programa Nacional de Desestati-zao no ano 2000 atingiu cerca de 7,7 bilhes de dlares norte-americanos, representando, assim, a maior receita anual j auferida pelo Programa desde o seu incio. O destaque no ano consis-tiu na venda das aes que excediam o controle acionrio detido pela Unio na Petrleo Brasileiro S.A. Petrobrs, e a desestatizao do Banco do Estado de So Paulo S.A Banespa. A concluso da mega operao de venda, no Brasil e no exterior, das aes da Petrobrs ocorreu em 09 de agosto daquele ano e o valor total auferido foi de 4 bilhes de dlares norte-americanos. Observe-se

    pode ser interpretado tanto como signifi cando um conjunto de atividades estatais voltadas regulamentao de um determinado setor especfi co da economia (como, por exemplo, os setores de telecomunicaes, energia, se-guros de sade, petrleo, dentre outros), mas tambm como o conjunto das atividades estatais voltadas fi scalizao e regulamentao sobre a generali-dade dos agentes da economia, como o caso das atividades exercidas pelos rgos ambientais e de defesa da concorrncia.40 Espelhando a pluralidade de signifi cados que o termo pode abarcar, observa Vital Moreira:

    Quanto amplitude do conceito, aparecem-nos trs concepes de regula-o: (a) em sentido amplo, toda forma de interveno do Estado na economia, independentemente de seus instrumentos e fi ns; (b) num sentido menos abran-gente, a interveno estatal na economia por outras formas que no a participa-o direta na atividade econmica, equivalendo, portanto, ao condicionamento, coordenao e disciplina da atividade econmica privada; (c) num sentido res-trito, somente o condicionamento normativo da atividade econmica privada (por via de lei ou outro instrumento normativo).41

    Dessa forma, a atividade estatal de regulao, em seu sentido mais tcnico e restrito, constitui uma espcie do gnero interveno estatal na economia, diferindo, todavia, da participao direta do Estado, tanto no que tange aos seus pressupostos, quanto aos seus objetivos e instrumentos. Nesse sentido, expe Maral Justen Filho:

    A regulao econmico-social consiste na atividade estatal de interveno indireta sobre a conduta dos sujeitos pblicos e privados, de modo permanente e sistemtico, para implementar as polticas de governo e a realizao dos direitos fundamentais.42

    A regulao estatal da atividade econmica, longe de diminuir a impor-tncia da participao do Estado na economia, apenas lhe confere uma nova dimenso. O Estado deixa de ter uma funo eminentemente empresarial, para passar a atuar principalmente de forma indireta, como ente fomentador, regulador, mediador, fi scalizador e planejador da vida econmica.

    Conforme visto, a partir dessa mudana de perspectiva iniciada com a Constituio de 1988 e reforada aps as Emendas Constitucionais que pro-piciaram o processo de desestatizao43, ganha nfase, no Brasil, a fi gura do Estado regulador, cuja atuao, em sentido bastante amplo, assim defi nida por Alexandre Santos de Arago:

    A regulao estatal da economia o conjunto de medidas legislativas, ad-ministrativas e convencionais, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado, de

