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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL Serviço Social e Educação: Análise do reconhecimento social e das experiências profissionais construídas nos diversos campos da política educacional Alessandra de Muros Xavier Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

Serviço Social e Educação: Análise do reconhecimento social e das experiências profissionais

construídas nos diversos campos da política educacional

Alessandra de Muros Xavier

Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Serviço Social e Educação Análise do reconhecimento social e das experiências profissionais construídas nos diversos campos da política educacional

Alessandra de Muros Xavier

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em Serviço Social. Orientadora: Maria Lídia Souza da Silveira

Rio de Janeiro Março de 2008

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Serviço Social e Educação

Análise do reconhecimento social e das experiências profissionais construídas nos diversos campos da política educacional

Alessandra de Muros Xavier

Profª Dra. Maria Lídia Souza da Silveira

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Serviço Social. Aprovada por: Presidente - Profª Dra. Maria Lídia Souza da Silveira Profª Dra. Kátia Regina S. Lima Curso de Serviço Social da UFF Profª Dra. Ilma Rezende Soares Curso de Serviço Social da UFRJ

Rio de Janeiro Março de 2008

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Xavier, Alessandra de Muros. Serviço Social e Educação. Análise do reconhecimento social e das experiências profissionais construídas nos diversos campos da política educacional/ Alessandra de Muros Xavier – Rio de Janeiro: UFRJ/CFCH, 2008. XI págs 109 f: il;31 cm Orientadora: Dra. Maria Lídia Souza da Silveira Dissertação (mestrado) – UFRJ/CFCH/ESS/ Programa de Pós Graduação em Serviço Social. 2008 Referências Bibliográficas: 111 f 1. Serviço Social 2. Educação 3.Reconhecimento Social. I. Silveira, Maria Lídia Souza da. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós Graduação em Serviço Social. III. Título.

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RESUMO

Serviço Social e Educação Análise do reconhecimento social e das experiências profissionais

construídas nos diversos campos da política educacional

Alessandra de Muros Xavier

Profª Dra. Maria Lídia Souza da Silveira

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

A pesquisa trata da inserção do Serviço Social em diversos campos da política educacional e busca elucidar os condicionantes do reconhecimento social do Serviço Social no Brasil, tendo como lócus a experiência da profissão no campo educacional.

Identifica as interfaces da política de assistência e as políticas de educação, analisa a experiência dos profissionais de Serviço Social que atuam nas políticas de educação, apontando possibilidades e limites de atuação, e subsídios para a construção de um fazer profissional crítico e propositivo no campo da educação. Palavras-chave: Serviço Social, Educação e Reconhecimento Social.

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ABSTRACT

Serviço Social e Educação Análise do reconhecimento social e das experiências profissionais

construídas nos diversos campos da política educacional

Alessandra de Muros Xavier

Profª Dra. Maria Lídia Souza da Silveira

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

This research discusses about the inclusion of Social Services in many different areas of educational politics within the education field. It aims to point out the important recognition of the Social Services work development in Brazil.

Besides that, this study will identify the interfaces of social assistance politics, educational politics, and also it will analyse the experience of Social Service professionals who have acted upon education politics. This study will point out possibilities and performance limitations that have occurred in this society regarding social services.

Finally, it will provide resources for the construction of critical views and strategic purposes and doings about Social Service in an education field.

Key Words: Social Work, Educacion, Social Recognition

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AGRADECIMENTOS

À Deus, meu pai celestial. À minha Zazá (Isabella) que viveu comigo, em gestação, os primeiros períodos do mestrado e, hoje, entre uma soneca e outra, me permite dedicação a esta pesquisa. A meus pais, pelo amor, apesar da distância. Ao meu marido, Maurício Lemes, que me incentivou em cada momento de desânimo. À querida Maria Lídia, minha referência profissional e de luta pela vida. Aos amigos da Fundação Gol de Letra que dividiram e dividem comigo experiências profissionais e de vida, que vibraram desde o início, que compreenderam algumas ausências e que hoje celebram mais uma etapa da minha vida. Aos profissionais de Serviço Social que atuam na educação.

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SUMÁRIO

Apresentação..................................................................................................................09 Capítulo I – Serviço Social e reconhecimento social simbólico: condicionantes históricos e sua influência nas demandas sociais pela profissão............................12

I.1 – História da profissão, demandas tradicionais e reconhecimento social...................13

I.2 – Experiências históricas do Serviço Social na Educação..........................................24

I.3 – Tentativas políticas de inserção do Serviço Social na Política de Educação ..........31

Capítulo II – As interfaces das Políticas de Educação e de Assistência Social.......40

II.1 – Trajetória das políticas sociais e a reforma do Estado............................................41

II.2 – A Política de Assistência Social...............................................................................46

II.3 – A Política de Educação ...........................................................................................49

II.4 – A interface da Assistência social com a Educação..................................................55

Capítulo III – As possibilidades e limites de atuação do Serviço Social na área de educação..........................................................................................................................63

III.1 – As concepções de Cultura e Hegemonia................................................................64

III.2 – A construção da hegemonia e o Projeto ético-político do Serviço Social...............71

III.3 – Dimensões educativas e políticas do Serviço Social..............................................75

III.4 - Análise do Discurso e Experiências de Assistentes Sociais no Campo da

Educação..........................................................................................................................80

Considerações finais.....................................................................................................100 Referências Bibliográficas............................................................................................104

Anexo..............................................................................................................................109

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APRESENTAÇÃO

O tema desta dissertação foi eleito a partir de indagações surgidas

durante experiência de trabalho como assistente social na Fundação Gol de

Letra, organização da sociedade civil sem fins lucrativos, fundada no ano de

1998.

No contexto de implantação da área social, algumas dificuldades foram

encontradas tendo em vista a forma como os demais profissionais pensavam e

entendiam o Serviço Social, por meio de uma lógica assistencialista e

imediatista, de caráter estritamente emergencial. Tal experiência me

impulsionou a buscar outros profissionais que tinham suas práticas inseridas em

programas educacionais. Através de conversas informais com alguns deles,

percebi grande inquietação em relação ao processo de trabalho, em relação ao

reconhecimento profissional nos contextos multidisciplinares, grande

preocupação na construção de um saber que não fosse subalterno e que

trouxesse uma reflexão teórico-crítica à respeito do contexto histórico em que

atualmente se opera a precarização das políticas sociais, e além disso, pouca

produção teórica sobre a inserção do Assistente Social no campo da educação.

A discussão sobre o campo da educação é desafiadora para a prática do

Serviço Social porque, numa comparação com outras políticas sociais como as

de saúde e assistência, são poucas as experiências na educação formal, e

tímidas as iniciativas de sistematização dos seus saberes e fazeres.

A perspectiva sócio-educativa que se coloca como possibilidade para a

prática do Serviço Social pode, de forma imediata, sensibilizar e ampliar a

consciência crítica da população atendida, na medida em que conceitos e

práticas elaborados com este público podem trazer elementos para a construção

de uma contra-hegemonia. Esse processo deve envolver diversos sujeitos, e o

campo de disputas políticas se faz presente no cotidiano profissional.

Entender como esse profissional se percebe e avalia criticamente seu

processo de trabalho, como é reconhecido em seu ambiente profissional, quais

são os desafios e os potenciais de intervenção, quais são os resultados de sua

prática numa ação multidisciplinar, e qual é seu posicionamento ético-político,

constituem grande relevância para a categoria profissional. O objeto dessa

pesquisa elucidará o processo de trabalho do Serviço Social na educação e seu

reconhecimento.

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Apesar da experiência destacada no início desta apresentação, pretendo

discutir a inserção dos profissionais de Serviço Social no campo de educação,

entendendo esta como política social desenvolvida prioritariamente pelo Estado.

Assim tratarei das experiências profissionais no campo da educação pública, em

seus diversos segmentos como educação infantil, educação fundamental,

municipal e estadual, educação especial, ensino médio, nos pólos de

atendimento extra-escolar, ensino superior, além das experiências de

profissionais que atuam na área de assessoria, pesquisa, planejamento e gestão

de projetos, programas e políticas públicas, acompanhando a inserção de

assistentes sociais na área.

No primeiro capítulo será estabelecido um marco conceitual,

considerando elementos de mudanças nas formas de produção e reprodução

das relações sociais, a partir das configurações do capital. Identificaremos neste

contexto a emergência do Serviço Social e os componentes para o

reconhecimento social simbólico da profissão. Toda prática profissional e sua

legitimidade deve ser entendida a partir da história da sociedade da qual é parte

e expressão. Isto supõe inserí-la no quadro das relações sociais, da luta entre

classes sociais e das relações destas com o Estado. A história do Serviço

Social, de igual modo, reflete a história da sociedade brasileira e o seu

reconhecimento como profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho,

que vai adquirindo alcances ao longo de sua história, e diferentes

representações no campo intra-profissional e no senso comum. Tratarei ainda

de experiências históricas do Serviço Social no campo da educação e de

algumas tentativas também históricas de oficializar a inserção de Assistentes

Sociais por meio de diversos projetos de lei.

No segundo capítulo, farei uma análise das políticas sociais no Brasil,

destacando a trajetória da assistência social e das políticas educacionais, bem

como a interface destas a partir da reforma do Estado. Uma das experiências a

serem analisadas será a do Programa Bolsa Família que apresenta como

condicionalidade freqüência à escola e aos serviços de saúde. Neste foco há um

questionamento sobre quais são os desafios postos para o assistente social que

atua no campo da educação, se é promover a assistência na educação, espaços

para interfaces entre educação e assistência ou sua ação possui um caráter por

si educativo, e mesmo contra-hegemônico.

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O terceiro capítulo se inicia trazendo como referência alguns conceitos da

obra gramsciana, por entender que toda relação de hegemonia é em si

educativa. Assim inicio tratando dos conceitos de cultura e hegemonia, detendo-

me nos processos de construção de hegemonia, e o projeto ético-político do

Serviço Social, tensionando que tipo de sociedade e que sujeito pretende-se

formar a partir da experiência educativa da profissão. Farei também uma

abordagem das dimensões educativas e políticas desse fazer profissional e,

apresentarei os resultados de entrevistas semi-estruturadas realizadas com 11

Assistentes Sociais que atuam no campo educacional da rede pública do Rio de

Janeiro e Niterói, para identificar como se percebem, quais são suas

perspectivas profissionais, o que apontam como possíveis frentes de

intervenção, e como justificam a tímida inserção do profissional neste campo.

A pesquisa, portanto, trata da inserção do Serviço Social em diversos

campos da política educacional e busca elucidar os condicionantes do

reconhecimento social do Serviço Social no Brasil, tendo como lócus a

experiência da profissão no campo educacional, além de identificar as interfaces

da política de assistência e as políticas de educação, analisar a experiência de

alguns profissionais de Serviço Social que atuam nas políticas de educação,

apontando possibilidades e limites de atuação, e fornecer subsídios para

construção de um fazer profissional crítico e propositivo no campo da educação.

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Capítulo I

Serviço Social e reconhecimento social simbólico: condicionantes históricos e sua influência nas

demandas sociais pela profissão.

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I.1. História da profissão, demandas tradicionais e reconhecimento social

Toda prática profissional e sua legitimidade deve ser entendida a partir da

história da sociedade da qual é parte e expressão. Isto supõe inseri-la no quadro

das relações sociais, da luta entre classes sociais e das relações destas com o

Estado.

A história do Serviço Social, de igual modo, reflete a história da sociedade

brasileira e o seu reconhecimento como profissão inserida na divisão social e

técnica do trabalho, vai adquirindo alcances ao longo de sua história, e

diferentes representações no campo intra-profissional e no senso comum.

Não partimos do que os homens dizem, imaginam e representam, tão pouco do que eles são nas palavras, no pensamento, na imaginação, e na representação dos outros, para depois chegar aos homens de carne e osso; mas partimos dos homens em sua atividade real, é a partir do seu processo de vida real que representamos também o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas desse processo vital. (MARX E ENGELS, 1989, p. 21)

Toda imagem profissional é produzida pelo fazer dos próprios

profissionais, e ao longo da história a profissão adquiriu diversas características,

segundo os condicionantes históricos. O Serviço Social é uma profissão que

deve ser compreendida a partir de sua inserção nas estruturas institucionais

prestadoras de serviços e políticas sociais. É, portanto, uma profissão

reconhecida como liberal que se insere na esfera de atividades que não estão

vinculadas diretamente à produção material, mas à regulação das relações

sociais, à criação de condições necessárias ao processo de reprodução social,

através de ações que incidam sobre as condições de vida dos homens.

Ao longo deste item discorreremos sobre alguns aspectos da trajetória

profissional que contribuíram e contribuem para criação de um imaginário tão

diversificado a respeito do Serviço Social, e que lhe atribui um reconhecimento

como profissão por vezes subalternizada. Esta condição pode influir no alcance

de novos e outros campos profissionais, a exemplo da educação.

A categoria profissional tem dedicado um importante espaço para

compreender os fundamentos e razões sobre sua origem como profissão e sua

legitimação, assim como as funções que cumpre na sociedade e no Estado. As

práticas cotidianas do Serviço Social e o investimento que a academia e os

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órgãos da classe fazem para ratificar o significado social da profissão são

importantes espaços para a constituição do seu reconhecimento social

simbólico. Neste sentido, compreender a história, a gênese e os diversos

referenciais teórico-metodológicos desenvolvidos ao longo da trajetória da

profissão, são fundamentais para entender os seus desafios na atualidade.

Para Rosa Trindade (2001) uma primeira forma de se compreender o

período inicial do Serviço Social no Brasil seria demarcando-o como uma

evolução das formas tradicionais de assistência, aliadas às orientações técnicas

e doutrinárias próprias da ação social católica, característicos das décadas de

30 e 40 do século XX. Neste período também se disseminou o pensamento

racionalista-moralizador, impulsionado pelo desenvolvimento das ciências

sociais. Antes mesmo da fundação da primeira escola brasileira de Serviço

Social no ano de 1936, os membros do Centro de Estudos e Ação Social de São

Paulo (CEAS) já desenvolviam trabalhos junto às famílias operárias nos

chamados Centros Operários, através da realização de aulas diversas e

palestras educativas.

As primeiras Escolas de Serviço Social surgem então da perspectiva que

guarda uma ação influenciada por uma moral religiosa e de classe. A forma de

intervenção das agentes sociais formadas junto à população-cliente expressa

uma relação de educação familiar e religiosa que elas mesmas receberam, que

inclui a vigilância e repressão aos instintos, e o recalque dos elementos

materiais em função dos valores espirituais. Essa formação educacional e

familiar, até então hegemônica, também se tornou interessante para o capital e

para o Estado que se viam cada vez mais pressionados pela classe operária em

torno dos direitos sociais, gerando então, a necessidade de instrumentos de

controle social.

Desde o início de sua atuação em instituições estatais, para-estatais

destinadas à prestação de serviços de assistência, e empresas, os profissionais

desenvolveram vários procedimentos técnicos. Para além da visita domiciliar e

da aplicação dos inquéritos sociais, também desenvolviam trabalho educativo

voltado para orientações quanto a questões morais, de higiene e uso racional da

renda familiar. Não se trata, assim, de uma mera transposição do arsenal

prático-interventivo dos agentes sociais da caridade tradicional. Os

procedimentos acumulados ao longo das experiências anteriores estão agora

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matizados pelas recomendações de tecnificação das práticas sociais da igreja,

pelo influxo da Psicologia, da Sociologia e pela racionalização do Estado.

Nesta perspectiva, frente aos avanços do movimento proletário das

décadas de 30 a 50, percebe-se que o Estado assume paulatinamente uma

certa forma de organização, canalizando para sua órbita os interesses

divergentes que emergem das contradições entre as diferentes frações

dominantes e as reivindicações dos setores populares, para em nome da

harmonia social, do desenvolvimento e da colaboração entre as classes,

discipliná-las. A política social do regime que tomará forma através da legislação

sindical e trabalhista, será sem dúvida um elemento fundamental do processo.

Uma outra maneira de entender o surgimento e a profissionalização do

Serviço Social, enquanto especialização do trabalho coletivo está então ligada à

emersão da “questão social”1 no período de desenvolvimento e consolidação do

capitalismo no Brasil na primeira metade do século XX, período em que o

movimento operário já conforma sua presença no cenário político como classe.

A profissão surge da estratégia de dar um tratamento sistemático à “questão

social”, de frear o movimento operário e assegurar as condições gerais de

reprodução do capital no fordismo-keynesianismo. A interpretação da “questão

social” como elemento constitutivo da relação entre a profissão e a realidade

social, tem algumas implicações: trata-se de imprimir historicidade a este

conceito e a seus nexos causais relacionados às formas de produção e

reprodução do capital, das relações sociais e logo, das condições de vida, de

cultura e de riqueza.

A profissão se institucionaliza dentro da divisão capitalista do trabalho,

participando da implementação de políticas sociais específicas executadas por

organismos públicos e privados, inscritos no esforço de legitimação do poder de

grupos e frações das classes dominantes que controlam ou têm acesso ao

aparato estatal. Na operacionalização de medidas instrumentais de controle

social, o emprego de técnicas é largamente utilizado enquanto meios de

influenciar a conduta humana e mediar as possíveis tensões sociais.

Frente à realidade social posta, à crescente pauperização da população e

às demandas desenvolvimentistas, a teoria positivista respalda as ações do

1 Segundo Cerqueira Filho (1982), a questão social engloba o “conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs ao mundo, no curso da constituição da sociedade capitalista. Assim, a questão social está fundamentalmente vinculada ao conflito entre o capital e o trabalho”.

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Serviço Social neste período, para formatação de uma prática que minimizaria

os conflitos sociais, e adequaria os indivíduos, então desajustados, à sociedade.

Neste sentido, levanta-se o debate sobre a importância do reconhecimento

científico e a validação de uma prática. Aponta-se a necessidade de laicização

da prática social.

Carlos Montano (2000) ressalta que existem duas perspectivas

claramente opostas sobre a gênese do Serviço Social, e as categoriza em:

perspectiva endogenista que pressupõe a origem do Serviço Social como a

evolução, organização e profissionalização das anteriores formas de ajuda, da

caridade e da filantropia, e a perspectiva histórico-crítica que entende o

surgimento da profissão como um subproduto das sínteses dos projetos político-

econômicos que operam no desenvolvimento histórico, quando o Estado

assume as respostas para a “questão social”.

Para a primeira perspectiva, diversos autores como Herman Kruse

apresentam o Serviço Social como o aplicador de teorias, como uma forma de

ajuda sistemática de orientação protestante, ou como prática da sociologia,

respectivamente. José Lucena Dantas destaca que o Serviço Social tradicional

passa por etapas. Assim, o modelo assistencial, caracterizaria as práticas de

ajuda que antecedem o Serviço Social como profissão, a exemplo das práticas

presentes na idade média até o século XIX; o modelo de ajuste, que se refere ao

período de institucionalização das práticas conhecidas como Serviço Social,

principalmente o norte-americano, cuja finalidade seria a adaptação dos

indivíduos ao sistema social; o modelo de desenvolvimento e mudança social, a

que pertencem o modelo revolucionário, de cunho político-ideológico e o modelo

para desenvolvimento, eminentemente científico. (Batista Lopes, 1980)

Balbina Ottoni Vieira (1977) considera que o Serviço Social está presente

nas sociedades desde as origens da humanidade, através dos atos de

prevenção dos males sociais e promoção do bem-estar. Assim, a ajuda ao

próximo, pode ser em qualquer de suas dimensões, caridade, filantropia ou

Serviço Social.

Essas análises representam diferentes matizes e distintas ênfases de

uma mesma tese: o Serviço Social é a profissionalização, organização e

sistematização da caridade. Nas análises sobre a gênese do Serviço Social, os

autores não consideram a história da sociedade como fundamento e

causalidade do desenvolvimento profissional, apenas situam as diferentes

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etapas em contextos históricos. Portanto, tratam de compreender a profissão a

partir dela mesma, não considerando suas relações com a sociedade, com as

classes e lutas sociais.

O assistente social é solicitado tanto pelo caráter propriamente técnico-especializado de suas ações, senão, antes e basicamente, pelas funções de cunho educativo, moralizador e disciplinador (...) o assistente social aparece como o profissional da coerção e do consenso, cuja ação recai no campo político (IAMAMOTO, 1997, p.145).

Para a perspectiva histórico-crítica, o Serviço Social desempenha um

papel claramente político, tendo uma função que não se explica por si mesma,

senão pela posição que ocupa na divisão sócio-técnica do trabalho. A profissão

é compreendida como um produto histórico, assim sua dinâmica depende das

relações entre as classes e destas com o Estado, no enfrentamento da “questão

social” e na implementação das políticas sociais.

José Paulo Netto (1997), afirma que é na interseção de processos

econômicos, sociopolíticos e teórico-culturais que ocorrem na ordem burguesa,

no capitalismo da idade dos monopólios, que se gestam as condições para

emergência do Serviço Social como profissão na Europa. A formulação e a

implementação das políticas públicas, próprias desta fase da ordem

socioeconômica, estimulam a criação de novas profissões especializadas, entre

as quais o Serviço Social surge ocupando uma posição subordinada na divisão

sócio-técnica do trabalho, vinculado à execução terminal das políticas sociais.

Assim, o surgimento da profissão deve sua existência à necessidade do

Estado e da classe hegemônica de manutenção do sistema, a fim de legitimá-lo

em função das demandas populares e do aumento da acumulação capitalista.

Uma marca que a maioria dos autores apresenta sobre a profissão é seu

caráter de subordinação. Dentre os fatores que contribuem para a

subalternidade da profissão, Montano (2000) aponta dois aspectos. O primeiro

se refere ao Serviço Social como profissão eminentemente feminina, que se

insere em sociedades marcadas e regidas por padrões patriarcais e machistas.

Além disso, desde os primórdios da profissão, o Serviço Social é estigmatizado

por ter uma função auxiliar tanto no que se refere à assistência aos setores

pobres da população, como profissional subalterno e auxiliar a outros

profissionais. Logo, não era visto como uma profissão que toma decisões, que

define os objetos das políticas sociais e os recursos a implementar, mas ao

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contrário, era reconhecida como profissão que executa as decisões dos outros,

e que conhece a realidade social através do olhar de outras profissões. Ao longo

de sua história, esse traço foi recebendo outros contornos e para a categoria

profissional vem sendo ultrapassado.

A segunda questão se refere ao entendimento do Serviço Social como

uma profissão que não careceria de produção científica, apenas de importação

do acervo teórico das ciências e sua aplicação prática. Esta é uma separação

radical entre disciplinas que produzem conhecimentos científicos e disciplinas

que os aplicam na prática, e que constituem a base do que chamamos de

“praticismo” do Serviço Social.

Para Rosa Trindade (2001) ao longo da trajetória profissional a produção

sociológica americana deixa de analisar e conjurar os fenômenos sociais de

“desvio” pessoal e de desorganização social, passando a estudar as

possibilidades de adequação desse trabalhador à organização da sociedade

burguesa. Assim, Mary Richmond, destaque no Serviço Social americano por

sua produção que trata das práticas individuais de assistência e, Gordon

Hamilton, que desenvolve o Serviço Social de Casos, a partir de um viés

psicologizante composto por estudo, diagnóstico e tratamento, são autoras que

evidenciam a lógica de “ajuste” do trabalhador. José Paulo Netto (1992) aponta

que esta tendência é própria do capitalismo monopolista, quando o Estado

converte as refrações da questão social em problemas individuais.

Ainda durante essa fase de institucionalização do Serviço Social

brasileiro, também é desenvolvida a abordagem grupal, sobretudo nas décadas

de 50 e 60, quando ele é articulado à perspectiva de desenvolvimento de

comunidade. Rosa Trindade (1991) aponta que sob as influências da Psicologia

e da Psicanálise, o Serviço Social de grupos passa a ser utilizado de forma geral

para solução de problemas pessoais de relacionamento e socialização. A

perspectiva de grupos proporcionaria um autodesenvolvimento dos indivíduos e

a possibilidade de se ajustarem às normas e valores sociais vigentes.

Os trabalhos sociais de caráter comunitário desenvolvem-se através de

processos de mobilização e organização de grupos de população, a fim de

promover o desenvolvimento econômico-social de pequenas localidades. A

intenção é melhorar o meio, as condições imediatas, deixando de centrar-se

apenas nas mudanças comportamentais do indivíduo e da família. Os trabalhos

voltados para a comunidade assumem um caráter educativo e mobilizador, que

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envolvem a atuação sobre diversos segmentos populacionais, com diferentes

áreas a serem atingidas (com destaques para saúde e educação). Para

racionalização dos serviços institucionais, dissemina-se a organização do

trabalho multidisciplinar, através de equipes formadas por profissionais de

diversas áreas. Tal perspectiva está intimamente relacionada aos programas de

desenvolvimento implantados no país naquele período.

