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ECONOMIA GLOBAL, MERCADORIZAÇÃO E INTERESSES COLECTIVOS CICLO INTEGRADO DE CINEMA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC DOC TAGV / FEUC 2008 - 2009 SESSÃO 9 A CHINA, UM ELEMENTO CHAVE NA CRISE ACTUAL

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ECONOMIA GLOBAL,

MERCADORIZAÇÃO

E INTERESSES COLECTIVOS

CICLO INTEGRADO DE CINEMA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUCDOC TAGV / FEUC2008 - 2009

SESSÃO 9

A CHINA, UMELEMENTO CHAVE NA CRISE ACTUAL

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ECONOMIA GLOBAL,

MERCADORIZAÇÃO

E INTERESSES COLECTIVOS

CICLO INTEGRADO DE CINEMA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUCDOC TAGV / FEUC2008 - 2009

http://www4.fe.uc.pt/ciclo_int/

SESSÃO 9

ECONOMIA MUNDIAL,

DIREITOS FUNDAMENTAIS

E CONDIÇÕES DE TRABALHO

PARTE I

27 DE ABRIL DE 2009

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27 DE ABRIL DE 2009

SALA KEYNES DA FACULDADE DE ECONOMIA 16:00 HORAS

CONFERÊNCIA DE

STEPHANIE LUCE

(UNIVERSITY OF MASSACHUSETTS AMHERST)

COMENTÁRIOS DE

JOÃO AMADO (FDUC)

M.ª DA CONCEIÇÃO RAMOS (FEP)

TEATRO ACADÉMICO DE GIL VICENTE 21:15 HORAS

FILME/DOCUMENTÁRIO

CHINA BLUE (2007)

DE MICHA X. PELED

DEBATE COM

STEPHANIE LUCE

JOÃO AMADO

M.ª DA CONCEIÇÃO RAMOS

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ÍNDICE

A CHINA,

UM ELEMENTO CHAVE

NA CRISE ACTUAL

I. A EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE CHINESA E A CRISE ACTUAL

I.1. AS RECENTES MUDANÇAS NA CHINA:

O CAMINHO PARA O NEOLIBERALISMO

I.2. AS LINHAS DE MUDANÇA NA CHINA, A NOVA ESQUERDA E A CRISE

I.3. AS ORIGENS DO NEOLIBERALISMO NA CHINA,

VISTAS PELA NOVA ESQUERDA

II. IMAGENS DE PEQUIM, DE LONGE E, AFINAL, DE TÃO PERTO

II.1. UM MUNDO, UM SONHO: UMA PRIMEIRA LEITURA

II.2. UM MUNDO, UM SONHO:

A ARTE COMO REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE CHINESA

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III. NEOLIBERALISMO, CHINA E ESTADOS UNIDOS:

A DINÂMICA DA CRISE

III.1. ECONOMIA MUNDIAL E NEOLIBERALISMO

III.2. A CHINA E OS ESTADOS UNIDOS, NUMA ERA DE TRANSIÇÃO

IV. OS CONFLITOS SOCIAIS, OS CONFLITOS DE CLASSES

E OS MERCADOS DE TRABALHO

IV.1 AS CONDIÇÕES DOS TRABALHADORES NA CHINA

IV.2. AS REMUNERAÇÕES DO TRABALHO NA CHINA:

ELEMENTOS DE ANÁLISE

IV.3. AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO QUADRO DAS MULTINACIONAIS

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I. A EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE CHINESA E A CRISE ACTUAL

I.1. AS RECENTES MUDANÇAS NA CHINA:

O CAMINHO PARA O NEOLIBERALISMO

Joel Andreas,

“Changing Colours in China”, New Left Review,

vol. 54, Nov-Dez, 2008,

disponível em http://www.newleftreview.org/?view=2756

Ao longo da última década, a China passou a desempenhar, em poucos anos, um papel muito relevante na cena económica internacional e é cada vez mais comum ler que está a caminhar para se transformar na potência dominante do mundo. Na literatura dedicada a tais previsões, o trabalho de Giovanni Arrighi Adam Smith em Pequim (2007) distingue-se por duas razões. A primeira delas é que Arrighi enquadra a sua análise num grande e sofisticado modelo histórico de ascensão e da queda de uma sequência de potências hegemónicas. A segunda razão é que enquanto muitos estudiosos ocidentais vêem a ascensão da China com uma certa inquietação, Arrighi dá-lhe as boas-vindas com entusiasmo.

No modelo de Arrighi, que este desenvolveu de forma mais completa em The Long Twentieth Century (1994), o sistema do mundo capitalista evoluiu através de uma uma sucessão de ciclos hegemónicos. Cada um destes ciclos foi dominado por uma potência única e embora tenham tido características distintas, até agora todas as suas trajectórias têm evoluído de modo similar. Quando The Long Twentieth Century foi publicado, Arrighi

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estava já convencido de que o centro global da acumulação do capital se estava a deslocar do Atlântico Norte para a Ásia Oriental, embora naquela altura a China tivesse apenas iniciado a transformação da sua economia de um forma que lhe viria a permitir integrar-se inteiramente na economia global e transformar-se na “fábrica do mundo”. Hoje, a emergência de China como um poder económico global, e os contratempos militares e económicos dos Estados Unidos, deram a Arrighi a confiança para prever que a época da hegemonia americana será provavelmente seguida de uma era do domínio da Ásia Oriental, com a China no seu centro.

Para Arrighi, a hegemonia chinesa sobre o mundo pode ter três resultados positivos. Primeiro, reestruturando a hierarquia actual dos poderes, dominada pelo Ocidente, um período de superioridade da Ásia Oriental pode trazer maior igualdade entre as nações do mundo. Em segundo lugar, a hegemonia chinesa pode provar ser menos militarista e mais pacífica do que a hegemonia precedente dos Europeus e Americanos. Em terceiro lugar a ascensão da China pode abrir caminho a um desenvolvimento mais igualitário e mais humano da Ásia Oriental - um desenvolvimento baseado nas trocas de mercado, mas que não será capitalista.

O cenário optimista de Arrighi deu origem a reacções negativas por parte de analistas convencidos da superioridade da civilização Ocidental, e a análises mais cuidadas e positivas, por parte de outros, menos confiantes na ordem mundial produzida pela dominação ocidental. Cada uma das suas três previsões merece uma séria análise individual. Neste ensaio, limitar-me-ei apenas à última – que a China pode ser pioneira no desenvolvimento de um sistema de mercado não capitalista.

Naturalmente, o que se vê depende fortemente do enquadramento conceptual que se utiliza. Arrighi começa com um modelo do capitalismo derivado da narrativa histórica de Braudel sobre o desenvolvimento do capitalismo na Europa. Braudel dividiu a economia em três camadas.

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Na parte inferior, a actividade económica consistiu na produção de bens de subsistência, com poucas trocas no mercado. Uma camada média era composta por actividades orientadas para o mercado organizado por empresários concorrentes entre si. O escalão superior era reservado aos que em rigor se poderiam considerar os capitalistas, tirando proveito das posições de monopólio e associados fortemente ao poder do Estado. Este é um enquadramento que tem servido de suporte de muitas análises dos sistemas-mundo, e Arrighi emprega-o para sugerir modelos distintos para o desenvolvimento do Ocidente e da Ásia Oriental. A Ocidente, os capitalistas dominaram o Estado, gerando uma combinação poderosa de expansão económica e militar que permitiu que às potências ocidentais conquistarem o mundo. Na Ásia Oriental, pelo contrário, um Estado forte promoveu as trocas mercantis, mas manteve o capital em grande escala sob o seu controle. Este modelo floresceu sob a supervisão hegemónica do império chinês, presidindo a um sistema relativamente pacífico de relações entre estados na região, o que fez deste império o mais rico no mundo até ao século XIX. Com o declínio do Estado chinês e a integração da Ásia Oriental numa economia mundial dominada pelas potências europeias durante o século XIX e princípio do século XX, o Japão enxertou elementos da economia capitalista ocidental na sua própria economia, criando assim um sistema híbrido.

Em The Long Twentieth Century, Arrighi tinha esperança de que o poder económico crescente do Japão, desprovido da sua dimensão militar após a segunda guerra mundial, pudesse promover um novo modelo em que o poder económico e o militar estariam dissociados, e poderia eventualmente gerar uma sociedade de mercado mundial pós-capitalista. Em Adam Smith em Pequim, Arrighi desloca a sua atenção para a China, onde, escreve, um forte Estado-Providência criado pela revolução comunista tinha redescoberto o dinamismo económico do mercado, promovendo a iniciativa de massas de pequenos empresários, rurais e urbanos. À medida que a China conduz a Ásia Oriental no processo de recuperação da sua antiga posição de região economicamente mais

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desenvolvida do globo, sugere o autor, esta pode escolher conformar-se ao paradigma do capitalismo ocidental ou pode, em alternativa, traçar um trajecto diferente, mais de acordo com seu próprio passado.

Arrighi desenvolve os seus modelos numa grande escala, abrangendo as redes globais do poder e comércio, a concorrência entre os Estados e a evolução dos sistemas económicos políticos ao longo de centenas de anos. Como outros que trabalham no paradigma dos sistemas-mundo, ele está mais preocupado com as estruturas que reproduzem a desigualdade internacional do que com aquelas que reproduzem a desigualdade no interior das nações. Consequentemente, dá pouca atenção à análise dos detalhes das relações da produção. O que poderemos nós ver se revisitarmos a história económica chinesa recente, centrando a nossa atenção nas relações da produção? Esta será a minha linha de análise e com esta finalidade utilizarei o enquadramento conceptual de Marx. Considerarei de seguida a sugestão de Arrighi que a China pode estar a ser pioneira ao seguir uma trajectória de desenvolvimento diferente do Ocidente, usando a definição de Braudel do capitalismo, que se centra na relação entre o capital e o Estado.

Marx e Mao

O enquadramento de Marx é largamente familiar, pelo que o referirei de modo rápido afim de construir uma tipologia em três partes das organizações económicas com as quais analisaremos as mudanças no sistema económico da China. O primeiro tipo é baseado no trabalho familiar, o segundo é baseado na unidade de trabalho socialista e a terceira no trabalho assalariado capitalista.

Antes do advento do capitalismo, escreveu Marx, tanto nas zonas rurais como nos agrupamentos urbanos, o trabalho esteve sempre firmemente ligado aos meios de produção, e nenhum poderia ser livremente comprado e vendido. O capitalismo separou os dois e colocou ambos no mercado,

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criando um sistema baseado na troca livre do trabalho assalariado e meios de produção. Nos sistemas anteriores, as responsabilidades relativas quer à produção quer ao consumo tinham sido combinadas dentro das mesmas organizações económicas, que eram tipicamente baseadas na família e o consumo era a finalidade final da produção. Uma vez que as empresas capitalistas eram livres de empregar e despedir os trabalhadores e não tinham nenhuma responsabilidade quanto ao consumo dos seus empregados, poderiam, em contraste, fazer do lucro o seu objectivo principal. Isto fez do capitalismo um sistema dinâmico que era muito eficiente em afectar trabalho a fim de maximizar os lucros e de acumular capital. Embora as empresas capitalistas tenham existido desde há muito tempo, a primeira vez que o trabalho assalariado se transformou na forma dominante das relações da produção foi na Inglaterra durante a Revolução Industrial. A propagação das relações de produção capitalistas conduziu a concentrações extremas de actividade económica e a uma polarização severa entre classes sociais, alcançando níveis que tinham sido impossíveis sob sistemas baseados no trabalho familiar. Devido ao seu dinamismo e eficiência, Marx previu que este sistema seria dominante à escala mundial, mas antecipou igualmente que o socialismo poderia então inverter o que capitalismo tinha feito, voltando a reunir o trabalho e os meios de produção.

Antes de 1949, muita da economia chinesa estava organizada em torno das trocas mercantis, mas as relações capitalistas de produção desempenhavam apenas um papel relativamente limitado. A China tinha sido durante muito tempo uma sociedade altamente comercial, em que a terra era comprada e vendida e os produtos consumidos em massa, incluindo os cereais e os têxteis comuns eram comercializados em grande escala como matérias-primas. Muitos, se não a maioria, dos agregados familiares camponeses estavam envolvidos no mercado, vendendo não somente bens agrícolas, mas também produtos fabricados pelo agregado familiar, incluindo tecidos. Durante o século que antecedeu a revolução de 1949, o sector capitalista (isto é, o sector assente no trabalho assalariado) estava

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em crescimento mas era ainda microscópico e a produção dos agregados familiares camponeses, baseada no trabalho da família, constituía a maioria da produção da economia.

Durante a era de Mao Tsé Tung, 1949 a 1976, ambos os sectores do trabalho familiar e capitalista, foram virtualmente eliminados; as trocas no mercado foram restringidas fortemente e a economia foi reorganizada ao longo das linhas socialistas. A totalidade da população rural converteu-se em membros das brigadas colectivas da produção, e virtualmente toda a população urbana em membros das unidades de trabalho (que incluíam os funcionários do governo, as instituições tais como hospitais e escolas, as empresas de propriedade estatal e as colectivas). Os membros da unidade colectiva de trabalhadores eram pagos como assalariados, mas eram empregados permanentes, de modo que o trabalho não era assumido como uma mercadoria, livremente trocada. Tal como as famílias, as brigadas rurais da produção e as unidades de trabalho urbanas não podiam despedir os seus membros, e eram responsáveis não somente pela organização da produção mas também tinham a obrigação de garantir o consumo aos seus membros, o que reduzia estruturalmente a possibilidade de se tomar como objectivo máximo o lucro. Marx, pretendia que o trabalho e os meios de produção se reunissem, e isto foi precisamente o que o Partido Comunista Chinês fez.

Uma economia de mercado não-capitalista

Durante o período que se seguiu imediatamente a Mao, 1976 a 1992, as reformas iniciais do mercado constituíram o que poderia ser chamado uma economia de mercado não-capitalista. A China urbana continuou a ser dominada pelo sector público; apesar de empresas privadas em pequena escala terem sido autorizadas depois de 1978, estas desempenharam um papel marginal nas cidades. Nas empresas de propriedade estatal e colectiva, as características fundamentais do sistema das unidades de trabalho sobreviveram. Ambas continuaram a ser baseadas na propriedade pública e

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no emprego permanente. Embora as reformas estruturais realizadas a partir de meados dos anos 80 começassem a exigir que os trabalhadores assinassem contratos por vários anos (que substituíram formalmente o emprego para a vida) e algumas pequenas empresas começassem a dar sinais de falência, houve muito poucos despedimentos. As unidades de trabalho continuaram a ser responsáveis pelos meios de subsistência dos seus membros, quer no activo quer reformados.

Após 1984, as trocas mercantis substituíram gradualmente a economia planificada, e os incentivos económicos foram usados para estimular os gerentes/gestores das empresas a aumentar as taxas de lucro (que incluíam mecanismos que lhes permitiam manter os lucros acima de um montante previamente estipulado), mas a sua capacidade em dar prioridade aos lucros continuou a ser limitada pelas responsabilidades que as unidades de trabalho tinham para com os seus membros. De facto, nos anos 80, como era permitido que as empresas mantivessem parte dos seus rendimentos, muitos usaram uma grande parcela destes fundos para construir habitações para os seus empregados e para criar as unidades subsidiárias que foram frequentemente projectadas mais para fornecer trabalho aos filhos dos empregados do que para maximizar os lucros. No começo dos anos 90, mesmo depois de mais de uma década de reformas de mercado, as empresas do sector público eram dificilmente o tipo de máquinas de gerar lucros que se defendia e recomendava nas escolas de gestão no Ocidente. Mais ainda, estas permaneceram empresas sociais que abrigavam um número crescente de empregados e aposentados e uma colecção de unidades da produção e de serviços pouco flexíveis, incluindo complexos de apartamentos, clínicas de saúde, escolas vocacionais para os empregados, centros de guarda e escolas primárias e secundárias para os filhos dos seus membros, lojas, bares e cafés, instalações culturais e de recreio.

Nas margens do sector público urbano, desenvolvia-se um sector privado urbano modesto composto, na sua maior parte, por vendedores

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ambulantes, barbeiros, promotores de lojas pequenas, restaurantes, oficinas de reparações e assim por diante. No início, a empresa privada era restringida ao getihu (agregados familiares individuais), que legalmente não poderia empregar mais de sete empregados, mas mesmo depois desta limitação ter sido levantada em 1987, o getihu continuou a dominar o sector privado nas cidades da China. A sociedade urbana estava separada em dois mundos muito distintos, um `dentro do sistema’ e o outro ` fora do sistema’. Os dois mundos encontraram-se no portão da unidade colectiva de trabalho, onde os pequenos comerciantes e vendedores se encontravam para venderam os seus produtos aos que viviam dentro do sistema.

Na China rural, pelo contrário, a maioria da população dedicava-se a actividades económicas de organização familiar. Depois de a des-colectivização da agricultura ter sido concluída, em 1984, a terra continuou a ser propriedade da respectiva localidade, mas os direitos de exploração foram divididos entre as famílias dos camponeses e a produção agrícola foi organizada em torno do trabalho da família, tendo acontecido o mesmo com o florescimento da economia privada que foi baseado na indústria familiar, do comércio e dos transportes. Ao mesmo tempo, as maiores empresas industriais cresceram rapidamente nas vilas e cidades com acessos fáceis aos mercados urbanos e aos mercados externos. Pela lei, as township, as empresas de propriedade do distrito e das vilas, eram empresas de propriedade colectiva e muitas delas eram-no de facto, embora tenha havido uma enorme variedade de formas em que estas estavam realmente organizadas. No modelo de cariz mais colectivista, que predominou durante o rápido crescimento da região do delta de Yangtzé e podia também ser encontrado em muitas regiões, as fábricas de propriedade colectiva rural foram construídas pelas respectivas administrações da aldeia ou do distrito, com as autoridades locais em exercício e os habitantes dessas localidades a reivindicarem todos os postos de trabalho; mesmo quando as exigências de produção em mão-de-obra eram superiores à população activa local e se empregavam pessoas vindas de fora, os membros da comunidade local continuavam a exercer as melhores posições.

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No outro extremo, num modelo que se estende para além das zonas económicas especiais no sudeste das províncias de Guangdong e de Fujian, rurais, as fábricas rurais foram geralmente financiadas por accionistas de Hong Kong e da Formosa e preferiam empregar trabalho imigrante do interior, mais barato. Embora fora das zonas económicas especiais tais empresas tivessem que se registar oficialmente como empresas colectivas, as suas relações da produção estavam muito mais perto do ideal do mercado livre. Devido ao facto de toda a indústria rural não estar sujeita à economia planificada, quer as fábricas de distrito ou das vilas fossem controladas pelas autoridades distritais e das vilas ou por empresários privados, o seu sucesso exigiu a gestão e formação empresarial, o emprego era mais instável e mais flexível, e os meios de produção e respectivas instalações produtivas mudavam mais rapidamente de mãos.

Se nós olharmos de longe, no tempo, para o país como um todo, durante o período que vai de 1978 a 1992, diríamos que havia dois grandes sectores: um sector público que estava ainda fortemente baseado, na sua maior parte, nas relações socialistas da produção e um sector privado em que prevaleciam as relações da produção familiares. Olhando um pouco para mais perto de nós, nas áreas urbanas, o sector público era dominante, com uma economia familiar próspera nas suas margens, enquanto nas áreas rurais, a economia familiar era dominante, com um sector empresarial em claro crescimento no que se refere às empresas distritais, as townships, e às fábricas das vilas, que constituíam no seu conjunto a produção socialista e a produção capitalista das pequenas empresas. Esta era, certamente, uma economia de mercado não-capitalista, embora já em acelerada mudança.

Privatizações e lucros

Desde 1992, as reformas muito mais radicais do mercado que foram aplicadas mudaram tudo. A visita de Deng Xiaoping, altamente publicitada, às empresas de capital estrangeiro criadas nas zonas económicas especiais

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do sudeste da China no início de 1992 é habitualmente citada como o momento chave que marcou a mudança mais radical na reestruturação da economia chinesa. Depois desse ano, o Partido Comunista Chinês incentivou fortemente o crescimento do sector capitalista privado e no final dessa década tinha presidido à privatização da grande maioria das empresas de propriedade pública. Entre 1991 e 2005, a proporção da mão-de-obra urbana empregada no sector público caiu de aproximadamente 82 por cento para aproximadamente 27 por cento (veja-se gráfico 1).

Gráfico 1. Parte do sector público no emprego urbano, 1978-2005 (%)

Fonte: National Bureau of Statistics of China, China Statistical Yearbook, Pequim, 2006, pp. 128–9.

Durante o início dos anos 90, as políticas que limitavam a dimensão das empresas privadas e que restringiam o investimento estrangeiro foram revogadas e as autoridades do Estado a todos os níveis eram também, por todos os meios, os seus promotores. Ao contrário do Japão, Coreia do Sul e Formosa, a China dava as boas vindas ao investimento directo estrangeiro, de braços bem abertos, e o capital começou a fluir ao país numa grande escala. Pequenos empresários vindos de Hong Kong, Formosa, Singapura e outros locais encontraram colaboradores nas townships e vilas chinesas, enquanto as grandes empresas multinacionais com as sedes nestes centros da diáspora chinesa assim como no Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos e Europa, encontraram parceiros a níveis mais elevados. No ano 2000, quase

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um terço da indústria transformadora chinesa foi gerada por empresas filiadas ou associadas às grandes multinacionais estrangeiras.

O recente legitimado sector capitalista interno cresceu igualmente de forma rápida, devido por um lado aos empresários de sucesso oriundos das fileiras de habitantes rurais e das empresas em regime de agregado familiar (os getihu) e, por outro, devido aos quadros e aos profissionais do interior do sistema que tinham decidido ter chegado o seu tempo, que tinha chegado à altura de “saltar para o mar” (xiahai) das empresas privadas. Um segmento particular de grande sucesso de empresários (xiahai) era constituído por associações de familiares ou por associados de quadros de empresas públicas e de quadros da Administração Pública que foram capazes de usar as suas ligações criadas no interior do sistema para vencerem no acesso aos contratos, às licenças, ao crédito, aos recursos e aos mercados.

No sector público empresarial, o Partido Comunista Chinês decidiu-se pela política de manter as grandes e deixar as pequenas empresas (“hold onto the large and let go of the small”). Quase todas as empresas distritais (townships) e das vila, as empresas da grande maioria dos estados urbanos e a maioria das empresas colectivas foram parcial ou totalmente privatizadas. Algumas fábricas foram vendidas a investidores estrangeiros mas a maioria delas foi vendida a chineses. Nalguns casos iniciais as acções foram vendidas aos seus empregados, mas este modelo foi rapidamente rejeitado a favor de uma aquisição pela Administração. Uma vez que os administradores têm geralmente pouco capital, esta situação exigia geralmente arranjos financeiros com bastante criatividade. As investigações sobre a privatização nas áreas rurais e urbanas indicam que muitas das empresas de propriedade colectiva se transformaram em última instância em propriedade dos seus próprios administradores. Muitas empresas colectivas e estatais foram liquidadas e outras reduziram drasticamente o seu volume de mão-de-obra; como consequência da reestruturação do sector público e mais de cinquenta milhões de trabalhadores, ou seja cerca de 40 por cento da força de trabalho empregue no sector público, perdeu o seu emprego.

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Esta transformação maciça do sector público em sector privado, em propriedade privada, transformou os seus administradores em proprietários e os outros, os membros da unidade colectiva de trabalho, em proletários sem direitos. As unidades colectivas de trabalho, em que antes os administradores e os trabalhadores tinham direitos garantidos, de repente transformaram-se em propriedade exclusiva dos seus administradores. Na linguagem de Marx, a força de trabalho ficou separada dos meios de produção e ambos foram convertidos em mercadorias e, nesta mudança, as anteriores responsabilidades pela produção e pelo consumo também se modificaram.

O controle de interesses

As grandes empresas nas quais o Estado decidiu manter o controle foram reestruturadas para se adaptarem a um modelo de grande empresa em que os seus activos foram convertidos em acções cotadas na Bolsa. O Estado manteve o seu controle sobre as maiores e mais estratégicas empresas, em particular, na banca, no petróleo, no aço, na energia eléctrica nas telecomunicações e na indústria de armamento. Numa segunda série de empresas um pouco mais pequenas, incluindo muitas que eram propriedade dos governos provinciais e locais, o Estado tornou-se um accionista minoritário. Os dirigentes das empresas agora reestruturadas eram agora formalmente responsáveis face a um conselho de administração, e holdings foram estabelecidas para gerir os activos do Estado e representar o interesse do Estado nestas administrações. Aos membros da administração foram atribuídos a tarefa de assegurar que os gestores maximizavam os interesses dos accionistas, e mesmo as holdings de empresas do próprio governo tinham como principal objectivo rentabilizarem ao máximo os activos do Estado.

De modo a manter alguma capacidade de dirigir as empresas públicas na linha dos interesses políticos, o Partido Comunista Chinês manteve o poder de nomear administradores para posições-chave e as autoridades governamentais continuaram a usar as holdings públicas para levar a cabo os objectivos do

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Estado que são de âmbito mais vasto que os simples dividendos trimestrais. Contudo, a estrutura destas empresas foi fundamentalmente mudada de modo a que se lhes possa ser exigido - e que sejam capazes – de assumirem a rentabilidade como o seu objectivo fundamental. Para realizar este objectivo, abandonaram as suas anteriores obrigações para os seus empregados. As garantias do emprego para a vida foram eliminadas e as empresas reduziram não somente o volume de mão-de-obra utilizada mas igualmente despediram trabalhadores mais velhos que foram depois substituídos por trabalhadores mais novos, que eram menos caros e mais dóceis. As minas de carvão públicas, por exemplo, utilizam os serviços de empreiteiros para a exploração das minas e estes utilizam o trabalho de imigrantes, reduzindo assim o custo por tonelada, um sistema que faz com que a exploração das minas de carvão na China as tenha tornado as mais perigosas em todo o mundo. As empresas também encerraram subsidiárias não rentáveis e retiraram-se elas próprias da obrigação de fornecimento de habitação, cuidados médicos, as pensões, a puericultura, actividades recreativas, instrução e outros serviços para os empregados e para as suas famílias. Embora estas empresas permaneçam em parte como propriedade estatal, as características que faziam delas empresas socialistas foram eliminadas.

A entrada de China na Organização Mundial do Comércio, em 2001, que foi imediatamente acompanhada pela eliminação das restrições legais ao comércio internacional e ao investimento externo, veio dar uma maior força às reformas do mercado ao levar a que as empresas chinesas fiquem submetidas à concorrência internacional. Com muito poucas excepções, todas as empresas foram levadas a reduzir o custo do trabalho e os custos sociais que não contribuíam directamente para aumentar a rentabilidade.

Em consequência das reformas radicais realizadas nos últimos anos, a economia de mercado não capitalista que existiu nos anos 80 foi transformada numa economia capitalista. Já não há um sector socialista e virtualmente todas as empresas que empregam mais do que um punhado de

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pessoas, sejam públicas ou de propriedade privada, trabalham agora todas elas de acordo com os princípios capitalistas. O sector de trabalho familiar está em declínio, como o estão também as pequenas empresas capitalistas. O capital está a ser rapidamente centralizado: as pequenas fábricas estão a ser substituídas por fábricas maiores; as lojas e os pequenos restaurantes estão a ser substituídos por grandes cadeias; os mercados públicos por supermercados e por grandes centros comerciais.

Até aqui, a grande excepção a esta tendência foi a agricultura, onde o sistema do trabalho familiar foi protegido pelas leis que impedem as vendas individuais da terra e impedem também a produção em grande escala. Mesmo isto, entretanto, está a mudar. Nas áreas da agricultura comercial altamente desenvolvida, os grandes interesses da agro-indústria em grande escala estão a trabalhar sobre o sistema colectivo de posse da terra, desenvolvendo a aplicação de contractos não estandardizados ou mesmo alugando a terra e empregando a mão-de-obra como trabalhadores assalariados. Além disso, em Outubro deste ano o Comité Central do Partido Comunista Chinês decidiu permitir a venda de direitos de utilização da terra por agregados familiares individuais, com a finalidade explícita de concentrar a propriedade rural. Embora não seja ainda claro como é que a decisão será executada, é provável que venha a abrir a via para a expropriação em massa das terras que estão na posse das famílias de habitantes rurais.

Mesmo agora, a maioria de famílias rurais está directamente amarrada à produção capitalista através do trabalho migrante. Em muitas aldeias e vilas, só ficam as pessoas mais velhas e as crianças porque as gerações de idade para o trabalho vão-se embora, para fora, à procura de emprego, fornecendo assim muito do trabalho barato que faz da China o concorrente mais formidável no mundo da indústria transformadora virada para a exportação. Esta relação entre a agricultura de subsistência e o capital permite que os imigrantes enviem as suas remessas de dinheiro de volta à vila, mas igualmente subvencionam os seus próprios empregadores, os

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empregadores do trabalho migrante, que podem assim pagar como custo salarial um valor que não cobre sequer o custo de reprodução das novas gerações e do sustento dos que estão reformados.

O capitalismo é novo para a China. Embora as empresas capitalistas existissem já antes de 1949, estas eram somente uma pequena parte da economia; a economia como um todo é orientada hoje por imperativos capitalistas. Embora o sistema económico que emergiu em consequência das reformas recentes tenha certamente características chinesas, é baseado nas relações de produção cujo caminho foi aberto na Inglaterra, há duzentos anos e, de acordo com a predição de Marx, se tem espalhado por todo o mundo.

Polarização de classes

A reestruturação da economia de China ao longo das linhas de orientação e funcionamento capitalista produziu a polarização económica, reflectida num dramático e repentino aumento das disparidades de rendimento. Durante os anos que se seguiram à aplicação do primeiro conjunto de reformas do mercado que foi concretizado em 1978 e antes de as reformas radicais terem começado a serem aplicadas, o que aconteceu em 1992, a desigualdade de rendimentos aumentou, mas de forma relativamente modesta. A dimensão das empresas privadas era restrita e dentro do sector público os quadros viviam melhor que os restantes trabalhadores, mas não muito melhor; os seus salários eram mais elevados, mas ainda eram relativamente modestos; foram-lhes concedidos apartamentos maiores, mas estes continuavam, geralmente, a localizar-se nos mesmos complexos habitacionais da unidade colectiva de trabalho onde os seus subordinados viviam. A corrupção tornou-se patente, mas mesmo assim era ainda pequena quando comparada com o que estava para vir.

Foi a privatização que abriu o caminho para a emergência de uma classe que se tornou verdadeiramente rica. Esta classe inclui os empresários

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privados em grande escala, assim como os empresários do sector público que detêm interesses nas empresas sob o seu domínio. A riqueza acumulada por aqueles à frente de empresas privadas ou públicas criou também novas oportunidades para os quadros do Governo e Administração Pública e Instituições Públicas com fins não lucrativos. A corrupção em larga escala tornou-se mais tentadora e praticável, uma vez que muitas famílias tinham membros dentro e fora do sistema e os sinais de grande riqueza já não eram mal vistos. Ao mesmo tempo, os profissionais do sector público e os gestores poderiam agora exigir salários mais elevados, bónus e outras vantagens, justificando as suas reivindicações com os padrões de nível cada vez mais elevado do sector privado. Depressa começaram a abandonar os seus apartamentos relativamente modestos em complexos habitacionais da unidade colectiva de trabalho para se juntarem aos empresários bem sucedidos nos condomínios fechados suburbanos ou nos luxuosos arranha-céus que proliferaram nas principais cidades da China.

Hoje, os indivíduos mais influentes da China são extremamente ricos qualquer que seja o padrão de referência. As listas de ricos são avidamente lidas na China, e a mais antiga e mais conhecida delas é compilada por um contabilista britânico chamado Rupert Hoogewerf. No final de 2007, a lista de Hoogewerf incluiu 800 indivíduos na Republica Popular da China que valiam, em conjunto, qualquer coisa como 457 mil milhões de dólares. Nesta lista identificou 106 multimilionários, medidos em dólares americanos, um número mais elevado do que em qualquer um de todos os outros países com a excepção dos Estados Unidos, enquanto no extremo oposto do espectro social urbano, várias dezenas de milhões de trabalhadores que tinham estado empregados em fábricas de propriedade estatal desde que se formaram na escola secundária, têm agora sido despedidos, com poucas hipóteses de encontrarem um emprego na economia formal. Afortunados são aqueles que obtiveram pensões, outros, uma pequena pensão de subsistência, outros ainda uma pequena indemnização mas muitos foram deixados sem nada e o seguro de saúde desapareceu com o desaparecimento do seu emprego.

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Foram assim atirados para o fundo da escala social e juntaram-se pois às dezenas de milhões de migrantes rurais.

Enquanto os operários despedidos atingem a sua condição actual devida à perda repentina dos rendimentos do trabalho, os trabalhadores migrantes vieram à procura de oportunidades nos mercados de trabalho urbanos recentemente abertos. Em 1978, o coeficiente de Gini da China (a medida usada para comparar a desigualdade internacional de rendimento em que o valor 0 indica a igualdade absoluta e o valor 1 indica a desigualdade absoluta) foi calculado em 0,22 para a China. Este valor é das mais baixas taxas no mundo. Os observadores ficaram particularmente impressionados por este valor dada a dimensão da China e a sua diversidade geográfica. O PRC tinha realizado este estudo, apesar das grandes diferenças de rendimento entre as áreas urbanas e as rurais e entre as regiões mais e menos desenvolvidas, porque dentro de cada localidade as diferenças eram mínimas. Menos de três décadas mais tarde, em 2006, os dados deram o valor de 0,496, ultrapassando os Estados Unidos e aproximando-se das taxas dos países do mundo onde a desigualdade é maior, tais como o Brasil e a Africa do Sul. A desigualdade entre as regiões e entre as áreas rurais e as urbanas aumentaram ambas substancialmente, mas a mudança mais dramática tem sido a polarização do rendimento dentro das localidades.

Nas pequenas localidades a distância entre rendimentos cresceu significativamente, mas a parte superior da escala permanece bastante baixa quando comparada com as cidades, que viram um espectacular aumento na disparidade dos rendimentos. Em 1985, o rendimento per capita médio do quintil superior dos agregados familiares urbanos era aproximadamente três vezes maior do que o do quintil inferior; em 2006, o grupo da parte superior teve quase dez vezes mais rendimento do que o grupo inferior (veja-se o gráfico 2). Além disso, estes gráficos não capturam a extensão da polarização do rendimento porque o grupo superior é bastante vasto, abrangendo 20 por cento de agregados familiares urbanos e colocando assim os ricos nas classes médias.

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Gráfico 2. Rendimento anual per capita dos 20 % mais ricos e mais pobres

de agregados familiares urbanos, 1985-2006.

Rendimento em milhares de yuans. Fonte: Department of Urban Society and Economic Statistics,

National Bureau of Statistics of China, China Urban Life and Price Yearbook 2007,

Pequim, 2007, pp. 14–29.

Os dados do gráfico 2 indicam que todos os residentes urbanos, incluindo aqueles que estão na parte inferior, usufruem agora de rendimentos substancialmente mais elevados. Estes gráficos, entretanto, somente registam os rendimentos em dinheiro e, escondem, consequentemente, a perda de produtos e serviços que antes tinham sido distribuídos pelas unidades do Estado e pelas unidades colectivas de trabalhadores e não pelo mercado, incluindo os subsídios para a habitação ou habitação subvencionada, os serviços culturais e recreativos, os géneros alimentícios, as necessidades do agregado familiar, os cuidados médicos e a educação. A insuficiência na utilização do rendimento como instrumento para calcular o bem-estar através da transformação estrutural de um regime socialista numa economia capitalista torna-se clara se se compara o rendimento dos agregados familiares urbanos nos meados dos anos 80 com melhores rendimentos com o dos agregados familiares mais pobres hoje. O primeiro grupo, composto por quadros administrativos e profissionais, vivia em bons apartamentos e usufruía de conforto e segurança económicos substancialmente consideráveis, mesmo tendo apenas um rendimento anual médio de apenas 1400 yuan; o último grupo, composto principalmente de desempregados ou de trabalhadores informalmente

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empregados, apesar de terem um rendimento médio, em dinheiro, de 380 yuan, viviam em apartamentos deteriorados, tinham dificuldade em suportar as suas despesas e evitavam ir ao médico.

A expansão repentina de relações capitalistas de produção desde 1992 é o que fez disparar meteoricamente as desigualdades de rendimento na China. Até aí, porque o grande volume da actividade económica era organizado em torno da unidade de trabalho familiar e dos sistemas de unidades colectivas de trabalho que tinham adicionalmente a responsabilidade do consumo para os seus membros, o crescimento da desigualdade de rendimentos estava então estruturalmente condicionado. As reformas recentes retiraram estes condicionantes.

A polarização das classes sociais incitou à uma tremenda indignação popular e durante a última década os trabalhadores e os camponeses realizaram muitas e grandes manifestações de protestos em todo o país. Desde que assumiu o controlo do poder do Estado em 2003, Hu Jintao e Wen Jiabao distinguiram-se do regime anterior de Jiang Zemin e de Zhu Rongji por expressarem a sua preocupação com a polarização crescente do rendimento na China. Além disso, o governo implementou um número de medidas práticas para tentar ultrapassar as dificuldades enfrentadas pelos cidadãos mais pobres na China e para abrandar os efeitos mais prejudiciais resultantes das reformas do mercado. Embora estas medidas estejam associadas com Hu e Wen, muitas são anteriores à transição da liderança de 2003 e reflectem provavelmente um interesse partilhado entre os líderes chineses quanto às severas desestruturações das classes sociais e aos fortes descontentamentos causados pelas reestruturações económicas. O PCC, entretanto, governa agora um sistema económico dominado pelas empresas que são orientadas pelo objectivo de maximização dos lucros, a força motriz que está por detrás desta polarização. Além disso, o partido é levado ainda a um maior desenvolvimento deste sistema, usando as normas internacionais de gestão das grandes empresas como um modelo e a realçar ainda mais a estatura já formidável da China como o país que tem já a indústria

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transformadora mais competitiva do mundo, o que foi conseguido, na sua maior parte, pela exploração altamente eficiente de trabalho barato. Por isso mesmo, a polarização das classes sociais, apesar dos esforços do governo para a abrandar, continuou a avançar sem redução sequer do seu ritmo.

Um trajecto distinto para a Ásia do Leste?

O modelo do Leste Asiático de Arrighi não deixa de ter alguma base empírica na história da China. Quer utilizemos o enquadramento conceptual de Braudel ou de Marx, é evidente que muita da economia chinesa esteve organizada em torno do mercado, das trocas mercantis, mas não na forma capitalista, quer no passado longínquo quer no passado ainda recente. A dinastia Qing promoveu uma economia destinada ao mercado baseada, na sua maior parte, no sistema de trabalho familiar; o desenvolvimento de relações capitalistas da produção foi condicionado por um Estado forte e não havia certamente uma classe capitalista que ditasse ordens ao trono. É igualmente pensável ver o sistema que emergiu nos anos 80, com um Estado forte, um sector dinâmico do trabalho familiar e somente um pequeno sector capitalista composto na sua maior parte de pequenas empresas, como a recuperação dos elementos básicos dessa anterior estrutura de referência.

Torna-se mais difícil, entretanto, sustentar este modelo no presente, depois das relações capitalistas da produção terem transformado a economia chinesa e a sua estrutura de classes. A definição de Arrighi do capitalismo, naturalmente, depende de uma fusão do capital e do poder do Estado. O carácter capitalista do desenvolvimento baseado no mercado não é determinado pela presença das instituições e disposições capitalistas mas sim pela relação do poder do Estado ao capital, escreve Arrighi. Adicionem-se tantos capitalistas quantos se quiser a uma economia de mercado, mas a menos que o Estado seja subordinado aos seus interesses de classe, a economia de mercado permanece não-capitalista’. O livro Adam Smith in Pequim permanece prudentemente agnóstico quanto ao facto de o Estado chinês estar no processo de se

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transformar numa comissão para gerir os interesses nacionais da burguesia”, mas como prova que tal não aconteceu ainda, Arrighi menciona os esforços do governo para estimular a concorrência, o que resultou no que se assemelha mais com um mundo de capitalistas à Adam Smith que são levados pela concorrência implacável a trabalhar para o interesse nacional. Ele deixa-nos com a imagem de um Estado chinês autónomo a obrigar os seus capitalistas a concorrerem entre si e contra as empresas menores, distritais e das cidades, com a preocupação do desenvolvimento nacional.

Esta imagem sugere uma maior diferença entre o Estado e o capital do que a que existe realmente. Durante a era de Mao, o PCC e o seu aparelho de Estado dominaram completamente a economia, e o processo subsequente de privatização e de criação de grandes empresas ocorreu sob a firme supervisão do partido. Em consequência, a maioria do sector capitalista consiste no Estado reestruturado e nas empresas colectivas e a maioria das pessoas responsáveis são originárias do Partido e do seu aparelho de Estado. Dirigentes partidários poderosos, desde Hu Jintao e de Wen Jiabao, no topo da escala, até abaixo, às secretárias do partido nas empresas distritais, tem filhos que se tornaram ricos executivos nos negócios. Mesmo os capitalistas que começaram as suas carreiras como pequenos empresários, fora do sistema do Partido-Estado, tiveram que tecer relações próximas do poder político para terem sucesso. As organizações provinciais do partido, municipais e distritais, proporcionam redes de poder que incluem as autoridades e os capitalistas locais.

