SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos...

37
SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação acadêmica de trabalhadores do campo na UFRJ e UECE Liana Brito de Castro Araújo 1 Maristela dal Moro 2 Elaine Martins Moreira 3 Jana Alencar Eleutério 4 Francisca Geneide de Sousa 5 A Mesa Temática Coordenada se propõe a apresentar as experiências da UFRJ e UECE na formação em Serviço Social, voltados para os trabalhadores do campo. São duas turmas constituídas através da parceria Universidade, Movimentos Sociais Rurais e INCRA/ PRONERA - Programa Nacional de Educação em Áreas de Reforma Agrária. Este Programa é resultado da luta dos movimentos sociais rurais pelo direito à educação, que responda à realidade das áreas de reforma agrária. Garantindo a Proposta de Formação de acordo com as Diretrizes Curriculares da ABEPSS em sintonia com o Projeto Ético Político, estas experiências apresentam algumas particularidades. A formação ocorre dentro das Políticas Afirmativas e com uma formação baseada na Pedagogia da Alternância, que se organiza em dois tempos educativos: o Tempo Escola e o Tempo Comunidade com períodos de vivência dos estudantes na universidade e tempos transcorridos no meio onde vivem, o que dá um novo ordenamento aos currículos. Destacaremos a construção do processo pedagógico, que nas duas universidades ocorreu através de um permanente diálogo com os movimentos sociais do campo envolvidos. Essas experiências tem se desdobrado em diversas práticas político-pedagógicas inovadoras, das quais destacamos: aproximação entre Universidade (cursos do Serviço Social/ ABEPSS/ CFESS/ CRESS), ENFF e Movimentos Sociais do Campo, em destaque, o MST; aproximação com outras instituições de formação e intelectuais colaboradores; diálogo entre professores universitários e estudantes militantes, bem como a criação de novos ritos em sala de aula e no ambiente universitário; construção do estágio supervisionado em Serviço Social buscando inová-lo a partir das demandas postas, preservando o acúmulo da profissão nesse âmbito, garantindo a formação sem o afastamento da realidade em que vivem os estudantes, aprofundando a relação teoria e prática; a construção coletiva de uma convivência estudantil para além do Tempo Escola. A mesa será constituída por quatro trabalhos e terá a seguinte dinâmica: A profa. Liana Brito abrirá os trabalhos apresentando a proposta e a forma como será organizada. A profa. Maristela Dal Moro apresentará a experiência da Escola de Serviço Social da UFRJ ressaltando a forma como foi implementada, a relação com os movimentos sociais e com a ENFF, as potencialidades e desafios dessa proposta para o Serviço Social e para os movimentos sociais. A profa. Liana Brito apresentará a experiência da estruturação do projeto de formação turma de Serviço Social “da Terra” na UECE, com ênfase na coordenação coletiva com o MST e ENFF, nos desafios do processo ensino- aprendizagem e nas novidades provocadas pelas relações construídas com os estudantes/ militantes dos movimentos sociais do campo; a profa. Jana Eleutério discorrerá sobre a experiência do Tempo Comunidade como momento fundamental no processo de formação acadêmica; a estudante Geneide de Sousa apresentará as reflexões dos estudantes no processo de formação, evidenciando os desafios vivenciados no Tempo Escola e no Tempo Comunidade.. 1 Doutora. Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: [email protected] 2 Doutora. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected] 3 Mestre. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected] 4 Mestranda. Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: [email protected] 5 Militante Social do MST/Ceará; Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Transcript of SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos...

Page 1: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação acadêmica de trabalhadores do campo na UFRJ e UECE

Liana Brito de Castro Araújo1

Maristela dal Moro2

Elaine Martins Moreira3

Jana Alencar Eleutério4

Francisca Geneide de Sousa5

A Mesa Temática Coordenada se propõe a apresentar as experiências da UFRJ e UECE na formação em Serviço Social, voltados para os trabalhadores do campo. São duas turmas constituídas através da parceria Universidade, Movimentos Sociais Rurais e INCRA/ PRONERA - Programa Nacional de Educação em Áreas de Reforma Agrária. Este Programa é resultado da luta dos movimentos sociais rurais pelo direito à educação, que responda à realidade das áreas de reforma agrária. Garantindo a Proposta de Formação de acordo com as Diretrizes Curriculares da ABEPSS em sintonia com o Projeto Ético Político, estas experiências apresentam algumas particularidades. A formação ocorre dentro das Políticas Afirmativas e com uma formação baseada na Pedagogia da Alternância, que se organiza em dois tempos educativos: o Tempo Escola e o Tempo Comunidade com períodos de vivência dos estudantes na universidade e tempos transcorridos no meio onde vivem, o que dá um novo ordenamento aos currículos. Destacaremos a construção do processo pedagógico, que nas duas universidades ocorreu através de um permanente diálogo com os movimentos sociais do campo envolvidos. Essas experiências tem se desdobrado em diversas práticas político-pedagógicas inovadoras, das quais destacamos: aproximação entre Universidade (cursos do Serviço Social/ ABEPSS/ CFESS/ CRESS), ENFF e Movimentos Sociais do Campo, em destaque, o MST; aproximação com outras instituições de formação e intelectuais colaboradores; diálogo entre professores universitários e estudantes militantes, bem como a criação de novos ritos em sala de aula e no ambiente universitário; construção do estágio supervisionado em Serviço Social buscando inová-lo a partir das demandas postas, preservando o acúmulo da profissão nesse âmbito, garantindo a formação sem o afastamento da realidade em que vivem os estudantes, aprofundando a relação teoria e prática; a construção coletiva de uma convivência estudantil para além do Tempo Escola. A mesa será constituída por quatro trabalhos e terá a seguinte dinâmica: A profa. Liana Brito abrirá os trabalhos apresentando a proposta e a forma como será organizada. A profa. Maristela Dal Moro apresentará a experiência da Escola de Serviço Social da UFRJ ressaltando a forma como foi implementada, a relação com os movimentos sociais e com a ENFF, as potencialidades e desafios dessa proposta para o Serviço Social e para os movimentos sociais. A profa. Liana Brito apresentará a

experiência da estruturação do projeto de formação turma de Serviço Social “da Terra” na UECE, com ênfase na coordenação coletiva com o MST e ENFF, nos desafios do processo ensino-aprendizagem e nas novidades provocadas pelas relações construídas com os estudantes/ militantes dos movimentos sociais do campo; a profa. Jana Eleutério discorrerá sobre a experiência do Tempo Comunidade como momento fundamental no processo de formação acadêmica; a estudante Geneide de Sousa apresentará as reflexões dos estudantes no processo de formação, evidenciando os desafios vivenciados no Tempo Escola e no Tempo Comunidade..

1 Doutora. Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: [email protected]

2 Doutora. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected]

3 Mestre. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected]

4 Mestranda. Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: [email protected]

5 Militante Social do MST/Ceará; Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Page 2: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

SERVIÇO SOCIAL DA TERRA NA UECE: desafio da formação profissional

em parceria com os Movimentos Sociais do Campo

Liana Brito de C. Araújo 6

Cristina Ma.Nobre7

Adinari Moreira de Sousa 8

Resumo:

O trabalho apresenta a experiência da formação da turma de Serviço Social “da Terra” na UECE, convênio PRONERA/ INCRA. Muitos são os desafios enfrentados na construção da proposta como parte da Educação do Campo do MST com a Pedagogia da Alternância. As conquistas coletivas de um trabalho com os Movimentos Sociais do Campo (MST, MAB, MPA, CPT e Comunidades Quilombolas), reafirmam o Projeto Pedagógico do Serviço Social sintonizado com as diretrizes curriculares nacionais. Essa formação demarca uma singularidade posta no permanente diálogo entre estudantes e coordenação pedagógica (professores da UECE, MST e ENFF), objetivando novas relações na universidade. Palavras Chave: Serviço Social; movimentos sociais campo; formação acadêmica; PRONERA; universidade;

Abstract: The paper presents the experience in the formation of a class of "Social Workers of the Earth" on UECE, PRONERA / INCRA agreement. There are many challenges faced in the construction of the proposal as part of the MST’s Rural Education with the Pedagogy of Alternation. The collective achievements of a work with the Rural Social Movements (MST, MAB, MPA, CPT and Quilombo Communities) endorse the Social Work Pedagogic Project tuned with national curriculum guidelines. This experience defines a singularity placed in permanent dialogue between students and teaching coordination, aiming new relations at the university. Keywords: Social Work; peasants’ social movements; academic education; PRONERA; university;

6 Doutora. Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: [email protected] 7 Doutora. Universidade Estadual do Ceará (UECE). 8 Doutora. Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: [email protected]

Page 3: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

1. Introdução:

A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado

não apenas em defesa da reforma agrária, ou da conquista do território. Embora diversas

concepções e bandeiras tenham sido construídas nos últimos anos, fica evidente a

estratégia da luta também pela conquista da educação em todos os níveis, principalmente,

dos espaços das universidades brasileiras, uma luta manifestada nas palavras de ordem

como: “pelo fim do latifúndio do conhecimento” e “quebrando as cercas do conhecimento e

os muros da universidade”. O que os Movimentos Sociais do Campo (MSC), dentre eles o

MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em especial, têm feito neste

processo de luta de classe, é construir uma concepção de Educação do/ no campo.

O PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), mesmo

com todos os seus limites e contradições, revela o nível de conquista dos movimentos

sociais no processo de consolidação de políticas públicas voltadas para parte de suas

demandas, o que expressa a realidade de um Estado como síntese das relações de coerção

e hegemonia entre as classes. Em outros termos, um Estado que promulga a necessidade

das classes dominantes incorporarem demandas dos setores subalternos a fim de manter

seu poder econômico, político e ideológico. Isto ocorre como resultado da luta de classes,

porque esses setores subalternos evidenciaram capacidade de resistência, de organização

e mobilização em torno de suas demandas (GRAMSCI, 1968).

Nessa dinâmica, temos diversos cursos de graduação já realizados no Brasil e

vários em execução nas diversas áreas acadêmicas. Além desses, há também a conquista

e ampliação da pós-graduação (Especialização em Extensão Rural e Mestrado). Todos

esses espaços de formação superior contam com financiamento próprio, o que garante uma

estrutura específica, construída sob a direção dos MSC em parceria com as Universidades e

o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). De modo geral, é essa

estrutura e a proposta pedagógica da alternância que permitem, em última instância, o

acesso de estudantes (trabalhadores do campo, militantes e jovens) à universidade pública.

A conquista do ingresso nas Universidades brasileiras pelos Movimentos tem se

expandido a cada ano, tornando-se uma estratégia importante na ampliação tanto da

formação dos seus sujeitos quanto de novos espaços de ocupação, atuação e de realização

de sua práxis revolucionária, pois trazem em sua raiz a crítica ao posto e apontam

elementos emancipatórios (BARROCO, 2008). São novos territórios (FERNANDES e

Page 4: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

MOLINA, 2001) que são objetivados nos mais diversos espaços da formação, são partes

essenciais da construção coletiva de outra sociabilidade cuja base se funda no trabalho

associado (MÉSZÁROS, 2002) e na solidariedade dos povos. Tal realidade não prescinde

das múltiplas mediações necessárias, demarcadas por processos sócio-genéricos

objetivados por teleologias que conferem, em sua essência, uma direção política de ruptura

e de negação à práxis fetichizada e de afirmação da “crítica revolucionária da práxis da

humanidade” (KOSIK, 1995, p. 23).