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    que se tratou de operao pioneira em que, pela primeira vez foram aceitos re-cursos do FGTS na aquisio das aes. Do mesmo modo, merece destaque a alienao das aes do Banco do Estado de So Paulo Banespa, realizada em 20 de novembro. Nessa operao o ban-co espanhol Santander Central Hispano adquiriu 60% do capital votante do Banespa por 7 bilhes de reais, corres-pondendo a um gio de 281% em rela-o ao preo mnimo de 1,8 bilhes de reais. Foram realizadas no ano de 2000 vendas de participaes minoritrias da Unio includas no PND no mbito do Decreto 1068/94, bem como licita-das, pela Agncia Nacional de Energia Eltrica - ANEEL, concesses para explorao de novos aproveitamentos hidreltricos e de novas linhas de trans-misso. No ano 2001 foram realizados dois leiles de concesso dos servios de telefonia celular para as Bandas D e E. As reas 2 e 3 da Banda D e rea 1 da Banda E, foram vendidas para a Tele-com Itlia, representando, respectiva-mente, 543 milhes de reais, com gio de 0,56%, 997 milhes de reais, com gio de 40,42% e 990 milhes de reais, com gio de 5,3%. A rea 2 da Banda D foi arrematada pela Telemar, pelo valor de 1.102 milhes de reais, com gio de 17,3%, e as reas 2 e 3 da Banda E no tiveram lances ofertados no dia do lei-lo. Em 30 de abril de 2001 foi realizado leilo de aes, no mbito do Decreto 1.068/94, totalizando 26 milhes de reais, e, em 18 de julho encerrou-se a oferta pblica, no Brasil e no exterior, de 41.381.826 aes preferenciais da Petrobrs, representativas de 3,5% do seu capital total, perfazendo com a venda um total de 808,3 milhes de d-lares norte-americanos. Em janeiro de 2002 foi privatizado o Banco do Estado do Amazonas BEA, por 76,8 milhes de dlares norte-americanos.

    39 Bem a propsito, o Programa Na-cional de Desestatizao foi objeto de amplo questionamento perante os Tribunais Superiores, onde destacamos o acrdo do Tribunal Pleno do Supre-mo Tribunal Federal, na ADIN 1078/RJ, julgada em 11 de maio de 1994, que confi rmou a constitucionalidade das privatizaes, em textual: Ao Dire-ta De Inconstitucionalidade. Medida Cautelar. Medida Provisria n. 506, de 25/5/1994, art. 1, e Decretos n.s 427, de 16/01/1992; 473, de 10/3/1992, e 572, de 22/6/1992, todos concernentes ao Programa Nacional de Desestati-zao, regulado pela Lei n 8.031, de 12/4/1990. 2. Alegao de ofensa ao art. 21, XII, 171, II e 176, par. 1.. da Constituio. 3. No conhecimento da ao, relativamente aos decretos n.s 427, 473 e 572, todos de 1992, por no serem atos normativos, mas, to-s, atos administrativos individuais e concretos. 4. Diante da viabilidade de privatizao de entidades da adminis-

    maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indutiva, determina, con-trola, ou infl uencia o comportamento dos agentes econmicos, evitando que lesem os interesses sociais defi nidos no marco da Constituio e orientando-os em direes socialmente desejveis.

    nesta perspectiva que o jurista, as entidades e os rgos reguladores devem estar atentos para paradigmas regulatrios como a administrativiza-o, fl uidez, consensualidade, refl exibilidade, consensualismo, valorizao dos resultados em relao aos meios, permeabilidade aos demais subsistemas sociais, etc.

    A funo reguladora da economia pelo Estado possui muitas e complexas faces, donde a importncia de a interpretao dos atos estatais nessa seara ser realizada em consonncia com os valores mencionados pelo autor.

    Qual o impacto para essa funo reguladora para o Direito Administra-tivo?

    A regulao de atividades econmicas pelo Estado desponta como uma nova categoria de escolha pela Administrao Pblica, sendo a estrutura estatal necessria para equilibrar os subsistemas regulados, suprir as falhas do mercado, mediar e ponderar os diversos interesses ambivalentes (sem pender para qualquer um dos lados).

    A escolha regulatria descentralizada tem mais condies de enfrentar os desafi os da refl exividade da vida social, que consiste no fato de que as prticas sociais so constantemente examinadas e reformadas luz de informao re-novada sobre estas prprias prticas, alterando assim seu carter.

    A compatibilizao desse modelo de atuao estatal com a ps-moderni-dade est no fato de que o Estado deve, ainda, conter os excessos perpetrados pelos agentes que detm o poder econmico privado por meio de valores e princpios garantidos pela fora normativa da Constituio Federal.