Nas intrincadas ligações entre o capital e o Estado na China, a influência flui em ambos os sentidos, e toda a tentativa de medir a extensão em que o capital é responsável poderia levar-nos a um outro debate - mas isto seria igualmente verdadeiro para cada um dos estados que Arrighi inclui no seu modelo de capitalismo ocidental. Quaisquer que fossem os resultados de tal debate, uma coisa é certa: uma característica distintiva do actual sistema chinês é a extensão com que o capital é organizado em torno do aparelho do Estado. Este é certamente o caso no topo do poder,

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entre as enormes empresas públicas que ocupam os sectores estratégicos e de monopólio da economia. Agora que estas empresas estão transformadas em grandes empresas cotadas na Bolsa que devem centrar a sua atenção sobre os ganhos líquidos, elas assemelham-se muito ao nível capitalista da hierarquia de Braudel. Na China, entretanto, a associação íntima entre o poder do Estado e o capital verifica-se de cima até abaixo do aparelho, do governo central ao governo regional e local, do governo das províncias ao governo das vilas, todos estão envolvidos na gestão das empresas estatais e colectivas e mantêm ligações muito estreitas com as suas reincarnações privadas.

Que a configuração actual do poder na China pode apropriadamente ser considerada um Estado capitalista é confirmado pelo forte apoio do governo à expansão do sector capitalista. A ocupação do sector do trabalho familiar e o violento e implacável desaparecimento das pequenas empresas pelas empresas maiores foi conduzida sobretudo pelos mecanismos de mercado mas foi também uma opção de política económica do Estado. Os líderes políticos da China não querem os antigos mercados de produtos, querem supermercados modernos, e as autoridades governamentais esperam identificar e apoiar os vencedores na concorrência económica. Esta expectativa estende-se para além da direcção do Partido que prepara os futuros campeões nacionais, desde os quadros do aparelho central do partido até aos quadros de todo o poder local, que são os impulsionadores inveterados das empresas locais bem sucedidas. Sob estas circunstâncias, é difícil distinguir, quer conceptual quer empiricamente, entre o desenvolvimento das estratégias do Estado e os interesses pecuniários das autoridades governamentais e do elevado número de empresários, que estão entre si ligados por uma miríade de elos desde a família até todas as outras.

Dois tipos de desigualdade

Arrighi sublinha e correctamente a importância do sistema peculiar da China no que se refere à posse dos terrenos rurais, o que impediu os indivíduos de vender a terra, impedindo a expropriação em grande escala

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dos meios de subsistência dos camponeses. Estas leis protegeram o sistema do trabalho familiar na agricultura da sua possível usurpação capitalista, mas não foram de todo incompatíveis com a concretização de relações capitalistas da produção no resto da economia, e permitiram vias significativas ao capitalismo nas áreas mais rentáveis do sector agrário. Embora muitos empresários se tenham sentido certamente frustrados por estas leis, e os empregadores do trabalho migrante veriam com agrado o influxo crescente dos trabalhadores itinerantes que a venda de direitos da terra produziria, o sistema da propriedade da terra estabelecido nos anos 80 serviu os interesses mais vastos do capital. Foi ele que evitou não somente a instabilidade social associada às enormes populações dos sem-terra mas permitiu igualmente que a produção rural em bens de subsistência suportasse os empregadores de trabalhadores migrantes, e permitiu igualmente a criação de um grande exército de reserva do trabalho rural a flutuar de acordo com as exigências das variações da produção capitalista. De facto, quando a decisão recente do PCC para promover a venda de direitos do uso da terra pode agora permitir que o capitalismo floresça no campo, mas pode igualmente ajudar a desestabilizar o sistema no seu todo.

O facto de que a China se ter transformado na fábrica do mundo é uma realização impressionante, que pode certamente ser atribuída em parte ao trajecto específico de desenvolvimento que o país seguiu. Arrighi tem razão ao distinguir as características que são parte do legado socialista do país:

Uma população que tem um razoável nível de instrução e de saúde e um campesinato que mantém a posse da terra. Estas, entretanto, não alteram o facto de o sector da economia que está a crescer de forma mais rápida e a concorrer com sucesso nos mercados internacionais estar a funcionar de acordo com os princípios capitalistas. De facto, as empresas neste sector podem concorrer com sucesso porque são capitalistas. Os empresários chineses e os seus sócios estrangeiros, com forte e efectivo apoio do Estado, criaram o que é - pelo menos até ao momento - o sistema mais eficiente de

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extrair a mais-valia. As características que fazem este sistema tão competitivo no mercado global são as mesmas que estão a produzir a polarização crescente das classes sociais na China.

As três ilações de Arrighi são estreitamente ligadas no seu modelo da Ásia Oriental mas não são necessariamente mutuamente dependentes. A China pode, sem dúvida, conduzir a Ásia Oriental a conseguir recuperar a sua posição como sendo a região economicamente mais dinâmica e rica do mundo, mas como as coisas estão neste momento, este desenvolvimento pode levar mais a mudar a forma do que a transcender a ordem capitalista existente. Além disso, parece improvável que a RPC possa ser capaz de recriar à escala do mundo o sistema de relações inter-estatais relativamente calmas entre a China, a Coreia e o Japão, a que a China presidiu durante diversos séculos.

Também não é ainda claro se China poderá usar a sua força industrial para alcançar uma posição mais elevada na hierarquia económica global. Enquanto Arrighi vê o governo chinês a fazer capitalistas, estrangeiros e nacionais, a concorrer no mercado mundial para acumular a riqueza da nação, outros vêem Wall-Mart fazer capitalistas na China e outros países também a competirem para extrair dos trabalhadores o máximo de produção para o mínimo de custos salariais. Mas se a China, com a sua vasta população, pode realmente deslocar-se da periferia para o centro da ordem económica mundial, esta deslocação reestruturaria significativamente a hierarquia global. Eu partilho da expectativa de Arrighi que tal mudança pôde contribuir para diminuir a desigualdade global extrema entre os países e as regiões que caracterizou a era da dominação do Atlântico Norte. Esta seria uma enorme e positiva mudança e por esta razão eu estou feliz em ver o peso de China na economia mundial aumentar. Mas se a reestruturação actual da ordem económica global terminará realmente por diminuir a desigualdade entre os países, o certo é que

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está certamente a agravar a desigualdade dentro dos países, e esta realidade é ainda mais evidente na China. Além disso, a capacidade actual da China no mercado mundial e a polarização crescente das classes sociais dentro do país são estreitamente ligadas. Ambas são produtos da transformação recente da economia da China, que criou um sistema de relações capitalistas da produção que é mais eficiente e mais brutal do que a maioria de todos eles.

I.2. AS LINHAS DE MUDANÇA NA CHINA, A NOVA ESQUERDA E A CRISE

Pankaj Mishra, “China’s New Leftist”, The New York Times, 15 de Outubro, 2006, disponível em http://www.nytimes.com/2006/10/15/magazine/15leftist.html?_r=1.

No início deste ano encontrei Wang Hui no café “Thinker’s” perto da universidade de Tsinghua em Pequim, onde é professor. Um homem compacto, de pequena estatura, já com algumas madeixas cinzentas no seu cabelo curto e uma cara agradável sempre pronta a abrir-se num sorriso, chegou, como doravante chegaria a todos os nossos encontros subsequentes, numa velha bicicleta, vestido de bombazina escura, casaco de camurça e uma camisola de gola alta preta, num estilo que não estaria deslocado num campus universitário americano.

Co-editor do principal jornal intelectual da China, o Dushu (Leitura), e autor de uma história em quatro-volumes sobre o pensamento chinês, Wang, ainda nos seus 40’s, surgiu como uma figura central num grupo de escritores e de académicos conhecidos como a Nova Esquerda. Estes intelectuais defendem “uma alternativa chinesa” à economia de mercado neoliberal, que garantirá o bem-estar para os 800 milhões de camponeses deste país, deixados para trás pelas reformas recentes. E, ao contrário da maioria da classe dissidente na China, que nasceu dos protestos na Praça de Tiananmen em

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1989 e que consiste maioritariamente em activistas dos direitos humanos e pró-democracia, Wang e a Nova Esquerda vêem a liderança comunista como uma força conducente à mudança. Acontecimentos recentes - o afastamento de líderes partidários no final do mês passado sob acusações de corrupção e os contínuos esforços para limitar os excessos do mercado - sugerem que esta visão não é nem utópica nem paradoxal. Embora os elementos da Nova Esquerda nunca tenham participado nas políticas do governo, as suas preocupações são crescentemente amplificados pelo Governo Central.

Nos anos mais recentes, Wang reflectiu eloquente e frequentemente sobre aquilo que os estrangeiros consideram ser o principal paradoxo da China contemporânea: um estado autoritário que promove uma economia de mercado livre mas assente num sistema socialista. Nesta primeira tarde, Wang pouco tempo dedicou a conversa de circunstância, passando quase imediatamente a uma análise dos problemas do país. Descreveu como o partido comunista, embora oficialmente empenhado nas questões da igualdade, tinha aberto a direcção do partido aos homens de negócios, ricos. Muitos dos seus representantes locais usaram, disse ele, o seu poder arbitrariamente para se transformarem em empresários bem sucedidos à custa das populações rurais que era suposto apoiarem e juntaram-se a especuladores em bens imobiliários para se apropriarem de terrenos detidos colectivamente pelos camponeses. (De acordo com as autoridades chinesas, 60 por cento das aquisições de terrenos são ilegais.) O resultado foi uma aliança da interesses das elites política e comercial, afirmou Wang, que fazem lembrar alianças similares nos Estados Unidos e em muitos países asiáticos de leste.

Enquanto descrevia como é que as reformas do mercado aumentaram a distância entre ricos e pobres, entre áreas rurais e urbanas, ao nosso redor estudantes bem vestidos percorriam uma colecção de obras intelectuais (Leo Strauss, Jürgen Habermas), consultavam o seu email e saboreavam o seu café moca. No ”Thinker’s”, um café privado, e na livraria vizinha “All Sages”, Wang aparentava ser famoso. Os estudantes cumprimentaram-no com reverência;

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o grupo de funcionários foi extremamente atencioso. Contudo, Wang ainda pertence a uma minoria. Distanciando-se dos excessos do maoismo e dos fracassos da velha economia planificada, a maioria dos intelectuais chineses, mesmo aqueles sem ligação ao Estado, vêem a economia de mercado como indispensável para a modernização e para o renascimento da China. Zhu Xueqin, um professor de história na universidade de Shanghai que é um dos intelectuais liberais mais conhecidos da China, disse-me que quer mais, não menos, reformas de mercado. Para ele, a instabilidade actual de China é causada não por forças económicas mas sim por um regime politicamente repressivo que impede a emergência de uma democracia representativa e de um governo constitucional.

Wang reconhece prontamente que o empenho da China na reforma económica não deixou de trazer grandes benefícios. Aplaude a primeira fase, a que durou de 1978 a 1985, por melhorar a produção agrícola e o nível de vida rural. É a actual obsessão do governo central em criar riqueza nas áreas urbanas - e a sua decisão em ceder a autoridade política a líderes locais do Partido, que frequentemente ignoram de modo explícito as directrizes do governo central - que conduziu, segundo ele, a desigualdades profundas na China. A adopção de uma nova economia de mercado neoliberal traduziu-se, para ele, no desmantelamento dos sistemas do Estado Providência, um alargar das diferenças entre os dos ricos e dos pobres e o aprofundar igualmente das crises ambientais não somente na China mas também nos Estados Unidos e nos outros países desenvolvidos. Para Wang, é a tarefa dos intelectuais lembrar ao Estado os seus antigos deveres por cumprir para com os camponeses e trabalhadores.

Apesar da sua invocação de princípios socialistas, Wang foi rápido em dizer-me que não gosta do rótulo de Nova Esquerda, mesmo que ele próprio a tenha usado. Os “intelectuais reagiram contra “ o esquerdismo” dos anos 80, responsabilizando-o por todos os problemas de China,” disse, e “ os radicais de direita usam a expressão Nova Esquerda para nos desacreditar,

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para que nos vejam como o que resta dos tempos do Maoismo.” Wang não se importa igualmente em ser identificado com os inteletuais radicais dos anos 60 na América e na Europa, a quem a expressão Nova Esquerda era inicialmente dirigida. Muitos deles tiveram, disse ele, a paixão e as palavras de ordem mas muito pouca experiência política e, não surpreendentemente, muitos deles acabaram por se juntar aos neoconservadores apoiando “projectos de fantasia” como a democracia no Iraque.

Wang prefere o termo “intelectual crítico” para si mesmo e para os seus colegas, alguns dos quais fazem igualmente parte do movimento emergente dos activistas na China rural, nos campos, trabalhando para aí aliviar a pobreza e reduzir os danos ao meio ambiente. Embora seja amplamente esquerdista, a Dushu publica artigos que abarcam um largo espectro ideológico. O próprio trabalho de Wang inspira-se num espectro alargado de pensadores ocidentais, do historiador francês Fernand Braudel ao teórico da globalização, Immanuel Wallerstein. “A qualidade intelectual é importante para mim,” referiu Wang. “Eu não quero publicar qualquer lixo esquerdista.” A revista publicou debates teóricos sobre a teoria pós-colonial assim como, reivindica, algumas das análises das mais importantes na China sobre o modo como as reformas do governo orientadas para as zonas urbanas prejudicaram a sociedade rural. Há limitações quanto ao que a Dushu pode publicar, naturalmente, e Wang é sincero sobre este assunto. Como com todos os jornais intelectuais na China continental, os autores e os editores da Dushu têm que exercer um certo grau de autocensura. Os artigos não podem directamente criticar a liderança ou afastarem-se muito da linha oficial nos assuntos que o governo chinês considera os mais sensíveis – a Formosa ou as minorias muçulmanas e budistas no Xinjiang e no Tibete.

“Eu tenho sido muito questionado pelos países ocidentais, ` como é que define a sua posição?”’ disse-nos Wang. À pergunta “`o senhor é um dissidente?’ Eu digo não. O que é um dissidente? É uma categoria da guerra-fria. E já não tem agora nenhum significado. Muitos dos dissidentes chineses na América podem já voltar para a China. Mas estes não o querem

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fazer. Estão a viver bem nos Estados Unidos. Às pessoas que me perguntam se nós somos dissidentes, eu digo, nós somos intelectuais críticos. Apoiamos algumas das políticas do governo e opomo-nos a outras. Tudo depende realmente do conteúdo das políticas.”

Nascido em Yangzhou na província sudoeste de Jiangsu, Wang tinha apenas 7 anos e acabara de entrar para o ensino primário quando a Revolução Cultural se iniciou, em 1966. O caos de uma década, que traumatizou gerações mais velhas, parece ter deixado memórias pouco incómodas para Wang. Recorda ser levado pela sua escola decidiu para trabalhar nas aldeias por uma semana ou duas durante o ano escolar. “A minha geração de intelectuais urbanos,” disse, com um certo ar de orgulho, “é a última a ter a experiência em primeira-mão das condições de vida no campo.”

Relembra os 20 meses em que trabalhou nas fábricas em volta de Yangzhou após a escola secundária como uma experiência valiosa. Em 1977, fez os primeiros exames após a Revolução Cultural para entrada na universidade, durante a qual muitas universidades foram fechadas ou nas quais eram admitidos somente camponeses, trabalhadores e soldados. “Milhares de aspirantes a estudantes,” lembrou, “estavam a concorrer para um único lugar.”

Quando se deslocou de Yangzhou para Pequim a fim de começar os seus estudos para doutoramento nos meados dos anos 80, Wang considerou-se como fazendo parte de uma classe ainda mais privilegiada. Os “intelectuais,” disse, “tinham sido o alvo durante o tempo de Mao; agora, no pós-Mao, eram de novo a elite”. E nessa altura, disse Wang, todos concordaram acerca do que era necessário ser feito: a China tinha que abandonar as suas tradições “feudais” e socialistas e alcançar o ocidente capitalista. Marcados pela revolução cultural, os intelectuais viram o socialismo na China como um fracasso. Consequentemente, acreditaram, argumenta Wang, que uma sociedade consumista de tipo ocidental poderia ser recriada com sucesso e seria ambientalmente sustentável na China. O Ocidente, especialmente os Estados Unidos, constituíam o ideal.

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Wang começou primeiro por desenvolver as suas próprias opiniões sobre a China contemporânea enquanto estava a trabalhar numa tese sobre um dos mais admirados escritores chineses modernos, Lu Xun (1881-1936). Lu Xun, explicou Wang, foi um escritor de esquerda, mas era também um escritor muito crítico dos escritores e dos activistas de esquerda. Criticou a tradição chinesa, mas foi igualmente um excelente erudito clássico. Deu as boas-vindas à ideia ocidental de progresso, mas foi igualmente céptico acerca dela. Os paradoxos em Lu Xun ajudaram Wang a ver que a modernidade chinesa não poderia ser uma simples questão de abandonar o velho e de abraçar o novo - como o tinha sido quer para os maoístas quer para os capitalistas do mercado livre.

Para Wang, os problemas associados com o desenvolvimento desigual de China foram primeiro identificados pelos manifestantes na Praça de Tiananmen em 1989. O próprio Wang, foi um dos últimos manifestantes a deixar a praça na manhã de 4 de Junho de 1989, à medida que os tanques do Exército de Libertação do Povo se aproximavam. Normalmente bastante rápido e circunstancial, Wang foi ficando cada vez mais animado enquanto descrevia no seu inglês fluente, se bem que ocasionalmente idiossincrático, como um “movimento social alargado” emergiu do trauma provocado pela terapia de choque das reformas do mercado. Os estudantes a exigir a liberdade de expressão e de reunião eram certamente os mais visíveis. Mas havia, referiu, muito mais chineses nas cidades - trabalhadores, funcionários públicos e pequenos empresários - a exigirem que o Governo controlasse a corrupção e a inflação, que tinha disparado até perto de 30 por cento após o abandono da gestão controlada dos preços dos produtos de primeira necessidade.

Na Primavera de 1989, Wang era um membro na prestigiada Academia das Ciências Sociais da China. Wang disse-me que viu “o potencial democrático” nos protestos e sentiu-se obrigado a participar mesmo que tenha tido reservas acerca da falta “de coerência teórica e de metodologia” dos estudantes. Para Wang, os líderes dos estudantes recordaram-lhe os

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intelectuais chineses do início do século XX, que nunca foram mais unidos do que quando rejeitaram radicalmente tudo o que se referia ao passado. Não obstante, depois de o governo ter procurado esmagar os dissidentes declarando a lei marcial a 20 de Maio de 1989, Wang envolveu-se ainda mais no movimento. Na noite de 3 de Junho, quando os tanques e os carros blindados atravessaram Pequim, matando centenas de resistentes desarmados e ferindo alguns milhares mais, Wang estava entre aqueles que se encontravam no centro da Praça de Tiananmen. Ouvia os disparos, mas alguns estudantes mais radicais tinham recusado sair.

Wang decidiu permanecer e tentar convencer os estudantes a não sacrificarem as suas vidas. “Sabia,” disse, “que se o resultado fosse a violência, seria desastroso para o todo o país.” Wang disse que os seus receios foram fundados: a violência reduziu o espaço para o debate político e o governo chinês usou o período de silêncio intelectual que se seguiu para começar a desmantelar mais mecanismos do Estado Providência, como as empresas públicas, que garantiram durante muito tempo benefícios para os trabalhadores, desde o seu nascimento até ao final das suas vidas.

Eventualmente, os estudantes que advogavam a retirada pacífica prevaleceram e persuadiram o Exército de Libertação do Povo a dar-lhes a passagem segura pelo lado sudeste da praça. Imediatamente antes do amanhecer, centenas de estudantes deixaram a praça através de um corredor estreito, empurrados e insultados por soldados hostis. No espaço de minutos, os estudantes dispersaram. Alguns deles foram depois presos e condenados a longos períodos de prisão; outros fugiram para Hong Kong e eventualmente para o Ocidente; muitos outros, como Wang, desapareceram por algumas semanas.

Quando Wang retornou a Pequim nos finais de 1989, as autoridades esperavam-no. “Esta foi a altura mais difícil para mim,” disse. Foi-lhe perguntado repetidamente: “A que organização pertencia? Quem eram os seus companheiros?” Depois dos interrogatórios que duraram longos meses,

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foi colocado na província noroeste de Shaanxi, onde dúzias de outros jovens eruditos de Pequim estavam já a ser submetidos - à maneira tipicamente chinesa - a “reeducação” pela sua sujeição às condições de vida rurais.

No caso de Wang, a punição pela pedagogia parece ter sido mais bem sucedida do que as autoridades chinesas poderiam ter antecipado. Wang data a sua “educação real” à altura que passou em Shaanxi, uma das regiões mais pobres da China. Ficou chocado pela óbvia disparidade entre as cidades litorais, a usufruírem então dos primeiros frutos da reforma económica, e as províncias. Ficou também chocado com sua própria ignorância e dos seus colegas no movimento social de 1989. “Nós não tínhamos ideia nenhuma do quanto a velha ordem em muitas regiões da China rural estava em crise profunda,” disse-nos.

O sistema comunitário de Shaanxi foi desmantelado como parte das reformas de Deng Xiaoping, e a terra foi redistribuída. Mas esta área não produziu nada de muito valor, nem sequer bastantes produtos alimentares. O aprofundamento da pobreza conduziu a um forte aumento na criminalidade e nos problemas sociais; surgiram conflitos violentes assentes em discórdias sobre terrenos; os homens dedicaram-se ao jogo, espancando e mesmo vendendo as suas esposas e filhas. Wang viveu numa aldeia ao nível do mar onde o seu dormitório era inundado frequentemente enquanto dormia. Muito do seu trabalho diário consistia em escrever os panfletos didácticos que advertem os camponeses contra os perigos do jogo e do crime; trabalhou igualmente na reconstrução de uma escola primária que foi destruída pelas águas das enchentes. “Foi durante esse ano,” disse Wang, “que me apercebi de quão importante era ainda o Sistema de Previdência Social e uma rede cooperativa para muitas pessoas na China. Esta não é uma ideia socialista. Mesmo as dinastias imperiais que governaram a China mantiveram um equilíbrio entre as áreas ricas e as pobres através dos impostos e da caridade.

As “pessoas confinam a experiência da China à ditadura comunista e aos fracassos da economia planificada e pensam que o mercado fará agora

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tudo. Não vêem quantas coisas funcionaram no passado e são populares para o comum dos cidadãos, como o seguro médico cooperativo nas áreas rurais, onde as pessoas se organizaram para se entre-ajudarem. Isto pode voltar a ser hoje útil, uma vez que o Estado já não investe nada em cuidados médicos nas áreas rurais.”

Muitas das pessoas pobres que Wang conheceu durante esse ano em Shaanxi viam-no como um homem educado de Pequim que poderia dizer aos mandarins do governo central para lhes mandar alguma ajuda. “Eu senti o peso deste papel,” disse Wang. “Eu não poderia dizer-lhes que não estava posição para fazer fosse o que fosse.” Wang voltou, disse-me, do seu exílio de 10 meses com um sentido apurado da distância entre o mundo dos intelectuais e o das pessoas comuns.

Durante o tempo que viveu em Shaanxi, o influente Journal of Literary Review denunciou a sua investigação sobre Lu Xun como um exemplo “da liberalização burguesa.” Contudo, Wang não teve nenhum problema ao voltar à vida académica.

Wang não gosta muito de falar sobre 1989. Queixa-se do “estereótipo” da China nos meios ocidentais, emergente de Tiananmen. No entanto, a nossa conversa sobre Tiananmen foi fora do comum. Ao viajar através das cidades chinesas, vi que era difícil conseguir que as pessoas falassem sobre isto. Quando Deng Xiaoping procurou enterrar para sempre os fantasmas de Tiananmen apelando para as reformas rápidas do mercado em 1992, pode bem ter calculado que a ideia de riqueza pessoal - e do acesso aos bens ocidentais de marcas de topo de gama - compensaria muitas pessoas que recentemente tinham enriquecido pela falta de democracia política. Se assim era, isto parece mostrar que ele tinha razão. A maior perturbação pública na China desde Tiananmen ocorreu em Agosto de 1992, quando centenas de milhares de chineses tentaram comprar acções na nova bolsa de valores de Shenzen.

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O esforço para criar riqueza nas áreas urbanas a partir de indústrias orientadas para a exportação - parte da política “deixem primeiro que alguns enriqueçam ”, anunciada por Deng Xiaoping e afirmada pelos seus sucessores - permitiu que a economia chinesa alcançasse uma taxa de crescimento média de 10 por cento e fez da China o quarto país industrial do mundo. Contudo, a China permanece um dos países mais pobres do mundo. Mais de 150 milhões de pessoas sobrevivem com um dólar por dia. Perto de 200 milhões de habitantes rurais estão a encher as cidades em busca de trabalho fracamente remunerado. Mais de quatro milhões de chineses participaram nos 87.000 protestos que se registaram em 2005, e estas estatísticas podem não exprimir inteiramente a raiva e o descontentamento da população chinesa, que vive com uma das desigualdades de rendimento mais elevada do mundo e com sistemas de saúde e ensino em degradação, assim como um sistema de impostos e de tributação arbitrário que é imposto pelos dirigentes partidários locais. Muita desta realidade, disse Wang, pode ser colocada aos pés “dos radicais de direita” ou dos economistas neoliberais que citam Milton Friedman e Friedrich Hayek (defensores dos mercados não regulados que inspiraram Ronald Reagan e Margaret Thatcher nos anos 80) e que defendem a integração da China na economia global sem ter em conta o custo social das privatizações em massa. E são eles, acrescentou Wang que se associaram à elite dominante e que dominaram os meios estatais.

Somente na última década, acrescenta Wang, os intelectuais da Nova Esquerda começaram a questionar a ideia de que uma economia de mercado conduz inevitavelmente à democracia e à prosperidade. Wang, que ajudou a criar o jornal académico “Xueren” (O Estudante) depois do seu regresso do exílio em 1991, estava bem posicionado para observar estes intelectuais. À medida que entraram em maior contacto com académicos e com pensadores ocidentais, tornaram-se mais conscientes dos problemas não apenas nas sociedades europeias e americanas mas igualmente nos países do pós-comunismo que estavam a tentar trazer as suas economias de planeamento central para situações mais próximas dos modelos neoliberais.

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A intenção da China em fazer parte da Organização Mundial do Comércio (o que fez em 2001) provocou debates inesperadamente acirrados entre os universitários. Como descreveu Wang, os termos do debate tinham mudado: “Muitas pessoas sabiam então que a globalização não é uma palavra neutra descrevendo um processo natural. Faz parte do crescimento do capitalismo ocidental, a partir dos tempos do colonialismo e do imperialismo.” O que não significa dizer que a Nova Esquerda passou a defender uma posição fácil de antiglobalização; tem sido crítica de posições recentes anti-Japonesas e anti-Americanas que se têm verificado nas classes médias urbanas chinesas - que Wang apelidou de “nacionalismo consumidor.” Isto representa, na opinião de Wang, o mesmo tipo de globalização que a América defende: “É realmente uma forma de hipernacionalismo, e é por isto que se ouve falar de tarifas e das penalizações sobre a China quando os interesses económicos americanos estão a ser atingidos.”

Wang fez uma pausa e, depois, continuou então: “Muitas pessoas aprenderam igualmente que a razão devido à qual a economia chinesa não entrou em colapso, à semelhança das economias dos tigres asiáticos em 1997, foi que o Estado foi capaz de a proteger. Agora, naturalmente, a China, com a sua economia virada para a exportação é mais dependente da ordem mundial ocidental, especialmente da economia americana, do que a Índia.”

Em Janeiro deste ano, Wang publicou um longo artigo de investigação em que expõe a situação dos trabalhadores numa fábrica da sua cidade natal, Yangzhou, uma cidade de aproximadamente um milhão de habitantes. De acordo com Wang, em 2004 o governo local vendeu uma rentável empresa pública que fabricava produtos têxteis a um promotor imobiliário da cidade de Shenzen, no Sul da China. As acções dos trabalhadores foram compradas por 30 por cento do seu valor real, e mais de mil trabalhadores foram despedidos como consequência de perdas decorrentes da má gestão da fábrica. Em Julho de 2004, os trabalhadores entraram em greve. Naquilo que Wang retratou como uma agitação sem precedentes na história de

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Yangzhou, os trabalhadores barricaram uma das principais auto-estradas, impediram o tráfego de autocarros e atacaram os portões dos edifícios do governo local.

Wang referiu que estava a ajudar os trabalhadores a processarem o governo local. Tinha estado a trabalhar numa fábrica próxima antes de entrar na faculdade e este facto fê-lo, disse, sentir uma ligação particular a estes trabalhadores. Lembrou-se de que o seu salário tinha sido baixo - menos de 2 dólares por mês à taxa de câmbio actual - mas, disse ele, o que era fundamental era que os trabalhadores que conheceu então sentiam-se seguros no seu trabalho. As pessoas pensam, disse, “que o mercado forçará automaticamente o Estado a tornar-se mais democrático. Mas isto não tem qualquer fundamento. Basta pensar na aliança que elites forjaram no processo de privatização. O Estado mudará somente quando estiver sob a pressão de uma grande força social, como os operários e os camponeses.”

A história de Wang sobre Yangzhou não é única. Há muitos relatos de como oficiais do governo local que controlam bens públicos acumularam fortunas com a privatização de bens do Estado. De acordo com um relatório recente redigido pelo activista Liu Xiaobo, mais de 90 por cento das 20.000 pessoas mais ricas na China têm familiares no Governo ou entre os oficiais de Partido Comunista Chinês.

Para Wang, a democracia não é uma simples questão de aumentar a liberdade política da classe média ou de criar direitos constitucionais para uma minoria já substancialmente dotada de poder devido às reformas do mercado. A democracia na China, disse ele, tem que ser baseada no consentimento e mobilização activos da maioria da sua população, e ser capaz de lhes assegurar justiça social e económica.

Contudo, para alguns intelectuais da Nova Esquerda, como Cui Zhiyuan, um amigo íntimo e colaborador de Wang que ensina ciência

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política na universidade de Tsinghua, há oportunidade na colisão entre o capitalismo e o socialismo. “Há mais espaço para novas ideias,” Cui disse-me enquanto descrevia porque tinha voltado à China depois de muitos anos nos Estados Unidos: “O sistema capitalista está fixo no Ocidente, mas as coisas ainda estão a fluir em países como a China e a Índia. Nós temos uma oportunidade histórica de construir uma sociedade não apenas melhor, mais também mais justa que no ocidente.” Para Cui, é importante esclarecer primeiro os conceitos. “Não é útil,” disse, “ver o socialismo e o capitalismo como opostos e separados. Ambos evoluíram juntos ao longo do século XX. Não existem somente os Estados Providência europeus; mesmo o capitalismo americano tem uma componente socialista, nascida de compromissos assumidos com os sindicatos.”

Nos últimos anos, Cui encontrou uma audiência receptiva e poderosa numa questão que está na base do estado socialista chinês: a posse colectiva da propriedade. Os economistas liberais chineses argumentam que a propriedade privada é sagrada e inviolável numa economia de mercado, uma ideia radical no contexto chinês. Num artigo que publicou em Dushu em 2004, Cui questionou esta noção, sublinhando a natureza essencialmente comunal da posse de propriedade. Mencionou a decisão de Thomas Jefferson de reformular os princípios de John Locke de vida, liberdade e propriedade substituindo-os por vida, liberdade e felicidade na Declaração de Independência.

“Jefferson reconheceu,” disse, “que os direitos de propriedade emanam da sociedade, não da natureza. Isso é a razão pela qual não existia nenhum artigo específico sobre direitos de propriedade na Constituição dos Estados Unidos, o que veio a ser introduzido mais tarde com a Quinta Emenda.” Cui referiu, com um enorme contentamento que o seu artigo tinha circulado extensamente entre os legisladores no Congresso Nacional do Povo Chinês, no Parlamento da China, em 2004. Tinha ajudado, disse ele, a provocar um debate que conduziu o Congresso a adoptar uma emenda de compromisso

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à Constituição, similar na sua redacção, à Quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que simplesmente estabelece que nenhuma pessoa “ seja privada de vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal.”

Nesta Primavera começou a tornar-se claro que a defesa da Nova Esquerda de um Estado Providência está a ter eco no seio da liderança comunista, que receia a instabilidade social e deseja consolidar o seu poder e legitimidade. Em Março, algumas semanas antes do meu encontro com Wang, o Congresso do Povo Chinês reuniu-se em Pequim e transformou-se inesperadamente num fórum para o primeiro debate ideológico aberto dentro do partido desde há anos. Os legisladores acusaram as autoridades governamentais de vender os interesses de China às forças de mercado. O sentimento anti-mercado foi de tal forma forte que legislação em defesa da propriedade privada e que concedia títulos de terrenos a agricultores – a favor da qual investidores estrangeiros na China e empresários chineses tinham feito lobby - não foi sequer discutida. Descrevendo os principais novos investimentos em áreas rurais, o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, sublinhou que “construir um espaço rural socialista” era “a principal tarefa histórica” do Partido Comunista Sublinhou igualmente as etapas para equilibrar o crescimento económico com a protecção ambiental.

Um jornalista alemão disse-me que tinha sido o discurso mais à esquerda que tinha ouvido de um líder chinês ao nível do Governo Central durante os seus oito anos em Pequim: “nem mesmo os políticos americanos e europeus falam na realização de um produto per-capita verde”. Wang concordou. Disse que estava igualmente satisfeito por ver o presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao preocuparem-se com as relações com os países asiáticos. “Nós estivemos demasiado obcecados com os Estados Unidos durante a governação de Jiang Zemin,” disse. “Precisamos realmente de melhorar as nossas relações com o Japão e com a Índia. Pertencemos a antigas e distintas civilizações e não podemos apenas ser simples seguidores e imitadores da América.

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É uma grande realização,” acrescentou sorrindo, “que o primeiro-ministro tenha abertamente admitido que os sistemas de cuidados médicos e educação são um fracasso. Nunca tal tinha acontecido antes.” Wang pensa que o governo foi sincero sobre a erradicação da pobreza rural. Mas continuava cauteloso. “Houve tanta descentralização na China,” disse, “que não é fácil traduzir a política do governo central em acção.” No mês passado, no primeiro afastamento de um alto membro do partido desde 1995, a liderança central removeu o chefe do partido de Shanghai sob acusações de corrupção, levando a especular se haveria ou não uma reconfiguração das relações entre o governo central e os líderes provinciais e talvez mesmo uma mudança na política para por em prática sistemas de segurança social e reduzir a poluição. Wang permaneceu céptico. “O exemplo de Shanghai é pelo menos encorajador” Wang referiu numa mensagem recente de email: “ penso que daqui haverá alguns resultados políticos, mas são resultados em vez de razões.”

Os perigos não conseguir melhorar as condições de vida da maioria são muito claros para Wang: “Se nós não melhoramos a situação, haverá mais autoritarismo. Nós já vimos na Rússia como as pessoas preferem um governante mais forte como Putin porque estão cansadas da corrupção, caos político e estagnação económica. Quando a mercantilização radical faz as pessoas perder o seu sentimento de segurança, a procura de ordem e de uma intervenção superior é inevitável.”

Ao atacar os governos locais corruptos, a Nova Esquerda parece frequentemente querer instituir o grande governo fraternal ao estilo dos políticos autoritários. A concordância crescente entre a retórica socialista do Governo Central e as ideias da Nova Esquerda deixa certamente muitos inquietos. A conhecida escritora de Taiwan, a democrata Lung Yingtai, disse-me no início desse ano que estava preocupada com o facto dos intelectuais da Nova Esquerda parecerem demasiado próximos ideologicamente do regime Comunista. Levando este ponto de vista um pouco mais longe, Liu

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Junning, um teórico político liberal popular que abandonou a China em 1999, depois de ter sido colocado na lista negra pelo governo chinês mas que entretanto regressou, tem afirmado que a Nova Esquerda é um outro nome para a velha guarda nacionalista do partido comunista, que tem sido inspirada pelo ódio ao Ocidente.

Enquanto isto parece um exagero, Wen Tiejun, um antigo funcionário do Governo que gere projectos de reconstrução rurais e que é identificado com a Nova Esquerda, participou no que ele próprio chama de “sessões de reflexão” com Hu Jintao e Wen Jiabao. Tipicamente, os intelectuais dos países comunistas (Vaclav Havel ou Adam Michnik, por exemplo) ganharam a sua autoridade moral ao assumir uma posição crítica face ao Estado todo-poderoso. Como é que os pensadores da Nova Esquerda na China ajustam o seu relacionamento com um Estado que encarcerou muitos dos seus colegas e mostra geralmente pouca tolerância a críticas ao partido?

Quando coloquei esta questão a Cui, ele perdeu momentaneamente a sua maneira de estar exuberante. “É uma pergunta muito importante,” disse. “Como tratar moral e intelectualmente o governo. Este é para nós um grande desafio.”

Cui não considera o regime comunista como uma “totalidade.” Havia, disse ele, muitos aspectos diferentes, quer a nível local quer central. “Quase diariamente,” acrescenta Cui o “New York Times publica artigos sobre camponeses que se agitam contra o governo Comunista, mas se escutar o que os camponeses estão a dizer, eles estão a dizer ao governo central que o governo local violou os seus direitos. Assim, mesmo os camponeses podem ver os diferentes aspectos do Estado, os que os apoiam e os que não apoiam.”

Wang Xiaoming, professor de estudos culturais na universidade de Shanghai, posiciona-se à direita de Wang Hui mas diz que simpatiza com a atitude pragmática da Nova Esquerda para com o regime Comunista. “A sociedade civil é muito fraca na China,” disse, “e uma vez que o governo é o

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agente mais activo da mudança, temos que pressionar o governo para fazer o que deve fazer além de pressionar o governo para ceder alguns dos seus poderes.”

Quando me encontrei com Wang Hui pela última vez, recusou qualquer ideia sobre a crescente influência da Nova Esquerda sobre o regime. “O que nós tentamos fazer é criar uma situação intelectual na qual novas políticas podem ser exploradas,” disse. “Eu sei que muitos líderes lêem o artigo de Wen Tiejun; leram igualmente o artigo de Cui sobre os direitos de propriedade. Houve outros artigos na Dushu que foram igualmente influentes, e eu estou satisfeito quanto a isso. Mas nós não temos nenhuma outra ligação com o regime.”

Wang parece igualmente não sentir nenhuma ansiedade quanto à convergência ideológica com o regime poder transformar os intelectuais da Nova Esquerda em analistas e conselheiros pro-governamentais, o que faz parte de uma velha tradição chinesa de intelectuais aconselharem o Estado. “Nós olhamos para as coisas de uma perspectiva naturalmente chinesa, mas nós tentamos igualmente pensar para além da estrutura do Estado-nação,” afirmou. “As pessoas perguntam no Ocidente, como pode a China desenvolver o capitalismo com um estado autoritário? Mas isso é ignorar como é que o capitalismo moderno cresceu no Ocidente, sem muita democracia e com a ajuda do imperialismo e do colonialismo. É de questionar se este modelo económico único do Ocidente pode ser globalizado sem grandes guerras e sem a destruição do ambiente. Esta não é uma questão abstracta. A China parou de abater as suas florestas, muitas das quais já desapareceram, mas algum país ainda tem que produzir a madeira para o consumo chinês.”

No nosso último encontro, Wang falou igualmente um pouco mais sobre um assunto que Cui tinha discutido comigo: como é que a ascensão da China e da Índia traz novos desafios e possibilidades com implicações profundas para o mundo em geral. “As sociedades ocidentais dominaram

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nestes dois últimos séculos e deram forma ao mundo com as decisões que tomaram” disse. “A China e Índia desempenharão agora papéis igualmente cruciais neste novo século. Mas quais serão? Eu penso que é muito importante para os intelectuais chineses e indianos não se limitarem a imitar o Ocidente. Têm que explorar alternativas ao modelo ocidental da modernidade. Se não o fizerem, os “consumidores nacionalistas” já estão a afirmar: `a América dominou, agora é a nossa vez.”’

Wang riu, e acrescentou: “isto não é interessante.”

O artigo mais recente de Pankaj Mishra para a revista foi sobre os exilados do Tibete. A sua última obra é “Temptations of the West: How to be Modern in India, Pakistan, Tibet and Beyond.”

I.3. AS ORIGENS DO NEOLIBERALISMO NA CHINA,

VISTAS PELA NOVA ESQUERDA

Wang Hui, “As Origens do Neoliberalismo na China”,

12 de Outubro, 2007,

disponível em http://www.esquerda.net/index.php?option=com_

content&task=view&id=4218&Itemid=40.

A repressão do movimento de 1989, na Praça Tiananmen, marcou uma viragem na história chinesa.