A Universidade é também um novo e velho território, ao mesmo tempo em que

se materializa como uma dessas mediações, no qual os movimentos sociais do campo

constroem outras relações - de formação, de troca, de crítica e de objetivação de outro jeito

de tornar-se educando e educador. Nossa experiência na UECE (Universidade Estadual do

Ceará) tem representado parte dessa dinâmica complexa dos processos de ocupação,

demarcação e construção de novos territórios nos velhos espaços ocupados.

O artigo apresenta, em primeiro lugar, um pouco do percurso histórico da

construção da proposta, com as escolhas da estruturação pedagógica, administrativa e

política do projeto de formação dessa turma especial em Serviço Social, que identificamos

como Serviço Social “da Terra”. A denominação “da terra” para esta turma é política,

caracterizando a formação voltada para estudantes do campo. Temos apenas um Projeto

Pedagógico do Serviço Social na UECE. Para efeito de consolidação do convênio

apresentamos ao INCRA e órgãos colegiados da Universidade o Projeto com algumas

adequações segundo exigência do PRONERA, considerando temas transversais,

Pedagogia da Alternância, financiamento próprio, dentre outras questões burocráticas.

Evidenciamos os aspectos históricos, burocráticos e administrativos que, embora tenham se

configurado como obstáculos no início dos trabalhos, contraditoriamente, objetivaram uma

causalidade posta favorável a um maior envolvimento dos professores e militantes do MST e

da ENFF (Escola Nacional Florestan Fernandes) na dinâmica da coordenação do curso.

Em segundo lugar, discutimos os processos construídos na dinâmica da

formação diante dos diversos desafios tais como: a intensidade de conteúdos ministrados

em tempo integral; a heterogeneidade da turma e de suas experiências políticas; o desafio

da produção escrita, necessária à formação acadêmica; as atividades de suporte da

formação nos horários extraclasse; o processo de apropriação/ objetivação (LUKÁCS, 2013)

da vida acadêmica; processos de avaliação dos conteúdos ministrados; relação Tempo

Page 5: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

Escola e Tempo Comunidade; a construção da proposta de estágio Supervisionado, dentre

outros.

Estes têm sido aspectos constantes em nossas discussões e análises acerca

dos limites e das possibilidades de uma formação acadêmica voltada para as demandas dos

Movimentos Sociais do Campo, considerando o não afastamento de seus estudantes da sua

realidade campesina. Em síntese, apontamos os avanços que reconhecemos ter

conquistado nessa dinâmica desafiadora de coordenar a formação em Serviço Social de

estudantes militantes de diversos Movimentos.

2. “Todo começo é difícil”: um aprendizado mútuo

A realização da turma de Serviço Social “da Terra” na UECE não foi sem

conflitos. Como parte do processo de luta de classe dos MS do campo, a concretização do

convênio, que viabilizou a formação dessa turma, ocorre em meios a diversas estratégias,

desde o diálogo com os técnicos do INCRA, professores da UECE, negociações para a

construção do Projeto e aprovação do Convênio pelas instâncias superiores das duas

instituições, realização do vestibular específico e tramitação da licitação para a garantia da

logística do projeto. Além de todo esse percurso político-administrativo tivemos a iminência

da ocupação da UECE pelos estudantes aprovados no vestibular, fato que determinou o

início das aulas em 2013. Uma demonstração de que “quem sabe faz a hora, não espera

acontecer” (Geraldo Vandré).

A historicidade do início de nossos trabalhos foi revelando que o tempo da luta

impulsionado pela necessidade não é o mesmo do tempo da materialização da demanda

apresentada – formação de uma turma de Serviço Social, considerando a lógica burocrática

do estado burguês no qual fazemos parte. É importante destacar que foi um tempo marcado

pelo contexto bastante delicado e complexo da assinatura do Acórdão TCU 9, como meio de

controle sobre a política do PRONERA e de mudanças nas regras de seu funcionamento,

inclusive tirando as universidades públicas como parceiros centrais do Programa e

passando a exigir processos licitatórios para a efetivação dos projetos. De fato, esse

9Este Acórdão TCU no. 3.269/2010 representou uma ofensiva do Estado sobre as atividades do PRONERA,

considerando sua relação de aproximação com os Movimentos Sociais do Campo, principalmente contra o MST, e com as Universidades públicas, constituindo-se como uma estratégia repressiva do Estado sobre uma política pública com nítido compromisso com a classe camponesa.

Page 6: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

processo representa mais uma das estratégias da ofensiva do capital sobre a classe

trabalhadora, da qual o MST tem sido objeto das diversas formas de pressão e violência

executada pela sociedade burguesa, ora pela mediação das instituições públicas do estado

de direito, ora pelos meios de comunicação que não se esquivam de apresentar uma visão

distorcida do Movimento.

Na aproximação de militantes do MST e da ENFF com alguns professores do

curso de Serviço Social, pudemos apresentar o Projeto Político Pedagógico, a estrutura

organizativa da categoria e a defesa do PEP (Projeto Ético-Político), através da história de

luta do Conjunto CFESS/ CRESS/ ENESSO e ABEPSS. Assim os militantes foram

conhecendo o SS e a base teórico-metodológica que sustenta a formação. Ocorreu daí um

processo de sensibilização de ambas as partes para o desafio posto: formar 60 estudantes

de áreas de reforma agrária do Nordeste do Brasil em Bacharelado em Serviço Social

(contemplando uma demanda do Estado do Pará).

Nesse período, de 2008 a 201110, além de não haver a possibilidade do

estabelecimento do sistema de bolsas de estudos para os estudantes, como forma de

garantia de acesso aos recursos do PRONERA, o grupo de professores e militantes após

algumas discussões a cerca dessa questão, considerou que o sistema de bolsas não seria

favorável à perspectiva coletiva que se pretendia construir. Diante disso, a posição política

escolhida foi a defesa de uma gestão coletiva dos recursos. Outro fator determinante para a

definição da questão financeira, por exemplo, foi a impossibilidade de o corpo docente

efetivo do Curso de Serviço Social da UECE assumir todas as disciplinas da turma,

considerando o processo de precarização e sobrecarga em que se encontra. Dessa forma o

Projeto tinha que garantir orçamento para o pessoal técnico e pedagógico.

Essa escolha aponta uma direção clara: garantir uma estrutura coletiva de

gestão e coordenação dos trabalhos, tanto nos aspectos político-pedagógicos quanto da

estrutura de formação da turma de estudantes, nos espaços coletivos que teriam para além

da sala de aula durante o TE (Tempo Escola). Dessa forma a turma de estudantes ficaria

em um local durante os períodos do TE, o que terminou acontecendo na sede da ENFF em

Fortaleza.

10

Em abril de 2008 tivemos uma reunião do Colegiado do Curso, quando apresentamos a demanda do MST de constituir uma turma especial de Serviço Social para áreas de reforma agrária; em abril de 2009 estávamos com o Projeto concluído em tramitação nos órgãos institucionais da UECE.

Page 7: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

Temos aí um longo período (de 2008 a 2013), demarcado pelo início das

negociações para a construção do Projeto, assinatura do convênio (dezembro de 2011),

realização do Vestibular (março de 2012) e início do primeiro semestre do curso (abril de

2013). Considerando que tivemos que estabelecer um convênio entre UECE e INCRA,

passamos a depender da abertura de processos de licitações para a gestão dos recursos,

desde a compra de material pedagógico à contratação de pessoal e deslocamento dos

estudantes.

Os estudantes, por estarem hospedados na sede da ENFF em Fortaleza,

construíram, em conjunto com a coordenação do MST e da ENFF uma forma própria de

organização. Desse modo são permanentes as discussões e reuniões nos Grupo de Base

(GB) para as definições do usufruto do espaço coletivo, do tempo de estudo e do tempo

livre, nos momentos extra-sala de aula. Há uma prática constante de reunião nos GB, de

assembléias deliberativas ou não, inclusive a preparação e realização das místicas que

acontecem na Universidade e na sede da ENFF, onde ficam hospedados. Observamos que

os estudantes estão construindo uma convivência coletiva, uma forma de ser que se opõe à

cultura individualista, com o desafio de objetivarem “novos costumes e valores mais livres,

despreconceituosos e, portanto, revolucionários” (BEZERRA, 2012, p. 117).

3. Construção coletiva da formação acadêmica: quem educa quem?

Será o conhecimento necessário para transformar em realidade o ideal da emancipação humana, em conjunto com a determinação sustentada e a dedicação dos indivíduos para conduzir a auto-emancipação da humanidade até à sua conclusão com êxito, apesar de todas as adversidades, ou é, pelo contrário, a adoção por indivíduos particulares de modos de comportamento que apenas favorecem a realização dos fins reificados do capital? (Mészáros, 2007, p. 117)

Na dinâmica dessa experiência de formação dos estudantes de áreas de reforma

agrária, observamos muitos aprendizados, tanto da estrutura institucional da Universidade e

do seu modus operandi presente na práxis dos docentes e estudantes em geral, quanto da

práxis própria dos Movimentos Sociais do Campo. Esse encontro tem sido fértil e nos

ensinado que estamos, de fato, engendrando um processo de ensino-aprendizagem

singular, no qual se objetivam trocas efetivas de saber entre educadores e educandos

(FREIRE, 2000; 2001). Nessa dinâmica, construímos ricas relações, sem perder de vista as

Page 8: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

particularidades objetivas da Universidade e dos Movimentos Sociais. Esta relação tem

permitido vivenciarmos uma unidade na diversidade, cujo resultado é que já não somos

mais os mesmos como diria Heráclito.

No início dos trabalhos com a coordenação ampliada composta por professores,

militantes do MST e da ENFF, tentávamos trabalhar com os estudantes na dinâmica da

Universidade, com certa rigidez (que lhe é própria), espaços e papéis bem definidos e

separados. Porém o movimento do real tem sua predominância e, aos poucos, formos

reformulando nossa forma de coordenar no diálogo permanente. Muitas vezes expondo as

nossas “teimosias”, mas também identificando as “teimosias” dos estudantes e dos

Movimentos Sociais ali representados. Revelam-se nesses momentos de diálogo não

apenas o distanciamento de uma cultura urbana em contraste com outros ritmos e modos de

ser do campo (BAGRI, 2010), mas também um significativo distanciamento da Universidade

e de sua cultura acadêmica com a dinâmica dos militantes de movimentos sociais.