    A associao do direito administrativo fase ps-moderna indica, portan-to, sua necessria adaptao s mudanas econmicas e sociais, permitindo seu perfeito acoplamento ao contexto da realidade para ser instrumento de efetividade dos direitos fundamentais. A supremacia do interesse pblico e, indiretamente, da Administrao Pblica, nessa fase, deve deixar de ser um atributo permanente e prevalente.

    Com efeito, as polticas nacionais tpicas do Estado contemporneo se pem em prtica medi ante a edio de muitas regras gerais, em grande par-te com indeterminaes tcnicas, que acabam por exigir mais do que uma simples integrao dessas mesmas normas, como ocorre com a escolha deter-minativa de conceito (conceito jurdico indeterminado) e a escolha discricio-nria (discricionariedade).

    Com as premissas da ps-modernidade e o ingresso do Brasil no modelo regulador, infere-se que novas necessidades devem ser identifi cadas e expos-

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    trao indireta, no sistema da Consti-tuio, a Lei n 8.031, de 1990, instituiu o Programa Nacional de Desestatiza-o, cujas modifi caes podero ser feitas por lei, de acordo com a poltica da administrao a ser seguida, respei-tadas as normas da Constituio. 5. Os fundamentos da inicial no justifi cam a concesso da cautelar, no se caracteri-zando, tambm, o periculum in mora. 6. Se porventura houver processo de privatizao de empresa, que se tenha como contrrio lei especial referida ou aos princpios da Constituio, h vias judiciais adequadas, para even-tualmente atacar o ato administrativo especifi co, tal como j sucedeu. 7. Ao conhecida, em parte, e, nessa parte, indeferida a medida cautelar.

    40 SUNDFELD, Carlos Ari. Introduo s Agncias Reguladoras. In SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito Administra-tivo Econmico. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 18. Explica ainda o autor: A regulao, enquanto espcie de in-terveno estatal, manifesta-se tanto por poderes e aes com objetivos claramente econmicos (o controle de concentraes empresariais, a repres-so de infraes ordem econmica, o controle de preos e tarifas, a admisso de novos agentes no mercado) como por outros de justifi cativas diversas, mas de efeitos econmicos inevitveis (medidas ambientais, urbansticas, de normalizao, de disciplina das profi s-ses etc.). Ob. Cit., loc. cit.

    41 MOREIRA, Vital. Auto-regulao profi ssional e administrao pblica. Coimbra: Almedina, 1997, p. 35. Co-mumente, a doutrina administrativista utiliza a terminologia em seu segundo signifi cado.

    42 JUSTEN FILHO, Maral. Curso de direi-to administrativo. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 447.

    43 Marcos Juruena Villela Souto defi ne o processo de desestatizao nos seguin-tes termos: a retirada do Estado de atividades reservadas constitucional-mente iniciativa privada (princpio da livre iniciativa) ou de setores em que ela possa atuar com maior efi cincia (prin-cpio da economicidade); o gnero do qual so espcies a privatizao, a con-cesso, a permisso, a terceirizao e a gesto associada de funes pblicas. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo da economia. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2003, p. 147.

    44 Conforme GUERRA, Srgio. Discricio-nariedade..., op. cit.

    tas, especialmente para que o Estado neutralize os excessos e utilize seu po-der como instrumento de controle da atuao privada.

    A importncia da escolha administrativa regulatria detectada na con-formao da garantia de equilbrio de um subsistema, por meio de meca-nismos para sua efetividade com vistas ao ajuste das oscilaes econmicas e sociais, ainda que possam parecer surpreendentes por suas caractersticas inovadoras em relao ao direito administrativo passado.