Esta mobilização abusivamente reduzida pelos comentadores a um protesto estudantil e liberal tocou camadas bem mais vastas da população, portadoras de uma dupla reivindicação, social e política. O esmagamento do movimento permitiu a aceleração da “transição” chinesa para a economia de mercado através de condições autoritárias, com um aumento das desigualdades.

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Análise de Wang Hui, publicada pelo Le Monde Diplomatique, em Abril de 2002.

Desde o final dos anos 70, e sobretudo desde 1989, o governo chinês empenhou-se numa política de liberalização radical e juntou-se aos mais entusiastas actores da mundialização. Se as reformas que instauraram uma economia de mercado foram abundantemente comentadas, a interacção entre o Estado e os mercados, pelo contrário, quase não chamou a atenção. Ora as reformas, em particular a do urbanismo posta em prática a partir de 1984, desencadearam uma redistribuição das riquezas: a transferência e a privatização dos recursos, detidos até aí pelo Estado, beneficiaram novos grupos de interesses privados, que desviaram o processo reformador para os seus próprios objectivos. Apareceram fortes desigualdades, como testemunha o desmantelamento da protecção social, o fosso crescente entre ricos e pobres, o desemprego em massa e o êxodo das populações rurais para as zonas urbanas.

Nada disto poderia ter acontecido sem a intervenção do Estado, que manteve o sistema político activo, e se desobrigou de outras funções que exercia na sociedade. Este dualismo entre continuidade política e descontinuidade económica e social confere ao neoliberalismo chinês um carácter particular. Um dos objectivos principais do poder era resolver a sua crise de legitimidade, o que foi posto em evidência pelo movimento social de 1989. Depois, o discurso neoliberal tornou-se hegemónico, impedindo qualquer debate sobre diferentes perspectivas e alternativas. A entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) marcou a última etapa deste processo1. Para compreender a sua origem, é preciso voltar às transformações económicas que tiveram lugar entre 1978 e 1989 e analisar o papel do Estado na passagem à economia de mercado. A derrota do movimento social de 1989, cujas aspirações sociais e democráticas foram esmagadas a 4 de Junho na Praça Tiananmen, representa o momento decisivo desta evolução.

1 Ler “Gagnants et perdants de l’ouverture chinoise”, Françoise Lemoine, Abril, 2002, disponível em http://www.monde-diplomatique.fr/2002/04/LEMOINE/16311.

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Se a maior parte dos estudos puseram em evidência o papel dos estudantes, dos intelectuais e dos núcleos “reformistas” dentro do Estado, na realidade, o movimento social mobilizou sectores muito mais vastos da sociedade. Os estudantes, bem entendido, desempenharam um papel, porque a libertação intelectual e as “Luzes” dos anos 1980 tinham minado as antigas ideologias e aberto novas perspectivas ao pensamento crítico. Mas a espontaneidade e a amplitude da mobilização de 1989 mostram que a sua origem social era muito mais ampla e diversificada.

De facto, os intelectuais revelaram-se incapazes de propor objectivos sociais realistas; estes não compreenderam plenamente a real profundidade deste movimento. Constituindo o Estado socialista o seu alvo principal, o pensamento crítico não viu nem compreendeu as características particulares das novas contradições sociais: enquanto o Estado maoísta mantinha, através da coacção e da planificação, uma desigualdade sistémica sob uma capa de igualdade, o novo “Estado reformador” transformava esta desigualdade em diferenças de rendimento entre as diferentes camadas da sociedade. Os críticos não perceberam as tendências socialistas profundas que animavam a contestação dos anos 1980: não era o “socialismo” da antiga ideologia de Estado caracterizada pelo monopólio, mas um socialismo novo, ainda balbuciante, aspirando à protecção social, à igualdade, à justiça e à democracia, num contexto de desenvolvimento rápido do mercado.

Apesar da sua diversidade ideológica, o movimento era no conjunto dirigido contra o monopólio e os privilégios; batia-se pela democracia e pela protecção social. Com excepção dos camponeses que não estiveram directamente implicados, ele atraiu pessoas de todas as classes, nas zonas urbanas, médias e grandes. Esta mobilização muito vasta de sectores representativos de uma grande parte da sociedade fez aparecer à luz do dia as contradições existentes no seio do Estado.

Podem-se distinguir duas fases nas reformas. A primeira, entre 1978 e 1984, tem a ver com as zonas rurais. O aumento do preço dos produtos

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agrícolas, o incentivo ao consumo e ao desenvolvimento da indústria local reduziram progressivamente a diferença de rendimentos entre as cidades e os campos. Se a introdução parcial de mecanismos de mercado desempenhou um papel importante nesta evolução positiva, as reformas estavam assentes nas práticas tradicionais chinesas de repartição da terra obedecendo a princípios de igualdade. A produtividade agrícola aumentou e, durante algum tempo, a polarização entre zonas urbanas e rurais foi atenuada. Em 1984 começou uma segunda fase, urbana e geralmente considerada como decisiva para o desenvolvimento da economia de mercado. Do ponto de vista social, este período foi caracterizado pela “descentralização do poder e dos interesses” (fangquan rangli): um processo de redistribuição das vantagens sociais e dos interesses económicos, pela via da transferência para os interesses privados de recursos antes controlados e coordenados pelo Estado2. As despesas públicas baixaram fortemente depois de 1978 e os governos locais viram ser-lhes concedido um poder e uma independência acrescidos3.

“Caçadores de rendas”

Como sublinha o sociólogo Zhang Wali, a descentralização “não levou, de forma nenhuma, o poder das entidades públicas a iniciar a repartição dos rendimentos da população; apenas reduziu o poder do governo central (...) A ingerência administrativa na vida económica, longe de ter sido reduzida foi, pelo contrário, reforçada. Além disto, a ingerência administrativa tornou-se ainda mais directa do que aquela que era exercida pelo governo central. A descentralização não significou o desaparecimento da tradicional economia

2 Ler Zhang Wali, “Twenty Years of Research on Social Class and Strata in China”, Shehuiwue janjiu, Pequim, 2000.3 Ler Wang Shaoguang, “La construction d’un Etat démocratique puissant - “type de régime” et “capacité d’Etat”, in Dangdai zhongguo yanjiu zhongxin lunwen [Essais du Centre de recherches sur la Chine contemporaine], vol. 4, 1991.

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planificada, mas a simples miniaturização desta estrutura tradicional”4.

A tónica foi posta sobretudo na reforma das empresas do Estado: em primeiro elas dispuseram de uma maior independência e foram encorajadas a reorganizar as suas actividades, a mudar o seu modo de gestão. Depois, sob a pressão de um desemprego crescente, o Estado preferiu a transferência de activos ao encerramento de empresas, mantendo a orientação fundamental para a economia de mercado. O conjunto do processo - fusões, transferências de activos e encerramento de empresas - transformou as relações de produção. Uma vez que o Estado começou a renunciar às suas prerrogativas nos domínios industrial e comercial, passando da elaboração e aplicação do Plano para um ajustamento macroeconómico, as desigualdades e de acordo com a distribuição dos recursos próprios característica do antigo sistema, explodiram, traduzindo-se imediatamente por novas desigualdades entre camadas sociais e entre indivíduos.

Isto era quase inevitável, na ausência de controlo democrático e de um sistema económico apropriado. A posição e os interesses dos trabalhadores, e mesmo dos funcionários, foram seriamente desbaratados. Disto, são testemunho o enfraquecimento do seu papel económico, a polarização no seio de uma mesma camada da sociedade, a estagnação dos direitos sociais e dos rendimentos operários. Sem falar da ausência de qualquer segurança no emprego para pessoas idosas, fracas, doentes, deficientes e mulheres grávidas5. As reformas adquiriram apesar disso uma legitimidade, devido aos seus efeitos inegavelmente libertadores e ao debate intelectual que suscitaram. O Estado não deve a sua estabilidade somente devido à coerção,

4 Ler “Twenty Years...”, op. cit., pp. 28-29.5 Ler Zhao Renwei, “Quelques aspects particuliers de la répartition des revenus en Chine pendant la transition”, in Zhao, Recherches sur la répartition des revenus au sein de la population chinoise, Pequim, 1994. Feng Tongqing et al., “La situation des travailleurs chinois, structure interne et relations mutuelles”, Zhongguo sheshui chubanshe, Pequim, 1993 e Zhang Wanli, “Twenty Years...”, op. cit.

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mas igualmente ao facto de que soube manter esta dinâmica.

Em meados dos anos 1980, a inflação galopante, a ameaça de caos económico e de instabilidade social em grande escala relançaram o debate: que via escolher entre, de um lado, uma reforma radical da propriedade e a privatização geral das empresas públicas, e de outro, um ajustamento estrutural, enquadrado pelo Estado e uma liberalização parcial dos preços? A escolha foi pela segunda opção, que foi bem sucedida, no conjunto, porque a reforma dos preços constrangeu os antigos monopólios a adaptarem-se, estimulando os mecanismos de mercado. A importância do sucesso sobressai claramente, quando se compara estes resultados com os resultados da “privatização espontânea” na Rússia.

Mas esta escolha criou igualmente um conjunto de problemas. A China aplicava um “duplo sistema de preços”, sendo os dos meios de produção fixados pelo Plano e os dos bens de consumo pelo mercado. Estes dois níveis facilitaram a corrupção dos quadros do Estado e dos organismos oficiais. Os recursos detidos pelo Estado foram “legalmente” e ilegalmente transferidos para o benefício dos interesses económicos de uma pequena minoria. Nesta troca entre poder e dinheiro, uma parte das riquezas do domínio público entrou para os bolsos dos “caçadores de rendas”6. Mais ainda, a extensão em 1988, do sistema de “contratos”, que permitiu às empresas do Estado, aos governos locais e aos ministérios [bumen] concluir acordos comerciais e financeiros com o estrangeiro, provocou uma pressão inflacionista e o aparecimento de desigualdades, ao transformar “produtos do Plano” em produtos do mercado7.

6 Ler Hu Heyuan, “Une estimation de la valeur de la rente en Chine en 1988”, in Jingji tizhi bijiao, Systèmes économiques comparatifs, vol. 7, 1989.7 Ler Guo Shuqing, “Transformation du système économique, macro-ajustements et contrôle”, Tianjin renmin chubanshe, 1992, p. 181.

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Para enfrentar estas dificuldades, o poder anunciou em Maio e Junho de 1988 que ia acabar com o duplo sistema de preços e orientar-se para a sua liberalização geral. Isto provocou uma situação de pânico e importantes tumultos sociais, que forçaram o governo a retomar um controlo mais apertado da economia. De repente, as contradições exacerbaram-se entre o Estado e as identidades que ele próprio tinha criado - os grupos de interesses privados, ao nível local e nacional.

O aparecimento de graves desigualdades sociais foi determinante para o desencadeamento do movimento social de 1989. Nas zonas urbanas, as diferenças de rendimento tinham-se alargado gravemente: os rendimentos dos operários tinham caído ao ponto de ameaçar a sua “malga de arroz”. O desemprego tinha aumentado entre os trabalhadores das empresas do Estado (sem atingir contudo o nível dramático de hoje), a inflação tinha agravado o custo de vida, enquanto as conquistas sociais estagnavam. Os trabalhadores não eram as únicas vítimas: este fenómeno tinha igualmente afectado a vida quotidiana dos funcionários médios, provocando um alargamento das diferenças de dos rendimentos entre estes e as outras camadas da sociedade, e entre os funcionários, entre os que entravam para “o mercado e os que permaneciam no sector público8.

A estagnação da reforma rural após 1985 não fez senão acentuar a desilusão crescente quanto ao programa de reformas. Se acrescentarmos a tudo isto o exacerbamento dos conflitos de interesses dentro do próprio Estado, todos os ingredientes estavam reunidos para uma verdadeira crise de legitimidade. A opinião pública chinesa não aprovava a economia planificada. Mas a transformação do sistema, iniciada no final dos anos 1970, gerou a desconfiança, logo que as novas desigualdades começaram a aparecer à luz do dia. A legitimidade das reformas, o seu fundamento político e legal foram então postos em causa.

8 Sobre as mudanças entre os quadros antes e depois das reformas, ler Li Qiang, “Stratification et mouvement dans la société chinoise contemporaine”, Zhongguo jingji chubanshe, Pequim, 1993.

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Os estudantes e os intelectuais reivindicavam essencialmente direitos constitucionais, uma política democrática viável, liberdade de imprensa, liberdade de reunião e a existência de um Estado de direito. Queriam ser reconhecidos, enquanto movimento estudantil patriótico legal. Outras camadas da população apoiavam estas reivindicações, mas dando-lhes um conteúdo social muito mais concreto: opunham-se à corrupção e às malfeitorias dos responsáveis, atribuíam as culpas à classe privilegiada e exigiam estabilidade dos preços, direitos e justiça sociais, assim como o retomar do controlo nacional sobre zonas francas concedidas ao capital estrangeiro, como por exemplo, de Yangpu na ilha Hainan. As reivindicações democráticas eram acompanhadas com a reivindicação de uma repartição mais justa das riquezas.

A contestação instrumentalizada

Criticando claramente o “antigo” regime, o movimento dirigia as suas reivindicações ao “novo Estado reformista” e contestava a sua política. A distinção entre os dois não implicava uma descontinuidade do Estado, mas uma transformação nas suas funções. O “novo Estado reformista” dependia de facto inteiramente da herança política do “antigo”.

No conjunto, o movimento representou uma reacção espontânea de autoprotecção social e de protesto contra o autoritarismo. Entretanto, o movimento contava, entre as suas diferentes componentes, com grupos de interesses privados que recentemente tinham sido os grandes vencedores da descentralização do poder e das riquezas. Estes grupos avançaram com as suas próprias reivindicações, exigindo ao governo que aplicasse um programa de privatização radical. Instrumentalizaram o movimento para modificar a relação de forças no governo, no sentido que lhes interessava (grupos económicos como a Kanghua Company e a Sitong Company exerceram fortes pressões). O mesmo fenómeno deu-se entre os intelectuais estreitamente ligados ao poder de Estado.

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Aos olhos do mundo, os neoliberais arvoram-se em contestatários do regime lutando contra a “tirania” e pela “liberdade”. Dissimularam as suas relações complexas com o poder, no qual se apoiavam para desenvolver o mercado interno e fazer passar a sua política de descentralização e privatização das riquezas. Na ausência de controlo democrático, esta confiscação dos recursos foi “legalizada” pelo recurso a novos dispositivos legislativos. Devido à ligação entre o “neoliberalismo” chinês e a ordem mundial, estes “reformadores radicais” impuseram a sua própria leitura do movimento social de 1989, que apareceu como a expressão do avanço do liberalismo económico.

Não se pode explicar os acontecimentos com um esquema “pró ou contra” as reformas. O debate entre os neoliberais e as outras componentes do movimento era, não sobre a reforma enquanto tal, mas sobre a sua natureza. Se todos apoiavam a ideia de reformas políticas e económicas democráticas, as diferenças estavam no conteúdo e no que se podia esperar delas. A maioria dos contestatários desejava uma reorganização de fundo da política e do sistema jurídico, que garantisse a justiça social e uma verdadeira democratização da vida económica. Estas aspirações entravam em conflito, sobretudo, com as dos grupos dos interesses privados.

Como se sabe, o combate pela democracia, pela igualdade e pela justiça social foi esmagado pela violência de Estado na praça Tiananmen, aniquilando as possibilidades históricas de que o movimento era portador. Mas a sua derrota é o resultado também, indirectamente, do facto de ele não ter sido capaz de estabelecer uma ponte entre reivindicações democráticas e reivindicações sociais. Nem foi capaz de se constituir como uma força social estável.

É preciso situar o movimento no contexto global de desenvolvimento dos mercados e da emergência de forças sociais contestatárias ao sistema mundial dominante. Faz parte de um processo que conduziu aos movimentos de protesto contra a OMC em Seattle, em Novembro-Dezembro de 1999,

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e contra o FMI em Washington, em Abril-Maio de 2000. Todas estas mobilizações exprimiram uma esperança utópica de igualdade e de liberdade. Em vez de reconhecer esse duplo significado do movimento de 1989, o discurso dominante fez a prova da excelência do modelo ocidental. O fenómeno foi esvaziado do seu conteúdo e da sua força crítica. Foi desapossado da sua importância histórica, enquanto protesto contra as novas relações de poder, contra a nova hegemonia e a nova tirania (e não só contra a antiga).

Depois de Tianmen, a contestação social foi comprimida num espaço muito reduzido e o discurso neoliberal tornou-se hegemónico. Em Setembro de 1989, o governo pôs em prática a reforma dos preços que não tinha conseguido impor alguns anos antes. E a seguir à viagem de Deng Xiaoping pelo Sul, em 1992, acelerou a passagem à economia de mercado. A política monetária tornou-se um importante instrumento de controlo e a taxa de câmbio foi ajustada, afim de promover as exportações. A concorrência à exportação levou ao aparecimento e ao desenvolvimento das empresas de gestão, as diferenças de preço devidas ao “duplo sistema” diminuíram, o distrito de Pudong, em Xangai, foi aberto ao desenvolvimento e novas “zonas de desenvolvimento” depressa surgiram por todo o lado.

Nos anos que se seguiram, as desigualdades entre camadas sociais e entre regiões aprofundaram-se, uma nova população de pobres não cessou de aumentar9. Irrecuperável, a antiga ideologia foi substituída pela estratégia chamada de “fortes em duas frentes” (ideológica e económica) [liangshou ying] que, conjugando-se com as reformas económicas, se tornou um novo modo de tirania. O “neoliberalismo” substituiu a ideologia de Estado como ideologia dominante, dando a sua orientação e a sua coerência às escolhas do governo, à sua política externa e aos novos valores dos media.

9 Ver os trabalhos do grupo de investigações económicas sobre a repartição dos rendimentos da Academia chinesa das Ciências Sociais. Zhao Renwei et al., “Recherches sur la répartition des revenus en Chine”, Zhongguo sheshui kexue chubanshe, Pequim, 1994.

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A passagem a uma sociedade de mercado não suprimiu as causas do movimento social de 1989. Legalizou-as. Os imensos problemas sociais dos anos 1990 - a corrupção, a especulação imobiliária, o declínio da protecção social, o desemprego, a mercantilização do trabalho rural, as migrações em massa dos campos para as cidades10, as crises ecológicas, etc. - estão intimamente ligadas às condições sociais prévias a 1989. A mundialização agravou estes problemas, a sua amplitude e a sua extensão geográfica. Em resumo, o desenvolvimento dos mercados conduziu à polarização social e a um desenvolvimento desigual, desestabilizando assim os fundamentos da sociedade. Contribuiu para “fazer a cama” ao novo autoritarismo.

Certamente que as reformas e a abertura económicas não tiveram só efeitos negativos. Elas emanciparam a China dos seus constrangimentos e dos impasses causados pela Revolução cultural. Iniciaram um desenvolvimento económico real e importante. Tiveram efeitos libertadores. É por isso que os intelectuais chineses as saudaram. Mas, se nos colocarmos num ponto de vista histórico, elas deixaram profundas cicatrizes.

Para a geração que cresceu depois da Revolução cultural, o único saber válido vem do Ocidente, mais precisamente dos Estados Unidos. A Ásia, a África, a América Latina, para não falar da Europa, lugares cimeiros do conhecimento e da cultura, saíram da órbita intelectual chinesa. O repúdio pela Revolução cultural tornou-se um meio de defender a ideologia dominante e a política governamental: qualquer crítica ao neoliberalismo é taxada de “regressão irracional”, enquanto os críticos do socialismo e da tradição chinesa são mobilizados para justificar a adopção de modelos de desenvolvimento ocidentais e de discursos teleológicos sobre a modernização.

10 Ver Wang Hui, “Etude du développement urbain et de ses antécédents”, Shehuixue yanjiu, vol. 1, 2000.

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A China não pode, no entanto, contentar-se em medir-se com o desenvolvimento histórico do capitalismo ocidental. Pelo contrário, este capitalismo deve ser submetido à crítica, não por prazer, mas para avaliar com um novo olhar a trajectória chinesa e mundial e descobrir as possibilidades novas que a história nos oferece. Não se trata de rejeitar a experiência da modernidade, que é, antes do mais, um movimento de libertação em relação à teleologia histórica, ao determinismo e ao fetichismo do sistema anterior. Trata-se de fazer das experiências históricas da China e de outros países recursos de onde extrair a inovação teórica e prática.

Em termos históricos, o movimento socialista chinês foi um movimento de resistência e de modernização. Para compreender as dificuldades da luta chinesa pela igualdade e pela liberdade, é preciso hoje questionar a nossa trajectória de modernização e encontrar vias democráticas e sociais, capazes de evitar a polarização e a desintegração.

Traduzido do Francês por Carlos Santos

Nota dos Editores. Wang Hui nasceu em 1959, é professor de literatura chinesa na Universidade

Tsinghua em Pequim e foi editor, em conjunto com Huang Ping, da revista Dushu (Leituras) entre

Maio de 1996 e Julho de 2007. Participou nos protestos de 1989 da Praça Tiananmen, tendo sido

depois desterrado para uma região pobre, durante alguns anos para “reeducação”. Visto no ocidente

como uma das faces da “nova esquerda” chinesa, afirma que ele e as pessoas como ele não consideram

correcta essa classificação, por duas razões: primeira porque não pretendem “ser associados com a

Revolução Cultural”, segunda porque consideram “duvidoso” que a expressão importada do ocidente,

das realidades europeia ou norte-americana, se aplique à actual realidade chinesa.

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© China Blue, 2007.

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II. IMAGENS DE PEQUIM, DE LONGE E, AFINAL, DE TÃO PERTO

II.1. UM MUNDO, UM SONHO: UMA PRIMEIRA LEITURA

Excerto de John Chan, “Beijing Olympics celebrate the capitalist market and nationalism”,

8 de Agosto de 2008, disponível em http://www.countercurrents.org/chan080808.htm.

A cerimónia de inauguração dos Jogos Olímpicos em Pequim foi preparada com cuidado pelo regime do Partido Comunista Chinês (PCC) ao longo destes últimos sete anos para ser o paradigma da ascensão de China como nova potência económica. Tal como todos os Jogos Olímpicos precedentes, mas numa escala muito maior, o acontecimento foi uma festa perdulária de 43 mil milhões de dólares, neste caso para a nova elite capitalista da China celebrar a sua subida ao palco mundial.

A cerimónia foi programada para incluir tantos números “8” quanto possível - 8 horas e 8 minutos da noite, de 8 de Agosto, do ano de 2008, repercutindo sem pudor o slogan do capitalismo chinês: “Enriqueçam, enriqueçam, enriqueçam!” Não muito depois de Deng Xiaoping ter iniciado as reformas da economia de mercado em 1978, o número “8” (que se pronuncia “ba” em chinês) tornou-se o número da sorte para a riqueza porque soa de forma muito semelhante em pronúncia à palavra chinesa que significa prosperidade (“fa”). O objectivo não é apenas dar um sinal claro às elites capitalistas nacionais, mas também aos líderes empresariais do mundo global: se quiserem enriquecer, venham para a China - este é o lugar das oportunidades de investimento e de negócios.

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Porém, escolher o mês quente de Agosto, em vez dos meses de clima moderado do Outono, Setembro ou Outubro, significa que as autoridades têm que se confrontar com a pesada névoa de poluição atmosférica, que é particularmente forte no verão. Apesar das medidas draconianos para impedir o uso de milhões de automóveis e da paragem programada das fábricas em Pequim, mal se consegue ver o céu azul. Em vez de conseguirem promover a imagem internacional de China, esta poluição lembra simplesmente ao mundo que a China já possui o título de nº1 do mundo na emissão de dióxido de carbono, graças ao descontrolado desenvolvimento do modo de produção do mercado capitalista.

No meio da crise económica global, devido ao colapso dos empréstimos hipotecários do “subprime” nos EUA há um ano, os Jogos Olímpicos de Pequim vêm também propiciar uma manobra de diversão, permitindo aos líderes do capitalismo global desviarem temporariamente a atenção da recessão económica, da inflação e do crescimento do descontentamento social. Nada menos que 80 líderes políticos mundiais, incluindo o Presidente George Bush dos EUA e o Presidente da França Nicolas Sarkosy, participam na cerimónia inaugural.

É verdade que a China parece ser o único sítio do mundo onde o capitalismo ainda está em franco progresso. Os grandiosos fogos de artifício e a espectacular cerimónia de abertura, dirigida pelo conhecido cineasta Zhang Yimou, procuram espelhar, não apenas a cultura tradicional de China, mas também a crescente capacidade económica do país. Como se viu na televisão da Coreia do Sul, que mostrou um ensaio da cerimónia, uma das cenas mostrava uma série de arranha-céus a emergirem velozmente do nada, demonstrando a rápida expansão de China. Entre 1978 e 2007, a China cresceu 40 vezes, catapultando-a da situação de país muito pobre para a quarta maior economia do mundo.

A arquitectura olímpica ultra - moderna, do estádio principal “O Ninho” ao oval Grande Teatro Nacional em Pequim, tudo foi projectado por arquitectos

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internacionais, tudo foi feito para impressionar os estrangeiros sobre a senda majestosa da China para a modernidade e para o progresso. A expansão do aeroporto internacional de Pequim é colossal. O seu terminal 3, por si só, é maior do que o conjunto dos cinco terminais de Heathrow, em Londres.

Doze grandes empresas multinacionais pagaram cerca de 200 milhões de dólares cada para serem os patrocinadores olímpicos a nível global, a fim de publicitarem os seus produtos aos 4 mil milhões de espectadores dos Jogos Olímpicos em todo o mundo. No total, os patrocínios totalizam mais um terço do que os jogos de 2004, em Atenas. Isto sem incluir as receitas publicitárias, estimadas em 1,5 mil milhões de dólares, pagas pelos patrocinadores globais e as quantias relativas a parcerias envolvendo dúzias de outras grandes empresas multinacionais e chinesas. Só a marca Adidas pagou, por si só, segundo informações obtidas, cerca de 80 milhões de dólares para usar o logótipo olímpico nos produtos que vende na China. O slogan “Um mundo, um sonho” é o slogan dos Jogos Olímpicos de Pequim. Mas os sentimentos em Washington, em Tóquio e nas capitais europeias sobre a ascensão da China são um pouco mais complexos. Por um lado, as principais multinacionais à volta do globo dependem agora da super - exploração da classe trabalhadora chinesa, a maior do mundo. Por outro, há um desconforto sobre a emergência rápida da China como novo rival aos poderes estabelecidos na disputa pelas matérias-primas, mercados e na influência geopolítica.

Apesar do apelo do Presidente chinês Hu Jintao para não se politizarem os Jogos Olímpicos, alguns líderes ocidentais levantaram a questão dos Direitos Humanos na China e da repressão de Pequim sobre o Tibete. O Presidente Bush recebeu na Casa Branca líderes do movimento chinês “Democracia” no exílio. O Congresso aprovou uma Resolução quase por unanimidade exigindo que a China melhore o respeito pelos direitos humanos.

O Presidente Bush, antes de sua partida para os Jogos Olímpicos, no meio de críticas de que a guerra no Iraque tinha permitido à China

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aumentar a sua influência à custa dos Estados Unidos, disse a repórteres asiáticos em Washington que os Estados Unidos mantinham firmes os seus compromissos com os seus aliados na Ásia. Avisando os países asiáticos para não se aproximarem demasiado de Pequim, Bush declarou: “Frequentemente, se somos amigos de uns, torna-se difícil sermos amigos de outros.” Antes de ir a Pequim, Bush fez escala em Banguecoque e proferiu aí um discurso incitando o regime de Pequim a propiciar “liberdade” aos cidadãos chineses.

Um porta-voz do governo chinês, Liu Jianchao, apodou a posição do Congresso dos Estados Unidos de tentativa de “sabotagem” dos Jogos Olímpicos e disse que Bush tinha “interferido rudemente nos assuntos internos da China e que tinha dado um sinal gravemente errado às forças hostis à China.” Por detrás desta retórica nacionalista, destinada sobretudo a consumo interno, Pequim está bem ciente que Bush resistiu a apelos para boicotar os jogos.

De facto, Bush é o primeiro Presidente dos Estados Unidos a assistir a Jogos Olímpicos no estrangeiro. Ainda mais cínico é o Presidente da França Sarkozy, que tinha anteriormente ameaçado boicotar a cerimónia, aquando da repressão de Pequim no Tibete. Sarkozy anunciou depois que não se encontraria com o Dalai Lama. Agora declarou que o governo chinês “merece uma medalha de ouro” pela preparação dos jogos. “A minha presença em Pequim confirmá-lo-á uma vez mais: a amizade entre a França e a China é um eixo fundamental da política externa francesa” disse ele à agência noticiosa Xinhua.

“Sociedade harmoniosa”

Pequim está a aproveitar a oportunidade para promover o nacionalismo chinês. Depois de ter abraçado abertamente o mercado capitalista nestes últimos 30 anos, a persistência do PCC em se afirmar como socialista é absurda. Cada vez mais, o regime assenta a sua política na promoção do

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crescimento económico e no prestígio de China, apelando ao apoio de uma camada da classe média que tem beneficiado com os seus resultados. Os gastos pródigos nos Jogos Olímpicos - 1,5 vezes mais do que o conjunto dos cinco anteriores Jogos Olímpicos - servem para sublinhar um sinal dirigido ao público interno, bem como propagandear as vantagens da China junto da elite empresarial estrangeira. O nacionalismo é usado ao mesmo tempo para desviar a atenção das graves questões sociais e do aprofundamento do fosso entre ricos e pobres na China.

A fim de esconder as enormes desigualdades sociais na China, foram deslocadas da cidade cerca de quatro milhões de pessoas, principalmente trabalhadores pobres e mal pagos, migrantes de outras regiões, em que se incluem as pessoas que construíram as instalações olímpicas. Milhares de peticionários reivindicando que as suas queixas fossem ouvidas pelas altas autoridades governamentais foram escorraçados para fora da cidade pela polícia. Muitos deles foram presos em centros de detenção. Alguns dos pobres da cidade viviam em pensões miseráveis e em caves de prédios, onde os quartos eram alugados por menos de um dólar por dia, mas estas instalações foram fechadas.

Wang Lijun, um peticionário reclamando uma pensão de reforma para o seu pai, declarou ao Los Angeles Times: “Dizem-nos que nós criamos uma imagem negativa. Tratam-nos como refugiados e criminosos.” Uma mulher, Li Li, da província de Shanxi, que reclama há sete anos do despedimento do marido de uma siderurgia, explicou: “Estão a reprimir-nos agora muito mais do que no passado. Consideram-nos como os inimigos que ameaçam abalar a estabilidade do país.” E acrescentou: “Querem que nos entusiasmemos com os Jogos Olímpicos, que amemos o país, que amemos o partido. Mas não nos amam a nós.”

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II.2. UM MUNDO, UM SONHO:

A ARTE COMO REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE CHINESA

Excerto de “One World One Dream”, 8 de Janeiro, 2008,

disponível em http://brianholmes.wordpress.com/2008/01/08/one-world-one-dream/

Já em 2007, o slogan dos Jogos Olímpicos de 2008 “Um Mundo, Um Sonho” estava por todo o lado, em folhetos, brochuras, revistas, cartazes, painéis e anúncios luminosos, e, é claro, nos omnipresentes grandes ecrãs digitais urbanos. Com todos os meios de uma comunicação social totalmente controlada pelo Estado, Pequim preparava-se para reivindicar o seu lugar no panteão das cidades globais. Desta vez não haveria recusa, nem memória da candidatura falhada aos Jogos Olímpicos de 1993, ensombrada pelo “incidente de Tiananmen.” A congestão alucinante de arranha-céus faz com que aquela profecia se torne já verdadeira. Há só um mundo possível, um só sonho possível: arranha-céus, um a seguir ao outro, auto-estradas sem fim, urbanização infinita, uma cidade para além dos limites da imaginação. Blocos urbanos enormes, novas ruas e avenidas a multiplicarem-se rapidamente, estradas circulares em expansão, metropolitanos, aeroportos, refinarias, centrais eléctricas, comboios ultra-rápidos, uma cidade que devora os campos, fazendo desaparecer as montanhas e o céu. Uma cidade mundial.

Como é que uma sociedade se consegue recriar numa imagem global? A resposta encontra-se num processo de interiorização, simultaneamente psicológico e físico. Por todo o mundo, nas duas últimas décadas, desde o ano decisivo de 1989, países outrora subdesenvolvidos lançaram-se numa corrida acelerada de estruturação, absorvendo e adaptando técnicas de produção industrial, formas de organização institucional, novos modelos estéticos e quadros mentais. Este tipo de transformações já se tinha registado no passado; mas, os acréscimos sem precedentes da capacidade produtiva e da intensificação das trocas internacionais fazem deste processo um

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processo diferente, mesmo em comparação com a grande vaga de mudanças que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. A deslocação do centro de gravidade da acumulação da riqueza para os novos centros da Ásia Oriental pode bem levar a uma metamorfose do próprio capitalismo, tal como sugeriu o historiador Giovanni Arrighi. Mas, por enquanto, a transição é desconcertante, tumultuosa, violenta, marcada não somente pela tremenda aceleração (a “velocidade Shenzhen “), mas igualmente pelas formas particulares de controlo social que caracterizam o presente. A transformação da China está a tornar-se o fenómeno central da emergência de uma nova sociedade mundial complexa e desnorteante.

Indivíduos globais

Para se observar o processo de estruturação nos seus primeiros passos, pode-se viajar no tempo para o passado, até há quinze anos atrás, para o “World Park” (Parque Mundial) de Pequim, construído nos arredores, a sudoeste da capital. Esta obra clássica da cultura chinesa do espectáculo foi inaugurada no começo dos anos 90, tendo sido recentemente tema do filme de Jia Zhangke, “The World” (2005). O que se vê é uma colecção de monumentos em miniatura: a Torre Eiffel, a Estátua da Liberdade, as Pirâmides do Egipto, o Taj Mahal, a Torre de Pisa. Numa altura em que sair para o estrangeiro era virtualmente impossível, os turistas vinham em excursão de comboio para um circuito de fim-de-semana e as noivas posavam para as fotografias, como ainda hoje o fazem, em frente da resplandecente Ópera de Sidney. Como o sublinha Jia Zhangke, este é o lugar onde se pode “ver o mundo sem nunca se sair de Pequim.” Contudo, o que não é mencionado no filme é, sob muitos pontos de vista, o verdadeiro cerne de todo o caso: a identificação do velho e decrépito avião onde a heroína do filme, Tao, vestida de hospedeira de bordo, repele os avanços do antigo namorado Taisheng. Este avião era o avião oficial de Deng Xiaoping, que o usava para as visitas de Estado e deslocações. Assim, um turista ocasional

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num fim-de-semana em Pequim poderia satisfazer a fantasia de voar no avião pessoal do homem que, literalmente, trouxe o mundo à China, sob a forma de investimento estrangeiro, a chave mágica que abriu as cidades proibidas.

Quinze anos são uma eternidade, para a velocidade chinesa. Hoje o “World Park” (Parque Mundial) de Pequim é um sítio triste, abandonado pelo progresso, como uma piada sem humor e muito gasta. Em vez de vir aqui, um visitante do interior do país iria mais no sentido oposto, para o futuro que Deng tornou possível, no canto nordeste da capital. É aí que se encontra o World Trade Center, à dimensão própria de Pequim, no novíssimo bairro financeiro (o Central Business District), não longe do edifício da CCTV concebido pelo arquitecto Koolhaas, que se ergue como um ideograma do poder. A cidade é agora o próprio “world park” (parque mundial), cintilando vibrantemente com os elementos celestiais da arquitectura internacional. A fase actual de interiorização já não é psicológica, mas sim física, material. Pequim, de muitas maneiras diferentes, tornou-se o “mundo” (the world).

A experiência de Pequim, de Xangai e de Shenzhen confirma duas coisas. A primeira é que a expansão a nível global do arsenal de instrumentos tecnológicos e organizacionais anglo-americanos gerou uma civilização mundial, a que Félix Guattari chamou “capitalismo mundial integrado”. A segunda é que esta estrutura global da civilização mundial só pode ser governada e regulada numa escala regional ou continental, usando os recursos culturais e políticos que são específicos desta mesma escala. Uma escala continental (um Estado - Nação como a Índia ou a China, ou um bloco regional como a Federação Russa ou a União Europeia) tem-se tornado decisiva no mundo de hoje, porque somente a esta escala se pode interiorizar cabalmente, e também resistir às forças globais. A resistência, neste contexto, significa fazer por impor normas sociais diferentes a um nível especificamente continental, de acordo com os imperativos do poder social ou político aí enraizados. Com o que nos confrontamos então é com realidades entrecruzadas: qualquer coisa como “capitalismo transnacional

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de características chinesas.” Toda uma economia política se insere na tensão destas intersecções. A questão sem resposta é como é que aquelas tensões são expressas e reflectidas pelos indivíduos e pelos grupos a nível micro: como é que a emergência de uma sociedade mundial se cruza com a produção de novas subjectividades.

A palavra indivíduo traduz a dimensão micro-política, em que a dimensão cultural está tipicamente confinada a um ritual de escolha subjectiva. Contudo, o individualismo não é, de modo nenhum, o oposto do globalismo. Segundo sociólogos como Ulrich Beck, poderemos argumentar que o globalismo é inseparável de um processo de individualização intensivo, que é a sua outra face, a outra face da mesma moeda. Este é o significado simbólico do slogan “Um Mundo, Um Sonho.” Quando olhamos para as práticas muito originais e altamente mercantilizadas das indústrias criativas, é o globalismo que estamos realmente a ver, na expressão de cada sonho singular. O individualismo global resulta da monetarização e da contratualização das relações sociais, que é uma componente essencial da ordem económica neoliberal. É algo de muito emotivo, que envolve um corte com os padrões tradicionais, implicando novas formas de pensar e de sentir, mesmo a experiência literal de voar, numa palavra: a “desterritorialização”. É, primeiro que tudo, uma experiência libertadora. O que se sente hoje na China urbana é uma energia produtiva extraordinária, que atravessa a arquitectura e os próprios corpos das pessoas. O sentimento corresponde a sucessos espantosos: a saída de uma situação de fome, de estagnação e de pobreza de centenas de milhões de pessoas e o encetar de um novo trajecto de desenvolvimento prometendo a igualdade com as nações ocidentais. Mas a mesma realidade social tem um lado muito mais cruel, que poucos dos seus promotores se preocupam em mencionar.

Este lado mais negro é revelado no filme de Jia Zhangke, quando o trabalhador migrante nomeado apenas por “Little Sister” é ferido mortalmente pela queda de um guindaste num estaleiro de construção,

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onde trabalhava à noite para ganhar um pouco mais. Ao morrer no hospital, nada mais pode oferecer, nas suas últimas palavras a Taisheng, do que uma lista de pequenas dívidas em que incorreu na sua curta estada na capital. O mesmo tema reaparece quando Taisheng conta o dinheiro do seguro na presença dos seus condoídos familiares, mesmo quando o sobrinho (o único elemento da família que sabe ler) assina o documento de renúncia a todas as reivindicações futuras. Porquê a insistência na monetarização e na contratualização? Com esta caracterização dos trabalhadores migrantes na grande cidade do mundo (a “world city”), Jia Zhangke tenta furar a ignorância generalizada que rodeia as questões da divisão de trabalho ao ponto de tornar invisível a própria relação que constrói a cidade. Esta inconsciência, sustentada pelo individualismo global, constitui agora um risco fundamental para a sociedade, a todos os níveis, uma vez que as contradições políticas e ambientais do capitalismo mundial integrado se acumulam a um ritmo alarmante. A sociedade mundial (“world society”) desenvolve-se com o risco de novos subjectivismos.

As formas de governo crescentemente autoritárias que emergem por todo o globo podem ser encaradas como técnicas para controlar esses mesmos riscos, cada uma delas de uma forma diferente, porque indissociavelmente ligadas a uma dada história social e cultural. Orientados pelo desejo de se manterem no poder e, talvez até mais ainda, pela ambição em propiciar o desenvolvimento ao povo, o Partido Comunista Chinês está no pelotão da frente desta forma de governo neo-autoritária, promovendo uma solução especificamente continental para os problemas da inserção no neoliberalismo global. Estabeleceu um equilíbrio entre um sistema político fortemente normativo e uma economia em expansão sem freio, com um paradoxal sentido de abertura que este tipo de expansão envolve. O PCC está agora a posicionar-se no domínio das indústrias criativas, enquanto peça de uma estratégia para aumentar a sua legitimidade nacional e internacional, a fim de conseguir superar o défice de longa data na inovação de produtos e para criar o indispensável mercado interno para o consumo dos seus produtos e

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serviços sofisticados. Nesta concepção, o tipo de energia humana e o nível de aspirações que se investiam no passado nos transcendentes valores das artes tradicionais, ou na experimentação revolucionária vanguardista, deverão ser agora logicamente fundidos com a produção audiovisual, publicidade, design, espectáculos, software e jogos de vídeo - ou seja, com tudo o que recria a experiência estética da cidade hiper-mediatizada. Estas são as formas em que se funda o paraíso do consumidor ocidental. Será que elas tornam as outras realidades invisíveis? Através da análise das fundações sociais, económicas e monetárias do impulso para uma China das indústrias criativas, pretendo assinalar algumas das contradições actuais no país, bem como algumas das formas pelas quais todos nós estamos também nelas envolvidos.