Nesse espaço coletivo, muitas relações foram acontecendo e engendrando

novas formas de pensar e fazer o espaço universitário. Reuniões de planejamento e

avaliação foram constantes para pensarmos a interdisciplinaridade e a garantia de uma

didática de ensino que melhor se adequasse à forma intensiva do ensino no TE. Discussões

e reuniões permanentes são realizadas com os estudantes avaliando a dinâmica

universitária e de sala de aula. Nos dois primeiros semestres observamos um desconforto

em relação à didática de alguns professores frente às expectativas do grupo com conteúdos

ministrados, isso porque tinham um relativo acúmulo nos diversos cursos de formação

política que haviam experimentado em seus processos organizativos e de luta nos

Movimentos. Identificamos dois modelos de formação que se entrecruzavam provocando o

fazer universitário.

A heterogeneidade da turma e suas experiências políticas tiveram impactos na

dinâmica da sala de aula e fora dela. A turma é formada por estudantes militantes do MST

(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MAB (Movimento dos Atingidos por

Barragens), MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), CPT (Comissão Pastoral da

Terra) e Comunidades Quilombolas, com tempos diferenciados de participação política nos

seus movimentos de origem. Observamos diferentes intervenções em sala de aula, inclusive

quando alguns educandos e educandas silenciam diante dos mais experientes que se

sobressaem em suas análises e oratórias. Observamos algumas dificuldades de assimilação

da dinâmica e de responderem às exigências do cotidiano acadêmico; um relativo

Page 9: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

estranhamento que vai para além do choque entre o urbano e o rural, mas se manifesta na

conciliação ou não de demandas da formação acadêmica e da militância.

Tanto professores quanto estudantes foram trocando saberes, foram se

metamorfoseando, objetivando outras possibilidades de apropriação e construção do

conhecimento. Na didática do ensino, contamos com a participação de professores efetivos

do colegiado do curso de Serviço Social e de outros departamentos, inclusive de outras

instituições de ensino superior no processo de ensino-aprendizagem, portanto, na

socialização de seus conhecimentos científicos com a turma, ao lado dos professores

contratados.

A dinâmica de ensino foi ocorrendo sem grandes percalços, na busca de tornar

esse momento mais rico e envolvente: aulas expositivas reflexivas e dialogadas (os

estudantes participam bastante das discussões); momentos de estudos dirigidos com

sistematização escrita; aulas de campo com períodos de debate e produção escrita do

observado; seminários de apresentação dos conteúdos apreendidos; avaliações individuais

escritas, como mediação necessária de sistematização do saber. Destacamos o desafio

presente nos processos de avaliação dos conteúdos ministrados, considerando a relação TE

(Tempo Escola) e TC (Tempo Comunidade) que se constituem em dois momentos da

unidade da proposta pedagógica, cuja função é garantir a continuidade e fortalecimento do

processo ensino aprendizagem. As dificuldades observadas na apropriação dos conteúdos e

produção escrita tem sido enfrentadas com o fortalecimento do acompanhamento da equipe

pedagógica, em especial, no TC, inclusive com a realização de oficinas permanentes de

leitura e produção de textos acadêmicos.

A sala de aula tem representado, além de um espaço desafiador de

aprendizagem, com a intensidade de conteúdos em pouco tempo e com o desafio se sair da

oralidade para a produção escrita, um espaço de descobertas e trocas dialogadas. O apoio

da equipe de professores do TC e dos estudantes monitores em atividades de leitura,

estudo, produção textual em momentos em sala de aula e nos tempos extraclasse tem sido

fundamental. Para isso, esse grupo foi se apropriando da dinâmica do curso e de seus

conteúdos, para garantir o diálogo com os estudantes. Neste campo, temos realizado

oficinas de texto e de português como suporte a esta dificuldade. Contamos com uma

equipe de duas assistentes sociais (com especialização e mestrandas) e uma pedagoga e

mestra, militante do MST, com uma formação na questão ambiental. Esse grupo tem

engendrado uma metodologia de trabalho com os estudantes que se inicia no TE,

Page 10: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

estendendo-se para o TC. O trato com os conteúdos ministrados, na perspectiva de garantir

tanto a interdisciplinaridade quanto a clareza da relação teoria/prática como parte

constitutiva do processo de apropriação de um conhecimento claramente, tem sido centro

de nossas preocupações (SEVERINO, 2008).

A construção da proposta de Estágio Supervisionado temido outro momento de

aprendizado mútuo, tivemos importantes discussões durante o Semestre IV, uma vez que

este antecede o semestre do estágio. Esses momentos da coordenação, em diálogo com os

estudantes, e a preocupação com a garantia da qualidade desse momento da formação

acadêmica foram se delineando fortemente para a defesa de realização do estágio no TE.

Esse tema estava presente nas preocupações de parte dos estudantes que tencionaram

algumas vezes a coordenação, mantendo inclusive conversas permanentes entre os

colegas nos corredores da Universidade e da ENFF. Nessa perspectiva fomos construindo

algumas possibilidades do estágio, o que não ocorreu sem ricos debates e embates. No

entanto, coletivamente foram sendo apresentadas as diversas posições e, através dessa

construção coletiva, construímos o consenso possível: tanto no Semestre V quanto no

Semestre VI, os estudantes cumprirão 80hs do Estágio Supervisionado durante o TE e

158hs no TC, com a garantia da supervisão acadêmica para todos os estados envolvidos.11

Tivemos uma experiência interessante de articulação com a Universidade via

Pro reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) negociando a possibilidade de os estudantes

terem acesso ao Programa de Bolsa de Estudo e Permanência, argumentando a

necessidade de suporte financeiro durante a realização do estágio supervisionado,

considerando o baixo custo aluno/ano do PRONERA e a não previsão de gastos para essa

atividade. Conquistamos 24 bolsas, deixando 29 estudantes de fora do Programa. Diante

dessa realidade propomos uma discussão nos NBs para que analisassem a situação e

pudéssemos construir coletivamente uma alternativa. A proposta construída após essas

rodas de discussões foi o usufruto coletivo do recurso e o encaminhamento imediato de

outras possibilidades de apoio financeiro que venha complementar. Articulações foram feitas

com a SECITECe (Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ceará), com apoio político de um

deputado vinculado ao Movimento; um projeto foi discutido e construído pela coordenação e

encaminhado para esta secretaria.

11

Durante a construção dessa proposta realizamos uma reunião de articulação com o CRESS e CFESS, apresentando as particularidades da Pedagogia da Alternância e das nossas preocupações com a garantia da qualidade do Estágio neste contexto.

Page 11: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

A realização de Seminários, em geral no início dos semestres, com convidados

de outras instituições de ensino, tem permitido uma maior interação entre todos os

estudantes de graduação em Serviço Social e do Mestrado Acadêmico de Serviço Social,

Trabalho e Questão Social. Esses momentos também possibilitam uma maior visibilidade à

turma do Serviço Social “da Terra” no contexto da UECE, e o fortalecimento da parceria com

o CRESS - Ceará.

A experiência com a Monitoria se constitui em outro elemento interessante. No

primeiro semestre, ainda sem a liberação dos recursos de financiamento, tivemos 20 (vinte)

estudantes que se colocaram voluntariamente para contribuir com as atividades, alguns

bolsistas dos Laboratórios e outros do Movimento Estudantil.

Experiências políticas extra-sala de aula tem sido outro espaço de aprendizado

para todos os envolvidos nesse trabalho; destacamos os períodos das greves em 2013 e

2014 dos docentes e estudantes, quando observamos o engajamento político da turma do

Serviço Social “da Terra” nas atividades de greve. Outra experiência política que

vivenciaram, foi durante o processo eleitoral do Centro Acadêmico em 2013, embora

marcado por tensões e estranhamentos, foram momentos de rico aprendizado, tanto para o

movimento estudantil, quanto para os estudantes da turma do Serviço Social da Terra. O

que estava posto era uma concepção de curso apartado da dinâmica própria interna da

Universidade.

Nesses dois anos de trabalhos voltados para a formação dessa turma

observamos alguns processos delicados: há um desgaste físico e emocional muito grande

dos estudantes no período de TE, considerando que ficam em sala de aula por 8hs com

uma sobrecarga de conteúdos que devem dar conta diante das atividades de aprendizagem,

síntese e de avaliação; temos enfrentado um processo de evasão, posto hoje por 7

estudantes que desistiram do curso, dentre os quais observamos diversos motivos:

migração para outro curso em outra universidade, a incapacidade de continuar, e problemas

pessoais e familiares. Observamos ainda um relativo estranhamento na relação dos

estudantes do Serviço Social “da terra”, “do PRONERA” com os estudantes em geral,

embora percebamos momentos de identidades, neste sentido, a relação com alguns

monitores, por exemplo, tem contribuído positivamente na direção da superação dessa

questão.

Page 12: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

Não podemos deixar de destacar que temos construído um diálogo interessante

com a reitoria da UECE, através da vice-reitoria, que tem estado conosco nos momentos de

negociação com as empresas licitadas e com os departamentos internos relacionados aos

processos burocráticos da gestão do Projeto. Esse diálogo tem garantido uma relativa

tranquilidade na coordenação, pois temos todo o apoio para os encaminhamentos

necessários em nossos diálogos com o INCRA.

4. Concluindo o Inconcluso

Neste empreendimento as tarefas imediatas e os seus enquadramentos estratégicos globais não podem ser separados, e opostos, uns aos outros. O

êxito estratégico é impensável sem a realização das tarefas imediatas. (MÉSZÁROS, 2007, p. 129)

Nossa experiência está em processo. Enfrentamos grandes desafios postos pela

burocracia de um Estado Burguês em tempo de capital fetiche (IAMAMOTO, 2007), sob um

controle rígido financeiro posto por uma estrutura de Convênio que trata a diversidade de

projetos sociais sem considerar suas particularidades. Isto fica mais crítico, considerando

que a turma de Serviço Social “da Terra” é resultado de convênio envolvendo vários órgãos

estatais. Este projeto está voltado para a formação crítica de militantes de Movimentos

Sociais do Campo que tencionam o poder político com suas demandas que constrangem as

bases da acumulação capitalista: transformar o latifúndio improdutivo em propriedades

familiares produtivas, condenar o agronegócio e seus métodos agressivos ao meio

ambiente, lutar contra as desapropriações nos contextos de construção de barragens para

fins energéticos e de irrigação das monoculturas, dentre outras (ARAÚJO e ACCIOLLY,

2014). Para além dessas lutas e de sua radicalidade, esses movimentos sociais

compreendem o caráter contraditório do Estado capitalista, se apropriam de sua dinâmica

na organização de políticas e programas sociais e trazem para o interior de sua estrutura

burocrática suas formas de luta, resistência, diálogo e conciliação (STÉDILE, 2000).

No contexto particular da UECE e do Curso de Serviço Social, com suas

dificuldades de recursos humanos, financeiros e burocráticos, observamos que o processo

de formação da turma especial do Serviço Social “da Terra” tem vivenciado no espaço

acadêmico tanto receptividade, quanto estranhamento. Possivelmente isto ocorre por tratar-

se de uma experiência que se materializa, em primeiro lugar, dentro de um contexto da

Page 13: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

política de cotas das universidades públicas brasileiras e, em segundo lugar, por apresentar

um processo pedagógico com inovações, uma vez que envolve sujeitos sociais

tradicionalmente excluídos da formação universitária, que estão impactando no cotidiano

acadêmico com seu modo de ser e de sua experiência militante que apresentam no espaço

universitário.