Nos anos 70 o Serviço Social inicia a discussão sobre um outro projeto

profissional e societário, se aproximando da tradição marxista. Tal debate ocorre

em paralelo a outras correntes teóricas já presentes no discurso e no fazer

profissional da época, como os conteúdos dogmáticos da Igreja Católica e o

estrutural funcionalismo. Segundo Rosa Trindade (2001), através da análise de

algumas produções da época - os Documentos de Araxá e Teresópolis -, pode-

se verificar que as principais formulações alinhadas ao projeto profissional

modernizador reconhecem as limitações da prática do Serviço Social tradicional,

no entanto buscam a renovação profissional baseada nas exigências e

demandas postas pelas propostas e práticas desenvolvimentistas.

O caráter modernizador destacado pelo Documento de Araxá de 1967

partiu do seguinte patamar consensual na apreciação da profissão:

Como prática institucionalizada, o Serviço Social se caracteriza pela ação junto a indivíduos com desajustamentos familiares e sociais. Tais desajustamentos muitas vezes decorrem de estruturas sociais inadequadas. (CBCISS, 1986, p.24)

As práticas profissionais de fundamento estrutural-funcionalista, passam a

ser questionados por setores da categoria profissional no fim da década de 70.

Um dos setores é o segmento atrelado à tradição profissional de extração

católica, e o outro de matriz histórico-crítica que se incompatibiliza com o traço

conservador da modernização. Destes, nascem as principais direções de

renovação da profissão que se farão presentes no debate profissional dos anos

80: a da reatualização do conservadorismo e a da vertente de ruptura (NETTO,

1991). Das duas vertentes, apenas a segunda se constitui num novo projeto

profissional, pois a primeira é apenas um novo referencial teórico-filosófico – a

fenomenologia – que pressupõe uma ação profissional focada no atendimento

individual através de uma ajuda psicossocial e do diálogo, visando capacitar o

cliente para transformar sua realidade (ALMEIDA, 1989). Tal concepção é

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desarticulada das determinações históricas, pois o processo se limita à vivência,

ao existencial de cada um.

A passagem dos anos 70 para os anos 80, se reveste de um clima

político de discussão e luta pela redemocratização do Brasil. Neste período

surge também um movimento mais forte de renovação profissional, cujas

premissas põem em questão toda a base profissional até então constituída.

Parcelas significativas da categoria sentem a necessidade de recorrer a um

conhecimento desvelador das contradições da realidade social que possibilite

uma postura profissional mais voltada aos interesses das classes trabalhadoras.

É o primeiro movimento de renovação profissional a enfrentar criticamente a

gênese e o desenvolvimento da profissão, priorizando o questionamento da

estrutura econômico-social como definidora da “questão social”. A atuação

profissional volta-se para abordagens coletivas que procuram mobilizar a

população para reivindicar o atendimento de suas necessidades. Destacam-se

nesse campo as atividades grupais nas quais se promovem discussões e

debates sobre a conjuntura, ou instrumentos de mobilização, como assembléias,

organização de comissões e grupos de trabalho, envolvendo sempre a classe

trabalhadora e buscando sua conscientização política. O que é novo, então, não

é a atuação dos assistentes sociais junto às formas coletivas de organização da

população, mas se tratava de um fazer que buscava se vincular e atuar junto

aos movimentos sociais.

Esta perspectiva teve seu fortalecimento durante a década de 80. No

plano teórico, os profissionais buscam se apropriar inicialmente das fontes

originais marxianas, surgindo diversos estudos que procuram se aprofundar nas

formulações originais, quanto explorar as possibilidades de sua utilização para

compreensão das questões próprias do Serviço Social e seu objeto.

No âmbito da década de 90 o sistema capitalista aponta a necessidade

de algumas medidas de ordem econômica, política e ideológica, com o objetivo

de superar suas constantes crises de acumulação. O modo neoliberal de

atuação do Estado, implica no enxugamento de seus gastos sociais com

profundo impacto na implementação das políticas sociais, que são executadas

de forma pontual e residual, exigindo novos desafios e proposições por parte da

profissão. Pode-se afirmar que é nesta década que o Serviço Social adquire sua

maioridade intelectual, e define uma direção social para sua prática, presente no

Código de Ética Profissional e no Projeto Ético-Político.

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É importante ressaltar que a história da profissão é atravessada por

diversas teorias que respaldam sua prática, e o fato de uma nova perspectiva

emergir no contexto social, não significa a supressão das já existentes, ainda

que essa nova perspectiva seja hegemônica na profissão. Assim, o fato da

perspectiva histórico-crítica atualmente ser hegemônica no discurso profissional,

não significa que perspectivas tradicionais e conservadoras não sejam mantidas

nas práticas profissionais.

Na contemporaneidade, as configurações do Estado e sua relação com

as classes, as novas expressões da “questão social”, a necessidade de

redimensionamento das intervenções sobre essas manifestações e a crescente

diferenciação dos espaços sócio-ocupacionais tornam-se desafios à profissão.

No que diz respeito à formação dos profissionais, alguns outros desafios

são postos tanto no que se refere a uma qualificação crítica e adequada a estas

demandas, quanto à necessidade de por em pauta alguns fatores que

contribuem para a definição de como o Serviço Social ainda é visto e

reconhecido, a saber:

- Algumas dificuldades de operar a relação teoria/prática: Na discussão sobre

processo de trabalho, discute-se a relação teoria-prática. Entende-se que a

profissão é atravessada por dimensões teóricas, técnicas e ético políticas, mas

por ser uma profissão geralmente demandada pelo Estado e pelo capital,

precisa também atender a essas demandas. Como manter então a dimensão de

compromisso com a classe trabalhadora? A teoria histórico-crítica, hegemônica

no discurso profissional, que prevê o compromisso com as classes

trabalhadoras e com a perspectiva de transformação, nos desafia a ampliar os

graus dessa hegemonia dentro da profissão e a buscar ações para

operacionalização real do seu projeto ético-político.

Então o Serviço Social é um trabalho especializado, expresso sob a forma de serviços, que tem produtos: interfere na reprodução material da força de trabalho e no processo de reprodução sociopolítica ou ídeo-política dos indivíduos sociais. (IAMAMOTO, 2001, p. 69).

- O Serviço Social, ao longo de sua história, produziu a sistematização de seus

conhecimentos e práticas tardiamente. Tal iniciativa só foi possível, porque foi

criada a categoria de docência para os profissionais e estes puderam se dedicar

à pesquisa e extensão, além do investimento nos cursos de pós-graduação. Até

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a década de 60, parte dos profissionais que estavam no campo prático assumia

também essa atribuição, o que dificultava sobremaneira a dedicação exclusiva à

produção de conhecimento e sistematização das experiências. O

reconhecimento do Serviço Social pela CAPES, como profissão que produz

conhecimento, se deu apenas em 1987.

- Diretrizes curriculares não são obrigatórias – Recentemente tivemos a

aprovação das diretrizes curriculares mínimas, que norteiam os cursos de

graduação. Essas diretrizes que teriam de ser obrigatórias, tornam-se apenas

desejáveis, ficando a cargo da faculdade ou universidade seu uso integral ou

parcial. Percebe-se um comprometimento da formação técnica, teórica e ético-

política, tendo em vista a intenção de algumas universidades em atenderem tão

somente as demandas do mercado de trabalho. É importante destacar aqui que

não se trata de questionarmos o rico debate que se estabelece entre as diversas

bases teóricas que fundamentam a profissão, mas a de abertura a uma

ausência de padrões de formação que estejam de acordo com a proposta das

diretrizes.

Para Iamamoto (1997), a prática profissional deve ser fruto da história, e

ao mesmo tempo, produto teórico-prático dos seus agentes. Assim, entende que

o espaço profissional é uma conjunção de fatores contraditórios, como

resultante da luta pela hegemonia que se estabelece entre as classes

fundamentais e suas alianças e as respostas teórico-práticas carregadas de

conteúdo político, efetuadas por um coletivo profissional. Segundo a autora, a

partir do jogo das forças sociais presentes nas circunstâncias do trabalho, o

profissional deve reorientar a prática profissional a serviço dos interesses e

necessidades dos segmentos majoritários da população, consolidando novas

fontes de legitimidade profissional.

Mas o assistente social não trabalha só com coisas materiais. Tem também efeitos na sociedade como profissional que incide no campo do conhecimento, dos valores, dos comportamentos, da cultura, que, por sua vez, têm efeitos reais interferindo na vida dos sujeitos. Os resultados da ação existem e são objetivos, embora nem sempre corporifiquem como coisas materiais autônomas, ainda que tenham objetividade social (e não material), expressando-se sob a forma de serviços. (IAMAMOTO, 1998, p.68).

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Ao longo da trajetória profissional, percebe-se que a função pedagógica

do assistente social, em sua diversidade, é determinada pelos vínculos que a

profissão estabelece com as classes sociais e se materializa por meio dos

efeitos da ação profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos envolvidos

nos processos dessa prática. As relações pedagógicas podem se concretizar

sob a forma de ação material e ideológica nos espaços cotidianos de vida e de

trabalho das classes pauperizadas, integradas a estratégias de racionalização

de produção e de reprodução das relações sociais e do exercício de controle

social.

No próximo item trataremos de como a profissão historicamente

desenvolveu sua função pedagógica e sua perspectiva educativa a fim de dar

materialidade a seu projeto profissional e societário.

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I.2. Experiências históricas do Serviço Social na Educação

O processo de institucionalização do Serviço Social como profissão pode

ser compreendida nos marcos da trajetória de estruturação das políticas sociais,

pois historicamente estas têm sido lócus privilegiado de trabalho dos assistentes

sociais. Isto significa que os obstáculos, avanços e respostas profissionais são

constitutivos das relações sociais que particularizam o modo de produção e de

suas condições de reprodução em nossa sociedade. Nessa trajetória, o Serviço

Social desenvolveu diversas experiências sociais e educativas como forma de

interferir na vida dos sujeitos.

O conjunto das políticas sociais é determinado pela correlação de forças

postas pela sociedade, no confronto estabelecido pelos sujeitos sociais a partir

de seus projetos societários, assim como pelos valores e modos de

interpretação da realidade hegemônicos na sociedade. Por isso, as condições

de exercício profissional não resultam exclusivamente de graus de consciência

crítica que os sujeitos têm da realidade ou de sua capacidade teórico-

metodológica, ética ou política, mas também de processos históricos de

reprodução social nos quais interage. A autonomia profissional expressa então a

possibilidade de ações profissionais como tentativas de superação de

racionalidades e valores dominantes que condicionam a organização da

prestação de serviços sociais.

As políticas sociais desenham um campo de forças no qual a profissão ganha visibilidade social, materialidade institucional e potencialidade histórica. (ALMEIDA, 2002, p.5)

A trajetória de inserção do Serviço Social nas diferentes áreas de política

social tem apontado que não se pode deduzir seu lugar sócio-institucional

consagrado em toda e qualquer política social setorial, pois tal processo decorre

da combinação concreta de diferentes aspectos, tais como: o grau de

negociação alcançado no interior do Estado pelas forças atuantes da sociedade

civil quanto à incorporação de novas demandas sociais, a maior ou menor

participação estatal na regulação dos processos de reprodução da força de

trabalho, e as formas de organização das redes de serviço (ALMEIDA, 2005).

A consolidação dos espaços profissionais não tem se dado como

resultado exclusivo de um movimento progressivo de ampliação dos direitos

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sociais, mas pela dinâmica contraditória das lutas sociais. Neste contexto, tem-

se desde as áreas já consagradas como a de saúde, como aquelas emergentes

no campo do esporte e lazer.

O campo da educação não tem se constituído em um campo de trabalho

com peso expressivo para o Serviço Social, e apresenta aparente fragilidade em

termos de requisição quanto a uma atuação profissional mais permanente.

Segundo Charles Toniolo (1999), a educação pode ser tomada como um

dos mais complexos processos da vida social. A história desta política articula a

relação das esferas privadas, públicas, formais e comunitárias, econômica e

ideológica, e a inscrição de um conjunto de práticas educacionais ao campo da

política social é a expressão histórica de uma disputa pela direção da

elaboração e difusão da cultura dos diferentes grupos sociais que ocupam

lugares distintos na organização da produção em nossa sociedade. A educação

sempre foi determinada, em última instância, pela dinâmica do modo de

organização social da produção dos bens materiais necessários à sobrevivência

dos sujeitos sociais, e é também uma das principais e estratégicas áreas de

atuação do Estado.

Para tratar da experiência educacional histórica do Serviço Social, optarei

por caracterizar essa inserção sob cinco perspectivas: a tradicional, a

desenvolvimentista, a educação popular, a política e a sócio-educativa.

A perspectiva educativa tradicional está presente desde a origem do

Serviço Social que vem sendo demandado pelo Estado para o equacionamento

da questão social. Para tanto, a profissão adquiriu um caráter educativo e

moralizador, fundamental para impedir a desestruturação familiar e social. A

inserção no Juízo de Menores, no Serviço de Assistência ao Menor, nos Centros

Familiares, nas empresas, através de serviços exteriores à unidade de

produção, deixa claro o perfil de atendimento aos sujeitos desajustados ou em

vias de desajuste, apontando a marca ideológica dessa metodologia que

envolvia a atuação com visitas domiciliares, ação educacional (formação moral,

higiene, etc.) e contatos com os movimentos de aperfeiçoamento moral e

profissional (IAMAMOTO, 1995). Há uma exaltação da personalidade, a

educação baseada nas qualidades humanas, nas virtudes e energias morais, na

lealdade, que traduzem um inculcamento do respeito às regras da divisão social

do trabalho.

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Apesar de já ter sido apontado, destaco aqui a perspectiva educativa de

cunho desenvolvimentista presente no Serviço Social, principalmente após a II

Guerra Mundial. A profissão de assistente social se institucionaliza na divisão

capitalista do trabalho, como partícipe da implementação de políticas sociais

específicas, levadas a efeito por organismos públicos e privados, inscritos no

esforço de legitimação do poder dos grupos e frações das classes dominantes.

Medidas de controle social e uso de técnicas sociais são largamente utilizados

enquanto meios para influenciar a conduta humana, adequando os sujeitos a

uma sociedade em desenvolvimento, a fim de prevenir e canalizar a eclosão de

tensões. Importa não atuar mais de forma apenas coercitiva, mas de criar

adesões dos trabalhadores à ordem econômica que crescia e se estruturava. No

caso, por exemplo, da formação técnica oferecida pelo SENAI, era desenvolvida

em paralelo a educação social e moral, concomitante à prestação de serviços

assistenciais (médico-odontológicos e alimentares), como aponta IAMAMOTO

(1995).

A inserção do Serviço Social na educação popular, se deu a partir da

década de 60. Dentre os movimentos de educação popular, tais como

Movimento de Educação Popular e a pedagogia de Paulo Freire, o Movimento

de Educação de Base (MEB) foi uma das principais referências históricas. O

MEB fora criado em março de 1961 pela igreja católica, através da CNBB

(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) com o objetivo de desenvolver um

programa de educação de base, através de escolas radiofônicas, principalmente

nas zonas rurais das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.

Para Osmar Fávero (2006), a educação de base é entendida como o

mínimo fundamental de conhecimentos teórico-práticos, imprescindíveis às

populações pobres das regiões ditas atrasadas para que as mesmas pudessem

caminhar em direção ao desenvolvimento. Foi o movimento que logrou

penetração intensa no meio rural dando apoio inclusive à sindicalização rural e

foi o único a sobreviver ao golpe militar de 1964 e à repressão dos anos

seguintes.

O MEB apresentou muitas contradições entre os setores internos à Igreja

(bispos e leigos), assim como entre a Igreja e o Estado. Essas tensões para

Fávero (2006), impulsionaram o MEB a definir-se como autenticamente popular:

os agentes assumiam interesses populares e assessoravam grupos de base.

Tendiam a ser a própria voz desses grupos, na medida em que a ação educativa

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era cada vez participada pelos camponeses e trabalhadores rurais e as decisões

tendiam a ser cada vez mais definidas por esses grupos. Numa análise da

prática pedagógica do MEB pode-se dizer que atuava com a alfabetização, a

formação das consciências (conscientização), organização e animação de

grupos de base (politização), onde os valores culturais dos grupos eram

apreendidos, retraduzidos e retornavam aos mesmos grupos.

Após dois anos de funcionamento, a proposta e as práticas iniciais do

MEB fundadas como exigência para ação evangelizadora junto às massas,

como dever dos cristãos junto aos pobres, marcados pelo populismo e

desenvolvimentismo, foram revistas em função de uma nova opção ideológica,

expressa no seguinte texto:

Considerando as dimensões totais do homem e utilizando todos os processos autênticos de conscientização, contribuímos de modo decisivo para o desenvolvimento do povo brasileiro, numa perspectiva de autopromoção que leve a uma transformação de mentalidades e estruturas. (MEB, 85, p.1).

A disputa ideológica estava presente e a transformação radical da

sociedade estava em pauta, e, o que imprime o caráter popular é o fato desse

programa ou movimento colocar-se a serviço das classes subalternas e estar ao

lado das populações oprimidas em suas lutas.

Os Assistentes Sociais participavam das equipes de atuação junto à

população e dentre as técnicas utilizadas estavam: organização de

comunidades, serviço social de grupo, educação sanitária e extensão agrícola.

A perspectiva educativa de caráter político se deu principalmente após o

movimento de reconceituação do Serviço Social. Tal como se expressou em sua

tônica dominante na América Latina, representou um marco decisivo no

desencadeamento do processo de revisão crítica do Serviço Social no

continente a partir da década de 70. A aproximação do Serviço Social à teoria

marxista contribuiu para um processo de ruptura teórica e prática com a tradição

profissional, e deu-se por meio da prática junto à movimentos sociais, que

favoreceu a passagem da militância política para a prática profissional. Essa

primeira forma de aproximação redundou no chamamento dos profissionais ao

compromisso político, sugerindo a necessidade de dispor de um ponto de vista

de classe na análise da sociedade e do papel da profissão nessa sociedade. Tal

ação supõe uma consciência teórica capaz de possibilitar a explicação dos

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processos sociais. Portanto trabalhos coletivos de educação e “conscientização”

dos trabalhadores, o incentivo ao controle social e seu acompanhamento, e a

assessoria aos movimentos sociais, pautaram e pautam as ações do Serviço

Social com este viés. Segundo Marilda Iamamoto (2001), o Serviço Social viu-se

refém de uma antiga contradição: a coexistência de uma ética de esquerda e

uma epistemologia de direita, palavras de Luckács. Subjacente encontrava-se a

ilusão de que a consciência teórica resultaria direta e unilateralmente da luta de

classes, movida pela vontade política, gerando o fatalismo ou messianismo.

A perspectiva sócio-educativa trata da experiência do Serviço Social nas

mais diversas políticas sociais. Segundo o site do Conselho Regional de Serviço

Social do Rio de Janeiro: “O profissional de Serviço Social realiza um trabalho

essencialmente sócio-educativo e está qualificado para atuar nas diversas áreas

ligadas à condução das políticas sociais públicas e privadas, tais como

planejamento, organização, execução, avaliação, gestão, pesquisa e

assessoria”.

Assim, este trabalho não é necessariamente uma ação específica de

intervenção numa política social, mas traduz uma ação essencial da profissão,

no que tange a forma de intervir na realidade social, utilizando-se de

ferramentas educacionais e objetivando incidir sua ação também no campo dos

conhecimentos, dos valores, dos comportamentos e da cultura. Tal ação tem

efeitos reais na vida dos sujeitos, seja para perpetuar a ordem vigente, seja para

construção de uma contra-hegemonia. É interessante perceber como essa

perspectiva por vezes mais confunde do que esclarece, na medida em que nela

por si só não está contida a intenção política da ação. Logo, educar socialmente

os indivíduos pode significar educar para a vida e construir conhecimentos

inerentes ao exercício da cidadania dentro ou fora da lógica do capital.

A educação pública embora defendida desde o século XX pelos liberais,

sempre foi tomada como contendo um potencial de ameaça oriunda das massas

ao projeto de dominação política das elites (LEAL, PIMENTEL & PINTO, 2000 e

MONARCHA, 1989). Assim, as tensões no campo educacional, decorrentes dos

interesses das distintas forças sociais em relação à dimensão estratégica da

educação no campo cultural e produtivo, determinaram longos processos de

negociação e embates, fazendo com que as duas Leis de Diretrizes e Bases da

Educação, tramitassem durante longos anos no Congresso, a primeira de 1948

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a 1961, e a segunda de 1988 até 1996, e conservassem a cultura política dos

acordos no interior das elites dirigentes.

A aprovação da última LDB, Lei nº. 9.394 de dezembro de 1996

representa um marco na relação Estado e Sociedade Civil, expressando o

esforço do governo para atender às exigências externas colocadas à inserção

do país na globalização, reforçando o projeto neoliberal, na sua dimensão

ideológica quanto na organização gerencial da política educacional.

Ainda é tímida a participação de assistentes sociais nas políticas

educacionais, mas torna-se necessário pensar a educação para além da

política, pois requer um olhar sobre a própria dimensão educativa da intervenção

como constitutiva desses processos mais amplos, e não necessariamente

vinculada a essa área de atuação do Estado, via política social.

A escola vem adquirindo função estratégica como ponte de acesso de

largos segmentos sociais às políticas sociais e seus programas, e isto não vem

sendo um processo tranqüilo para a escola. Há ainda a visão que assistência

social se converte em assistencialismo e que determina um conformismo das

estratégias de sobrevivência das famílias aos programas sociais. Além das

inúmeras situações de violação de direitos presentes no e pelo cotidiano

escolar, que a escola se vê limitada em trabalhar.

A atuação do assistente social no campo educacional pressupõe a

compreensão da educação enquanto Política Social e exige uma ação articulada

de diversos sujeitos sociais, e de uma equipe de profissionais que esteja

minimamente alinhada em relação ao que se pretende de uma ação educativa.

Algumas ações profissionais culpabilizam exclusivamente o aluno e sua família

pelas questões sociais trazidas e por isso tem a intenção de civilizá-los numa

ótica de ajuste à ordem. Uma perspectiva de ação mais crítica tem por finalidade

a formação de sujeitos capazes de pensarem por si mesmos a partir do domínio

de bens culturais produzidos socialmente, a fim de que assumam sua condição

de sujeitos na dinâmica da vida social.

Grandes são as questões no campo da educação que desafiam o Serviço

Social, principalmente na educação pública. A começar pela diversidade dos

campos de atuação, a evasão e o fracasso escolar, a violência, os preconceitos

em relação aos alunos e sua família, a relação de poder exercida pelos

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educadores, e a ausência de participação das famílias. No cotidiano escolar,

sujeitos historicamente determinados se encontram e interagem a partir de suas

concepções e representações do mundo, da sua vida e do outro, demandando

uma análise de contexto e de um fazer que considere o reconhecimento da

liberdade como valor ético central, a defesa intransigente dos direitos humanos,

e a defesa do aprofundamento da democracia.

Mais do que ter ciência da importância da ação educativa, o Assistente

Social deve ter clareza da dimensão política desta ação, e contribuir para o

amplo conhecimento de que uma outra realidade humano-social é possível.

A seguir, trataremos das tentativas históricas da profissão em se inserir

legalmente no campo da educação e sob qual ótica tal inserção era demandada.

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I.3. Tentativas políticas de inserção do Serviço Social na Política de Educação

Para desenvolvimento deste item, tomaremos como referência o parecer

sobre os projetos de lei que dispõem sobre a inserção do Serviço Social na

educação, elaborado pelo professor Ney Luiz Teixeira de Almeida, a pedido do

Conselho Federal de Serviço Social em setembro de 2003, a fim de subsidiar as

discussões sobre as estratégias e ações a serem adotadas para

institucionalização do campo educacional como área de atuação e mercado de

trabalho.