Apenas um aviso antes de começar: não sou sinólogo e não possuo autoridade particular para me pronunciar sobre todos estas coisas. O que me proponho expor são algumas observações e questões para investigação sobre uma situação que nos envolve a todos: o desenvolvimento de uma divisão de trabalho global, na verdade o desenvolvimento de uma sociedade global, que está agora concretamente a ganhar forma. Em todo o caso, o fulcro da crítica cultural não é jamais o de fornecer respostas inequívocas. É antes o de despoletar um diálogo que possa ajudar a desvendar o sonho de “um só mundo”.

A clivagem urbana

Há claramente artistas que estarão interessados em tal diálogo. Para um espectáculo realizado em 1996, intitulado “Half White Collar, Half Peasant” (Meio Colarinho Branco, Meio Camponês), Luo Zidan confeccionou uma roupa exterior dividida a meio, que tinha do lado direito do corpo uma desgastada túnica à Mao e, no lado esquerdo, uma camisa impecável, gravata e calças de qualidade. Usou cosméticos e penteados para diferenciar uma face da cara, lisa e de pele branca, da outra face, de pele tisnada e bexigosa, de um camponês da província. Foi assim

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que percorreu as ruas da cidade de Chengdu, na província de Sichuan, segurando numa mão uma novíssima nota de cem yuan e na outra o que parecia ser um farrapo todo amarrotado.

Como escreveu Chen Hongjie:

Caminhando pela zona à volta da avenida Chunxi, em Chengdu, o artista parece simultaneamente real e ilusório na sua actuação. Ao passar no hotel Holiday Inn usa a manga de camponês para limpar o mármore da entrada… Numa loja de relógios, o trabalhador de colarinho branco experimenta um relógio incrustado de diamantes, no valor de 2.300.000 yuan, admirando os seus reflexos. Num restaurante da cadeia americana KFC, come uma refeição de frango com ar feliz, enquanto o camponês, que fica só com as batatas fritas e salada, está com ar confuso sobre a forma como deve comer. O sentido desta peça traduz as questões de classes e, a um nível mais profundo, as funções sociais comuns a todas as sociedades humanas e as raízes das contradições que inibem os desejos humanos.

Luo fornece-nos uma brilhante metáfora da personalidade dividida da China contemporânea, com as suas novas cidades resplandecentes e os seus 800 milhões de camponeses pobres que aspiram a viver nelas. Deste modo, ele aponta para um dos traços fundamentais do que designei por “capitalismo transnacional de características chinesas.” Todos sabemos que desde o estabelecimento das Zonas Económicas Especiais na região do delta do Rio das Pérolas, no início dos anos 80, a China se transformou na fábrica do mundo. Deve esse estatuto aos “preços da China”, isto é, ao mais baixo preço de todo o planeta para qualquer produto básico manufacturado. Mas os preços da China dependem, por sua vez, da capacidade de o trabalhador urbano de colarinho branco se aproveitar de quantidades enormes de trabalho mal pago da outra metade, o camponês que vem fazer os trabalhos duros nas fábricas. Como é que as duas figuras coexistem dentro da mesma cidade e, talvez, como Luo sugere, dentro da mesma pele?

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Esta relação foi formalizada, a partir de 1949, na versão comunista do “hukou”, ou sistema de registo do agregado familiar, que serviu para fixar as pessoas na sua localidade da origem. Na época revolucionária, as prioridades do desenvolvimento foram focalizadas na cidade: a segurança social e os benefícios sociais eram reservados ao proletariado urbano, sendo a migração rural para as zonas urbanas rigorosamente controlada, com algumas excepções ocasionais turbulentas, durante os períodos de acelerada expansão industrial, seguidos frequentemente por transferências forçadas de regresso às zonas rurais. Aqui, o que é surpreendente é a continuidade desta política desde os anos 80. Ao longo do período de reforma, no meio de um influxo maciço e relativamente descontrolado para as cidades, o “hukou” urbano manteve-se praticamente inacessível para os habitantes do interior do país. Barrou o acesso dos migrantes aos serviços sociais e à educação para os seus filhos, deixando-os sujeitos a serem presos e deportados para a residência de origem ao sabor da arbitrariedade da polícia no cumprimento das chamadas “leis de custódia e de repatriamento”. O paradoxo é que o próprio sistema que nega às populações camponesas a sua plena cidadania urbana está também na base do incrível motor de produção de riqueza que principalmente os atrai para a cidade. Este paradoxo pôs em movimento todo um continente. Os 120 milhões de migrantes que compõem a chamada “população flutuante” na China estão na transição entre o campo e as cidades, aglomerando-se às portas da vida urbana moderna, mas sendo parcialmente excluídos dela.

De acordo com as estatísticas, cuja exactidão é sempre difícil de verificar, havia, em 2008, uns 30 milhões de trabalhadores migrantes nas principais cidades industriais, enquanto a restante “população flutuante” vagueava de umas províncias rurais para outras. Todos estes indivíduos em movimento são considerados deslocados, não estão onde deviam estar. O sistema do “hukou” faz com que o trabalho rural desempenhe na China o mesmo papel que o trabalho emigrante transnacional desempenha na economia europeia e na norte-americana, fornecendo combustível humano às fábricas de sobre

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-exploração miserável e aos serviços de mais baixa condição, exercendo ao mesmo tempo pressão para salários mais baixos dos trabalhadores em situação laboral mais estabilizada. Registou-se recentemente uma larga pressão sobre o Estado para alterar este sistema, particularmente depois do clamor público, em 2003, quando um homem chamado Sun Zhigang morreu no interior de uma esquadra da polícia de Guangzhou (Cantão) quando se encontrava em processo de “custódia e repatriamento”. Ao mesmo tempo, o governo, confrontado com o desemprego crescente nos campos e com a dificuldade de se criarem indústrias nas pequenas cidades, está a projectar a transferência de centenas de milhões de pessoas para as áreas urbanizadas. A preocupação manifestada pelas autoridades é, contudo, que a abolição completa das limitações à mobilidade possa conduzir a uma deslocação caótica da população para as cidades do litoral. De facto, o tratamento informático de cerca de 80% dos registos de identificação dos agregados familiares do país fez deste sistema de informação uma ferramenta poderosa de controlo social, sendo pouco provável que venha a ser abandonado no futuro próximo. A clivagem urbana/rural não desaparecerá simplesmente. Ao ponto a que esta relação social especial está subjacente à produção das muitas das roupas que vestimos e dos muitos produtos que consumimos, valerá a pena termos consciência disso? Seremos nós tão estrangeiros em relação à China como parecemos? A evolução do sistema “hukou” nos próximos dez anos pode ser o barómetro mais preciso para registar as mudanças inevitáveis na estrutura de classes, não apenas da China, mas do mundo.

É intrigante notar que Luo Zidan tenha realizado o seu espectáculo em 1996, apenas alguns anos depois de Deng Xiaoping, com a sua “Deslocação a Sul”, ter criado novas zonas de desenvolvimento empresarial, bolsas de valores e a possibilidade de especulação imobiliária, lançando assim “as bases políticas e as condições de mercado que irão permitir o aparecimento na China de uma classe de novos ricos”, como escreveu o crítico da Nova Esquerda, Wang Hui. Enquanto as empresas públicas eram desmembradas, provocando o desemprego maciço, os intelectuais chineses lançavam-se em debates sobre a

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capacidade de a sociedade civil ser portadora da transformação democrática. Isto era suposto acontecer, não através da mudança radical do sistema, mas, em vez disso, “através da aposta no mercado, da formação de grupos de interesses locais e intra - governamentais, bem como do desbloqueamento dos recursos tradicionais enclausurados em coisas tais como as estruturas de clãs.” O que isto significou na prática foi a proliferação de negócios mais ou menos obscuros a nível local, com base em contratos e em direitos do uso da terra concedidos pelo governo.

Contudo, segundo acrescenta Wang, “a ‘sociedade civil’ que [os intelectuais] imaginavam deixou completamente de fora a numerosa classe trabalhadora e a sociedade rural, deste modo não só em harmonia com as políticas do Estado que tinham o efeito de agudizar drasticamente a polarização entre ricos e pobres, mas também cortando em princípio as ligações entre o progresso da democracia e as suas verdadeiras fundações sociais.” O resultado é que os níveis de desigualdade na China acentuaram-se dramaticamente, ao ponto de terem atingido os mais elevados níveis de desigualdade do mundo desenvolvido: os dos Estados Unidos. Luo Zidan caracterizou perfeitamente esta situação no espectáculo intitulado “White-Collar Exemplar” (Exemplar de Colarinho Branco), em que representava, numa rua da cidade, um homem de negócios em camisa e gravata, de pé, como uma estátua de olhar fixo, como se fosse um agente de segurança militar, mas dentro de uma caixa de plástico transparente, ligada a uma botija de oxigénio, de modo a isolá-lo hermeticamente de qualquer contacto com a multidão que passa à sua volta.

Quando as clivagens sociais são criadas de forma tão abrupta, e projectadas num cenário de igualitarismo oficial e de retórica comunista, então a desconexão entre as “questões de classes” e as “contradições que inibem os desejos humanos” atinge o seu extremo. O diálogo apenas está presente na sua ausência, como uma clivagem psico-social surda que afecta a dimensão individual, não menos que a de grupo. A questão suscitada pelos

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dois espectáculos de Luo Zidan pode, em última análise, ser esta: Será que a frescura do ar condicionado torna impossível que cada um de nós sinta a nossa outra metade do corpo a suar por baixo da mesma pele?

As redes costeiras

Viajemos da província de Chengdu para o grande centro industrial de Chongqing, seguidamente pela barragem das “Três Gargantas”, descendo o rio Yangtze até Xangai - uma das cidades mais exuberantes no mundo. Xangai obteve o estatuto de Zona Económica Especial em 1992. Com o crescimento da sua indústria pesada, com a atracção de seus centros de pesquisa de alta tecnologia e o prestígio da sua novíssima bolsa de valores, Xangai ultrapassou Shenzen, tornando-se na megalópole mais produtiva da China. Em 2002 ganhou o concurso para organizar a Expo Mundial de 2010. Como explica um consultor canadiano, “Xangai quer ser uma ‘cidade de classe mundial’, comparável a Nova Iorque na área financeira, a Londres nas transacções comerciais e a Paris na cultura. Não tenham nenhuma dúvida disso - Xangai atingirá o seu objectivo por volta de 2025, utilizando a Expo Mundial de 2010 como um ponto de apoio firme nesse sentido ”.

Uma vez mais, esta é uma cidade que aspira a recriar-se numa imagem global. Mas, em que base? Aqui, quero voltar atrás por um momento e olhar para a infra-estrutura subjacente ao estatuto da China como fábrica do mundo. Historicamente, a cidade de Xangai deve a sua riqueza à sua situação de porto no Rio Yangtzé, tornando-a na interface entre as rotas marítimas do comércio global e as capacidades de produção industrial no interior. O porto continua ainda a ser tremendamente importante, como se pode ver num passeio de barco passando para lá da ponte Huangpu na direcção da embocadura do rio Yangtzé. Embarcadouros de contentores, enormes amontoados de matérias-primas, aço, estaleiros navais, petroquímicas e instalações da marinha são o que mais se vê. Há por ali uma parafernália de equipamentos pesados, com uma estética ferrosa, que é muito fascinante

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para pessoas dos países não industrializados. Mas, ainda mais importante, se nos aventurarmos para o interior do porto de Xangai, começamos a tomar o pulso do funcionamento do sistema de redes do leste asiático.

O que está a processar-se são trocas comerciais intensivas entre um conjunto de mares interligados entre si: o Mar de Okhostk, o Mar do Japão, o Mar Amarelo, o Mar da China Oriental, o Mar do Sul da China, e por aí adiante em direcção à Índia e à Austrália. Estes são os circuitos históricos do antigo sistema tributário da China - mas igualmente as bases de uma economia regional mais recente. Foi o Japão que lançou as bases desta economia regional, nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, após ter reconstituído o seu sector industrial com investimento americano para os fornecimentos durante a Guerra da Coreia. Com o carvão e o minério de ferro da Austrália, o Japão foi sendo capaz de aumentar gradualmente a sua produção de aço até rivalizar com a dos Estados Unidos. Neste processo gerou-se um novo padrão de produção costeira, subsidiário mais do transporte marítimo do que dos caminhos-de-ferro e das estradas; e estendeu este sistema produtivo ao resto da região, por meio de todos os tipos de parcerias empresariais e de acordos de cooperação informais. Este modelo de comércio marítimo veio a gerar o que os analistas designaram por “network power” (poder das redes) da Ásia Oriental, que não foi desenvolvido no sentido de se tornar um bloco económico formal ou uma zona monetária como o NAFTA ou a União Europeia - mas que foi orientado para constituir o novo centro de desenvolvimento da economia mundial. No período de forte crescimento dos anos 70-80, os investimentos e a tecnologia japonesas ajudaram a China a desenvolver novos complexos de produção de aço, incluindo o complexo de Baoshan, no porto de Xangai. Este complexo tornou-se hoje no maior produtor de aço no mundo.

De novo, estamos perante uma questão de interiorização, desta vez de capital fixo. As estatísticas do investimento directo estrangeiro traduzem essa história: O Japão e os “Quatro Tigres Asiáticos”, Coreia do Sul, Singapura,

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Formosa e Hong Kong, despejaram na China 34 mil milhões de dólares em 2005, relegando para segundo plano os investimentos ocidentais, que totalizaram 17 mil milhões de dólares. Naturalmente, os dados são difíceis de interpretar: Hong Kong é a maior fonte deste investimento directo (17,95 mil milhões de dólares), mas serve igualmente como intermediário para outros; e muito do dinheiro vai para a simples fabricação para exportação, sem integração na cadeia de valor do país a longo prazo. Mas, em domínios como a produção de aço ou a construção naval e, mais recentemente, em sectores do topo como o sector financeiro e a investigação e desenvolvimento, a China tem utilizado o investimento directo estrangeiro para construir as infra-estruturas que lhe permitirão eventualmente vir a suplantar o Japão como o maior nódulo da rede da Ásia Oriental. Com o apoio de uma vasta diáspora, a China está a retomar o seu lugar histórico no centro do sistema de trocas comerciais da Ásia Oriental. E está a fazê-lo ao longo das zonas costeiras, nas zonas de intercâmbio constituídas por uma série de mares interligados entre si.

A distância entre o interior e a costa é a distância entre um sistema continental de controlo social e uma rede marítima de produção de alta tecnologia. É a distância entre a fixidez da terra e a fluidez do mar - a geografia de uma clivagem de classes que se tornou tão grande que ameaça fracturar a China. Redescobrimos aqui as tensões de escala que constituem “o capitalismo transnacional de características chinesas”. A clivagem geográfica é agora uma das principais preocupações do Partido Comunista. É por esta razão que, em 1999, lançou a campanha “Vão para o Oeste”, uma directriz para procurar atrair o investimento estrangeiro para o interior. A peça fundamental desta campanha é a conclusão da barragem das “Três Gargantas”, e com ela, a projectada transformação de Chongqing num colosso industrial que se prevê vir a rivalizar com Xangai. Isto pode ser encarado como um esforço genuíno para estender o modo de produção costeiro às profundezas do território continental, através do Rio Yangtzé e do super electrificado mar interior que está a ser criado pela barragem. Neste

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processo, qualquer coisa estabilizada ou tradicional - qualquer identidade cultural popular ou “Natureza Morta” (“Still Life”), como o cineasta Jia Zhangke descreve no seu premido filme - tendem a desaparecer no fluxo das redes de produção.

O que é apresentado no filme “Natureza Morta” (“Still Life”) (2007) é uma paisagem desoladora, que se tornou puramente económica. A transformação é simbolizada pelo actor principal, Sanming, quando este, estando no local, tem de olhar para o desenho da barragem das “Três Gargantas” impresso numa nota de dez yuans para confirmar a beleza, ou mesmo a realidade, das montanhas distantes que vê. É um exemplo clássico de representação da vida a desvanecer-se na arte. O que se vê sobretudo ao longo do filme, porém, não é nem a beleza artística nem os seus signos monetários, mas, em vez disso, o incessante ciclo de construção, destruição e reconstrução que lhes está subjacente, resultando na devastação da paisagem e daqueles que a habitam. No fim, depois da demolição de incontáveis casas, cujas ruínas serão cobertas pela subida das águas da barragem, Sanming parte para o interior do país, para trabalhar numa mina de carvão e ganhar dinheiro para voltar aqui e pagar o dote da sua noiva de há 16 anos atrás, a qual está obrigada por contrato a ficar a trabalhar no rio. Mas todas as outras mulheres da história escapam no sentido oposto: Shen Hong, a esposa do violento chefe de Sanming; a vizinha, que tenta vender-lhe os serviços de uma prostituta; e, finalmente a sua própria indefinível filha, que aparece somente numa fotografia. Todas elas apanham o avião para a costa, para Guangzhou (Cantão) ou para Dongguan, no delta do Rio das Pérolas, ou para a foz do rio Yangtze, para Xangai.

Em 1995, o artista Lin Yilin, de Guangzhou (Cantão) realizou um espectáculo intitulado “Safely Maneuvering Across Lin He Road” (“Manobrando com Segurança Através da Estrada Lin He”. O vídeo mostra-o a proteger-se do intenso tráfego por um muro de blocos de adobes soltos, que ele desloca tijolo a tijolo para ir atravessando a estrada no meio

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do tráfego. A cena assume um significado incrivelmente vivo quando se vê a tremenda expansão alucinante das cidades do sul, sufocadas pelo tráfego e pela a poluição, a rasar a demência, mas, ao mesmo tempo, a rebrilharem de modo refinado e luxuoso. A obra poderia ser uma metáfora de toda uma sociedade que avança protegida por um desenvolvimento exacerbado, quase a tornar-se ameaçador, mas que continua a ser o único jogo possível - o jogo que se tem de jogar para poder fazer parte de alguma coisa. Há uma lucidez selvagem, ao nível do melhor da arte chinesa, que apela a uma resposta, a um diálogo, a um envolvimento crítico com o presente. Como Lin escreve no seu site da Internet, “o mercado da arte, tornado rapidamente popular, implica também um desafio para os artistas. Os artistas contemporâneos chineses assumem o risco de alterarem o seu estatuto de isolamento, para se transformarem, de repente, em estrelas de renome. Se a arte contemporânea chinesa não puder desenvolver uma teoria específica, então, em última instância, [será] apenas artesanato caro durante este período da história. Mas, os artistas chineses não estão sós nesta posição relutante, ou de recusa, em desenvolverem uma teoria do seu papel na sociedade mundial.

O artista Cao Fei é também do delta do Rio das Pérolas. A sua obra “RMB City” (“Cidade RMB”)11 testemunha o humor selvagem e a descrença profunda das pessoas que sabem quão facilmente o sonho da China contemporânea poderia desaparecer na voragem de qualquer crise imprevista. O que não vemos na cidade virtual é o que todos os que lá vivem conhecem: as paisagens devastadas, os horizontes de asfixia, a poluição negra e pegajosa cobrindo as zonas da costa. O que não vê são as revoltas laborais, ou “incidentes de massas,” e os trabalhadores migrantes acantonados nas periferias. O que não se vê são os preços descontrolados das casas, o contínuo turbilhão financeiro à espera de um “crash” total, ou as relações de dependência

11 Nota dos editores: RMB é a sigla da moeda oficial chinesa, o renmimbi.

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com os americanos, enquanto consumidores de “último recurso” que absorvem montanhas de produtos, que a própria China paga agora com investimentos em títulos do Tesouro americano que parecem valer cada vez menos, a cada minuto que passa. O que não se vê é o que todos sabem, é o que todos sentem na terra debaixo dos seus pés, o que ninguém consegue pôr em imagens. O risco incalculável do século XXI. A incerteza infinita do individualismo global.

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© China Blue, 2007.

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III. NEOLIBERALISMO, CHINA E ESTADOS UNIDOS:

A DINÂMICA DA CRISE

III.1. ECONOMIA MUNDIAL E NEOLIBERALISMO

Excerto de Minqi Li e Andong Zhu, “Neoliberalism, Global Imbalances,

and Stages of Capitalist Development”, Working paper Series, n. 110,

Political Economy Research Institute (PERI), University of Massachusetts Amherst, Agosto, 2005,

disponível em http://www.peri.umass.edu/236/hash/b7d18d0c3f/publication/132/.

1. Introdução

Sob o domínio neoliberal, uma grande parte do mundo sofreu da estagnação económica e instabilidade financeira. Não obstante este facto, alguns países tiveram um crescimento económico relativamente rápido ou mesmo rápido. Nos últimos anos, o crescimento económico do mundo concentrou-se nos Estados Unidos e na China. Entretanto, ambas as economias são agora caraterizadas por sérios desequilíbrios internos e externos, colocando em grande risco a sustentabilidade do crescimento nas duas economias assim como no mundo.

Aqui examinamos determinadas relações macroeconómicas estruturais (forças) que operam na economia global neoliberal. Discutimos a seguir o facto de que a economia global actual assenta em três tendências insustentáveis: a expansão do endividamento pelo consumo que se verifica nos Estados Unidos; expansão excessiva do investimento na China; e os

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grandes e crescentes défices na balança de transacções correntes dos Estados Unidos. Quando estas tendências forem eventualmente invertidas, ou então corrigidas, poderá haver uma forte agitação na economia mundial.

Aqui, tomaremos a conjuntura económica do mundo actual no quadro de uma perspectiva histórica mais longa. O neoliberalismo pode ser compreendido como um estágio particular do capitalismo com um grupo das instituições historicamente bem específicas. Representa uma resposta histórica à crise do último estágio do desenvolvimento capitalista. Desenvolveu-se e consolidou-se no último quarto do século passado. Entretanto, tornou-se cada vez mais ineficaz no controle dos desequilíbrios globais crescentes. É possível que as agitações na economia mundial que se avizinham marquem o fim do neoliberalismo e determinem a via para a criação de um novo grupo de instituições económicas, políticas, e sociais.

2. Neoliberalismo e resultados económicos a nível global

A subida ao poder de Thatcher na Grã-Bretanha e de Reagan nos Estados Unidos marcou o começo da era neoliberal. Após a crise da dívida externa no princípio dos anos 80, muitos países latino-americanos e africanos tiveram que adoptar programas de “ajustamentos estruturais” impostos pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial. No início dos anos 90, as anteriores economias socialistas “em transição” da Europa Oriental e Ásia central começaram a sua transição para o capitalismo sob “a terapia choque”. Em 1992, o estabelecimento da União Monetária europeia baseada no Tratado de Maastricht representou o principal avanço do projecto neoliberal na Europa.

No final dos 80, o Japão tomou significativas etapas para a liberalização financeira, contribuindo para a formação de bolhas especulativas sobre os activos que levaram mais tarde a uma situação de persistente estagnação. A Coreia do Sul e as economias recentemente industrializadas do sudeste

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asiático empreenderam a sua liberalização financeira nos anos 90, abrindo assim a via para a crise financeira em 1997. Mesmo a China e a Índia, dois grandes países que se têm tradicionalmente desenvolvido sob modelos de forte orientação estatal, têm lentamente, mas de forma sustentada prosseguido a sua privatização e liberalização desde o começo dos anos 90. Assim, no final dos anos 90, as instituições neoliberais tinham-se tornado dominantes no mundo inteiro.

Durante os anos 80 e 90, os Estados Unidos e muitos outros países usaram políticas fiscais e monetárias restritivas para lutar contra a inflação, levando assim a um desemprego elevado e a salários reais em queda. A liberalização do comércio e dos movimentos de capital permitem que o capital se mova para países com mão-de-obra barata e a maior mobilidade dá ao capital um poder de negociação muito mais forte sobre o trabalho. A acrescentar a isto, a posição do trabalho é minada também pelos cortes da despesa social, pela reestruturação e pela redução agressiva da dimensão das organizações sindicais, pelo declínio dos sindicatos, assim como pelas “reformas” do mercado de trabalho que corroem alguma da protecção fornecida tradicionalmente pelo Estado.

Figura 1. Parte do rendimento do trabalho no PIB

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Todos estes desenvolvimentos tendem a deslocar o rendimento e a riqueza do trabalho para o capital. A Figura 1 mostra a parte do rendimento do trabalho, as remunerações dos trabalhadores, no PIB das sete maiores economias do mundo.

A parte do rendimento do trabalho tende a cair em todos os sete países desde o final dos anos 70 e do princípio dos anos 80. A queda da parte do rendimento do trabalho foi particularmente dramática na Itália e na China. A descida relativa ou mesmo absoluta dos rendimentos do trabalho para a grande maioria da população conduziu a uma enorme depressão do consumo. O consumo fica assim condicionado ainda mais pela incerteza e pela insegurança criada pelo desmantelamento da segurança social existente12.

Os programas de reestruturação neoliberais tiveram efeitos devastadores em muitas das antigas economias socialistas periféricas e em transição. De facto, entre 1990 e 2002, 54 países num total de 166 países para os quais os dados estão disponíveis tiveram um declínio absoluto no rendimento per capita13. O colapso de muitas economias ex-socialistas periféricas é um outro factor que mina a procura efectiva no mundo14.

Evidentemente, se a desigualdade da repartição no mundo

12 Por exemplo, segundo um artigo do Financial Times, os esforços dos governos na Zona-Euro e das grandes empresas para forçarem as “reformas estruturais” que têm como objectivo a introdução da “flexibilidade do trabalho” têm tido, basicamente, o efeito de forçar os consumidores a efectuarem cortes na despesa e a aumentarem a “poupança de precaução” e assim “as autoridades são vistas como renegando o contracto social por não disponibilizarem o fornecimento de serviços que as pessoas esperam do Estado Providência”.13 Banco Mundial 2004.14 Green 1995; Kotz 1997; Chossudovsky 1998; Yeldan 2003; Serrano 2003; Ghosh 2003; Randriamaro 2003.

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medida pela paridade de poder de compra terá aumentado ao longo das duas últimas décadas tem sido um tema de debate intenso15. Mas, não há nenhuma controvérsia, não há nenhuma dúvida que a desigualdade da repartição do rendimento do mundo baseada em valores de mercado aumentou fortemente na era neoliberal. A relação do rendimento dos 20 por cento mais ricos da população do mundo e o rendimento dos 20 por cento mais pobres da população mundial subiu de 30:1 em 1960, para 60:1 em 1990, e para 75:1 no fim do século passado16. Do ponto de vista de se criar uma procura efectiva, é o rendimento monetário da população que aqui interessa (apesar de tudo, empresas e agregados familiares não recebem remunerações e lucros na forma de produtos e serviços em natura. Os seus rendimentos são expressos como dadas quantidades de dinheiro). Como a população a mais pobre tende a gastar uma maior proporção do seu rendimento que o resto da população, uma maior desigualdade na repartição dos rendimentos monetários à escala mundial tende a ter um impacte negativo sobre a procura efectiva mundial.

Na “época de ouro” (Golden Age), a despesa do sector público, na construção das infra-estruturas físicas e institucionais, desempenhou um papel significativo e essencial para o crescimento económico assim como para a estabilização macroeconómica. Na era nefelibata, entretanto, a confiança do capital financeiro numa economia depende frequentemente da condução “responsável” das políticas macroeconómicas a cargo das autoridades, o que significa geralmente políticas monetárias e orçamentais restritivas. A preocupação quanto à ameaça da fuga de capitais assim como os acordos e planos de acção institucionais nefelibatas (tais como o chamado “Pacto de Estabilidade e Crescimento” imposto nos países da

15 Wade, 2003; Sutcliffe 2003.16 Nações Unidas, 2002.

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Euro zona) levaram a que muitos governos não tenham aplicado políticas macroeconómicas expansionistas17.

A taxa de juro real permaneceu em níveis muito elevados ao longo dos anos 80 e dos anos 90, deslocando o rendimento e a riqueza dos devedores para os credores, e do capital industrial para o capital financeiro, comprimindo por essa razão o investimento produtivo real. O investimento produtivo é assim ainda mais minado pela incerteza que se levanta com a flutuação violenta das taxas de câmbio assim como com as frequentes crises financeiras18.

Figura 2. Movimento a longo prazo das taxas de juro reais e das taxas de crescimento reais de 17 países

capitalistas desenvolvidos

A figura 2 apresenta o movimento a longo prazo das taxas de juro reais (a taxa real das obrigações AAA dos Estados Unidos e a rentabilidade real das obrigações do governo britânico) comparadas com as taxas de crescimento económico reais de 17 países capitalistas

17 Croata 2000; Rodaria 2003.18 Felix, 2001.

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desenvolvidos (12 países ocidentais europeus, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, e Japão) desde 1860 até ao presente, utilizando médias móveis de 10 anos.

Na “época de ouro” (entre os anos 50 e o princípio dos anos 70), as taxas de crescimento económico eram mais elevadas do que as taxas de juro reais e por uma margem substancial. Desde os meados do século XIX, houve três períodos de taxas de juro reais elevadas: o primeiro período foi de 1870 a 1890; o segundo período foi entre 1920 e 1930 e o terceiro período começou no princípio dos anos 80. Como a taxa de juro real tende a igualar, em termos aproximados, a taxa de crescimento do valor real da dívida, os períodos de taxas de juro reais elevadas são igualmente períodos de expansão rápida do endividamento. Não é apenas uma coincidência que a era actual neoliberal tenha sido caracterizada por taxas de crescimento económico lentas e similares às dos finais do século dezanove e do início do século XX.

Depois do rebentamento da bolha do mercado de valores mobiliários nos Estados Unidos a Reserva Federal, para evitar uma profunda recessão, baixou a taxa de juro a curto prazo de 6,5 por cento para 1 por cento entre 2000 e 2003. Embora a Reserva Federal tenha depois subido as taxas de juro a curto prazo, a política monetária seguida pela maioria dos bancos centrais levou a que as suas taxas de juro tenham permanecido perto de zero.

As taxas de juro reais mais baixas têm, nos últimos anos, inundado o mundo com liquidez19 mas a expansão rápida da liquidez global

19 A oferta global de dólares americanos (a soma da base monetária americana e das reservas globais de divisas) subiu cerca de 25% em 2004. A quantidade de moeda americana de maturidade zero foi de 55% do PIB em 2004 contra a média de 38% durante o período de 1974 a 1997. A oferta de moeda da Zona Euro (definida como M1) foi de 38% do PIB em 2004 contra a média de 24,5% durante o período de 1991-1997. A oferta de moeda no Japão (definida como M1) foi de 73,5% do PIB em 2004 contra a média de 28% durante o período de 1980 a 1997 (Xie, 2004; The Economist, “The World Economy: Still Gushing Froth”, 3 de Fevereiro, 2005).

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não conduziu à expansão sustentável da procura efectiva apoiada pelo aumento do rendimento real da grande maioria da população mundial. Em vez disso, conduziu a uma série das bolhas especulativas sobre activos, especialmente da habitação, no mundo inteiro e com implicações perigosas para a economia global20.

Em suma, na era neoliberal, todos as principais componentes da procura efectiva mundial: o consumo de massas, o investimento produtivo e a despesa pública foram sujeitas a fortes e sustentados constrangimentos. Evidentemente, houve forças nos dois sentidos e aqui falamos em termos globais. Em certos períodos e nalguns países, a procura agregada pode expandir-se rapidamente devido ao crescimento do consumo ou de investimento dinamizado pelo efeito das bolhas21. Mas, em geral, no último quarto do século passado a economia global foi caraterizada por um lento abrandamento ou estagnação da procura efectiva.

Enquanto as forças estruturais das instituições neoliberais operam para reduzir a procura efectiva mundial, a economia global está a ser confrontada com um perigo particularmente enorme. Na falta de uma expansão vigorosa da procura nacional, muitos países são induzidos ou forçados a levar a cabo políticas de promoção do crescimento pela via das exportações, o que se deve fundamentalmente à criação de um ambiente económico desregulado no plano nacional e estrangeiro, caracterizado por baixos salários e baixas taxas. Há aqui um verdadeiro perigo que a tendência mundial para a expansão das exportações possa conduzir a uma “concorrência para baixo” no que

20 The Economist, “Global Housing Prices: Still Want to Buy”, 3 de Março, 2005.21 Kotz (2003) discute como é que as instituições neoliberais podem ter contribuído para que as bolhas especulativas tenham provocado a expansão da procura no contexto da economia americana nos anos 90.

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se refere a taxas de salários, taxas de tributação fiscal e outras, despesas sociais, assim como regulações sociais e ambientais, acabando por se concluir com o colapso da procura efectiva global22.

Mais ainda, na base das condições de funcionamento dos mercados financeiros liberalizados e da mobilidade elevada do capital entre os países, então os países que funcionam com défices na balança de pagamentos, provavelmente vão estar sob uma pressão forte para corrigir os défices com programas macroeconómicos deflacionistas (com excepção dos países cujas moedas são aceites como moedas de reserva internacionais). Por outro lado, muitos outros países tentam isolar-se dos grandes e adversos fluxos importantes assim como da turbulência financeira gerando excedentes comerciais e acumulando reservas em divisas estrangeiras. Nestas circunstâncias, se não há uma economia suficientemente grande que possa e queira absorver os excedentes do resto do mundo, as tentativas feitas por muitos países para gerarem excedentes ou reduzir défices, pode muito bem atirar a economia global para uma espiral deflacionismo crescente23.

Neste momento24, estas perigosas tendências, na sua maior parte, não foram ainda materializadas porque a maior economia e mais hegemónica do mundo, a economia dos Estados Unidos, actuou como consumidor “de último recurso” do mundo, implicando grandes e crescentes défices na balança de transacções correntes em contrapartida

22 Crotty, Epstein, e Kelly, 1998.23 Muitos estudantes da história do sistema monetário internacional reconhecem que os sistemas baseados na liberalização dos mercados financeiros e na liberdadade de movimentos de capitais tendem a impor fortes pressões deflacionistas sobre as economias nacionais e são vulneráveis à possibilidade de um colapso geral da procura efectiva mundial (Eatwell e Taylor, 2000; D’Arista, 2003; Eichengreen, 2004).24 N.T. Sublinhe-se que este texto foi escrito em 2005 e, neste caso, assume um carácter quase premonitório da crise actual.

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dos excedentes mundiais (e constituindo então mercado para a expansão das exportações do resto do mundo). Contudo, os défices na balança de transacções correntes não se podem manter eternamente a crescer relativamente ao PIB americano e do resto do mundo.

A tabela 1 expressa a evolução do crescimento de dados países e de grupos de países entre 1971 e 2003.

Tabela 1. Taxa de crescimento média anual do PIB para países e grupos de países seleccionados, 1971-2003 (%)

1971-1980 1981-1990 1991-2000 2001-2003

EUA 3.3 3.2 3.2 1.9

União Monetária Europeia 3.2a 2.4 2.1 1.0

Na qual: Alemanha 2.7a 2.3 1.9 0.3

França 3.3 2.5 1.9 1.2

Itália 3.6 2.3 1.6 0.8

Japão 4.5 4.1 1.4 0.9

Reino Unido 1.9 2.7 2.4 2.0

China 6.2 9.3 10.1 8.4

Países de rendimento elevado 3.5 3.2 2.6 1.6

Países de rendimento baixo e médio 5.6 2.8 3.2 3.8

Nos quais: Sudeste Asiático e Pacífico 6.6 7.3 7.8 7.1

Europa n.a. n.a. -1.7 4.1

América Latina e Caribe 5.9 1.1 3.4 0.3

Médio Oriente e Norte de África 4.5b 1.8 3.4 3.7

Ásia do Sul 3.1 5.6 5.2 5.5

África SubSahariana 3.6 1.7 2.2 3.5

Mundo 3.7 3.1 2.7 2.0

a 1972-1980. b 1976-1980.

Fonte: Banco Mundial (2004; 2005)

A distribuição global do crescimento foi fortemente desigual. Muita

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da economia global esteve sujeita a uma situação de estagnação e, às vezes, a maiores crises financeiras e reduções das condições e níveis de vida. Entre os anos 80 e o início dos anos 2000 as taxas de crescimento económico caíram e fortemente, em média, de 2,4 por cento a 1,0 por cento na Europa e de 4,1 por cento a 0,9 por cento no Japão, tendo-se reduzido a taxa média de crescimento nas economias de elevado rendimento de 3,2 por cento para 1,6 por cento, apesar do crescimento relativamente rápido da economia dos Estados Unidos.

Tabela 2. Medidas alternativas da taxa de crescimento económico mundial, 1971-2003 (%)

1971-1980 1981-1990 1991-2000 2001-2003

Medidas pelas taxas de câmbio de mercado

Mundo 3.7 3.1 2.7 2.0

Mundo (excluindo EUA) 4.0 3.1 2.3 2.1

Mundo (exluíndo EUA/China) 4.0 2.9 2.1 1.7

Parte dos EUA 30.3 34.8 42.7 34.8

Parte da China 1.4 3.8 9.1 15.1

Inportância da China e EUA 31.7 38.6 51.8 49.9

Medidas pelas taxas de câmbio à paridade de poder de compra

Mundo 3.8 3.2 3.3 3.1

Mundo (excluindo EUA) 4.0 3.2 3.4 3.4

Mundo (exluíndo EUA/China) 3.9 2.9 2.6 2.6

Parte dos EUA 19.6 22.0 21.6 13.7

Parte da China 4.7 12.4 23.9 30.8

Inportância da China e EUA 24.3 34.4 45.5 44.5

Fonte: Banco Mundial (2004; 2005)

Muitos dos países da periferia e da semi-periferia (Europa Oriental, Ásia central, América Latina, Médio Oriente e África) debateram-se entre a estagnação e as crises económicas durante os anos 80 e 90. A Europa Oriental, Médio Oriente, e África tiveram alguma recuperação no início dos anos 2000, reflectindo em certa medida o forte crescimento das exportações que se iniciou em 2003.

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Por outro lado, os Estados Unidos e o Reino Unido usufruíram de um crescimento relativamente rápido entre as economias de elevado rendimento. A China, a Ásia Oriental, e a Ásia do Sul usufruíram de um crescimento consistentemente rápido desde os anos 80.

A tabela 2 expressa as diversas alternativas para calcular o crescimento económico do mundo. Medido este pelas taxas de câmbio do mercado, as taxas de crescimento reais desceram progressivamente de 3,7 por cento nos anos 70 para 3,1 por cento nos anos 80, 2,7 por cento nos anos 90, e para 2,0 por cento no início dos anos 2000. A taxa de crescimento com exclusão dos Estados Unidos e com exclusão da China desceu de 3,9 por cento nos anos 70 para 1,7 por cento no início dos anos 2000.

Medidas pela paridade de poder de compra, as taxas de crescimento reais mundiais caíram, igualmente, de 3,8 por cento nos anos 70 para 3,1 por cento no início dos anos 2000. Mas, o declínio foi menos dramático e, de facto, a taxa de crescimento económico do mundo baseada na paridade de poder de compra cresceu a uma média de 3,6 por cento no período de 2001-2004. A taxa de crescimento mundo, excluindo os Estados Unidos e a China, caiu de 3,9 por cento nos anos 70 para 2,6 por cento no início dos anos 2000.

Os Estados Unidos e a China emergiram como os dois principais motores da economia global neoliberal. Durante os anos 90 e o início dos anos 2000, as duas economias em conjunto representaram cerca de 50 por cento do crescimento económico global, calculado este às taxas de taxas de câmbio nominais de mercado ou ainda 45 por cento baseadas na paridade de poder de compra.

É mesmo muito importante perceber que as duas economias conduziram o crescimento económico do mundo em duas maneiras praticamente opostas. No início dos 2000, os Estados Unidos contribuíram aproximadamente em 35 por cento do crescimento económico do mundo

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quando calculado às taxas de câmbio do mercado e a China contribuiu aproximadamente com 15 por cento. A contribuição dos Estados Unidos é de mais do dobro da China.

Contudo, em termos de paridade de poder de compra, a contribuição da China atingiu 31 por cento e a contribuição dos Estados Unidos não passa dos 14 por cento. A contribuição de China é assim mais do dobro da dos Estados Unidos.

Começando no início dos anos 90, criou-se uma diferença notável entre as taxa de crescimento do mundo calculadas às taxas de câmbio do mercado e quando calculadas à paridade de poder de compra. No início dos anos 2000, esta diferença aumentou em mais de um ponto percentual. São estas diferenças enormes e os contrastes interessantes entre os Estados Unidos e a China simplesmente um resultado de diferentes truques estatísticos?