Enfim, temos vivenciado diversos e múltiplos processos e contradições que

tornam esse projeto, ao mesmo tempo, desafiador, instigante e apaixonante; principalmente

considerando as direções políticas que o caracterizam Projeto como: uma coordenação

compartilhada entre universidade, MS do Campo e ENFF; a vivência coletiva de estudantes

universitários e militantes construindo uma organicidade e unicidade coletiva, através do

estabelecimento de regras de convivência e do usufruto dos espaços de formação na UECE

e na sede da ENFF.

Podemos também destacar que essa experiência tem nos ajudado a rever

nossos espaças na UECE, muitas vezes rígidos e frios. Como exemplo, temos as festas que

os estudantes organizam no encerramento de cada semestre. Trata-se de um momento

político de reafirmar a luta de classe, a conquista do espaço de formação acadêmica e de

participação/ intervenção no espaço universitário. Esse momento é também da mística,

revelando que somos seres sociais amplos, que temos na cultura, na arte e nos tempos

lúdicos formas de exteriorizarmos nossas relações sócio-genéricas. Assim, em cada

encerramento de semestre a turma apresenta sua alegria por mais uma etapa vencida, por

novos desafios a serem enfrentados; seu agradecimento mútuo pelo processo construído

por corpos, mentes e corações comprometidos com um projeto social emancipatório. Assim,

se despedem uns dos outros, reconhecendo novos vínculos que construíram no TE e

celebram a alegria do retorno às suas comunidades e familiares, com seus desafios e

esperanças de dar continuidade ao curso da vida voltada para a luta permanente contra a

barbárie.

Referências

ARAÚJO, L. B. C. e ACCIOLY, M. S. Questão Agrária e Luta pela Terra no Brasil: análise

fundamentada nas categorias questão social e movimentos sociais rurais. IN. CUNHA, A. M.

e SILVEIRA, I. M. M. Expressões da Questão Social no Ceará. Fortaleza: EdUECE,

2014.

Page 14: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

BARROCO, M. L. S. Ética e Serviço Social: os fundamentos ontológicos. Ed. São Paulo:

Cortez, 2008.

BAGLI, Priscila. Terra e território: a questão camponesa no capitalismo. São Paulo.

Expressão Popular, 2010.

BEZERRA, C.S. Cultura e Hegemonia: a construção do debate cultural em Gramsci e os

desafios contemporâneos. IN. ENFF. Gramsci e a Formação Política. Cadernos de

estudos ENFF. Guararetama-SP: ENFF, 2012.

FERNANDES, B. M. e MOLINA, M. Questão Agrária, pesquisa e MST. S. Paulo: Cortez,

2001. 2001).

FREIRE. P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:

Paz e Terra, 2001.

GRAMSCI, A. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1968.

IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche. Capital financeiro, trabalho

e questão social. São Paulo: Cortez. 2007.

KOSIK, K. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo:

Boitempo, 2002.

______ . Educação para além do capital. IN Revista THEOMAI. Estudos sobre Sociedade

y desarrolho. No. 15, 2007. (p. 107- 130). Site: http://revista-

theomai.unq.edu.ar/NUMERO15/ArtMeszaros_15.pdf; acesso em 01/03/2015;

SEVERINO, A. J. O Conhecimento Pedagógico e a Interdisciplinaridade: o saber como

intencionalidade da prática. IN. Ivani C. A. Fazendo (org). Didática e Interdisciplinaridade.

Campinas, SP: Papirus, 2008.

STÉDILE, J. P (org). A Questão Agrária no Brasil. O debate na década de 2000. São

Paulo: Ed. Expressão Popular, 2013.

Page 15: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

A FORMAÇÃO EM ENSINO SUPERIOR PARA TRABALHADORES DO CAMPO:

analisando uma experiência em Serviço Social

Maristela Dal Moro12

Elaine Martins Moreira

13

Glaucia Lelis Alves14

Resumo

Esse trabalho tem como objetivo apresentar o projeto de formação

profissional para trabalhadores do campo implementado pela Escola

de Serviço Social da UFRJ. Pretende apontar os avanços que essa

proposta representa para o Serviço Social e para os movimentos

sociais e os desafios enfrentados na sua execução. Essa experiência

que teve início em 2011 e tem previsão de término para 2015, vem se

tornando uma expressão de amadurecimento profissional e de

fortalecimentos dos princípios que fundamentam o projeto profissional

crítico.

Palavras chaves: movimentos sociais, questão agrária, formação

profissional.

Abstract

This work aims to present the vocational training project for rural

workers implemented by the School of Social Work at the UFRJ. Aims

to present the advances that this proposal is to social work and social

movements and the challenges faced in implementation. This

experience started in 2011 and has scheduled for completion in 2015

is expression becoming a professional maturity of and invigoration of

the principles underlying the critical professional design.

Keywords: social movements, agrarian question, vocational training.

12

Doutora. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected] 13

Mestre. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected] 14

Doutora. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected]

Page 16: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

1- INTRODUÇÃO

A constituição de uma turma especial de Serviço Social para assentados da reforma

agrária na Universidade Federal do Rio de Janeiro nasce a partir do envolvimento de

segmentos do quadro docente e discente com movimentos sociais do campo, com o debate

acerca da questão agrária e da teoria social crítica. O projeto se consolida com o apoio dos

movimentos sociais que lutam pela terra, especificamente o Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra (MST) e a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e, através da

celebração do Termo de Cooperação entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

A sua implementação que ocorreu de 2011 e tem previsão de término em dezembro

de 2015, vem se apresentando como uma experiência fecunda e de fortalecimento da

relação do Serviço Social com os movimentos sociais. A forma como está sendo executado

vem demonstrando que há uma afinidade entre o projeto profissional crítico e os princípios

defendidos pelos movimentos sociais. Essa experiência, no entanto, está permeada por

desafios e o seu enfrentamento é imprescindível para o avanço desta relação e é a garantia

da materialização dos princípios que fundamentam o projeto ético-político do Serviço Social.

O objetivo desse texto é apresentar essa experiência e debater sobre ela. Pretende-

se nesse trabalho apontar os avanços que essa proposta representa para o Serviço Social e

para os movimentos sociais e os desafios enfrentados na sua implementação.

2- O PROJETO: A TURMA DE SERVIÇO SOCIAL PARA ASSENTADOS DA REFORMA

AGRÁRIA

O amadurecimento da proposta educacional defendida pelos movimentos sociais do

campo, ancorada na defesa da educação pública e de qualidade, a consolidação da ENFF e

a constituição do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA15,

foram fundamentais para o estreitamento da relação dos movimentos sociais com as

universidades públicas. As primeiras experiências de formação superior para trabalhadores

do campo implementadas pelas universidades, através do convênio com o INCRA via

PRONERA, tinham como objetivo a qualificação de professores na área de educação para

15

Esse Programa, foi uma conquista da luta dos movimentos sociais, principalmente o MST e foi

criado em 1998, e instituído pelo Decreto Federal nº 7.352, de 04 de novembro de 2010, é responsável pelo financiamento dos projetos de educação para assentados da reforma agrária, através de convênios com universidades.

Page 17: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

atender as escolas dos assentamentos rurais. O êxito dessas experiências e a demanda de

ampliação do nível de escolaridade dos jovens trabalhadores beneficiários da reforma

agrária, impulsionaram a implementação de novos projetos de formação superior em várias

áreas do conhecimento.

O Serviço Social ingressou tardiamente nesse debate e, deu-se em grande parte,

pela a inserção de docentes da área em atividades e projetos realizados pela ENFF e pela

realização de projetos de extensão e pesquisa junto aos movimentos sociais do campo e em

assentamentos rurais. A demanda pela elaboração de projetos de formação superior em

Serviço Social para atender segmentos da militância veio através dos movimentos sociais e

foi impulsionado, principalmente, pela necessidade de qualificação de seus quadros. O início

do diálogo foi motivado pela identidade entre os princípios que fundamentam a proposta

educacional defendida pelos movimentos sociais com o projeto de formação do Serviço

Social.

Na Escola de Serviço Social da UFRJ o primeiro movimento para a realização desse

projeto ocorreu em 2005, momento em que se realizam algumas reuniões e eventos com o

intuito de debater a proposta e avaliar a sua viabilidade. As dificuldades para sua efetivação

retardaram o seu início e somente em 2009 esse projeto foi retomado e teve como

idealizadores uma equipe de professores da Escola que já realizava atividades de extensão

e contou com a efetiva contribuição de integrantes do MST e da ENFF. O primeiro debate

realizado pela equipe concentrou-se na definição da estrutura do projeto pedagógico e a

forma como seria organizado para atender as demandas dos movimentos sociais e dos

trabalhadores do campo.

As discussões apontaram para a necessidade de preservar a proposta do currículo

do Curso de Serviço Social garantindo uma formação nos mesmos moldes das demais

turmas e resguardando o princípio básico do Projeto Pedagógico que é a garantia de uma

formação crítica e de qualidade a todos os estudantes. O estreito diálogo entre os

representantes dos movimentos sociais e a equipe responsável pela elaboração do projeto

foi fundamental para esclarecer os pressupostos os e fundamentos que constituem o projeto

ético-político do Serviço Social diminuindo, com isso, a resistência de parte dos militantes

que tinham uma imagem do Serviço Social atravessado por elementos tradicionais fundado

nos princípios do caritativismo e do assistencialismo.

O intenso trabalho coletivo culminou na elaboração do projeto o qual preserva a

lógica das Diretrizes da ABEPSS e do Projeto Pedagógico da ESS que, pautado na teoria

social crítica, reafirma a centralidade do trabalho como atividade central da constituição do

Page 18: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

ser social e tem a questão social como eixo ordenador, pois é ela que dá concretude à

profissão por ser sua base de fundação histórico-social na realidade (ABESS, 1997).

Se essa experiência de formação em Serviço, para trabalhadores do campo preserva

os princípios e estrutura do Projeto Pedagógico do curso dessa Escola, a diferença mais

marcante é a forma de organização das atividades acadêmicas. Referenciado na proposta

metodológica denominada de “Pedagogia da Alternância”, ou regime de alternância, o curso

organiza-se em dois tempos educativos: Tempo Escola e Tempo Comunidade. Metodologia

oriunda das experiências das Escolas Familiares Agrícolas, experiências iniciadas na

França, no início do século XX e incorporadas por algumas Escolas no Brasil a partir de

1960, a maior parte delas implementadas por entidades ligadas à Igreja Católica, e que

tinham como objetivo conciliar o estudo e o trabalho na lavoura da família, essa proposta

procura combinar, no processo de formação do jovem, períodos de vivência na escola com

tempos transcorridos no meio onde vive. A elaboração de uma proposta educacional a partir

dos anos 80, o MST incorpora essa metodologia na medida em que essa favorece o acesso

e a permanência dos jovens e adultos do campo nos processos escolares, antes dificultada

por sua característica seriada e estanque, sem articulação com a realidade e os modos de

vida rural. (CORDEIRO, REIS, HAGE, 2006)

Atualmente essa metodologia foi incorporada em vários projetos governamentais

voltados a educação do campo, entre os quais está o PRONERA que se refere a ela como

uma metodologia constituída por um tempo escola e um tempo comunidade que:

não podem ser compreendidos de forma separada, mas sim distintos no que diz respeito ao espaço, tempo, processos e produtos [...]. Estão intrinsecamente ligados à forma de morar, trabalhar e viver no campo. Falam-nos de limites e possibilidades para organização da educação escolar, mas muito mais do que isto, anunciam outra forma de fazer a escola, de avaliar, de relação com os conteúdos, das ferramentas de aprendizagem, da relação entre quem ensina e quem aprende. (Brasil. MDA, PRONERA, 2010, p. 1).