Dentre os projetos de lei, podemos citar:

-Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº. 2.006, de 1974: “Modifica

a redação do artigo 10 da Lei nº. 5.692, de 11 de Agosto de 1971, que fixa as

Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º Graus, instituindo a obrigatoriedade

de Serviço Social Escolar”. O projeto de Lei foi elaborado com intuito de

modificar um artigo da LDB aprovada cerca de três anos antes e após treze

anos de tramitação no Congresso Nacional. A presença do Serviço Social é

justificada pela formação específica deste profissional, identificada como

necessária, e sem que possa ser desenvolvida pelo professor, a condução das

atividades de “assistência social escolar”, tal como segue o texto:

A Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º graus, em inúmeros dispositivos, sugere a necessidade de tratamento especial aos alunos que apresentem aproveitamento deficiente, em razão dos problemas emocionais decorrentes, que de educação familiar errônea ou deficiente, quer da dificuldade em colocar-se no meio social, ou ainda, de defeitos físicos ou mentais, sendo bastante acentuada a ocorrência dessas anomalias. (Lei nº. 5.692, de 11 de agosto de 1971).

Tal texto tal a concepção clara de como a escola vem sendo

“atrapalhada” pelas atuais composições e arranjos familiares e de como suas

estratégias de sobrevivência estão fortemente presentes no universo

educacional. A idéia de desajustamento social e a percepção da “questão social”

como uma anomalia, estão embutidas na concepção que culpabiliza o indivíduo,

que merece ter seus ímpetos contidos.

-Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.995, de 1976: Este

projeto de lei é uma reapresentação do anterior em uma nova legislatura. Sua

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menção só se faz necessária conquanto dá continuidade à mesma linha de

abordagem anterior, imprimindo uma marca ideológica dos tempos da ditadura à

intervenção que se desejava produzir com a inserção dos Assistentes Sociais

nas escolas:

Procuramos estabelecer com este projeto de lei a obrigatoriedade de assistência social escolar, executada por profissional especialmente formada, a Assistente Social, porque entendemos que não basta sabermos da existência de um mal com conseqüências ruinosas para formação das novas gerações, mas localizarmos as suas origens, para tentar elimina-las. (Lei nº. 1.995, de 1976).

O “mal” se referia certamente aos alunos e famílias e não à vida escolar. -São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº59, de 1978: O

presente projeto de lei visava instituir na Secretaria dos Negócios da Educação

do Estado de São Paulo o setor de Serviço Social Escolar. Não cabe retomar a

questão já tratada anteriormente sobre o Serviço Social Escolar, apenas

sinalizar a sua persistência nos textos legais.

Serão atribuições do Setor de Serviço Social Escolar o tratamento psico-social aos membros do corpo discente, a promoção da interação de grupos, a orientação social, a integração escola-comunidade, a assessoria às associações ligadas às unidades de ensino, o desenvolvimento de campanhas, seminários e ciclos de estudos, o incremento das atividades de lazer e a formação de grupos voltados para a prática cultural e desportiva, dentre outras. (Lei nº. 59, de 1978)

O texto afirma as modalidades tradicionais de intervenção do Serviço

Social: caso, grupo e comunidade, enfatizando uma perspectiva psico-social. A

justificativa apresentada para a criação do Setor de Serviço Social Escolar

enaltece tanto os problemas de ordem psicológica que constituiria um

argumento mais adequado para a criação de um Setor de Psicologia da

Educação. Identifica-se, desta forma, uma predominância ainda de abordagens

com um nítido sentido de garantia da funcionalidade da vida escolar e cujos

maiores entraves repousam sobre as disfunções e desajustes individuais dos

alunos assim como os apresentados por suas famílias.

- São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº. 374, de 1981: O texto

reitera a abordagem do projeto de lei anterior, enfatizando a atuação dos

assistentes sociais nos programas de lazer e cultura e junto aos centros cívicos

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e Associações de Pais e Mestres. A ênfase da atuação profissional está

centrada na relação Escola-Família-Comunidade.

-São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº. 336, de 1983: A

ênfase da intervenção ainda está assentada na relação Escola-Família

Comunidade. Contudo, o texto do projeto em tela não faz mais alusão ao

Serviço Social Escolar, dirigindo-se a criação de um Serviço Social na Escola.

Outra mudança bastante visível, e que comprova a aproximação do processo de

elaboração e tramitação do referido projeto à dinâmica interna do Serviço Social,

pode ser identificada na apresentação dos objetivos do Serviço Social na

Escola. Há aqui um claro redirecionamento da abordagem do significado da

profissão, saindo da perspectiva psico-social para uma análise mais política da

atuação dos assistentes sociais.

É objetivo geral do Serviço Social na Escola concorrer para a plena realização desta instituição educadora, socializadora, integradora, transformadora e conscientizadora, com vistas ao Desenvolvimento Social. Parágrafo 1º - São objetivos específicos do Serviço Social na Escola: Identificar nos processos sociais as causas que impedem a plena participação dos elementos envolvidos no âmbito da educação para o alcance da qualidade de vida compatível com os direitos e exigências humanas; Propor alternativas e possibilitar a participação e integração da escola no conjunto da sociedade como um todo, com o objetivo de que essas causas sejam eliminadas e o processo de desenvolvimento social, ao nível educacional, se transforme de acordo com os direitos e exigências humanas; Participar na formulação e implementação das políticas sociais e seus respectivos planos que forem formados ao nível da educação sistemática e assistemática; Parágrafo 2º - Para a consecução do disposto neste artigo, utilizar-se-á da metodologia específica do Serviço Social, e dos meios institucionais: planejamento escolar, programas de lazer, cultura, integração escola-comunidade, das entidades e associações auxiliares já existentes: Centros Cívicos e Associações de Pais e Mestres. (Lei nº 336, 1983)

Neste texto cria-se um outro problema: o de situar os objetivos

profissionais num plano irrealizável enquanto tal, visto que encerram um alcance

social e político que não se inscreve no âmbito de uma única profissão, mas da

luta social empreendida por outros sujeitos sociais.

-São Paulo. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº. 09, de 1984: Este projeto de

lei municipal representa um significativo avanço em relação aos anteriores e por

uma razão particular: ele é elaborado pela então vereadora da Cidade de São

Paulo e assistente social Luiza Erundina de Sousa. O projeto apresenta um

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texto sintonizado ao debate político e intelectual sobre o Serviço Social da

época.

Artigo 3º - O Serviço Social na Escola tem por objetivo geral, contribuir para que o processo educacional corresponda aos direitos, necessidades e melhores condições de vida e trabalho da população abrangida pela ação da escola e, assim, cumprir plenamente suas finalidades de formação e transformação social. Parágrafo único: São seus objetivos específicos: a) Identificar e caracterizar as situações sociais que impedem a participação dos indivíduos e grupos envolvidos no processo educacional, nos bens e serviços necessários para uma condição de vida satisfatória e condizente com os reais direitos e exigências humanas. b) Estimular a população a refletir sobre os problemas sociais que interferem direta ou indiretamente nas suas condições de vida e trabalho, buscando em conjunto alternativas que visem à superação desses problemas. c) Identificar e resgatar as diversas experiências e manifestações de cultura popular, contribuindo para a incorporação desses conteúdos na criação e reformulação de propostas educacionais. d) Criar condições para que se efetive a participação dos diferentes agentes do processo educativo na formulação de políticas educacionais e de propostas alternativas de trabalho. e) Contribuir para que a escola se constitua, também, num espaço de reflexão e vivência social que complemente o processo formal de educação. f) Estimular a criação de programas destinados aos escolares, em horários diferentes do período de aula, propiciando um espaço alternativo de informação, lazer e orientação sócio-educativa.

Os objetivos acima descritos indicam a presença de elementos inéditos,

não referidos nos projetos anteriores. O primeiro deles diz respeito à atuação

dos assistentes sociais não só junto ao segmento estudantil e suas famílias,

mas também junto a outros agentes envolvidos com processo educativo: os

trabalhadores da escola. A segunda novidade se relaciona ao enfoque do

trabalho profissional na perspectiva da condução de atividades que envolvam as

condições de vida e trabalho da população.

São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 517, de 1987: O projeto

de lei de 1987 é, na verdade, uma reedição do Projeto de Lei nº 336 de 1983,

não contendo nenhum elemento novo substantivo para a presente análise.

São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 442, de 1995: O

presente projeto também reedita o Projeto de Lei nº 336 de 1983 mantendo a

mesma base de justificação quanto à inserção dos assistentes sociais nas

escolas. A principal modificação está contida na exposição das competências do

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Serviço Social nas escolas de 1º e 2º graus do Estado de São Paulo, voltando-

se novamente à utilização da concepção do Serviço Social Escolar.

Artigo 2º - Compete ao Serviço Social Escolar: I-efetuar pesquisa de natureza sócio-econômica e familiar para caracterização da população escolar; II-efetuar e executar programas de orientação sócio-familiar, visando a prevenir a evasão escolar; III-articular-se com as instituições públicas, privadas e organizações comunitárias locais, com vistas ao encaminhamento de pais e alunos para atendimento de suas necessidades; IV-promover, juntamente com a associação de Pais e Mestres, eventos com finalidade assistencial; V-coordenar os programas assistenciais já existentes na escola, como o de merenda escolar e outros; VI-realizar visitas domiciliares com o objetivo de ampliar o conhecimento acerca da realidade sócio-familiar do aluno, possibilitando assisti-lo adequadamente; VII-participar, em equipe multidisciplinar, da elaboração de programas que visem a prevenir a violência, o uso de drogas e o alcoolismo, bem como ao esclarecimento sobre as doenças infecto contagiosas e demais questões de saúde pública; VIII-elaborar e desenvolver programas específicos nas escolas onde existam classes especiais; IX-empreender outras atividades pertinentes ao Serviço Social não especificadas neste artigo.

Como se percebe não se trata de um texto totalmente novo. A novidade

se situa principalmente na explicitação, no artigo segundo, das expressões da

questão social para as quais os assistentes sociais devem dirigir seu trabalho.

As ações preventivas em relação às doenças infecto contagiosas, o

desenvolvimento de programas de prevenção ao uso de drogas e a questão da

violência, são propostas e temas que não apareceram nos projetos anteriores.

Ribeirão Preto. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº. 1.455, de 1996: O que

vale ser destacado nesse texto é a clara definição das competências do Serviço

Social nas escolas municipais, assim como a retomada da referência ao Serviço

Social Escolar.

Artigo 2º - Compete ao Serviço Social Escolar: I-conhecer o universo da população escolar nos aspectos sócio-econômico e familiar; II-elaborar e executar programa de orientação sócio-familiar, incentivando a formação de equipes multidisciplinares com o objetivo de prevenir a evasão escolar, melhorar o desempenho do aluno e sua formação para a cidadania; III-atuar junto aos grupos familiares no conhecimento e satisfação de necessidades básicas, explicitando o papel da escola como transmissora de conhecimento e reflexão crítica;

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IV-incentivar e promover a inserção da instituição educacional na comunidade articulando-a com as demais instituições públicas, privadas e organizações comunitárias locais, buscando consolidá-la como instrumento democrático de formação e de informação; V-incentivar a participação, em equipes multidisciplinares, de todos os segmentos que integram a vida escolar buscando melhorias e soluções para as questões pertinentes à saúde, à alimentação, ao lazer, à segurança e ao próprio desenvolvimento educacional; VI-motivar, organizar, estabelecer e promover, juntamente com a Associação de Pais e Mestres, Políticas de Desenvolvimento que beneficiem a vida escolar; VII-desencadear processos avaliativos, envolvendo todos os segmentos que integram a vida escolar, buscando qualidade na produção do conhecimento e na formação de valores que permeiam os objetivos propostos; VIII-elaborar e desenvolver programas específicos nas escolas onde existem classes especiais; IX-empreender e executar as demais atividades pertinentes ao Serviço Social não especificadas neste artigo.

É interessante observar, no trecho acima transcrito, a manutenção,

conforme foi identificada em outros projetos, de uma lógica de apresentação das

competências profissionais dos assistentes sociais mesclando as atribuições

contidas na lei que regulamenta a profissão com as preocupações em torno da

afirmação de um dado projeto de educação pública, articulado-as à luta pela

ampliação e conquista dos direitos sociais e fortalecimento de uma educação

cidadã. Aqui ainda cabe a sinalização de que embora o assistente social possa

cumprir este papel de apontar o significado da escola e de contribuir para novas

formas de se fazer o processo avaliativo, este esforço não deva ser considerado

como competência de um único segmento profissional.

Ribeirão Preto. Câmara Municipal. Lei nº. 7.630, de 05 de março de 1997:

Esta lei contém o mesmo teor do projeto anteriormente analisado. Trata-se do

texto legal que resultou na aprovação do referido projeto.

Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº. 3.689, de 2000: O texto do

projeto de lei federal nº 3.689 de 2000 é bastante conciso, não apresentando

qualquer referência às competências dos assistentes sociais nas escolas

públicas, o que impede a análise deste quesito. A justificativa do projeto fica

circunscrita ao enfrentamento dos processos de evasão e repetência escolar.

Vitória. Câmara Municipal. Projeto de Lei sn/2003: O texto deste projeto não

apresenta conteúdo suficiente para uma análise das justificativas da inserção do

Serviço Social nas escolas da rede pública municipal de ensino de Vitória.

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O objetivo do Serviço Social é assim tratado:

Artigo 2º - O Serviço Social na área que trata o artigo 1º, tem por objetivo: I-Propor, executar e avaliar projetos que atendam as demandas sócio econômicas e culturais da comunidade escolar, possibilitando atender a educação escolarizada suas necessidades sociais, técnicas e políticas; II-Promover junto à comunidade escolar, discussões sobre a realidade social, abordando questões inerentes à real situação de vida da criança e do adolescente; III-Implementar estratégias para diagnóstico social do grupo familiar; IV-Priorizar ações junto às famílias, dirigida à melhoria da qualidade de vida.

Parágrafo Único - As ações do Serviço Social na educação serão executadas de forma interdisciplinar e integrada as demais políticas setoriais, visando compreender e mediar os aspectos econômicos, sócio-políticos e culturais da realidade social que interferem nas relações da comunidade escolar. A abordagem acima não entra em detalhamento das competências.

Os objetivos propostos gravitam em torno das atribuições previstas na lei

que regulamenta a profissão, não trazendo elementos novos em relação aos

demais projetos analisados.

Prefeitura Municipal de Campos dos Goitacazes. Lei nº. 7.438, de 03 de

julho de 2003: Esta lei tem um caráter diferenciado dos demais projetos, ela

não institui o Serviço Social nas escolas mediante sua vinculação funcional às

secretarias de educação, aspecto presente em todos os demais projetos. A lei

aprovada dota as Escolas da rede municipal de ensino, Creches, Centros de

Qualidade de Vida, Postos de Saúde cuja lotação caberá a Secretaria de Saúde.

Vale ponderar a partir desta lei a possibilidade de se inserir assistentes

sociais nas escolas públicas sem caracterizar seu vínculo funcional com a

política educacional. Ao mesmo tempo em que esta modalidade de ingresso

abre possibilidades bastante interessantes, e que de certa forma tem sido um

dos caminhos mais usados pelas prefeituras para desenvolver programas que

envolvam a participação dos assistentes sociais, por outro, induz a um certo

distanciamento desses profissionais das questões que são vividas pelos

profissionais da educação enquanto trabalhadores de uma dada política setorial.

Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº. 837, de 2003: O último

projeto de lei a ser apreciado, e também o mais recente a nível federal, contém

elementos novos se comparado aos demais. A primeira observação a ser feita é

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a de que ele não dispõe sobre a inserção de assistentes sociais apenas, mas de

psicólogos também. A segunda questão a ser destacada é a de que o referido

projeto não trata do campo do ensino fundamental, antigos 1º e 2º graus, como

a maioria dos projetos analisados. Este se refere às unidades que compõem a

educação básica, ou seja, envolve a educação infantil, o ensino fundamental e o

ensino médio. Refere-se, portanto, a um universo bem mais amplo e

diversificado de unidades de ensino. Pode-se afirmar que este é o projeto que,

dentre os demais apresentados, concebe a inserção do Serviço Social na

política de educação de forma mais ampla, não reduzindo àquela perspectiva, a

qual tem se criticado neste documento, do “Serviço Social Escolar” sendo

pensado apenas em relação ao ensino fundamental. Sua novidade consiste

também em pensar uma equipe composta por diferentes profissionais, ainda que

limitada, visto que não considera a presença de outros profissionais que também

têm uma contribuição particular a dar para a conquista de uma educação pública

de qualidade.

Outro aspecto inovador na proposta diz respeito à delimitação de uma

proporcionalidade entre o número de profissionais e o total de alunos por

unidade.

Artigo 2º - A equipe de atendimento e orientação profissional será constituída de acordo com as seguintes distribuições: I-até 200 alunos, um profissional de cada uma das áreas referidas; II-acima de 200 e até 600 alunos, um psicólogo e dois assistentes sociais; III-acima de 600 alunos, manter a proporção estabelecida no inciso.

Como se percebe, reiteradamente os textos dos projetos de lei dirigem

para a família o principal foco da atuação dos assistentes sociais, seja sob uma

perspectiva de responsabilização em relação aos problemas de “desajustes

comportamentais” dos estudantes, seja na perspectiva de apoiá-la na superação

das dificuldades enfrentadas. A família, em qualquer uma das abordagens,

possui uma dimensão de instituição a ser trabalhada, não estando presente, até

o momento, qualquer referência aos processos sociais que redesenharam as

funções e composições familiares no campo de produção e da reprodução

social, assim como a responsabilidade que o Estado deve ter na condução de

seus programas sociais voltados para este público. A partir da hegemonia do

pensamento neoliberal no âmbito do Estado, os programas sociais dirigidos à

família tendem a transferir para elas uma série de responsabilidades das quais o

Estado tem se isentado, ou seja, se retira da esfera pública e do campo do

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reconhecimento dos direitos sociais uma série de cuidados e os desloca para a

esfera privada, para o campo da dinâmica familiar.

Como o documento foi produzido tendo como fonte apenas os projetos de

lei, não é possível tecer qualquer comentário em relação ao seu grau de

aceitação ou resistência junto aos profissionais da área de educação, assim

como compreender em que medida eles e a categoria dos assistentes sociais se

envolveram com os textos legais.

O envolvimento da categoria no debate sobre sua inserção no campo da

educação torna-se fundamental a fim de que os próprios profissionais

compreendam a especificidade desse fazer, que o Estado legisle de acordo com

as proposições trazidas pelos profissionais e seus órgãos de classe, e que haja

uma melhor compreensão dos demais profissionais da educação sobre esta

questão. Por isso, identificar e discutir as interfaces das políticas de educação e

de assistência social nos ajudará a delimitar as possibilidades e limites de

intervenção da profissão no desafiador campo educacional.

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Capítulo II

As interfaces das políticas de educação e de assistência social na reforma do Estado

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II. 1- Trajetória das políticas sociais e a reforma do Estado

Para José Paulo Netto (1992), as políticas sociais têm seu surgimento

associado ao trânsito do capitalismo da livre-concorrência à idade dos

monopólios, quando no pós 1875, o modo de produção capitalista alcançou sua

maturidade e ao Estado capitalista foram agregadas outras funções. Logo, não é

possível falar de política social nos modos de produção anteriores ao

capitalismo.

Na primeira fase do capitalismo, conhecida como concorrencial, o Estado

não promovia políticas sociais, pois vivia-se sob o domínio das idéias liberais e

elas reivindicavam que as relações econômicas eram reguladoras das relações

sociais e provedoras da igualdade de oportunidades. Dentre suas funções

podemos citar: proteger a propriedade privada, agir em situações emergenciais,

além de formar e controlar os exércitos. A “questão social” era

reconhecidamente caso de polícia, visto que o proletariado era reconhecido

como classe perigosa. Para Sara Granemann (2006), essa isenção do Estado

não passava de uma ideologia porque o Estado, desde que o capitalismo se

instituiu, sempre agiu em proveito da burguesia.

As protoformas das políticas sociais datam do século XIX, quando

Bismarck, importante político alemão, em 1880, tornou ilegal muitas

organizações de trabalhadores, e ao mesmo tempo, instituiu as leis de acidente

de trabalho, seguro-doença, de proteção à invalidez, entre outras. Com a

passagem para a idade dos monopólios, as funções do Estado vão adquirindo

um adensamento e sua intervenção torna-se fundamental para preservação e

expansão do modo de produção capitalista. Mas a efetivação da intervenção

estatal na economia e na vida social se deu a partir de 1929 com o crash da

bolsa de valores de Nova Iorque, que guardaria relações determinantes com a

Segunda Guerra Mundial. Após este período, as funções do Estado tiveram uma

ampliação, e na Europa essa forma de atuar foi reconhecida como Welfare

State, ou Estado de bem estar social, que provia políticas sociais para

atendimento de seus cidadãos.

Segundo Elaine Behring (1998), na perspectiva de amortecimento da

crise juntamente com a necessidade de legitimação do sistema capitalista (em

contrapartida à consolidação do socialismo soviético e da expansão da ideologia

fascista), o Estado intervêm efetivamente nas relações econômicas e sociais: a

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planificação indicativa da economia, a intervenção na relação capital/trabalho

por intermédio da política salarial e do controle de preços, a política fiscal, a

oferta de crédito combinada a uma política de juros e as políticas sociais, fazem

parte desse novo modelo de Estado – o modelo keynesiano.

O Estado de bem estar direcionava investimentos, estimulava a produção,

efetivava obras públicas, controlava os níveis de emprego e promovia as

políticas sociais, tais como habitação, previdência, saúde e educação. Tais

medidas contribuíram para ampliar as possibilidades de acumulação do capital.

Para Débora Guimarães (1993), desde meados dos anos 70,

simbolicamente tendo como ponto de partida os dois choques do petróleo,

desencadeia-se um movimento de instabilidade da economia capitalista,

acompanhado de um profundo processo de transformações produtivas, de

envergadura de uma “terceira revolução industrial”. No início dos anos 80, dir-

se-ía, de modo resumido, que tal movimento foi percebido principalmente nas

suas dimensões negativas – a falência econômica, atribuída em grande parte a

um Estado em crise, e a um esgotado padrão de regulação econômica. As

dimensões da transformação produtiva e os desafios à elevação da

competitividade das economias apoiadas nas novas tecnologias e na

globalização financeira, vieram a ser melhor percebidas e estimadas num

segundo momento, do final dos anos 80 em diante.

No Brasil, o processo de abertura política num contexto de profunda

heterogeneidade econômica e social gerou uma reformulação do debate político

e ação estatal na sociedade. Nesta perspectiva, ao longo da década de 80,

observou-se um conjunto de transformações no campo das políticas sociais.

Este período é marcado por uma intensa mobilização de segmentos da

sociedade civil em busca de uma ampliação dos direitos políticos e sociais,

principalmente através da criação de novas formas associativas.

As ações dirigidas à área social foram descentralizadas no nível dos

governos estaduais e municipais, através da implantação de programas que

exigiram recursos pouco vultosos, e estimularam a participação popular, a fim de

atingir clientelas específicas entre os menos privilegiados.

Para Elaine Behring (1997), com o advento da Nova República,

reforçaram-se as demandas que reivindicavam produção mais ampla de bens e

serviços pelo Estado. Nesse sentido, assistiu-se a um debate profundo quanto

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às reformas imediatas no perfil de proteção social do país. A agenda da Nova

República no campo da política social calcou-se no lema que viria a ser

denominado mais tarde de “resgate da dívida social”, que pressupunha a

implantação de uma política econômica que garantisse o desenvolvimento, a

elevação salarial, a expansão do emprego e das políticas sociais. Para tanto, a

atuação do Estado, na reordenação da ação social, deveria se pautar na

reestruturação do padrão dos gastos sociais, na reorganização do aparelho

administrativo de produção de serviços sociais e na promoção de amplo debate

tendo em vista a definição de um novo perfil de proteção social.

A nova Constituição ampliou consideravelmente os direitos sociais e os

estendeu a categorias sociais não contempladas nas Constituições anteriores.

Estabeleceu um novo perfil nas relações trabalhistas, determinou maior

comprometimento do Estado e da sociedade no financiamento dos gastos

sociais e instituiu a descentralização das atribuições e responsabilidades de

intervenção na área social nas três esferas de governo: federal, estadual e

municipal.

Os anos 90 foram marcados pela hegemonia neoliberal ou ortodoxa como

pensamento direcionador da política econômica latino-americana. Tal proposta

previu a realização de um “ajuste estrutural”, que supõe a estabilidade dos

preços e a reorganização das contas fiscais internas e externas. Trata-se de

orientar a economia do país para liberalização do mercado, através de sua

abertura externa, do estímulo à privatização e desregulamentação da economia,

acoplada à redução progressiva da intervenção estatal nesta esfera.