É possivelmente discutível se as taxas de crescimento económico do mundo quando medidas à paridade de poder de compra captam melhor a expansão do volume físico de produtos e de serviços produzidos. Por outro lado, as taxas de crescimento económico do mundo baseadas às taxas de câmbio do mercado reflectem melhor o crescimento do rendimento do mundo em valores nominais. Suponha-se, que uma unidade de output físico na economia mundial em 1990 pode ser representado por um dólar “real” dos Estados Unidos. Então, a seguir, a diferença crescente entre as duas medidas do crescimento económico do mundo implica que em 2003, uma unidade de output físico do mundo pode ser representada por apenas 0,87 dólar “real” dos Estados Unidos

Por outras palavras, uma dada quantidade de output físico corresponde a uma quantidade progressivamente menor do rendimento em dinheiro “real”. O crescimento económico do mundo medido à paridade do poder de compra pode ser tomado como uma

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proxy para a medida da expansão da oferta efectiva à escala mundial e o crescimento medido às taxas de câmbio do mercado pode ser tomado como uma proxy para a medida da expansão da procura efectiva à escala mundial. Neste sentido, a diferença crescente entre as medidas do crescimento pode ser o reflexo da diferença de expansão entre a procura efectiva e a oferta efectiva do mundo.

Os Estados Unidos podem ser vistos, primeiramente, como o motor do lado de procura efectiva mundial e a China pode ser vista, primeiramente, como o motor do lado da oferta da economia global.

Ambos os motores, ambas as máquinas, contudo, sofrem agora de fortes desequilíbrios internos e externos.

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III.2. A CHINA E OS ESTADOS UNIDOS, NUMA ERA DE TRANSIÇÃO

Minqi Li, “Os EUA, a China, o Pico Petrolífero e a morte do neoliberalismo”,

Universidade de Utah, Salt Lake City, Abril de 2008,

disponível em http://resistir.info/peak_oil/china_peak_oil.html.

Até recentemente a economia capitalista global desfrutou um período de relativa tranquilidade e crescimento a um ritmo relativamente rápido após a crise económica global de 2001-02. Durante este período de expansão económica tem havido vários importantes desenvolvimentos económicos e políticos. Primeiro, os Estados Unidos – a potência económica declinante mas ainda a principal força condutora da economia capitalista global – foram caracterizados por crescentes desequilíbrios internos e externos. A economia estado-unidense experimentou um período de dívida financiada, «expansão» conduzida pelo consumo com salários e emprego estagnados, e tem estado a incorrer grandes e crescentes défices na Balança de Transacções Correntes (o défice na BTC é uma medida ampla do défice comercial). Segundo, a China tornou-se um actor principal na economia capitalista global e tem estado a desempenhar um papel cada vez mais importante na sustentação do crescimento económico global. Terceiro, a acumulação capitalista global está a impor uma pressão crescente sobre os recursos naturais e o ambiente do mundo. Há uma evidência cada vez mais convincente de que a produção petrolífera global atingirá o seu pico e começará a declinar dentro de poucos anos. Quarto, a aventura imperialista estado-unidense no Médio Oriente sofreu derrotas devastadoras e tem havido resistência crescente ao neoliberalismo e ao imperialismo americano por todo o mundo.

Quando a bolha habitacional dos EUA explode e o domínio do dólar sobre o sistema financeiro global torna-se cada vez mais precário, a economia estado-unidense está agora a ir para a recessão e a economia capitalista global está a entrar num novo período de instabilidade e estagnação. Nos próximos anos veremos provavelmente um grande realinhamento das várias forças

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políticas e económicas globais e isto estabelecerá o palco para uma nova ascensão da luta de classe global.

Neoliberalismo e desequilíbrios globais

A partir da década de 1980, o neoliberalismo tornou-se a ideologia económica dominante do capitalismo global. Sob as políticas e instituições neoliberais (tais como monetarismo, privatização, desregulamentação, «reforma» do mercado de trabalho e liberalização comercial e financeira), as desigualdades no rendimento e na distribuição de riqueza altearam-se e, em muitas partes do mundo, o povo sofreu declínios devastadores nos padrões de vida. Quando o capital financeiro fluía entre países em busca de ganhos especulativos, uma economia nacional após outra eram destruídas. Sob a pressão de capitalistas financeiros e dos seus representantes institucionais (tais como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA), muitos governos ficaram comprometidos com as chamadas políticas fiscal e monetária «responsáveis», o que muitas vezes conduziu a consequências económicas e sociais desastrosas.

Na década de 1990, as contradições do neoliberalismo levaram a crises financeiras cada vez mais violentas. De 1995 a 2002, a economia global foi abalada sucessivamente pelas crises que se desenvolveram no México, países do Sudeste Asiático, Rússia, Argentina e Turquia. A economia japonesa lutou com deflação e estagnação a seguir à explosão da bolha de activos em 1990. Havia um sério perigo de que toda a economia capitalista global pudesse cair num círculo vicioso de rupturas financeiras e afundamento na depressão. Neste contexto, os défices na BTC dos EUA desempenharam um indispensável papel estabilizador.

Nos anos 1990, os Estados Unidos experimentaram a maior bolha no mercado de acções da história. Apesar da estagnação dos salários reais e dos rendimentos familiares, o consumo doméstico expandiu-se rapidamente

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quando a dívida habitacional escalou. Na recessão de 2001, temendo que os Estados Unidos pudessem cair numa estagnação persistente, estilo japonês, o Federal Reserve cortou drasticamente a política de taxas de juro e manteve a taxa de juro real abaixo de zero durante vários anos. Em consequência, o mercado de acções permaneceu altamente super-valorizado de acordos com os padrões históricos e a oferta excessiva de moeda e capital a crédito por sua vez alimentaram uma grande bolha habitacional.

Alimentada por uma bolha de activos após outra, a economia dos EUA foi capaz de manter uma expansão relativamente rápida da procura interna. Quando o resto do mundo sofre de insuficiente procura interna, as importações americanas de bens e serviços tenderam a crescer mais rapidamente do que as exportações. Em consequência, os Estados Unidos têm estado a incorrer em grandes e crescentes défices na BTC, os quais em 2006 atingiram mais de 800 mil milhões dólares, ou 6 por cento do PIB.

Os défices dos Estados Unidos na BTC geram directamente procura efectiva para o resto da economia mundial, permitindo a muitas economias, incluindo as economias asiáticas e exportadores de petróleo e commodities, perseguirem o crescimento económico conduzido pelas exportações. Mas talvez, mais importante, os défices americanos na BTC representam gastos em excesso do rendimento que deve ser financiado pela tomada de empréstimos do resto do mundo. Os défices americanos portanto criam activos para o resto do mundo.

Os bancos centrais das economias asiáticas e os exportadores de petróleo tornaram-se os maiores financiadores dos défices da BTC dos EUA. De 1996 a 2006, o total de reservas em divisas estrangeiras de países de baixo e médio rendimento escalou de 527 mil milhões de dólares para 2,7 milhões de milhões de dólares e sua participação no PIB mundial mais do que triplicou: de 1,7 por cento para 5,6 por cento. A ascensão de reservas

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de divisas estrangeiras reduziu o risco de fugas de capital maciças e crises financeiras, permitindo a estes países terem algum espaço para prosseguirem políticas macroeconómicas expansionistas. A China, em particular, desempenhou um papel crucial no financiamento dos défices em conta corrente americanos e acumulou as maiores reservas de divisas estrangeiros actualmente montando a cerca de 1,6 milhão de milhões de dólares.

Gráfico 1. Taxa de crescimento anual mundial, 1961-2006, dólares constantes de 2000.

Fonte: World Bank, World Development Indicators Online, http://devdata.worldbank.org/dataonline.

O gráfico 1 apresenta as taxas de crescimento económico mundial de 1961 a 2006, com o PIB mundial medido em US dólares constantes de 2000. Na «era dourada» da década de 1960, a economia global expandiu-se rapidamente com taxas de crescimento anual a flutuarem entre 4 e 7 por cento. A partir da década de 1970, a economia global tem estado a lutar com crescimento vagaroso com taxas a flutuarem sobretudo entre 2 e 4 por cento. Durante quatro períodos, 1974-75, 1980-82, 1991-93 e 2001-02, a economia global esteve em crises profundas (embora não haja definição oficial, considera-se geralmente que a economia global está em recessão quando a taxa de crescimento económico do mundo cai abaixo dos 2,5 por cento ao ano). A partir de 2003, a economia global tem desfrutado de uma certa estabilidade relativa e cresceu a cerca de 4 por cento ao ano. Contudo, com a economia do EUA a entrar agora em recessão, esta estabilidade relativa de vida curta está prestes a chegar ao fim.

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A expansão económica dos EUA desde 2001

A Tabela 1 apresenta indicadores económicos seleccionados da economia dos EUA. A sua recuperação económica após a recessão de 2001 foi muito fraca. Desde então, a taxa de crescimento médio anual tem sido de apenas 2,4 por cento, a ser comparada com os 4 por cento na década de 1960 e os 3,3 por cento nas de 1980 e 1990. Tanto o emprego como os salários reais dos trabalhadores tem estado estagnados. Medido em dólares de 1982, o salário real horário médio dos trabalhadores do sector privado dos EUA em 2006 era de 8,2 dólares, cerca de 80 por cento mais baixo do que em 1972. A partir de 2000, o rendimento familiar mediano tem estado em queda.

Tabela 1. Indicadores seleccionados dos EUA

1961-1970 1971-1980 1981-1990 1991-2000 2001-2007

Crescimento económico (%) 4,2 3,2 3,3 3,3 2,4

Utilização da capacidade industria (%)l 85,1 82,7 79,8 82,2 77,9

Percentagem do PIB (%)

Consumo privado 61,8 62,5 64,7 67,3 70,1

Investimento privado 15,5 1,7,0 16,7 15,7 15,9

Despesa Pública 22,2 20,8 20,6 18,6 18,9

Exportações líquidas 0,6 -0,3 -1,9 -1,5 -4,9

Crescimento económico (%) 1,8 2,4 1,8 1,4 0,9

Taxa de crescimeno real dos salários %) 1,2 -0,6 -0,4 05 0,4

Taxa de crescimento real média do rendimento das famílias n.a. 0,3 0,6 1,0 -0,5

Taxa de distribuição de lucros de grandes empresas 10,1 7,7 6,6 7,7 8,1

S&P Price Earnings Ratio (PER) 17,1 11,4 12,8 23,0 26,2

Taxa de poupança das famílias 8,5 9,7 8,7 4,7 1,4

Importância da dívida relativamente ao rendimento das famílias 67,9 68,3 77,1 94,5 122,0

Rácio do serviço da dívida das famílias (%) n.a. n.a. 11,4 11,7 13,8

Fonte: U.S. Bureau of Economic Analysis, http://www.bea.gov; the U.S. Economic Report of the President,

http://www.gpoaccess.gov/eop/tables07.html; the U.S. Federal Reserve Board, http://www.federalreserve.gov/releases.

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Contudo, os lucros corporativos têm escalado. Os lucros corporativos em proporção do PIB aumentaram de 5,8 por cento em 2001 para 9,8 por cento em 2006. O preço das acções em relação aos rácios de rendimentos permanece excessivamente elevado, sugerindo que a bolha do mercado de acções ainda não foi plenamente desinchada. O boom do mercado de acções no fim da década de 1990 conduziu ao sobre-investimente generalizado. No princípio dos anos 2000, as taxas de utilização da capacidade industrial estavam nos mais baixos em todas as décadas do período pós Segunda Guerra Mundial. Com excesso de capacidade de produção substancial, o investimento privado tem sido lento apesar da melhoria dramática na lucratividade corporativa.

O crescimento económico estado-unidense desde 2001 tem sido conduzido pela expansão do consumo familiar, o qual agora representa mais de 70 por cento do PIB. Como a maioria das famílias sofre de rendimento em queda ou estagnados, a expansão do consumo foi financiada pelo crescimento explosivo da dívida habitacional. A dívida habitacional dos EUA ascendeu de cerca de 90 por cento do rendimento pessoal disponível para 103 por cento em 2000, e para 140 por cento em 2006. Em 2007, os serviços de dívida habitacional (juros e pagamentos do principal em dívida) ascenderam para 14 por cento do rendimento disponível, o mais alto já registado. Nesse meio tempo, a taxa de poupança familiar (o rácio da poupança familiar em relação ao rendimento disponível) caiu da média histórica de aproximadamente 10 por cento para, agora, virtualmente zero.

O consumo financiado pela dívida era claramente insustentável. Nem a dívida das famílias nem o fardo do serviço da dívida podiam subir indefinidamente em relação ao rendimento familiar. Com a explosão da bolha habitacional, as famílias terão de aumentar as suas taxas de poupança e reduzir seu fardo de dívida. Se a taxa de poupança familiar retornassem ao seu nível médio histórico, isto conduziria a uma enorme redução dos gastos familiares. Com a maioria dos lares ameicanos a sofrerem de rendimentos reais em queda ou em estagnação, é difícil ver como o consumo possa crescer

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rapidamente nos próximos anos. Se o consumo estagna, então, dado o peso esmagador do consumo na economia estado-unidense, é altamente provável que caiu numa recessão profunda seguida por uma estagnação persistente.

Será que o Federal Reserve será capaz de vir em resgate e criar mais uma bolha maciça de activos? Aterrorizado pela perturbação dos mercados globais de acções, o Federal Reserve já cortou drasticamente nas taxas de juro. Contudo, com o mercado de acções e o mercado habitacional bastante super-valorizados, é difícil que alguém possa identificar uma outra grande bolha de activos a criar. Além disso, com o nível de endividamento familiar tão elevado e a taxa de poupança familiar já tão baixa, taxas de juro baixas pouco podem fazer para estimular o consumo familiar.

Mais realisticamente, com o consumo familiar a estagnar ou contrair-se, o governo dos EUA podia tentar compensar a desvantagem com mais gastos públicos e um aumento no défice fiscal. Se as taxas de poupança familiares ascendessem em direcção à sua média histórica, então Washington terá de incorrer num défice fiscal muito grande, da ordem dos 6 por cento do PIB ou mais. Dado o actual ambiente político nos Estados Unidos, é duvidoso que uma política fiscal efectiva de uma magnitude suficientemente grande possa ser desenvolvida e executada.

Se a actual ou, mais provavelmente, a próxima administração atrever-se a utilizar políticas expansionistas muito agressivas para revitalizar a economia, então os Estados Unidos provavelmente continuarão a incorrer em défices na Balança de Transacções Correntes (BTC) muito grandes. Com um défice da BTC de 6 por cento do PIB, teoricamente, a dívida externa líquida dos EUA podia continuar a ascender para 120 por cento do PIB.25 Isto seria claramente

25 A dívida externa líquida equivale à soma acumulada dos défices de transacções correntes. Se assumirmos que o défice de transacções correntes dos EUA permanece em 6 por cento do PIB, a taxa de crescimento do PIB nominal americano continuar em 5 por cento ao ano, e que não há mudança na taxa de câmbio, então teoricamente o rácio da dívida externa líquida americana em relação ao PIB manter-se-á ascendendo até 120 por cento.

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impossível. Muito antes de este limite teórico ser atingido, tornar-se-ia cada vez mais difícil para os Estados Unidos financiarem seus défices na BTC. O actual declínio relativamente ordenado do dólar transformar-se-ia num crash. O dólar perderia seu status como divisa de reserva principal do mundo e os Estados Unidos experimentariam a sua própria terapia de choque.

De um modo ou de outro, os Estados Unidos não serão capazes de incorrer em grandes e crescentes défices na BTC durante muito mais tempo. Dado o papel crucial dos défices na BTC dos Estados Unidosna estabilização da economia capitalista global, se a economia dos EUA cair em estagnação persistente e o seu défice na BTC tiver de ser corrigido, levanta-se a questão: Qual das outras grandes economias pode substituir os Estados Unidos para conduzir a expansão da economia capitalista global?

A China e o capitalismo global

O gráfico 2 compara a contribuição para o crescimento económico mundial das grandes economias do mundo (medidas pelo rácio entre o crescimento económico nacional e o crescimento económico global). A contribuição dos EUA caiu de cerca de 40 por cento no fim da década de 1990 para aproximadamente 30 por cento hoje, e a contribuição da Eurozona caiu de cerca de 20 por cento para cerca de 10 por cento. Em comparação, a contribuição da China ascendeu para cerca de 15 por cento e o grupo «BRIC» (Brasil, Rússia, Índia e China em conjunto) agora gera mais de 20 opor cento do crescimento económico do mundo.

Como à Eurozona falta impulso de crescimento e o Brasil, Rússia e Índia permanecem relativamente pequenos para desempenhar papéis decisivos na economia global, a China parece ser o único candidato plausível para substituir os Estados Unidos e tornar-se a principal força condutora da economia capitalista global. Poderá a China conduzir o capitalismo global a um outro período de estabilidade e crescimento rápido?

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Gráfico 2. Contribuição para o crescimento ecnómico mundial (em percentagem), 1981-2006, média

móvel de três anos.

Fontes: World Bank, World Development Indicators Online, http://devdata.worldbank.org/dataonline.

Após o famoso «Passeio ao Sul» de Deng Xiaoping, em 1992, a liderança do Partido Comunista Chinês ficou oficialmente comprometida com o objectivo de uma «economia socialista de mercado», a qual, no contexto chinês, não é senão um eufemismo para capitalismo. Na década de 1990, a maior parte do Estado e das empresas possuídas colectivamente na China foram privatizadas. Dezenas de milhões de trabalhadores do Estado e do sector colectivo foram despedidos. Os trabalhadores remanescentes do sector estatal perderam os seus direitos socialistas tradicionais simbolizado pelo “iron rice bowl” (um pacote de direitos económicos e sociais que incluía segurança de emprego, cuidados médicos, infantários, pensões e habitação subsidiada) e foram reduzidos a trabalhadores assalariados explorados por capitalistas internos e estrangeiros. Nas áreas rurais, com o desmantelamento das comunas populares, os sistemas públicos de cuidados médicos e de educação entraram em colapso. Mais de uma centena de milhão tornaram-se trabalhadores migrantes, formando o maior exército de reserva do mundo de trabalho barato.

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Tabela 2. Níveis salarais de trabalhadores da indústria transformadora em países seleccionados, 2005

Países Salário mensal (U.S. $) Como percentagem dos U.S. $

Estados Unidos 2.898,2 100,0

Japão 2.650,2 91,4

Coreia do Sul 2.331,4 80,4

Hungria 732,7 25,3

República Checa 612,0 21,1

POlónia (2004) 585,9 20,2

Chile 432,4 14,9

México (2004) 341,9 11,8

Brasil (2002) 308,7 10,7

Perú 237,8 8,2

China (2004) 141,3 4,9

Tailândia (2003) 133,5 4,6

Filipinas (2004) 98,8 3,4

Índia (2003) 23,2 0,8

Fonte: International Labour Office (Geneva), Yearbook of Labour Statistics 2006, 763–838, 933–1031. Wage rates are converted into U.S.

dollars using exchange rates from World Bank, World Development Indicators Online (2007).

A Tabela 2 compara a taxa salarial dos trabalhadores chineses com taxas salariais em países seleccionados. Uma taxa salarial de trabalhador médio na China é cerca de um vigésimo daquela nos Estados Unidos, um sexto daquela na Coreia do Sul, um quarto daquela na Europa do Leste e a metade daquela no México ou no Brasil. A taxa salarial média chinesa agora parece ser mais alta do que aquela em países vizinhos do Sudeste Asiático. Mas a taxa salarial média chinesa pode estar superestimada pois as estatísticas oficiais de salários cobrem apenas os trabalhadores no sector urbano formal e não incluem os trabalhadores migrantes.

Uma força de trabalho grande, produtiva e barata permite aos capitalistas chineses e aos capitalistas estrangeiros na China lucrarem com

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a exploração intensa e maciça. Contudo, isto levanta a questão de como o montante maciço de valor excedente (surplus value) produzido pelos trabalhadores chineses pode ser realizada através da «procura efectiva». Com a maioria dos trabalhadores e camponeses chineses pesadamente explorados, o consumo de massa tem estado a crescer, na melhor das hipóteses, a um ritmo mais vagaroso do que a economia em geral. Como o consumo de massa fica para trás, a economia chinesa tem dependido cada vez mais do investimento e de exportações para guiar a expansão da procura.

Tabela 3. Indicadores seleccionados da economia chinesa, 1981-2005

1981-85 1986-90 1991-95 1996-00 2001-06

Crescimento económico (%) 10,7 7,9 12,3 8,6 9,7

Parte do rendimento do trabalho (%) 52,3 51,3 41,4 39,7 38,0

Percentagem do PIB (%)

Consumo privado 51,8 50,2 45,5 45,8 40,7

Consumo público 14,6 13,6 14,6 14,5 14,9

Investimento 33,9 36,5 39,0 36,6 40,6

Exportações líquidas -0,2 -0,4 0,9 3,1 3,7

Exportações 11,4 16,2 22,9 21,2 30,9

Crescimento do consumo de energia (%) 4,9 5,2 5,9 1,1 9,9

Crescimento do consumo de carvão (%) 6,0 5,3 5,4 -0,8 10,3

Crescimento do consumo de petróleo (%) 0,9 4,6 7,0 7,0 7,7

Fonte: China’s National Bureau of Statistics, China Statistical Yearbook 2007 e anos anteriores.

A Tabela 3 apresenta indicadores seleccionados da economia chinesa. O rendimento do trabalho (a soma dos rendimentos salariais dos residentes urbanos e dos rendimentos líquidos dos camponeses) em proporção do PIB da China caiu de 51-52 por cento na década de 1980 para 38 por cento no princípio dos anos 2000. Analogamente, o consumo familiar em proporção do PIB caiu de 50-52 por cento na década de 1980 para 41 por cento no princípio dos anos 2000. Em contraste, a proporção de investimento no PIB

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ascendeu mais de 40 por cento e a proporção das exportações cresceu mais de 30 por cento.

As exportações líquidas já davam uma contribuição significativa para o crescimento económico da China no fim da década de 1990 e princípio da de 2000. Desde então, o excedente comercial da China experimentou um crescimento explosivo. Em 2007, a China tinha um enorme excedente na BTC de US$378 mil milhões, ou 12 por cento do PIB da China. Dentro de poucos anos, espera-se que a China ultrapasse a Alemanha e se torne o maior exportador do mundo.

Por quanto tempo poderá o actual modelo de crescimento da China ser sustentado? Os Estados Unidos representam cerca de 20 por cento do mercado exportação geral da China. Em 2007, a União Europeia como um todo (incluindo a Eurozona, o Reino Unido e os novos Estados membros da Europa do Leste) realmente substituíram os Estados Unidos e tornaram-se o maior mercado único de exportações da China. Contudo, para a China incorrer em grandes excedentes na BTC, algumas outras economias tem de incorrer em grandes défices na BTC. A balança de transacções correntes geral da Europa tem estado num equilíbrio grosseiro. De uma perspectiva global, os excedentes na BTC da China têm sido inteiramente absorvidos pelos défices dos Estados Unidos na BTC. Se os Estados Unidos não incorrerem mais em grandes defíces corrente, então, a menos que a Europa comece a incorrer em grandes défices, será muito difícil para China sustentar seus grandes excedentes comerciais.

O nível de investimento excessivamente elevado da China resulta numa procura maciça de energia e matérias-primas. Em 2006 a China consumiu um terço do aço mundial e um quarto do alumínio e do cobre mundial. O consumo de petróleo da China foi de 7 por cento do total mundial, mas a partir 2000 a China tem representado um terço da procura de petróleo incremental total do mundo. A procura maciça da China foi

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um factor importante por trás da escalada dos custos globais de energia e matérias-primas. Entre Janeiro de 2003 e Janeiro de 2008, o índice mundial dos preços da energia no mundo ascendeu 170 por cento e o índice mundial dos preços de metais ascendeu 180 por cento.26

Se o nível actual de investimento for sustentado por mais alguns anos, isto deixaria a China com um maciço excesso de capacidade de produção que é muito maior do que o necessário para atender a procura final no mercado mundial e muito maior do que pode ser suportado pela oferta mundial de energia e matérias-primas. A China seria então ameaçada com uma grande crise económica. Para a economia chinesa ser reestruturada numa base mais “sustentável” (do ponto de vista da sustentabilidade da acumulação capitalista), a economia chinesa tem de ser reorientada em direcção à procura interna e ao consumo.

Como o investimento e as exportações líquidas da China têm estado a crescer mais rapidamente do que a economia global, a fatia combinada do consumo familiar e do governo agora representa pelo menos 50 por cento do PIB. Se o investimento retornasse para níveis mais sustentáveis (cerca de 30-35 por cento do PIB) e o excedente comercial se tornasse mais pequeno (0-5 por cento do PIB), então a fatia conjunta do consumo familiar e do governo precisaria ascender mais do que 15 pontos percentuais, para 65 por cento do PIB. Mas para o consumo crescer, os rendimentos dos trabalhadores e camponeses e as despesas sociais do governo têm de crescer em conformidade. A Tabela 3 mostra a estreita correlação entre rendimento do trabalho e consumo familiar. Daí decorre que deve haver uma maciça redistribuição do rendimento dos capitalistas para o trabalho e os gastos sociais numa quantia equivalente a cerca de 15 por cento do PIB.

26 Martin Wolf, “China Changes the Whole World”, Financial Times, 23 de Janeiro, 2008.

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Será que a classe capitalista chinesa será suficientemente esclarecida para empreender uma tal reestruturação económica e social? Suponha-se que a liderança do Partido Comunista Chinês tenha vistas suficientemente largas para entender que, para a segurança dos interesses a longo prazo do capitalismo chinês, seja necessário efectuar algumas concessões aos trabalhadores e camponeses chineses. Será que o partido terá a vontade necessária e os meios para impor uma tal redistribuição às corporações transnacionais, aos ricos capitalistas chineses (muitos dos quais têm íntimas ligações dentro do partido e do governo), e aos governos provinciais e locais que nos últimos anos desenvolveram várias alianças com os capitalistas internos e estrangeiros? Estas são algumas perguntas difíceis para as elites capitalistas chinesas.

O Pico Petrolífero e os limites da acumulação

Suponha-se que a classe capitalista chinesa tenha a necessária clarividência e vontade para efectuar uma reestruturação keynesiana, estilo social-democrata. Será que uma tal reestruturação conduzirá o capitalismo chinês a um caminho de crescimento sustentável e rápido, e será que a expansão da economia chinesa conduzirá por sua vez a economia capitalista global a uma outra «era dourada»?

A Tabela 3 mostra o crescimento do consumo de energia na China. A partir de 2000 ele acelerou-se muito. Representa agora 15 por cento do total mundial e equivale a 70 por cento do consumo de energia dos EUA. À taxa de crescimento actual, o consumo de energia da China duplicará em sete anos e a China dentro em breve ultrapassará os Estados Unidos e tornar-se-á o maior consumidor de energia do mundo. A China depende do carvão para cerca de70 por cento do seu consumo energético total e o consumo de carvão do país também está a crescer a uma taxa que indica uma duplicação em sete anos. O consumo de petróleo da China (já representando um terço da procura incremental do petróleo mundial) está a crescer a uma taxa que

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implica uma duplicação em nove anos. Por outras palavras, em cerca de uma década, se a tendência actual se mantiver, a China consumirá uma vez e meia tanta energia quanto os Estados Unidos consomem hoje. Será que a oferta mundial de energia se manterá ao ritmo da procura em crescimento rápido da China enquanto atende à procura do resto do mundo?

A economia capitalista global depende de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão) em 80 por cento da oferta mundial de energia. O petróleo representa um terço da oferta total de energia e 90 por cento da energia utilizada no sector dos transportes. O petróleo é também um input essencial para a produção de fertilizantes, plásticos, remédios modernos e outros produtos químicos.

O petróleo é um recurso renovável. Num estudo recente, o Energy Watch Group alemão destaca que as descobertas mundiais de petróleo atingiram o pico na década de 1960, a produção de petróleo já atingiu o pico em 25 grandes países ou regiões produtoras, e apenas nove países ou regiões ainda têm potencial de crescimento. Todas as grandes companhias de petróleo internacionais estão a lutar para impedir o declínio da sua produção de petróleo.27

Colin Campbell, da Association for the Study of Peak Oil and Gas estima que a produção mundial de todos os líquidos (inclui petróleo bruto, areias asfálticas, xistos betuminosos, líquidos de gás natural, processos gas-to-liquids e coal-to-liquids, e biocombustíveis) provavelmente atingirá o pico cerca de 2010. Após o pico, a produção mundial de petróleo cairá cerca de 25 por cento no ano 2020 e cerca de dois terços em 2050. Campbell também estima que a produção mundial de gás natural atingirá o pico em 2045. Num estudo anterior, o Energy

27 The Germany Energy Watch Group, “Crude Oil - The Supply Outlook,” EWG-Series, nº 3, Outubro, 2007, disponível em http://www.energywatchgroup.org/.

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Watch Group alemão espera que a produção mundial de carvão atinja o pico em 2025.28

A energia nuclear e muitas fontes de energia renovável (tais como solar e vento), além das suas muitas outras limitações, não pode ser utilizada para fabricar combustíveis líquidos e gasosos ou servir como matéria-prima em indústrias químicas. A biomassa é a única fonte de energia renovável que pode ser utilizada como substituto para combustíveis fósseis na fabricação de combustíveis líquidos ou gasosos. Mas a produção em grande escala de biomassa poderia conduzir a problemas ambientais muito sérios, e o potencial de biomassa está limitada pela quantidade disponível de terra produtiva e água. Ted Trainer, um eco-socialista australiano, estima que atender a actual procura estado-unidense de petróleo e gás exigiria o equivalente a nove vezes de todas as terras agriculturáveis dos EUA ou que oito vezes toda a terra actualmente florestada dos EUA fosse plenamente dedicada à produção de biomassa. Trainer conclui que “não há possibilidade de que mais do que uma fracção muito pequena da procura de combustíveis líquidos e gasosos possa ser atendida por fontes de biomassa”.29

Se a produção mundial de petróleo e a produção de outros combustíveis fósseis alcançar seu pico e começar a declinar nos próximos anos, então a economia capitalista global enfrentará uma crise sem precedentes que será difícil ultrapassar.

O esgotamento rápido de combustíveis fósseis é apenas um

28 The Association for the Study of Peak Oil and Gas, Newsletter, nº 86, Fevereiro, 2008; The Germany Energy Watch Group, “Coal: Resources and Future Production”, EWG-Series, nº. 1, Março 2007, disponível em http://www.energywatchgroup.org/.29 Ted Trainer, Renewable Energy Cannot Sustain A Consumer Society, Dordrecht, Netherlands: Springer, 2007, 73–92.

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entre muitos problemas ambientais sérios com que o mundo hoje se confronta. O sistema económico capitalista está baseado na produção para o lucro e a acumulação de capital. Numa economia capitalista global, a competição entre capitalistas individuais, corporações e Estados capitalistas força cada um deles, constantemente, a perseguir a acumulação de capital em escalas cada vez maiores.

Portanto, sob o capitalismo, há uma tendência para a produção material e o consumo expandirem-se incessantemente. Após séculos de acumulação implacável, os recursos não renováveis do mundo estão a ser esgotados rapidamente e o sistema ecológico da terra está agora à beira do colapso. A sobrevivência da civilização humana está em risco.30

Alguns argumentam que, devido ao progresso tecnológico, os países capitalistas avançados tornaram-se “desmaterializados” (diminuindo a quantidade de materiais e energia por unidade de produção) pois o crescimento económico repousa mais sobre serviços do que sobre o sector industrial tradicional, o que tornaria o crescimento económico menos prejudicial ao ambiente. De facto, muitos dos modernos sectores de serviços (tais como transportes e telecomunicações) são altamente intensivos em energia e recursos.

Apesar de tais afirmações respeitantes à desmaterialização, os países capitalistas avançados são ecologicamente muito mais desperdiçadores do que a periferia, com consumo per capita de energia e recursos e uma pegada ecológica (ecological fooprint) de longe mais alta do que a média mundial. Segundo o Living Planet Report, a América do Norte tem uma pegada ecológica per capita de 9,4 hectares globais, mais do que quatro vezes a média mundial (2,2 hectares globais). A União Europeia, supostamente amiga do

30 Sobre o potencial de destruição da acumulação capitalista sobre o ambiente global, ver John Bellamy Foster, “The Ecology of Destruction,” Monthly Review, 58, no. 8, Fevereiro, 2008, 1–14.

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ambiente, tem uma pegada ecológica de 4,8 hectares globais, ou seja, mais do que o dobro da média mundial. Cuba, o único país que permanece comprometido com objectivos socialistas entre os Estados socialistas históricos, é o único país que alcançou um alto nível de desenvolvimento humano (com um índice de desenvolvimento humano superior a 0,8) ao mesmo tempo que tem uma pegada ecológica per capita menor do que a média mundial.31

A apregoada desmaterialização das economias capitalistas avançadas, no sentido mais vasto e mais significativo do declínio do impacto ambiental global, são de facto refutadas pelo Paradoxo de Jevons, o qual diz que a eficiência acrescida na aportação de energia e materiais normalmente conduz a um aumento na escala de operações, e através disso a uma ampliação da pegada ecológica geral. Isto tem sido um padrão normal através da história do capitalismo.32

Além disso, parte do que é mencionado como desmaterialização decorre da relocalização do capital industrial dos países capitalistas avançados para a periferia em busca de trabalho barato e baixos padrões ambientais. A ascensão dramática do capitalismo chinês resultou parcialmente desta relocalização capitalista global. Embora os países capitalistas avançados possam ter-se tornado ligeiramente “desmaterializados” neste sentido, os capitalistas e as chamadas classes média na China, Índia e Rússia, e grande parte da periferia, estão a emular e reproduzir o estilo de vida “consumista” capitalista que é muito desperdiçador numa escala maciçamente ampliada. O capitalismo global como um todo continua a mover-se implacavelmente rumo à catástrofe ambiental global.

31 World Wildlife Fund, Zoological Society of London e Global Footprint Network, Living Planet Report, 2006, disponível em http://www.panda.org/downloads/living_planet_report.pdf.32 John Bellamy Foster, Ecology Against Capitalism, Monthly Review Press, 2002, 94–95.

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A morte do neoliberalismo e a era de transição

Em 1 de Fevereiro, Immanuel Wallertein, o principal teórico do sistema mundial, nos seus comentários bisemanais declarou o ano 2008 como o ano da “Morte da globalização neoliberal”. Wallerstein começa por destacar que, ao longo da história do sistema-mundo capitalista, as ideias de capitalismo de mercado livre com intervenção governamental mínima e as ideias de capitalismo regulado pelo estado com alguma protecção social estiveram na moeda em ciclos alternados.

Em resposta à estagnação dos lucros à escala mundial na década de 1970, o neoliberalismo tornou-se politicamente dominante nos países capitalistas avançados, na periferia e, finalmente, no antigo bloco socialista. Contudo, o neoliberalismo fracassou no cumprimento da sua promessa de crescimento económico, e quando as desigualdades globais aumentaram, grande parte da população mundial sofreu declínios nos rendimentos reais. Após meados dos anos 1990, o neoliberalismo deparou-se com resistência crescente por todo o mundo e muitos governos tem estado sob pressão para restaurar alguma regulação estatal e protecção social.

Confrontada com a crise económica, a administração Bush perseguiu em simultâneo uma nova ampliação das desigualdades internamente e o imperialismo unilateral no exterior. Estas políticas por agora fracassaram decisamente. Quando os Estados Unidos já não podem financiar sua economia e suas aventuras imperialistas com dívida externa cada vez maior, o US dólar, acredita Wallerstein, enfrenta a perspectiva de uma queda livre e deixará de ser a divisa de reserva do mundo.

Wallerstein conclui: “O desequilíbrio político está a balouçar para trás... A questão real não é se esta fase está ultrapassada mas se o balouço de volta será capaz, como no passado, de restaurar um estado de equilíbrio relativo no sistema-mundo. Ou foi efectuado demasiado dano? E estaremos

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nós agora incapazes de evitar o caos mais violento na economia-mundo e portanto no sistema-mundo como um todo?”33

Seguindo os argumentos de Wallerstein, nos próximos anos iremos provavelmente testemunhar um grande realinhamento da política global e das forças económicas. Haverá uma intensificação na luta de classe global acerca da direcção da transformação social global. Se estivermos num dos ciclos do sistema-mundo capitalista, portanto rumo ao fim do actual período de instabilidade e crise, provavelmente observaremos um retorno ao domínio keynesiano ou politicas capitalistas de Estado capitalistas por todo o mundo.

Contudo, muito mal foi feito. Após séculos de acumulação capitalista global, o ambiente global está à beira do colapso e não há mais espaço ecológico para uma outra grande expansão do capitalismo global. A escolha é nítida - ou a humanidade permitirá que o capitalismo destrua o ambiente e portanto a base material da civilização humana, ou destruirá o capitalismo primeiro. A luta pela sustentabilidade ecológica deve juntar as suas forças com as lutas dos oprimidos e explorados para reconstruir a economia global na base da produção para as necessidades humanas de acordo com princípios democráticos e socialistas.

Neste sentido, entrámos numa nova era de transição. No fim desta transição, de um modo ou de outro, estaremos num mundo fundamentalmente diferente e cabe a nós decidir que espécie de mundo virá a ser.

33 Immanuel Wallerstein, “2008: The Demise of Neoliberal Globalization,” Commentary no. 226, 1 de Fevereiro, 2008, disponível em http://www.binghamton.edu/fbc/226en.htm.

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© China Blue, 2007.

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IV. OS CONFLITOS SOCIAIS, OS CONFLITOS DE CLASSES

E OS MERCADOS DE TRABALHO

IV.1 AS CONDIÇÕES DOS TRABALHADORES NA CHINA

Robert Weil, “Conditions of the Working Classes in China”,

Monthly Review, Vol. 58, n.º 2, Junho, 2006,

disponível em http://www.monthlyreview.org/0606weil.htm.

Introdução

Este artigo é fundamentalmente baseado numa série de reuniões com trabalhadores, camponeses, sindicalistas e activistas de esquerda, nas quais participei, durante o Verão de 2004, juntamente com Alex Day e um outro estudante de assuntos chineses. Faz parte de um texto mais longo que será publicado, como um relatório especial, pelo Instituto de Oakland. As reuniões ocorreram principalmente na região de Pequim, assim como na província de Jilin, a nordeste, e nas cidades de Zhengzhu e de Kaifeng, na província central de Henan. O que ouvimos revela de forma incisiva os efeitos das transformações maciças que ocorreram nas três décadas que se seguiram à morte de Mao Tsé-tung, com o desmantelamento das políticas socialistas revolucionárias realizadas sob a sua liderança e com o regresso à via capitalista, deixando as classes trabalhadoras numa posição cada vez mais precária. O rápido alargamento da polarização social – numa sociedade que estava entre as mais igualitárias – está a ocorrer entre os dois extremos da riqueza: o de topo da escala de rendimentos e o volume crescente de trabalhadores e de camponeses na parte mais baixa da escala de rendimentos,

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cujas condições de vida estão a agravar-se de dia para dia. Exemplifiquemos: a lista de 2006 dos multimilionários globais, publicada pela revista Fortune, inclui sete na China continental e um em Hong Kong. Embora o valor dos seus activos seja pequeno, quando comparado com o dos multimilionários dos Estados Unidos e de outros lugares, representam a emergência de um capitalismo chinês desenvolvido. A corrupção desenfreada une o Partido, as autoridades estatais e os gestores principais das empresas com os novos empresários privados, numa teia de alianças que estão a enriquecer uma classe capitalista em germinação, enquanto as classes trabalhadoras estão a ser exploradas como nunca o foram na última metade do século XX.

Os trabalhadores com quem falámos são alguns entre as dezenas de milhões que foram atirados para fora dos seus empregos anteriores nas empresas públicas – que eram então os pilares da economia –, com a perda de todos os direitos e regalias sociais que lhes eram conferidos pelas suas unidades colectivas de trabalho: habitação, instrução, cuidados médicos e reformas, entre outros. Uma vez que estas empresas públicas foram transformadas em empresas com fins lucrativos, e para isso foram vendidas de imediato a investidores privados ou foram semiprivatizadas por gestores e por autoridades do Estado e do Partido, a corrupção tornou-se assim a norma comum.

Os camponeses com quem nos encontrámos estavam muito preocupados com os efeitos, a longo prazo, da dissolução das comunas rurais e da introdução do sistema da responsabilidade familiar, segundo o qual cada agregado familiar contrata com a administração local uma parcela de terra para cultivar. Sob a pressão da abertura do país ao mercado global, a venda das terras pelas autoridades locais aos promotores – sem uma compensação adequada aos aldeões e com a devastação ambiental desenfreada das áreas rurais – esta política deixou centenas de milhões a debaterem-se com a dificuldade de encontrar uma maneira viável de ganhar a vida, ao mesmo tempo que

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lhes eram retirados os apoios colectivos que a sociedade até aí lhes concedia. Cerca de 100 milhões destes camponeses transformaram-se na população que migrou para as cidades, procurando trabalho na construção, nas novas fábricas que produziam para exportação, ou então nos trabalhos mais sujos e nos mais perigosos, em que lhes faltavam até os direitos mais básicos. Para muitos migrantes, as condições de vida estão a deteriorar-se rapidamente, à medida que se estabelecem de forma semipermanente nas comunidades urbanas e aumentam os problemas de envelhecimento e de saúde.

