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João Luís Peixoto de Sousa

Setembro/09 137 Revista Mensal

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Impressão

Uniarte Gráfica / Porto

Publicação inscrita no Instituto

da Comunicação Social nº 120738

Empresa Jornalística nº 208709

Periodicidade: mensal

O sentido da mudança

Se a eficácia da Justiça se medisse pelo ritmo de mudança Por-

tugal seria neste capítulo um exemplo para o mundo.

Não têm faltado alterações a todos os níveis e quase para todos os

gostos. Processo Civil, Sociedades Comerciais, Custas Judiciais,

acção executiva, mapa judiciário são exemplos de transformação

profunda e quase constante apontados pelo Dr. António Pires de

Lima na entrevista concedida à “Vida Judiciária”. O Código das

Sociedades Comerciais sofreu 26 alterações entre 1986 e 2006,

ou seja, mais de uma alteração por ano. Os sucessivos Governos

têm um denominador comum: A tentação de alterar as normas

em vigor. Ao fazê-lo esquivam-se à aplicação correcta das normas

existentes. Muitas vezes, os interesses políticos sobrepõem-se aos

interesses nacionais e os partidos que estão no poder apostam

deliberadamente no fracasso da reforma do partido anterior,

para justificar a necessidade de uma nova reforma.

O problema não está na falta de mudança mas sim no sentido

da mudança. Para o ex-bastonário da Ordem dos Advogados

esse sentido tem sido errado. As críticas do Dr. António Pires de

Lima não poupam o Ministério da Justiça, nem os legisladores

– acusados de não saber português –, nem o Dr. António Marinho

e Pinto, acusado de demagogia e sensacionalismo.

Para o Dr. Pires de Lima, a representatividade do actual basto-

nário deve ao “sentimento de revolta” que se manifesta entre os

profissionais da Justiça. Com o clima actual torna-se cada vez

mais difícil encontrar medidas que suscitem o consenso. Prova-

velmente, o ritmo de mudança terá que abrandar e as alterações

terão que ser mais reflectidas e mais coerentes.

António Piresde Lima critica excesso

de alterações legislativas

Em Foco Algumas questões europeias 8

Actualidades

Informações jurídicas 14

Registos & Notariado

Alienação de herança 20

Análise

Crise e direito do trabalho 21

Marcas & Patentes

Concorrência desleal 22

Jurisprudência

Resumos de Jurisprudência 28Jurisprudência do STJ e das Relações 46Sumários do STJ 51

LegislaçãoRegime jurídico do processo de inventário 57Principal legislação publicada

1ª e 2ª séries do Diário da República 61

“O Ministério da Justiça transformou-se

num laboratóriode experiências”

VidaJudiciáriaSetembro/2009

� VidaJudiciáriaSetembro/2009

Por Ana Santos Gomes

António Pires de Lima critica excesso de alterações legislativas

“O Ministério da Justiça transformou-se num laboratório de experiências”

“Sou mais condecorado pelo governo

espanholdo que pelo

governo português”

António Pires de Lima tem a pasta cheia de críticas à actuação do Ministé-rio da Justiça e do bastonário da Ordem dos Advogados. O antigo bastonário as-sume-se excluído de uma Justiça cen-tralizada na informatização e lamenta a falta de condições de sobrevivência para todos os advogados.

Depois de ter recebido o Prémio Ius-titia, atribuído pela sociedade de ad-vogados José António Silva e Sousa & Associados ao advogado ou jurista que mais se evidenciasse no âmbito das re-

lações bilaterais entre Portugal e Es-panha, António Pires de Lima, o anti-go bastonário da Ordem dos Advoga-dos concedeu uma entrevista à “Vida Judiciária”, revelando a sua análise de vida presente da advocacia e da Justi-ça portuguesas.

Vida Judiciária – Como é que está hoje a relação entre Portugal e Es-panha na área da advocacia?

António Pires de Lima – Só co-nheço por algumas zonas. Na zona de Coimbra havia uma proximidade muito grande com Salamanca. E antigamen-

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funções e, enfim, sou mais condecorado pelo governo espanhol do que pelo go-verno português.

VJ – Já era tempo de as relações entre Portugal e Espanha estarem mais desenvolvidas a esse nível? Há preconceitos de parte a parte?

APL – Podiam estar muito diferen-tes. Há umas certas mágoas, nós damo-nos bem quando falamos de mulheres, de vinho e de touros. Na advocacia damo-nos bem, temos boas relações. Agora falta uma certa cautela para que os espanhóis não façam uma inva-são, porque, repare, para os espanhóis é relativamente fácil chamarem a si a preferência nas relações com os países de expressão portuguesa. Havia mesmo esse cuidado, uma certa preocupação por parte dos espanhóis de estabelecer uma relação directa com esses países. Eles têm capacidades económicas que nós não temos, portanto era fácil que com bolsas de estudo e com maiores ligações fizessem uma proximidade a esses países relativamente mais rápi-da do que nós, até porque nós, portu-gueses, somos lentos e normalmente só choramos sobre o leite derramado. Infe-lizmente a língua não chega para pro-teger essa relação e não temos iniciati-va nenhuma. Em certos países como a Guiné e Cabo Verde era facílimo. Hoje o Brasil é concerteza, de entre as anti-gas províncias ultramarinas, a entidade que pode fazer mais pela união e pela proximidade dos povos: tem a mesma língua, tem capacidades económicas e tem iniciativas.

VJ – O que o levou a envolver-se no projecto da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Espanhola?

APL – Eu não estive na fundação da câmara, pois nessa altura estava no Ul-tramar a cumprir a comissão. Quando eu regressei da guerra colonial dei-me muito bem com o adido comercial, que depois foi embaixador. Eu era tradicio-nalmente o advogado da Embaixada de Espanha e o advogado do Consulado. Tinha um juramento para prestar ser-viço como advogado ao Estado espanhol sempre que não fosse incompatível com

“Nós, portugueses, somos lentose normalmente só choramos sobre o leite derramado”

“Hoje o Brasil é a entidade que pode fazer mais pela união e pela proximidade dos povos lusófonos”

te havia uma grande relação entre as Ordens dos Advogados.

VJ – Havia maior proximidade do que há hoje?

APL – Penso que sim. Por exem-plo, durante muitos anos fui o dele-gado português junto da União Inter-nacional dos Advogados Luso-Hispa-no-Americanos. Depois, com a eleição para bastonário, suspendi e nunca mais regressei. Penso que é o basto-nário de que vez em quando vai a es-sas reuniões e não sei se há qualquer relação mais próxima. Sei que antes havia uma relação muito próxima. No meu tempo, eu era tradicionalmente o advogado dos espanhóis. Não havia bancos espanhóis em Portugal e por-tanto os clientes vinham directamente do Consulado ou da Embaixada ou, já depois, da Câmara de Comércio. Te-nho a língua espanhola como segun-da língua. Fui-me integrando nessa

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as minhas ideias. Eu era assim o ad-vogado oficioso da Embaixada de Es-panha e sou presidente da Assembleia Geral da Casa de Espanha. São coisas que vêm por tradição. A minha avó ma-terna era espanhola, a minha mãe e o meu pai davam-se muito com a colónia espanhola.

VJ – O crescimento das sociedades de advogados vem mudar a advo-cacia?

APL – A clientela também mudou. Hoje os casos muito complexos ou que implicam um conhecimento de maté-rias muito diferentes obrigam a uma de duas: ou o advogado está preparado para se associar a outros para dar uma certa garantia ao cliente de um traba-lho quase perfeito, ou já tem uma situ-ação societária preparada que garanta essa prestação de serviços de qualida-de, o que não é compatível com um es-critório de quatro ou cinco advogados.

VJ – Parece-lhe que o advogado isolado está em vias de extinção?

APL – Não, aliás eu tenho uma ma-neira de ver a advocacia muito pessoa-lizada. A relação humana é, para mim, muito importante.

VJ – Mas na altura não havia mui-tos advogados e agora há muitos.

APL – Eu sou o número 2.041 em 1958. A partir de 1960-62 a pouca-ver-gonha e os advogados foram o que mais cresceu em Portugal. Hoje há advoga-dos a mais, não há trabalho que chegue para tantos.

VJ – Em tempos chegou a criticar o aparecimento de muitos alunos vindos das faculdades privadas.

APL – Os alunos foram incentiva-dos a ir para as universidades priva-das porque naquela altura, salvo uma ou outra excepção, todos os advogados viviam e sobreviviam e hoje há advo-gados que não têm qualquer hipótese. Se são casos grandes e o cliente pode pagar, ele vai procurar quem lhe dê garantias de um serviço prestado de qualidade e por isso não vai a um ad-vogado qualquer.

VJ – Teria sido possível evitar o aparecimento de tantos cursos de Direito?

APL – Concerteza, isso foi uma bar-baridade. O curso de Direito custa pou-co à universidade, é um curso de “pa-pel e caneta” e às vezes até nem isso. Hoje conhecem-se mais as leis que vão sair pelos jornais do que propriamente pelo Diário da República, embora quem queira interpretar o Diário da Repú-blica tenha umas certas dificuldades, porque o legislador sabe muita coisa, mas não sabe português. Mas poderia ter-se evitado. Depois fala-se que a de-mocracia exige que haja uma abertura das universidades a toda a gente. An-tigamente os alunos formavam-se, hoje tiram um curso.

VJ – Tem críticas à formação?

APL – Concerteza. Há muita gen-te que vai para a advocacia sem qual-quer vocação, na tentativa de ganhar algum.

VJ – Já foi bastonário da Ordem dos Advogados. Hoje custa-lhe ver o mau ambiente que se vive no seio da Ordem?

APL – Muitíssimo. Devo dizer-lhe que adivinhei isso. Na véspera das elei-ções tive o cuidado de dizer que não po-ria os pés na Ordem se esse senhor fos-se eleito, porque este senhor, para mim, é um demagogo. Não se faz o que se está a fazer. Os advogados, as delegações e os conselhos distritais não mereciam isto. Quando fui bastonário nunca tive um problema de falta de lealdade ou de colaboração com as pessoas, inclusiva-mente fui buscar forças aos conselhos distritais e auscultá-los.

VJ – Centraliza o que está a acon-tecer na pessoa do bastonário?

APL – Todas as atitudes que ele ti-nha eram de um sensacionalismo sem continuação nenhuma. Quando uma pessoa afirma que se passa algo tem obrigação, pelas suas funções, de mar-car uma posição. Eu não denunciei pu-blicamente que fulano tinha sacado mi-lhares de euros a determinada pessoa, mas actuei. Quando tive conhecimento

“Uma coisaé aquilo que

o Dr. Marinhoe Pinto escreve,

em que atéé capaz

de ter razão,e outra coisa

é aquiloque faz, em

que perdea razão”

�VidaJudiciáriaSetembro/2009

APL – Completamente. É certo que eles também têm de se defender dos ad-vogados, na medida em que hoje em dia não se conhecem. Há uns 20 anos, era eu vice-presidente da Ordem, presidi a um princípio de estágio e foi o maior choque que eu terei tido em termos de frequência, porque quando eu comecei o meu estágio, no Salão Nobre da Or-dem, estavam todos sentados e sobra-vam cadeiras. E quando entrei para presidir eu vi tanta gente, de pé, nas coxias, por todo o lado, que eu só lhes disse “vocês vão ter umas dificulda-des extraordinárias. A vossa vida será concerteza duríssima”. Quando come-cei, eu conhecia todos os meus colegas de curso e os de Coimbra, mas ali eles nem o colega ao lado conheciam. Como é que vão ter suficiente confiança uns nos outros?

VJ – Entre as atitudes do bastoná-rio há alguma virtude?

APL – Não lhe reconheço virtude nenhuma. Nem a coragem. Chamo a isto um panfletário, no que respeita à legislação e à forma como tem colabo-rado com o Ministro da Justiça. É uma chusma de disparates aquilo que o Mi-nistério da Justiça tem feito. A nós e aos nossos clientes obriga-nos a conhe-cer a parte informática e a trabalhar sem papéis, sob pena de termos de pa-gar um maior preparo, mas eles desde 2001 que andam com comissões que têm a sua vida prolongada para assistir à informatização dos tribunais.

VJ – O que pensa do novo Mapa Judiciário?