    Por meio do atual modelo de Estado, propcio escolha regulatria, deve-se buscar um planejamento preventivo, pois no se concebe mais a idia de que h domnio, pelas casas legislativas, de todas as informaes indispensveis para apontar as variveis mercadolgicas a serem objeto de regras. Deve-se, ainda, perseguir a efetivao do fomento para seu correto desenvolvimento em bases slidas, fi rmes; alm de estar atento proteo dos subsistemas, dian-te das presses advindas dos interesses antinmicos inseridos no prprio subsistema ou do sistema social. Sob esses pilares, pensa-se que a regulao estar em condies prximas de se apresentar como apta a garantir direitos fundamentais, ponderando-os com outros interesses e direitos de idntica dignidade jurdica e constitucional, observando-se princpios e valores sem uma predeterminada hierarquia entre os mesmos.44

    Regulao, desregulao, auto-regulao

    Para uma melhor compreenso dos fundamentos jurdicos da regulao econmica, mostra-se relevante proceder diferenciao de conceitos nem sempre utilizados com o devido rigor cientfi co.

    A auto-regulao diz respeito quelas atividades nas quais os agentes que a desempenham se auto-impem o dever de obedincia a determinadas nor-mas, estabelecidas por uma entidade reconhecida pelo grupo como legtima. Constituem exemplos clssicos de auto-regulao as normas ditadas por con-selhos de organizaes profi ssionais, tais como a Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho Federal de Medicina.

    Veja-se que recentemente o tema foi objeto de anlise no Supremo Tribu-nal Federal quando da anlise da constitucionalidade do exame da Ordem dos Advogados do Brasil:

    A advocacia se submete, no Brasil, ao que VITAL MOREIRA (Auto-Re-gulao Profi ssional e Administrao Pblica. Coimbra: Almedina, 1998, p. 88) denomina de autorregulao pblica. Nas palavras do mestre portugus,

    A auto-regulao pblica aquela protagonizada por organismos pro-fi ssionais ou de representao profi ssional dotados de estatuto jurdico-p-blico. A auto-regulao legalmente estabelecida: os organismos auto-re-

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    gulatrios dispem de poderes tpicos das autoridades pblicas. As normas de regulao profi ssional so para todos os efeitos normas jurdicas dotadas de coercibilidade. A auto-regulao pblica pode resultar de dois movimen-tos totalmente distintos. De um lado, pode ser consequncia da publicizao de formas de auto-regulao privada preexistente; do outro lado, pode resultar da entrega de funes reguladoras originariamente estaduais a organismos de auto-regulao propositadamente criados para o efeito. Nos sistemas de direito administrativo continental, o exemplo mais tpico de auto-regulao profi ssional a das ordens profi ssionais que so organismos de regulao das chamadas profi sses liberais. O seu nome e nmero varia de pas para pas. Mas, para alm dessas diferenas, subsiste um conjunto de caractersticas comuns essenciais: a natureza jurdico-pblica, como corporaes pblicas (ex-ceptuado o caso controvertido da Frana); a fi liao obrigatria, como condio do exerccio da profi sso; o poder regulamentar; a regulamentao e/ou imple-mentao das regras de acesso profi sso e do exerccio desta; a formulao e/ou aplicao dos cdigos de deontologia profi ssional; o exerccio da disciplina profi ssional, mediante aplicao de sanes, que podem ir at a expulso, com a consequente interdio do exerccio profi ssional. (grifou-se)

    O modelo brasileiro se enquadra na segunda defi nio de VITAL MOREI-RA, em que a lei prev normas gerais para a disciplina de sua atividade, mas con-fere OAB, observados os parmetros legais previamente determinados, atribui-o para regulamentar o exerccio profi ssional. No caso, a Lei n 8.906/94 fi xou, como requisito indispensvel inscrio na OAB e, portanto, ao exerccio da advocacia a aprovao no Exame de Ordem. Percebe-se, com isso, que a restrio liberdade fundamental de ofcio est presente na lei formal, atenden-do-se, portanto, ao limite imanente da reserva de lei. A delegao legislativa de regulamentao do Exame de Ordem ao Conselho Federal da OAB no fere a reserva de lei, ao menos sob uma perspectiva moderna do princpio da legalida-de. ALEXANDRE SANTOS DE ARAGO (A Concepo Ps-Positivista do Princpio da Legalidade. In Revista de Direito Administrativo 236: 51-64 Rio de Janeiro: Renovar, abr./jun. 2004.), forte no magistrio de CHARLES EISEN-MANN, assinala que a concepo da reserva legal deve deixar lei formal a pre-viso de habilitao de competncias e a principiologia que dever orientar a sua regulamentao infralegal. Do contrrio, impor-se-ia uma rigidez disciplina do Exame de Ordem incompatvel com a dinmica da sociedade. A evoluo social demanda fl exibilidade das normas regulatrias, o que no diferente no campo da advocacia. A multiplicidade e a complexidade crescentes das relaes sociais aumentam a necessidade de permanente reavaliao dos critrios e mtodos de aferio da qualifi cao profi ssional do advogado, sendo certo que o esgotamen-to da matria na lei rapidamente causaria a obsolescncia da sua disciplina.