O modelo neoliberal foi inaugurado nos governos de Margareth Tacher e

Ronald Reagan no início dos anos 80, quando ocorrem profundos cortes de

investimentos sociais, internamente, e uma grande preocupação com a

formação de blocos econômicos que ajudem a suprimir gastos com a circulação

de produtos e capitais.

O ajuste e a estabilização econômica, através da implantação da

proposta neoliberal, possibilitarão, segundo seus defensores, a retomada do

crescimento econômico, que trará consigo o desenvolvimento social. Entretanto,

admitem que a efetivação de tal política implica na adoção de medidas de

caráter recessivo (cortes nos gastos sociais, redução da atuação do Estado,

desativação de programas) que gerarão, num primeiro momento, impactos

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sociais negativos (desemprego, baixos salários, etc.) e atingirão, principalmente,

as populações de mais baixa renda. Esses impactos serão, contudo,

progressivamente reduzidos em função do próprio desenvolvimento econômico

oriundo deste tipo de ajuste.

Neste contexto, a política social é concebida na proposta ortodoxa como

instrumento complementar e subordinado aos programas neoliberais de

desenvolvimento e deve ter como objetivo fundamental a proteção das camadas

mais pobres da população. A política social, sob a ótica ortodoxa, apresenta-se

como transitória no tempo, porque pressupõe que só será necessária durante o

período inicial de ajuste econômico; limitada em sua amplitude, porque deverá

estar focalizada nos setores mais pobres; e compensatória, porque deverá

amenizar os efeitos negativos dessa política sobre aqueles que mais são

atingidos.

O grande debate a que se assiste hoje sobre a proposta neoliberal refere-

se, no caso brasileiro, à compatibilização do padrão de proteção social de

caráter universalista previsto na Constituição, ao receituário neoliberal, que

propõe a focalização das ações públicas na área do bem-estar.

Segundo Sônia Draibe (1993), três seriam os vetores estruturantes dos

programas preconizados pelo neoliberalismo: a descentralização, que é

concebida como um modo de aumentar a eficiência e eficácia do gasto, já que

se aproxima problemas de gestão. Argumenta-se ainda que, com a

descentralização, aumentam as possibilidades de interação, no nível local, dos

recursos públicos e não-governamentais para o financiamento das atividades

sociais. O outro vetor seria a focalização, significando o direcionamento do gasto

social a programas e a públicos-alvo específicos, seletivamente escolhidos por

sua necessidade e urgência. O terceiro vetor seria a privatização, que se daria

de diversas formas, como financiamento público de serviços sociais privados,

cortes em gastos sociais, conduzindo a demanda para o setor privado, entre

outros.

Não há como negar a necessidade precípua de implementação de ações

públicas concentradas prioritariamente no segmento mais pauperizado da

população. Entretanto, tais ações não devem se colocar concentradas na mera

implantação de programas assistenciais, onde se mantém o clientelismo e a

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negação de qualquer referência aos benefícios sociais como direitos de

cidadania.

A reestruturação ou reforma do padrão de proteção social no Brasil está

imbricada ao modelo de cidadania que vem sendo construído por esta

sociedade, apresentando por vezes o padrão de cidadão consumidor e de

políticas privatizadas. A perspectiva da seguridade social aponta o tripé saúde

como política universal, previdência para quem pode pagar e assistência social,

para aqueles que dela necessitem. E é sobre a política de assistência social que

nos debruçaremos a seguir, identificando sua interface com a política de

educação, sobretudo a educação pública.

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II. 2 – A Política de Assistência Social

A lei nº. 8.742 de 7 de dezembro de 1993, a Lei Orgânica da Assistência

Social, também conhecida como LOAS, dispõe sobre a organização da

assistência social, agora reconhecida como política pública. O capítulo primeiro

assim a define: A assistência social, direito do cidadão e dever do estado, é

Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais,

realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da

sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

Mas o seu reconhecimento como política pública é fruto de lutas

históricas. Desde o início do século XX, o Estado e as organizações filantrópicas

vem se organizando de diversas maneiras para atender à população

economicamente empobrecida. Desde os anos 30 o Estado assume a

intervenção reguladora frente à emergente “questão social” no país. Com o

desenvolvimento da urbanização e a emergência da classe operária e de suas

reivindicações, a questão social passa a ser o fator impulsionador de medidas

estatais de proteção ao trabalhador e à sua família, sobretudo como instrumento

de controle das classes. Em 1942, o governo cria a LBA, Legião Brasileira de

Assistência, para prestar auxílio às famílias dos expedicionários brasileiros.

Terminada a guerra, a LBA se volta para assistência à maternidade e à infância,

caracterizada por ações paternalistas, de prestação de auxílios emergenciais e

paliativos à miséria.

Com o tempo as velhas formas de socorrer os pobres, gestadas na

filantropia e na benemerência, evoluem passando desde a arrecadação de

fundos para manutenção de instituições carentes, auxílio econômico,

campanhas de higiene e assistência médico-odontológica, até políticas,

programas e projetos de combate à pobreza. É interessante destacar que o

pobre, trabalhador eventual e destituído, é o usuário dessas políticas pelas quais

é visto como “indivíduo necessitado”, e muitas vezes como pessoa acomodada,

passiva em relação à sua própria condição, dependente de ajuda, um não-

cidadão.

No contexto desenvolvimentista, as instituições sociais direcionam seus

programas para uma política de integração participativa dos mais pobres no

processo de desenvolvimento nacional, através de cursos de capacitação

profissional, por exemplo.

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Como já declaramos, a política social têm sua gênese na relação capital-

trabalho, mas não chega a ser só controle ou salário indireto, acaba se tornando

um mecanismo regulador das relações sociais. É na correlação das forças

sociais que a política social se estabelece e se modifica, a partir das

transformações das relações de apropriação econômica, como o exercício de

dominação política.

Evaldo Vieira (1983) descreve assim a trajetória das políticas sociais:

estratégia de mobilização e controle dos pobres (1951-1964); representação do

conjunto de direitos da população perante o Estado (1957-1964); espaço de

representação dos interesses populares (1957-1964); controle das classes

subalternas e subtração dos interesses populares no processo decisório,

agravamento das condições de vida da população, e mecanismo de

desmobilização social (pós -1964). Em contrapartida, para as classes usuárias,

as políticas sociais se constituem um espaço que possibilita o acesso a

benefícios e serviços que de outra forma lhes são negados.

A década de 80, do ponto de vista econômico foi considerada uma

década perdida e do ponto de vista social, cresceu a desigualdade na

distribuição da renda, tornando a pobreza, tema central na agenda nacional. Por

isso a situação de individamento, o Consenso de Washington, as reformas

neoliberais, a redução da autonomia nacional e os ajustes fiscais, vão se

expressar no crescimento da pobreza e indigência.

É neste contexto que o Brasil institui seu sistema de seguridade social,

por meio da Constituição Federal de 1988, prevendo como o tripé da

seguridade, a saúde para todos, a previdência para os trabalhadores

contribuintes e a assistência, para os que dela necessitarem. A política de

Assistência Social só é regulamentada e reconhecida como tal a partir de 1993,

a partir da LOAS, e inicia a discussão no campo do direito, da universalização

dos acessos e da responsabilidade estatal. Assim, cabe a Assistência Social

ações de prevenção e provimento de um conjunto de garantias ou seguranças

que cubram, reduzam ou previnam exclusões, riscos e vulnerabilidades sociais,

bem como atendam às necessidades emergentes ou permanentes de seus

usuários.

O ano de 2003, também foi marcado por uma grande conquista, o SUAS

– Sistema Único de Assistência Social – que pretende operacionalizar com mais

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racionalidade a Política de Assistência, reforçando a idéia dos sujeitos de

direitos e abandonando as idéias tutelares e subalternas que identificam

brasileiros como carentes, necessitados, e miseráveis.

O SUAS instaura em todo território brasileiro um mesmo regime geral de

gestão e alcance da política brasileira de assistência social, com a perspectiva

de responder à universalidade de um direito de cidadania.

Segundo Maria do Carmo Brant de Carvalho (2005), um primeiro avanço

produzido pela política se deu no refinamento de conceitos que a afirmam

enquanto política pública de seguridade social responsável pela oferta de

proteção social junto à parcela da população atingida por conjunturas, contextos

ou processos produtores de vulnerabilidade social. Seu público-alvo é

constituído pelos cidadãos e grupos que estão fora dos mecanismos e sistemas

de segurança social obtidos pela via do trabalho, do usufruto de serviços das

políticas públicas (saúde, educação, cultura,saneamento) e da inserção em

sociabilidades sócio familiar.

O SUAS apresenta-se como modelo de gestão descentralizado com uma

nova lógica de organização das ações sócio-assistenciais, com base no território

e foco prioritário na atenção às famílias. É organizado a partir da definição de

seus serviços em pouca, média e alta complexidade e introduz a implementação

de sistemas de vigilância da proteção social (mapa da pobreza, índices de

vulnerabilidade social, entre outros). Elege ainda, o CRAS – Centro de

Referência de Assistência Social – como equipamento e serviço de proteção

social básica (1 para cada 5000 famílias), com fins preventivos e educativos, e

os CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência Social como

equipamento para oferta de serviço de proteção social de média complexidade

junto à famílias, cujos vínculos familiar e comunitários não foram rompidos e

serviço de proteção especial de alta complexidade para famílias que se

encontram sem referência ou em situação de rua.

Um grande desafio para o SUAS é a necessidade de se criar sistemas de

informação, monitoramento e avaliação que sirvam não apenas para controle,

agilidade e eficiência da máquina estatal, mas apropriação e construção coletiva

dos entes federados e das redes que circundam e viabilizam a proteção social.

Assim o diálogo e a articulação com as demais políticas sociais, torna-se

fundamental para ampliar suas possibilidades de efetividade.

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II.3 – A Política de Educação

A educação é uma prática social desenvolvida pelo homem ao longo de

sua história e corresponde a uma necessidade de transmitir às novas gerações

as experiências, suas formas, conteúdos e seu desenvolvimento. Logo o

processo educacional implica em relações humano-sociais que se materializa no

espaço familiar, comunitário, e mais tradicionalmente, nas escolas.

Segundo Mário Cortella (1997), a educação sempre foi um campo da vida

social tensionado pelas disputas dos projetos societários de diferentes grupos e

segmentos sociais, principalmente em função de se constituir um espaço de luta

privilegiado no processo de conquista da hegemonia política e cultural na

sociedade.

Para Demerval Saviani (1997), a educação escolarizada é uma

necessidade da sociedade capitalista, porque a expansão da cidade como

principal espaço de sociabilidade e a necessidade de educação letrada e técnica

para responder as demandas do capitalismo, implicou na constituição de uma

educação sistemática:

Não é por acaso que a constituição da sociedade burguesa trouxe consigo a bandeira da escolarização universal e obrigatória (...) É, assim, (...) que a educação se converte, de forma generalizada, numa questão de interesse público. (SAVIANI, 1997, p. 2 e 3)

Apesar de ser uma premissa liberal, a educação universal só adquire o

status de política social no capitalismo monopolista. A partir deste marco, o

Estado passa a discutir, planejar e implementar as políticas educacionais.

O desenvolvimento do capitalismo, que viveu sua fase de maior

crescimento sob as bases taylorista/fordista de produção nas décadas de 60 e

70, trouxe consigo o desenvolvimento de algumas teorias educacionais, dentre

elas a teoria do capital humano. Para Gaudêncio Frigotto (1998), a idéia de

capital humano corresponde a uma “quantidade” ou grau de educação e de

qualificação, tomado como indicativo de um determinado volume de

conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridas, que funcionam como

potencializadoras da capacidade de trabalho e produção. Portanto, o

desenvolvimento de políticas educacionais pelo Estado está fundado no conflito

entre classes sociais fundamentais do modo de produção capitalista.

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No Brasil, a educação pública só foi institucionalizada no final do século

XVIII, com o fechamento das escolas jesuítas. Após a proclamação da

Independência, o Estado Imperial abriu caminho à iniciativa privada no âmbito

da educação e delegou às, então Províncias, a responsabilidade com o ensino

primário, desobrigando o Império da constituição do sistema nacional de ensino.

A partir da Revolução burguesa de 1930, com o avanço da

industrialização e da urbanização, o Brasil começa a enfrentar novas questões

econômico-sociais, e a educação passa a ser reconhecida como questão

nacional. A criação do Ministério da Educação e Saúde e a Constituição Federal

de 1934, faz com que a União adquira a competência de traçar as diretrizes e

bases da educação nacional em todos os graus e ramos do ensino, culminando

na construção da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDB), cuja discussão iniciou-se em 1946 e a aprovação em 1961, conforme

Saviani (1997).

A característica excludente da educação brasileira está presente nesta

LDB, pois mesmo apontando o princípio da obrigatoriedade do ensino

fundamental, a legislação afirmava que estavam isentos da mesma

obrigatoriedade os casos de comprovado estado de pobreza do pai ou

responsável, insuficiência de escolas, matrículas encerradas, doença ou

anomalia na família. Tal condição contribuía muito para a evasão escolar e na

inserção precoce das crianças no mercado de trabalho, demonstrando

claramente a irresponsabilidade do Estado frente à educação pública,

principalmente quando voltada para os segmentos da classe trabalhadora.

Durante a ditadura militar, tal acepção de educação é radicalmente

implementada, demarcando o impacto da educação sobre o desenvolvimento e

a concepção de educação como produtora da capacidade de trabalho. Neste

período também há o acelerado crescimento de instituições privadas de ensino.

No início dos anos 80, com a luta pela redemocratização, o debate sobre

o caráter e a organização da educação pública volta à agenda. Há uma grande

crítica dos movimentos sociais, entidades sindicais e estudantis sobre a Teoria

do Capital Humano, e uma denúncia quanto ao projeto educacional trazido pelo

Estado. Segundo Saviani (1997), é neste contexto que foi se impondo cada vez

mais fortemente a exigência de se modificar por inteiro o arcabouço da

educação nacional, o que implica a mudança da legislação em vigor. A

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oportunidade teria surgido com a instalação de um governo civil e a elaboração

da nova constituição federal.

No artigo 6º da Constituição de 1988, a educação é concebida como

direito social ao lado da saúde, do trabalho, entre outros. No artigo 227, a

educação aparece como dever da família, do Estado e da sociedade à criança e

ao adolescente. O capítulo específico sobre educação traz como seus objetivos

o pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho. Expressa ainda a gratuidade, a

universalidade como o dever do Estado para com o ensino fundamental, não

deixando claro para com os outros níveis.

O texto constitucional aponta a necessidade de construção de uma

legislação específica para a educação. Era preciso uma nova LDB que

consolidasse as atribuições e especificidades relacionadas ao tema, e

apontasse um Plano Nacional de Educação (PNE) tendo como objetivos a

erradicação do analfabetismo, universalização do atendimento escolar, melhoria

na qualidade do ensino, entre outros aspectos.

Os organismos internacionais, como FMI e Banco Mundial, passaram

anos dando as coordenadas para os Ministérios da Educação a partir de

conceitos e demandas que serviram ao modelo produtivo hegemônico. Na

realidade, a relação entre o Banco Mundial e as políticas educacionais é

resultado de uma parceria de três décadas e já teve diversos enfoques, seja em

decorrência do processo de reestruturação tecnológica ou dos programas de

ajustes estruturais. Mas é a partir da década de 90 que se nota uma maior

atenção ao financiamento e gestão das políticas educacionais.

Em geral, a atuação do Banco Mundial, ao longo das últimas cinco

décadas, passou por várias fases, estando voltado para: reconstrução das

economias européias, promoção do crescimento das economias

subdesenvolvidas, diversificação setorial dos empréstimos e financiamento de

desembolso rápido para atender à necessidade do balanço de pagamento dos

países desenvolvidos.

A fim de se construir as bases para um desenvolvimento, a partir de 1994,

o Banco Mundial passou a investir na concepção de políticas públicas,

enfatizando atividades de combate à pobreza e implementando programas nas

áreas de meio ambiente, educação e saúde. Com isso atenua as críticas

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realizadas aos ajustes e as tensões sociais que porventura comprometam a

continuidade das reformas.

Segundo o Banco Mundial (2000), a educação é o requisito fundamental

para assegurar o desenvolvimento em longo prazo, aliviar a pobreza e reduzir a

desigualdade de renda. Demarca ainda que os desequilíbrios no mercado de

trabalho sejam provenientes da má formação técnica e básica, sendo necessária

à construção de um trabalhador dotado de novos atributos. Acredita-se que o

destaque dado à educação, principalmente a educação básica, estaria sendo

instrumento político-ideológico utilizado para legitimar a situação de exclusão e

concentração provocadas pelo pacote de reformas estruturais de cunho

neoliberal adotado pelo Banco. Pretende-se aqui demarcar que a prioridade

dada à educação, ao invés de surgir pelas demandas sociais, está mais atrelada

às alterações estruturais do capitalismo, assumindo o papel de veículo político

para sedimentação das matrizes ideológicas do capitalismo.

Para Eric Mulot (1998), a educação no contexto neoliberal é importante

porque contribui para a formação de capital humano, onde o incremento do

trabalho depende da melhoria da formação individual, destacando a educação

como instrumento de elevação da produtividade, crescimento e enriquecimento

individual. Além disso, a educação legitima a desigualdade como resultado das

escolhas individuais, uma vez que possibilita a todos as mesmas oportunidades

e desenvolve a capacidade de utilização dos meios de elevação da renda

individual.

As propostas provenientes destes órgãos recolocam sob as bases de um

novo modelo produtivo, a “teoria do capital humano”, como valor fundamental

para as políticas educacionais. A eficácia de uma política educacional está

intimamente relacionada às taxas de crescimento econômico do país.

Pablo Gentili apresenta uma sistematização das preferências do Banco

Mundial, que levam a determinar:

1) crescente investimento na educação primária e na saúde, baseado no argumento de que as taxas de retorno em educação primária, excedem a dos demais níveis educacionais; 2) descentralização administrativa, com o pressuposto de que os programas administrados localmente são mais econômicos que os centralizados; 3) investir na educação em geral ao invés de na educação vocacional, baseando-se na evidência de que, a longo prazo, a educação em geral é mais produtiva; 4) recuperação de custos de investimento e eficiência no manejo de recursos. (TORRES apud GENTILI, 1998, p.129).

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Para os neoliberais, a crise educacional se refere à eficiência, eficácia e à

produtividade. É uma crise de qualidade e expressa a incapacidade do Estado

em administrar as políticas sociais. Afirmam que a natureza pública e monopólio

estatal conduzem a uma ineficácia competitiva da escola. Para superação dessa

crise, aponta Pablo Gentili (1998), seria necessário a institucionalização do

princípio da competição no sistema de ensino, por meio de dois grandes

objetivos: a necessidade de estabelecer mecanismos de controle da qualidade e

a necessidade de articular e subordinar a produção do sistema educacional às

demandas que o mercado de trabalho formula. Seria preciso criar e aplicar

mecanismos de controle de qualidade no sistema escolar, favorecendo a

premiação dos melhores e a punição dos piores. A universalidade torna-se valor

contraditório ao valor da concorrência meritocrática.

É por meio e a partir da aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9394, de 20/12/96, que podemos visualizar as

possibilidades concretas de constituição de um sistema educacional neoliberal

no Brasil. A Lei foi elaborada pelo então senador Darcy Ribeiro, com o apoio do

MEC (Ministério da Educação e Cultura) na gestão de Paulo Renato de Souza,

governo de Fernando Henrique Cardoso. Desde então, a política do MEC vem

sendo apresentada por projetos de emenda constitucional, decretos, medidas

provisórias, e é omisso em vários aspectos, dando margem ao executivo legislar

livremente sobre a educação.

A nova LDB define como níveis escolares: a educação básica (formada

pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e a educação

superior. Constituem modalidades de ensino: a educação de jovens e adultos

(para os que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino

fundamental na idade própria), a educação profissional (de caráter

complementar ao ensino fundamental, médio e superior) e a educação especial

(voltada para atendimento de portadores de necessidades especiais). Apesar da

educação infantil (creche e pré-escola) integrar a educação básica, o dever

primário do Estado, de fato, é com o ensino fundamental. Isto pode ser

entendido à luz das propostas do Banco Mundial, que concebe o nível

fundamental como instrumento de redução da pobreza e o infantil como uma

preparação para a vida escolar.

Para Sheila Backx (2006), as propostas do Banco Mundial para redução

da pobreza é uma falácia, pois não existe comprovação empírica e nem

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concepção teórica que avalize essa proposição. Se tal raciocínio fosse correto,

sugeriria investimentos na educação de jovens e adultos, para que a diminuição

da pobreza fosse resolvida no tempo presente e não no futuro.

Pablo Gentili (1998) aponta que no auge do desenvolvimento capitalista

pós-guerra, os teóricos da educação pregavam que a escola era o instrumento

que permitia aos indivíduos a possibilidade de aumento da renda e inserção no

mercado de trabalho. Uma massa de trabalhadores funcionais era formada para

atender a um sistema produtivo em ampla expansão. Atualmente, na

perspectiva neoliberal, a formação deve estar voltada para que o trabalhador

tenha habilidades polivalentes, funcional aos paradigmas da empregabilidade.

Sendo o Estado capitalista um Estado de classes, este tende a organizar

a escola em todos os níveis e modalidades de ensino, conforme a concepção de

mundo da classe dominante e dirigente. A escola, especialmente após a

Segunda Grande Guerra, veio se estruturando com vistas a formar um

trabalhador urbano que esteja adequado à ordem do capital e capacitado

tecnicamente para reprodução das relações de produção, influenciando as

relações sociais entre os homens. Com o fenômeno do desemprego estrutural,

os trabalhadores contentam-se com o que tem e as empresas buscam formas

cada vez mais sutis de “humanizar” as relações de exploração e dominação,

tornando a assistência social, uma política pública cada vez mais fundamental à

vida da população. Demarca-se assim estreita relação entre educação-trabalho

e assistência social.

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II.4. A interface da Assistência social com a Educação

A produção teórica sobre a interface das políticas assistenciais e

educacionais ainda é rara, assim como a precariedade da política assistencial

no âmbito da história da educação pública brasileira. Uma das possíveis razões

seria o modelo de seguridade social adotado pelo país após a constituição de

1988. Os modelos clássicos de Welfare State, adotados nos países

escandinavos, ampliavam o conceito de seguridade social que no Brasil se

resumiu ao tripé previdência-saúde-assistência. Nestes países, outras políticas

setoriais, tais como habitação e educação, fazem parte da seguridade

constituída.

Segundo Neumann (1996), as primeiras políticas assistenciais no âmbito

da educação brasileira são datadas ainda no regime monárquico. No entanto, os

recursos voltados à educação fundamental, sob responsabilidade das

províncias, eram escassos. A Assistência não provinha de fundos públicos. No

período funcionavam as caixas escolares, onde as famílias com maior renda,

contribuíam para as famílias com menor renda.

Apenas na Constituição de 1934 aparece a assistência aos estudantes

como um das atribuições do Estado, mas esta se resumia ao fornecimento de

merenda escolar, concebida para atender aos casos de desnutrição infantil,

relacionada aos problemas de aprendizagem. A política de assistência na

educação então aparece de forma fragmentada, focalista e a serviço dos

interesses da emergente burguesia nacional.

Os programas de merenda escolar apenas sofreram uma ampliação

significativa a partir da criação do Programa Nacional da Merenda Escolar em

1954. Financiado pela ONU até 1974, visava garantir o desenvolvimento do

capitalismo nos países latino-americanos antecipando-se às tensões sociais

decorrentes da luta de classes.

Sob o regime ditatorial, em 1967, foi criado o Programa Nacional do livro

didático, que consistia na doação de livros usados nas escolas para os alunos

como benefício assistencial. Os conteúdos curriculares das escolas, passam a

ser regidos pelas editoras.

A assistência social no espaço escolar público foi caracterizada por ações pontuais, instáveis, e totalmente desatreladas dos objetivos sócio-educacionais. Neste sentido, a assistência ao escolar se revestiu de cunho imediatista, centrando-se na manifestação mais urgente de determinados problemas ( fome, falta de recurso ara compra de material escolar), ação necessária, mas sem conteúdo

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educativo quando interpretada meramente como ajuda, completamente distante de propósitos que permearam suas gênese a partir de reivindicações de educadores e familiares preocupados com as condições de vida. (NEUMANN, 1996, p. 27)

Ainda na década de 80, programas suplementares na área de educação

foram elaborados, tal como o projeto CIEP (Centro Integrado de Educação

Pública), desenvolvido no estado do Rio de Janeiro. Apesar de ter uma arrojada

proposta de educação integral, estendendo o período da criança na escola e

oferecendo atividades extracurriculares, acabou por servir como marketing

político-eleitoreiro. Em 1983 é criada a FAE (Fundo de Assistência ao

Estudante), que se resumia a desenvolver programas de merenda escolar e

distribuir livros didáticos para alunos do 1º grau.