APL – Não sei que necessidade ha-via de fazer esta modificação. Não há dúvida nenhuma de que os acessos são mais fáceis, agora a obrigação das pes-soas se deslocarem resulta de um gran-dessíssimo disparate que são os gabine-te onde se fazem as videoconferências. Há algum tempo uma juíza de Pombal perguntou-me se eu não me importa-va de levar as testemunhas de boleia, porque a videoconferência só estava disponível em Maio, porque até lá já estava tudo ocupado. Nós estávamos em Fevereiro…

“Isto de pensaremque os senhores juízes, porquesão juízese porque estiveram mais dois anosno Limoeiro, vão ser umas águias…”

que um magistrado usava o seu lugar para se aproveitar de viúvas e de filhas órfãs, a primeira coisa que fiz não foi denunciar publicamente que havia ma-gistrados, fui ter com o vice Procurador Geral da República. Fazia primeiro e não precisava de dizer depois.

VJ – Porque é que tantos advoga-dos escolheram António Marinho e Pinto?

APL – Há uma ideia de que os advo-gados que escolheram o António Mari-nho e Pinto são os mais novos e os que estão revoltados. Isso não é verdade, foram todos. A minha mesa de eleições é dos advogados mais velhos e também votaram António Marinho e Pinto. Pen-so que a explicação está num sentimento de revolta. Mas uma coisa é aquilo que o Dr. Marinho e Pinto escreve, em que até é capaz de ter razão, e outra coisa é aquilo que faz, em que perde a razão.

VJ – Está a querer dizer que os ad-vogados que o elegeram terão sido influenciados por aquilo que ele escrevia?

APL – O que ele escreve muitas ve-zes é com razão e vê-se que cai bem no público em geral pela forma como o pú-blico reage e reage positivamente, julga que ele é uma pessoa que vai remode-lar. Mas em matéria de ligação aos ad-vogados e de estabelecer uma elan para os advogados é um caso completamente falhado. Está de relações cortadas com todos ou quase com todos os conselhos distritais. Diz que há advogados presos. Claro que há uma série de canalhas, ad-vogados, médicos e há até receio de que possa existir um caso ou outro de um magistrado que não se está a compor-tar com a dignidade com que devia. Mas eles são todos feitos da mesma massa. Advogados e magistrados vêm todos dos bancos das faculdades de Direito. Isto de pensarem que os senhores juízes, por-que são juízes e porque estiveram mais dois anos no Limoeiro, vão ser umas águias… podem ter um índice de cultu-ra e de preparação melhor, mas são da mesma massa.

VJ – Há distanciamento a mais en-tre advogados e juízes?

� VidaJudiciáriaSetembro/2009

VJ – Viu nos últimos tempos a Jus-tiça a conviver com os media. Acha que a Justiça saiu bem na fotogra-fia?

APL – Não saiu bem, mas também não está a ser muito bem tratada. A crí-tica que os media normalmente fazem à Justiça é uma crítica no sentido de que determinada solução deveria ser a ideal, mas às vezes isso é impossível. A prova testemunhal é uma prova rela-tiva. Por vezes o juiz convence-se com um depoimento mais teatral e menos verdadeiro. Não são só os advogados e os juízes que devem ser inteligentes. A testemunha às vezes é muito inteli-gente e sabe levar as coisas para aqui-lo que quer. Humanamente é sempre possível as pessoas serem enganadas. Estas apreciações que se fazem e por vezes tem-se apenas uma visão das consequências e não daquilo que de-terminou aquelas consequências. E agora já não está em causa só a parte criminal, mas também a parte cível, pois tem-se a sentença e depois o que se faz com ela? Há milhares e milha-res de processos que não são dados à execução e depois vem o Ministério da Justiça dizer que recuperámos 125 mil processos. Recuperaram porque esta-vam atrasados.

VJ – Tem críticas à Acção Execu-tiva?

APL – A Acção Executiva é uma coi-sa que não existe. Criaram os depósitos públicos, mas é uma fantasia. O senhor ministro e os seus secretários de Estado nunca souberam nada da vida prática e basta ver a legislação que fizeram, em conluio com o senhor bastonário. O regulamento do Apoio Judiciário saiu numa sexta-feira no Diário da Repúbli-ca, entrou em vigor na segunda-feira e ainda não estava entregue nos correios na zona Norte, ou seja, entrou em vigor quando as pessoas ainda não o tinham. Claro que hoje há a internet, mas isso revela o desprezo que há pelas pesso-as e pela informação. O Ministério da Justiça tem sido uma desgraça.

VJ – Não apreciou nenhuma das suas iniciativas?

APL – Acho que apreciava se eles ti-vessem a iniciativa de ir para a rua.

VJ – Qual foi, no seu entender, a pior medida tomada pelo Ministé-rio da Justiça?

APL – As alterações Código de Pro-cesso Civil são tantas que eu hoje não sei qual a lei que está em vigor. O Có-digo das Sociedades Comerciais, en-tre 1986 e 2006, teve 26 alterações, ou seja, mais do que uma por ano. Perde-se aquela preparação que nós tínhamos de saber onde as coisas estavam. A quan-tidade de modificações legislativas que se verificaram no inicio do ano não me permitem dizer a um cliente estrangei-ro que o regime fiscal é este, porque 15 dias depois muda. Por exemplo, o Mapa Judiciário saiu com carácter provisório e experimental. Quais são os resultados dessa experimentação? Isso eles nunca dizem. O Ministério da Justiça trans-formou-se num laboratório de experiên-cias. Pode ser que um dia desapareçam com a solução certa.

“Antigamente os alunos

formavam-se, hoje tiramum curso”

“Quando uma pessoa afirma que se passa algo tem obrigação, pelas suas funções, de marcar uma posição”

�VidaJudiciáriaSetembro/2009

Algumas questões europeiasNo continente onde

nasceu e vicejou a demo-cracia, as eleições para o Parlamento Europeu são, para além de alguns tímidos referendos num ou noutro país, o único arremedo de participação cívica que é regularmente pedido aos cidadãos da União, no âmbito desta.

Estes, na generalidade dos países, devolvem o ca-rinho e respeito revelados pelos seus líderes e repre-sentantes com expressivos índices de abstenção.

Tudo estaria bem se a União Europeia se man-tivesse uma organização internacional assente na soberania dos estados que a integram e não tendes-se, confessadamente, a absorver partes significati-vas da mesma, ao ponto de se afirmar o primado da legislação comunitária e, inclusivamente, se concretizarem alterações do regime constitucional no sentido da respectiva submissão aos «ditames» europeus (cfr. art. 8º, nº 4, da C.R.P.)

Tudo estaria bem, de igual modo, se mais de 50% da legislação aplicada em Portugal não fosse produzida pela União.

Tudo estaria bem, finalmente, se as políticas da União Europeia não fossem utilizadas pelos políti-cos nacionais como pretexto para as consequências da sua prepotência, da sua falta de visão e da sua incompetência1.

Para nos evidenciarmos como os «bons alu-nos da Europa» liquidámos alegremente parte significativa do tecido produtivo nacional (v.g. a pesca, a agricultura, a indústria de reparação naval) e, deslumbrados como um provinciano em Paris, não aproveitámos a oportunidade para os reconverter.

Entretanto, nenhum dos partidos ou candidatos concorrentes às eleições para o Parlamento Europeu acha este peso da legislação comunitária inadmis-sível e nenhum partido ou candidato defendeu o já esquecido princípio de subsidiariedade. Pelo con-trário, quase todos defenderam mais competências para a União.

Entretanto, Espanha, que realizou um percurso de integração idêntico ao nosso, afirmou-se, sob a liderança de Felipe González e de José Maria Aznar,

como potência – nas pescas, na agricultura, na moda e até, quem o poderia prever, na gastronomia.

Na área do Direito Intelectual e em particular na do Direito de Propriedade Industrial, passou-se e parece continuar a passar-se o mesmo.

“Nuestros hermanos” lograram conseguir a ins-talação no seu país – em Alicante – do Instituto de Harmonização do Mercado Interno, a mais bem sucedida instituição nesta matéria, que se tornou, em meia dúzia de anos, na instituição de referên-cia mundial ao nível do registo de marcas, já que é ela que tramita e concede a Marca Comunitária e o Desenho e Modelo Comunitários – um único registo (comunitário) vigora em todos os países da União.

Mais importante do que isso, não abdicaram, e muito bem, do Castelhano como língua de trabalho na marca e no modelo e desenho comunitários.

Nós, numa altura em que tínhamos ainda poder de veto, numa União mais pequena, prescindimos do Português para o efeito, assim traindo o nosso desíg-nio estratégico e os nossos parceiros lusófonos.

Quem quiser pedir uma marca comunitária, ou contestar um pedido, faça-o em Inglês, Francês, Alemão ou Castelhano, se quiser.

Entretanto, com a denominada patente comuni-tária, instituto jurídico há anos para sair do papel, tudo aponta para que venha a acontecer o mesmo: abdicarmos do Português como língua oficial e de trabalho. Ora, isto é grave, é muito grave.

Pequeno, pobre e periférico, Portugal tem três principais activos que podem fazer a diferença em relação a outros países:

1. Capacidade de atracção turística, com um clima agradável e uma paisagem natural atraente, mas em acelerada degradação, fruto de criminosas políticas de ordenamento do território;

2. Vocação atlântica e universal, do país e do seu povo;

3. E a língua, nossa pátria, a 4ª mais falada a nível mundial, que nos faz integrar uma outra en-tidade internacional – a CPLP – de que somos os representantes na Europa.

Abdicar desta é trair os nossos parceiros, de quem tantas vezes nos reclamamos irmãos.

E é dar-lhes razões – principalmente a Moçam-bique, Guiné-Bissau, Timor e Macau – para desin-vestirem no Português.

Abdicar desta é comprometer os esforços para tor-nar o Português uma língua de trabalho na ONU.

Abdicar desta é, nesta área, afastar a comu-

PEDrO BrANCO DA Cruz

Advogado Especialistaem Direito de Propriedade

IntelectualAgente Oficial

de Propriedade [email protected]

� VidaJudiciáriaSetembro/2009

nidade industrial, técnica e científica lusófona do acesso, na sua língua, à principal base de dados de conhecimentos técnicos e científicos e ao estado da arte, frustrando assim um dos primeiros fins que desde sempre justificaram a criação e a manutenção do sistema de patentes – a divulgação e o depósito do conhecimento técnico-científico.

Quanto às marcas e aos modelos ou desenhos co-munitários, estamos conversados. O mal está feito e resta-nos ver a caravana passar. Quanto às patentes, ainda não. Mas a nossa posição afigura-se periclitan-te. Senão vejamos:

No espaço da União Europeia (UE), a protecção (dos inventos) através da patente é actualmente assegurada através de dois sistemas:

a) os sistemas nacionais de patentes de cada um dos países que a integram, os quais podem con-siderar-se harmonizados;

b) e o sistema europeu de patentes.

1 – A Patente Europeia

A Convenção de Munique sobre a Patente Euro-peia – EPC (assinada nessa cidade em 5/10/1973, e que entrou em vigor a 7/10/1977, sendo que a versão em vigor é a do acto de revisão de 29/11/2000), que instituiu o Sistema Europeu de Patentes, ou, mais simplesmente, a Patente Europeia – cfr. http://www.epo.org/ –, estabelece um processo único de concessão de patentes na Europa (incluindo a Turquia).

Esta convenção instituiu o Instituto Europeu de Patentes – IEP, através do qual, recorrendo à deno-minada Via Europeia, os inventores com interesse em registar os seus inventos em diversos países europeus podem, para o efeito, depositar um único pedido de patente, equivalendo o mesmo a pedidos de patente nacionais nos países que o requerente designar no respectivo pedido de entre os 35 estados contratantes da Patente Europeia (Art.2(2)EPC), que incluem os 27 estados comunitários.

O IEP é o ramo executivo da Organização da Patente Europeia – OPE ou EPO (em Inglês, como acaba por ser mais conhecida), um corpo intergover-namental regido pela EPC, cujos membros são os seus estados contratantes e que, em traços gerais, analisa os pedidos e concede as patentes, que se tornam em seguida patentes nacionais, sujeitas às regras e às jurisdições de cada país.

O IEP é supervisionado pelo Conselho de Admi-nistração, que é o ramo legislativo da Organização da Patente Europeia e é composto por delegados de todos os estados contratantes.