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    45 ARAGO, Alexandre Santos de. Agn-cias reguladoras e a evoluo do direito administrativo econmico. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 31.

    De outro giro, tambm no seria adequado afi rmar que a regulamentao deveria dar-se exclusivamente por intermdio do decreto presidencial, na for-ma do art. 84, IV, da Constituio Federal. Trata-se de ideia j superada pela solidifi cao do Direito Regulatrio, admitindo-se pacifi camente a delegao legislativa em favor das agncias reguladoras independentes. No se preten-de, evidentemente, classifi car a OAB como uma agncia reguladora j se assinalou a sua natureza privada. No entanto, sua condio sui generis desafi a a clssica repartio de funes estatais e a coloca, de algum modo, entre os centros de poder poltico daquilo que o emrito Professor DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO (Poder, Direito e Estado: O Direito Ad-ministrativo em Tempos de Globalizao in memoriam de Marcos Juruena Villela Souto. Belo Horizonte: Frum, 2011) denomina de Estado policrtico. Afi nal, cuida-se de entidade com atribuies institucionais relevantssimas, como, por exemplo, a propositura de aes do controle abstrato de cons-titucionalidade das leis e atos normativos, como a ADI, a ADC e a ADPF, para as quais exibe o status de legitimada universal, isto , fi ca dispensada de demonstrao de pertinncia temtica. Ao mesmo tempo, remanesce a OAB como entidade de autorregulao profi ssional, qual se confi a a disciplina infralegal da advocacia. Faz sentido que assim o seja, pois a prpria legiti-midade democrtica da regulao profi ssional da advocacia tambm repou-sar na observncia da viso concreta do mercado e de suas prticas usuais (em constante transformao), sem prejuzo das medidas corretivas que se eventualmente fi zerem necessrias. Portanto, conferir entidade de classe a fi xao dos marcos regulatrios que orientaro a atividade profi ssional de seus prprios fi liados , em princpio, consagrar a refl exividade que, segundo SERGIO GUERRA (Discricionariedade e refl exividade: uma nova teoria sobre as escolhas administrativas. Belo Horizonte: Frum, 2008), legitima a ativida-de regulatria.

    A desregulao, por sua vez, refere-se s ocasies em que o Estado deixa de intervir sobre o mercado. Assim, a desregulao refere-se a um processo de reduo de normas cogentes sobre determinada atividade (estatais ou no, como as auto-impostas por associaes ou outros entes institucionais), que passa ento a reger-se basicamente pelo princpio da livre iniciativa e da liber-dade de concorrncia.45

    Dessa forma, no se mostra correto equiparar os fenmenos delegao da prestao de servio pblico a particulares e desregulao, pois que, no primeiro caso, o Estado no busca se retirar da atividade econmica, mas sim modifi car a sua forma de atuao, passando a agir como gestor e no mais agente da atividade econmica.

    Por conseguinte, a regulao econmica pelo Estado se diferencia de am-bos os fenmenos, conforme j acima introduzido e adiante detalhado.

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    46 Caso gerador elaborado pelo Profes-sor Sergio Guerra para o curso online de Direito das Agncias Reguladoras da Escola de Direito da Fundao Getulio Vargas.