Nesta mesma década o país viveu um movimento por parte dos

profissionais da educação de questionamento da política educacional

desenvolvida pelo Estado e os programas suplementares foram alvos de

severas críticas, dadas as suas características clientelistas. Por constituir-se

numa prática que servia fundamentalmente aos interesses dominantes, tal

movimento passou a negar a assistência social no âmbito da educação.

Segundo Neumann (1996), a assistência social passa a ser vista como

oneradora dos recursos da educação, girando à sua volta uma discussão do

professorado que a percebe não mais como objeto a ser considerado pela

política educacional. Ela é entendida como algo à parte dessa política, uma

prática que diz respeito à entidades públicas e privadas de assistência.

Este fato trouxe sérias conseqüências ao conceito de educação pública e

universal. Os vários projetos de LDB apresentados excluíram a assistência do

âmbito da educação2. Assim, a assistência não se caracterizou como um

elemento de disputa política entre os diversos grupos econômicos, políticos e

sociais que intervieram sob a construção da LDB:

Artigo 71: Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com: IV – Programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica, psicológica e outras formas de assistência social.

É interessante refletir porque a fronteira entre Assistência Social e

Educação está sempre presente no trabalho do Assistente Social. O capital vem

2 Os diversos projetos de LDB apresentados no parlamento nacional constam, em sua íntegra, em Saviani (1997).

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requerendo um perfil de educador assistencialista e um assistencialista

profundamente educativo no sentido de submeter os trabalhadores à ordem do

capital. Neste sentido, diversos programas e projetos sociais vêm cumprir este

objetivo, expressando ao mesmo tempo uma concepção sobre alívio da pobreza

e legitimando um governo, ou melhor, um projeto de sociabilidade.

No ano de 2007, o prefeito da cidade do Rio de Janeiro – Cézar Maia,

inicia uma parceria articulando a Política de Educação e a de Assistência Social,

por meio da Rede de Proteção ao Educando (RPE). A Rede é coordenada pela

Gerência de Serviço Social na educação e pelo Instituto Helena Antipoff. Este

Instituto é vinculado à Secretaria Municipal de Educação e há 31 anos vem

desenvolvendo ações e acompanhamento escolar de alunos da Rede Municipal

de Ensino portadores de necessidades especiais, para inclusão social e escolar

desses estudantes.

Segundo Alena Contente, Gerente de Serviço Social na Educação,

palestrante do II Encontro de Serviço Social na Educação ocorrido em Junho de

2007, esta parceria prevê uma dupla de Assistentes Sociais e um psicólogo,

lotados nos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), CREAS

(Centro de Referência Especializado de Assistência Social) ou nos pólos de

atividades extra-escolares da Educação. A intervenção de equipe lotada nos

CRAS ou CREAS se dá nas escolas indicadas pelas CRE (Coordenadoria

Regional de Educação), uma vez que o programa só dispõe de 136 assistentes

sociais e 66 psicólogos para toda a cidade. A equipe lotada nos Pólos recebe os

alunos encaminhados pelas escolas municipais. Em linhas gerais, a Rede atua

por meio de atendimento ao aluno que apresente dificuldades no ambiente

escolar ou de aprendizagem, atendimento à família, visitas domiciliares,

reuniões com os pais e mapeamento da rede de serviços local.

Alena reconhece que a Rede ainda tem dificuldades de funcionamento,

uma vez que a equipe é pequena para atender às 1057 escolas da rede no

município, mas considera uma iniciativa fundamental para ampliação da função

social da escola. Um outro programa, a nível nacional, que vincula, mas não

necessariamente articula as políticas de educação e de assistência, é o

Programa Bolsa Família, que compõe o Programa Fome Zero, carro chefe do

governo de Luis Inácio Lula da Silva.

Segundo o site do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à

Fome, o Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência de

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renda com condicionalidades que beneficia famílias pobres (com renda mensal

por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extremamente pobres (com renda

mensal por pessoa de até R$ 60,00). O Programa se pauta na articulação de

três dimensões essenciais à superação da fome e da pobreza:

• Promoção do alívio imediato da pobreza, por meio da transferência direta

de renda à família;

• Reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas áreas de Saúde e

Educação, por meio do cumprimento das condicionalidades, o que

contribui para que as famílias consigam romper o ciclo da pobreza entre

gerações;

• Coordenação de programas complementares, que têm por objetivo o

desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários do Bolsa

Família consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. São

exemplos de programas complementares: programas de geração de

trabalho e renda, de alfabetização de adultos, de fornecimento de registro

civil e demais documentos.

O Programa Bolsa Família visa, então, assegurar o direito humano à

alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e

contribuindo para a erradicação da extrema pobreza e para a conquista da

cidadania pela parcela da população mais vulnerável à fome.

Sabe-se que os valores pagos pelo Programa Bolsa Família variam de

R$15,00 a R$95,00, de acordo com a renda mensal por pessoa da família e o

número de crianças. Em alguns casos, o valor pago pelo Programa pode ser um

pouco maior, como acontece com as famílias que migraram de programas

remanescentes e recebiam um benefício maior nesses programas.

Ao entrar no Programa Bolsa Família a família se compromete a manter

suas crianças e adolescentes em idade escolar freqüentando a escola e a

cumprir os cuidados básicos em saúde: o calendário de vacinação, para as

crianças entre 0 e 6 anos e a agenda pré e pós-natal para as gestantes e mães

em amamentação.

Para Marcelo Medeiros (2007), uma das propaladas inovações do

Programa Bolsa Família, assim como de seus antecessores Bolsa Escola e

Bolsa Alimentação, diz respeito a um desenho que se propõe a aliar dois

objetivos centrais: o alívio da pobreza no curto prazo, por meio das

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transferências de renda, e o combate à sua transmissão intergeracional, por

meio de condicionalidades voltadas para incentivar as famílias a realizarem

investimentos em capital humano. Adicionalmente, a exigência de

condicionalidades, também chamadas de contrapartidas ou co-

responsabilidades das famílias, tem como objetivo incentivar a demanda por

serviços sociais como saúde e educação e ampliar o acesso da população mais

pobre a direitos sociais básicos, incentivando a expansão e melhorias na oferta

desses serviços.

A mais conhecida condicionalidade do Programa Bolsa Família é a de

freqüência escolar das crianças. O programa exige que as crianças estejam

presentes em 85% das aulas e instituiu um sistema de acompanhamento que é

alimentado pelos municípios e transmitido ao governo federal, a fim de que se

apliquem advertências e sanções no caso de seu descumprimento. Trata-se de

uma inovação, uma vez que a exigência de controle de freqüência escolar,

segundo a legislação, limitava-se a 75% das aulas e competia, apenas, aos

estabelecimentos de ensino.

Do ponto de vista dos resultados, a necessidade e o impacto das

condicionalidades são controversos. Se, desde a criação do sistema de

acompanhamento da condicionalidade de educação, mais de 95% daqueles que

tiveram a freqüência escolar monitorada cumpriram a exigência estabelecida, é

difícil afirmar se isto é resultado direto do controle de condicionalidades ou uma

tendência independente deste controle.

Recente avaliação de impacto feita pelo Centro de Desenvolvimento e

Planejamento Regional – Cedeplar – (2006) traz alguns resultados preliminares

sobre os efeitos do Programa Bolsa Família sobre a educação. Os resultados

observados indicam que as crianças atendidas pelo programa têm uma menor

probabilidade de faltar um dia de aula por mês em comparação com crianças em

domicílios similares que não recebem o benefício.

Ademais, a probabilidade de as crianças beneficiárias abandonarem a

escola também é menor. Entretanto, os efeitos observados sobre a educação

podem estar sendo os mesmos de um programa sem condicionalidade, pois há

indicações de que, mesmo na ausência de contrapartidas, programas de

transferência de renda têm efeitos positivos sobre a escolaridade das crianças.

Em muitos casos, as condicionalidades de saúde e educação apenas reforçam

algo a que os pais já são obrigados – legal ou socialmente – a fazer por suas

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crianças: envia-las à escola, vaciná-las e cuidar de sua saúde. Dessa maneira,

não parece haver nenhuma novidade.

Se as condicionalidades podem ser desnecessárias, o problema de sua

existência também pode residir nos custos que seu controle pode acarretar. Um

sistema tempestivo e eficiente de monitoramento de condicionalidades em

escala nacional pode implicar custos administrativos importantes, não só para o

governo federal, mas, principalmente, para os municípios, encarregados de

alimentá-lo periodicamente. No entanto, uma avaliação cuidadosa dos

benefícios e custos de um controle homogêneo para todo o país ainda precisa

ser feita para se ter uma melhor idéia da conveniência desses mecanismos. Por

outro lado, ao gerar informações sobre possíveis omissões nas ações de saúde

ou na freqüência escolar, o monitoramento de condicionalidades pode funcionar

como um instrumento para alertar o poder público sobre famílias em situações

de maior vulnerabilidade, que demandam atenção específica, além de identificar

gargalos na oferta desses serviços. Em poucas palavras, não se sabe ao certo

quão necessárias são as condicionalidades, quanto se gasta para controlá-las,

como o monitoramento é realmente realizado e o que exatamente se ganha com

isso.

Se as condicionalidades de saúde e educação já são algo que os pais

devem fazer com ou sem o benefício, por que elas são tão importantes nos

debates? Talvez porque a discussão sobre a necessidade das

condicionalidades também tenha como pano de fundo questões políticas e

éticas. As condicionalidades em parte atendem às demandas daqueles que

julgam que ninguém pode receber uma transferência do Estado – especialmente

os pobres – sem prestar alguma contrapartida direta. As condicionalidades

seriam algo equivalente ao “suor do trabalho”; sem essa simbologia, o programa

correria o risco de perder apoio na sociedade. Esta característica não é uma

idiossincrasia do Programa Bolsa Família, pois aparece também em vários

programas implementados em outros países.

Da mesma forma, propor que um programa de transferência de renda,

neste nível, pode erradicar a fome e a miséria neste país é uma grande falácia,

tendo em vista que as condições estruturantes de criação e manutenção da

“questão social” estão mantidas, e, neste século, exponenciadas. A exploração

capital-trabalho, a produção da mais valia e as formas diversificadas de

acumulação, vêm apontando novas expressões da “questão social”, e o

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atendimento a estas “questões”, vem se dando de forma pontual, descontínua e

desarticulada, a exemplo da educação e da assistência.

O que volta à discussão, nesta concepção, é o conceito de cidadania e

sua efetivação no atual contexto social e político brasileiro. Segundo Carlos

Nelson Coutinho (1997) a cidadania é a capacidade conquistada por alguns

indivíduos, ou (no caso de uma democracia efetiva) de todos os indivíduos, de

se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as

potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada

contexto historicamente determinado.

Neste contexto, o Programa Bolsa Família, que pretende distribuir a

riqueza do país, torna-se apenas mais um mecanismo para controle do Estado

em relação às demandas sociais dos trabalhadores, e contribui minimamente

para a reprodução social destes.

Para Edmundo Dias (1996), as classes trabalhadoras têm sido

expropriadas na sua própria condição de existência enquanto classe, tanto

objetiva, quanto subjetivamente. Foram e estão sendo permanentemente

transformadas em sujeitos abstratos de uma cidadania e de uma

institucionalidade que as negam. Todo arcabouço institucional conhecido pelo

nome de Estado viabiliza a possibilidade do capitalismo como dominação. Ele e

o universo ideológico que constrói/veicula, torna possível o exercício dessa

dominação. Assim a racionalidade burocrática esteve sempre associada ao grau

de maior ou menor consistência e força da cidadania.

A igualação abstrata de todos os indivíduos, perante a lei, impediu, que

as desigualdades sociais se expressassem como tal no plano do Direito. Criou-

se o mito da cidadania e da democracia para todos, o que será desmentido na

própria realização do mercado.

Assim é possível destacar como aponta Marina Abreu (2002), uma

tendência da profissão que se limita aos compromissos com as lutas das

classes trabalhadoras pela defesa dos direitos civis, políticos e sociais, da

democracia e da justiça social, no horizonte das conquistas que

consubstanciaram a experiência do chamado Estado de Bem Estar Social,

muitas vezes tida como fim último da intervenção profissional, e outra tendência

que se coloca considerando o compromisso profissional com a luta junto às

classes subalternas no sentido da superação da ordem burguesa e construção

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de uma nova sociedade, a qual supõe a ultrapassagem das lutas no campo dos

direitos, na chamada democracia burguesa.

Quais os desafios postos para o assistente social que atua no campo da

educação? Promover espaços para interfaces educação e assistência? Ou sua

ação possui um caráter por si educativo, ou mesmo contra hegemônico?

Quando tratamos de educação, pensamos em formar que sujeito e que

sociedade? Qual nosso nível de comprometimento com o projeto ético político

da profissão? Essas e outras questões serão tratadas no próximo capítulo.

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Capítulo III

As possibilidades e limites de atuação do

Serviço Social na área de educação

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III.1 – As concepções de Cultura e Hegemonia. Neste capítulo trabalharemos o conceito de cultura e hegemonia,

considerados a partir da concepção gramsciana.

Para Antônio Gramsci (1978), uma concepção de mundo crítica e

coerente pressupõe a plena consciência da nossa historicidade e da fase de

desenvolvimento por ela representada. É necessário ter clareza de que mesmo

as categorias mais abstratas, estão permeadas pelos condicionantes históricos

que lhes imprimem condições peculiares.

Na superação do materialismo vulgar e do idealismo, posições que, ou

reduzem a consciência a mero reflexo passivo do real, ou fazem da história a

pura história do espírito, Gramsci integra ao marxismo o conceito de bloco

histórico. O bloco histórico, ou em termos lukacsianos, a totalidade concreta é a

estrutura global na qual se inserem, como momentos dialéticos, a estrutura

econômica e as superestruturas ideológicas, não existindo um hierarquia dos

momentos da realidade.

Gramsci, a partir de Marx, elabora uma teoria da inter-relação e da

articulação do Estado, Sociedade Política, e da Sociedade Civil, e a forma pela

qual ambos operam, de forma conjunta, como organismos reguladores da

sociedade. Compreendeu-os como um todo, o Estado apresentaria as funções

não só de regulamentação, mas também de dominação, e para tanto, utilizaria

como recursos a força, e o consenso, por meio dos aparelhos privados de

hegemonia, organizados pela sociedade civil. A ideologia dominante atravessa a

Sociedade Civil e a mente dos indivíduos e suas crenças, visando seu

consentimento espontâneo à concepção de mundo dominante.

É possível entender tal concepção, quando se analisa a sociedade

capitalista, quando a burguesia toma o poder e constrói seu Estado, pois ela cria

ao mesmo tempo, uma nova concepção de Direito, uma concepção de

Economia, de Política, de Saúde, de Educação, de Ciência, sua prática e seus

aparelhos. Este Estado não se apresentou como um Estado de Classe. Se, para

as classes fundamentais, burguesia e proletariado, o Estado não é concebível a

não ser como a forma concreta de um determinado mundo econômico, de um

determinado sistema de produção, tais aparelhos servem para legitimação deste

Estado, logo do modo de produção.

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Para construção de uma outra ordem societária - socialismo - em

Gramsci, é necessária a fundação não só de uma economia planificada e

socializada, mas de uma nova cultura.

Entre as contribuições relevantes para compreensão da realidade, e das

possibilidades de construção dessa nova ordem social, as categorias forças

sociais e hegemonia são centrais. Segundo Sonia Rummert (2000), a

perspectiva gramsciana aponta que forças sociais se aglutinam, se aliam ou se

enfrentam, e definem num dado momento histórico, as possibilidades de

transformação de uma determinada realidade e o grau que essas

transformações podem atingir. Assim a idéia de forças sociais nos remete a

idéia de correlação de forças desenvolvidas por Gramsci. Em termos políticos,

as relações de força podem ser identificadas em diferentes níveis, e

representam a capacidade de setores da sociedade constituírem possibilidades

concretas de transformações de caráter estrutural.

O processo de politização das relações sociais é compreendido com base

na análise gramsciana sobre a avaliação das relações de forças políticas como

aquele que dá homogeneidade, autoconsciência e organização alcançadas

pelos vários grupos sociais, o qual corresponde aos diversos momentos da

consciência política coletiva. Gramsci distingue três graus desse processo,

considerando a forma como se manifestam historicamente: o primeiro, mais

elementar, caracteriza-se pela manifestação da solidariedade entre os membros

de um mesmo grupo, processo de identificação que se faz a nível de

corporação, mas não de classe. O segundo nível, a consciência coletiva cria

laços de solidariedade entre diversos grupos sociais, mas estritamente no

campo econômico. Já é constituída uma identidade fundamental como classe.

Nesse nível, diferentes frações de classe, e mesmo de diferentes classes podem

fazer alianças, sem provocar alterações estruturais, mas apenas reformistas. O

terceiro, o mais político, configura a consciência da solidariedade entre os

diversos grupos subordinados, traduzida na unicidade dos fins econômicos e

políticos e na unidade intelectual e moral, cuja culminância é a formação de um

projeto para a sociedade, que implica na presença de um organismo político –

um partido – organizador desse processo. É o momento em que se estruturam e

se consolidam as condições de construção de um projeto contra-hegemônico.

A dinâmica que dá vida a esse processo é a disputa pela hegemonia. É o

confronto de conceber a realidade e agir sobre ela. Segundo Edmundo Dias

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(1996), quando se fala em hegemonia, pensa-se na capacidade de uma classe

em subordinar ou coordenar classes aliadas ou inimigas. Numa outra

concepção, a hegemonia pode ser também entendida a partir da perspectiva do

partido, enfatizando excessivamente os mecanismos específicos de intervenção

política. Essa visão é traçada por aqueles que entendem a hegemonia como

mera obtenção de um domínio ideológico ou mesmo a uma eventual maioria nos

processos políticos.

Edmundo Dias (1996), no entanto, ressalta a relação entre a capacidade

de construção de uma visão de mundo e a realização da hegemonia. A

capacidade de diferenciar-se e contrapor-se como visão de mundo às outras

classes. Afirmar-se como projeto para si e para a sociedade. Ser direção das

classes subalternas e dominadas na construção de uma nova forma civilizatória.

Esses são alguns processos fundamentais para construção de uma nova civiltá,

civilização, constituída intelectual e moralmente de forma distinta, que deve

estar ligado a um plano de transformação das bases econômicas. Pensar na

construção de uma nova ordem social, uma nova sociabilidade só é possível se

se pensam conjuntamente as formas específicas de sua realização – material e

simbólica.

A intervenção das classes subalternas na história compreende amplas

frentes de luta direcionadas para a sua constituição autônoma como força

antagônica ao capital e na garantia de meios necessários à própria subsistência.

Estas frentes são constitutivas dos processos de luta pela conquista da

hegemonia por essas classes, isto é, do exercício da direção intelectual e moral

e domínio político, em condições históricas determinadas.

A conquista e a manutenção da hegemonia não podem prescindir do que

Gramsci denomina de aparelhos de hegemonia, que constituem o complexo

conjunto formado pelos espaços onde são elaborados e/ou difundidas as

ideologias. As igrejas, os sistemas escolares, os meios de comunicação,

organizações culturais, profissionais e sindicais são alguns dos principais

aparelhos identificados por Gramsci.

O conceito de hegemonia, nesta perspectiva, implica igualmente em

direção cultural e política que se procura imprimir à totalidade social através de

permanente ação educativa. É por meio desta ação educativa que são

produzidas e valorizadas determinadas formas de representação da realidade,

crenças e valores, padrões de relações e de comportamentos sociais e

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individuais que irão imprimir características particulares à cultura de uma dada

sociedade.

Ainda para Sonia Rummert (2000), o significado atribuído à cultura

ressalta a multiplicidade de manifestações que, mesmo quando aparentemente

desordenadas e artificialmente apartadas umas das outras, se constituem em

tecido no qual estão expressas as mais diversas significações e tensões de

ordem econômica, social, étnica e geracional. A cultura é assim, apreendida

como o modo como os sujeitos individuais e coletivos concebem e representam

o real, nele se reconhecem e se situam.

Dou a cultura este significado: exercício de pensamento, aquisição de idéias gerais, hábito de conectar causas e efeitos. Para mim, todos já são cultos, porque todos pensam, todos conectam causas e efeitos. Mas o são empiricamente, não organicamente. E assim sei como a cultura é também um conceito basilar do socialismo, porque integra e concretiza o vago conceito de liberdade de pensamento, assim gostaria também que ele fosse vivificado por outro. Pelo de organização. Organizemos a cultura, assim como buscamos organizar toda atividade prática. (Gramsci, 1978c, p. 34)

Referindo-se ao papel do Estado na conquista e manutenção da

hegemonia no modo de produção capitalista, Gramsci enfatiza a idéia de que o

Estado significa particularmente direção consciente das grandes multidões nacionais: é necessário, portanto, um contato sentimental e ideológico com estas multidões e, numa certa medida, simpatia e compreensão de suas necessidades e exigências. (Gramsci, 1978b, p. 17)

Este contato é essencial para manter sob controle, neutralizar ou, se

possível, dispersar forças sociais discordantes e ocupar, junto às grandes

massas, o espaço que poderia vir a ser ocupado por forças sociais opositoras à

hegemonia vigente.

Antônio Gramsci em seus Cadernos do Cárcere mostra que a ideologia

constitui um dos mais importantes elementos organizativos de uma dada

sociedade, estando presente, implicitamente, em todas as manifestações da

vida, individuais e coletivas. O conceito ampliado de ideologia formulado por

Gramsci, também destaca sua importância não apenas como um elemento

essencial às práticas de dominação, mas também como veículo aglutinador e

organizador das diferentes forças sociais. Da mesma forma, segundo o autor,

não existe uma única ideologia e suas diferentes interpretações não constituem

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formas acabadas da interpretação da realidade. Todas as ideologias, seja qual

for o seu grau de explicitação do conflito, abrigam representações, imagens,

valores, projetos, e padrões de comportamento.

Em Gramsci, a ideologia teria

o significado mais alto de uma concepção do mundo, que se manisfesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas. (Gramsci, 1978ª, pg. 16)

Neste sentido, como explicitado, a ideologia é tanto elemento de

dominação, uma vez que desde a entrada do homem no mundo consciente lhe é

imposta uma concepção de mundo, mecanicamente, “por um dos vários grupos

sociais nos quais estão todos envolvidos” (Gramsci, 1978ª, p.12), quanto pode

ser elemento de libertação, quando ocorre a elaboração de uma concepção de

mundo própria dos grupos subalternos, mediante a qual verifica-se o

afastamento da influência ideológica da classe dominante, que é, assim, uma

necessidade de conseguir “romper a unidade baseada na ideologia tradicional,

sem cuja ruptura a força nova não poderia adquirir consciência da própria

personalidade independente” (Gramsci, 1976, p.11).

Marina Abreu (2002), baseada na obra gramsciana, aponta que a

dominação ideológica provoca nos grupos subalternos uma dicotomia entre o

pensar e o agir, que se expressa, no homem ativo da massa, na contradição

entre a sua ação prática e a consciência teórica de sua ação, o que segundo

Gramsci, torna quase possível dizer que ele possui

duas consciências teóricas (ou uma consciência contraditória): uma, implícita na sua ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na transformação prática da realidade; e outra, superficialmente explícita ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crítica. Todavia esta concepção verbal não é inconseqüente: ela liga a um grupo determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção da vontade, de uma maneira mais ou menos intensa que pode, inclusive, atingir um ponto no qual a contraditoriedade da consciência não permita nenhuma ação, nenhuma escolha, produza um estado de passividade moral e política (Gramsci, 1978ª, p. 20-1)

Esta consciência contraditória corresponde, na análise gramsciana, ao

senso comum, que é entendido como uma mistura desordenada de elementos

da ideologia dominante, e elementos abstraídos da própria experiência de vida,

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que constituem o bom senso, que assim, corresponde à elaboração crítica do

senso comum. O bom senso representa a base de uma nova e independente

concepção de mundo, merecendo ser desenvolvida em algo unitário e coerente,

ou seja, em filosofia superior.