Com a apresentação do pedido, o requerente tem que pagar as taxas devidas ao IEP e apresentar uma

tradução do fascículo da patente, nomeadamente o Resumo, a Descrição, as Reivindicações e, caso neces-sário, as legendas dos Desenhos, numa das línguas oficiais da Patente Europeia, que são o Inglês, o Francês e o Alemão.

Após a concessão da Patente Europeia, para que a patente produza efeitos num Estado Contratante designado, o requerente deverá pagar as respectivas taxas nacionais e apresentar uma tradução do fascí-culo da patente para a respectiva língua oficial desse Estado Contratante.

Evidentemente, o sistema único de pedido e análise de patentes veio trazer enormes benefícios em ter-mos de uniformidade de avaliações e de redução de custos para os requerentes. Trouxe, também, ganhos significativos em termos de celeridade no processo de registo.

Ainda assim, tais ganhos não têm sido considera-dos suficientes pelos maiores utilizadores do sistema, que se queixam, particularmente:

a) Dos gastos com as traduções dos fascículos em cada um dos países designados (cerca de 22 traduções, se os designar a todos);

b) Dos investimentos, financeiros e em recursos humanos, em caso de litígios a tratar pelos sis-temas judiciais de cada país;

c) Das diversas e diferentes soluções jurídicas alcançadas em cada um dos países, por vezes contraditórias em casos semelhantes.

2 – A Patente Comunitária

Rapidamente surgiu, portanto, a ideia da criação da Patente Comunitária. Tal patente, única para toda a Comunidade, tem vindo a ser objecto de discussão desde há cerca de 30 anos, mas tem sempre esbar-rado, entre outras questões, no problema linguístico. De facto, o direito europeu baseia-se no princípio do multilinguismo e na proibição de discriminação entre Estados-membros, mas os principais entusiastas da mesma contrapõem que tal figura só será útil e atrac-tiva se puder dispensar a maior parte das línguas oficiais da União.

Nesta fase, a Patente Comunitária é apresentada pela Proposta de Regulamento da Comissão de 1 de Agosto de 2000, que propõe, em traços gerais, que a própria União Europeia adira e seja encarada como um Estado Contratante da Convenção de Munique, apresentando-se o respectivo território (o conjunto dos 27) em termos unificados, no âmbito da Patente Europeia. De acordo com aquela proposta, a patente comunitária seria concedida pelo IEP enquanto pa-tente europeia, designando o território da Comuni-dade em vez dos de cada Estado-Membro.

10VidaJudiciáriaSetembro/2009

A patente comunitária teria, assim, carácter uni-tário e autónomo: – uma única patente em toda a Comunidade, caso em que a patente comunitária só poderia ser concedida, transferida ou anulada com efeitos em toda a União.

Ademais e ao contrário do que sucede no caso da Marca Comunitária e do Desenho e Modelo Comunitá-rios, prevê-se para a Patente Comunitária a instituição de um sistema único e centralizado de resolução de litígios, mediante a criação de uma jurisdição comu-nitária de propriedade intelectual centralizada, com duas instâncias, para garantir a unicidade do Direito e, em particular, da própria jurisprudência.

Tal tribunal – o Tribunal Comunitário de Pro-priedade Intelectual – nada teria que ver com o Tri-bunal de Justiça (da(s) Comunidade(s) Europeia(s)) – CVRIA (nem com o seu Tribunal de Primeira Ins-tância) e teria competência exclusiva para certas ac-ções, v.g. os litígios relativos à contrafacção na União Europeia e a validade da Patente Comunitária.

A proposta contempla ainda o já mencionado regi-me linguístico simplificado, que o mesmo é dizer que não se exige uma tradução da Patente Comunitária em todas as línguas comunitárias, devendo a mesma ser concedida, nos termos da Convenção de Munique, numa das línguas de processo do Instituto (inglês, alemão ou francês), para evitar os controversos e elevados custos associados às traduções.

Considerando o teor das propostas, compreende-se, assim, a resistência oposta por inúmeros países, pouco dispostos a abdicar das suas línguas e/ou das suas jurisdições. Aliás, mesmo os três grandes – Rei-no Unido, França e Alemanha – não se entendem quanto à localização do tal Tribunal Comunitário de Propriedade Intelectual, dada a enorme relevância e influência que este iria/á ter.

Por outro lado, as grandes multinacionais que se dedicam à I&D e que por isso pedem patentes em muitos países, têm usado o seu enorme peso para conseguir vencer tais resistências, em ordem a obter um sistema único e mais barato de as registar em toda a União (estima-se que se alcançaria, em média, uma economia de 40 % em relação aos custos actuais com a patente europeia).

Face ao impasse, tem sido adoptada uma táctica de pequenos passos, discretos, que permita vencer resistências nacionais, uma a uma, caso a caso.

Começou-se pela questão da língua no âmbito da Convenção de Munique para a Patente Europeia, em que os três grandes – R.U., França e Alemanha – es-tão unidos, jogando todo o seu peso no convencimento de pequenos e médios países.

Refiro-me ao Acordo de Londres relativo à aplica-ção do artigo 65º da Convenção de Munique.

3 – O Acordo de Londres

Trata-se de um acordo opcional destinado expres-samente a reduzir os custos relacionados com as traduções da Patente Europeia, dispensando-as.

Este acordo começou a ser preparado em 1990 no âmbito da EPO e viu a luz do dia na conferência intergovernamental dos países membros da EPC que teve lugar em 24 e 25/6/1999 em Paris. Foi concluído na conferência intergovernamental que teve lugar em Londres em 17/10/2000, adoptando, pois, o nome desta cidade.

Sumariamente, após entrada em vigor – que ocor-reu no dia 1 de Maio de 2008 –, os países membros da EPC e signatários do Acordo de Londres, adoptando os idiomas oficiais do EPO – Inglês, Francês e Alemão –, passarão a dispensar, total ou parcialmente, na fase nacional, as traduções dos fascículos para o seu próprio idioma, quando diferente.

Actualmente, já ratificaram ou aderiram ao Acordo de Londres 16 países: Alemanha, Croácia, Dinamar-ca, Eslovénia, França, Islândia, Letónia, Liechtens-tein, Lituânia, Luxemburgo, Mónaco, Países Baixos, Reino Unido, Suécia, Suíça e, mais recentemente, a Hungria (que aprovou a proposta de adesão no pas-sado dia 20 de Abril).

Os países mediterrâneos, incluindo a Espanha, que não aceita a possibilidade de o Castelhano (a língua mais falada em todo o mundo) ficar excluído, têm feito a oposição mais firme ao documento.

Surpreendentemente, Portugal, o país (atrás de Espanha) que mais tem a perder com este acordo, através da voz autorizada do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, «tem dito que Portugal está pronto para ratificar o Acordo de Londres».2

Desconhece-se a posição do Governo, que não tem respondido às interpelações da A.C.P.I..

Desconhece-se, também, qual seja a posição dos partidos, dos deputados na Assembleia da República, do Senhor Presidente da República, quanto a esta matéria e nem uma só vez vimos os candidatos a deputados europeus a debater ou a assumir compro-missos em relação a ela.

Ora, estas e outras coisas também passam pelo Parlamento Europeu, que aliás tem tido um desem-penho assinalável em assuntos relacionados com o Direito Intelectual.

4 - As patentes de software

Há alguns anos atrás, a Comissão Europeia, por iniciativa do Comissário do Mercado Interno, Frits Bolkestein, sensível às enormes e poderosas pressões no sentido de alargar o âmbito das patentes aos pro-

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gramas de computador – software – 3, tomou uma ini-ciativa de propor uma directiva acerca da matéria.

No âmbito do processo de co-decisão, apoiado pela indignação e levantamento de alguma sociedade civil europeia, o Parlamento Europeu rejeitou com estron-do a proposta de directiva de patentes de software, em 6 de Julho de 2005.

Portanto, não existem patentes de software na Europa, ou será que existem?

A resposta a esta questão não é tão clara como à primeira vista poderia parecer. Vejamos:

Tal como acontece noutras matérias, também em relação às patentes temos uma separação de poderes (como que inspirada por) Montesquieu:

a) O legislativo, ou melhor, no caso a legislação:- A Convenção da Patente Europeia (e as legisla-

ções nacionais) que estabelece que o software não é patenteável;

b) O executivo:- A Organização da Patente Europeia que tem

admitido patentes de software;c) O judicial:- Os tribunais (nacionais) que na sua maioria têm

declarado a invalidade das patentes de softwa-re admitidas pela EPO, nos casos que lhes são submetidos.

Resultado, os actuais titulares de patentes de software reconhecidas pelo executivo, contra a legis-lação, receiam submeter os seus casos ao judiciário, com receio de verem as suas patentes invalidadas, principalmente depois de 2005.

5 - O EPLA – Acordo Europeu em matériade Litígios sobre Patentes

Trata-se de uma proposta para um novo sistema de resolução de litígios em matéria de patentes, que visaria fazer face aos dois problemas já atrás men-cionados: os custos relacionados com litígios idênticos em vários países e as diversas e diferentes soluções jurídicas alcançadas em cada um dos países, por vezes contraditórias em casos semelhantes.

Acresce – e para alguns aqui reside o cerne do problema – que tais soluções jurídicas diversas e por vezes contraditórias resultam do facto de, ao longo dos anos, o EPO, através das suas Câmaras Técnicas de Recurso (TBA - Technical Boards of Appeal), terem reconhecido a patenteabilidade de matérias muito controversas, como as relacionadas com o software e a biotecnologia. Sucede que boa parte dos tribunais nacionais simplesmente não reconhecem a validade de tais patentes.

De facto, o sistema europeu de patentes tem sido acusado de ter aligeirado os seus critérios na concessão

de patentes, nomeadamente em matérias anterior-mente – à data da celebração da Convenção de Mu-nique – reconhecidas como não patenteáveis e, para desagrado das grandes multinacionais, habituadas à maior tolerância das autoridades dos Estados Unidos nesta matéria, tem caído nalgum descrédito em alguns sistemas judiciais de estados contratantes.

O EPLA resolveria o problema do seguinte modo:1. Seria criado, pelos estados contratantes da

Convenção de Munique, um Tribunal Europeu em matéria de Patentes, ou melhor, uma nova organização internacional denominada, em Inglês, European Patent Judiciary (EPJ), que passaria integrar esse tribunal4 e um Conselho de Administração5;

2. Sendo os seus juízes designados pela EPO, naturalmente provenientes das supracitadas Câmaras Técnicas de Recurso;

3. A União Europeia, como anteriormente pre-visto para a Patente Comunitária, assinaria a Convenção da Patente Europeia e o EPLA, como entidade contratante;

4. E os tribunais nacionais dos estados contratan-tes perderiam a sua jurisdição sobre as matérias relacionadas com patentes.

Os opositores da criação de patentes em matéria de software e biotecnologia rapidamente argumentaram que a EPLA não passava de mais uma tentativa de criar tais institutos, desta vez por via jurispruden-cial.

De facto, com a adesão da União Europeia ao EPLA, a interpretação do ECJ prevaleceria em todos os estados-membros, não sendo, sequer, susceptível de ser afastada por directiva ou regulamento comu-nitários.

Acresce que, na actual redacção (2000) da Conven-ção de Munique – art. 33 n. 1 b), os Regulamentos de Implementação da Convenção da Patente Europeia podem ser alterados pelo Conselho de Administração do EPO, o que reforça significativamente o seu pró-prio poder, tornando-o auto-suficiente e virtualmen-te insusceptível de controlo. Esta nova abordagem foi, naturalmente, recebida com grandes reservas, nomeadamente pelo Parlamento Europeu, que em Outubro de 2006 aprovou por larga maioria uma resolução manifestando preocupações pela prática da EPO na concessão de patentes e pela falta de controlo democrático no sistema de patentes, o que constituiu um sério revés para o EPLA.

Aliás, já em 2000 o Parlamento Europeu criticara a falta de separação de poderes na EPO:

“Considering that the EPO is an institution acting as judge and party, where the attributions and proce-dures have to be revised. [...] Demand the revision of

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rules of function of the EPO in order to guarantee that this institution can publicly justify the accountability in the exercise of its functions [...].”6

6 - O ULPS - Unified Patent Litigation System

Face às derrotas nas propostas anteriores, a Co-missão (com o apoio do EPO), retomando a referida estratégia dos pequenos e ínvios passos, passou a propor o seu próprio Sistema Unificado para a Re-solução de Litígios em matéria de Patentes.