Os desafios e potencialidades dessa estratégia metodológica estão presentes na

experiência da Escola de Serviço Social, na medida em que esta supõe alterações

significativas na operacionalização do curso, na relação com o espaço universitário e na

forma de socialização do conhecimento. Essa metodologia define o processo de

aprendizagem tanto no ambiente escolar quanto no espaço onde o estudante vive, como

momentos da reflexão teórico-prática das temáticas discutidas no decorrer do tempo-escola

e estas deverão subsidiar as intervenções na realidade. Estabelece-se, com isso, uma

relação entre teoria e prática dentro da assertiva defendida por Vázquez, ao afirmar que, a

teoria se tornando prática permite despertar consciências. Segundo esse autor, “o

Page 19: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

conhecimento surge da prática, a ela serve, ao mesmo tempo, em que a própria prática é

parte necessária e indissolúvel” (VÁZQUEZ, 2007, p. 215).

A adoção dessa proposta metodológica foi largamente debatida pela equipe de

trabalho e houve consenso que a sua implementação seria radicalmente distinta da

modalidade de curso à distancia ou semi presencial. A inserção dos estudantes na

universidade, embora em tempos diferentes não deveria comprometer a qualidade do curso

e os estudantes dessa turma deveriam ter a mesma formação que os demais estudantes da

Escola de Serviço Social. Esse pressuposto inicial levou a necessidade de ampliar o tempo

de permanência dos alunos na universidade. A organização da proposta curricular contendo

todas as atividades acadêmicas do curso deveria ser cumprida em dez semestres, nos

mesmos moldes do curso noturno. O Tempo Escola deveria ocorrer em, no mínimo dois

meses a cada semestre, tempo necessário para o cumprimento da carga horária das

disciplinas e para a participação de outras atividades acadêmicas no âmbito da pesquisa e

da extensão, condição fundamental para uma formação de qualidade.

O Tempo Comunidade assume o papel de complementação da formação e se daria

através da realização de trabalhos de caráter teórico, de pesquisas sobre a realidade dos

estudantes e da realização de atividades de extensão em parceria com as universidades

próximas da residência dos estudantes.

Após a elaboração do projeto e sua aprovação nas instâncias da universidade e do

INCRA, culminou na assinatura do Termo de Cooperação entre essas duas instituições em

dezembro de 2010, a partir de então se constitui uma nova equipe de trabalho que seria

responsável pela sua implementação.

2.1. A Constituição do Projeto e sua implementação

O primeiro desafio enfrentado pela nova equipe foi a seleção dos estudantes que

comporiam a turma de Serviço Social. As formas tradicionais de ingresso na universidade,

que naquele momento restringia-se basicamente ao vestibular, não poderiam ser utilizadas

para esse projeto, pois as vagas deveriam ser exclusivas aos beneficiários da reforma

agrária, conforme estava definido na Resolução do INCRA/PRONERA e instituído no Termo

de Cooperação. As negociações com as instâncias deliberativas da UFRJ culminaram na

aprovação de uma nova Resolução que instituía o ingresso através de seleção especial. A

inscrição dos candidatos e a seleção dos estudantes que deveriam preencher as 60 vagas

Page 20: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

previstas no projeto, ficou a cargo de uma comissão de técnicos da Pró-reitoria de

graduação da UFRJ e a coordenação do curso. A seleção foi realizada no mês de fevereiro

de 2012 e constituiu-se em uma prova elaborada pela coordenação do curso e versava

sobre temas relativos à questão agrária.

Essa seleção possibilitou o ingresso de estudantes trabalhadores do campo e na sua

maioria militantes do MST. Estão representados, também, nessa turma, o Movimento de

Mulheres do Campo e o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA). Precede a isso a sua

condição de acampado ou assentado em projetos de reforma agrária, critério indispensável

para ser reconhecido como beneficiário do PRONERA, por parte do INCRA. Os 60

trabalhadores que passam a constituir essa turma de Serviço Social são provenientes de

assentamentos e acampamentos da reforma agrária, de 19 estados do Brasil. Vale ressaltar

a sua heterogeneidade, a começar pela faixa etária que se distribui na faixa de 17 até 50

anos. Quanto ao sexo, é significativo o número de homens, que atinge 40% do total dos

alunos, contrastando com o perfil dos estudantes de Serviço Social constituído

essencialmente por um público feminino. Outro fator importante é a trajetória desses

trabalhadores. Se alguns estão se inserindo na militância ou tem uma participação pontual

nos movimentos, vários desses estudantes têm uma intensa participação e fazem parte dos

quadros dirigentes do MST. Grande parte destes estão inseridos em assentamentos da

reforma agrária em diversos municípios e tem uma participação efetiva nas organizações

políticas aos quais estão vinculados. Suas experiências têm servido para o bom

desenvolvimento do curso e enriquecido os debates tanto em sala de aula, como nos

demais espaços universitários, servindo de referência para os demais estudantes da Escola

de Serviço Social.

O início do curso ocorreu em março de 2011 e sua finalização está prevista para

dezembro do corrente ano. Concluíram-se até o momento 90% das disciplinas teóricas, já

foram realizados três níveis de estágio, e, deu-se inicio na última etapa de 2014, a

elaboração dos Trabalhos de Conclusão de Curso – TCC. No decorrer do curso ocorreram

algumas desistências decorrentes principalmente da dificuldade de conciliar os tempos

educativos com as demandas de seus cotidianos de trabalho e militância. Atualmente a

turma está constituída por 53 estudantes o que significa um percentual de desistência em

torno de 12%.

No que se refere à experiência do Estágio Supervisionado, assim como nas demais

dimensões da formação profissional, a inserção dos estudantes pautou-se pelos princípios

preconizados nas Diretrizes curriculares e Política Nacional de Estágio, garantindo os

Page 21: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

mesmos requisitos quanto à supervisão acadêmica e de campo, carga horária de estágio

supervisionado e da disciplina de supervisão (na ESS-UFRJ denomina-se Orientação e

Treinamento Profissional). A experiência do estágio teve início com um processo de

articulação da Coordenação de Estágio e Extensão para efetivar uma proposta de

assessoria aos campos de estágio, tendo como referência a discussão da PNE, das

Diretrizes Curriculares, mas sobretudo, reflexões sobre a pedagogia da alternância, as

particularidades da turma do PRONERA e a inserção dos movimentos sociais de modo mais

orgânico ao âmbito da universidade e formação profissional.

A proposta de assessoria envolve uma produção coletiva e eixos norteadores tais

como: Defesa da educação superior pública como direito do cidadão “tanto pela ampliação

de sua capacidade de absorver sobretudo os membros das classes populares, quanto pela

firme recusa da privatização dos conhecimentos” (Chauí, 2003, p. 12). Autonomia

universitária como possibilidade de construção das políticas acadêmicas e pelo diálogo com

a sociedade civil organizada e o compromisso com os movimentos sociais. A

indissociabilidade, no processo de formação e exercício profissional do Serviço Social, entre

as dimensões teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política, primando por um

processo democrático que envolve as entidades representativas da categoria: ABEPSS,

CRESS, ENESSO.

Pela assessoria aos campos de estágio buscou-se construir estratégias contínuas de

reflexão teórico-crítica entre docentes, discentes estagiários, assistentes sociais, acerca da

relação universidade-sociedade, direito social-política social-assistência estudantil, entre

outras dimensões definidas coletivamente, tendo em vista consolidar um processo ético-

político de formação continuada. Esse processo vem se consolidando a partir de encontros

com assistentes sociais e docentes de outras instituições, tendo em vista ampliar as vagas

de estágio e mapear as demandas por aperfeiçoamento e qualificação profissional dos

assistentes sociais. Vale lembrar que essa construção não se restringe aos estudantes

vinculados ao PRONERA e sim é extensiva aos estudantes trabalhadores. Envolve ainda a

construção de estratégias de qualificação a aprimoramento das experiências profissionais

no âmbito da formação e da intervenção profissional que ultrapasse as dimensões imediatas

do cotidiano, demarque o campo de suas atribuições e competências na instituição e

fortaleça projeções e intencionalidades vinculadas aos princípios ético-políticos

profissionais. Possibilita ainda a abertura de campo de estágio e supervisão de campo e

acadêmica articulada com os profissionais. A assessoria vem possibilitando o

acompanhamento de projetos articulados as áreas de atuação do Serviço Social:

Page 22: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

Assistência, Saúde, Previdência, Habitação, Educação, Infância e Juventude,

Envelhecimento, Sócio Jurídico, Movimentos Sociais, Gênero, Cultura, Trabalho, entre

outros.

Dessa forma os estudantes do PRONERA foram inseridos em diferentes espaços

sócio-ocupacionais do Serviço Social, abarcando instituições governamentais e não

governamentais.

Destacam-se algumas peculiaridades, pois a inserção dos estudantes no estágio foi

precedida de um amplo processo de discussão junto às instituições campos de estágio,

envolvendo a pedagogia da alternância, a efetivação da carga horária de estágio de modo

mais condensado e a própria inserção dos estudantes em temporalidade diferenciada e com

um processo político-pedagógico diferenciado que trouxe, dentre outras dimensões, um

debate profícuo sobre os temas que envolvem a experiência, assim como propiciou aos

estudantes vivenciar o cotidiano do trabalho profissional nos espaços sócio-ocupacionais

em que são implementadas diferenciadas políticas públicas – educação, saúde, assistência

social, no âmbito do sócio-jurídico, entre outras.

Outro elemento que se apresenta como uma potencialidade quando se refere ao

estágio é a extensão universitária.

A Política Nacional de Estágio da ABEPSS recomenda a extensão como um espaço

de realização do estágio. Parece-nos que diante da precarização dos serviços promovida

pelo avanço do capital nas distintas dimensões da vida social, e que neste aspecto

especificamente, cada vez mais transforma os estágios em forma mais barata de

contratação de mão de obra com a capitulação ou mesmo adesão empolgada de diferentes

áreas acadêmicas, cabe intensificar a entrada de estagiários na extensão como forma de

enfrentamento dessa lógica instrumental da formação profissional.