As classes trabalhadoras chinesas não ficaram passivas face a esta degradação das suas condições e à perda de direitos adquiridos, ao longo de décadas, através da luta e do sacrifício pela revolução socialista. Os conflitos de classes e a agitação social aumentaram em flecha, até níveis nunca atingidos durante décadas. Os trabalhadores, os camponeses e os migrantes, na China de hoje, organizam algumas das maiores manifestações feitas em qualquer outro lugar do mundo, às vezes envolvendo dezenas de milhares de pessoas e tendo como resultado conflitos violentos com as autoridades. O próprio ministro da Segurança Pública publicou dados em que admite que «os incidentes com multidões ou as manifestações e os motins» ascenderam a 74 000 em 2004, quando eram apenas 10 000 há uma década, mas foram já 58 000 em 200334. A ameaça do crescimento da instabilidade social representa um desafio profundo ao Partido e aos principais dirigentes do Estado, e já provocou alterações de política, na tentativa de neutralizar a agitação que tem vindo a crescer. Mesmo a nova classe média – constituída por quadros superiores e dirigentes de empresas, assim como por licenciados provenientes de fileiras em rápida expansão, muitos dos quais prosperaram durante as décadas

34 The New York Times, 24 de Agosto, 2005.

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do boom económico –, até essa está em clara fragmentação. O aumento do custo do ensino, que na época de Mao era quase gratuito até à universidade, está a tornar-se proibitivo, especialmente para as classes trabalhadoras. Aqueles que,  recentemente, se têm formado já começam a ter dificuldade crescente em encontrar trabalho. A pressão do mercado tem aqui o seu preço, mesmo para aqueles que estão em melhor situação. Os ganhos que o desenvolvimento económico trouxe – especialmente um maior acesso aos bens de consumo e à alimentação, assim como uma maior mobilidade e uma maior oportunidade de encontrar trabalho – está a ser reduzida, para milhões de pessoas, pelo aumento da insegurança e pelo alargamento das diferenças na repartição do rendimento. Como consequência, a China está a entrar num período de aguda luta de classes e de incerteza política, que não serão resolvidas facilmente. O caminho que se abre às classes trabalhadoras será muito difícil e o renascimento da esquerda, embora altamente significativo, está ainda numa fase inicial. Este ensaio explora estas complexidades e possibilidades, mas decidi omitir aqui, em geralmente, os nomes de pessoas e organizações, para as proteger.

Conflito e unidade

À superfície, pelo menos, pareceria que as condições convergentes dos trabalhadores urbanos, dos migrantes e dos camponeses – e até mesmo de muitos membros da nova classe média – forneceriam a base para uma vasta unidade na luta contra aqueles que os estão a explorar, através das reformas capitalistas do mercado e da abertura da China às forças económicas globais. Mas, como em situações similares nos Estados Unidos e noutras partes do mundo, a unidade das classes trabalhadoras é mais fácil de conceber em teoria do que de realizar na prática. Os velhos preconceitos, especialmente a pouca consideração com que muitos chineses urbanos vêem os camponeses, são difíceis de ultrapassar – isto agravado

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pelas novas formas de concorrência causadas pelas migrações internas em massa, das áreas rurais para as cidades, assim como pela manipulação feita por aqueles que estão no poder, que usam os métodos já bem rodados de dividir para reinar, atirando uns contra os outros.

Como exemplo, quando se pergunta se os trabalhadores de Pequim acham que os migrantes estão a ocupar os seus postos de trabalho, um activista com quem nós falámos respondeu: «Sim, especialmente entre aqueles que foram despedidos, há alguns deles que têm tal sentimento». Muitos olham para a população de migrantes com um olhar de superioridade, com um olhar de cima para baixo. Durante a limpeza dos estragos produzidos por uma grande tempestade, alguns trabalhadores urbanos comentaram que, «com o tipo de trabalho que os migrantes estão aqui a fazer, nunca verão nenhum dinheiro em casa». Como para confirmar esta imagem, o New York Times35 contava que entre os agentes de limpeza migrantes, da lixeira municipal de Xangai, havia um que estava a trabalhar para pagar a matrícula e outras despesas da escola secundária de uma filha – que eram de 10 000 yuan (1250 dólares) – e mais 1000 yuan (125 dólares), referentes à frequência da escola primária por uma outra filha. Os sentimentos, entretanto, são mútuos. Os migrantes, por sua vez, dizem coisas similares – como, por exemplo, «este merece ser despedido».

De acordo com um tipo de comportamento extremamente conhecido nos Estados Unidos – onde a raça e a filiação étnica, assim como o estatuto de imigrante, fazem parte da «mistura» –, os esforços do Governo para ajudar os imigrantes a receber o pagamento que lhes é devido, assim como no exercício de outros direitos, parecem ser vistos por alguns trabalhadores como tratamento de favor. Os media

35 3 de Abril de 2006.

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jogam com estas divisões e promovem más relações entre os diferentes grupos, dizendo que os proletários urbanos só querem trabalhar para os estrangeiros, alegando que os emigrantes estão dispostos a trabalhar «por nada», tentando fazer com que os trabalhadores desempregados os imitem, e criando ressentimentos. É, sobretudo, a crescente diferença, de 3,3 para 1 entre os rendimentos rurais e os urbanos – «índice mais alto do que os similares nos Estados Unidos e um dos mais altos do mundo» – que fornece o combustível para tal manipulação36.

A agudeza destas divisões tornou-se evidente pela experiência dos trabalhadores numa fábrica de material eléctrico de Zhengzhou, onde os conflitos principais ocorreram em 2001. Então, como a empresa foi liquidada e dissolvida, a polícia prendeu os contestatários durante a noite, uma vez que estes tinham desmontado e levado para fora a maquinaria, como se fossem ladrões. Também trouxeram camponeses – a cinquenta yuan por dia, cada um – para retirarem o equipamento. Isto redundou numa longa contenda. Por um lado, para evitar a reacção pública contra o uso da polícia municipal para fazer o seu «trabalho sujo» de repressão, utilizaram então esses camponeses como rufias armados, protegidos com capacetes, para agredirem os trabalhadores. Uns trinta caminhões com quinhentos fura-greves camponeses foram levados para dentro, a exemplo do que aconteceu por toda a região de Zhengzhou. Um activista contou que, quando os trabalhadores tocaram uma sineta na fábrica, «saíram todos» e assim foi desencadeada uma luta de quatro horas, de camponeses contra trabalhadores, a 24 de Julho de 2001. Ganharam os trabalhadores nesse dia, pois contaram com o auxílio de trabalhadores de outras fábricas que vieram ajudá-los – num total uns de 40 000. Embora oito desses trabalhadores tenham sido presos e acusados de causarem danos à propriedade, puderam contar também com apoio jurídico – e os capitalistas perderam outra vez.

36 The New York Times, 12 de Abril de 2006.

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Como sublinhou um trabalhador, referindo-se aos direitos que tinham na era pré-reformista, «as nossas leis, as leis de Mao» foram defendidas. «Havia tanta gente que o Governo teve medo.»

A dimensão da movimentação levou a que houvesse uma pausa na acção das autoridades mas, sob a pressão dos capitalistas, os trabalhadores foram presos outra vez, desta vez pela polícia de segurança pública, para passar ao lado dos tribunais, mas registou-se então uma luta de dez dias com os camponeses. Desta maneira, usaram os camponeses para empurrarem os trabalhadores para fora da fábrica e depois venderam tudo imediatamente, despedindo 5 600 pessoas. Depois, deitaram abaixo os edifícios, incluindo as habitações dos trabalhadores, e entregaram a terra a um promotor privado que construiu uma «grande superfície» e habitações de gama alta. Agora, sem trabalho nem habitação, todos estão receosos quanto a continuarem a luta. Os polícias, por vezes, fazem eles o papel de rufias e provocadores, despindo os uniformes e actuando mais como um bando que está a proteger os proprietários capitalistas, chegando até a usar facas. Numa fábrica de cerâmica, um gangue espancou um representante dos trabalhadores quase até à morte, mas as autoridades deixaram que isso acontecesse e ignoraram as queixas apresentadas posteriormente.

Desta maneira, a polícia e outros organismos governamentais não somente atacam directamente e reprimem aqueles que trabalham nas empresas públicas, mas contrapõem os vários segmentos das classes trabalhadoras uns contra os outros. Apesar da necessidade de unidade, tais experiências tornam muito difícil superar os preconceitos e as divisões já existentes. Como afirmou um trabalhador activista da empresa de equipamento eléctrico: os «camponeses e os trabalhadores devem ser uma só família – nós tivemos de lutar contra eles, mas devemos trabalhar juntos». Aqueles que actuam do lado contrário actuam de acordo com os seus interesses de curto prazo. Na fábrica, o próprio chefe da polícia disse que não quis fazer o que fez, mas estava sob pressão. Um trabalhador disse-lhe: «Pareces mesmo um cão». E ele respondeu:

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«Sim, mas se eu não te mordo agora, eles tiram-me a pele». A substituição das empresas públicas pelo desenvolvimento privatizado acentua as divisões. Muitas fábricas novas estão agora a ser construídas na região e, na sua maior parte, obtêm os seus trabalhadores no campo, pagando-lhes um salário baixo e não lhes fornecendo nenhum benefício social, nem sequer habitação. Além disso, como o explicou um trabalhador, ao contrário dos Estados Unidos, os trabalhadores que são despedidos das empresas públicas na China não podem sequer obter emprego nos serviços – os camponeses é que são usados para tal, dado que são mais baratos e mais fáceis de controlar. Apesar de haver o desejo de trabalhar em conjunto, a consequência inevitável de tais circunstâncias é criar ressentimento entre segmentos das classes trabalhadoras.

Apesar de tais divisões e conflitos, estão a ser feitos esforços para se atingir um mais alto nível de unidade entre segmentos cada vez mais largos de trabalhadores urbanos e para se construir laços mais estreitos entre estes e os camponeses – quer com os que permanecem nas explorações agrícolas quer com os que migram para as cidades. As manifestações em torno do que se passou nas fábricas de papel, na indústria têxtil, na indústria de material eléctrico e de equipamento de transmissão na região de Zhengzhou – assim como, em 1997, uma greve de 13 000 taxistas nessa cidade – mostram que dezenas de milhares de trabalhadores de muitos empresas e de muitos sectores, tal como outros membros da comunidade, viraram a página passando a apoiar aqueles que se opõem à privatização, à perda dos postos de trabalho e dos benefícios sociais, ou a mais altos impostos e taxas. Contudo, o caso mais comum em toda a China diz respeito àqueles que trabalham em  unidades fabris independentes quando têm de confrontar os seus empregadores e as autoridades do Estado que lhes estão associadas por conta própria. Frequentemente, estas confrontações – que podem incluir acções como a barragem de linhas de comboio, a obstrução de estradas, o cerco ou a ocupação de escritórios, e até o encerramento de lojas durante o horário normal de funcionamento – são interrompidas graças ao pagamento único de pequenas quantias aos trabalhadores envolvidos,

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de modo nenhum suficientes para lhes proporcionar qualquer apoio duradouro mas que chegam para acalmar as suas necessidades imediatas de alguma espécie de auxílio. Na tentativa de se ir para além destas formas de luta relativamente isoladas – que, na maioria dos casos, provaram estar inadequadas para deter a marcha generalizada das privatizações, o nível de desemprego, a perda de serviços e de garantias sociais – os trabalhadores das diferentes empresas de Zhengzhou estão a começar a ligar tudo isto. E também em Kaifeng – onde a maioria das empresas públicas têm estado a fechar, deixando 100 000 trabalhadores sem emprego – os trabalhadores já expressaram a necessidade de uma maior unidade, a fim de poderem ter sucesso. Só muito recentemente é que os trabalhadores das diferentes fábricas – incluindo muitos que já perderam o seu posto de trabalho e alguns dos que ainda estão empregados – começaram a reunir-se, a realizar reuniões com os representantes de cada uma das empresas e a organizar   protestos comuns, canalizando os trabalhadores para todos eles. Os activistas com quem nós falámos estavam a planear uma grande manifestação dos trabalhadores de todas as fábricas da cidade para mais tarde, mas ainda este ano.

Todavia, são incertas as perspectivas de tal união na acção. Há ainda muitas divisões no interior do proletariado urbano – económicas, geracionais e mesmo políticas –, ainda com alguns a darem apoio às «reformas» e ao Governo e outros ainda a manterem a fidelidade à perspectiva socialista. Mesmo num parque de Zhengzhou, no meio de um bairro operário que nós visitámos, há uma divisão «física» entre grupos de direita e de esquerda quer de trabalhadores no activo quer de reformados, com os de direita a dominarem certas áreas especialmente durante a luz do dia, e os últimos mais numerosos noutras partes, particularmente à noite. Como nós verificámos quando parámos momentaneamente para falar com alguns dos muitos que aí vão diariamente para relaxarem, os debates podem rapidamente aquecer e, por vezes, até com alguma vaga ameaça. A questão da unidade coloca-se de igual modo quanto às perspectivas de unidade entre os trabalhadores e os

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camponeses, com os migrantes a estarem situados no meio. Há um desejo de se unirem, mas as diferenças existentes tanto nas suas condições como no seu tratamento pelo Governo impedem níveis mais altos de unificação.

Sob o efeito das reformas, tem havido igualmente uma inversão parcial de destinos. Quer nas duas cidades quer nos campos, aqueles com quem falámos afirmaram que – em nítido contraste com a situação existente na era socialista sob a direcção de Mão – alguns camponeses estão hoje realmente em melhor situação do que muitos dos trabalhadores urbanos. Podem ainda ser pobres e esforçar-se pela sobrevivência – as famílias camponesas mais empobrecidas permanecem na pior das situações de todas elas – mas têm pelo menos um lote de terra em que podem cultivar alguns alimentos. Mesmo o mais pobre dos migrantes pode sempre voltar à aldeia, se as coisas ficarem demasiado duras na cidade. Contudo, para os trabalhadores urbanos não qualificados, especialmente aqueles que foram despedidos, já não há verdadeiramente nada a perder, pois foram de novo reduzidos à condição proletária clássica, ficando desprovidos de todo o acesso aos meios de produção e literalmente condenados a morrer de fome, sem nenhum tipo de apoio exterior. Se o pai ou a mãe está doente, ou mesmo se é preciso pagar os encargos escolares de um filho, a sua situação pode tornar-se completamente desesperada. Somente aqueles com mais formação ou que podem dispor de alguns meios financeiros para começar a trabalhar com algum tipo de pequeno negócio estão em circunstâncias semelhantes às dos camponeses com terra.

Como resultado de tudo isto, a unidade na acção destas duas classes é igualmente difícil de concretizar. Frequentemente, os protestos e as manifestações ocorrem quase em simultâneo nas cidades e nos campos circunvizinhos. Ouvimos falar de tais acontecimentos em Zhengzhou e Kaifeng, ou na região de cada uma destas cidades, mesmo durante o curto período de tempo em que lá estivemos. Na segunda, vinte trabalhadores tinham então sido presos numa só fábrica, no mesmo dia em que os camponeses de uma região próxima estavam a protestar e a praticar «más

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acções», como disse um trabalhador – danificando edifícios públicos e bloqueando as estradas, porque tinham sido enganados quanto à terra concedida para fazer uma estrada. Mas não havia nenhuma ligação entre estes acontecimentos virtualmente simultâneos, e nem havia ainda quaisquer protestos conjuntos de trabalhadores e camponeses.

Além disso, há mesmo diferenças nas formas de reacção do Estado às manifestações destas duas classes. Os funcionários camarários enfrentam uma repressão particularmente forte pelas autoridades locais, até porque as suas lutas são mais visíveis ao público, mais incómodas para os cargos urbanos do poder e são um desafio directamente feito ao próprio centro da política das reformas – a privatização das empresas e a formação da nova classe capitalista. Como um trabalhador nos disse, ele e aqueles como ele estão muito irritados, e «precisam de se unir e revoltar» – mas, ao contrário da América, ninguém espera que eles digam alguma coisa sobre a sua situação». Mais ainda, estão «sem medo de morrer, uma vez que não têm nada» – e assim se manterão em luta.

As grandes movimentações de trabalhadores estão a aumentar em todo o país, às vezes com vitórias locais, mas frequentemente terminam com a detenção e o encarceramento dos líderes. Em contraste, pelo menos teoricamente, a melhoria das condições de vida nas zonas rurais é agora a política oficial do Governo mas o esmagamento dos protestos dos camponeses pode ser ainda mais brutal, porque eles são em geral invisíveis, a menos que as acções repressivas sejam feitas numa escala suficientemente vasta para serem do conhecimento público – como o foi o assassínio de vinte aldeões em Dongzhou, na província de Guangdong, em Dezembro de 2005, ao protestarem contra a indemnização não compensatória que receberam pela terra que lhes foi tomada para a construção de uma central eléctrica. Apesar destas divisões e barreiras, há um sentimento de que as classes trabalhadoras nas cidades e no campo possam encontrar maneiras de se unirem, à medida que os camponeses se tornam cada vez mais descontentes e as suas condições

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de vida convergem com as dos trabalhadores urbanos, assim como à medida que os migrantes envelhecem e enfrentam uma situação de deterioração das suas condições de existência. Os activistas que participam na organização das classes trabalhadoras estão a tentar conduzir o movimento para a unificação, mas é um processo longo e difícil, em que apenas se começa a construir uma ponte sobre a distância que as separa.

A chave de uma abordagem aceitável para a elaboração da reforma política será, então, encontrar uma via, de novo, para construir uma vez mais os conceitos, à esquerda, de controlo dos trabalhadores e dos camponeses e de os ligar com a democracia participativa que agora faz parte da agenda global progressista. Esta busca começou já. Na carta enviada em 2004 a Hu Jintao, escrita pelos veteranos da revolução, um dos principais pedidos era o de fortalecer os esforços maciços a partir da base como meio de controlar o abuso de poder e dar às classes trabalhadoras elas mesmas um papel directo nas funções do partido e do Estado, como parte de um sistema democrático. As barreiras para construir um movimento unitário e para realizar tais mudanças revolucionárias são, entretanto, tão desanimadoras na China como o são noutras partes do mundo, hoje. Apesar do seu legado do passado, os trabalhadores e os camponeses mais idosos temem que se um novo dado nível do esforço para o socialismo não é imediatamente posto em marcha, a memória da era da revolução morrerá, e todos os das gerações mais novas saberão e continuarão a querer apenas alimentar o seu desejo de serem ricos e de se situarem na cultura de consumidor. Neste caso, terão que iniciar tudo, de novo, a partir do zero se e quando enfrentarem finalmente a necessidade para uma mudança fundamental.

Mas os chineses têm a vantagem de terem vivido aqui, e de terem já feito isso antes. Tão distante como o prospecto o pode, às vezes, dar a entender, a China ainda tem a possibilidade de uma via rápida para a revolução socialista renovada, um desenvolvimento que agite uma vez mais o mundo. Isto é, estejamos certos, simplesmente um entre muitos outros

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cenários possíveis para o que poderá acontecer na China e num futuro já próximo. A complexidade e a polarização da sua estrutura de classes estão a puxar a sociedade chinesa em sentidos contraditórios, com o potencial de uma vasta gama de resultados.

 Isto é evidente segundo os desenvolvimentos recentes, nas condições das classes trabalhadoras elas mesmas e na resposta do partido e do Estado aos desafios novos. Na tentativa de controlar e neutralizar a agitação nos campos, os dois chefes máximos, Hu Jintao e Wen Jiabao, introduziram uma série de mudanças na política rural que geraram efeitos rapidamente dramáticos. Estes incluem a eliminação do imposto agrícola sobre os camponeses, assim como a eliminação de muitas taxas locais - muitas delas ilegais - e que eram a fonte principal de protestos. Há igualmente planos para aumentar o investimento nas áreas rurais, incluindo em fábricas nas pequenas vilas e cidades, e também para acréscimos de investimentos na educação, saúde e meio ambiente. Em conjunto com a fixação de preços mais favoráveis para os bens agrícolas, estes ajustes reduziram significativamente a pressão económica em muitas famílias de camponeses. Houve mesmo uma discussão oficial das novas vilas socialistas, embora o significado desse termo não seja até agora claro, e pode simplesmente ser uma tentativa de dar uma nova etiqueta às políticas rurais já introduzidas. A própria profundidade das reformas dentro das reformas que foram anunciadas está para ser vista, dado especialmente o registro da sua não-execução a nível local - o que é um factor endémico na administração chinesa - e na venda inadmissível da terra da vila para o desenvolvimento frequentemente feita por funcionários corruptos, que continua a ser feito sem esmorecer em muitas áreas. Um impacto é já muito claro, entretanto. Numa mudança impressionante da situação de há apenas três para cá, as zonas da exportação das regiões litorais estão a sentir uma falta crescente de trabalhadores, enquanto os emigrantes estão a voltar em massa às suas vilas e aldeias, ou pelo menos às cidades no interior, mais perto das suas origens, para se aproveitarem, em parte, da melhoria nas circunstâncias, assim como numa rejeição crescente da

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exploração violenta nas fábricas do litoral. Esta inversão das migrações é uma reflexo da consciência, da resistência, e da auto-organização crescentes dos emigrantes, muitos dos quais são agora veteranos amadurecidos, e que já não aceitarão as circunstâncias que os seduziram nos seus seus anos anteriores, quando mais novos. Mesmo o fluxo de trabalhadores emigrantes novos, e de mulheres camponesas especialmente pobres, que foram preferidas nas fábricas e enfrentaram as circunstâncias as mais extremas de exploração, estão igualmente a ter o mesmo movimento.

Enquanto isto tem tido o efeito positivo de forçar as indústrias de exportação a começar a aumentar os salários e os benefícios sociais num esforço para continuar a atrair uma força de trabalho suficientemente grande, há já igualmente os sinais de que os empregadores estão a concorrer na escala inferior, deslocalizando mesmo as suas fábricas para países de salários mais baixos tais como Vietname, Índia, e Bangladesh. Não há nenhuma solução simples para alterar o sistema actual, consequentemente, desde que cada acção, cada resolução, levanta outros problemas, outras contradições adicionais, dada a natureza do mercado capitalista global em que China está cada vez mais inserida. Embora o mercado interno esteja a crescer, toda a redução séria na concorrência global e na redução do ritmo de expansão económica daí resultante - o grande receio que assusta os dirigentes chineses - poderia não somente minar rapidamente a capacidade em realizar as revisões na política que Hu e Wen estão a tentar , incluindo uma nova ênfase “na equidade social,” mas poderia igualmente ameaçar com a desordem social e numa enorme escala.

A incapacidade da mercadorização capitalista em resolver tais contradições continua a dar força à Nova Esquerda. Um exemplo impressionante desta influência crescente era evidente em Março de 2006, quando pela primeira vez talvez numa década, o Congresso Nacional do Povo, a legislatura comunista do Partido, consumiu-se

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com um debate ideológico sobre o socialismo e o capitalismo que muitos suponham ter sido enterrado desde há muito tempo pela longa Muralha da China do crescimento económico rápido.

A controvérsia forçou o governo a arquivar um projeto-lei para proteger os direitos de propriedade de que se esperava que passasse do estádio de projecto pró-forma e que, em vez disso, acentuou o aparecimento da influência de um pequeno grupo de oradores de inclinação socialista, professores e conselheiros em política. Estes pensadores de esquerda, de estilo antiquado, utilizaram a disparidade de rendimentos em franco alargamento na China e o mal-estar social crescente para levantarem dúvidas sobre o que vêem como o resultado da procura de enriquecimento privado e rápido assim como resultado também do desenvolvimento económico conduzido pelo mercado.

Aqueles que minimizaram esta crítica enquanto uma reminiscência de uma era já passada subestimaram o apelo continuado às ideias socialistas num país onde as disparidades demasiado evidentes entre ricos e pobres, a corrupção endémica, os abusos sobre os trabalhadores e a confiscação da terra oferecem diariamente lembranças de como a China está bastante distante da sua ideologia oficial.37

Embora a lei sobre a propriedade venha a passar provavelmente mesmo que noutra forma e mesmo que só a longo prazo, o certo é que as propostas para “permitir um papel ainda maior do mercado na prestação dos serviços de educação e cuidados médicos,” e as chamadas ainda mais radicais para a privatização da terra, foram guardadas na gaveta, pelo menos por agora.

37 New York Times, 12 de Março, 2006.

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Mesmo ao nível da liderança de topo esta sentiu-se obrigada a mudar, pelo menos na aparência e uma vez mais, no sentido do socialismo -que permanece a base teórica do governo e do partido comunista, apesar de suas práticas capitalistas.

Desde a sua ascensão ao poder em 2002, o presidente Hu tentou igualmente estabelecer as suas credenciais de esquerda, marxismo exaltado, elogiando Mao e financiando a pesquisa para tornar a ideologia socialista oficial do país, frequentemente ignorada, mais relevantes na era actual.38

Os métodos da era de Mao tem mesmo sido recordados num esforço para restaurar a legalidade waning do partido, que é actualmente vista como profundamente corrompida.

Como uma empresa gigante preocupada com a desordem organizativa e com uma imagem pública de naufrágio, o Partido Comunista Chinês está a tentar transformar-se numa máquina eficiente, moderna. Mas para o conseguir, escolheu uma das suas mais velhas ferramentas políticas - uma campanha ideológica estilo maoista completada obrigatoriamente com grupos de estudos.

Tomado a sério como um esforço de reformas por alguns e considerado como puro cinismo político por outros, a campanha pode ser menos importante pelo seu impacto directo do que pelo facto de admitir publicamente que o partido se distanciou, e em muito, do seu papel “para servir o povo,” como Mao dizia que devia ser, muito menos longe pois dos seus objectivos revolucionários originais. Poucos haverá, se é que haverá alguém, que esperam que Hu e Wen conduzam a um

38 New York Times, 12 de Março, 2006.

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renascimento da revolução socialista, ou mesmo que façam mudanças radicais do trajecto capitalista para o que o Partido e o Estado se comprometeram por trinta anos, e com qual as forças económicas estão agora tão firmemente ligadas. Mas a promoção oficial dos conceitos socialistas e o estudo de Mao podem somente abrir mais espaço para um renascimento da esquerda que possa falar sobre a crise de acumulação. Invertendo alguma tendência para a insularidade e para o isolamento relativamente aos recentes fóruns globais, está igualmente a aumentar o conhecimento sobre as forças de esquerda no mundo das suas lutas e das suas estritas ligações – apesar das tentativas governamentais em limitar tais ligações – através das novas redes em rápida expansão de uma organização e comunicação global.

As condições de agravamento das classes trabalhadoras estão a levá-las rapidamente a ganharem um sentido mais radical e mais militante. Dentro não só dos grupos de trabalhadores e dos camponeses, mas também entre muitos intelectuais e pelo menos, também, alguns grupos da nova classe média em sentido lato, há uma profunda e crescente compreensão de que o capitalismo global não tem nenhuma resposta para as suas situações, e que o socialismo revolucionário que construíram sob Mao oferece pelo menos o esboço de uma outra maneira de ir para a frente, hoje. Nas fábricas e nas explorações agrícolas, os trabalhadores e os camponeses na China não estão somente a resistir às novas formas da exploração capitalista, mas têm também as memórias de um outro mundo que já sabem ser possível. A partir do que foram as suas vidas durante a era socialista antes das reformas, estão todos conscientes de que à agitação descontrolada do capitalismo global existem alternativas viáveis.

Apesar deste legado, todo o regresso simplista ao passado não é nem possível nem desejável. Demasiadas coisas foram mudadas, e demasiados fantasmas foram deixados fora da garrafa para que simplesmente possam,

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de novo, voltar a serem aí colocados. As falhas e os erros do passado, assim como os sucessos e as vitórias, tudo terá que ser reexaminado, e novas formas terão que ser reencontradas para superar as limitações da primeira era do socialismo, na China, como em todos os outros lugares. Nenhuma previsão fácil é possível nem sequer quanto à direcção que a luta de classes poderá assumir no futuro próximo. Mas como os chineses se movem para a frente, as classes trabalhadoras chinesas podem igualmente olhar para trás para encontrarem o seu próprio trajecto, de novo e uma vez mais, para uma nova sociedade socialista, em que combinem as suas lutas passadas e presente com o movimento global actual e em que tragam pois uma transformação revolucionária uma vez mais.

IV.2. AS REMUNERAÇÕES DO TRABALHO NA CHINA:

ELEMENTOS DE ANÁLISE

Judith Banister, “Manufacturing In China Today: Employment And Labor Compensation”,

Economics Program Working Paper Series, The Conference Board New York, n.º 1, Novembro, 2007.

Disponível em http://www.conference-board.org/economics/workingpapers.cfm.

Nas comparações internacionais, é importante calcular “a remuneração global do trabalho”, uma medida internacional das remunerações que inclui não apenas o salário, mas também todos os custos, para os seus empregadores, que estão relacionados com o trabalho, tais como as contribuições para a segurança social, os pagamentos dos seguros de saúde para os trabalhadores, contribuições para o sistemas de pensões pelos empregadores, pagamentos para o fundo de desemprego dos trabalhadores, sistemas de seguro contra acidentes no trabalho, e assim por diante. Durante o recenseamento económico da China de 2004, recolheram-se os valores para a maioria destas componentes da remuneração global do trabalho para apenas alguns dos trabalhadores da indústria transformadora. Para os 56,67 milhões de trabalhadores das empresas da indústria transformadora de dada dimensão ou

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superior, o recenseamento económico recolheu os dados dos empregadores como custos do trabalho em salários, pensões e seguros de saúde, fundos e subsídios para a habitação não incluídos nos salários, pagamentos de seguros de trabalho e de desemprego, assim como pagamentos das empresas para actividades recriativas e de formação ou outras aos seus empregados. Estes dados referem-se a empresas de dada dimensão ou maiores, mas para as outras empresas, mais pequenas, o Serviço Nacional de Estatística forneceu-nos as tabelas especiais que incluíram os dados colectados nestes pagamentos.

Para estimar a remuneração global dos empregados na indústria transformadora na China, é necessário adicionar aos salários referidos as outras componentes da remuneração global, incluindo as contribuições para a segurança social pagas pelos empregadores em nome dos empregados, assim como os outros pagamentos feitos para ou pelos empregados e que não estão incluídos nas estatísticas salariais.

Nas grandes cidades, mas não nas pequenas cidades ou em áreas rurais, os empregadores pagam somas consideráveis por benefícios de assistência social em nome dos seus trabalhadores, acima e além dos salários. Nas cidades da China, hoje, criou-se ou está-se a cria, fundos municipais de segurança social e para a habitação para os quais, quer os empregadores, quer os trabalhadores são obrigados a contribuir mensalmente. Há seis tipos de fundos: um fundo de pensão de velhice, um fundo de seguro de saúde, um fundo de seguro de desemprego, um fundo de remuneração global dos trabalhadores, um fundo das licenças de parto, e um fundo em que o dinheiro é reservado para cada trabalhador e no seu próprio nome–dinheiro que o trabalhador pode usar como ajuda para a compra de habitação. Estes pagamentos mensais feitos pelos empregadores aos governos locais são determinados por lei, embora a evasão a estes impostos seja enorme e estejam também excepções estabelecidas. Os pagamentos deduzidos aos salários dos trabalhadores para os seis fundos públicos e entregues aos governos municipais são incluídos nos dados relatados sobre salários, mas a parte paga por empregadores é excluída destes dados.

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Os pagamentos legalmente exigidos para a segurança social assim como os programas de benefícios sociais para os trabalhadores estão incluídos no conceito internacional da remuneração salarial. Consequentemente, a fim de ajustar os valores salariais da indústria transformadora, aos dados transmitidos para incluir os pagamentos à segurança social feitos pelos empregadores e outros pagamentos, é preciso então saber qual a percentagem relativamente aos custos salariais totais que os empregadores da indústria transformadora pagaram em 2004, para além do que foi pago em salários, dos custos com a segurança social, com os pagamentos exigidos ao fundo de habitação, assim como de todos os outros pagamentos feitos para benefício dos trabalhadores.

1. A remuneração global salarial em empresas da indústria transformadora de dada dimensão ou superior

Os Serviços Nacionais de Estatística da China forneceram os dados da remuneração global salarial recolhidos no recenseamento económico de 2004 relativos às empresas de dada dimensão e acima, incluídos nas tabelas em anexo. De acordo com o recenseamento económico, os empregadores nestas maiores empresas pagaram aos empregados ou às autoridades locais em nome dos empregados os seguintes encargos em 2004:

• Pagamentos de pensões e de seguros de saúde, média de 10,90 por cento do salário.

• Subsísidos e fundo para a habitação, média de 2,86 por cento do salário.

• Outros subsídios: média de 11,59 por cento do salário.

• Pagamentos de seguro de trabalho e de desemprego, média de 3,77 por cento do salário.

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Estes encargos de remuneração global salarial, acima pois do salário recebido, totalizaram 29,12 por cento do salário. É possível que estas categorias não abranjam todos os custos relacionados com o trabalho e para além dele, pagos pelos empregadores. Por exemplo, algumas cidades exigem que os empregadores paguem mensalmente à municipalidade ou ao fundo de remuneração dos trabalhadores (gongshang baoxian), e estas receitas são usadas para apoiar os empregados que são atingidos por acidentes de trabalho. Em 2004, os pagamentos exigidos aos empregadores para este fundo eram equivalentes a 0,6-0,8 por cento dos custos em salários na cidade de Changshu da municipalidade de Jiangsu, e equivalentes a 1,0 por cento dos custos salariais na municipalidade de Pequim. A cidade de Changshu exigiu igualmente aos empregadores que pagassem 1,0 por cento dos custos salariais para um fundo do seguro de licenças de maternidade. Não é claro se estes tipos de pagamentos de seguros sociais estão incluídos no item “trabalho, contribuições para o fundo de desemprego ”, publicados no recenseamento económico. Nós não temos nenhuma certeza que os pagamentos em fundos de remuneração dos trabalhadores ou fundos do seguro das licenças de maternidade estejam incluídos neste conceito. Contudo a quantidade paga nestes “trabalho, pagamentos contribuições para o fundo de desemprego,” numa média de 3,77 por cento do salário nas referidas empresas da indústria transformadora, é demasiado grande para cobrir apenas o seguro de desemprego pago pelos empregadores, que é normalmente cerca de 1,5-2,0 por cento dos custos salariais da indústria transformadora na cidade e provavelmente muito menos na indústria transformadora nas zonas rurais.

Em 2004, apenas cerca de 56 por cento dos empregados das empresas da indústria transformadora, estudadas no censo foram considerados como trabalhadores citadinos, e o restante, como trabalhadores rurais. O recenseamento económico não refere esta disparidade; chega-se a esta conclusão a partir dos dados anuais reportados.

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No final do ano 2004, havia segundo as informações recebidas 25 milhões de empregados nas empresas classificadas como TVE (Township and Village Enterprise, empresas que, por definição, estão localizadas fora das cidades) e nestas são consideradas apenas as unidades fabris que estão nas dimensões retidas no estudo designado. Ora, da média de 2004, ou seja, se destes 56,67 milhões de empregados na indústria transformadora nas dimensões referidas 25,00 milhões trabalhavam fora das cidades em 2004, então os restantes 31,67 milhões trabalham nas cidades.

No final do ano de 2004, o relatório anual das empresas da China calculava um total de 30,51 milhões de empregados na indústria transformadora em todas as unidades urbanas e em todo o país. Comparando os dois totais, o de 30,51 milhões e o de 31,67 milhões então estes valores sugerem que essencialmente todos os empregados urbanos da indústria transformadora na China trabalham nas unidades produtivas de dimensão considerada no estudo.

Depois de se terem ajustado os salários para todos os dados recolhidos em termos da remuneração global (ou remuneração total, directa e indirecta) a tabela 2 mostra que os 56,67 milhões de empregados da indústria transformadora da dimensão considerada receberam, em 2004 e em média, 18.043 yuan, que é equivalente a 2.179 dólares por ano, à taxa de câmbio do mercado de 2004, ou seja, de 8,28 yuan por dólar. A escala ou grelha da remuneração global do trabalho foi calculada para 30 subsectores da indústria transformadora, e vai desde 11.257 yuan, o valor mais baixo, para os trabalhadores que trabalham em produtos de madeira, bambu, fibras naturais e de palha. Em cinco subsectores a remuneração global média por trabalhador é o do dobro da indústria transformadora total (igual ou superior a 22.513 yuans): e que são processamento de tabaco; petróleo, coque, e combustíveis nucleares; metais ferrosos; material de transporte, electrónica e telecomunicações.

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As grandezas económicas publicadas pelo recenseamento quanto à remuneração global do trabalho em termos totais também são tratadas para os trabalhadores de maior formação e nível de especialização nas empresas da indústria transformadora da dimensão considerada. Mas, este custo total de serviços do trabalho só foi publicado para os 1,62 milhões de investigadores científicos e técnicos o que equivale apenas a 2,9 por cento do emprego total neste conjunto global de empresas; durante 2004, para estes empregados de elevada formação foi calculada a média de 30.116 yuan como remuneração global do trabalho. Isto é equivalente à remuneração global do trabalho anual de 3.637 dólares à taxa de câmbio do mercado. É interessante referir que estes empregados comparativamente talentosos na indústria transformadora da China recebem apenas, como remuneração global do trabalho, somente cerca 13,50 yuan, ou seja, de apenas 1,63 dólares por hora do trabalho, o que mostra que o seu trabalho é muito barato num contexto global. (Veja-se mais abaixo a discussão sobre o cálculo da remuneração global horária por hora de trabalho na indústria transformadora na China.) A remuneração global do trabalho em 2004 dos 1,62 milhões trabalhadores especializados era de apenas 1,7 vezes a média da remuneração global horária de todos os trabalhadores da indústria transformadora das empresas da dimensão considerada. Isto implica que as recompensas para os empregados de níveis elevados de formação nas unidades fabris consideradas na China são, mesmo nas grandes empresas, surpreendentemente baixas.

2. Empresas mais pequenas da indústria transformadora, abaixa da dimensão considerada

A tabela 3 dá-nos somente o salário médio e o trabalho médio, fundo de desemprego para os 24,13 milhões de empregados de empresas fabris de dimensão abaixo da anteriormente considerada em 2004. Não há dados disponíveis sobre quantos destes empregados trabalham nas cidades ou sobre outros custos de remuneração global do trabalho que estas empresas paguem, para além do salário e do fundo de desemprego.

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Em 2004, os dados agregados davam os seguintes valores para os volumes de emprego na indústria transformadora:

• Unidades fabris urbanas: 30,29 milhões

• Unidades fabris TVE: 74,20 milhões

• Total na indústria transformadora urbana e TVE: 104,49 milhões.

Estes números sugerem que os 31,67 milhões de empregados urbanos estimados para as empresas de dimensão considerada ou acima já incluem o total de emprego de 2004 nas unidades fabris urbanas. Adicionalmente, mesmo que alguns dos empregados de empresas fabris abaixo da dimensão mínima considerada possam estar nas cidades, não é exigido sistematicamente, na prática, que paguem todas as suas contribuições para os fundos de segurança social e de habitação exigidos às empresas de propriedade estatal e às empresas privadas de dimensão equivalente. Deixem-nos consequentemente supor, por simplicidade, que todas as empresas de dimensão abaixo do limite do estudo estão situadas essencialmente fora dos limites da cidade distrital e que, onde quer que estejam, pagam as despesas mínimas, ou seja a segurança social e as colectivas que garante o Estado Providência para os seus empregados.

Não há quase nenhuns dados sobre os benefícios dos empregados nas unidades fabris fora das cidades. Para os empregados que trabalham nas fábricas TVE, há uma prova mais que concludente que o total do salário nominalmente expresso pode capturar quase toda a sua remuneração global, porque muitos dos trabalhadores que trabalham nas TVE não têm seguro social nem outros benefícios sociais que os empregados urbanos frequentemente conseguem. Por exemplo, no final de 2004, o número de trabalhadores das pequenas cidades rurais com um qualquer mecanismo de seguro social rural era reduzido. Somente 102.525 dos 22,13 milhões a

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trabalharem nas TVEs tinham um sistema de pensões da segurança social; dos 138,66 milhões de empregados nas TVE calculados como o total nacional de todos os sectores económicos, as contribuições para a reforma da segurança social referia-se apenas a 369.000 trabalhadores. As áreas rurais e suas cidades, na China, têm sistemas de benefícios sociais muito fracos ou inexistentes no que se refere a pensões de reforma, seguro de saúde, seguro de desemprego, outros mecanismos de remuneração global dos trabalhadores, e assim sucessivamente. Os sistemas de pensões e de seguro de saúde pagos pelos empregadores e pelos empregados são actualmente praticamente inexistentes fora das cidades da China.