    LEITURA OBRIGATRIA:

    JUSTEN FILHO, Maral. Curso de direito administrativo. So Paulo: Ma-lheiros, 2005, cap. X (Tipos de atividade administrativa: a regulao econmico-social).

    GUERRA, Sergio. Introduo ao direito das agncias reguladoras. Rio de Janei-ro: Freitas Bastos, 2004, pp. 1 a 10.

    CASO GERADOR:

    A TERMOPAR S.A., com sede no Estado do Paran, uma empresa pblica federal, extremamente produtiva e cujos funcionrios encontram-se satisfeitos com as funes que lhes so atribudas e a remunerao recebida.

    Em que pese a situao favorvel, o governo federal, na qualidade de ni-co acionista da TERMOPAR, decidiu incluir a TERMOPAR no Programa Nacional de Desestatizao.

    Revoltados e com o apoio do sindicato dos trabalhadores, os funcion-rios fazem manifestaes pblicas contrrias privatizao da TERMOPAR. Diante da deciso governamental de seguir com a privatizao, o sindicato ingressa com ao direta de inconstitucionalidade contra a medida provisria concernente privatizao da empresa, sob alegao de violao aos artigos 21, XII; 171, II ( poca em vigor, ora j revogado) e 176, 1, todos da Constituio Federal.

    Na sua opinio, como deveria ter sido decidida a ADIn? A sua resposta seria diferente caso a TERMOPAR estivesse defi citria?46

    (Ref. ADIN 1078/RJ, julgada em 11 de maio de 1994, Anexo I a esta apostila)

    LEITURA COMPLEMENTAR:

    Acrdo do Supremo Tribunal Federal envolvendo a constitucionalidade da prova da OAB (Recurso Extraordinrio 603583).

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    47 Desestatizao, Privatizaes, Con-cesses e Terceirizaes.4a. ed. Rio de Janeiro, E. Lmen Jures, 2.001.p. 144

    AULA 4: AS COMPETNCIAS E FORMAS DE EXECUO DOS SER-VIOS PBLICOS

    A PARTILHA DE COMPETNCIAS CONSTITUCIONAIS ENTRE OS ENTES FEDERADOS PARA PRESTAR OU CONCEDER O SERVIO PBLICO

    A estrutura que defi ne a repartio de competncias constitucionais entre os entes federativos opera-se com fundamento no princpio da predominncia do interesse. Nesse sentido, a Constituio federal enumera os servios pbli-cos a serem prestados pelo ente federado, por si ou por terceiros, nos termos do art. 175 da Constituio Federal.

    Os Estados-membros constituem instituies tpicas do federalismo cls-sico, pois so os mesmos que do a estrutura conceitual dessa forma de Es-tado. Nos termos do art. 21, 1o da Constituio Federal, aos Estados so reservadas todas as competncias remanescentes, ou seja, aquelas que a Cons-tituio no tenha vedado expressamente.

    Marcos Juruena Vilella Souto destaca, acerca da competncia estadual, com arrimo em Manoel Gonalves Ferreira Filho, que a doutrina, muitas ve-zes, tem demonstrado certa vacilao em precisar quais seriam os limites rigo-rosos desta competncia remanescente dos Estados-membros, reconhecendo mesmo que, em termos reais, seria das mais reduzidas, seja em extenso, seja em importncia. Dessa maneira, numa primeira aproximao do preceito constitucional em comento, passou-se a considerar que estariam excludas do mbito da competncia dos Estados todas aquelas matrias atribudas de modo restritivo competncia da Unio e dos Municpios.47

    Porm, extensa a lista de servios pblicos que os Estados podem, e devem, prestar diretamente ou transferir para terceiros, mediante concesso ou permisso.

    Com efeito, as competncias da Unio esto elencadas no art. 21, enquan-to que aos Municpios competem as concesses e permisses dos servios p-blicos de interesse local.

