Lacoste, Yves - A Geografia, Isso Serve, Em Primeiro Lugar, Para Fazer a Guerra
Servir - E para isso que serve
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SERVIR:
É PARA
ISSO QUE
SERVE
UMA VIDA
HUMANA?
fartura de um dinheiro ganho por causa da alegria de um trabalho bem feito e
de um valor agregado a todos, e não simplesmente a alguns, os atores do
processo empresarial.
Enfim, precisamos arregaçar as mangas e o intelecto para buscar um
novo m odo de convivência social. Temos a sorte de não ter alternativa pronta
para o modelo socioeconômico atual. Isso é um desafio para nossa
criatividade, nossa coragem e nossa vontade de servir. Sim, felizes somos nos
de viver uma crise tão grave que pode anunciar as dores do parto de uma
comunidade humana mais responsável e, portanto, mais feliz.
(Publicado na Revista de Marketing Industrial Ano 14 2008, Ed. 43 p. 56-
58)
grau de responsabilidade de cada um na construção de uma sociedade e de
instituições que permitam à humanidade de liberar sua capacidade de amar e
de criar.
TRILHAS
Primeiro, não podemos mais ter medo de questionar o dogma segundo o
qual o ser humano é egoísta por natureza. Pode ser até que o egoísmo pareça
ser o motivo principal das escolhas humanas: afirmar isso não significa aceitar
que somos egoístas por natureza. Na nossa trajetória humana, fazemos vários
tipos de escolhas: o egoísmo é uma delas mas não tem a exclusividade das
nossas motivações e das nossas decisões. Essa afirmação nem m erece uma
justificativa filosófica: aliás o excesso de verborragia ideológica que tentou
fundamentar a natureza egoísta do humano durante décadas deveria ter
alertado os mais incautos do que se tratava de uma canoa furada! Basta cada
um olhar para a própria vida e as próprias escolhas para perceber a
inconsistência dessa ideologia. E não venham com essa afirmação ainda mais
tola: mesmo o bem que faço, faço por egoísmo. Isso é puro masoquismo
intelectual: confundir a alegria do amor com egoísmo só pode ser patológico!
A segunda trilha é reavaliar as responsabilidades de cada “protagonista”
(palavra na moda!) do processo empresarial. É impressionante como, em
muitas em presas, se questionou os interesses dos outros atores sem nunca
questionar o papel dos investidores nem dos analistas que sempre
pressionavam para resultados de curto prazo, na maioria das vezes
inatingíveis, assim contribuindo para as acrobacias e as maquiagens que
fizeram os mercados desabar. Não poucas vezes se confundiu serviço aos
investidores com escravidão submissa. Afinal, os investidores e os acionistas
não deixam de ser nossos colegas em humanidade, tendo as mesmas
fragilidades, as mesmas falibilidades e as mesmas vulnerabilidades do que os
outros humanos. Tinham talvez mais dinheiro: pelos tempos atuais, isso não
significa muito sabendo que números podem traduzir-se em ativos valiosos ou
em créditos pobres...
A terceira trilha é reencontrar a alegria de servir. É bom trabalhar para os
outros, simplesmente para deixar os outros felizes e poder alegrar-se com a
Afinal para que serve a vida humana? É essa a questão? Ela nos remete
de novo ao critério de utilidade. A pergunta talvez devesse ser: a quem serve
minha vida humana? É uma pergunta ao mesmo tempo individual e coletiva.
Individual porque a resposta deve brotar da minha escolha e da minha
liberdade. Coletiva porque, da minha resposta, depende também a sorte do
meu próximo o que acaba influenciando a comunidade humana.
SERVIR
O que significa servir? O verbo latino servare, tem com o primeiro
significado observar, ser atento a, prestar atenção a. Tem também o sentido de
conservar, salvar, preservar, manter intato. Procurei o verbo “servir” num
dicionário filosófico (aliás em dois!) e encontrei somente o substantivo “serviço”:
é revelador dos limites da filosofia a quem interessa m ais o conceito do que a
atitude! Serviço se refere ao mesmo tempo à escravidão e à atribuição de uma
vantagem para um outro indivíduo. Num vocabulário de teologia bíblica, o
verbo “servir” esconde também uma ambigüidade. Ele pode dar a idéia da
submissão: nesse caso, é sinônimo de escravidão. Por outro lado, ele é usado
principalmente no sentido de obedecer a Deus, oferecendo dons e culto em
espírito, o que não pode acontecer sem colocar-se voluntariamente ao dispor
dos outros, principalmente dos mais necessitados. De lá nasce uma mudança
de visão: ao invés de buscar o centro da minha vida introspectivamente através
de um autoconhecimento e de uma meditação narcisistas, com a ilusão de uma
paz interior sempre fugidia, talvez eu devesse cuidar do outro. Isso se expressa
principalmente na compaixão: compartilhar vulnerabilidades e fragilidades para,
a partir delas, transformar a amarra imposta da interdependência humana num
vínculo de amor.
O que isso tem a ver com Greenspan? A construção de uma ideologia
para justificar uma sociedade construída sobre os paradigmas da utilidade e do
interesse próprio monopolizou praticamente o pensamento econômico durante
algumas décadas. O contraponto a ela era um sistema totalitário que negava
tanto quanto ela a generosidade do humano. Pela volta à reflexão sobre o
serviço gratuito ao humano e sobre o cuidado com a natureza, talvez
possamos retomar uma caminhada mais sadia onde seja mais fácil perceber o
SERVIR: É PARA ISSO QUE SERVE UMA
VIDA HUMANA?
Jean Bartoli
No último Fórum de Marketing Industrial, as palavras que mais ficaram
na minha m emória foram cuidado, sustentabilidade e serviço. De lá para cá,
está cada vez mais claro que estamos num contexto de grandes incertezas
porque não sabemos por onde vai o mundo e o quanto seremos afetados pelos
acontecimentos. Estamos realmente vivendo uma crise porque, segundo os
significados da palavra grega crisis, estamos no momento de distinguir, de
escolher e de decidir se compartilharemos infortúnios ou se viremos a ser uma
nova comunidade humana, mais fraterna e, por isso, mais sensata e mais
harmoniosa. Por isso, é imprescindível que estejamos dispostos a refletir um
pouco m ais profundamente no acontecido para saber onde desbravar as trilhas
de uma nova convivência: os trilhos pré-fabricados das grandes ideologias do
século XX foram implodidos, inclusive o do que George Soros chama no seu
últim o livro (“O novo paradigma para os mercados financeiros”) de
“fundamentalismo de mercado”. Para quem duvidar, eis a confissão de um ator
privilegiado da econom ia nos últimos vinte cinco anos.
"Aqueles de nós, eu inclusive, que esperávamos que o interesse próprio
das instituições de empréstimo protegesse os acionistas estão em estado de
descrença e choque", afirmou Alan Greenspan, num depoimento diante do
Congresso Americano. Que confissão interessante! De fato, aí talvez esteja o
nó da questão. Durante décadas, a ideologia dominante consistia em afirmar
que a utilidade e o interesse próprio eram os dois alicerces de um a convivência
social equilibrada. De repente, um dos principais guardiãos dessa ortodoxia
entra, segundo as próprias palavras, em estado de choque porque constata
que a realidade, teimosam ente, nega-se a corroborar suas teses.