Na tabela 3, em anexo estima-se a remuneração global do trabalho em 2004 por empregado nas unidades abaixo da norma de referência considerada e o valor obtido é aproximadamente de 9.080 yuan por empregado, ou seja de 1.097 dólares à taxa de câmbio de mercado de 2004. Os 30 subsectores da indústria transformadora apresentam uma escala, grelha, relativamente estreita de remuneração global média, entre os 7.716 yuan na produção de produtos minerais não metálicos e aproximadamente os 11.270 yuan para a electrónica, o equipamento de comunicações, os computadores e instrumentos e máquinas de escritório. A remuneração global média do trabalho para os empregados das empresas da dimensão agora considerada é cerca de metade da que foi calculada para os empregados das empresas fabris de dimensão superior. Esta diferença é causada, em grande parte, pelas grandes diferenças da China, na remuneração global do trabalho, verificadas entre as áreas urbanas e as rurais.

3. Remuneração global do trabalho para todos os empregados na indústria transformadora

As estimativas das tabelas 2 e 3 estão combinadas na tabela 1 para nos dar a média estimada da remuneração global do trabalho em 2004 para todos os 80,81 milhões de empregados fabris na indústria transformadora chinesa.

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Para estes empregados das empresas da indústria transformadora estimou-se uma média de 15.366 yuan ou ainda 1,856 dólares de remuneração global do trabalho para o ano de 2004.

A tabela 1, entretanto, não inclui os empregados fabris da indústria independente, o auto-emprego e o trabalho de tipo agregado familiar na China. Esta informação não foi recolhida e nem está disponível por subsector da indústria transformadora. É provável que tais unidades familiares fabris em termos de agregado familiar recebam poucos ou nenhuns benefícios e também é provável que o agregado familiar ou o trabalhador independente paguem quase nenhuma, ou mesmo nenhuma, contribuição para a segurança social, ou seguro de saúde às autoridades. É razoável concluir que o salário médio de 2004 é o mesmo que a remuneração global média destes trabalhadores, que em yuan é de 6.343, equivalente a 766 dólares por ano.

4. A transformação em remuneração global horária do trabalho

A Remuneração global por hora de trabalho na Indústria Transformadora da China

O cálculo da remuneração por hora de trabalho dos empregados fabris da China em 2004 exigiria dados para o número médio de horas trabalhadas realmente pelos empregados fabris desse mesmo ano. Mesmo que a algumas fábricas na China seja exigido regularmente que comuniquem às autoridades as horas trabalhadas pelos seus empregados, parece que nenhum de tais dados tem sido publicado até agora.

Os únicos dados publicados quanto a horas trabalhadas na indústria transformadora durante 2004 referem-se aos trabalhadores fabris citadinos. O Serviço Nacional de Estatísticas e o Ministério do Trabalho da China têm feitos inquéritos à força de trabalho desde há alguns anos. O inquérito é feito uma vez por ano nas áreas urbanas e uma vez por ano em áreas

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rurais e urbanas. O inquérito recolhe dados referentes à semana anterior em que ele é feito.

A maioria de resultados deste inquérito ainda não foi publicada, mas os dados quanto às horas trabalhadas pelos trabalhadores urbanos da indústria transformadora durante ambas as semanas de referência em 2002 e uma semana de referência em Novembro de 2003 e em Novembro de 2004 foram publicados39. Durante 2002, nas semanas em que os empregados trabalharam realmente, calculou-se que a média foi de 45,4 horas do trabalho por semana (44,86 horas em Maio e 46,0 em Setembro). Usando a informação disponível sobre as semanas de trabalho por ano na China urbana, este autor estimou que os empregados urbanos fabris na China trabalharam 48 semanas durante 2002, calculando-se a média de 45,4 horas por semana, tendo por resultado uma estimativa de 2.179 horas trabalhadas em média durante esse ano. Uma vez que o Instituto Nacional de Estatísticas nunca publicou a informação do inquérito à força de trabalho quanto a horas semanais trabalhadas nas fábricas situadas no mundo rural, usámos algumas hipóteses razoáveis mas hipotéticas para estimar que durante 2002, os trabalhadores rurais fabris trabalharam, em média, aproximadamente 2.200 horas por ano.

A informaçãop publicada sobre as horas trabalhadas nas semanas de referência de Outono de 2002 até 2004 mostram que as horas semanais médias trabalhadas na indústria transformadora urbana parecem aumentar ligeiramente (2002: 46,0 horas; 2003: 46,4; 2004: 46,9). Usando a relação de horas trabalhadas de 2004 relativamente a 2002 na produção fabril urbana para ajustar as horas anuais trabalhadas de 2002, quer nas áreas urbanas e rurais na indústria transformadora, estimaram-se em 2.222 horas para os trabalhadores fabris urbanos e em 2.243 horas para os trabalhadores fabris rurais, em 2004.

39 China NBS e MOLSS, 2005, p. 103.

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Na tabela 4 (em anexo) estima-se a remuneração global horária do trabalho em 2004 para empregados de empresas fabris da dimensão considerada ou acima. Assumindo que 25 milhões destes trabalhadores são rurais e trabalharam 2.243 horas em 2004, e que 31,67 milhões são urbanos e trabalharam 2.222 horas em 2004, as horas médias anualmente trabalhadas para os 56,67 milhões de empregados serão aproximadamente de 2.231 horas. De acordo com as estimativas na tabela 4, a remuneração global do trabalho em 2004 para os empregados das empresas fabris da dimensão considerada foi levemente acima de 8,09 yuan, ou seja, de 0,98 dólares por hora de trabalho. À excepção dos trabalhadores altamente pagos do tabaco, calcula-se que a média da remuneração global em 2004 por subsector variou entre 0,61 e 1,59 dólares por hora.

Na tabela 5 calcula-se a remuneração global horária em 2004 para os empregados fabris de empresas de dimensão abaixo da dimensão considerada no Censo. Na hipótese de que todos estão empregados essencialmente fora das cidades, estimam-se que trabalharam cerca de 2.243 horas em 2004. A remuneração global horária do trabalho, em média, para estes empregados fabris foi inferior a metade da dos empregados das empresas de dimensão superior. Estes empregados receberam como remuneração global horária, em média, cerca de 4,05 yuan, ou seja, 0,49 dólares por hora. Os empregados fabris nos 30 subsectores da indústria transformadora terão recebido, em média, entre 3,44 yuan, ou seja, 0.42 dólares por hora e 5,03 yuan, ou seja, 0.61 dólares. Os mais elevados níveis de remuneração global nos empregos de propriedade estatal e de empresas privadas de igual ou superior dimensão, em comparação com empregados de empresas de dimensão abaixo da considerada de base, são atribuíveis aos seguintes factores:

• os empregados nas cidades de China recebem salários muito mais elevados, o seguro social, apoios à habitação e outros benefícios de que não usufruem os empregados que estão fora das cidades;

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• geralmente, as empresas com grande volume de vendas recebem provavelmente mais investimento directo estrangeiro, têm mais economias de escala, têm melhor e mais maquinaria nova, tem uma produtividade mais elevada, são melhor geridas, e têm mais sucesso que as empresas com pequeno volume de vendas;

• as empresas públicas na China beneficiam ainda do tratamento favorável que inclui salários mais elevados e mais benefícios para os empregados.

A tabela 6 combina as estimativas das tabelas 4 e 5 para mostrar, para 2004, a remuneração global anual e horária do trabalho para os 80,81 milhões de empregados das empresas fabris da China, sector a sector. Assumindo que 31,67 milhões destes trabalhadores são empregados citadinos em que se trabalhou 2.222 horas em 2004, e 49,13 milhões são trabalhadores situados fora das cidades e que terão trabalhado 2.243 horas, as horas trabalhadas pelo conjunto dos 80,81 milhões de empregados fabris no ano de 2004 foram, em média, de 2.235 horas. Baseados no recenseamento económico da China, a tabela 6 mostra que os 80,81 milhões de empregados fabris na China receberam, em 2004, uma remuneração global horária do trabalho média total de 6,88 yuan ou ainda de 0,83 dólar por hora do trabalho. Excluindo o subsector mais bem pago do tabaco, a remuneração global horária do trabalho na indústria transformadora e em termos sectoriais variou entre os 4,25 yuan ou 0,51 dólar e os 12,09 yuan ou 1,46 dólares.

Finalmente, a análise apresentada na tabela 7 combina as estimativas da remuneração global do trabalho dos 80,8 milhões de empregados da indústria transformadora anteriormente estudados e dos 23,8 milhões estimados de trabalhadores independentes e de empregados fabris em regime de agregado familiar, para se obterem estimativas para a remuneração global horária anual na indústria transformadora da China. Segundo as indicações da tabela 7, estes 104,6 milhões de empregados fabris chineses

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receberam, em média, cerca de 1.608 dólares de remuneração global anual em 2004, um valor que representa 0.72 dólar de remuneração global horária média anual por hora de trabalho. Este valor é apenas 3,15 por cento da remuneração global horária do trabalho fabril nos Estados Unidos, que era de 22.87 dólares em 200440.

5. Ajustando a remuneração global horária do trabalho à Paridade do Poder de Compra

Poder de compra líquido na indústria transformadora na China

Os preços dos produtos e serviços variam extremamente entre países, e a taxa de câmbio oficial não é um indicador de confiança da diferença relativa nos preços entre a China e os outros países. Enquanto a taxa de câmbio é o factor de conversão correcto para comparações dos custos laborais na perspectiva de uma empresa, não é um instrumento adequado do custo de vida comparativo relativo para aqueles níveis salariais. Os preços para a maioria dos produtos na China são baixos e, assim, o valor de 0.72 dólar estimado como remuneração global horária do trabalho não captura adequadamente o poder de compra dos rendimentos dos trabalhadores fabris na China. Para um maior rigor na comparação do poder de compra dos rendimentos chineses dos trabalhadores fabris expressos em dólares dos Estados Unidos, é necessário um tipo de paridade de poder de compra (isto é, a quantidade de yuan necessária para comprar na China o mesmo cabaz de bens e serviços que que 1 dólar). A utilização da “taxa de câmbio à paridade de poder de compra” (PPC) baseada no custo de uma “capaz comparável” de bens e serviços nas duas moedas, do yuan na China e do dólar nos Estados Unidos ou no mercado internacional, é uma forma de obter uma melhor comparação do poder de compra de moedas diferentes.

40 BLS, 2006b.

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“Em teoria, a utilização de taxas de câmbio do mercado ou comerciais é mais apropriada para algumas finalidades e a utilização de taxas de câmbio à paridade do poder de compra (PPC) é o melhor método para outras finalidades. A PPC não é a medida mais apropriada para tudo. Os volumes de comércio e os fluxos de capital, diferentemente do cálculo do PIB, são, de facto, transaccionados às taxas de câmbio de mercado e devem ser convertidos em dólares àquelas taxas. A PPC é útil para mostrar quanto vale o dinheiro de um país em termos do seu mercado interno, mas não mede o efectivo poder de compra entre os países. O que importa em termos de negócios é que o que se negoceia internacionalmente, é o poder de compra da China em termos de dólares correntes.”41

O presente texto expressa os salários dos operários fabris e a remuneração global na moeda interna chinesa e em dólares às taxas de mercado correntes. Estes valores, estas parcelas do rendimento, são então calculados à paridade do poder de compra, em termos de dólares internacionais. Estes métodos de cálculo alternativos permitem-nos seleccionar as medidas apropriadas para as diferentes finalidades.

Para usar as taxas de câmbio à PPC, deve-se estimar a proporção do salário que os empregados realmente gastam sob a forma de despesa líquida, excluindo as remunerações deferidas. (A remuneração global por hora de trabalho não fornece um retrato exacto do rendimento do trabalhador porque inclui os custos que não lhes são pagos directamente). Na China, especialmente nas áreas urbanas, os empregadores tentam frequentemente minimizar o salário comunicado oficialmente porque têm que pagar os custos elevados com as prestações sociais e prestações para a habitação calculados em percentagem dos salários comunicados. Consequentemente, dizem pagar um salário baixo e aumentam outros pagamentos não inscritos

41 The Economist, 30 de Setembro, 2004.

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como salários, aos seus empregados. Mesmo que as contribuições exigidas aos empregados para as prestações sociais custem assim tanto como os impostos sobre rendimento e sejam deduzidas dos seus salários, o pagamento líquido dos empregados é então aumentado, às vezes substancialmente, pelos pagamentos não taxados das remunerações não salariais. Por simplificação, utilizemos o salário comunicado às autoridades para todos os empregados das áreas urbanas e rurais como a referência (proxy) para as suas despesas líquidas deduzidos os pagamentos para a segurança social e deduzido também o imposto sobre rendimentos.

O salário médio em 2004 para os 80,81 milhões de empregados fabris da indústria transformadora foi de 12.233 yuan (tabela 1), ou seja de 1,478 dólares à taxa de câmbio de mercado. Para calcular o equivalente em termos de paridade de poder de compra (PPC) desta despesa líquida anual, uma boa aproximação é então usar uma taxa de PPC para a parcela do consumo do PIB. Baseado neste processo de cálculo, o valor em termos de PPC da despesa líquida anual dos empregados fabris da indústria transformadora na China em 2004 era de 5.369 dólares internacionais. (Para o cálculo da remuneração global do trabalho em dólares internacionais divide-se o valor da remuneração global do trabalho em yuan por 2.2786, que é a taxa de câmbio à paridade de poder de compra. Este resultado obtém-se multiplicando o nível dos preços relativos dos bens de consumo por 0.2753 do nível de preços dos Estados Unidos pela taxa de câmbio do mercado que é 8,2768 yuan por dólar.42 Isto significa que o empregado fabril na China em 2004 poderia comprar, em média, produtos e serviços que dão ao trabalhador e à sua família uma condição de vida equivalente ao pagamento líquido anual de aproximadamente 5.369 dólares nos Estados Unidos. Os trabalhadores fabris na China ganham em média e em termos líquidos cerca de 5,47 yuan ou 0.66 dólar por hora (à taxa de câmbio de mercado), que

42 Veja-se a Penn World Table, 2006.

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é equivalente a 2.40 dólares com a conversão à taxa de câmbio à paridade de poder de compra. Os 23,79 milhões de trabalhadores independentes e de empregados em regime de agregados familiares têm condições de vida muito mais baixas. As suas despesas liquidas médias em 2004 eram somente de 6.343 yuan ou seja de 766 dólares à taxa de câmbio do mercado, que é o equivalente em termos de PPC a 2.784 dólares internacionais. O pagamento por hora de trabalho foi somente de 2,83 yuan ou 0.34 dólares à taxa de mercado, que é equivalente ao pagamento líquido de 1.24 dólar por hora de trabalho, com a conversão feita à taxa de paridade de poder de compra.

Para os 104,6 milhões de trabalhadores fabris na China, calcula-se a média de pagamento líquidos em 2004 e esta foi de 4,87 yuan por hora do trabalho, 2.14 dólares à paridade. Estes dados, calculados à paridade do poder de compra, dão-nos uma ideia do poder de compra da despesa líquida dos empregados fabris de China. Os trabalhadores da indústria transformadora da China estão a obter em dinheiro por hora de trabalho o equivalente em poder de compra que se obtém com 2.40 dólares por hora nos Estados Unidos, ou seja, podem comprar na China o mesmo que 2,40 dólares podem comprar nos USA, enquanto os trabalhadores em regime de agregado familiar e os trabalhadores fabris independentes na China receberam somente 1,24 em dólares da paridade de poder de compra por hora do trabalho. O poder de compra equivalente total do rendimento monetário (com exclusão do pagamento de imposto para a segurança social e impostos sobre rendimento) para todos os empregados e trabalhadores fabris na China é cerca de 2.14 dólares de paridade, ou seja, o equivalente a um poder de compra de 2.14 dólares nos Estados Unidos, por hora de trabalho.

Qual o resultado da comparação entre o poder de compra médio do trabalhador da indústria transformadora chinesa e o do trabalhador médio da indústria transformadora nos Estados Unidos, em 2004? A remuneração global do trabalhador da indústria transformadora dos Estados Unidos, em 2004, foi de 22,82 dólares por hora de trabalho. Desta

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remuneração global horária 5,01 dólares foram em despesas do empregador para os regimes de segurança social legalmente exigidos de e de benefícios contratuais privados. Os 17,81 dólares restantes por hora de trabalho são o rendimento salarial bruto directo para os trabalhadores na produção. Deste rendimento do trabalhador, uma parcela é gasta em impostos sobre o rendimento do empregado e para a contribuição da segurança social, o que é aproximadamente 10 por cento das remunerações efectivas para um casal com dois filhos e de aproximadamente 24 por cento para um trabalhador sem filhos a seu cargo. Então, o rendimento horário líquido médio para os trabalhadores na indústria nos Estados Unidos em 2004 situou-se entre os 13.54 e os 16.03 dólares, dependendo do número de dependentes a seu cargo. O rendimento correspondente por trabalhador na China à paridade do poder de compra foi de 2.14 dólares por hora de trabalho. Assim, com base na hora de trabalho, um empregado fabril chinês poderia comprar em produtos e serviços aproximadamente de 13 a 16 por cento do que o trabalhador americano poderia comprar com a sua remuneração líquida, isto é, após impostos, ou seja, com as deduções assinaladas, que são de 13,54 a 16,03 dólares por hora. Os trabalhadores fabris chineses empregados nas empresas industriais tiveram rendimentos de 2,40 dólares à paridade, o poder de compra de 2.40 dólares nos Estados Unidos, ou seja aproximadamente de 15 a 18 por cento da despesa dos rendimentos salariais médios dos trabalhadores na indústria transformadora americana. Consequentemente, os padrões de vida dos empregados fabris na China calcula-se serem em média de um sexto a um oitavo dos padrões de vida dos trabalhadores fabris americanos, em 2004.

6. A concorrência global do sector industrial de China

Baixo custo de trabalho

É largamente aceite que os salários baixos e os baixo custos de remuneração global do trabalho ajudaram a fazer com que a indústria

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transformadora da China se tornasse altamente competitiva nos mercados mundiais. Uma das razões principais para que algumas indústrias transformadoras internas da China consigam vender os seus produtos quer internamente quer no exterior e que as empresas multinacionais e outras empresas estrangeiras estejam a deslocar as suas unidades de produção para a China, é exactamente devido ao baixo custo do trabalho neste país.

O custo do trabalho verdadeiramente baixo faz com que a China se transforme num particular concorrente no mercado mundial num dado número de indústrias transformadoras, incluindo indústrias fortemente intensivas em trabalho, em cadeias de montagem, indústrias de processamento, indústrias de baixo valor acrescentado, indústrias que exigem uma multiplicidade de passos simples e repetitivos, indústrias de produtos alimentares. Como o afirmam Hala e Hala, “a China transformou-se uma ligação essencial na corrente global da produção para muitos produtos de utilização de trabalhos intensivos… um centro de produção para o resto do mundo em produtos de trabalhos intensivo de baixo de gama”. A China não é tão competitiva nas indústrias intensivas em capital e intensivas em matérias-primas.

Entretanto, a China está a começar a ficar competitiva e com sucesso nalguns tipos de industrias transformadoras que utilizam de forma moderada o trabalho intensivo de elevada formação. Uma grande proporção de jovens adultos na China têm agora pelo menos uma formação escolar de nível secundário intermédio e, portanto, são consequentemente letrados e capazes de entender e usar os números. Também, os milhões de jovens trabalhadores e de meia-idade das áreas rurais estão ansiosos por saírem do campo e para quererem trabalhar duramente e de maneira disciplinada por um salário mesmo que baixo, segundo os padrões internacionais, mas que são muito mais do que o que podem ganhar na agricultura. A China tem igualmente muitos milhões de jovens adultos educados nas universidades e que são particularmente competitivos porque são bons em engenharia e nos outros campos técnicos, são muito trabalhadores e muito motivados,

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e trabalham por uma pequena fracção dos salários recebidos por jovens adultos igualmente capazes nos países desenvolvidos.

A remuneração global do trabalho no sector industrial da China é mais elevada do que era há uma ou duas décadas. Isto significa que alguns dos outros países em vias de desenvolvimento podem agora começar a concorrer com a China exclusivamente na base dos baixos salários e de uma baixa remuneração global por trabalhador fabril. As condições de vida reais têm melhorado nas cidades da China, e os salários reais têm aumentado para os conjuntos de funcionários e trabalhadores fabris urbanos.

Por que é que estão a aumentar rapidamente os salários fabris na China? Alguns cientistas argumentam que porque a produtividade do trabalho está rapidamente a subir nas fábricas das cidades da China é, então, de esperar que os salários dos trabalhadores das indústrias das cidades aumentem igualmente. Entre as forças que conduzem ao aumento dos salários dos trabalhadores fabris urbanos está a rentabilidade sustentada e crescente da educação e formação, assim como os prémios salariais para os membros do partido comunista e para aqueles que estão nas empresas públicas protegidas. A rigidez nos mercados laborais urbanos forçou igualmente os salários à subida, tal como os entraves à concorrência. Para além dos valores salariais directos, os encargos para os outros benefícios sociais para os trabalhadores urbanos também têm estado a aumentar. A China está a tentar construir um sistema viável de pensões, de cuidados de saúde, de subsídios de desemprego, remuneração global dos trabalhadores e subsídios para a habitação, no que refere, pelo menos, à sua população da cidade, como é do conhecimento geral, hoje. De acordo com Rawski os pagamentos exigidos ao empregador para estes programas urbanos da rede de segurança social da China são agora mais altos do que eles precisam de ser - por exemplo, substancialmente mais altos do que na Malásia, na Coreia do Sul, na Formosa e em Singapura43.

43 Rawski, 2003, p. 27.

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Com os salários e os custos para a segurança social a crescer, os trabalhadores urbanos das cidades da China torna-se menos competitivos no contexto global e mesmo no contexto chinês interno. A cidade de Shanghai, por exemplo, está a começar a tornar-se demasiado cara para muitos interesses ligados à indústria transformadora: “a entrada maciça do investimento e a rápida melhoria dos níveis de vida nesta cidade está a levar os custos laborais em Shanghai, quase a um nível tão alto que pode colocar Xangai fora do mercado”. Muitos negócios estão agora a localizar-se noutras partes. Algumas das actividades estão a deslocalizar-se da cidade para a província interna mais pobre de Anhui. As cidades, ao longo de toda a China, estão a ficar muito mais caras para a indústria transformadora do que mesmo os seus subúrbios mais próximos. As fábricas podem poupar cerca de um terço em custos de electricidade e cerca de metade em custos salariais se deslocarem a unidade fabril para uma distância a meia ou uma hora de carro fora da cidade de Guangdong, capital de Guangzhou.44

Muitas empresas da indústria transformadora estão agora a escolher deslocar as suas operações produtivas dos países desenvolvidos ou mesmo da China para outros países em vias de desenvolvimento com mais baixos custos laborais. Por exemplo, a Índia, o Paquistão e o Vietname estão a tornar-se competitivos nas indústrias têxteis e de vestuário e exportadores de vestuário porque o custo de produção é aí geralmente mais baixo do que na China. Naturalmente, a China permanece altamente competitiva globalmente por causa dos seus custos salariais relativamente baixos e ainda por muitos outros factores favoráveis, mas a remuneração global do trabalho está a aumentar na China e começou a corroer a vantagem de preços da indústria transformadora do país.

A razão principal que leva a que a China seja tão competitiva na

44 The Economist, 20 de Novembro, 2004.

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indústria transformadora para o mercado internacional assim como para o seu próprio mercado interno é o baixo custo do trabalho na China.

Mas a China também tem outras vantagens competitivas sobre a maioria dos outros de países.

7. O mercado interno da China

Da população total mundial, 21 por cento vive na China. Para a indústria transformadora representam o mais largo e profundo mercado interno relativamente a todos os outros países em vias de desenvolvimento hoje; a Índia, país fortemente populoso, é igualmente um mercado tentador para a indústria. Embora a China seja ainda um país de rendimento médio relativamente baixo, as pessoas comuns já compram alguns bens manufacturados, e são já um mercado para produtos manufacturados menos caros. Mais importante ainda, a China tem uma classe média em crescimento e uma pequena classe de gente rica e luxuosa, especialmente nas cidades.

Por causa da sua enorme base de consumidores, a China é já hoje o maior mercado mundial para aparelhos de televisão, frigoríficos, telefones portáteis e a China já está em terceiro lugar a seguir aos Estados Unidos e ao Japão no que se refere à venda de computadores pessoais. Não importa como é que a base de consumo da classe social dos ricos ou da classe média é definida ou calculada, pois é evidente que o seu mercado interno crescente é um dos factores que atrai os fabricantes para a China.

Sem dúvida, as grandes empresas multinacionais dos países mais desenvolvidos e dos blocos económicos - Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão - canalizam os seus investimentos directos estrangeiros (IDE) para a China, primeiramente em produtos e serviço intensivos em capital, intensivos em tecnologia e intensivos em nível de formação e

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visaram o mercado interno da China, em contraste com o IDE de Hong Kong, Formosa, Singapura e da Coreia do Sul para a China, que está concentrado em trabalho intensivo, em bens manufacturados da baixa tecnologia que são exportados para o mercado internacional dos países desenvolvidos.

8. A logística conveniente nas regiões litorais da China

Em determinadas regiões litorais da China, especialmente na região do delta do rio das Pérolas da província de Guangdong perto de Hong Kong e de Macao, o Rio Yangtzé incluindo Shanghai e Zhejiang e províncias de Jiangsu do sul, as áreas costeiras da província de Fujian desde a Formosa, a região de Pequim-Tianjin, e outras cidades litorais que incluem Qingdao e Dalian, as infra-estruturas locais apoiam a produção industrial comparativamente barata e eficiente. As redes enormes de fornecedores de componentes concentraram-se nestes lugares, fornecendo aos fabricantes muitas opções para as peças básicas e capacidade de colocar os seus fornecedores uns contra os outros. “A massa crítica das fábricas, dos subcontratantes e dos vendedores especializados criou um ambiente fabril com que poucos podem competir”. As redes de transportes e de telecomunicações são adequadas nestas áreas. Melhorar as infra-estruturas tem sido um factor importante que traz IDE às regiões litorais da China. Com o rápido crescimento das cidades do litoral, passou a haver também um grande número de chineses locais com bom nível de formação, bilíngües ou mesmo multilingues, para apoiar e fazer parte das camadas de professionais relacionados com a indústria transformadora e que estão dispostos a trabalhar por salários moderados.

9. Situação política e económica relativamente estável

Se uma companhia situada numa economia com custos laborais elevados desejar deslocalizar as suas operações fabris para um ambiente mais barato, por que é que escolheria a China?

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Muitos outros países pobres também têm custos de trabalho extremamente baixos. Mas muitos países em desenvolvimento ou países pobres não são atractivos porque têm situações política, económica e financeira instáveis. A China não é um ambiente de produção perfeito, qualquer que seja o ponto de referência, mas há um risco relativamente baixo de terrorismo, o mal-estar social não desestabiliza a economia, há poucos interesses dos poderes públicos pela propriedade das multinacionais e pelo seu pessoal e o sistema económico e o financeiro estão a funcionar - não de modo óptimo mas, pelo menos, de modo adequado. As empresas multinacionais afectam os seus recursos pelos diferentes países de modo maximizar os seus lucros ajustados pelo risco.

A China sai mais do que bem na comparação com os outros países menos desenvolvidos um pouco bem com outros países menos desenvolvidos quando o risco e os custos de produção são considerados.

10. Os problemas actuais na indústria transformadora da China

A China tem algumas fraquezas enquanto base da indústria transformadora. Um dos mais sérios é a fragilidade no que diz respeito aos direitos intelectuais de propriedade, ou seja, ao registo de patentes, marcas e direitos de autor. Além disso, há outros problemas práticos tais como faltas da energia eléctrica e de matérias-primas. Há igualmente alguma preocupação da China por se entender que já é demasiado grande o fluxo de investimento directo estrangeiro para a indústria transformadora da China: os economistas sublinham as mudanças na capacidade produtiva em indústrias já saturadas.

O sector automóvel na China tem já a capacidade de produzir 8 milhões de unidades por ano, muito longe dos 5,7 milhões de vendas em 2005. A oferta excede a procura interna em 70% em todos os bens de consumo, segundo o Ministério do Comércio, factor que contribuiu para triplicar as exportações chinesas nos últimos cinco anos.

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Anexo

Tabela 1. China, Empresas da Indústria Transformadora, de dada dimensão e acima, Economic

Census, Média de 2004, Remunerações do trabalho por sector (parte 1)

Emprego,

média de 2004

Salários totais, 2004

(em 100 M de yuans)

Salário médio por

trabalhador (em yuans)

Trabalho, 2004, seguro de

desemprego pago

(em 100 M de yuans)

Indústria transformadora 80.806.237 9.885,132 12.233,13 367,016

Transf. de produtos alimentares 2.962.359 269,971 9.113,39 6,305

Fab. de produtos alimentares 1.597.953 181,692 11.370,27 4,380

Indústria das bebidas 1.221.427 137,849 11.285,88 4,748

Processamento do tabaco 202.125 96,036 47.513,36 11,200

Indústria têxtil 7.634.609 744,965 9.757,74 17,818

Indústria do vestuário 4.817.094 515,728 10.706,21 6,966

Couros, peles e produtos relacionados 2.759.708 286,871 10.394,99 3,479

Prod. de madeira, bambu, fibras nat. e de palha 1.575.150 130,840 8.306,49 2,257

Indústria de mobiliário 1.079.886 114,384 10.592,25 2,091

Ind. de pasta, de papel e cartão e seus artigos 2.008.978 208,181 10.362,55 5,158

Edição e impressão 1.270.090 148,920 11.725,13 9,218

Produtos culturais, educacionais e de desporto 1.485.628 157,251 10.584,82 2,883

Fab. de Coque e Prod. Petrolíferos Refinados 779.869 146,469 18.781,20 13,510

Fab. de produtos químicos 4.447.622 577,778 12.990,71 32,323

Produtos médicos e farmaceuticos 1.324.823 197,435 14.902,77 10,508

Fab. de fibras sintéticas ou artificiais 432.602 58,434 13.507,55 2,462

Fab. de artigos borracha 1.091.391 121,219 11.106,83 3,385

Fab. de artigos plástico 2.915.912 318,153 10.910,91 7,528

Produtos minerais não metálicos 8.397.530 750,903 8.941,95 17,531

Fundição de metais ferrosos. 3.092.923 592,206 19.147,13 51,691

Fundição de metais não ferrosos 1.472.404 210,830 14.318,79 10,355

Produtos metálicos 3.502.489 396,704 11.326,34 10,002

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Fab. de máquinas e de equipamentos 5.281.255 658,718 12.472,75 25,105

Fab. de equipamentos para usos específico 3.096.506 413,077 13.340,10 21,100

Fab. de material de transporte 4.327.726 685,953 15.850,19 41,075

Máquinas e equipamento eléctrico 4.453.754 594,508 13.348,47 15,345

Material electrónico e de telecomunicações 4.354.753 790,851 18.160,63 15,931

Instrumentos e máquinas de escritório 1.139.503 165,371 14.512,54 6,827

Fab. de joalharia, ourivesaria e art. similares e outos prod.

da ind. Transf. 1.993.547 204,519 10.259,06 5,630

Reciclagem e desperdícios 86.621 9,316 10.755,19 0,205

Tabela 1. China, Empresas da Indústria Transformadora, de dada dimensão e acima, Economic

Census, Média de 2004, Remunerações do trabalho por sector (parte 1)

Trabalho, média de 2004,

seguro de desemprego por

trabalhador (em yuans)

Trabalho, seguro de

desemprego em % do salário

Outras remunerações do

trabalho (em 100 yuans)

Remuneração global total

por trabalhador, 2004 (em

yuans)

Indústria transformadora 454,19 3,71 2.164,71 15.366,21

Transf. de produtos alimentares 212,82 2,34 43,59 10.797,60

Fab. de produtos alimentares 274,09 2,41 34,95 13.831,42

Indústria das bebidas 388,76 3,44 35,12 14.549,99

Processamento do tabaco 5.540,90 11,66 53,65 79.595,54

Indústria têxtil 233,38 2,39 150,71 11.965,16

Indústria do vestuário 144,60 1,35 63,22 12.163,18

Couros, peles e produtos relacionados 126,05 1,21 31,13 11.649,21

Prod. de madeira, bambu, fibras nat. e de

palha

143,32 1,73 16,46 9.495,08

Indústria de mobiliário 193,63 1,83 12,52 11.945,30

Ind. de pasta, de papel e cartão e seus artigos 256,75 2,48 36,93 12.457,42

Edição e impressão 725,81 6,19 29,97 14.810,52

Produtos culturais, educacionais e de desporto 194,04 1,83 18,72 12.039,13

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Fab. de Coque e Prod. Petrolíferos Refinados 1.732,32 9,22 49,14 26.814,57

Fab. de produtos químicos 726,76 5,59 166,75 17.466,73

Produtos médicos e farmaceuticos 793,18 5,32 57,13 20.008,50

Fab. de fibras sintéticas ou artificiais 569,09 4,21 16,73 17.944,17

Fab. de artigos borracha 310,17 2,79 23,47 13.567,06

Fab. de artigos plástico 258,16 2,37 47,14 12.785,64

Produtos minerais não metálicos 208,76 2,33 122,40 10.608,30

Fundição de metais ferrosos. 1.671,25 8,73 191,61 27.013,50

Fundição de metais não ferrosos 703,28 4,91 64,04 19.371,67

Produtos metálicos 285,57 2,52 62,92 13.408,29

Fab. de máquinas e de equipamentos 475,36 3,81 156,10 15.903,75

Fab. de equipamentos para usos específico 681,41 5,11 109,10 17.544,85

Fab. de material de transporte 949,12 5,99 215,68 21.782,96

Máquinas e equipamento eléctrico 344,55 2,58 118,28 16.348,69

Material electrónico e de telecomunicações 365,84 2,01 164,12 22.295,25

Instrumentos e máquinas de escritório 599,14 4,13 44,35 19.003,51

Fab. de joalharia, ourivesaria e art. similares e

outos prod. da ind. Transf.

282,39 2,75 27,29 11.910,47

Reciclagem e desperdícios 236,80 2,20 1,50 12.720,46

Page 166: SESSÃO 9 A CHINA, UM ELEMENTO CHAVE NA CRISE ACTUAL · modelo em que o poder económico e o militar estariam dissociados, e poderia eventualmente gerar uma sociedade de mercado mundial

164

Tabela 2. China, Empresas da Inúdtria Transformadora, de dada dimensão e acima, Economic Census,

Média de 2004, Remunerações do trabalho por sector (parte 1.)

Emprego média

de 2004

Salários totais, 2004

(em 100 milhões de

yuans)

Salário médio por

trabalhador ( em

yuans)

Pagamentos de

fundos de pensões e

de seguros de saúde,

total, 2004 (em

milhares de yuans)

Pagamentos medios

de fundos de pensões

e de seguros de saúde,

opor trabalhador,

2004 (em yuans)

Pensões e seguros

de saúde como

percentagem do

salário

Indústria transformadora 56.673.426 791.969.904 13.974,27 86.285.343 1.522,50 10,90

Transf. de produtos alimentares 1.965.097 19.754.914 10.052,90 1.437.575 731,55 7,28

Fab. de produtos alimentares 1.108.837 14.487.909 13.065,86 1.330.609 1.200,00 9,18

Indústria das bebidas 839.188 10.988.901 13.094,68 1.462.582 1.742,85 13,31

Processamento do tabaco 198.767 9.578.544 48.189,81 1.412.796 7.107,80 14,75

Indústria têxtil 5.879.184 59.932.963 10.194,10 6.005.515 1.021,49 10,02

Indústria do vestuário 3.319.120 38.933.043 11.729,93 1.931.157 581,83 4,96

Couros, peles e produtos

relacionados

2.112.181 23.455.502 11.104,87 943.758 446,82 4,02

Prod. de madeira, bambu, fibras

naturais e de palha

767.994 7.341.563 9.559,40 444.061 578,21 6,05

Indústria de mobiliário 649.377 7.883.398 12.139,94 372.922 574,28 4,73

Ind. de pasta, de papel e cartão

e seus artigos

1.304.399 15.260.562 11.699,31 1.312.088 1.005,89 8,60

Edição e impressão 634.995 9.447.772 14.878,50 1.128.397 1.777,02 11,94

Produtos culturais, educacionais

e de desporto

1.075.367 12.452.223 11.579,51 669.456 622,54 5,38

Fab. de Coque e Prod.

Petrolíferos Refinados

679.653 13.778.298 20.272,55 2.171.284 3.194,69 15,76

Fab. de produtos químicos 3.263.454 48.318.979 14.806,09 7.226.200 2.214,28 14,96

Produtos médicos e

farmaceuticos

1.143.815 18.110.752 15.833,64 2.489.650 2.176,62 13,75

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165

Fab. de fibras sintéticas ou

artificiais

391.942 5.492.165 14.012,70 730.436 1.863,63 13,30

Fab. de artigos borracha 807.838 9.816.963 12.152,14 961.435 1.190,13 9,79

Fab. de artigos plástico 1.751.965 22.217.862 12.681,68 1.521.701 868,57 6,85

Produtos minerais não

metálicos

4.153.157 45.210.388 10.885,79 4.055.983 976,60 8,97

Fundição de metais ferrosos. 2.772.674 56.479.552 20.370,07 9.257.262 3.338,75 16,39

Fundição de metais não ferrosos 1.273.275 19.386.461 15.225,67 2.699.113 2.119,82 13,92

Produtos metálicos 2.131.107 27.769.462 13.030,53 2.050.422 962,14 7,38

Fab. de máquinas e de

equipamentos

3.437.449 49.482.232 14.395,04 6.550.149 1.905,53 13,24

Fab. de equipamentos para usos

específico

2.199.262 32.957.296 14.985,62 5.249.242 2.386,82 15,93

Fab. de material de transporte 3.413.057 60.432.779 17.706,35 9.232.325 2.705,00 15,28

Máquinas e equipamento

eléctrico

3.486.797 50.940.555 14.609,56 4.679.438 1.342,04 9,19

Material electrónico e de

telecomunicações

3.787.947 73.439.822 19.387,76 6.311.911 1.666,31 8,59

Instrumentos e máquinas de

escritório

843.372 13.618.204 16.147,33 1.620.304 1.921,22 11,90

Fab. de joalharia, ourivesaria e

art. similares e outos prod. da

ind. Transf.

1.242.216 14.470.760 11.649,15 979.419 788,45 6,77

Reciclagem e desperdícios 39.940 530.080 13.271,91 48.153 1.205,63 9,08

Page 168: SESSÃO 9 A CHINA, UM ELEMENTO CHAVE NA CRISE ACTUAL · modelo em que o poder económico e o militar estariam dissociados, e poderia eventualmente gerar uma sociedade de mercado mundial

166

Tabela 2. China, Empresas da Inúdtria Transformadora, de dada dimensão e acima, Economic Census,

Média de 2004, Remunerações do trabalho por sector (parte 2.)

Fundos e subsídios

à habitação, total,

2004 (em milhares

de yuans)

Fundos e subsídios

à habitação por

trabalhador, 2004

(em yuans)

Fundos e subsídios

à habitação como %

dos salários

Fundos de apoio

totais, 2004 (em

milhares de yuans)

Fundos de apoio

totais por trabalhador,

2004 (em yuans)

Indústria transformadora 22.660.024 399,84 2,86 91.802.391 1.619,85

Transf. de produtos alimentares 239.448 121,85 1,21 2.102.373 1.069,86

Fab. de produtos alimentares 281.837 254,17 1,95 1.587.870 1.432,01

Indústria das bebidas 373.883 445,53 3,40 1.451.881 1.730,10

Processamento do tabaco 1.672.177 8.412,75 17,46 2.277.674 11.459,01

Indústria têxtil 613.830 104,41 1,02 7.286.615 1.239,39

Indústria do vestuário 200.947 60,54 0,52 3.178.518 957,64

Couros, peles e produtos relacionados 71.701 33,95 0,31 1.679.412 795,11

Prod. de madeira, bambu, fibras naturais e de palha 61.075 79,53 0,83 681.940 887,95

Indústria de mobiliário 43.895 67,60 0,56 550.826 848,24

Ind. de pasta, de papel e cartão e seus artigos 326.850 250,58 2,14 1.609.177 1.233,65

Edição e impressão 361.758 569,70 3,83 1.071.198 1.686,94

Produtos culturais, educacionais e de desporto 70.186 65,27 0,56 870.815 809,78

Fab. de Coque e Prod. Petrolíferos Refinados 791.925 1.165,19 5,75 1.881.304 2.768,04

Fab. de produtos químicos 2.207.919 676,56 4,57 6.484.466 1.986,99

Produtos médicos e farmaceuticos 736.768 644,13 4,07 2.356.320 2.060,05

Fab. de fibras sintéticas ou artificiais 131.776 336,21 2,40 782.793 1.997,22

Fab. de artigos borracha 184.431 228,30 1,88 1.016.290 1.258,04

Fab. de artigos plástico 274.703 156,80 1,24 2.149.583 1.226,96

Produtos minerais não metálicos 669.882 161,29 1,48 5.123.866 1.233,73

Fundição de metais ferrosos. 2.354.201 849,07 4,17 7.330.273 2.643,76

Fundição de metais não ferrosos 671.968 527,75 3,47 2.897.571 2.275,68

Produtos metálicos 364.239 170,92 1,31 2.925.079 1.372,56

Fab. de máquinas e de equipamentos 1.473.041 428,53 2,98 6.275.150 1.825,53

Page 169: SESSÃO 9 A CHINA, UM ELEMENTO CHAVE NA CRISE ACTUAL · modelo em que o poder económico e o militar estariam dissociados, e poderia eventualmente gerar uma sociedade de mercado mundial

167

Fab. de equipamentos para usos específico 1.008.013 458,34 3,06 3.984.750 1.811,86

Fab. de material de transporte 3.108.180 910,67 5,14 8.574.321 2.512,21

Máquinas e equipamento eléctrico 1.042.089 298,87 2,05 5.425.366 1.555,97

Material electrónico e de telecomunicações 2.038.465 538,15 2,78 7.610.126 2.009,04

Instrumentos e máquinas de escritório 1.120.064 1.328,08 8,22 1.460.868 1.732,18

Fab. de joalharia, ourivesaria e art. similares e outos

prod. da ind. Transf.