    Assim, compete Unio explorar, ou conceder, os servios de telecomuni-caes, servio postal e areo; radiodifuso sonora e de sons e imagens; ener-gia eltrica; aproveitamento energtico dos cursos dgua; navegao area e infra-estrutura aeroporturia; transporte ferrovirio e aquavirio entre portos brasileiros, fronteiras nacionais e os que transponham limites de Estados e Territrios; transporte rodovirio interestadual e internacional de passagei-ros; servios porturios. Alm disso, de competncia da Unio instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hdricos e defi nir critrios de outorga de direitos de seu uso; instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitao, saneamento bsico e transportes urbanos; e esta-belecer princpios e diretrizes para o sistema nacional de viao.

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    48 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutaes de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, p. 328.

    Aos Estados, cabe,, expressamente, a prestao dos servios pblicos de distribuio de gs canalizado, e toda e qualquer competncia que no tenha sido atribuda Unio, nem seja estritamente de interesse local (poderes re-manescentes). So eles: transporte ferrovirio, exceto quando competente a Unio, transporte metrovirio; Transporte rodovirio intermunicipal; Trans-porte aquavirio, exceto quando for de competncia da Unio, nos termos do art. 21, XII, d, da CF;

    Cumpre destacar que aos Estados-membros compete, ainda, mediante lei complementar, instituir regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e micror-regies, constitudas por agrupamentos de municpios limtrofes, para integrar a organizao, planejamento e a execuo de funes pblicas de interesse comum.

    Aos Municpios compete a prestao dos servios de interesse local (art. 30, V, CF), que deve ser entendido como predominante e no exclusivo, para efeito da caracterizao da competncia em cada caso, mxime se con-siderarmos as alteraes tecnolgicas, sempre incidentes na evoluo dos ser-vios pblicos que so capazes de transformar, em pouco tempo, um servio tipicamente local num servio que poder vir a ser prestado efi cientemente em escala regional ou, mesmo, nacional.48 Sob a competncia municipal, tem-se, ainda, como inovao na Constituio de 1988, as atividades admi-nistrativas de interesse comum (art. 23), a exemplo do saneamento bsico.

    AS FORMAS DE EXECUO DOS SERVIOS PBLICOS

    Os servios pblicos podem ser prestados tanto diretamente pelo prprio ente titular da competncia, como ter sua execuo delegada a terceiros. Veja o quadro abaixo:

  • SERVIOS PBLICOS E CONTROLE DA ADMINISTRAO PBLICA

    FGV DIREITO RIO 29

    49 Existem, ainda, regimes de parceria entre o poder pblico e pessoas de di-reito privado sem fi nalidades lucrativas (o chamado terceiro setor), dentre as quais se incluem as organizaes sociais e as organizaes da sociedade civil de interesse pblico. Ver, a respei-to, CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de direito administrativo. 15 ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, pp. 287 a 295.

    O Estado, quando decide prest-los diretamente, pode instituir empresas pblicas e sociedades de economia mista, como forma de gerir de forma mais efi ciente a execuo desses servios.

    Conforme se detalhar nas prximas aulas, caso decida delegar a presta-o do servio iniciativa privada, aplicar-se-o os institutos da concesso e da permisso de servios pblicos (por fora da previso do art. 175, CF), havendo ainda discusso doutrinria quanto possibilidade de delegao de servios pblicos por meio do instituto da autorizao, tendo em vista o dis-posto no art. 21, XI e XII, da Constituio.49

    LEITURA OBRIGATRIA:

    CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de direito administrativo. 15a ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, pp. 271 e 272; 280 a 288.

    CASO GERADOR:

    Nos termos do Art. 21 da Constituio Federal, compete Unio explorar, diretamente ou mediante autorizao, concesso ou permisso, os servios de transporte aquavirio entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Territrio, alm dos portos martimos, fl uviais e lacustres.

    Ademais disso, compete Unio instituir diretrizes para os transportes urbanos e estabelecer princpios e diretrizes para o sistema nacional de viao e executar os servios de polcia martima, aeroporturia e de fronteiras.

    Determina ainda a Carta Magna que a lei dispor sobre a ordenao do tr