A prática extensionista comprometida com as organizações sociais de trabalhadores,

com sua formação, instrumentação, passa a ser fortalecida. A crítica que setores

universitários vêm fazendo ao produtivismo na pesquisa, às cobranças “irreais” por

produção dos professores não podem ser absorvidas “de forma acrítica”, Essa experiência

vem fortalecendo outra concepção de extensão e poderá contribuir para uma “virada”, um

redimensionamento do trabalho docente colocando mais dedicação na extensão

fortalecendo, ainda, a articulação das atividades acadêmicas junto aos movimentos sociais.

Apesar da desvalorização histórica da extensão na universidade, sobretudo se comparada a

pesquisa, (e isso se reproduz no interior do Serviço Social) tem-se um importante desafio

que é tirar a extensão de “um segundo plano” na academia.

Page 23: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

Para a experiência dessa turma a extensão se mostrou decisiva e, principalmente

pela sua articulação com o estágio. Em virtude da entrada diferenciada desta turma ao longo

do semestre fica inviabilizada a sua participação em seleções públicas e impede entrada

desses estudantes em instituições que tenham um contrato de estágio mais rígido. Projetos

e Programas de extensão da própria unidade e de outras áreas da universidade foram

decisivos para a efetivação do estágio destes estudantes e contribuíram para a qualificação

dessas atividades teórico-práticas na medida em que possibilitaram a intensificação do

acompanhamento docente ao campo de estágio e permitiram a realização de ações em

conjunto com os supervisores de campo. As experiências extensionistas desenvolvidas pela

universidade ocorreram em diversas áreas e pode-se citar como as mais importantes os

projetos de extensão ligados aos direitos humanos, educação, cooperativismo e

assentamentos rurais do estado do Rio de Janeiro, previdência social e saúde.

3- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de sua implementação, especialmente agora que vai chegando as suas

etapas finais de realização, a avaliação dessa experiência é extremamente pertinente. Não

apenas em seus aspectos quantitativos no que tange à permanência, índices de aprovação,

conclusão do curso, entre outros, mas fundamentalmente no que se refere aos rebatimentos

da efetivação dessa turma para pensarmos a formação em Serviço Social e a relação da

profissão com os movimentos sociais. Algumas questões ficaram latentes e devem ser

profundamente analisadas como forma de avançarmos no amadurecimento da profissão e

da sua relação com os movimentos sociais e a questão agrária.

Inicialmente é necessário ressaltar algumas questões que demonstram que essa

experiência vem apontando algumas lacunas e desafios ao Serviço Social e, principalmente

a formação profissional. Um significativo número dos estudantes que compõe esta turma é

procedente de movimentos sociais do campo, vindos em sua maioria, de pequenos

municípios e chegam ao curso desconhecendo o Serviço Social, especialmente em sua

prática crítica a essa ordem social, compreendendo ainda a profissão como garantidora da

ordem social e dos interesses da classe social hegemônica. Essa questão deve impulsionar

a reflexão, pois se trata de segmento organizado dos trabalhadores aos quais o Serviço

Social já deveria ter explicitado o objeto de intervenção e os fundamentos do projeto

profissional crítico. Se não conseguimos a que se deve?

Page 24: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

A incapacidade individual dos assistentes sociais de tornar público o seu trabalho e

de se engajar nas lutas locais? Pode haver aqui alguma lacuna da formação que não

consegue dar elementos para que estes profissionais possam ter tal inserção? Como

garantir que a formação ético-política, dimensão que estrutura as diretrizes curriculares da

ABEPSS, dê elementos para a ação concreta dos assistentes sociais no seu cotidiano

profissional?

É conhecida, todavia, a adesão profissional a projetos de outras matrizes teórico-

metodológicas, os quais definem outra postura diante dos movimentos sociais e podem

estar servindo para obscurecer os princípios que fundamentam o projeto ético-político do

Serviço Social perante os segmentos da classe trabalhadora com os quais se relaciona

profissionalmente. Porém, parece que este não é único elemento já que o atual projeto de

formação tem forte incidência na formação de um grande segmento de profissionais que se

inserem no mercado de trabalho, mesmo em cursos que não se localizam na universidade

pública. Isso reforça a ideia que destacamos acima de que há algum “imbróglio” na

formação profissional que não consegue aportar uma ação mais engajada e politizada dos

assistentes sociais, sem obviamente cair no politicismo e militantismo simplesmente.

Sabe-se que ao entrar para a graduação em Serviço Social os estudantes, em sua

maioria, reproduzem a imagem tradicional do Serviço Social, vinculado à caridade cristã, e,

muitas vezes essa não é superada; convivendo de forma “harmônica” com debate crítico da

profissão. Por outro lado, os mesmos chegam à formação sem um histórico de vinculação

com as lutas sociais, e muitos, passam pela graduação sem participar do movimento

estudantil o que fragilizará a sua ação adiante. A ação política não poderá vir a ser exercida

na vida profissional só com o conteúdo teórico estudado na universidade ela precisa estar

articulada com a prática política.

Debater sobre essa questão é de grande urgência e a inserção de um número

significativo de profissionais provenientes das experiências de formação profissional para

militantes, poderá contribuir para alterar a imagem da profissão junto a esses movimentos

sociais. O ingresso no mercado de trabalho, ou nos quadros das organizações sociais da

classe trabalhadora, de assistentes sociais que vivenciam a experiência militante acumulada

à formação em Serviço Social poderá ser extremamente fecundo na articulação da prática

militante com a prática profissional, preservando as particularidades de cada uma.

Nesta mesma linha argumentativa e que merece destaque neste processo de

avaliação, e que ficou evidente com a implementação desse curso na UFRJ, é o escasso

debate sobre a questão agrária na formação acadêmica dos assistentes sociais, e, o

Page 25: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

insuficiente estudo acerca da formação social do Brasil, especialmente: sua particularidade

histórica, a diversidade em relação a outros países da América Latina, os elementos dessa

formação que permanecem e influenciam a sociedade contemporânea, entre outros. Com a

realização desta turma originária de organizações camponesas se observou uma demanda

adicional pelo debate específico das lutas, demandas e dos direitos dos trabalhadores do

campo, mas que já se sabe, não foi possível abordá-las satisfatoriamente.

As diretrizes curriculares da ABEPSS, todavia, dispõe sobre os conteúdos

relacionados a este tema, sendo integrantes do “Núcleo de Fundamentos da Formação

Sócio-histórica da Sociedade Brasileira” que aborda os conteúdos relacionados à

constituição social, política e econômica do Brasil, sua configuração dependente e as

expressões na dimensão urbano-industrial e na questão agrária e agrícola. Portanto, essa

ausência do debate acerca da questão agrária vai à contramão das Diretrizes Curriculares e

deixa lacunas para a compreensão da inserção dependente do Brasil no contexto do capital

internacional, como bem analisou Florestan Fernandes, e sua “vocação” para a produção

agrícola sustentada na grande propriedade, monocultora de exportação (PRADO JUNIOR

2000, pág. 20)

A análise atenta destes elementos não é somente para conhecimento histórico,

mas fundamental para o tempo presente. A economia brasileira nos últimos anos retoma

projetos dos anos 50 do século XX como as grandes obras de infraestrutura, usinas

hidrelétricas, a produção de cana e etanol, para ficar em alguns exemplos apenas, os quais

afetam os camponeses, as populações tradicionais, os indígenas em particular, mas para,

além disso, afetam o meio ambiente, e, portanto, à humanidade, além de reproduzir um

modelo econômico arcaico.

Essa política gestada pelo governo federal afeta as instituições estatais em sua

organização e cultura política, bem como, no financiamento das políticas sociais e logo

rebate também no trabalho do assistente “lá na ponta” como nos habituamos a denominar.

Sendo assim, precisamos inserir estes assuntos relacionados à condição climática, à

soberania alimentar, à reforma agrária como temas integrantes, permanentemente, dos

currículos, se pretendermos que nossa formação e nossa ação estejam sintonizadas com as

lutas que se colocam no horizonte da emancipação humana. O ingresso de trabalhadores e

militantes dos movimentos sociais do campo na universidade e no curso de Serviço Social,

não garantiu a superação de tais lacunas, mas vem servindo para no curso de Serviço

Social trabalhadores do campo e militantes de movimentos sociais que lutam pela reforma

agrária.

Page 26: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

Se a implementação desse projeto na Escola de Serviço Social contribuiu para

elucidar essas já conhecidas lacunas na formação e na prática do assistente social é

imprescindível, também, avaliarmos a sua efetivação tendo em conta a formação desses

estudantes com um perfil diferenciado se comparado com os demais estudantes de Serviço

Social e com uma proposta de formação ancorada na modalidade de alternância.

O balanço dessa experiência é imprescindível e está em andamento na Escola de

Serviço Social. Os primeiros esforços vêm se concentrando na análise da proposta e as

contribuições do curso para a formação desse segmento de militantes, buscando avaliar a

qualidade da formação profissional tendo em conta as expectativas, perfil e a sua realização

via regime de alternância. O que se conclui até o momento, que embora os desafios e as

dificuldades na sua execução, os resultados são positivos tanto para o Serviço Social como

para os movimentos sociais envolvidos.

A continuidade e a ampliação dessas experiências que aprofundam a relação entre

a profissão e os movimentos sociais devem entrar na pauta de debate das entidades da

categoria socializando para o conjunto do corpo profissional para que sirvam de estímulo

para que propostas como esta sejam consolidadas e expandidas no âmbito da formação e

da intervenção profissional.

REFERÊNCIAS

ABESS/CEDEPSS. Diretrizes gerais para o curso de serviço social: Com base no currículo

aprovado em assembléia geral extraordinária de 8 nov. 1996. Cadernos ABESS, São Paulo,

n° 2, p. 58-76, 1997.

BRASIL. Decreto n° 7352, de 4 de nov. 2010. Dispõe sobre a política de educação do

campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA.

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-

2010/2010/Decreto/D7352.htm> Acesso em: 30 nov. 2011.

CHAUI, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. In: Revista Brasileira de

Educação, 2003. p.5-15. http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a02.pdf. Acesso em:

15.01.2013

CORDEIRO, Georgina; REIS, Neila da Silva, HAGA, Salomão. Pedagogia da Alternância e

seus desafios para assegurar a formação humana dos sujeitos e a sustentabilidade do

campo. Revista Em Aberto, Brasília, v. 24, n. 85, p. 115-125, abr. 2011. Disponível em

http://emaberto.inep.gov.br

CORAGGIO, José Luis. Propostas do banco mundial para a educação. In: Tommasi, Livia

De; Mirian Jorge Warde; Sérgio Haddad (Orgs). O banco mundial e as políticas

educacionais. São Paulo: Cortez Editora, 1996. p.75-123.

Page 27: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

DOURADO, Luiz Fernandes. Reforma do Estado e as Políticas para a Educação Superior

no Brasil nos Anos 90. Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n° 80, setembro/2002, p. 234-252

Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 16 nov. 2011.

FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação

sociológica. São Paulo: Globo, 2005. 5.ed.

IAMAMOTO, Marilda. O Serviço Social na Contemporaneidade. São Paulo, Cortez, 1998.

PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo, Brasiliense,

2000.

RODRIGUES, José. Os empresários e a educação superior. Campinas: Autores

Associados, 2007.