Para tanto formulou uma recomendação ao Conse-lho para que a instrua com directivas de negociação em ordem a poder concluir um acordo internacional que crie o referido sistema (UPLS) (Pode ler essa recomendação no seguinte endereço electrónico: http://ec.europa.eu/internal_market/indprop/patent/index_en.htm).

Trata-se, agora, de uma iniciativa comunitária, da Comissão Europeia e não da EPO, como aconteceu com o EPLA.

E no que respeita ao conteúdo? Existirão diferenças, considerando que as propostas de criação da patente comunitária sempre previram um tribunal único?

Tal como o moribundo EPLA, o UPLS propõe a criação de uma estrutura judicial supranacional com as mesmas características daquele:

1. Um sistema judicial único, com regras processu-ais específicas, integrando juízes especializados;

2. Jurisdição exclusiva em matérias de infracção ou validade de patentes europeias e, no futuro, de patentes comunitárias;

3. Caso julgado universal, em todos os territórios onde a patente objecto da decisão esteja em vigor.

Como se vê, aparentemente as diferenças de regi-me não são de monta. Mas a proposta é muito recente e fará, como as outras, o seu caminho, com opositores declarados – Espanha – e os seus mais entusiastas apoiantes – os países escandinavos.

E o deputado que o meu estimado leitor acabou de eleger – directamente ou por via da abstenção –, estará minimamente ciente disto? E terá opinião? E o que fará quando tiver que votar?

7 - E se lhe cortassem a internet?

Num outro exemplo expressivo, também relacio-nado com o Direito Intelectual e com a liberdade de acesso à internet, os deputados europeus tiveram recentemente – 6/5 p.p. – um papel crucial na defesa da União Europeia como um espaço digno dos seus valores.

Por sugestão da França, na sequência da le-gislação nacional que preparara – lei Hadopi –, a

qual consagrava o denominado modelo da resposta gradual às violações de direitos de propriedade intelectual7, a Comissão Europeia preparou a «proposta de directiva relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e servi-ços de comunicações electrónicas», também conhecido por Pacote Telecom - um conjunto de medidas legislativas referentes ao mercado europeu das telecomunicações.

Com essa proposta pretendia-se, entre várias outras matérias, combater a partilha não autorizada de ficheiros contendo obras sujeitas a Direitos de Autor e Direitos Cone-xos, através da possibilidade de, mediante decisão administrativa, os ISPs (operadoras e fornecedores de acesso à internet) procede-rem ao corte do acesso à internet a um utilizador que apresentasse um comportamento considerado impróprio.

Para isso importava determinar se, nos dias de hoje, o acesso à internet deve ser considerado um direito fundamental e em consequência protegido como tal, ou se, pelo contrário, pode ser considerado um serviço comercial idêntico a tantos outros, em que os utilizadores, enquanto consumidores, têm a liberdade de escolher a proposta comercial que mais lhes agrade de entre aquelas que os operadores, de acordo com as regras da concorrência, disponibilizam no mercado.

Em consequência, devem os ISPs garantir a uni-formidade e neutralidade das redes e do seu serviço, ou poderão gerir os fluxos em função dos clientes e da utilização que eles façam da internet?

Sobre a livre utilização da internet, reconhecendo que o acesso a ela é hoje um bem essencial, foi apre-sentada pela Comissão parlamentar responsável (com a iniciativa do deputado Guy Bono), com o apoio do GUE/NGL, IND/DEM, dos Verdes/ALE e de vários liberais, uma proposta de emenda àquela (proposta de) directiva propondo a consagração do «princípio de que os utilizadores finais devem poder aceder a – e distribuir – quaisquer conteúdos e utilizar quaisquer aplicações e/ou serviços de sua eleição, em confor-midade com as disposições relevantes da legislação comunitária e com o direito substantivo e o direito processual nacionais».

Esta redacção destinou-se a substituir o texto original, que garantia apenas «… a capacidade dos utilizadores finais de acederem e distribuírem infor-mação e de utilizarem as aplicações e os serviços à sua escolha».

E quanto à questão da possibilidade do corte de acesso à internet, foi proposta uma cláusula impondo o reconhecimento do «princípio de que, na falta de

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decisão judicial prévia, não pode ser imposta qualquer restrição aos direitos e liberdades fundamentais dos utilizadores finais, previstos, designadamente, no artigo 11º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em matéria de liberdade de expres-são e de informação, salvo quando esteja em causa a segurança pública, caso em que a decisão judicial pode ser ulterior».

Contra esta proposta os socialistas do PSE (onde se inclui o PS português), os populares do PPE/DE (onde se incluem os nossos PSD e PP) e alguns libe-rais (do Grupo ALDE) apresentaram, em linha com a Comissão e com o Conselho, uma emenda subscrita que previa que «As medidas tomadas relativas ao acesso a ou à utilização de serviços e aplicações atra-vés de redes de comunicações electrónicas respeitarão os direitos e as liberdades fundamentais das pessoas singulares, inclusive no que diz respeito à privacida-de, liberdade de expressão e ao acesso à informação e ao direito a um julgamento pronunciado por um tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei e agindo nos termos de um processo equitativo, em conformidade com o artigo 6.° da Convenção Euro-peia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.»

N.B. que nesta emenda era admitido o corte do acesso à internet sem prévia decisão judicial, reco-nhecendo-se o direito a um julgamento equitativo a posteriori, i.e. depois de a internet ter sido cortada.

Em suma, tal como em relação à lei francesa, que inspirou a proposta de directiva, o debate acen-deu-se em relação às condições em que um cidadão pode ver o seu serviço de acesso à internet cortado pelo prestador do mesmo, ou por uma entidade administrativa, como punição por uso indevido, ou considerado como tal.

Naturalmente, ao longo do processo negocial as pressões das indústrias de conteúdos e de teleco-municações, da França, da Comissão e do Conselho foram surgindo para que o PE se inclinasse no sentido da possibilidade de restrição de serviço, em detrimento da garantia de prestação do mesmo como bem essencial.

Contrariando o negociado entre Comissão e os grupos parlamentares do PSE e do PPE, os deputados europeus votaram8 favoravelmente o texto original da emenda 138 que coloca em causa o modelo da resposta gradual francesa, i.e., a proposta de apenas permitir o corte de acesso à internet mediante decisão judicial e não por autoridades administrativas ou da livre gestão de fluxos pelos ISPs.9

O texto consagra expressamente que, «na falta de decisão judicial prévia, não pode ser imposta qualquer restrição aos direitos e liberdades fundamentais dos utilizadores finais, previstos, designadamente, no artigo 11º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em matéria de liberdade de expres-são e de informação, salvo quando esteja em causa a segurança pública, caso em que a decisão judicial pode ser ulterior.»

O balanço da votação da emenda 138 foi de 407 votos a favor, 57 contra e 171 abstenções.

Sabe o meu estimado leitor que deputados por-tugueses votaram num e noutro sentido?10 E sabe que chegaram a existir clivagens dentro dos grupos parlamentares, com votos opostos entre deputados do mesmo partido? Tem noção de que estas questões poderão afectar ou alterar as nossas liberdades e o nosso dia-a-dia?

Nesta, p.e., estaria e poderá ainda vir a estar em causa no espaço europeu o livre acesso à internet como o conhecemos hoje.

1 Ainda recentemente, as estranhas sanções e soluções da colectivizante lei de gestão dos recursos aquíferos foram justificadas pela imposição europeia…

2 Segundo nos tem dado conta o Senhor Presidente da ACPI – Associação dos Consultores de Propriedade Industrial, Senhor Dr. César Bessa Monteiro.

3 Métodos matemáticos e programas para computadores são protegidos pelo Direito de Autor, estando afastados, na maioria das legislações, do âmbito de patenteabilidade. Cfr. Art. 52º do nosso C.P.I. e art. 52º n. 2 c) da Convenção da Patente Europeia.

4 Vários tribunais de primeira instância e uma de recurso.5 Associado ao Conselho de Administração da Organização da Patente Europeia

– EPO.6 Resolução de Março de 2000, acerca da clonização humana.7 E que acabou por também ser rejeitada pela Assemblée Nationale.8 Com algumas peripécias, já que tudo estava preparado para que a emenda dos

pequenos grupos nem chegasse a ser votada, para evitar os constrangimentos para os deputados dos grandes partidos que resultariam da acusação de, em vésperas de eleições, terem votado contra um direito fundamental dos utilizadores da internet. De facto, a lista de voto preparada pelos serviços previa que se votasse em primeiro lugar a proposta resultante do compromisso

do PSE com o PPE/DE e a Comissão, ficando a outra prejudicada pelo voto antecedente, o que acabou por não acontecer.

9 O facto de o PE ter votado uma alteração à proposta da Comissão não significa que a mesma seja acolhida, podendo resultar apenas num adiamento na adopção do projecto proposto pela Comissão. Cabe agora ao Conselho aceitar ou não a proposta do PE, tendo em conta o significado político da votação. Se aquele não aceitar o projecto vai para conciliação. Sucede que, normalmente, os casos de a conciliação não produzem resultados…

10 407 votos a favor: GUE/NGL: Ilda Figueiredo, Miguel Portas, Pedro Guerreiro PPE-DE: Ribeiro e Castro PSE: Ana Gomes, Armando França, Edite Estrela, Elisa Ferreira, Emanuel

Jardim Fernandes, Francisco Assis, Jamila Madeira, Joel Hasse Ferreira, Manuel dos Santos, Paulo Casaca

57 votos contra: PPE-DE: Assunção Esteves, João de Deus Pinheiro, Vasco Graça Moura 171 abstenções: PPE-DE: Duarte Freitas, Luís Queiró, Sérgio Marques, Silva Peneda (segundo o blogue de Renato Soeiro, em http://renatosoeiro.blogspot.com/2009/05/os-

votos-dos-eurodeputados-portugueses.html)

1�VidaJudiciáriaSetembro/2009

Informações Jurídicas

Novo Códigodo Processode Trabalho

O projecto de decreto-lei do Governo que altera o Código de Processo do

Trabalho, visando a adequação às novas regras introduzidas com a revisão do Código do Trabalho, encontra-se em fase de apreciação pública.Assim, procede-se ao ajustamento dos meios processuais existentes no Código de Processo do Trabalho ainda em vigor, criam-se novos mecanismos processuais e compatibiliza-se a terminologia do Código de Processo do Trabalho com a utilizada no novo Código do Trabalho.Das alterações constantes do projecto de revisão do Código de Processo do Trabalho, realçamos as seguintes: - os termos “entidade patronal”, “processo disciplinar” e “salário” são substituídos respectivamente por “entidade empregadora” ou “empregador”, “procedimento disciplinar” e “retribuição”;- prevê-se, através de uma indicação taxativa, as acções relativas ao controlo da legalidade e da tutela de interesses colectivos para as quais o Ministério Público possui

legitimidade activa. Entre elas estão, nomeadamente, as acções de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho;- consagra-se, como princípio geral, a possibilidade de as partes acordarem na resolução extrajudicial do litígio em concreto, através do recurso a sistema de mediação laboral para a resolução dos conflitos que afectam empregadores e trabalhadores, aplicando-se as regras constantes do Código de Processo Civil sobre a matéria. - relativamente às citações e notificações, procede-se apenas à alteração da norma que determina que a notificação da parte deve preceder a do seu mandatário ou patrono oficioso. São ainda introduzidas alterações em matéria de notificação e de inquirição das testemunhas, aproximando o respectivo regime do previsto no processo civil. Consagra-se, nomeadamente, a possibilidade de inquirição através de teleconferência;- o capítulo referente aos procedimentos cautelares é objecto de significativas alterações na secção dos procedimentos especificados. A maior novidade no domínio cautelar consiste na fusão dos procedimentos especificados

de suspensão de despedimento individual e de suspensão do despedimento colectivo num único procedimento designado de “suspensão de despedimento”, que comporta sempre oposição e no qual é admitido qualquer meio de prova, fixando-se em três o limite máximo de testemunhas;- é criada no direito processual uma acção declarativa de condenação com processoespecial para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, de natureza urgente, que admite sempre recurso para o tribunal da relação, aplicável aos casos em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja ainda por inadaptação.Por seu lado, a possibilidade de oposição do empregador à reintegração requerida pelo trabalhador é acompanhada pela consagração de uma norma que dispõe quando e de que forma tal faculdade pode ser exercida.Já na fase da sentença, estão previstas as obrigações do empregador condenado na reintegração, estabelecendo-se as consequências jurídicas para a situação de eventual incumprimento. n