Para Gramsci (1978ª), o desenvolvimento político do conceito de

hegemonia representa – além do progresso político-prático – um grande

progresso filosófico, já que implica e supõe necessariamente uma unidade

intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que superou o senso

comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos.

Assim, a linguagem coloca-se com principal veículo de expressão da nova

concepção de mundo. Ela é recriada considerando a necessidade de

adequação dos novos conteúdos ao desenvolvimento geral de determinada

língua. A linguagem comum reflete as diferenças histórico-sociais presentes

entre os estratos numerosos que se pretenda unificar em torno de projeto de

hegemonia. Neste sentido a elaboração de uma nova linguagem

pressupõe a obtenção de uma unidade cultural-social pela qual uma multiplicidade de quereres desagregados, com heterogeneidades de fins, se unem em conjunto para um mesmo fim, na base de uma igual e comum concepção do mundo (geral e particular, transitoriamente atuante – por via emocional – ou permanente, pelo qual a base intelectual se radica, se assimila e se vive de tal forma que pode tornar-se paixão) (Gramsci, 1978ª, p. 18)

Nesta perspectiva, fica reafirmada a tese gramsciana da vinculação das

relações pedagógicas à questão da hegemonia como relações inenerentes à

elaboração e socialização de uma concepção de mundo superior, de forma que

esta se constitua base de ações vitais de uma nova racionalidade fundadora de

uma nova sociabilidade, isto é, uma nova cultura, uma nova civiltá.

criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”; significa também, e, sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer; transformá-las, portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato “filosófico” bem mais importante e “original” do que a descoberta, por parte de um “gênio filosófico”, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais (Gramsci, 1978ª, p. 13-14)

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Com base nestas considerações, são apreendidas as possibilidades

históricas da construção de um novo princípio educativo tendo presente a

referência concreta de experiências pedagógicas integradas às lutas sociais e

processos revolucionários.

Neste sentido, levanto como importante reflexão se o Serviço Social vem

conseguindo dar capilaridade às questões presentes em seu projeto ético-

político, cujo norte é a transformação societária. Segundo Marcelo Braz (2005),

o projeto ético-político é uma projeção coletiva que envolve sujeitos individuais e

coletivos em torno de uma determinada valoração ética vinculada a

determinados projetos societários que estão relacionados a diversos projetos

coletivos em disputa na mesma sociedade.

Assim, no próximo item, discorreremos como se dá essa discussão na

categoria e se o Assistente Social, a partir de sua prática educativa, vem

construindo elementos contra-hegemônicos em seu fazer profissional.

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III. 2 – A construção da hegemonia e o Projeto ético-político do Serviço Social

No âmbito do Serviço Social, o tema hegemonia vem, desde a década de

80, tendo centralidade dentro da categoria tanto no que se refere à sua

importância para o debate sobre projeto ético-político profissional, quanto para o

debate sobre projetos societários. Tais debates atravessaram o processo de

reconceituação vivido pela categoria neste período e marcaram o compromisso

assumido com as classes trabalhadoras, e a luta para construção de uma ordem

social distinta.

Segundo José Paulo Netto (1999), a teoria social crítica, referindo-se à

tradição marxista, já demonstrou que a sociedade não é uma entidade de

natureza intencional ou teleológica – isto é: a sociedade não tem objetivos nem

finalidades; ela apenas dispõe de existência em si, puramente factual. No

entanto, a mesma teoria sublinha que os membros da sociedade, homens e

mulheres, sempre atuam teleologicamente – isto é: as ações humanas sempre

são orientadas para objetivos, metas e fins. A ação humana, seja individual, seja

coletiva, tendo em sua base necessidades e interesses, implica sempre um

projeto que, em poucas palavras, é uma antecipação ideal da finalidade que se

pretende alcançar, com a invocação dos valores que o legitimam e a escolha

dos meios para lográ-lo. Interessa-nos aqui um tipo de projeto coletivo, que

designamos como projetos societários. Os projetos societários são projetos

coletivos; mas seu traço peculiar reside no fato de se constituírem como projetos

macroscópicos, como propostas para o conjunto da sociedade.

Em sociedades como a nossa, os projetos societários são, necessária e

simultaneamente, projetos de classe. Por isto mesmo há necessariamente uma

dimensão política, que envolve relações de poder, e esta dimensão não pode

ser diretamente identificada com posicionamentos partidários.

A experiência histórica demonstra que, tendo sempre em seu núcleo a

marca da classe social a cujos interesses essenciais respondem, os projetos

societários constituem estruturas flexíveis: incorporam novas demandas,

transformam-se e se renovam conforme as conjunturas históricas e políticas.

Todavia, também a experiência histórica demonstrou que, na ordem do capital,

por razões econômico-sociais e culturais, mesmo num quadro de democracia

política, os projetos societários que respondem aos interesses das classes

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trabalhadoras e subalternas sempre dispõem de condições menos favoráveis

para enfrentar os projetos das classes proprietárias e politicamente dominantes.

Ainda para José Paulo Netto (1999), os projetos profissionais apresentam

a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam

socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os

requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem

normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as bases das

suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e

com as organizações e instituições sociais privadas e públicas. Tais projetos são

construídos pela categoria profissional, que inclui não apenas os profissionais

“de campo” ou “da prática”, mas o conjunto dos membros que dão efetividade à

profissão. É importante ressaltar que os projetos profissionais também têm

dimensões políticas, seja no sentido amplo (referido às suas relações com os

projetos societários), seja em sentido estrito (referido às perspectivas

particulares da profissão). Porém, nem sempre tais dimensões são explicitadas,

especialmente quando apontam para direções conservadoras ou reacionárias.

Um dos traços mais característicos do conservadorismo consiste na negação

das dimensões políticas e ideológicas.

O corpo profissional é uma unidade não-homogênea. Nele estão

presentes projetos individuais e societários diversos e, portanto, configura um

espaço plural do qual podem surgir projetos profissionais diferentes. Mais

exatamente, todo corpo profissional é um campo de tensões e de lutas. A

afirmação e consolidação de um projeto profissional em seu próprio interior não

suprime as divergências e contradições.

A atenção a essas questões se mostra mais importante quando se leva

em conta a relação dos projetos profissionais com os projetos societários.

Embora seja freqüente a sintonia entre o projeto societário hegemônico e o

projeto hegemônico de um determinado corpo profissional, podem ocorrer – e

ocorrem – situações de conflito e mesmo de contradição entre eles. É possível

que, em algumas conjunturas, o projeto societário hegemônico seja contestado

por projetos profissionais que conquistem hegemonia em seus respectivos

corpos (esta possibilidade é tanto maior quando tais corpos se tornam sensíveis

aos interesses das classes trabalhadoras e subalternas e quanto mais estas

classes se afirmem social e politicamente). Tais situações agudizam, no interior

desses corpos profissionais, as diferenças e divergências entre os diversos

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segmentos profissionais que os compõem. Por outra parte, considerando o

pluralismo profissional, o projeto hegemônico de um determinado corpo

profissional supõe um pacto entre seus membros: uma espécie de acordo sobre

aqueles aspectos que, no projeto, são imperativos e aqueles que são

indicativos. Imperativos são os componentes compulsórios, obrigatórios para

todos os que exercem a profissão (estes componentes, em geral, são objeto de

regulação jurídico-estatal); indicativos são aqueles em torno dos quais não há

um consenso mínimo que garanta seu cumprimento rigoroso e idêntico por

todos os membros do corpo profissional.

Os elementos éticos de um projeto profissional não se limitam a

normativas morais e/ou prescrições de direitos e deveres: eles envolvem,

ademais, as opções teóricas, ideológicas e políticas dos profissionais – por isto

mesmo, a contemporânea designação de projetos profissionais como ético-

políticos revela toda a sua razão de ser: uma indicação ética só adquire

efetividade quando se combina com uma direção político-profissional.

O projeto ético-político do Serviço Social remonta então à transição dos

anos setenta aos oitenta, a partir da recusa e da crítica ao conservadorismo

profissional que já era objeto de problematização.

Marcelo Braz (2005) ressalta que o projeto ético-político profissional está

vinculado a um projeto de transformação da sociedade, e esta vinculação se dá

pela exigência da dimensão política da intervenção profissional. Ao atuarmos,

imprimimos uma ação social às nossas ações que favorecem a um ou outro

projeto societário.

Este projeto tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como

valor central – a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de

escolha entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a

emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Conseqüentemente,

este projeto profissional se vincula a um projeto societário que propõe a

construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe,

etnia e gênero. A partir destas opções que o fundamentam, tal projeto afirma a

defesa intransigente dos direitos humanos e o repúdio do arbítrio e dos

preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo, tanto na sociedade

como no exercício profissional.

A dimensão política do projeto fica evidente quando se enuncia a favor da

equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a

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bens e a serviços relativos às políticas e programas sociais; a ampliação e a

consolidação da cidadania que são explicitamente postas como garantia dos

direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras. Assim, o projeto se

declara radicalmente democrático, considerada a democratização como

socialização da participação política. Neste percurso, é importante destacar que

o compromisso com as classes trabalhadoras não pode estar circunscrito

apenas à defesa de direitos, nos marcos da cidadania burguesa, mas há que se

pensar que este compromisso precisa ter como horizonte a superação da

ordem, que prevê a socialização da riqueza socialmente produzida e a

construção de uma nova sociabilidade.

Para José Paulo Netto (1999), pode-se afirmar que este projeto ético-

político, fundamentado teórica e metodologicamente, conquistou hegemonia no

Serviço Social, no Brasil, na década de noventa do século XX. E é importante

destacar o antagonismo entre o projeto ético-político que ganhou hegemonia no

Serviço Social e a ofensiva neoliberal que, também no Brasil, em nome da

racionalização, da modernidade, dos valores do Primeiro Mundo, vem

promovendo a liquidação de direitos sociais, a privatização do Estado, o

sucateamento dos serviços públicos e a implementação sistemática de uma

política macro-econômica que penaliza a massa da população e trazem

questões ainda maiores para a categoria no sentido de operacionalização deste

projeto.

Para Marina Abreu (2002), que analisa a função pedagógica do assistente

social como dimensão constitutiva da organização da cultura pelas classes sociais,

toda relação de hegemonia é necessariamente pedagógica. A discussão sobre a

hegemonia do projeto ético-político crítico dentro da categoria, e a constituição de

um projeto societário que aponte para superação da ordem capitalista, requerem do

profissional a junção de sua função pedagógica com a luta política.

Percebemos assim que as dimensões política e educativa estão fortemente

presentes nas práticas profissionais do Assistente Social, independente da área de

sua atuação e da própria consciência dos profissionais no que tange aos interesses

reais dos distintos segmentos de classe. Assim, cabe-nos no próximo item,

discorrer sobre como tais dimensões se fazem presentes na categoria ao longo da

sua história, e qual sua especificidade no cotidiano específico de atuação do

Assistente Social no campo da educação.

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III.3– Dimensões educativas e políticas do Serviço Social

Para Marina Abreu (2002) as bases sócio-históricas da função

pedagógica do assistente social na sociedade brasileira vêm sendo tensionadas,

a partir dos anos 90 no Brasil, pelas estratégias político-culturais acionadas

pelas classes na luta pela hegemonia no país. Tal luta é travada nos marcos da

crise estrutural do sistema capitalista nas três últimas décadas do século XX,

marcada pelo esgotamento do padrão fordista/keynesiano de produção e pela

minimização da intervenção estatal na sociedade.

A superação do padrão fordista/keynesiano pelo processo conhecido

como acumulação flexível, favorece as bases de uma sociabilidade forjada no

quadro de uma crise estrutural do sistema capitalista, sociabilidade essa

marcada pela fragmentação social, aumento da diferenciação entre classes,

ampliação das desigualdades legitimada por um novo sistema de regulação e

controle social que busca mascarar, a todo custo, essas diferenciações e

desigualdades. Fica entendido que na reorganização dessa cultura sob a ordem

do capital em crise, coloca-se, como princípio educativo fundante, a obtenção de

um “novo” conformismo em que as estratégias participacionistas no âmbito da

produção e da reprodução social torna-se vetor principal.

O “novo” conformismo social imposto pelo interesse da acumulação do

capital visa, nesta linha de argumentação, a obtenção do consentimento passivo

das classes subalternas à nova ordem do capital, bem como a neutralização de

suas lutas centradas na formação de uma vontade coletiva nacional-popular. O

Estado e suas políticas devem ainda se tornar mínimos, agudizando os fatores

acima expostos. Assim, o neoliberalismo e novo conformismo social constituem

uma nova pedagogia da hegemonia.

Para Alain Bihr (1998), a sociedade é marcada por uma crise cultural

traduzida pela incapacidade própria das sociedades capitalistas desenvolvidas

de propor a seus membros uma ordem significante ou um conjunto de

referências estável e coerente, no qual e pelo qual eles possam construir uma

identidade e dar sentido à sua existência tanto individual quanto coletiva.

Assim, as inúmeras transformações sociais vão implicando em

redefinições e reposicionamentos das diversas práticas sociais, ou

processamento de alterações profissionais, sobretudo no Serviço Social. Torna-

se então fundamental avançar no desvendamento da questão da cultura nos

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marcos das estratégias de reorganização das relações de hegemonia na

sociedade, eixo em que se coloca a questão pedagógica no Serviço Social.

No quadro contraditório do mercado de trabalho profissional vem

ocorrendo uma recomposição dos perfis pedagógicos da prática do assistente

social, dando indicações reais dos direcionamentos da função pedagógica

dessa prática, em face das distintas estratégias de reforma intelectual e moral

implementadas pelas classes sociais, isto é, de organização e reorganização da

cultura.

Nesta reconstrução das bases sócio-históricas de princípios educativos

fundantes dos processos de organização/reorganização da cultura e das suas

implicações nas reconfigurações da função pedagógica da prática do Serviço

Social, são redescobertos, segundo Marina Abreu (2002), eixos temáticos,

identificados como “ajuda psicossocial individualizada”, também explicitada

como pedagogia da ajuda, que prevê o ajustamento e a integração do

trabalhador à ordem; a “participação”, também explicitada como pedagogia da

participação, que circunscreve o compromisso da categoria com a luta de

classes no âmbito da defesa de direitos e a “formação de uma vontade coletiva

nacional popular” denominada como pedagogia emancipatória, que circunscreve

o compromisso com a luta de classes no sentido da superação da ordem.

Em relação às duas primeiras, destaca que as mesmas vêm sendo

metamorfosedas numa adequação de posturas pedagógicas subalternizantes às

necessidades e demandas colocadas pela intensificação da exploração, do

envolvimento produtivo do trabalhador e do controle persuasivo do trabalho pelo

capital, tensionadas pelas resistências, enfrentamentos e alternativas das

classes subalternas na conquista de condições para sua plena reprodução

material e constituição política como força antagônica ao capital. De outro modo,

a terceira perspectiva é atingida pela ofensiva ideológica do capital direcionada

para reconstituição de sua hegemonia, que potencializa a adequação dos

trabalhadores à lógica do capital, ao mesmo tempo em que debilita a

solidariedade no interior da classe e fragiliza os traços de presença e afirmação

de um outro projeto societário.

Portanto, a racionalidade inerente às inovações organizacionais e de

controle da produção e do trabalho, voltadas para responder às dificuldades

encontradas no quadro de crise para garantia da crescente valorização do

capital impregna as práticas sociais a partir de um conjunto de mediações

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socioinstitucionais de controle social, a saber: o aparato ideológico do estado,

principalmente a escola como organização educativa tradicional de cunho

persuasivo e coercitivo, as políticas sociais assistenciais e as organizações

policial-militares, os movimentos e organizações da sociedade, onde se inserem

a família, a igreja e o trabalho, como instâncias privilegiadas de controle social.

Frente a esses direcionamentos históricos, o primeiro e fundamental

desafio que se coloca para o assistente social para avançar numa perspectiva

emancipatória refere-se à contribuição profissional para o fortalecimento e o

avanço de processos e lutas que favoreçam a ultrapassagem das classes

subalternas dos limites históricos do Estado de bem Estar Social brasileiro, no

sentido da construção de uma nova sociabilidade.

Marina Abreu (2002) demarca a importância de intervenção profissional

nas diversas políticas públicas, no sentido da politização dos usuários e da

garantia dos direitos constituídos, e aponta que tal ação pode contribuir para

democratização do acesso às políticas, favorecer o controle social e uma nova

correlação de forças, na medida em que há um deslocamento da luta de classes

do “chão da fábrica” para a esfera pública, negando à burguesia o controle

exclusivo do Estado.

Mas o grande desafio que está posto é a discussão em torno da

construção de uma perspectiva emancipatória. A função pedagógica do

assistente social pode vincular-se à capacitação, mobilização e participação

populares, mediante, fundamentalmente processos de reflexão, identificação de

necessidades, formulação de demandas, controle de ações do Estado de forma

qualificada, organizada e crítica. Fundamentalmente, a intervenção do

assistente social, numa perspectiva emancipatória, volta-se para o rompimento

das práticas identificadas com a cultura tuteladora/clientelista da relação entre

Estado e sociedade, contribuindo para o surgimento de uma nova e superior

prática social. Segundo a autora, tal perspectiva alia, o trabalho profissional com

a militância.

Deste modo, a solidariedade e a colaboração intraclasses subalternas,

bem como a mobilização, a capacitação e a organização das mesmas

apresentam-se como elementos constitutivos de um novo princípio educativo –

base de uma pedagogia emancipatória – que contribui para subverter a maneira

de pensar e agir da ordem intelectual moral estabelecida pelo capital,

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plasmando novas subjetividades e condutas coletivas indicativas de uma nova

concepção de mundo.

Trabalhar com as diversas camadas da classe expropriada, na educação escolar e extra-escolar; debater com elas seus problemas, os problemas nacionais, à luz de seus interesses imediatos/históricos, se seu saber e dos conhecimentos científicos disponíveis, buscando, por intermédio de suas diversas organizações, meios e recursos para resolve-los na perspectiva da hegemonia popular; nesse processo, novos conhecimentos capazes de superar a dicotomia saber popular x conhecimento científico serão produzidos e sistematizados para constituírem instrumentos de humanização do homem. (Souza, 1987:124)

Nesta perspectiva, fica reafirmada a tese gramsciana da vinculação das

relações pedagógicas à questão da hegemonia, na qualidade de relações

inerentes à elaboração e socialização de uma concepção de mundo superior, de

forma que esta se constitua base de ações vitais de uma nova racionalidade,

fundadora de uma nova sociabilidade, isto é, de uma nova cultura, uma nova

civiltá.

É, assim, fundamental a participação dos assistentes sociais nos diversos

espaços educativos, ainda que reconhecidos como aparelhos privados de

hegemonia capitalista. A intervenção para o exercício da criticidade,

humanização e democratização desses espaços pode contribuir para

organização de uma contra-hegemonia, mas estarão sempre nos limites, nos

marcos de continuidade dessa ordem social. A possibilidade de construção de

uma nova ordem social se daria em outros espaços de formação e ação política

das classes subalternas, construídas por elas.

Mas, a despeito das dificuldades de se atuar em consonância com o

projeto ético-político da profissão e em espaços que reproduzem a ideologia

dominante, e apesar das poucas iniciativas que se apresentam de espaços para

formação política da classe, o profissional precisa buscar estratégias para

consolidar seu compromisso com as classes trabalhadoras, com as lutas e os

movimentos sociais.

Analisaremos adiante a experiência de profissionais de Serviço Social,

homens e mulheres, de diferentes gerações e formações, que têm o desafio de

atuar no campo educacional, seja na elaboração e proposição de políticas, seja

no âmbito da escola pública formal, no campo da educação infantil ou educação

especial. Como esses profissionais, no movimento das classes, sentem-se

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reconhecidos, demandados, como se movimentam em correlações de força

postas na construção de uma sociedade democrática, como procuram exercer

uma práxis profissional comprometida, contribuindo para formação de sujeitos

críticos e conscientes da importância de sua ação na história.

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III. 4 – Análise do Discurso e Experiências de Assistentes Sociais no Campo da Educação. Campo empírico do processo de investigação

O item ora apresentado discute o histórico de intervenção de alguns

assistentes sociais que atuam na rede pública de ensino das cidades do Rio de

Janeiro e Niterói. Para esta análise serão considerados, além dos materiais

adquiridos nas entrevistas que tratam de suas experiências e de lutas políticas

para reconhecimento da profissão, a produção intelectual de alguns desses

profissionais sobre seu fazer.

Foram realizadas no período de Agosto de 2007 a Janeiro de 2008,

entrevistas com 11 assistentes sociais de diferentes áreas da política

educacional, tais como educação infantil, educação fundamental, municipal e

estadual, educação especial, ensino médio, profissionais que atuam em pólos

de atendimento extra-escolar, ensino superior, além de profissionais que atuam

na área de assessoria, pesquisa, planejamento e gestão de projetos, programas

e políticas públicas que articulam e acompanham a inserção de assistentes

sociais na área.

Assim, para esta análise, consideraremos o discurso e prática desses

assistentes sociais, procurando articulá-los à categorias fundamentais tratadas

ao longo deste trabalho, tais como educação, cultura, cidadania, hegemonia,

ética, política, e transformação social, além de dar visibilidade às diversas

experiências por meio de suas contribuições, suscitando um campo de reflexão

para a categoria de Assistentes Sociais e demais profissionais que atuam na

educação.

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Práxis profissional de assistentes sociais no campo educacional

Os profissionais entrevistados, em sua maioria, formaram-se após a

década de 80, período em que o Serviço Social estava vivendo o processo de

sua reconceituação, e foram diplomados, também em sua maioria, em

universidades públicas. Dois desses profissionais já eram professores quando

decidiram fazer Serviço Social, e os demais, antes de entrarem para o campo da

educação, tiveram experiências anteriores de trabalho com crianças e

adolescentes.

Tal dado é relevante, pois nas entrevistas o caráter “crítico” de

intervenção foi citado como uma característica fundamental para um fazer

profissional competente. Tal conteúdo está presente no código de ética de 1986,

que marca o compromisso da categoria com a classe trabalhadora, e no código

de ética de 1993, que expressa um amadurecimento teórico-político dos

profissionais.

No entanto, a dimensão política de intervenção e a importância das lutas

sociais fundamentais para constituição de uma sociedade igualitária e

democrática, estiveram presentes em poucos discursos. A dimensão de

construção de uma nova ordem societária, onde as bases estruturais são

modificadas e onde haja uma nova forma de sociabilidade e conformação de

uma nova subjetividade, só foi citada por uma profissional. Interessante destacar

este item na medida em que o projeto ético-político hegemônico na categoria a

partir da década de 80 e o próprio código de ética apontam para uma direção

política que prevê a transformação societária.

“Eu quero é a superação do capitalismo, mas sei que não vou conseguir isso nem pra mim, nem pra minha filha. Meu eu tenho esse norte de vida e de formação profissional. Eu tenho uma formação marxista. Eu trabalho com políticas públicas que minimizam as expressões da questão social. Neste caso, sei que não mexe com a questão estrutural, eu tenho isso muito claro. Mas quando trabalho com uma associação de pais, que mexe com a questão política, eu estou propiciando que as pessoas organizadas, em algum momento da sua história, possam mudar essa história”. (R.M, Assistente Social do INES).

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A perspectiva de atuação em movimentos sociais é apresentada como

possibilidade de mudança na correlação de forças, na perspectiva de garantia

de direitos e qualificação das intervenções já existentes.

“Hoje ainda temos um número expressivo de profissionais que estão nas creches porque a política de educação infantil voltada para os segmentos mais pobres estava totalmente centralizada na assistência. Essas creches tinham como diretoras e coordenadoras, assistentes sociais. A partir de 1996, tivemos a mudança no atendimento às crianças que é a passagem das creches para a educação, o que sempre foi uma luta dos movimentos sociais de educação infantil, como o movimento interfórum de educação infantil. Hoje o movimento está lutando pela qualificação dessas creches, das profissionais que atuam nas creches municipalizadas. As educadoras, eram consideradas mães crecheiras, dentro de uma organização de voluntariado e de aproveitamento da mão de obra das mães da comunidade, que não tinham uma formação específica”. (D. N. Assistente Social, professora-doutora da UFF e assessora de creches populares) “Então de um espaço assistencialista, clientelista e voluntarista, conseguem se articular num movimento de luta das mulheres, das trabalhadoras, das educadoras leigas e populares. Em relação ao Serviço Social, percebemos que tem uma importância enorme na educação infantil na luta do movimento social”. (D. N. Assistente Social, professora-doutora da UFF e assessora de creches populares)

Em relação a como conceituam a educação, a maioria deles tratam-na

como política que apresenta questões bastante complexas no quadro social

brasileiro. Apontam que a escola é um instrumento de controle, em termos

gramscianos, um aparelho privado de hegemonia que legitima determinado

Estado e o modo de produção vigente, mas pode tornar-se espaço para

politização dos usuários, dependendo da consciência política dos profissionais

que lá atuam.