SOUZA, Maria A. de. Educação do campo: Políticas, Práticas Pedagógicas e Produção

Científica. Educ. Soc., Campinas, vol. 29, n° 105, p. 1089-1111, set./dez. 2008. Disponível

em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 16 nov. 2011.

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. Tradutora Maria Encarnación Moya. São

Paulo: Expressão popular, 2007.

Page 28: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA NO SERVIÇO SOCIAL: A experiência do Tempo

Comunidade na Turma Eldorado dos Carajás na UECE

Jana Alencar Eleuterio16

Pâmela Santos da Silva17

Maria de Lourdes Vicente da Silva18

Francisca Geneide de Sousa19

RESUMO: O presente artigo traz elementos para reflexões acerca do Tempo Comunidade inserido na proposta metodológica da Pedagogia da Alternância da formação da turma de Serviço Social da Terra da UECE/PRONERA, a partir da experiência da Turma Eldorado dos Carajás que, em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes, tem o objetivo de formar bacharéis em Serviço Social, tendo como parâmetros os marcos legais da formação acadêmica do Assistente Social, as Diretrizes Curriculares da Abepss (1996) e o Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social – UECE. Palavras-chave: Serviço Social da Terra, Pedagogia da Alternância, Tempo Comunidade. ABSTRACT: This article provides elements for reflections on the Community Time inserted into the methodological approach of the Pedagogy of Alternation in the group of Social Work of “Earth” UECE / PRONERA, which is called Eldorado dos Carajás, in partnership with the Florestan Fernandes National School, aims to graduation Social Work, with the parameters legal frameworks of academic training of the social worker, the Curriculum Guidelines Abepss (1996) and the Political Pedagogical Project of the Course of Social Work - UECE. Keywords: Earth Social Work, Pedagogy of Alternation, Community Time.

16

Mestranda. Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: [email protected] 17 Mestranda. Universidade Estadual do Ceará (UECE). 18 Mestre. Universidade Estadual do Ceará (UECE). 19 Militante Social do MST/Ceará; Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Page 29: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

1. Turma de Serviço Social “da Terra” – Turma Eldorados dos Carajás

A educação do campo, a questão agrária e a luta pela reforma agrária no país,

protagonizada pelos movimentos sociais do campo, representa uma ação que se materializa para

além do direito a terra e ao trabalho. Configura-se um processo reivindicatório dos trabalhadores e

trabalhadoras do campo organizados em assentamentos para fins de encaminhamentos de suas

demandas sociais pelo acesso aos direitos sociais via políticas públicas. A reforma agrária é tida,

portanto, como uma política pública que visa garantir a permanência do homem e da mulher no

campo e, para tanto, é direcionada para que se criem condições objetivas que permitam aos

trabalhadores camponeses e suas famílias as condições de acesso no que se refere aos direitos

sociais reconhecidamente fundamentais. Nessa perspectiva, a defesa pelo direito à educação

básica e superior compõe a luta pela reforma agrária e esta tem sido imprescindível para a

formação de profissionais do campo para atuarem no enfrentamento da questão social.

Os movimentos sociais do campo têm lutado pelo direito à educação superior e

conquistado, em parceria com várias Universidades Públicas do Brasil, cursos de graduação que

têm permitido a formação profissional dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, bem como da

juventude assentada, sinalizando a possibilidade de permanência dessa população no campo

para que possa atuar profissionalmente, como é o caso do Programa Nacional de Educação em

Reforma Agrária – PRONERA.

A turma de estudantes do curso de Bacharelado em Serviço Social da Terra foi

constituída a partir de uma aproximação entre os professores do curso de Serviço Social da

Universidade Estadual do Ceará (UECE) e os movimentos sociais do campo, a saber: Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB),

Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Comunidades Quilombolas e Comissão Pastoral da

Terra (CPT), através de diálogo para a construção da Proposta de Convênio entre a Fundação

Universidade Estadual do Ceará (FUNECE), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA) e o PRONERA, assinado desde dezembro de 2011, porém, em virtude de

questões burocráticas, foi executado somente a partir de 2013.

Page 30: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

O Convênio tem como objeto a

“formação de Bacharelado em Serviço Social de estudantes provindos das áreas de reforma agrária do território brasileiro; uma graduação que capacitará uma parcela da população rural em serviço Social, que serão assistentes sociais capazes de enfrentar as diversas manifestações da questão social, que se apresentam no cotidiano dos assentamentos rurais através de problemáticas nas relações de gênero, violência doméstica, alcoolismo, relações geracionais etc. na defesa dos direitos sociais e do acesso às políticas sociais” (Projeto Político Pedagógico, UECE, 2011).

A Meta era formar 60 bacharéis em Serviço Social provindos das áreas de reforma

agrária do território brasileiro. Em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF, a

turma foi constituída através de realização de vestibular específico para este objeto, por

estudantes de áreas de reforma agrária dos Estados do Nordeste e Região Amazônica,

vinculados aos Movimentos Sociais do Campo. Atualmente contamos com 53 estudantes,

considerando as desistências ocorridas por motivos variados. A turma está distribuída da seguinte

forma: 28 estudantes do Ceará e 25 dos outros Estados (Pará, Maranhão, Piauí, Rio Grande do

Norte, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Rio Grande do Sul). Atualmente a turma está concluindo,

em 2015.1, o Semestre IV e se preparando para o Semestre V (previsto para 2015.2), quando

realizará o Estágio Supervisionado Obrigatório.

Cabe destacar, que a escolha do nome da turma se deu por meio de debate coletivo

entre os Núcleos de Base (NB)20, os quais representam a forma de organização dos estudantes.

Inicialmente foram elencados doze nomes significativos para os educandos, a partir do

agrupamento dos NBs, as discussões entre estes permitiram chegar num consenso de três

nomes: Herdeiros da Resistência, Semeando a Revolução; Resistência Camponesa e Eldorado

dos Carajás. As místicas foram realizadas pelos NBs com a apresentação de elementos de defesa

de cada um destes nomes e, nesse caso, a mística mais significativa e simbólica para a turma foi

a de Eldorado dos Carajás, pois lembrou com emoção o episódio do massacre de Eldorado que,

até hoje, não houve justiça no que tange à punição dos mandantes deste fato histórico que, na

compreensão dos estudantes do Curso de Serviço Social da Terra, marcou o processo de luta e

resistência vivenciadas na busca pela conquista do direito a reforma agrária no Brasil.

20

Os alunos da turma de Serviço Social da Terra estão organizados em 06 Núcleos de Base, a saber: Xique-Xique do Sertão, Patativa do Assaré, Maria Bonita, Resistência do Sertão, Olga Benário e Egídio.

Page 31: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

2. Curso de Serviço Social e a pedagogia da alternância

A turma de Serviço Social da Terra fundamenta sua proposta pedagógica e

metodológica na Pedagogia da Alternância21 contemplando dois momentos no processo de

aprendizagem e formação: o Tempo Escola e o Tempo Comunidade. O primeiro refere-se à

experiência da sala de aula e a vivência da universidade. As disciplinas são ministradas em

módulos, com carga-horária de 8h/a diárias, de segunda a sexta-feira. O que corresponde a 70%

da carga-horária do semestre. Já o Tempo Comunidade visa o desenvolvimento de estudos e

pesquisas nos assentamentos onde os educandos residem. O tempo destinado às pesquisas e

aos estudos na comunidade corresponde a 30% da carga-horária.

Alternando-se o tempo em que os jovens permaneciam na escola com o tempo em

que estes ficavam na propriedade familiar, desde meados de 1935 que a ideia básica da

Pedagogia da Alternância era conciliar os estudos com o trabalho na propriedade rural da família.

(Nosella, 1977; Pessotti, 1978; Azevedo, 1999; Gimonet, 1999; Estevam, 2003; Magalhães, 2004).

No Brasil, a Pedagogia da Alternância foi aplicada em 1969, por meio da ação do

Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES), o qual fundou a Escola Família

Rural de Alfredo Chaves, Escola Família Rural de Rio Novo do Sul e Escola Família Rural de

Olivânia, essa última no município de Anchieta. O objetivo primordial era atuar sobre os interesses

do homem do campo, principalmente no que diz respeito à elevação do seu nível cultural, social e

econômico (Pessotti, 1978).

Cordeiro; Reis; Haja (2013) ao discutirem a experiência da educação no campo

pautada na Pedagogia da Alternância chamam atenção para a importância do projeto político

pedagógico aliar a prática da pesquisa como forma de conhecimento e intervenção na realidade

social. Para os autores:

[...] a Pedagogia da Alternância se constitui uma proposta pedagógica e metodológica que pode facilitar esse processo, que inclui dialogicidade, portanto, problematização do conhecimento a partir da realidade, e proposição, construção de novos saberes a respeito daquela realidade e sua relação com o todo, com a

21

Um pequeno grupo de agricultores franceses insatisfeitos com o sistema educacional de seu país, o qual não atendia, a seu ver, as especificidades de uma Educação para o meio rural, iniciou em 1935 um movimento que culminou no surgimento da Pedagogia da Alternância, que enfatizava a necessidade de uma educação escolar que atendesse às particularidades psicossociais dos adolescentes e que propiciasse, além da profissionalização em atividades agrícolas, elementos para o desenvolvimento social e econômico da sua região. (Gimonet, 1999; Estevam, 2003; Magalhães, 2004).

Page 32: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

totalidade do conhecimento. Dessa forma, essa pedagogia procura construir uma relação maior, inclusive de intervenção concreta na realidade local de cada assentamento (p.8).

Essa metodologia estabelece um currículo flexível para atender aos objetivos de que,

em tempos e espaços alternados – Tempo Escola e Tempo Comunidade – os jovens do campo

tenham condições de acesso à escolarização, os conhecimentos científicos, os valores produzidos

em família, os comunitários e os saberes da terra. (...) Segundo Pinho (2008) ao alternar períodos

na escola e na vivência de sua comunidade, o jovem constrói conhecimento no diálogo entre o

saber cotidiano, fomentado na prática e no trabalho passado de gerações a gerações e o saber

escolarizado (SANTOS, 2012, p.5).

Hoje, no Brasil, assumida pela educação do campo, a Pedagogia da Alternância está

inserida nos vários programas e projetos educacionais e passa a ser adotada e refletida nas

políticas setoriais, como a defendida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), por meio

do PRONERA, por exemplo, quando se refere a ela, com as etapas do tempo-escola e tempo-

comunidade, que

não podem ser compreendidos de forma separada, mas sim distintos no que diz respeito ao espaço, tempo, processos e produtos [...]. Estão intrinsecamente ligados à forma de morar, trabalhar e viver no campo. Falam-nos de limites e possibilidades para organização da educação escolar, mas muito mais do que isto, anunciam outra forma de fazer a escola, de avaliar, de relação com os conteúdos, das ferramentas de aprendizagem, da relação entre quem ensina e quem aprende. (Brasil. MDA, PRONERA, 2006, p. 1).