Áreas regionais de turismo de Portugal. Alterações

As primeiras alterações ao regime jurídico das áreas regionais de turismo de

Portugal continental e dos pólos de desenvolvimento turístico, a sua delimitação e características, bem como ao regime jurídico

da criação, organização e funcionamento das respectivas entidades regionais de turismo, foram recentemente aprovadas em Conselho de Ministros.Esta alteração vem incluir os municípios de Alcobaça e Nazaré, actualmente integrados no pólo de desenvolvimento turístico de Leiria-Fátima, no pólo de desenvolvimento turístico do Oeste, atendendo à maior afinidade territorial destes municípios com a região do

Oeste e à sua maior vocação para contribuir para a formação da oferta turística deste pólo.Com estas alterações visa-se a consolidação de produtos turísticos e a afirmação da oferta turística de cada um dos referidos pólos, conferindo, desse modo, uma maior eficácia ao novo modelo de organização das áreas regionais de turismo de Portugal continental e dos pólos de desenvolvimento turístico, organização territorial estabelecida há mais de um ano. n

1� VidaJudiciáriaSetembro/2009

Comunicaçõesentre Estado e empresas mais simplificadas

No passado dia 21 de Maio foi concretizada mais uma medida aprovada no âmbito do Programa de Simplificação Administrativa e

Legislativa – SIMPLEX – simplificar as comunicações dos cidadãos e das empresas ao Estado.O diploma ora aprovado pretende terminar com situações como aquelas que acontecem actualmente em que os cidadãos e as empresas se veêm obrigados a transmitir a mesma informação sobre as suas associações ou sobre a estrutura societária da sua empresa a três entidades diferentes, a saber, aos serviços de registo, aos serviços de finanças e aos serviços da segurança social. Exemplo disso é a comunicação da alteração da gerência ou da sede da empresa, a qual é efectuada às referidas três entidades.Com a simplificação ora aprovada apenas será necessário comunicar a informação a uma única entidade, concretamente aos serviços de registo, os quais, posteriormente, comunicam oficiosamente, essas informações aos serviços das finanças e da segurança social.Consequentemente, o diploma ora aprovado, introduz, entre outras, as seguintes alterações legislativas:- Código do Registo Predial;- Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado;- Código do Registo Comercial;- Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas;- Registo Nacional de Pessoas Colectivas;- Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado.Em sede de IVA e de IRC, o sujeito passivo está agora dispensado da entrega da declaração de alterações à declaração de início de actividade nos casos em que as declarações em causa digam respeito a factos sujeitos a registo na conservatória do registo comercial ou no FCPC.De realçar que se consideram oficiosamente inscritas na Segurança Social todas as entidades empregadoras cuja inscrição no registo comercial, ou no ficheiro central de pessoas colectivas, seja comunicada pelos serviços de registo.Este diploma também introduz aperfeiçoamentos no regime «Casa pronta», criando condições para que esse procedimento passe também a poder ser utilizado para transacções e operações imobiliárias relativas a prédios rústicos e mistos, bem como prédios urbanos fraccionados ou emparcelados na própria transacção ou operação.No âmbito do registo comercial importa realçar as seguintes inovações:- No momento do registo do encerramento da liquidação ou da cessação de actividade de pessoa colectiva é obrigatoriamente indicado o representante

para efeitos tributários, para comunicação obrigatória, e por via electrónica, aos serviços da administração tributária.- No que concerne a comunicações obrigatórias, estabelece-se que é oficiosa e gratuitamente comunicado, por via electrónica, o conteúdo dos seguintes actos de registo aos serviços da administração tributária e da segurança social:1. A inscrição no registo comercial;2. As alterações aos estatutos quanto à natureza jurídica, à firma, ao nome ou à denominação, à sede ou à localização de estabelecimento principal, ao capital e ao objecto;3. A designação e cessação de funções, por qualquer causa que não seja o decurso do tempo, dos órgãos de administração e fiscalização;4. A fusão e a cisão;5. A designação e cessação de funções, anterior ao encerramento da liquidação, de liquidatários;6. A nomeação e destituição do administrador de insolvência;7. A dissolução e o encerramento da liquidação.Sendo efectuadas estas comunicações obrigatórias, nos termos acima indicados, os serviços da administração tributária e da segurança social não podem exigir a apresentação das respectivas declarações.No âmbito do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas passa a consagrar-se que é oficiosa e gratuitamente comunicado aos serviços da administração tributária e da segurança social, por via electrónica, o conteúdo dos actos, a seguir indicados, respeitantes a entidades inscritas no ficheiro central de pessoas colectivas (FCPC) que não estejam sujeitas no registo comercial:1. Inscrição inicial;2. A mudança da firma ou da denominação;3. A alteração da localização da sede, do domicílio ou do endereço postal;4. A dissolução e o encerramento da liquidação. Nestes casos, no momento da sua inscrição no FCPC é obrigatoriamente indicado o representante da entidade para efeitos tributários.Estas comunicações obrigatórias também determinam que os serviços da administração tributária e da segurança social não possam exigir a apresentação das respectivas declarações.De salientar, por último que os cartórios notariais de competência especializada passam a ser igualmente competentes para a prática de qualquer acto de registo e qualquer outro serviço ou procedimento prestado pelos serviços de registo do IRN, I. P.As inovações acima indicadas apenas entram em vigor no dia 1 de Outubro de 2009.Todavia, a gratuitidade do acesso às bases de dados registais por parte dos agentes de execução, bem como a facturação agrupada no final de cada operação especial de registo dos emolumentos e taxas devidos por actos de registo e procedimentos realizados nos respectivos balcões, são aplicáveis desde 31 de Março do corrente ano. n

1�VidaJudiciáriaSetembro/2009

Processode casamento online

O processo do “casamento online”, primeiro acto a ser possível realizar

através da Internet em termos de registo civil, foi recentemente regulamentado.Através do site www.civilonline.mj.pt e com efeitos desde 5 de Fevereiro de 2009, os cidadãos interessados podem dar início ao processo de casamento a partir de qualquer local com acesso à

Internet, sem necessidade de se deslocarem à conservatória, podendo fazê-lo a qualquer altura do dia, em qualquer dia da semana. Este serviço está disponível para qualquer tipo de casamento, podendo as pessoas tratar de todo o processo burocrático relacionado com o casamento através da Internet, continuando o casamento a realizar-se perante o conservador, o ministro de culto ou o padre.Segundo o Executivo a criação do «Civil online» permitirá que, no futuro, possam ser

disponibilizados mais pedidos de actos e de processos de registo civil por via electrónica da mesma forma que já existem diversos serviços ao nível do registo predial, comercial e automóvel.Relembramos que ao nível civil já existem outras medidas com processo simplificado, como sejam o «Balcão das heranças» e o «Balcão divórcio com partilha» que permitem tratar, em atendimento único (“Balcão Único”), todas as operações e actos relacionados com a sucessão por morte e com o divórcio por mútuo consentimento, respectivamente. n

Julgado de Paz do Agrupamento dos Concelhos de Oleiros, Mação, e outros, com novo horário de funcionamento

O Regulamento interno do Julgado de Paz do Agrupamento dos

Concelhos de Oleiros, Mação,

Proença-a-Nova, Sertã e Vila de Rei foi alterado.De acordo com as alterações ora introduzidas, a sede deste Julgado de Paz, no concelho de Vila de Rei, passa a situar-se na Praça de Mattos Silva Neves, rés-do-chão, sendo que no concelho da Sertã, situa-se no Largo de António Ferreira Alberto – Escola do Adro.O Julgado de Paz do Agrupamento dos Concelhos de Oleiros, Mação, Proença-a-Nova, Sertã e Vilade Rei passa tambéma ter o seguinte horáriode funcionamento:- No concelho de Vila de Rei, das

14 horas às 17 horas e 30 minutos, de segunda-feira a sexta-feira;- No concelho da Sertã, das 9 horas às 12 horas e 30 minutos e das 14 horas às 17 horas e 30 minutos, de segunda-feira a sexta-feira.Quanto ao horário de atendimento, passa a ser o seguinte:- No concelho de Vila de Rei, das 14 horas às 17 horas e 30 minutos, de segunda-feira a sexta-feira;- No concelho da Sertã, das 9 horas e 30 minutos às 12 horas e 30 minutos e das 14 horas às 16 horas e 30 minutos, de segunda-feira a sexta-feira. n

Campus de Justiçade Aveiro

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 60/2009, de 22.7, autorizou a transferência dos serviços da justiça de Aveiro para o

Campus de Justiça de Aveiro, sito na Praça do Marquês de Pombal, em Aveiro.Na sequência dessa autorização, foi determinada a constituição do direito de superfície no terreno para a construção do Campus de Justiça de Aveiro. Actualmente, os serviços de justiça em Aveiro encontram-se instalados em 7 edifícios dispersos pela cidade. A junção destes serviços num só local permitirá um melhor e mais eficaz acesso ao serviço público da justiça. n

Extinção dos Serviçosde Finanças de Lisboa 6 e Lisboa 13

Os Serviço de Finanças de Lisboa 6 e Lisboa 13 foram recentemente declarados extintos.O concelho de Lisboa fica assim dividido em

11 serviços de finanças de nível 1.A extinção dos Serviços de Finanças 6 e 13 terá lugar em data a fixar por despacho do director-geral dos Impostos a publicar na 2.ª série do Diário da República. De referir que os actuais Serviços de Finanças de Lisboa 12 e Lisboa 14 passam a designar-se, respectivamente, Serviços de Finanças de Lisboa 5 e Lisboa 6. n

1� VidaJudiciáriaSetembro/2009

Estrangeiros – Meios de subsistência

Foram aprovadas medidas excepcionais relativamente ao regime que fixa os meios de subsistência de que devem

dispor os cidadãos estrangeiros para a permanência em território nacional.Assim, a título excepcional, ao estrangeiro requerente que comprove encontrar-se em situação de desemprego involuntário e declare não poder manter a disponibilidade ou a possibilidade de adquirir legalmente os meios de subsistência previstos na Portaria nº 1563/2007, de 11.12, pode ser prorrogada a permanência correspondente ao tipo de visto, atendendo ao período de tempo de prorrogação solicitado, renovado o título de residência temporária, renovada a autorização de residência permanente ou concedida a residência de longa duração.Deste regime excepcional gozam, igualmente, os membros do respectivo agregado familiar.A Portaria nº 1563/2007, fixou os meios de subsistência de que devem dispor os cidadãos estrangeiros para a entrada e permanência em território nacional, designadamente para a concessão de vistos e prorrogação de permanência, bem como para a concessão e a renovação de títulos de residência.De acordo com a citada Portaria, o critério de determinação dos meios de subsistência era efectuado por referência ao valor do salário mínimo nacional (SMN), líquido de quotizações para a segurança social com a seguinte valoração per capita em cada agregado familiar é o seguinte: - primeiro adulto: 100% do SMN; - segundo ou mais adultos: 50% do SMN; - crianças e jovens com idade inferior a 18 anos e filhos maiores a cargo: 30 % do SMN. Segundo a nova portaria, caso se verifiquem as referidas situações, nomeadamente o desemprego involuntário do cidadão estrangeiro, o critério de determinação dos meios de subsistência é:- para o primeiro adulto – 50% do SMN;- para os restantes membros do agregado familiar – 30% do SMN.No corrente ano, o SMN encontra-se fixado em 450 euros.As novas regras dos meios desubsistência aplicam-se aos processos pendentes. n

Lei de Bases do Turismo

As bases das políticas de desenvolvimento da actividade turística foram recentemente definidas em Conselho de Ministros.