“A educação é uma estratégia de reprodução dos conhecimentos e práticas desenvolvidos ao longo da história humana, produto de relações sociais específicas que desenham sua forma e conteúdo. Acredito que na sociedade capitalista, a educação praticada nas instituições de ensino serve como instrumento de controle, e contraditoriamente, como perspectiva de reflexão crítica e emancipação”. (L.C. Assistente Social da Cefeteq)

“A educação e a cultura têm papel fundamental na vida em sociedade. Uma população que tem acesso à escolaridade tende a ser mais interventiva, pois possui o esclarecimento necessário à participação e intervenção na realidade social. A cultura, por sua vez, constitui-se no modo de preservar os costumes de uma determinada sociedade e está em constante processo de adaptação às transformações em processo. Pensar em educação e cultura em um país como o Brasil, cuja excessiva concentração de renda e conseqüente desigualdade social

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impedem que a grande parcela populacional tenha acesso a uma educação escolar de qualidade e à ambientes culturais significa pensar em alternativas eficazes de atuação em todos os níveis , de modo que a educação e a cultura sejam consideradas sob o prisma do direito”. (J.R. Assistente Social da Cefeteq)

Quase todos os profissionais reconhecem o espaço educativo como

espaço que tende a ser autoritário e excludente, composto por professores com

uma formação precária, que não contempla a realidade social brasileira e do

próprio aluno; são profissionais mal remunerados, o que lhes ocasiona vários

turnos de trabalho; profissionais geralmente não politizados, que reproduzem a

ideologia e valores dominantes; a escola apresenta condições difíceis de

trabalho, falta de recursos materiais e humanos, além de ter que enfrentar

questões importantes como a violência em seu entorno, expressa nas atitudes

de muitos alunos. Banalização da vida, individualismo, desrespeito aos direitos

humanos e às diferenças são alguns desafios enfrentados pela escola de

maneira geral.

Além dessas questões, a escola não se mostra preparada para lidar com

as diferenças, ou melhor, para tratar a questão da universalidade e da igualdade

no acesso aos portadores de necessidades especiais.

“O município do Rio de Janeiro trabalha com a perspectiva da educação inclusiva, ou seja, recebe alunos portadores de deficiência em seu equipamento. Assim temos algumas poucas experiências de escolas que trabalham com a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, outras escolas atendem aos surdos mas trabalham pela oralidade. Outra proposta seria encaminhá-los para escolas especiais, como o INES, mas temos um limite. O MEC vem estabelecendo convênio com os municípios para repasse de recursos que viabilizem o atendimento à pessoa surdo. Agora é um grande nó: há o repasse da verba para os municípios, mas a maioria das escolas não tem estrutura para atender ao aluno surdo”. (R.M, Assistente Social do INES)

Percebemos em alguns discursos um impasse em relação à escola e a

família dos alunos. Parece haver mutuamente acusações sobre as dificuldades

nas questões educacionais apresentadas pelos alunos, quase sempre

culpabilizando o próprio alunado e sua família por isso.

“A escola está cumprindo muito pouco sua função. A escola realiza poucas parcerias, tem poucos recursos, um projeto de escola integral não funciona por causa dos insumos, recursos materiais e humanos. Há um descaso total. Pais estão jogando sobre a escola a responsabilidade. Estamos vivendo uma época de muitas dificuldades

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para as famílias, pois estas já não sabem mais o que fazer com os filhos. Há uma perda de valores. A escola está vivendo dificuldades em cumprir seu papel acadêmico, quanto mais o social. Afora a realidade do professor, mal pago e mal preparado, que tem que lidar com este universo. A escola está abraçando tudo e está abraçando sozinha. A escola está agonizando porque a sociedade está agonizando”. (S. L. Assistente Social do Ciep 448 – Niterói).

É interessante destacar que atualmente diversas políticas públicas vêm

tendo como foco de atuação as famílias, a exemplo do SUAS - Sistema Único

de Assistência Social, da LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social, e dos PSF

– Programas de Saúde da Família, contrariando antigas ações fragmentadas

com foco no indivíduo.

Assim cabe-nos refletir qual é a família pensada e discutida no âmbito da

política pública. O modelo familiar hegemônico na sociedade contemporânea -

família nuclear burguesa - um núcleo formado pelo casal, seus filhos, morando

num local próprio, não é estático, mas sim resultado da construção histórica

gerado pelo desenvolvimento da sociedade capitalista. A partir da década de

80, o aumento das separações e divórcios, casamentos mais tardios, o menor

número de filhos, a emancipação feminina e o acesso da mulher ao mercado de

trabalho, a modernização e a urbanização, vêm provocando uma mudança nos

valores, normas sociais, nos papéis sexuais, e na instituição casamento como

um todo.

Para Paulo Silveira (1998) é possível perceber algumas características

marcantes nas famílias pobres, a saber: a) reconhecimento de si mesmas como

unidade de sobrevivência, luta e união; b) existência de múltiplos problemas,

atingindo áreas como alimentação e moradia; c) sobrecarga das funções

parentais na mulher tendo em vista a ausência ou enfraquecimento da figura

masculina; d) mulher como estabilizador do grupo, arcando com as

responsabilidades de provedora e socializadora.

Tratar a família como fonte privilegiada de proteção social sem considerar

que a mesma está inserida numa determinada classe social, sofrendo

diretamente os impactos da crise do capital e do Estado, é um equívoco. Tal

dimensão por vezes não é percebida pela Escola e seus profissionais, pelas

famílias, e pelos próprios Assistentes Sociais, que muitas vezes partem de um

olhar ainda hegemônico e de suas referências pessoais do que seja família,

inviabilizando nos atendimentos que esta seja reconhecida e valorizada

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independente de sua “estrutura”, condição financeira ou composição, mas sim

pela capacidade de gerar o bem estar de seus membros e de ser um espaço de

proteção social.

Assim, de forma geral, o perfil autoritário, controlador, desqualificatório, e

demarcador de um despoder dessas famílias ainda se faz presente nos

discursos da Escola, apesar de muitas escolas reconhecerem que a família deve

estar presente no espaço escolar.

“Se você não tem trabalho, pra que preparar a mão de obra? A nossa política é para banqueiro ganhar dinheiro. A escola está perdendo até essa função. Então eles têm o que há de pior. Não há preocupação com os professores, com as instalações. Há um discurso que a gente precisa trazer a comunidade pra escola. A Escola tem medo da comunidade, tem medo dos pais, a relação é ainda muito bélica. A Escola faz questão de dizer pro aluno que ele não pertence à ela, os portões estão sempre fechados”. (A.C. Assistente Social que implantou a Rede de proteção ao educando - SMAS)

Apesar do quadro citado, algumas escolas buscam uma aproximação

com a família, ainda que seja para demarcar seu “papel”.

“A estrutura educacional é rígida e tradicional, e as crianças estão falando mais. Quando foge do ritmo, a escola se assusta. Qual a formação desse professor? E as condições de trabalho? Trabalham em várias escolas. Não justifica, mas implica no processo. A escola resiste à mudança. A escola não se implica no exterior dela. A escola quer uma aproximação da família, isto parece conservador mas deve ser mantido. Porque que só a escola deve ser responsável por isso? A escola se relaciona muito pouco com a comunidade. A escola tem um receio muito grande”. (F. B. e E. Assistentes Sociais do Pólo Extra Escolar – 3ª CAS/3ª CRE)

Vários Assistentes Sociais reconhecem que existem profissionais

tentando reverter este quadro, e desenvolvendo ações interessantes, buscando

romper com o autoritarismo na escola, ampliando a criticidade e criatividade dos

alunos e de suas famílias, mas muitos esbarram na estrutura escolar.

“O brincar é valorizado como uma experiência para compreensão do mundo”.

(O.S. Assistente Social da Creche UFF)

Nestes discursos percebemos além da precariedade do ensino público,

uma dificuldade no relacionamento não só com os familiares dos alunos, mas

também com a comunidade do entorno. Mariano Enguita (2004) aponta que há

uma crise da família e da comunidade em relação ao cuidado e socialização das

crianças. Diz que nas sociedades tradicionais, onde as comunidades ainda eram

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pequenas, todos se conheciam direta ou indiretamente ao longo das gerações e

sabiam a que família pertencia cada criança, permitindo um cuidado e um

controle compartilhado entre os adultos. Essa forma tradicional de vida se foi,

embora reapareça em determinadas regiões. De igual modo, a família já não se

encontra mais no lugar anteriormente determinado, e já não é mais a mesma

família. Novos arranjos familiares são formatados no movimento histórico, onde

percebemos em destaque a saída das mulheres para mercado de trabalho e o

crescimento de famílias monoparentais, com a chefia de mulheres. As pequenas

comunidades tradicionais (vilarejos, e mesmo bairros onde se viviam por várias

gerações), foram varridos do mapa pelas grandes cidades, nas quais ninguém

conhece ninguém, primeiro pelo número de pessoas e depois pela mobilidade

geográfica, social e profissional. A rua deixa de ser a extensão da casa e passa

a ser espaço temido. Neste sentido, as instituições que antes partilhavam a

socialização das crianças agora retraem-se, inibem-se nas suas funções

tradicionais, fazendo com que aumente a necessidade e a carga relativa à

escola. Assim a escola também se ressente, e trava discussões freqüentes

sobre suas reais funções. Promover um espaço de reflexão com a comunidade

escolar sobre tais questões e suas implicações, faz parte do universo de

possibilidades do processo de trabalho do assistente social no âmbito escolar.

No que diz respeito às demandas de sua intervenção, algumas

profissionais apontam que ao chegarem aos seus espaços de trabalho, os

demais profissionais os recebiam com tom de surpresa, outros de alívio, como

se o profissional fosse dar conta de todos os problemas dos seus alunos, e

outros tantos apresentavam demandas muito assistencialistas. De uma maneira

geral fica claro o desconhecimento em relação ao que é o Serviço Social e como

seria sua inserção no espaço escolar.

Assistentes Sociais atuando junto ao alunado no ensino fundamental

relatam:

“A escola de maneira geral nos recebeu bem. Tem aquele lado de que vocês vão resolver os problemas, e o lado positivo que eles reconhecem que não tem condição de atender, que não é do campo do professor ou do coordenador pedagógico. É uma área desconhecida”. (F. B. e E. Assistentes Sociais do Pólo Extra Escolar – 3ª CAS/3ª CRE)

A experiência no ensino médio retrata o olhar tradicional que os demais

profissionais ainda tem da profissão, o de “fiscalizador da pobreza”

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“Existe uma tensão clara entre o acadêmico e o social, visto que o critério para acesso as bolsas definido pelo Serviço Social é o sócio-econômico e não o desempenho escolar. Apesar disso, observo que o Serviço Social é muito respeitado e reconhecido como a profissão que atua como “fiscalizadora da pobreza”, definindo quem tem e quem não tem acesso aos programas e serviços oferecidos pela escola para o alunado”. (L.C. Assistente Social da Cefeteq).

Um professor universitário e pesquisador relata que a questão do

reconhecimento passa pelo auto-reconhecimento na profissão, e aponta que o

reconhecimento ou ausência deste pelos demais profissionais e pela própria

política educacional, é mais evidente no ensino fundamental

“Acho que também temos um problema que é do auto-reconhecimento. Fui dar uma palestra em outra cidade, e uma senhora presente me abordou dizendo que tinha gostado muito, mas que ficou com a sensação que tudo era educação. Respondi que tudo era educação, mas nem tudo era política educacional. Ela me respondeu que achava que precisávamos ter uma identidade e essa era a assistência. As pessoas acham que é preciso ter assistência em tudo. Acho isso perigoso, acho isso ruim. A dificuldade de reconhecimento ou inserção do profissional de Serviço Social na educação é localizada, e está no ensino fundamental. A área de educação é uma área bastante complexa. Nós temos profissionais atuando na educação infantil, antes mesmo desta tornar-se da alçada da política educacional. A própria trajetória da educação infantil em todos os estados do Brasil é oriunda da Assistência. Alguns municípios tiveram o início do Assistente Social atuando na área de educação pela educação especial”. (N.L, Assistente Social, Pesquisador e Professor da FSS/UERJ)

Neste sentido podemos perceber que se é difícil no âmbito da política

pública garantir a inserção do assistente social nos espaços educacionais

formais, desenvolvendo ações que garantam o atendimento às demandas

daqueles espaços institucionais, trabalho similar deve ser feito para que haja um

entendimento dos profissionais desses espaços sobre o que é a profissão. É

preciso que haja um levantamento das demandas da escola, que se conheçam

os alunos, seus familiares, educadores e comunidade para que haja a

elaboração do projeto de intervenção que seja do conhecimento de todos. Em

todas as falas ficou apontada a necessidade do foco e do fundamental apoio da

direção da escola. Muitas são as demandas, poucos os profissionais, e mesmo

estes, têm uma carga horária reduzida, pois apenas um deles dedica 40 h

semanais para intervenção nestes espaços.

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“Era importante definir os focos. A escola já traz tantas questões que era preciso definir melhor quais seriam os focos de atuação. Dali, outros braços iam nascendo. Estávamos prevendo levantar as demandas, relatar o que foi feito e ver o que ficou reprimido. Queríamos transformar o trabalho em política”. (A.C. Assistente Social que implantou a Rede de proteção ao educando - SMAS)

“O Rio de Janeiro na década de 70, tinha assistente social atuando na educação. Mas com a implementação das políticas sociais, vimos o assistente social ser mais demandado pela área de saúde e de assistência. Houve mudanças na composição das projetos governamentais a nível municipal, estadual, começou a ter muitas alternâncias de propostas de organização da educação a partir dos anos 80, faz Ciep, desfaz Ciep, é nova escola, isso causou certa dificuldade de inserção do profissional nessa área”. (N.L Assistente Social, Pesquisador e Professor da FSS/UERJ)

Dentre as principais demandas apresentadas pela instituição escolar, por

meio de seus técnicos, podemos citar:

• Atendimento disciplinar;

• Orientação aos pais;

• Casos de violação de direitos;

• Alunos evadidos e faltosos;

• Fracasso Escolar;

• Dificuldades de Aprendizagem;

• Atuação com pais sociais;

• Desajustes ou desestruturação familiar;

• “Casos problema”.

Um dos Assistentes Sociais entrevistados aponta que geralmente

“A demanda chega pela mão da professora”. (N.L, Assistente Social, Pesquisador e Professor da FSS/UERJ)

Dentre as principais ações apresentadas durante as entrevistas, citamos:

• Trabalho de recepção dos pais quando trazem seus filhos;

• Anamnese das famílias;

• Atendimento à família de alunos evadidos, faltosos, com questões

de comportamento ou violação de direitos;

• Encaminhamento para programas do governo (saúde e

assistência) e visitas domiciliares;

• Atendimento aos alunos com dificuldades de comportamento;

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• Trabalho em grupos com família para tratar sobre alguns temas de

interesse da comunidade;

• Participação em redes intersetoriais;

• Atuação com professores a fim de dar suporte às recorrentes

situações de conflito com os alunos. O professor neste caso

também pode adquirir conhecimento sobre a realidade social do

aluno.

• Capacitação dos professores.

• Elaboração do programa de assistência e desenvolvimento do

técnico-administrativo;

• Elaboração das propostas de capacitação para o técnico-

administrativo;

• Atuação na discussão da metodologia educacional;

• Realização de Diagnóstico Participativo, para avaliar a qualidade

do trabalho, seus resultados, a satisfação, e colher sugestões de

todos os envolvidos, profissionais e responsáveis.

• Democratização dos espaços educacionais;

• Ampliação da relação do espaço educacional com a comunidade;

• Visitas Domiciliares;

• Assessoria a Associação de Pais; • Seleção de beneficiários da Caixa Escolar.

Uma Assistente Social do INES, Instituto Nacional de Educação de

Surdos, destaca a importância da visita domiciliar, instrumento utilizado por

vários Assistentes Sociais, que ainda é objeto de crítica de diversos outros

profissionais por considerá-la uma prática conservadora.

“O projeto político-pedagógico da escola não pode estar desvinculado da realidade sócio-econômica de seus alunos. Por isso faço visitas domiciliares quando percebo que alguns profissionais estão tendo alguma atitude diferenciada com alguns alunos. Tinha um professor aqui querendo ensinar um aluno surdo e cego a comer em mesa e cadeira. Indo à casa, percebi que ele não tinha mesa, cadeira, apenas uma cama onde a mãe servia apenas leite em pó. Todo o dinheiro que recebia do BPC era pra comprar leite em pó, com isso o menino tinha diarréia freqüente. A prioridade daquele aluno era aprender a comer e comer comida sólida. É preciso trazer a realidade do aluno para a escola”. (R.M, Assistente Social do INES)

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Dois profissionais entrevistados ressaltam a importância do trabalho do

Serviço Social com os demais profissionais da escola, como ação fundamental

para ampliação formação e melhoria das condições de trabalho

“Em algumas escolas temos equipes trabalhando com os professores as suas dificuldades, que eram projetadas nos alunos. Criando canais de escuta, de participação, agressões que sofriam dos alunos. A própria política agride, paralisa”. (A.C. Assistente Social que implantou a Rede de proteção ao educando - SMAS) “A minha inserção, diferente das outras assistentes sociais, é na Diretoria Adjunta de Gestão de Pessoas (DAGP), onde irei desenvolver um trabalho de desenvolvimento e assistência ao servidor conforme preconiza o PCC –TAE (Plano de Cargos e Carreira dos funcionários técnico-administrativos)”. (L.C. Assistente Social da Cefeteq).

Desta forma, muitos são as dimensões que compõem os desafios para

inserção do Assistente Social no campo da educação. Para melhor

compreensão, estas serão classificadas em duas dimensões aqui denominadas

de dimensões profissionais e político-institucionais, e dimensões sociais.

As dimensões profissionais e político-institucionais envolvem fatores da

construção histórica do reconhecimento social do Serviço Social, fatores da

própria política pública de educação, sua relação com as demais políticas, e

como já citado, o compromisso profissional com a construção de uma nova

ordem societária.

“É preciso lançar mão de vários documentos da categoria do CRESS, CFESS, fazer denúncia e deixar claro o Serviço Social não faz só visita domiciliar. É preciso uma organização da categoria, e cadê a organização da categoria? A maioria já se incorporou ao sistema e critica de forma desorganizada e a-crítica. E a maioria que critica está em estágio probatório. É preciso que se esclareça o que é a Assistência e o que é o Serviço Social? É preciso fazer isso pra este gestor? Tivemos que esclarecer para outras Secretarias que não somos exclusivos da Assistência Social. É um debate teórico-político. É muito difícil”. (F. B. e E. Assistentes Sociais do Pólo Extra Escolar – 3ª CAS/3ª CRE)

Algumas Assistentes Sociais falam do dilema dos atuais profissionais que

atuam na Rede de Proteção ao Educando (REPE), projeto criado em 2007 pela

Secretaria Municipal de Assistência Social na interface com a Secretaria de

Educação:

“O atual secretário visa a produtividade, pois tem forte relação com o governo federal e a secretaria vive em parte com os recursos vindos do Bolsa Família, do ProJovem.. então os Assistentes Sociais precisam dar retornos quantitativos sobre isso. Os assistentes sociais são exclusivos profissionais da assistência? Precisam atender apenas as demandas da assistência? E as demandas das CRES? A relação

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com as CRE´s permaneceu excelente porque discutia-se a intervenção do Serviço Social na Escola, e não como demandava o Secretário e as CAS, de se ter praticamente um CRAS dentro da escola.” (A.C. Assistente Social que implantou a Rede de proteção ao educando - SMAS)

“Nós pensávamos que não estaríamos apenas lotadas nos pólos, mas que atuaríamos nos pólos. Houve um acolhimento muito grande dessa equipe aqui. Devido aos conflitos entre a educação e a assistência, por enquanto estamos apenas ocupando esse espaço. São muitas mudanças e a cada momento é uma alteração, e nós estamos tentando nos encontrar e buscar uma proposta que não seja só de ocupação”. (F. B. e E. Assistentes Sociais do Pólo Extra Escolar – 3ª CAS/3ª CRE) “Vinha uma demanda da assistência e uma demanda da educação. A 3ª CRE ficou de levantar as escolas que tinham uma maior demanda. Mas por uma questão política a REPE foi tomada pelo secretário. Como estamos vinculados a uma secretaria, ele tinha em mente apenas ceder os profissionais. Assim a gente atua com outros projetos como bolsa família, ou outros do governo federal e estamos tentando atender a demanda da educação.” (F. B. e E. Assistentes Sociais do Pólo Extra Escolar – 3ª CAS/3ª CRE)

Nesta discussão, percebe-se claramente um tensionamento ético. O

Código de Ética profissional de 1993 prevê que o Assistente Social tem

compromissos com seus usuários e com a instituição contratante. Quando os

interesses e as demandas são conflitantes, é preciso além de articulação

política, tomar atitudes e decisões que envolvam de forma mais ampla as

representações da categoria, a fim de que se denuncie toda forma de

arbitrariedade.

Os desafios impostos pelas dimensões denominadas sociais, envolvem o

processo histórico de conformação das subjetividades dos alunos, famílias e

educadores, o perfil de população usuária dos serviços públicos de educação

que trazem outras demandas para além das educacionais e a condição para

politização de seus usuários frente ao fenômeno do presenteísmo e à realidade

de miséria.

Segundo Eric Hobsbawn (1995), a perspectiva histórica que vem

informando majoritariamente as identificações dos sujeitos na atualidade do

capital, na qualidade de uma forma de vivência que marca este século XX, é a

de um presenteísmo constante. Seu significado é uma espécie de presente

contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público vivido numa

determinada época, e do ponto de vista da cultura de um povo, esta

intensificação significa a negação da memória e da história. O presenteísmo ao

recalcar o passado cristalizando a dimensão do tempo presente, no hoje, retira

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das possibilidades existentes no presente, os seus componentes

transgressores, a sua dimensão de porvir. Assim, há a formatação de uma

subjetividade calcada na perspectiva de imediaticidade, na qual o efêmero e o

fragmentário, a produção a curto prazo e a insensibilidade perante o outro são

componentes fundamentais.

Tais elementos podem ser percebidos nos relatos abaixo, onde os

profissionais apontam que a própria demanda que chega para os Assistentes

Sociais por parte do corpo técnico das instituições, apresenta o caráter

imediatista.

“Fala-se muito da ausência dos pais que estão pouco implicados. Para que os pais são chamados normalmente? É necessário que só se reclame? São ameaçados pelo Conselho Tutelar. A idéia é de ameaça. A família é sempre desestruturada. São queixas comuns, a criança vem suja, o cabelo desarrumado, precisamos ajudá-los a pensar nessa realidade. Temos um papel com essa equipe também. O recreio está cada vez menor. Alguns profissionais estão sumindo da escola. Para onde essa escola está caminhando? “ (F. B. e E. Assistentes Sociais do Pólo Extra Escolar – 3ª CAS/3ª CRE) “Muitas coisas a equipe do pólo não conseguia dar conta. Era uma questão de violência, algum problema de aprendizagem gerado um casa, nos relacionamentos, etc. Quando nós entramos, eles começaram a nos encaminhar tais questões e viram a possibilidade do caso ser levado adiante como encaminhamento para saúde e outras instituições.” (F. B. e E. Assistentes Sociais do Pólo Extra Escolar – 3ª CAS/3ª CRE) “Geralmente as educadoras fazem parte da comunidade, mas trazem quase sempre um olhar enviesado, atravessado pela ideologia dominante que chega a escola. E culpabiliza os pais pela ausência. É fundamental a parceria das famílias, pois conseguem as creches conseguem avançar mais nas suas coisas, tanto nas lutas internas quanto nas lutas políticas. Os pais precisam ser parceiros e não inimigos. O problema não está só na família, está também na escola. Importante ter um grupo de pais representantes que participem da gestão da creche, não apenas ouvintes da proposta pedagógica, mas que partilhem então das dificuldades da creche, financeiras, das questões políticas, de convênio, de todo cotidiano da creche. O trabalho com os pais na creche é importante porque forma pais críticos no ensino fundamental.” (D. N. Assistente Social, professora-doutora da UFF e assessora de creches populares)

Para Maria Lídia da Silveira (2002), a globalização e o neoliberalismo

conseguiram, através da recriação contínua de formas de acumulação de

capital, de um lado desconectar ainda mais os caminhos da economia dos

registros do social, e de outro, subsumir os componentes de nosso psiquismo e

subjetivação à ordem mercantil. Esta condição revelaria um conjunto de

impossibilidades com as quais os indivíduos estão se defrontando, sobretudo a

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de identificar e realizar ações fundamentais portadoras de alternativas de

alterações significativas no curso de suas vidas.