153.963 123,94 1,06 1.117.331 899,47

Reciclagem e desperdícios 10.810 270,66 2,04 58.635 1.468,08

Tabela 2. China, Empresas da Inúdtria Transformadora, de dada dimensão e acima, Economic Census,

Média de 2004, Remunerações do trabalho por sector (parte 3.)

Fundos de apoio

totais por trabalhador

como % do salário

Emprego, 2004,

Fundo de desemprego

pago, (em milhares

de yuans)

Emprego, 2004,

Fundo de desemprego

pago por trabalhador,

média (em milhares

de yuans)

Trabalho, fundo de

desemprego com %

do salário

Remuneração

global média por

trabalhador, 2004

(em yuans)

Indústria transformadora 11,59 29.843.554 526,59 3,77 18.043,05

Transf. de produtos alimentares 10,64 439.051 223,42 2,22 12.199,58

Fab. de produtos alimentares 10,96 268.557 242,20 1,85 16.194,25

Indústria das bebidas 13,21 379.218 451,89 3,45 17.465,06

Processamento do tabaco 23,78 1.118.493 5.627,16 11,68 80.796,53

Indústria têxtil 12,16 1.337.781 227,55 2,23 12.786,93

Indústria do vestuário 8,16 325.963 98,21 0,84 13.428,15

Couros, peles e produtos relacionados 7,16 176.569 83,60 0,75 12.464,34

Prod. de madeira, bambu, fibras naturais e de palha 9,29 116.466 151,65 1,59 11.256,74

Indústria de mobiliário 6,99 81.765 125,91 1,04 13.755,96

Ind. de pasta, de papel e cartão e seus artigos 10,54 336.297 257,82 2,20 14.447,25

Edição e impressão 11,34 616.228 970,45 6,52 19.882,60

Produtos culturais, educacionais e de desporto 6,99 155.658 144,75 1,25 13.221,85

Page 170: SESSÃO 9 A CHINA, UM ELEMENTO CHAVE NA CRISE ACTUAL · modelo em que o poder económico e o militar estariam dissociados, e poderia eventualmente gerar uma sociedade de mercado mundial

168

Fab. de Coque e Prod. Petrolíferos Refinados 13,65 1.327.339 1.952,97 9,63 29.353,43

Fab. de produtos químicos 13,42 2.901.293 889,03 6,00 20.572,94

Produtos médicos e farmaceuticos 13,01 970.837 848,77 5,36 21.563,21

Fab. de fibras sintéticas ou artificiais 14,25 234.413 598,08 4,27 18.807,84

Fab. de artigos borracha 10,35 243.844 301,85 2,48 15.130,46

Fab. de artigos plástico 9,68 346.795 197,95 1,56 15.131,95

Produtos minerais não metálicos 11,33 1.272.712 306,44 2,82 13.563,86

Fundição de metais ferrosos. 12,98 5.088.769 1.835,33 9,01 29.036,97

Fundição de metais não ferrosos 14,95 980.325 769,92 5,06 20.918,84

Produtos metálicos 10,53 515.829 242,05 1,86 15.778,20

Fab. de máquinas e de equipamentos 12,68 1.880.109 546,95 3,80 19.101,57

Fab. de equipamentos para usos específico 12,09 1.715.984 780,25 5,21 20.422,89

Fab. de material de transporte 14,19 3.731.895 1.093,42 6,18 24.927,65

Máquinas e equipamento eléctrico 10,65 1.108.709 317,97 2,18 18.124,42

Material electrónico e de telecomunicações 10,36 1.300.268 343,26 1,77 23.944,53

Instrumentos e máquinas de escritório 10,73 498.419 590,98 3,66 21.719,79

Fab. de joalharia, ourivesaria e art. similares e outos

prod. da ind. Transf.

7,72 365.599 294,31 2,53 13.755,31

Reciclagem e desperdícios 11,06 8.369 209,54 1,58 16.425,81

Page 171: SESSÃO 9 A CHINA, UM ELEMENTO CHAVE NA CRISE ACTUAL · modelo em que o poder económico e o militar estariam dissociados, e poderia eventualmente gerar uma sociedade de mercado mundial

169

Tabela 3. China, Empresas da Indústria Transformadora de dimensão abaixo da considerada,

Economic Census, Média de 2004, Remunerações do trabalho por sector (Parte 1.)

Emprego, média de 2004 Salários totais, 2004 (em

100 milhões de yuans)

Salário médio por

trabalhador ( em yuans)

2004, trabalho,

pagamentos para o fundo

desemprego (em 100

milhões de yuans)

Indústria transformadora 24.132.811 1.965,43 8.144,23 68,580

Transf. de produtos alimentares 997.262 72,42 7.262,10 1,914

Fab. de produtos alimentares 489.116 36,81 7.526,32 1,694

Indústria das bebidas 382.239 27,96 7.314,74 0,956

Processamento do tabaco 3.358 0,25 7.472,90 0,015

Indústria têxtil 1.755.425 145,64 8.296,31 4,440

Indústria do vestuário 1.497.974 126,40 8.437,90 3,706

Couros, peles e produtos relacionados 647.527 52,32 8.079,42 1,713

Prod. de madeira, bambu, fibras naturais e de palha 807.156 57,42 7.114,37 1,093

Indústria de mobiliário 430.509 35,55 8.257,72 1,273

Ind. de pasta, de papel e cartão e seus artigos 704.579 55,58 7.887,81 1,795

Edição e impressão 635.095 54,44 8.572,25 3,056

Produtos culturais, educacionais e de desporto 410.261 32,73 7.977,56 1,326

Fab. de Coque e Prod. Petrolíferos Refinados 100.216 8,69 8.667,05 0,236

Fab. de produtos químicos 1.184.168 94,59 7.987,72 3,310

Produtos médicos e farmaceuticos 181.008 16,33 9.020,47 0,800

Fab. de fibras sintéticas ou artificiais 40.660 3,51 8.638,17 0,118

Fab. de artigos borracha 283.553 23,05 8.128,77 0,947

Fab. de artigos plástico 1.163.947 95,97 8.245,55 4,060

Produtos minerais não metálicos 4.244.373 298,80 7.039,89 4,804

Fundição de metais ferrosos. 320.249 27,41 8.559,11 0,803

Fundição de metais não ferrosos 199.129 16,97 8.520,00 0,552

Produtos metálicos 1.371.382 119,01 8.678,05 4,844

Fab. de máquinas e de equipamentos 1.843.806 163,90 8.888,97 6,304

Page 172: SESSÃO 9 A CHINA, UM ELEMENTO CHAVE NA CRISE ACTUAL · modelo em que o poder económico e o militar estariam dissociados, e poderia eventualmente gerar uma sociedade de mercado mundial

170

Fab. de equipamentos para usos específico 897.244 83,50 9.306,74 3,940

Fab. de material de transporte 914.669 81,63 8.924,01 3,756

Máquinas e equipamento eléctrico 966.957 85,10 8.801,05 4,258

Material electrónico e de telecomunicações 566.806 56,45 9.959,76 2,929

Instrumentos e máquinas de escritório 296.131 29,19 9.856,72 1,843

Fab. de joalharia, ourivesaria e art. similares e outos prod.

da ind. Transf.

751.331 59,81 7.960,75 1,974

Reciclagem e desperdícios 46.681 4,02 8.601,89 0,121

Tabela 3. China, Empresas da Indústria Transformadora de dimensão abaixo da considerada,

Economic Census, Média de 2004, Remunerações do trabalho por sector (Parte 2.)

Pagamentos por

trabalhador para o fundo

de desemprego, média de

2004 (em yuans)

Trabalho, seguro de

desemprego como %

do salário

Outras remunerações por

trabalhador, média de

2004 (em yuans)

Remunerações totais por

trabalhador, média de

2004 (em yuans)

Indústria transformadora 284,18 3,49 651,54 9.079,95

Transf. de produtos alimentares 191,93 2,64 580,97 8.035,00

Fab. de produtos alimentares 346,40 4,60 602,11 8.474,83

Indústria das bebidas 250,18 3,42 585,18 8.150,09

Processamento do tabaco 435,38 5,83 597,83 8.506,11

Indústria têxtil 252,94 3,05 663,70 9.212,95

Indústria do vestuário 247,40 2,93 675,03 9.360,33

Couros, peles e produtos relacionados 264,55 3,27 646,35 8.990,33

Prod. de madeira, bambu, fibras naturais e de palha 135,39 1,90 569,15 7.818,90

Indústria de mobiliário 295,77 3,58 660,62 9.214,10

Ind. de pasta, de papel e cartão e seus artigos 254,78 3,23 631,02 8.773,61

Edição e impressão 481,21 5,61 685,78 9.739,24

Produtos culturais, educacionais e de desporto 323,25 4,05 638,21 8.939,02

Fab. de Coque e Prod. Petrolíferos Refinados 235,91 2,72 693,36 9.596,32

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171

Fab. de produtos químicos 279,56 3,50 639,02 8.906,30

Produtos médicos e farmaceuticos 441,93 4,90 721,64 10.184,03

Fab. de fibras sintéticas ou artificiais 289,60 3,35 691,05 9.618,82

Fab. de artigos borracha 333,89 4,11 650,30 9.112,96

Fab. de artigos plástico 348,80 4,23 659,64 9.254,00

Produtos minerais não metálicos 113,17 1,61 563,19 7.716,25

Fundição de metais ferrosos. 250,71 2,93 684,73 9.494,56

Fundição de metais não ferrosos 277,15 3,25 681,60 9.478,75

Produtos metálicos 353,21 4,07 694,24 9.725,50

Fab. de máquinas e de equipamentos 341,88 3,85 711,12 9.941,97

Fab. de equipamentos para usos específico 439,13 4,72 744,54 10.490,41

Fab. de material de transporte 410,69 4,60 713,92 10.048,62

Máquinas e equipamento eléctrico 440,37 5,00 704,08 9.945,50

Material electrónico e de telecomunicações 516,68 5,19 796,78 11.273,22

Instrumentos e máquinas de escritório 622,37 6,31 788,54 11.267,63

Fab. de joalharia, ourivesaria e art. similares e outos prod.

da ind. Transf.

262,68 3,30 636,86 8.860,29

Reciclagem e desperdícios 260,13 3,02 688,15 9.550,17

Tabela 4. China, Empresas da Indústria Transformadora, de dada dimensão e acima, Economic

Census, Média de 2004, Remuneração por hora de trabalho por sector

Emprego,

média de 2004

Remuneração média

por trabalhador, 2004

Remuneração média horária

por trabalhador, 2004

yuans dólares yuans Dólares

Indústria transformadora 56.673.426 18.043,05 2.179,11 8,09 0,98

Transf. de produtos alimentares 1.965.097 12.199,58 1.473,38 5,47 0,66

Fab. de produtos alimentares 1.108.837 16.194,25 1.955,83 7,26 0,88

Indústria das bebidas 839.188 17.465,06 2.109,31 7,83 0,95

Processamento do tabaco 198.767 80.796,53 9.758,04 36,22 4,37

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172

Indústria têxtil 5.879.184 12.786,93 1.544,32 5,73 0,69

Indústria do vestuário 3.319.120 13.428,15 1.621,76 6,02 0,73

Couros, peles e produtos relacionados 2.112.181 12.464,34 1.505,36 5,59 0,67

Prod. de madeira, bambu, fibras naturais

e de palha

767.994 11.256,74 1.359,51 5,05 0,61

Indústria de mobiliário 649.377 13.755,96 1.661,35 6,17 0,74

Ind. de pasta, de papel e cartão e seus

artigos

1.304.399 14.447,25 1.744,84 6,48 0,78

Edição e impressão 634.995 19.882,60 2.401,28 8,91 1,08

Produtos culturais, educacionais e de

desporto

1.075.367 13.221,85 1.596,84 5,93 0,72

Fab. de Coque e Prod. Petrolíferos

Refinados

679.653 29.353,43 3.545,10 13,16 1,59

Fab. de produtos químicos 3.263.454 20.572,94 2.484,66 9,22 1,11

Produtos médicos e farmaceuticos 1.143.815 21.563,21 2.604,25 9,67 1,17

Fab. de fibras sintéticas ou artificiais 391.942 18.807,84 2.271,48 8,43 1,02

Fab. de artigos borracha 807.838 15.130,46 1.827,35 6,78 0,82

Fab. de artigos plástico 1.751.965 15.131,95 1.827,53 6,78 0,82

Produtos minerais não metálicos 4.153.157 13.563,86 1.638,15 6,08 0,73

Fundição de metais ferrosos. 2.772.674 29.036,97 3.506,88 13,02 1,57

Fundição de metais não ferrosos 1.273.275 20.918,84 2.526,43 9,38 1,13

Produtos metálicos 2.131.107 15.778,20 1.905,58 7,07 0,85

Fab. de máquinas e de equipamentos 3.437.449 19.101,57 2.306,95 8,56 1,03

Fab. de equipamentos para usos específico 2.199.262 20.422,89 2.466,53 9,15 1,11

Fab. de material de transporte 3.413.057 24.927,65 3.010,59 11,17 1,35

Máquinas e equipamento eléctrico 3.486.797 18.124,42 2.188,94 8,12 0,98

Material electrónico e de telecomunicações 3.787.947 23.944,53 2.891,85 10,73 1,30

Instrumentos e máquinas de escritório 843.372 21.719,79 2.623,16 9,74 1,18

Fab. de joalharia, ourivesaria e art.

similares e outos prod. da ind. Transf.

1.242.216 13.755,31 1.661,27 6,17 0,74

Reciclagem e desperdícios 39.940 16.425,81 1.983,79 7,36 0,89

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Tabela 5. China, Empresas da Indústria Transformadora de dimensão abaixo da considerada,

Economic Census, Média de 2004, Remunerações por hora de trabalho por sector

Emprego, média

de 2004

Remuneração média

por trabalhador, 2004

Remuneração média horária

por trabalhador, 2004

yuans dólares yuans dólares

Indústria transformadora 24.132.811 9.079,95 1.096,61 4,05 0,49

Transf. de produtos alimentares 997.262 8.035,00 970,41 3,58 0,43

Fab. de produtos alimentares 489.116 8.474,83 1.023,53 3,78 0,46

Indústria das bebidas 382.239 8.150,09 984,31 3,63 0,44

Processamento do tabaco 3.358 8.506,11 1.027,31 3,79 0,46

Indústria têxtil 1.755.425 9.212,95 1.112,68 4,11 0,50

Indústria do vestuário 1.497.974 9.360,33 1.130,47 4,17 0,50

Couros, peles e produtos relacionados 647.527 8.990,33 1.085,79 4,01 0,48

Prod. de madeira, bambu, fibras naturais e de palha 807.156 7.818,90 944,31 3,49 0,42

Indústria de mobiliário 430.509 9.214,10 1.112,81 4,11 0,50

Ind. de pasta, de papel e cartão e seus artigos 704.579 8.773,61 1.059,62 3,91 0,47

Edição e impressão 635.095 9.739,24 1.176,24 4,34 0,52

Produtos culturais, educacionais e de desporto 410.261 8.939,02 1.079,59 3,99 0,48

Fab. de Coque e Prod. Petrolíferos Refinados 100.216 9.596,32 1.158,98 4,28 0,52

Fab. de produtos químicos 1.184.168 8.906,30 1.075,64 3,97 0,48

Produtos médicos e farmaceuticos 181.008 10.184,03 1.229,96 4,54 0,55

Fab. de fibras sintéticas ou artificiais 40.660 9.618,82 1.161,69 4,29 0,52

Fab. de artigos borracha 283.553 9.112,96 1.100,60 4,06 0,49

Fab. de artigos plástico 1.163.947 9.254,00 1.117,63 4,13 0,50

Produtos minerais não metálicos 4.244.373 7.716,25 931,91 3,44 0,42

Fundição de metais ferrosos. 320.249 9.494,56 1.146,69 4,23 0,51

Fundição de metais não ferrosos 199.129 9.478,75 1.144,78 4,23 0,51

Produtos metálicos 1.371.382 9.725,50 1.174,58 4,34 0,52

Fab. de máquinas e de equipamentos 1.843.806 9.941,97 1.200,72 4,43 0,54

Fab. de equipamentos para usos específico 897.244 10.490,41 1.266,96 4,68 0,56

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Fab. de material de transporte 914.669 10.048,62 1.213,60 4,48 0,54

Máquinas e equipamento eléctrico 966.957 9.945,50 1.201,15 4,43 0,54

Material electrónico e de telecomunicações 566.806 11.273,22 1.361,50 5,03 0,61

Instrumentos e máquinas de escritório 296.131 11.267,63 1.360,82 5,02 0,61

Fab. de joalharia, ourivesaria e art. similares e outos

prod. da ind. Transf.

751.331 8.860,29 1.070,08 3,95 0,48

Reciclagem e desperdícios 46.681 9.550,17 1.153,40 4,26 0,51

Tabela 6. China, Todas as Empresas da Indústria Transformadora, Economic Census, Média de 2004,

Remunerações potr hora de trabalho por sector

Emprego, média

de 2004

Remuneração média por trabalhador, 2004 Remuneração média horáriapor

trabalhador, 2004

yuans dólares yuans dólares

Indústria transformadora 80.806.237 15.366,21 1.855,82 6,88 0,83

Transf. de produtos alimentares 2.962.359 10.797,60 1.304,06 4,83 0,58

Fab. de produtos alimentares 1.597.953 13.831,42 1.670,46 6,19 0,75

Indústria das bebidas 1.221.427 14.549,99 1.757,24 6,51 0,79

Processamento do tabaco 202.125 79.595,54 9.612,99 35,61 4,30

Indústria têxtil 7.634.609 11.965,16 1.445,07 5,35 0,65

Indústria do vestuário 4.817.094 12.163,18 1.468,98 5,44 0,66

Couros, peles e produtos relacionados 2.759.708 11.649,21 1.406,91 5,21 0,63

Prod. de madeira, bambu, fibras naturais e de palha 1.575.150 9.495,08 1.146,75 4,25 0,51

Indústria de mobiliário 1.079.886 11.945,30 1.442,67 5,34 0,65

Ind. de pasta, de papel e cartão e seus artigos 2.008.978 12.457,42 1.504,52 5,57 0,67

Edição e impressão 1.270.090 14.810,52 1.788,71 6,63 0,80

Produtos culturais, educacionais e de desporto 1.485.628 12.039,13 1.454,00 5,39 0,65

Fab. de Coque e Prod. Petrolíferos Refinados 779.869 26.814,57 3.238,48 12,00 1,45

Fab. de produtos químicos 4.447.622 17.466,73 2.109,51 7,82 0,94

Produtos médicos e farmaceuticos 1.324.823 20.008,50 2.416,49 8,95 1,08

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175

Fab. de fibras sintéticas ou artificiais 432.602 17.944,17 2.167,17 8,03 0,97

Fab. de artigos borracha 1.091.391 13.567,06 1.638,53 6,07 0,73

Fab. de artigos plástico 2.915.912 12.785,64 1.544,16 5,72 0,69

Produtos minerais não metálicos 8.397.530 10.608,30 1.281,20 4,75 0,57

Fundição de metais ferrosos. 3.092.923 27.013,50 3.262,50 12,09 1,46

Fundição de metais não ferrosos 1.472.404 19.371,67 2.339,57 8,67 1,05

Produtos metálicos 3.502.489 13.408,29 1.619,36 6,00 0,72

Fab. de máquinas e de equipamentos 5.281.255 15.903,75 1.920,74 7,12 0,86

Fab. de equipamentos para usos específico 3.096.506 17.544,85 2.118,94 7,85 0,95

Fab. de material de transporte 4.327.726 21.782,96 2.630,79 9,75 1,18

Máquinas e equipamento eléctrico 4.453.754 16.348,69 1.974,48 7,31 0,88

Material electrónico e de telecomunicações 4.354.753 22.295,25 2.692,66 9,98 1,20

Instrumentos e máquinas de escritório 1.139.503 19.003,51 2.295,11 8,50 1,03

Fab. de joalharia, ourivesaria e art. similares e outos

prod. da ind. Transf.

1.993.547 11.910,47 1.438,46 5,33 0,64

Reciclagem e desperdícios 86.621 12.720,46 1.536,29 5,69 0,69

Tabela 7. China, Compensação horária do trabalho para Todas as Empresas da Indústria

Transformadora, Economic Census, 2004

Emprego,

média de 2004

Remuneração média

por trabalhador, 2004

Remuneração média horária

por trabalhador, 2004

yuans dólares yuans dólares

Indústria Transformadora, todos os trabalhadores 104,599,937 13,313.61 1,607.92 5.96 0.72

Indústria Transformadora, por dimensão da empresa 80,806,237 15,366.21 1,855.82 6.88 0.83

dimensão igual e acima da considerada 56,673,426 18,043.05 2,179.11 8.09 0.98

dimensão abaixo da considerada 24,132,811 9,079.95 1,096.61 4.05 0.49

Trabalhadores independentes e de empregados fabris

em regime de agregado familiar

23,793,700 6,342.71 766.03 2.83 0.34

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IV.3. AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO QUADRO DAS MULTINACIONAIS

China Labor Watch, “Adidas, Real Winner of the 2008 Olympics”,

Press Release, 18 de Agosto, 2008.

Disponível em http://www.chinalaborwatch.org/adidaspressV2.pdf.

A 18 de Agosto de 2008, na China, há mais de duas centenas de fábricas que empregam um total de mais de 250.000 trabalhadores a produzirem produtos para a marca Adidas. Entre estas fábricas, muitas são similares às três documentadas nos recentes relatórios do China Labor Watch (CLW), Chengda, SuperCap e Chang Ye Long onde se mostra que os trabalhadores são maltratados. Apesar de só se terem investigado estas três fábricas entre Junho e Agosto, eles sugerem uma pandemia mais vasta das más práticas da marca Adidas na China.

A maioria dos trabalhadores da marca Adidas são mulheres e têm aproximadamente vinte anos de idade. Partem com suas famílias das aldeias rurais a milhares de quilómetros até encontrarem trabalho em fábricas como Chengda, SuperCasp e Chang Ye Long.

Estes trabalhadores trabalham uma média de 6 dias por semana, dez a doze horas por dia. Os trabalhadores são alojados em quartos minúsculos onde são colocados dez em cada quarto, partilhando apenas um local de repouso. Muitos deles não têm pensões ou subsídio de desemprego. Os trabalhadores da Chang Ye Long não ousam sequer chegar atrasados, porque chegar 5 minutos resulta numa penalização de duas horas de salário. A marca Adidas equipa 16 equipas olímpicas, técnicos e voluntários, mas os trabalhadores das suas fábricas só podem apreciar o luxo das máscaras protectoras e das luvas quando estão a ser feitos os testes de qualidade. Além disso, os trabalhadores nestas fábricas não têm mesmo uma qualquer opção de escolha de jantar, porque as fábricas cobram automaticamente uma taxa para o jantar, mesmo sem o seu consentimento.

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Muitas fontes sugeriram que desde que a China abriu as suas portas ao investimento estrangeiro, no início dos anos 70s tem tido um grande desenvolvimento económico a uma grande velocidade devido aos negócios das empresas estrangeiras, que tem, por sua vez, aumentado os níveis de vida dos Chineses. Entretanto, quem ganha verdadeiramente com o crescimento económico da China não é nem a China nem os trabalhadores. Em vez disso, quem ganha são as empresas, como a Adidas, que diminuíram o custo salarial, para aumentar os seus lucros

De acordo com o relatório da Adidas, de 2004 a 2007, os seus lucros brutos aumentaram de 2.813 milhões de euros para 4.882 milhões de euros. A Ásia é o seu segundo maior mercado e ajudou a Adidas a atingir 959 milhões de euros de volume de negócios no primeiro semestre de 2008. O acréscimo das vendas foi especialmente devido ao mercado chinês. Por outro lado, os trabalhadores da fábrica Supercap, que é, por seu lado, uma máquina da produção da Adidas, são recompensados pelo aumento nas vendas com um ganho de 65 cêntimos por hora. Enquanto a Adidas usufrui do máximo de lucros e afecta uma grande parte deles a patrocinar os Jogos Olímpicos como uma outra estratégia de publicidade, os trabalhadores da Supercap discutem com os seus supervisores que produziram mais de 36 chapéus por pacote e que é por essa produção que devem ser pagos e não por 36 chapéus por pacote.

Embora alguns dos fornecedores dos produtos da marca Adidas, tais como a fábrica Chenda, reivindiquem que as horas extras são voluntárias, os trabalhadores, por seu lado, por causa dos salários serem extremamente baixos, não têm nenhuma escolha e têm que trabalhar fora do tempo estipulado a fim tentarem sobreviver e apoiar as suas famílias que eles ajudam e que estão em casa. A maioria, não pode mesmo imaginar possuir sequer um par de sapatas de Adidas ou de outros produtos manufacturados para a marca Adidas; mesmo tal imaginação está fora do seu alcance. Com os baixos salários, as multas excessivas e as longas horas de trabalho oferecidas

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por estes fornecedores de Adidas, os trabalhadores apenas podem esperar que sejam pagos a tempo e correctamente.

De modo a conseguir patrocinar os Jogos Olímpicos deste ano, a Adidas pagou cerca de 70 milhões de dólares. Olhando os baixos salários que os trabalhadores estão a ganhar, não é difícil imaginar de onde é que vêm os milhões de dólares com que a Adidas contribuiu para os Jogos Olímpicos - vêm da contribuição das muito longas horas de trabalho de 250.000 trabalhadores chineses e dos seus salários muito baixos. Enquanto a marca Adidas ganha toda a fama e fortuna com os Jogos Olímpicos, os seus trabalhadores trabalham dias e dias a fio dentro das linhas de produção e fora das mesmas a ver se ganham literalmente algum dinheiro extra.

“Quem é que mais beneficia com os Jogos Olímpicos? As empresas, como a Adidas, são as que lucram com o acontecimento que foi originalmente criado para servir como um símbolo da esperança e da paz. É muito difícil fazer passar esta mensagem aos trabalhadores que trabalham nas fábricas dos fornecedores de Adidas.” Diz Li Qiang, director executivo de China Labour Watch.

“Enquanto o slogan “nada é impossível” está espalhado por toda a parte, os relatórios dos investigadores de CLW sobre a Chengda, a Supercap e a Chang YE mostram que, desde há muito tempo, parece que há uma coisa que continua impossível para a marca Adidas: assegurar que os seus fornecedores garantam condições de trabalho eticamente boas para os seus trabalhadores” acrescentou Li.

Apesar disso, a CLW reconhece que os esforços feitos pela Adidas nos últimos anos quanto às melhorias das condições dos trabalhadores são reconhecíveis. Contudo, com a capacidade de Adidas e com os recursos mostrados pelo seu patrocínio olímpico, e como uma das mais importantes empresas do sector e na comunidade internacional, nós acreditamos que muito mais pode ser feita pela empresa Adidas.

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Fábrica Zhongshan Weili Texteile Co. Ltd

Nome Inglês: Supercap

Nº de trabalhadores: cerca de 3.500

Clientes principais: Adidas e Reebock

Produtos: chapéus desportivos, camisolas, calças desportivas, luvas, lenços, protectores para os joelhos, para os cotovelo e para os pés.

Supercap é uma fábrica do grupo Weizhong Corporation de Taiwan. De acordo com um artigo de Business Weekly, “9 em cada dez chapéus nos Estados Unidos são produzidos pela Supercap”.

A fábrica produz actualmente em cerca de dez zonas nesta região; uma zona em que se produz chapéus, uma zona de produção de chapéus de senhora, uma zona em que se bordam chapéus, uma zona em que se concebem os chapéus, uma zona de tecelagem da produção para chapéus, uma zona para tratamento do fio, uma zona para corte.

Contrato e contratações

Antes de entrar para a fábrica, aos trabalhadores é exigido um exame médico feito num hospital indicado pela empresa, o hospital de Baoyuan. A taxa para este exame de saúde é de 36 RMB45. A formação só é dada aos trabalhadores que entram para a fábrica durante a época baixa, e durante a época alta, aos trabalhadores é exigido que comecem imediatamente a trabalhar, sem qualquer formação, sem nenhum treino. Formação dura de 15

45 A taxa de câmbio é um euro contra 9 Renmimbi.

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dias a um mês e, durante este período, a empresa Supercap dá a alimentação e o alojamento, não sendo feito nenhum pagamento aos trabalhadores. Aos trabalhadores novos é dado um manual dos trabalhadores. À saída, é pedido aos trabalhadores para devolver o manual e se o manual foi perdido, será aplicada uma taxa.

Supercap assina o contrato com os trabalhadores, embora não seja permitido que os trabalhadores fiquem com uma cópia. No contrato, Supercap aceita pagar aos trabalhadores o salário mínimo local de 770 RMB mensais. Aos novos trabalhadores é exigido que fiquem um mês à experiência.

A fábrica calcula os salários de acordo à hora e à peça, tal como combinado.

Os trabalhadores que desejam renunciar antes de o contrato terminar precisam de apresentar um pedido com um mês de antecipação à gerência. De acordo com informação dos trabalhadores, se estes são capazes de encontrar um substituto é-lhes então mais fácil sair.

Horas do trabalho

Horário do distrito em que se produzem os chapéus (cada distrito tem os seus horários)

  Segunda a Sábado

Manhã 8h 00 - 12h00

Almoço 12h 00 -13h 30min

Tarde 13h 30min - 17h 30min

Jantar 17h 30min- 18h 30min

Tempo Extra 18h30min- 21h 30min

Na Supercap, a época alta da fábrica é em Setembro e a época baixa em Fevereiro. Em média, os trabalhadores trabalham aproximadamente 11 horas

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por dia, 6 dias por semana. As horas extras são obrigatórias; os trabalhadores do distrito da produção de chapéus disseram que trabalhavam até 24 horas ou mesmo 24 horas, aproximadamente duas a três vezes por mês.

Salários e benefícios

A Supercap incentiva trabalhadores a trazerem novos trabalhadores para trabalhar na fábrica. Se o conselheiro é um trabalhador mais velho, ganhará 60 RMB para cada trabalhador que trouxe. Se o conselheiro é um trabalhador novo, ganhará 30 RMB por cada trabalhador.

Nem todos os trabalhadores têm uniformes; os trabalhadores no distrito de produção de chapéus não têm uniformes para vestir.

Os trabalhadores são pagos pelo seu trabalho ou à taxa horária ou são remunerados à peça; os trabalhadores remunerados à hora ganham 4,43 RMB pagos por cada hora regular trabalhada. Nas remunerações à peça, ela é calculada a partir do “cartão de produção”. Existe um cartão em cada pacote e são os próprios trabalhadores que o preenchem com as informações sobre a sua produção. Cada pacote contém tipicamente 36 chapéus. Embora haja alguns pacotes que contêm 38 ou mais chapéus, os supervisores calculam os salários dos trabalhadores por pacotes de 36 chapéus em vez de ser pelo seu número verdadeiro. De acordo com um supervisor, ele é obrigado a calcular sempre os salários por pacote com 36 chapéus por causa do sistema informático e então não há nada que ele possa fazer.

No dia de pagamento, os trabalhadores podem obter um recibo do seu salário com informações detalhadas.

Os trabalhadores mensalmente podem ganhar, em média, entre 1.100 RMB e 1.200 RMB e às vezes mesmo 1.900 RMB. Alguns trabalhadores recebem bónus que varia de 100 a 200 RMB.

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Condições alimentares e de vida

A Supercap fornece dormida a ser paga pelos trabalhadores que desejam viver no local. Mensalmente a fábrica deduz 45 RMB ao salário de cada trabalhador remunerado à peça e 50 RMB ao salário de cada trabalhador remunerado à hora. A fábrica não onera os trabalhadores que vivem fora.

Há seis edifícios que servem de dormitório; cinco são dormitórios para as mulheres e um é dormitório masculino. Cada quarto tem dois ventiladores de tecto e um aparelho de ar condicionado para dez trabalhadores por quarto. O aparelho de ar condicionado trabalha somente três horas por dia. No corredor de cada piso há uma casa de banho com chuveiro e uma sala de estar. A casa de banho com chuveiro tem aproximadamente dez compartimentos e a sala de estar tem aproximadamente 20 compartimentos compartilhados por algumas centenas de trabalhadores por cada piso. O distribuidor de água potável está somente disponível no primeiro andar de cada dormitório. Uma vez que não há nenhuma tomada de corrente nos quartos, os trabalhadores que desejam carregar o seu telefone precisam de se dirigir à sala de leitura. A sala de leitura tem segurança 24 horas.

Há seis cantinas na Supercap; cinco são as cantinas dos trabalhadores e a outra é a cantina dos empregados de escritório. A alimentação da cantina é divida em dois tipos: a normal e a especial. A refeição normal custa 165 RMB por mês e refeição especial custa 249 RMB por mês. Se um trabalhador escolhe a refeição normal, ele ou ela é responsável por trazer um recipiente pessoal para os alimentos. Mesmo que se tenha uma baixa médica e se não janta na cantina, ser-lhe-á também pedido para pagar a taxa da refeição do dia.

Não é permitido aos trabalhadores mudar o tipo de refeição antes do final de cada mês. Se alguém é apanhado a comer a refeição especial quando escolheu para o mês a refeição normal será multado em 6 pontos/100 RMB. Os trabalhadores podem cancelar o seu plano de refeição depois de um pedido

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feito ao director financeiro ou ao gerente. Se um trabalhador é apanhado a comer na cantina da fábrica sem o plano de refeição será multado em 165 RMB, equivalentes ao custo do plano normal de refeição mensal.

Programação e refeições da cantina

Horários de refeições na cantina

Pequeno-almoço 7h 30min – 8h 00n Bolos, donuts, arroz, leite de soja

Almoço 12h 00 – 13h 00 Três entradas e uma sopa

Jantar 17h 30min – 18h 00 Três entradas e uma sopa

Ceia Varia

Quando questionámos os trabalhadores sobre as condições alimentares, disseram que raramente encontravam um pedaço de carne num prato de carne e que a qualidade alimentar há cinco anos atrás era muito melhor do que a que de agora.

Há igualmente um minimercado na Supercap embora os trabalhadores se queixem de que os preços são altos. Por exemplo, o minimercado factura 2,5 a 2,6 RMB por uma garrafa de leite que custa aproximadamente 1,8 a 1,9 RMB fora da fábrica.

Condições do trabalho

Uma zona fabril no distrito da produção de chapéus tem aproximadamente 700 trabalhadores e sete linhas de produção, aproximadamente cem trabalhadores por linha de produção. Entre as diversas posições, a alguns trabalhadores é exigido que estejam a trabalhar de pé e outros poderão estar a trabalhar sentados. Por exemplo, os trabalhadores que passam a ferro os chapéus têm que estar a trabalhar de pé. Devido à elevada densidade dos trabalhadores sem ar condicionado, os trabalhadores

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têm que se habituar a viver com as ventoinhas de tecto na zona fabril.

Em cada unidade fabril há uma caixa dos primeiros socorros e no interior da caixa dos primeiros socorros está o mercurocromo, o álcool etílico e pensos rápidos. Os trabalhadores que passam chapéus a ferro, às vezes ferem as suas mãos por causa do vapor. Embora a fábrica forneça luvas aos trabalhadores, estes escolhem frequentemente não usar as luvas pois acreditam que as luvas prejudicam o seu trabalho

Os trabalhadores que andam a colocar forros e enchimentos não têm máscaras protectoras ou aventais. Há os produtos químicos tais como as colas, a “água de limpeza”, e o óleo do injector que parecem ser perigosos se a eles os trabalhadores estiverem directamente expostos. A exposição directa a estes produtos químicos pode originar doenças de pele, etc.

De acordo com trabalhadores entrevistados, na Supercap, os acidentes de trabalho ocorrem frequentemente; os ferimentos variam entre um ferimento menor no dedo a uma mão esmagada. Nos termos da responsabilidade da Supercap relativamente aos acidentes de trabalho, de acordo com trabalhadores, a fábrica recusa frequentemente fornecer qualquer ajuda para pagar os cuidados médicos. Por exemplo, de acordo com os trabalhadores, houve pelo menos um caso de acidente de trabalho por mês durante cinco meses consecutivos e quatro destes trabalhadores feridos são financeira responsáveis pelo acidente que causaram no trabalho e somente um recebeu 4.000 RMB de indemnização. Além disso, os trabalhadores disseram que se os trabalhadores com acidentes de trabalho pedirem a indemnização directamente à direcção, após um procedimento complexo e depois da aprovação da direcção, poderão receber uma parcela da remuneração global pedida.

Havia um trabalhador que foi referido por um supervisor assistente que teve um ataque cardíaco grave acidente e desmaiou um dia no trabalho.

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Após o tratamento médico, o trabalhador felizmente recuperou mas perdeu a capacidade de falar e ficou incapacitado para o trabalho, deixando de reconhecer as pessoas. Alguns disseram que o que causou esta tragédia foi essencialmente a elevada pressão do trabalho na Supercap assim como o estilo de vida muito conservador do trabalhador

Penalizações e bónus

PenalizaçãoCada ponto deduzido é equivalente a 15 RMB

Os bónus são calculados de acordo com a eficiência da produção da fábrica, a época alta e a época baixa produção e de acordo com a eficiência individual de cada trabalhador. O bónus pode variar entre 100 e 200 RMB. Durante os feriados, os trabalhadores podem usufruir de uma refeição adicional sem nenhum custo.

Outras condições

• Um sindicato foi criado na Supercap. Cada distrito tem um representante. O sindicato pode organizar aleatoriamente uma reunião com todos os representantes para discutir e reflectir as questões dos trabalhadores no trabalho e na vida privada e para procurar uma solução para os problemas levantados.

• Todos os anos há a uma actividade desportiva principal no local; competição de basquetebol, de pingue-pongue, etc.

• Há um café com Internet no local. O café tem aproximadamente 35 computadores, cobrando 3,5 ou 4 RMB por hora.

• O telefone no local é mais caro do que os de fora, custando 0,2 RMB por minuto.

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• Na zona de entretenimento, há mesas de pingue-pongue, um campo de basquebol um campo de voleibol, um ringue de patinagem e uma sala de leitura. A sala de leitura tem tipos diferentes de xadrez, de livros, de jornais e de revistas. Os trabalhadores podem igualmente ir às cantinas ver um pouco de tv.

• Há uma porta entre a zona de produção e a zona de dormitório com seguranças. Os trabalhadores precisam de utilizar o cartão e terão que o mostrar obrigatoriamente aos seguranças antes de entrar ou de sair.

• Há câmaras instaladas nas saídas em cada local de armazenamento do produto.

No sítio da China Labor Watch está disponível a resposta da Adidas ao relatório.

O relatório inicia-se com as seguintes observações gerais:

Esta unidade fabril produz bonés de diversas marcas do grupo Adidas e representam 10% da produção total de Supercap. A Supercap produz para 40 marcas internacionais. A fábrica foi auditada pelo Grupo Social Adidas em 2006, 2007 e duas vezes em 2008.

N.T.: Todos nós leitores, podemos daqui inferir que esta fábrica produz de acordo com as normas aceites pelas multinacionais e é, então, este tipo de universo, de condições de trabalho, de remunerações, de direitos, em suma, que, desta forma, se pretende globalizar. Estas são condições aceitáveis no capitalismo neoliberal de características chinesas e então, com esta concorrência exacerbada pelo preço mais baixo e também com os Estados Ocidentais a flexibilizarem as condições de trabalho, de remunerações e dos direitos dos trabalhadores, parece, portanto, que é a China a marcar, afinal, o ritmo das nossas condições de trabalho, dos nossos direitos. Não foi ela a grande vencedora do G20?

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Ciclo organizado pelos docentes da disciplina de Economia Internacional

da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Colaboração do Núcleo de Estudantes de Economia da Associação Académica de Coimbra

Apoio da Coordenação do Núcleo de Economia da FEUC

Com o apoio das instituições:

Reitoria da Universidade de Coimbra

Teatro Académico de Gil Vicente

Caixa Geral de Depósitos

Fundação para a Ciência e a Tecnologia

Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC

DOC TAGV / FEUC

2008 - 2009

Economia Global, Mercadorização e Interesses Colectivos

Textos seleccionados, traduzidos e organizados por:

Júlio Mota, Luís Peres Lopes e Margarida Antunes

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