Pretende-se consagrar num diploma legal – Lei de Bases do Turismo – de forma sistematizada, os grandes princípios que devem orientar e balizar as políticas para o turismo, tendo em vista a consolidação do sector como actividade estratégica para a economia nacional.Desta forma, são definidos os princípios estruturantes das políticas públicas de turismo, salientando-se a transversalidade do sector, que torna fundamental a articulação das várias políticas sectoriais, compatibilizando as intervenções do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais que se repercutam directa ou indirectamente no desenvolvimento do turismo.Elege-se a competitividade dos agentes económicos e consagra-se o princípio da livre concorrência como factores determinantes do desenvolvimento do turismo, assegurando-se igualmente a participação dos interessados na definição das políticas públicas. Paralelamente, são apontadas como áreas prioritárias de incidência das políticas públicas de turismo os transportes e acessibilidades, o transporte aéreo, a qualificação da oferta, a promoção, o ensino e formação profissional e a política fiscal. n

Alterações ao Estatutodos Tribunais Administrativos

O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, foi recentemente alterado pelo DL n.º 166/2009, de 31.7, estabelecendo-

se a possibilidade de desdobramento dos tribunais tributários em três níveis de especialização assentes na matéria e no valor das causas, e prevendo-se a criação de gabinetes de apoio aos magistrados da jurisdição administrativa e fiscalA definição da competência dos juízos tributário será efectuada em função do valor das acções e da matéria; podendo ser criados os seguintes juízos de competência especializada tributária:a) Juízo de pequena instância tributária;b) Juízo de média instância tributária;c) Juízo de grande instância tributária.No que se refere aos serviços do gabinete de apoiodo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estes serão progressivamente instalados e dotadosde meios e recursos humanos, pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, consideradoso volume e a especial complexidade do serviço.As citadas alterações entram em vigor a 1 de Janeirode 2010. n

1�VidaJudiciáriaSetembro/2009

Desmaterializaçãodos processosnos tribunais administrativose fiscais

Protecçãode testemunhas em processo penal

No Conselho de Ministros de 30 de Julho foram aprovadas alterações à

regulamentação da Lei de Protecção de Testemunhas em Processo Penal, na sequência da introdução de novas medidas de protecção, que alargaram o leque de crimes que admite a sua aplicação.Foram recentemente contempladas as situações em que o perigo pode ser sensivelmente reduzido com a mudança do local de residência habitual da testemunha. Estabelecem-se, por isso, os procedimentos de aplicação desta nova medida, bem como as regras de confidencialidade. A autoridade judiciária competente solicita a intervenção da Comissão de Programas Especiais de Segurança, com vista à efectivação da medida. Por último, estabelecem-se os procedimentos tendentes à salvaguardar a confidencialidade da nova residência, estendendo-se esses procedimentos à medida de protecção indicação no processo de residência diferente da habitual. n

Regime jurídico do processode inventário

O regime jurídico do processo de inventário, aprovado pela Lei

n.º 29/2009, de 29.6, introduz alterações ao Código Civil, Código do Processo Civil, Código do Registo Predial e ao Código do Registo Civil. Este novo regime visa permitir que as conservatórias e os cartórios notariais possam tratar dos processos de inventário. Com

esta medida procuram-se atingir dois objectivos: descongestionar os tribunais e tornar o processo de inventário mais célere.A Lei 29/2009, de 29 de Junho, introduz uma alteração global ao processo de inventário regulado no Código de Processo Civil. No essencial mantém-se o requerimento do inventário e as reclamações; a conferência de interessados e a licitação, bem como a decisão e a homologação. A finalidade do inventário também se mantém – a extinção de comunhão hereditária e partilha consequente à extinção

da comunhão conjugal. É estabelecida a competencia para prática de actos no processo, atribuida aos serviços de registos (a designar por Portaria do Ministro da Justiça) e aos Cartórios Notariais. Fica contudo reservado ao Juiz o controlo do processo. A este competirá proferir a decisão homologatória da partilha. O requerimento será apresentado por modelo aprovado por despacho do Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado. Este novo regime que entra em vigor em 18 de Janeiro de 2010. n

Em Conselho de Ministros do passado dia 16 de Julho, foram

aprovadas medidas que visam o aprofundamento da desmaterialização dos processos nos tribunais administrativos e fiscais.As principais medidas aprovadas são as seguintes:- criam-se as condições para que também nos tribunais administrativos e fiscais deixem de ser impressas as peças, autos e termos do processo que não sejam relevantes para a decisão material da causa. Pretende-se, deste modo, contribuir para a circulação de um processo em suporte físico mais reduzido, de onde constem apenas os documentos relevantes para a decisão do processo;

- adequam-se as regras aplicáveis à tramitação processual nos tribunais administrativos e fiscais, à possibilidade de serem efectuadas citações e notificações electrónicas entre mandatários e entre tribunais e mandatários, que já hoje estão em funcionamento nos tribunais judiciais;- prevê-se que a tramitação electrónica dos processos passe a abranger a remessa do processo administrativoao tribunal, por partedas entidades demandadas, assim se assegurandoque também as formalidades específicas do processonos tribunais administrativos e fiscais passema cumprir-se de forma desmaterializada. n

1� VidaJudiciáriaSetembro/2009

Registo Nacional do Condutor

No Conselho de Ministros de 30.7, foi aprovada a criação de uma base de dados que

corresponde ao Registo Nacional do Condutor (RNC), junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P, aprovando-se as respectivas regras de funcionamento, incluindo o acesso à informação e a comunicação dos dados constantes do RNC aos respectivos titulares, bem como

às entidades públicas nacionais e estrangeiras e autoridades judiciárias.O diploma, ora aprovado, define o conteúdo da base de dados relativa à identificação do condutor e aos dados relativos a sua habilitação legal para conduzir, estabelecendo os procedimentos para a sua manutenção e actualização permanente, incluindo mecanismos que permitam impedir a duplicação de títulos ao condutor, designadamente em caso de apreensão de documentos no âmbito contra-ordenacional. n

Sistema Mediação Penal alargado a novas comarcas

De acordo com as alterações introduzidas pela

Port. n.º 732/2009, de 8.7, ao sistema de mediação penal, este será alargado às comarcas de Barreiro, Braga, Cascais, Coimbra, Loures, Moita, Montijo, Santa Maria da Feira, Setúbal e Vila Nova de Gaia e às comarcas-piloto de Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande Lisboa Noroeste.De referir que a mediação penal tem funcionado a título experimental nas comarcas do Porto, Aveiro, Oliveira do Bairro e Seixal, n

Taxa de juro comercialde 8% a vigorar no 2.º semestre de 2009

A taxa de juro comercial, aplicável aos créditos de que sejam titulares

empresas comerciais, singulares e colectivas, foi recentemente actualizada pelo Aviso n.º 12184/2009, de 10.7, para vigorar

durante o 2.º semestre de 2009, sendo fixada nos 8%. De referir que a taxa anteriormente em vigor estava fixada nos 9,50%,Dispõe o n.º 4 do artigo 102.º do Código Comercial que a taxa de juro não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1.º dia de Janeiro ou de Julho, consoante se esteja, respectivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de 7%. n

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A alienação de herança ou de quinhão hereditário é feita por escritura pública ou por documento particular autenticado se existirem bens cuja alienação deva ser feita por uma dessas formas.

Fora destes casos, a alienação deve constar de docu-mento particular.

Quando seja vendido ou dado em cumprimento a es-tranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários, sendo o prazo para o exer-cício do direito, havendo comunicação para a preferência, de dois meses.

A minuta que seguir publicamos traduz um exemplo de contrato de cessão de herança:

CONTRATO DE CESSÃO DE HERANÇAOUTORGANTES:

PRIMEIROS:

Nome completo de marido e mulher, casados no regime....................................., ele natural de...............................e ela natural de.............................., residentes na Rua......................................................, contribuintes n.º.....................e n.º............................, portadores dos bilhetes de identidade n.º..................e n.º....................., emitidos em............e.........,pelo arquivo de identificação de ................................... ,;

SEGUNDO:

Nome completo, estado civil (quando casado mencionar também a identificação do cônjuge e regime de bens do casamento), natural de........................, residente na Rua................................., contribuinte fiscal n.º...., portador do bilhete de identidade n.º ...... emitido em .....,pelo arquivo de identificação de ....... ;

Disseram os Primeiros outorgantes:

Que cedem ao Segundo Outorgante, pelo preço que já receberam, todo o direito e acção que o Primeiro Outorgante marido tem à herança ilíquida e indivisa do seu falecido pai,.....................................(nome completo), morador que foi na Rua...................................................., cidade do.........................., e falecido em................

Disse o Segundo outorgante:

Que aceita esta cessão e que já era co-herdeiro na referida herança.

Assim o outorgaram

[Local e data]

[Assinaturas]

Alienação de herança

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Crise e direito do trabalhoPor António Vilar*

A crise em que estamos mergulhados atinge gra-vemente os alicerces da coesão social, que é um factor essencial à vida democrática. E o Direito do Trabalho é, inegavelmente, um instrumento decisivo para tal coesão, tanto quanto o desemprego, que lhe é inerente, a afecta profundamente.

Sem pôr em causa a relevância das normas que regulam as relações de trabalho – cada vez mais urgindo, porém, a sua flexibilização num quadro de trabalho digno –, é para o Direito da segurança social e para o Direito do emprego que cada vez mais se voltam os espíritos angustiados dos juslaboralistas, dos sindicalistas e, sobretudo, dos trabalhadores.

O lugar do trabalho nas nossas sociedades ganhou, com efeito, ainda mais acutilância, com as consequências, para o emprego, da crise financeira e económica dos iní-cios deste milénio. Bastará ver, na verdade, a angústia das pessoas a quem falta ou que perdem o emprego para medir-se tal importância. É que o trabalho não se reduz a um mercado; é mais, ou vai além (é diverso) de um objecto de partilha. Inscreve-se no tempo e no espaço de uma vida. Numa perspectiva religiosa, católica, João Paulo II (1981), na Carta Encíclica Laborem Exercens sobre o Trabalho Humano, já afirmava que “(…) o trabalho cons-titui uma dimensão fundamental da existência do homem sobre a terra. Confirma-a nesta convicção a consideração de todo o património das múltiplas ciências centralizadas no homem: a antropologia, a paleontologia, a história, a sociologia, a psicologia, etc. Todas elas parecem tes-temunhar de modo irrefutável essa realidade”, “(…) mediante o trabalho, o homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas realiza-se também a si mesmo como homem e até, em certo sentido, se torna mais homem”.

Evoca-se, hoje, um novo Direito do Trabalho, um novo direito da ruptura do contrato de trabalho, um novo direito da relação de trabalho, e a questão que se colocará, no transe, é a de saber o que é que é novo, e a, consequente, do sentido e alcance da novidade e o seu fundamento. É inegável que, também em Portugal, nos tempos mais recentes, a razão de ser e a função social do Direito do Trabalho têm sido questionadas por muitos, sem que, porém, as suas referências fundamentais tenham sido legalmente substituídas por outras. Na verdade, mantêm as leis laborais, em geral, a vocação para defender as condições mínimas de dignidade e de integridade física e moral dos trabalhadores, sem ignorar os interesses dos empregadores, numa compatibilização, porém, geralmente difícil e difusa. Não se mantivesse, porém, essa vocação ou intenção, poderíamos, então, facilmente, concluir que melhor seria aplicar às relações de trabalho o Direito Civil e o Direito Comercial (e não as leis especiais do trabalho),

decerto suficientemente eficazes para o mero funcionamen-to dos mercados, da competição e da protecção da liberdade de iniciativa económica.

É inegável, hoje, que a constelação de normas e ins-titutos radicados tradicionalmente no Direito do Tra-balho, enquanto e na medida em que assentam, apenas e rigidamente, no dogma da protecção do trabalhador – tantas vezes, de resto, não mais do que inócua máscara na realidade quotidiana –, já não têm mais indiscutível justificação, sem que, porém, nisso vá qualquer ideia de desprotecção do trabalho, que se considera, pelo contrário, imprescindível. Com efeito, não se ignorará que o Direito do Trabalho foi, tantas vezes, nomeadamente por razões ideológicas, construído contra os empregadores e na in-diferença relativamente à empresa e aos interesses que nela conflituam, quando urge, cremos, reconstruí-lo em benefício da pessoa do trabalhador. E não só daquele que tem um emprego, mas, também, das pessoas que o procu-ram (o primeiro emprego, uma alternativa à precaridade do seu emprego, ou um outro emprego, perdido o anterior – os desempregados) e daqueles, outros, que, tendo sido trabalhadores, pela lei da vida o não deverão mais ser (os reformados).

É aqui que ganham relevância políticas e normas jurídicas atinentes a outros modos de protecção do tra-balhador como pessoa humana que é, designadamente do âmbito da segurança social e do emprego. E, ainda, a ideia de flexigurança, que, por muitos rejeitada, está, afinal, presente nas soluções que se vão avançando no combate à crise.

A flexigurança, não sendo uma panaceia para todos os problemas do mercado de trabalho, aparece como uma possível solução para diferentes questões e desafios colo-cados, na actualidade, ao Direito do Trabalho.