Ainda para a autora, esta racionalidade que preside as relações sociais

através da reificação do presente, não só reforça a perspectiva de manutenção

do ordenamento capitalista, como investe na destruição de vínculos que possam

vir a ocasionar a humanização dos sujeitos. Busca a formatação das

subjetividades numa perspectiva de imediaticidade, onde o efêmero e o

fragmentário, e a insensibilidade são componentes fundantes.

Acrescenta ela que o projeto societário ora hegemônico se reforça por

meio das hierarquias, normas e legislações legitimadoras de uma igualdade

anunciada, ainda que formal, para a qual se atribuem regulações e

disciplinamentos democráticos que irão dar sustentabilidade legal à

desigualdade instituída. E este projeto é não apenas aceito, mas internalizado

pelos sujeitos.

Quando se fala em subjetividade, segundo Maria Aparecida Cassab

(2001), não estamos partindo da idéia de uma imanência, mas que as nossas

emoções e a forma de ver e entender o mundo é socialmente produzida. Os

elementos dessa produção estão articulados à cultura que os sujeitos partilham

com os outros em uma formação social determinada, em um tempo histórico

delimitado.

Há um certo campo da esquerda, que o Serviço Social de alguma forma

absorveu, que subestima a dimensão política e histórica e o lugar da

subjetividade na valoração da constituição de sujeitos individuais e coletivos. A

concepção de subjetividade com a qual o marxismo vai romper e que está

presente no âmbito da hegemonia burguesa, é a que supõe o indivíduo na

qualidade de ente abstrato e idealizado, por conseguinte, exterior às suas

efetivas relações sociais. Marilena Chauí (1997) ressalta que esta visão de

subjetividade plasmada no interior do capitalismo, se sustenta mais numa

subjetividade conformada pelos mass media e pela publicidade, apresentando

uma incapacidade de simbolização, de transcender o dado, de relacionar-se

com o possível, e, sobretudo, com a marca de certa infantilidade que se

expressa perante a promessa de satisfações imediatas.

Nesta perspectiva, as várias dimensões acima citadas fazem-se

presentes na atuação profissional com a comunidade escolar, seja de

professores, alunos e seus familiares. Em todas as situações percebemos

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formas as mais variadas de desrespeito e de banalização da vida. As famílias de

maneira geral apresentam também um baixo nível de escolaridade e de

participação, estando cada vez mais voltadas para as questões imediatas, da

sobrevivência, do trabalho, seja ele qual for e em que condição for.

É extremamente difícil trabalhar na perspectiva de politização dos

sujeitos, sobretudo das famílias, se a idéia do presenteísmo está fortemente

presente nos discursos e práticas. Em diversas falas como “o que vou ganhar

indo às reuniões, encontros, mobilizações na comunidade e reivindicações, se a

política está dada e a corrupção está aí”, fica evidente a força dos mecanismos

ideológicos para desmobilização das pessoas.

Para Maria Lídia Silveira (2004), há uma subordinação real à lógica

mercantil que vai sendo implementada, direção intelectual e moral constituída,

que, embasada na economia, na política e num determinado campo cultural e

ideológico, vai afetar as formas de sociabilidade existentes, produzindo marcas

profundas nos sujeitos individuais e coletivos.

Na construção desta apassivização, segunda a autora, vale destacar:

- a inevitabilidade da pobreza frente à lógica mercantil;

- a idéia de que a humanidade só se desenvolve, e, portanto os sujeitos

humanos, a partir de suas competências individuais. Assim, não só

culpabilizados os mais pobres, como estes internalizam a responsabilidade pelo

seu fracasso, não percebendo as origens no próprio sistema capitalista;

- dissemina-se o dês-sentido das causas coletivas;

- constrói-se a perspectiva da inexorabilidade do presente e da inexistência de

uma perspectiva de futuro;

- assim, se desqualificam as próprias construções identitárias de resistência e de

lutas sociais;

- conforma-se um disciplinamento social, se fortalece o consenso na ordem, se

ampliam os processos de apassivização e conformismo.

Há uma necessidade real de contribuir para a democratização do espaço

escolar, favorecer a intersetorialidade entre as diversas políticas da seguridade

social a fim de possibilitar o acesso aos direitos sociais, e é preciso buscar

espaços para politização desses indivíduos, de forma a perceberem que os

processos sociais são históricos e que os homens são sujeitos dessa história,

existindo, portanto, possibilidades de um quadro social diferente.

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Uma Assistente Social reflete sobre a importância da intersetorialidade:

“Acredito que a educação para as classes populares não deve ignorar o conjunto de expressões da questão social que emergem nas instituições de ensino. Então, pensar a educação descolada de outras políticas setoriais é um equívoco, visto que o processo de ensino-aprendizagem é atravessado por outras demandas que não se restringem ao saber ler, escrever e contar. A política de assistência social então comparece como uma dessas políticas necessárias para enfrentamento das demandas da população pobre, garantindo os mínimos sociais para permanência no espaço escolar.” (L.C. Assistente Social da Cefeteq)

Da mesma forma, os professores, em sua maioria, se colocam como se a

realidade já estivesse dada e não fosse possível alterá-la. O contingente de

profissionais mais politizados também é muito baixo, gerando uma tendência à

reprodução da ordem vigente e da ideologia dominante.

Em relação à função pedagógica do Serviço Social, todos os

entrevistados apontam que esta é uma característica da profissão, que muitas

vezes não é reconhecida por todos, e que no campo educacional se dá de forma

complementar.

“O Serviço Social tem uma função pedagógica, mas complementar. Novos projetos poderiam ser viabilizados com recurso e pessoal.” (S.L. Assistente Social do Ciep 448 – Niterói) “Tem uma outra questão que a gente acha que vai resolver todos os problemas da área de educação, devido a dimensão pedagógica, educativa de nosso trabalho. O profissional acha que vai entrar sem conhecer as particularidades da política de educação infantil, do ensino fundamental, vai apenas atender família e encaminhar para a rede e está tudo resolvido. Temos profissionais da educação que não estão politizados, mas temos outros que são bem politizados. Temos que nos articular e ter mais interlocução com esses politizados que defendem o mesmo que nós, garantia os direitos sociais, educação para cidadania. Esses grupos não se encontram, apenas nas academias e em poucos outros espaços.” (N.L Assistente Social, Pesquisador e Professor da FSS/UERJ)

Marina Abreu (2002), a partir da obra gramsciana, destaca que toda

relação de hegemonia é necessariamente pedagógica. Assim, é possível afirmar

que o trabalho do Assistente Social possui um caráter educativo, independente

da política social em que esteja inserido, e que, os processos de construção da

contra-hegemonia estão para além da política educacional.

Uma Assistente Social analisa a ação do Serviço Social na busca de

espaços para construção da contra-hegemonia:

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“Contribuir para a construção de outra ordem societária não significa constituir, pois isso não depende apenas da ação do assistente social. Porém, como nosso fazer profissional tem como característica a ação sócio-educativa, sobretudo, porque utilizamos como instrumento privilegiado a linguagem, temos a possibilidade de desconstruir paradigmas e comportamentos que reforçam a subalternidade e a exploração. Penso que esse é o nosso desafio diário enquanto profissional. Acredito que a educação e a cultura são espaços de reprodução de um conjunto de saberes e práticas que reforçam ou negam as expressões do modo de produzir capitalista. Então, a educação e cultura precisam ser apropriadas por um consenso de interesses das classes em condições de subalternidade, no sentido de contribuir para emancipação política, quem sabe, humana.” (L.C. Assistente Social da Cefeteq)

De outra forma, pode-se perceber certa confusão teórica no que diz

respeito ao compromisso com as classes subalternas na perspectiva do direito e

na democratização, validando a importância de ampliação do acesso à

reconhecida cidadania burguesa, e as possibilidades de superação da ordem

vigentes por meio dessas ações, como segue abaixo:

“O Serviço Social, enquanto profissão comprometida eticamente com as expressões da questão social, tem a possibilidade de contribuir efetivamente para a construção de uma nova ordem societária, desde que seus profissionais atuem de modo a possibilitar a democratização do acesso aos serviços e informações e utilizem eficazmente seu saber em prol do rompimento dos mecanismos de exclusão da população usuária.” (J.R., Assistente Social da Cefeteq)

Sobre a relação da Assistência Social com a Educação, e sobre a

inserção do profissional de Serviço Social na educação, um assistente social

ressalta a importância de se resguardar as peculiaridades de cada política e

destacar que o Serviço Social não é Assistência Social.

“Municípios como Quissamã (RJ), Limeira (SP) tem experiências bem interessantes de assistentes sociais na educação. E é interessante que estes não se propõem a fazer assistência na educação. Desenvolvem projetos com família, trabalham temas como saúde e drogas, discutem a política educacional. O que é da Assistência, é da Assistência.” (N.L Assistente Social, Pesquisador e Professor da FSS/UERJ)

Em entrevista com Assistentes Sociais do Departamento de Projetos

Especiais e Inovações – DPEI – Projeto ProIniciar da Universidade Estadual do

Rio de Janeiro – UERJ, percebemos que é possível trabalhar conteúdos de

assistência no âmbito educacional, sobretudo no que diz respeito ao acesso e a

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permanência dos alunos na universidade. Tais profissionais atuam

operacionalizando a LEI Nº 4151, de 04 de Setembro de 2003, que institui o

sistema de cotas para ingresso de candidatos afro-descendentes e oriundos da

rede pública de ensino nas universidades estaduais. As Assistentes Sociais

esclarecem que a Lei já foi alterada algumas vezes, mas que percebem como

ganho a inclusão do patamar de carência, verificada pela análise sócio-

econômica dos alunos que elas realizam no momento em que o aluno faz a

inscrição no vestibular.

É interessante destacar que a definição desse patamar de carência é

dado pela universidade, e há uma comissão, da qual as profissionais

entrevistadas participam:

“Cabe à universidade definir o patamar de carência para ingresso. Uma advogada da comissão sugeriu que voltássemos a utilizar a auto-declaração de pobreza, o antigo atestado de pobreza, aí nós intervimos.” (S.P. e I.M, Assistentes Sociais do Departamento de Projetos Especiais e Inovações, Projeto ProIniciar, da UERJ).

As profissionais, apesar das inúmeras polêmicas, avaliam que o sistema

de cotas após a instituição do patamar de carência, é positivo, na medida em

que realmente permite que as classes populares acessem à universidade. A

divulgação do novo Corte Social quase não é realizada, e as discussões pairam

apenas sobre as questões raciais. O trabalho que favorece o acesso desses

alunos envolve não apenas a análise sócio-econômica, como uma reunião com

pré-vestibulares comunitários e escolas públicas para esclarecer o que é o

sistema de cotas, como acessar e orientações sobre o edital do vestibular. Ainda

visitam escolas públicas de ensino médio para realização do mesmo trabalho e

compõem a comissão de recursos. Em relação à permanência dos alunos

realizam, junto à uma comissão, a reunião de acolhida dos alunos cotistas e são

convidadas com freqüência para participar de análise de recursos para

reingresso e transferências, neste caso, realizando entrevistas e visitas

domiciliares.

As profissionais da educação superior apontaram que no início de seu

trabalho tiveram algumas dificuldades de reconhecimento, uma vez que os

olhares sobre o trabalho eram outros, mas identificam que hoje são

reconhecidas e que um grande desafio é dar mais visibilidade ao trabalho e

contribuir para permanência dos alunos na universidade.

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Ney Almeida (1995) aponta que a implementação de programas

assistenciais, que vem atravessando a política de educação nos seus diversos

níveis e instâncias, é uma importante estratégia governamental para o

enfrentamento de problemas de acesso e permanência na rede pública de

ensino, em especial aos alunos oriundos da classe trabalhadora.

A estratégia das cotas favorece a entrada desses alunos, mas não

questiona como se daria sua permanência, a condição da educação pública no

Brasil e sua efetiva democratização. Caso houvesse uma igualdade na

qualidade da educação e na condição para permanência desses alunos, leis

deste tipo não precisariam ser criadas.

Com as deliberações de diversos órgãos internacionais, tais como FMI,

BID e Banco Mundial, no processo de implantação de estratégias neoliberais, a

educação pública vem sendo sucateada, em especial a educação superior, com

corte de bolsas e benefícios para os alunos, além da tendência à privatização

desses espaços e mercantilização desta política.

Concluindo a discussão sobre a inserção do Assistente Social no campo

da educação, uma profissional declara que não se considera uma profissional da

educação, ou de qualquer outra política pública exclusivamente. O profissional

deve trabalhar com todas as políticas públicas e ter na questão social o objeto

de seu trabalho:

“O Assistente Social trabalha com todas as políticas públicas. Eu não consigo aqui me ver como profissional da educação, porque eu trabalho com as diversas públicas, porque senão eu estaria limitada a fazer o atendimento família-escola e escola-família. Eu não sou também profissional da assistência, eu sou Assistente Social. O meu trabalho é com as expressões da questão social.” (R. M, Assistente Social do INES).

Por meio destes relatos pode-se perceber que o campo da educação é

extremamente complexo, seja pela diferença entre os diversos níveis de

escolaridade, seja pelas diferenças regionais, pela política local, e, sobretudo

por sua função política, com componentes agregadores, estabilizadores,

controladores e, até mesmo, transgressores. Cabe-nos uma reflexão sobre o

significado de inserção do Serviço Social neste campo, que além de buscar

espaços para democratização e humanização das relações sociais, poderá,

numa outra perspectiva, elucidar a lógica do capital, de desumanizar os homens

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e suas relações, tornando-as mercadorias, objetos de compra e venda,

destituídos de vida e fôlego.

Assim, o sentido da ação profissional depende da categoria profissional e

de cada um dos Assistentes Sociais em seu cotidiano de trabalho buscando

espaços que apontem seu compromisso ético-político com a manutenção,

alteração ou superação desta ordem social.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação sempre foi um campo da vida social tensionado pelas

disputas dos projetos societários de diferentes grupos e segmentos sociais,

principalmente em função de se constituir como espaço de luta privilegiado no

processo de conquista da hegemonia política e cultural na sociedade.

No atual estágio do capitalismo e sua organização, a educação brasileira

é mediada pelo conjunto de determinações oriundas do universo do trabalho e

da decorrente maneira de conceber e atuar sobre a realidade, própria do modo

de produção vigente. Neste quadro, destacamos o Banco Mundial e Ministério

da Educação, como instâncias centrais de decisões para a educação, nos

desafiando a uma postura crítica frente ao perfil e funcionalidade desta política

setorial.

O conjunto das análises formuladas pela profissão, acrescido dos

elementos que busquei apresentar ao longo da dissertação me permitem avaliar

que o Serviço Social é uma profissão importante no campo da educação, cuja

inserção se manifesta nos diversos campos da política educacional. No entanto

sua efetividade depende igualmente de um conjunto de fatores, entre os quais o

posicionamento e luta da categoria, a articulação com outros sujeitos políticos, a

leitura dada à demanda pelo profissional nos diversos segmentos da educação e

as relações políticas estabelecidas em determinados momentos históricos.

As entrevistas realizadas com profissionais de Serviço Social me

permitiram materializar os elementos considerados, problematizando dimensões

de seus fazeres e reflexões expostas. Nesse sentido um primeiro aspecto a

destacar é o da necessidade de uma explicitação real por parte dos profissionais

do sentido do seu fazer, desde o início de sua inserção prática e

independentemente de quais sejam as especificidades de suas atribuições numa

determinada política. Isto pode assegurar um reconhecimento, não subalterno e

distorcido que os demais profissionais têm do Serviço Social. Tal realidade

desafia a categoria a buscar formas para evidenciar o sentido de sua ação.

Um outro elemento analítico a ser ressaltado no âmbito da ação do

Assistente Social que atua na educação diz respeito à exigência deste estar

atento às demandas trazidas pela política na qual está inserido, às demandas da

instituição na qual atua e às demandas apresentadas pelos usuários. Neste

sentido o profissional não atua exclusivamente em uma política social, mas

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insere-se nas políticas sociais e em outras frentes de ação profissional,

assumindo através dessa inserção qualificada, o caráter educativo que a

profissão possibilita.

Na particularidade da ação profissional no âmbito da escola o destaque a

ser feito é o de que este pode desenvolver um trabalho educativo com os

diversos segmentos que a compõe (alunado, família, profissionais da unidade

educacional ou comunidade), na medida em que haja um projeto profissional

cujos objetivos traçados tenham articulação real com: os distintos sentidos de

ampliação da consciência crítica sobre a realidade, com o atendimento às

diversas expressões da questão social, as ações voltadas para o esclarecimento

e a possibilidade de garantia de acesso a direitos, os encaminhamentos para a

rede de serviços, a busca de criação de espaços democráticos, nos quais a

participação e a mobilização sejam asseguradas. E estes sentidos estão postos

para além do espaço escolar. Esta dimensão educativa qualificada se faz

presente ou pode se fazer, nos espaços dos movimentos sociais e sindicatos,

espaços potenciais de ação profissional, entre outros.

De igual modo a articulação com a Assistência Social, ou com qualquer

outra política pode ser viabilizada, ou mesmo trabalhada dentro da unidade

educacional - a exemplo dos programas de assistência estudantil das

universidades que possibilitam o acesso e a permanência dos alunos. É

importante destacar que a Política de Assistência Social em si não é trabalhada

nestes espaços, mas são desenvolvidas ações que têm o caráter assistencial

definido pelas instituições nas quais estão inseridas.

No caso da rede pública de ensino há uma crítica em relação ao exercício

da Política de Assistência Social dentro das escolas, uma vez que existem os

CRAS – Centros de Referência de Assistência Social. A educação infantil e o

ensino fundamental, de maneira geral, apresentam uma demanda específica

para o exercício do caráter educativo da profissão. Neste sentido o exercício da

intersetorialidade torna-se de fundamental importância para garantia de direitos

dos usuários.

A questão não está em discutir se o Serviço Social está na assistência ou

na educação, mas compreender as funções econômicas, políticas e ideo-

culturais da educação escolar e da educação para o capital ou para a

construção de uma contra-hegemonia capaz de criar as bases de edificação do

projeto socialista de sociabilidade.

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Em relação ao norte profissional, a maioria dos profissionais

entrevistados, ainda que formados, em sua maioria, pós movimento de

reconceituação, e, portanto, em grande parte sinalizem para os conteúdos do

projeto ético-político profissional, trabalham com a perspectiva do direito nos

marcos da sociedade capitalista.

Declaram que a luta pelos direitos sociais ainda requer grandes

esforços na medida em que as políticas sociais estão extremamente

precarizadas, e que esta ação não está apenas na busca pelos direitos, mas no

envolvimento da população de maneira geral pela busca desses direitos.

Reconheço aqui o valor indiscutível dessas intervenções na medida em que

vivemos em um país onde tal luta precisa ser cotidiana.

Mas, o devir, as dimensões efetivamente inovadoras numa outra

perspectiva social, emancipatória tal como a busca de estratégias para a

organização de uma outra forma de sociabilidade onde subjetividades sejam

conformadas numa perspectiva de valorização do homem e onde a igualdade

seja realmente uma possibilidade, não foi citada por nenhum dos profissionais

entrevistados.

Tais elementos me permitem afirmar que o campo da educação formal,

numa estrutura estatal ou privada, está formatado para atender aos interesses

deste Estado que é um Estado do capital.

Essa discussão hoje está presente, ainda que de forma incipiente, no

universo das intervenções e na própria categoria que me parece viver um certo

tensionamento. Os sujeitos que a compõem foram formados durante toda a sua

vida dentro da lógica mercantil, coisificadora das relações humanas e

instauradora da prevalência de exacerbado individualismo, a conformar

presença e sua disseminação no conjunto dos espaços sociais, entre os quais a

escola, a casa e as relações familiares, os meios de comunicação. Esta lógica

não só os marca como sujeitos, mas lhes impõem demandas para atuar dentro

dessa mesma lógica, o que torna ainda mais difícil enfrentá-la.

Nas entrevistas fica claro o distanciamento entre as formulações mais

gerais que deveriam embasar a ação profissional, e o seu enraizamento real no

universo dos fazeres, da intervenção.

Percebo que os profissionais conhecem a teoria crítica, mas têm

dificuldade em perceber como seus conteúdos podem estar atravessados em

suas práticas. Em sua maioria apresentam um nível de criticidade, questionam a

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função do estado nesta ordem, mas pensam suas ações apenas nestes marcos,

como se fosse possível viver plenamente a cidadania, a igualdade e a

democracia na ordem do capital.

Com certeza não estou a minimizar a relevância em valorar e buscar

viabilizar a ampliação dos direitos sociais. Mas a luta pela igualdade, pela

liberdade, pela defesa intransigente dos direitos humanos, e pela ampliação e

consolidação da cidadania substantiva, necessita passar por uma opção de

projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem

societária, num trabalho imperioso e cotidiano que busque dar concretude à

perspectiva de uma contra-hegemonia.

Para Gramsci o conceito de hegemonia implica em direção cultural e

política que se procura imprimir à totalidade social através de permanente ação

educativa. É por meio desta que são produzidas e valorizadas determinadas

formas de representação da realidade, crenças e valores, padrões de relações e

de comportamentos sociais e individuais que irão imprimir características

particulares à cultura de uma dada sociedade.

Essa é uma lógica de se pensar a educação do ponto de vista social e

político. O profissional de Serviço Social pode dar esse sentido à sua ação

profissional a fim de ampliar as suas possibilidades de atuação, profissional e

militante, e assim contribuir para construção de uma nova ordem societária.

Vale o registro de que a construção dessa nova ordem não depende de

nenhuma categoria profissional particular. A ação profissional dos Assistentes

Sociais se inscreve como uma entre outras. Porém, sem dúvida, esta tem

potencialidades particulares por lidar diretamente com os efeitos da

desigualdade social existente e com um conjunto de sujeitos a ela afetos.

Apresenta assim, um espaço potencial de ação educativa e de contribuição para

uma cultura contra-hegemônica. Porém, tais possibilidades só se tornarão

realidade através da real ação dos sujeitos profissionais, de sua capacidade de

vincular as formulações teóricas que embasam as possíveis ações profissionais,

em práticas efetivas e dotadas destes sentidos mais gerais, que tendem a se

fazerem presentes e a constituírem sentidos, no curso das conjunturas históricas

em movimento.

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Anexo: Roteiro de entrevistas com as assistentes sociais INFORMAÇÕES INICIAIS: 1) Idade: _______ 2) Formado(a) a quantos anos: ( ) Até 1 ano ( ) 1 a 4 anos ( ) 5 a 10 anos ( ) 11 a 16 anos ( ) Mais de 16 anos 3) Realizou algum curso de pós-graduação? ( ) Sim ( ) Não Caso a resposta seja sim. Cite-o e indique o ano: _____________________ 4) Participa de algum movimento político da categoria? ( ) Sim ( ) Não Caso a resposta seja sim. Cite-o: ____________________ 5) Tipo de instituição em que atua: ( ) Instituição Escolar Pública ( ) Instituição Escolar Particular ( ) Instituição Escolar Filantrópica ( ) ONG ( ) Outra. Qual? ______________________ QUESTÕES RELACIONADAS AO TEMA:

1. Como você definiria o termo educação?

2. Você identifica que há uma interface da política de assistência e a de educação?

( ) Sim ( ) Não. Caso a resposta seja sim, de que forma isso se dá?

3. Como o Serviço Social é reconhecido no campo da educação?

4. Quais são as atividades desenvolvidas no seu cotidiano profissional?

5. Como é sua relação com os demais profissionais da escola?

6. Quais foram as referências teóricas adotadas na sua formação?

7. Você acredita que o profissional de Serviço Social pode contribuir para constituição de uma nova ordem societária a partir de sua intervenção? ( ) Sim ( ) Não. Caso a resposta seja sim, de que forma? Caso a resposta seja não, por quê?

8. Nesta perspectiva, qual seria o papel da educação e da cultura?