Partindo dessa concepção, o Serviço Social da Terra apresenta-se para os

movimentos sociais como uma estratégia política de permanência dos estudantes no campo e de

formação acadêmica crítica, tendo como desafio perceber as demandas e dificuldades por eles

encontradas de conciliar o suposto sentimento de pertencimento no campo, a tarefa militante que

lhes é direcionada pelos seus coletivos e movimentos os quais se integram e o percurso

acadêmico da formação profissional em curso. Portanto, a pedagogia da alternância confere

flexibilidade na organização do curso adequando-o ao contexto do campo, permitindo aos

educandos conciliar o trabalho com os estudos acadêmicos, além das atividades de militância.

3. A experiência do Tempo Comunidade na Turma de Serviço Social da Terra – UECE

O planejamento das atividades a serem desenvolvidas durante o Tempo Comunidade

é estabelecido ainda durante o Tempo Escola, ocasião em que os estudantes recebem dos

Page 33: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

professores a orientação sobre as tarefas que deverão ser realizadas, acompanhadas e entregues

no prazo estipulado do Tempo Comunidade. Estas são pensadas e elaboradas numa perspectiva

interdisciplinar, articulando as temáticas desenvolvidas nas disciplinas do semestre vigente,

relacionando-as com a realidade dos estudantes a partir de seus locais de moradia e com a

formação acadêmica.

O acompanhamento das atividades nessa etapa se constitui sob três modalidades: por

meio de encontros presenciais entre os estudantes e as Professoras Orientadoras do Tempo

Comunidade; por meio de contatos via telefone e online para acompanhamento das atividades

designadas e, fundamentalmente, através da leitura, revisão e correção dos trabalhos escritos.

Os acompanhamentos presenciais conduzidos pelas professoras do Tempo

Comunidade, contam, ainda, com a presença de monitores discentes. Para realização e

organização das visitas aos educandos residentes no estado do Ceará, o território é dividido em

quatro Macrorregiões, das quais elegemos as cidades mais centrais ou com maior número de

estudantes, a fim de facilitar a locomoção e o acesso. No Sertão dos Inhamuns, Tamboril; no

Sertão Central, Canindé; no Centro-sul, Icó e no Litoral, Itapipoca.

Os encontros são mecanismos que potencializam a aprendizagem. São introduzidos

com dinâmicas e reflexões sobre os principais conteúdos das etapas e seguem uma metodologia

que contempla a exposição dialogada dos objetivos e exigências das atividades e trabalhos

acadêmicos, garantindo a participação ativa dos educandos.

Nesta ação um dos maiores desafios tem sido a realização do acompanhamento das

atividades no próprio espaço dos assentamentos, tendo em vista as dificuldades referentes aos

recursos financeiros necessários ao deslocamento das professoras e monitoras. Assim, na

maioria das vezes, os encontros são conduzidos nos centros das cidades, em locais de apoio dos

movimentos sociais, sejam secretarias, sindicatos, escolas ou associações. Já com os estudantes

dos outros estados (Piauí, Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, Maranhão, Pará e

Rio Grande do Sul) desenvolvemos uma articulação com professores das Universidades Públicas

e contamos com a colaboração do MST na indicação de profissionais, preferencialmente

assistentes sociais, que possam contribuir com as orientações dos trabalhos e atividades. Nesse

caso, os educandos se deslocam até a cidade do orientador, com recursos próprios.

Page 34: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

Concernente ao acompanhamento sob a outra modalidade, apesar de em algumas

áreas de reforma agrária ainda não ser possível a utilização de mecanismos de acesso à internet

e telefone, com a maioria dos educandos tem sido exitosa a experiência de uso dos referidos

instrumentos e tecnologias. Pois, por estes meios, orientamos e enviamos considerações

necessárias à confecção dos trabalhos.

Nos encontros presenciais ou por contato telefônico e online, é reafirmado o

compromisso dos alunos com a leitura dos textos-base e com a revisão dos trabalhos antes da

entrega definitiva, bem como a contribuição das professoras do Tempo Comunidade com a

supervisão desses trabalhos e atividades. Todos os educandos da turma, sejam eles do Ceará ou

de outros estados, seguem um cronograma através do qual encaminham suas atividades para

ciência e orientação das professoras, nos prazos estabelecidos. No processo de elaboração dos

trabalhos, as professoras ficam atentas: ao cumprimento da proposta dos trabalhos, ou seja, se

estavam de acordo com o que fora solicitado pelos professores do Tempo Escola; à organização,

formatação e estrutura; à escrita, o que inclui a observância da ortografia e coerência textual; e à

adequação às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), no que se refere às

citações e referências bibliográficas.

Apontamos esse momento como crucial para aproximação, interação e elucidação de

dúvidas dos estudantes do Curso de Serviço Social da Terra, posto que o acompanhamento dos

trabalhos do TC se apresenta para os alunos como indispensável, uma vez que os professores do

TC desempenham um papel articulado nas correções e nos retornos das avaliações dos trabalhos

aos estudantes. Esse trabalho, embora complexo, tem permitido um contato mais permanente

com os estudantes e facilitado o diálogo com os professores do TE, possibilitando a

sistematização dos conteúdos, a retirada de dúvidas e nitidez no processo de elaboração dos

exercícios propostos.

As dificuldades nesse processo são inúmeras, desde o deslocamento, em virtude dos

custos com transporte e alimentação, o acúmulo de atividades referente à dinâmica militante dos

alunos e a apreensão do conteúdo, as limitações de escrita e leitura decorrentes do processo

fragilizado de educação em que o conhecimento escolar formal lhes foi historicamente negado,

até as próprias dificuldades de parte dos estudantes de realizar suas atividades de campo.

Levando em conta esses aspectos, para além da complementação da carga horária, as atividades

do TC têm um papel intrínseco como parte da nota final de avaliação das disciplinas. Dessa

Page 35: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

forma, os próprios estudantes consideram que gera um maior comprometimento deles com a

qualidade de suas produções nessa etapa.

Por outro lado, os professores avaliam que os estudantes, de uma maneira geral, têm

avançado em suas habilidades escrita e reflexiva. Há muitos avanços com relação ao primeiro

espaço de tempo comunidade para o último, pois já se evidencia a articulação construída pelos

alunos entre o rigor cientifico da academia e a vivência destes enquanto militantes.

Destacamos, ainda, o perfil22 da equipe de professores orientadores para

acompanhamento dos trabalhos pedagógicos, tendo em vista que esse grupo apresenta

diferentes experiências de sala de aula e de militância, bem como de formação acadêmica, o que

conota certa pluralidade nas intervenções. Somam-se, ainda, os monitores que diversificam esse

perfil com suas diferentes vivências e inserção política e acadêmica na Universidade, seja pela

participação no movimento estudantil, seja pela inserção em grupos de estudo e laboratórios de

pesquisa.

A participação desse grupo, juntamente com a coordenação da Escola Nacional

Floresta Fernandes (ENFF), nas reuniões de planejamento e avaliação das etapas do Curso

contribui para que o trabalho se realize de forma mais integrada, e interdisciplinar, sendo os

trabalhos do TC um exemplo emblemático disso, posto que as atividades são planejadas a partir

de temáticas que aproximassem parte das disciplinas. Esse elemento permite que os estudantes

façam interligações dos diferentes conteúdos em seus estudos e produções desse período.

4. Considerações Finais

O Tempo Comunidade constitui-se um exercício importante para a práxis acadêmica

dos professores e estudantes, a partir do desafio de realizar trabalhos com o rigor científico

exigido pela academia, ao mesmo tempo em que se leva em conta outros saberes, vivências e

experiências que os educandos e educandas possuem em sua trajetória de vida. Configurando-

se uma atividade peculiar para os estudantes advindos dos movimentos sociais, porque permite o

acesso ao conhecimento científico na perspectiva de concepção de uma realidade que está em

22

O grupo possui perfil bem diversificado, com formação em Serviço Social, Pedagogia e ainda titulações

como Mestrado concluído ou em processo de andamento, além de especialização em temáticas da questão agrária, direitos sociais e políticas públicas.

Page 36: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

consonância com a reflexão teórica adquirida no tempo escola, através dos debates

sistematizados em sala de aula.

Nesse processo, identificamos como desafio acompanhar o estudante/ pesquisador e

militante que divide seu tempo entre o estudo e sua inserção social em movimentos sociais

organizados. Essa questão, na nossa avaliação, qualifica em muito o nível dos trabalhos, ao

mesmo tempo em que nos desafia a organizar os tempos educativos para dar conta das

exigências acadêmicas. A partir dessa constatação, consideramos que há um esforço conjunto da

maioria dos educandos e educandas em cumprir com os acordos coletivos de produção de

conhecimento a partir de sua realidade.

4. REFERÊNCIAS

ABESS/CEDEPSS. Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social. Formação

Profissional: Trajetórias e desafios. Nº 7, São Paulo: Editora Cortez, Brasília: ABEPSS,

1997.

_______. Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social. Diretrizes Curriculares e

Pesquisa em Serviço Social. Nº 8, São Paulo: Editora Cortez, Brasília: ABEPSS, 1999.

BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Programa Nacional de Educação

na Reforma Agrária. Manual do Pronera. Brasília, 2006.

CEARÁ. UECE. Projeto Político-Pedagógico do Curso de Serviço Social. Fortaleza,

2007. (Digitado).

______________. Relatório de Gestão do Semestre III do Curso de Serviço Social -

Turma Pronera - INCRA. Fortaleza, 2015. (Digitado).

CFESS. Código de Ética Profissional do Assistente Social. Aprovado em 15 de março

de 1993. NEPS/ Mestrado em Sociologia. (Série Estudos e Pesquisas, 23), 1992.

CORDEIRO, Georgina Negrão Kalife; HAGE, Salomão Antônio Mufarrrej; REIS, Neila da

Silva. Pedagogia da Alternância e seus desafios para assegurar a formação humana

dos sujeitos e a sustentabilidade do campo. Em aberto, v. 1, p. 115, 2011.

FRAGA, Regina Coele Queiroz. Dialogicidade na escola Família Agrícola Dom Fragoso:

experiência no Ceará. In: VIII Colóquio Internacional Paulo Freire, 2013, Recife. Educação

como prática da liberdade: saberes, vivências e (re) leituras em Paulo Freire, 2013.

Page 37: SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: formação … · 1. Introdução: A luta dos movimentos sociais do campo pela terra no Brasil tem se configurado não apenas em defesa da reforma

GIMONET, J. C. Nascimento e desenvolvimento de um movimento educativo: as

Casas Familiares Rurais de Educação e Orientação. In: Seminário Internacional da

Pedagogia da Alternância: Alternância e Desenvolvimento, 1, 1999. Anais... Salvador:

UNEFAB, 1999, p.

GRAZIANO DA SILVA, J.O desenvolvimento do Capitalismo no Campo Brasileiro e a

Reforma Agrária. IN. STÉDILE, J. (coor). A Questão Agrária Hoje. Porto Alegre: Ed. Da

Universidade/ UFRS, 1994. p. 137-143.

TEIXEIRA, Edival Sebastião; BERNARTT, Maria de Lourdes. Estudos sobre Pedagogia da

Alternância no Brasil: revisão de literatura e perspectivas para a pesquisa. Educação e

Pesquisa (USP), v. 34, p. 227-242, 2008.