A ideia de flexigurança implica associar o melhor da flexibilidade com o melhor da segurança ou, se preferirmos, conjugar competitividade e modelo social europeu. Tecni-camente, pode-se dizer que a “flexigurança” é um “golden triangle”, cujos ângulos são formados por: a) a flexibilidade do mercado de trabalho (designadamente no que diz res-peito aos despedimentos); b) um alto grau de segurança social (designamente o fundo de desemprego), e c) um forte sistema de políticas activas de emprego (designadamente, destinadas à empregabilidade dos trabalhadores).

Poderá o Direito da segurança social estender-se, na perspectiva da protecção do trabalhador, a espaços até agora ocupados pelo Direito do Trabalho? E nem só o Di-reito da segurança social também, o Direito do emprego, o Direito fiscal poderão relevar na mesma protecção ao tra-balhador, bem como outras normas jurídicas avulsas?

Este é um ponto crucial para o futuro do Direito do Trabalho.

* Advogado Professor universitário

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Concorrência desleal

Acordam no Tribunal da Relaçãodo Porto:

I. RELATÓRIO

“B………., Ld.ª”, com sede na Rua ………., n.ºs …/…, ………., Gondomar, veio intentar acção, sob a forma ordinária, contra C………., resi-dente na ………., n.º …, Gondomar, e “D………., Ld.ª”, com sede no mesmo local antes indicado, pretendendo a condenação destes últimos a absterem-se imediatamente, no exercício da sua actividade comercial, de usar qualquer publici-dade de onde conste ou faça parte o designativo “Saramago”, bem assim no pagamento da sanção pecuniária compulsória de 1.000 euros diários desde a data da respectiva sentença condenatória até efectiva abstenção do uso daquela expressão, quer se trate de simples expressão publicista, quer integre eventual marca registada.

Para o efeito e em síntese, alegou a Autora que, após a sua constituição e tendo em vista a sua actividade de agente funerário, requereu e foi-lhe concedido o registo da marca “B………. Saramago” por despacho do “INPI” de 29.10.1993, sendo que, apesar disso, os Réus vinham usando para efeitos profissionais relacionados com idên-tica actividade à por si (autora) desenvolvida a expressão “E………. Saramago - R”, tudo em ordem a produzir efeitos no mercado, assim dis-putando a mesma clientela da Autora, por aquela expressão ser confundível com a por si registada, posto desenvolverem ambas as partes idêntica actividade em áreas geográficas muito próximas. Os Réus, citados para os termos da acção, vieram apresentar contestação em que impugnaram grande parte da alegação inicial, tendo ainda oposto à procedência daquelas pretensões a cir-cunstância da Ré ser titular de marca comunitá-ria com a designação “E………. Saramago - R”, o que legitimava o uso para a sua actividade da expressão “Saramago”, tão pouco a marca de que era detentora se confundindo com aquela outra propriedade da Autora, para além do pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória não vir sustentado em factualidade bastante. Replicou a Autora, rejeitando a defesa adian-tada pelos Réus nomeadamente quanto à in-vocada prevalência da marca comunitária de que a Ré/sociedade era detentora, bem assim

quanto à insubsistência do pedido de aplicação da dita sanção pecuniária compulsória, con-cluindo nos termos inicialmente peticionados. A propósito deste último articulado vieram os Réus arguir a nulidade da prática de tal acto processual, sendo inadmissível, face à defesa que apresentaram, a qual não envolvia matéria de excepção, nessa medida devendo o articulado de réplica ser desentranhado dos autos.

Sobre esta pretensão deduzida pelos Réus recaiu despacho a indeferi-la, o que motivou a interposição de recurso de agravo por aqueles, concluindo pelo desentranhamento do mencio-nado articulado.

Respondeu a Autora, pugnando pela improce-dência desse recurso.

No prosseguimento da lide, veio a ser fixada a matéria de facto tida como assente entre as par-tes e organizada a base instrutória, peças estas que sofreram reclamação, só em parte atendida e apenas quanto a rectificações de erros de escrita. Foi designada uma primeira data para realização de audiência de julgamento (30.10.07), não coinci-dente com a sugerida pelos mandatários das par-tes, ouvidos que foram para o efeito, tendo o tribu-nal invocado incompatibilidade com a sua agenda. Face à ausência do mandatário dos Réus na-quela primeira data designada, foi adiado o julgamento para o dia 5.11.07, tendo aquele ilustre mandatário feito chegar comunicação a dar conhecimento do seu impedimento para es-tar presente na nova data, invocando o disposto nos art. 155, n.º 5 e 651, n.º 1, al. d), do CPC. O Sr. Juiz não atendeu o pretendido adiamento do julgamento e deu-lhe início em 5.11.07, o que motivou a apresentação de novo recuso de agravo pelos Réus, tendo apresentado alegações em que concluíram pela revogação da decisão que deter-minou a realização da audiência de julgamento no assinalado dia 5.11.07, com a consequente anulação dos actos subsequentes.

Inexiste resposta a tais alegações.Concluída a produção da prova em sede de

audiência de julgamento, foi proferida decisão da matéria de facto, após o que a causa foi sen-tenciada, decidindo-se pela condenação dos Réus a abster-se de, no exercício da sua actividade comercial, usar publicidade onde conste ou faça parte o designativo “Saramago”, bem assim na sanção pecuniária compulsória de 50 euros por cada dia em que usarem de tal designativo após o trânsito da sentença.

Uma vez mais inconformados, interpuseram

Por: Sílvia Ferreira*

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recurso de apelação os Réus, tendo concluídos a suas alegações com a revogação do sentenciado, devendo ser absolvidos dos pedidos formulados na acção, para tanto suscitando as problemáticas adiante enumeradas.

Contra-alegou a Autora, defendendo a manu-tenção do julgado.

Corridos os vistos legais, cumpre tomar conheci-mento do mérito dos recursos, sendo que a instância mantém a sua validade.

II. FUNDAMENTAÇÃO(……..)

II. Da Apelação interposta pelos Réus

No âmbito deste recurso, retenhamos antes de mais a factualidade considerada na sentença impugna-da, a saber:

1 - A Autora é uma sociedade com sede social em ………., que se dedica à actividade de agência funerária, tendo sido constituída por escritura pública de 11.6.1992, celebrada no Cartório Notarial de Rio Tinto e encontra-se matricu-lada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o n.º 2.384;

2 – A requerimento da Autora, realizado em 10.11.1992, foi registada a marca “B………. Saramago”, por despacho proferido no INPI em 29.10.1993;

3 - Em 11 de Maio de 1994, a Autora, “B………., Ld.ª”, instaurou uma acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra F………., agente funerário, pai do 1.º Réu;

4 - Na referida acção a Autora pediu que o pai do Réu lhe reconhecesse o direito exclusivo de usar a marca “B………. Saramago” por ser proprietária da mesma, adquirida através do registo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, ficando o Réu condenado a abster-se de usar a referida marca, ou seja, “B………. Saramago”;

5 - O pai do 1.º Réu contestou, alegando, além do mais, que a concessão da marca à Autora seria ineficaz e o registo não definitivo, que a Autora não seria proprietária da marca e que o Réu usaria legitimamente a expressão “Saramago” que seria alcunha ou apelido na família desde há várias gerações e que haveria abuso de di-reito da Autora, cujos sócios teriam adoptado uma expressão que sabiam identificar o Réu há dezenas de anos;

6 - Na réplica a Autora ampliou o pedido, pe-dindo a condenação do Réu a abster-se de usar qualquer marca da qual conste ou faça parte o designativo “Saramago”;

7 - O pai do Réu tentou noutro processo apenso a este pedir a anulação da firma “B………., Ld.ª” e o cancelamento da matrícula, bem como a eliminar e abster-se de utilizar a referida firma;

8 - Foi proferida decisão que julgou a acção prin-cipal procedente, por provada, e improcedente, por não provada, a acção apensa;

9 - Em 24 de Abril de 2002, o F………. trans-mitiu as suas quotas na sociedade “D………., Ld.ª” a seus filhos e, designadamente, ao 1.° Réu, C……….;

10 – A 2.ª Ré usa comercialmente a expressão “E………. Saramago” na qualidade de detento-ra do registo da marca comunitária n.º ........., válido até 26.1.2009;

11 - A 2.ª Ré é detentora da denominação so-cial “D………., Ld.ª” e da marca comunitária “E………. Saramago”, divulgando essa marca em material publicitário;

12 - A referida Ré dedica-se comercialmente à actividade de serviços fúnebres e decorati-vos;

13 - O 1.° Réu usa, a título pessoal, a expressão “E………. Saramago Filho”;

14 - O 1.° Réu é também sócio da sociedade “Saramago – G………., Ld.ª”;

15 - A Autora publicita os seus serviços na pá-gina ...ª da “Lista Telefónica - Páginas Ama-relas da Região Porto e Sul Douro”, na edição de 2002 / 2003, com inserção da fotografia do seu sócio gerente, H………., de nome próprio, mas que também passou a usar o designativo “Saramago”;

16 - Os Réus usam profissionalmente a expres-são “Saramago R”;

17 - Tal uso destina-se a produzir efeitos no mer-cado, através da disputa da mesma clientela da Autora, por terem actividades coincidentes, com actuação nomeadamente num âmbito local e regional e com uma distância geográfica míni-ma, por se situarem em Freguesias limítrofes.

Tendo em vista a revogação da sentença con-denatória, com o alcance descrito em relatório, suscitam os apelantes/réus as seguintes questões fundamentais:

- necessidade de ampliação da matéria de facto, tendo em vista a solução do litígio e o que foi alegado na contestação quanto a alguns Pontos de facto;

- indevida proibição de uso de marca comunitá-ria de que é titular a Ré/sociedade;

- insuficiência de factos para caracterização duma situação de violação do invocado direito da Autora.

Começando pela análise à primeira problemáti-

2�VidaJudiciáriaSetembro/2009

ca, questionam os impugnantes não ter o ter o tri-bunal “a quo” considerado para a solução do litígio, quer dando como assente a respectiva factualidade ou então sujeitando-a a indagação, o que havia sido alegado em sede de contestação nos arts. 18.º, 29.º e 30.º, bem assim o teor do documento junto a fls. 88 (boletim de nascimento do filho do 1.º Réu).

Anotemos, antes de mais, o que nos assinalados artigos da contestação vinha alegado, bem assim o que decorre do mencionado documento.

Assim, no art. 18 da contestação foi alegado que o “1.º Réu, tal como seu pai, sempre foram conhecidos, respectivamente, por ’E………. Saramago’, no caso de seu pai, e por ‘E………. Saramago filho’, no caso do 1.º Réu”; sendo que do conjunto dos arts. 28.º a 30.º da contestação resulta a alegação de que “o sócio-gerente da Autora, H………., passou a usar também o designativo ‘Saramago’, só depois da constituição da ‘B………., Ld.ª’, no ano de 1992, e posteriormente ao conhecimento generalizado que as pessoas, ao longo de décadas, sempre atribuíram ao pai do 2.º Réu, como ‘E………. Saramago’”.

Pois bem, atenta tal alegação, defendem os recor-rentes que a mesma devia ser considerada – dando-se como assente ou então sendo objecto de indagação – por a mesma traduzir um uso da expressão “Sa-ramago”, nomeadamente quanto ao 2.º Réu, como elemento de identificação pessoal, já não para fins comerciais, o que conduziria à improcedência da res-pectiva pretensão deduzida pela Autora na acção. A motivação assim adiantada pelos impugnantes para ser considerada a dita factualidade nos termos indicados não se nos afigura pertinente.

Com efeito, a pretensão da Autora tem a ver com a utilização indevida daquela expressão (“Sa-ramago”) por parte dos Réus – incluindo também o 2.º Réu – no exercício da actividade de agentes funerários, idêntica à por si (autora) desenvolvi-da, dessa forma com a utilização desse elemento, que faz parte da marca por si registada, fazendo concorrência desleal, criando confusão na “clien-tela” quanto à identificação da prestadora dos serviços inerentes àquela actividade comercial. Ora, não está em causa na acção a identificação (civil) da pessoa do 1.º Réu e seus familiares direc-tos, bem assim como as pessoas das suas relações pessoais os conhecem (identificam), antes se os Réus, enquanto prestadores de serviços inseridos no âmbito da aludida actividade, fazem uso daquele segmento (expressão) da marca registada a favor da Autora (“B………. Saramago”).

Trata-se, aliás, de matéria cujo ónus de de-monstração compete à Autora, por constitutiva do direito invocado, sendo irrelevante para o caso vir a comprovar-se que a aludia expressão (“Saramago”) era usada como elemento de identificação pessoal

do 1.º Réu e seus familiares mais próximos.Por idêntica razão também não descortinamos

motivos para considerar o facto de o filho do 1.º Réu se identificar como I………., tal como consta do “Boletim de Nascimento” junto aos autos a fls. 88, sendo que nem sequer a junção desse documento traduz a alegação do vertido nos arts. 18.º e 26.º da contestação, como se aduz no requerimento que suporta a sua junção (v. fls. 87).

Nesta perspectiva e atendo-nos ao comando do disposto no art. 511º, n.º 1, do CPC, não vemos moti-vos para atribuir à dita factualidade relevância com manifesto interesse para a decisão da causa, por isso também não tendo a virtualidade de ser dada como assente ou então ser objecto de indagação.

Solucionada desta forma a questão atinente à invocada necessidade de ampliação da matéria de facto, importa agora entrar na apreciação da segunda problemática acima elencada e que con-tende com o alcance do sentenciado, enquanto dele é possível retirar a proibição da sociedade/ré de usar no território nacional da marca comunitária, “E………. Saramago”, de que é titular.

No que respeita a esta questão e em termos gené-ricos, aduzem os impugnantes que aquela condena-ção jamais poderia suceder, posto que a utilização da mencionada expressão “Saramago” era feita no âmbito do uso da marca comunitária de que era titular a sociedade/ré, com a designação “E………. Saramago”, com registo válido e subsistente, donde a proibição do uso dessa marca comunitária só poder decorrer da declaração da sua extinção ou nulidade pelo meios previstos no respectivo “Regulamento” comunitário (alude-se ao “Regulamento (CE) n.º 40/94, do Conselho, de 20.12.03, daqui em diante denominado por “Regulamento da Marca Comuni-tária” – “RMC”), o que não era o caso dos autos, já que não era objecto da acção tal tipo de declaração. Acrescentam mesmo que a sentença recorrida, por via do em último argumentado, padecia de vício de nulidade por excesso de pronúncia, pela simples razão que a proibição decretada apenas podia decorrer de pedido de declaração de ex-tinção ou nulidade daquela marca comunitária, segundo a previsão contida no aludido “RMC”; para além do que, numa outra perspectiva, padecia ainda de vício de omissão de pronúncia, posto nela não vir apreciada a defesa por excepção adiantada na contestação, atinente à circunstância da men-cionada expressão fazer parte da dita marca comu-nitária (“MC”) de que era legitimamente titular a sociedade/ré.

Apreciemos.Interessa-nos aqui analisar – equacionando ge-

nericamente a problemática suscitada – a possibi-lidade de reacção fundada em concorrência desleal

2� VidaJudiciáriaSetembro/2009

no confronto de marca nacional (“MN”) com marca comunitária (“MC”), independentemente de a tal dever ou poder subjazer pedido de declaração de nulidade desta última.

Ora, tendo presente o disposto no dito “RMC”, temos como certo, na base deste último, ser possível intentar acção respeitante a “MC” com fundamen-to em concorrência desleal nos termos do direito interno dos Estados-membros.

Assim, prevê o n.º 2 do art. 14º do citado “RMC” sejam intentadas “acções respeitantes a marcas comunitárias com base no direito dos Estados-membros, nomeadamente em matéria de respon-sabilidade civil e de concorrência desleal”.

Apresentando-se mais abrangente, estipula o n.º 2 do art. 106 do “RMC” não estar afectado “o direito de intentar, com base no direito civil, ad-ministrativo ou penal de um Estado-membro, ou com base em disposições do direito comunitário, acções que tenham por objecto a proibição do uso de uma marca comunitária, na medida em que o direito desse Estado-membro ou o direito comuni-tário possa ser invocado para proibir o uso de uma marca nacional”.

Dos normativos em referência parece resultar como viável, por legalmente admissível à luz do mencionado “RMC”, a instauração de acção autóno-ma, visando o reconhecimento de concorrência des-leal, mesmo no confronto de “MN” com “MC”, com a finalidade de paralisar o uso desta última (marca comunitária), mesmo não atingindo a sua subsis-tência enquanto tal, apenas atingindo parcialmente o seu uso – v., neste sentido, Oliveira Ascensão, in “O Direito”, ano 133/2001, tomo III, págs. 535 a 538. Esta constatação assenta, ao fim ao cabo, no prin-cípio subjacente ao mencionado “RMC” de que a marca comunitária não veio substituir os direitos de marca preexistente sobre o território em que ela é destinada a produzir os seus efeitos (assim, Luís Ferrão, in “Marca Comunitária”, pág. 23), como aliás vem reflectido nos considerandos daquele “regulamento” ao aí se explicitar que“… o direito comunitário de marcas não substitui, porém, os direitos de marcas dos Estados-membros … com efeito, não parece justificável obrigar as empre-sas a depositarem as suas marcas nas marcas comunitárias, uma vez que as marcas nacionais continuam a ser necessárias às empresas que não pretendem que as suas marcas sejam protegidas à escala comunitária …”.

Afigura-se-nos que as considerações expendi-das respondem em grande medida às objecções opostas pelos apelantes ao sentenciado, desde logo permitindo concluir pela inexistência de impedi-mento, baseado no aludido “RMC”, à instauração da presente acção e com a finalidade encerrada no

pedido ou pedidos formulados, sendo que, apesar da titularidade da dita marca comunitária de que é detentora a sociedade/ré, tal não impunha, como pressuposto necessário, a declaração de extinção ou nulidade dessa mesma marca.

E, também por isso, não poderá assacar-se ao sentenciado o vício de nulidade por excesso de pronúncia.

Já quanto àquele outro vício de omissão de pro-núncia, assente na circunstância de o tribunal “a quo” não ter ponderado para a decisão tomada a defesa adiantada pelos impugnantes na sua con-testação, baseada no facto de ser titular da aludida marca comunitária, com a designação “E………. Saramago”, sempre diremos que é de admitir a sua verificação – no sentenciado não foi explicitamente ponderado qual a relevância para a resolução do litígio da titularidade por parte da sociedade/ré da aludida marca comunitária –, mas, como resulta da apreciação nesta sede feita, essa alegação não tem a virtualidade de impedir ou extinguir o direito invocado pela Autora.

Posto isto, passemos a analisar a última das problemáticas suscitadas pelos impugnantes, a qual contende com a defesa de que a factualidade dada como apurada não traduz de forma alguma a verificação de confusão e a existência de prejuízos, pelo uso na sua actividade da mencionada expres-são “Saramago”, sendo que aqueles constituem pressupostos indispensáveis à procedência das pretensões deduzidas em juízo.

Leitura diferente foi feita pelo tribunal “a quo”, para quem, face à utilização que vinha sendo feita pelos Réus da aludida expressão no âmbito profis-sional para produzir efeitos no mercado, disputando a mesma clientela da Autora, por terem actividades coincidentes e em região idêntica ou próximas, tal constituía por parte dos Réus uma ofensa ao direito à marca de que era detentora a Autora, bem assim actuação integradora de concorrência desleal.

Comecemos por fazer alguns considerandos quanto à delimitação dos falados pressupostos. Discutindo-se no litígio a tutela jurídica concedida a um dos sinais distintivos do comércio – no caso a marca –, importa delimitar o que define tal sinal e a protecção que lhe é conferida no âmbito da legis-lação aplicável (Código da Propriedade Industrial de 1995, em vigor à data dos factos e aquando da entrada em juízo da acção, a cujos preceitos aludi-remos adiante sem outra menção).

É tal sinal meio adequado a distinguir os produ-tos e serviços dum empresário relativamente aos produtos e serviços dos demais (art. 165, n.º 1), sen-do que o seu registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo dela (art. 167, n.º 1). Na modalidade de uso (art. 168) ficam abrangidos,

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entre o mais, a aposição do sinal nos produtos fornecidos ou nos serviços prestados, bem assim a sua utilização nos documentos comerciais e na publicidade.

Como escreve Couto Gonçalves, a marca tem uma função essencial – função distintiva, enquanto distingue e garante que os produtos ou serviços se reportam a uma pessoa que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso; uma função derivada – garante indirectamente a quali-dade dos produtos e serviços por referência destes a uma origem não enganosa; e ainda uma função complementar – função publicitária, relativa à promoção dos produtos ou serviços que assinala – in “Manual de Direito Industrial”, pág. 141, e “Direito de Marcas”, págs. 29 a 30.

Por força da função essencial que detém, a marca registada é legalmente protegida contra a sua reprodução ou imitação, total ou parcial, equivalendo a imitação ou usurpação, no todo ou em parte, da marca regista por outra, quando, cumulativamente, aquela tiver prioridade, sejam ambas destinadas, assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta, bem ainda quando tenham tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto (art. 193).

E no âmbito dessa protecção a marca registada é conferido ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o uso, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre o sinais, crie no espírito do consumidor um risco e confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca (art. 207).

Face ao disposto nos normativos em último men-cionados, importa referir que para se verificar a re-produção ou imitação de marca se torna necessário que os sinais distintivos se reportem aos mesmos produtos ou serviços, ou a produtos ou serviços afins – trata-se do princípio da especialidade de marcas – sem esquecer que para haver possibilidade de confusão sobre a origem empresarial dos produtos ou serviços deve atender-se a diversos factores, no-meadamente à natureza e ao tipo de necessidades que os produtos ou serviços visam satisfazer – v., neste sentido, Carlos Olavo, 2.ª ed., págs. 96 a 97.

Existirá risco de erro ou confusão entre sinais, não só quando a identidade ou semelhança origina

que um sinal seja tomado por outro, mas ainda sempre que o público (o consumidor médio) é levado a considerar a existência de identidade de prove-niência de produtos ou serviços a que os sinais se destinam ou então à existência duma relação entre a proveniência desses produtos ou serviços que de facto não existe – v. ob. e aut. cits. em último, págs. 100 a 104 e Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial”, Vol. I, pág. 329.

Já no que respeito diz à concorrência desleal, importa reter que a mesma ocorrerá quando al-guém, com a intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade, nomeadamente, acto suscep-tíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue (art. 260).

Constituirá concorrência desleal a prática de actos repudiados pela consciência normal dos co-merciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela – v. Carlos Olavo, in ob. cit., pág. 252.

No aludido art. 260º está em causa a confusão entre actividades económicas, com maior incidência a confusão entre os elementos em que as mesmas se concretizam, como sucederá com a identidade dos seus produtos ou serviços, já não a confusão entre sinais distintivos.

Como adverte Couto Gonçalves, podem surgir situações de concurso de normas de tutela da propriedade industrial e normas da concorrência desleal, o que implica, para existir um acto desleal de confusão entre produtos ou serviços, não bastar a confusão entre os sinais distintivos, sendo neces-sário que à usurpação do sinal se junte ainda, por exemplo, a confusão objectiva dos produtos ou servi-ços, a relação de concorrência e a contraditoriedade de normas ou usos honestos comercias.

De toda a forma, não será exigível uma confusão efectiva e prejudicial, antes sendo suficiente o pe-rigo de que a mesma aconteça – in “Manual” cit., págs. 349 a 350.

Diante destes considerandos, não vemos como poderá aceitar-se a objecção oposta pelos recor-rentes, ao aduzirem não deter a factualidade acima enunciada a potencialidade de integrar concorrência desleal, por a mesma não traduzir actuação produtora de confusão entre actividades económicas.

Na verdade e acompanhando nesta parte a re-flexão adiantada pelo tribunal “a quo”, evidencia a factualidade acima elencada que os Réus, no

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exercício de actividade idêntica à desenvolvida pela Autora, utilizam a expressão “Saramago”, a qual integra também a marca registada e prioritária da Autora (“B………. Saramago”), tudo em ordem a produzir efeitos no mercado e disputar da mesma clientela daquela última, sendo que ambas as par-tes exercem a sua actividade económica na mesma região ou em locais (freguesias) limítrofes.

Processando-se dessa forma o exercício daquela actividade por parte dos Réus, está criada uma si-tuação de potencial confusão susceptível de causar prejuízos à Autora, o que se concretiza, no caso, na possibilidade de confusão quanto à identidade de quem presta os respectivos serviços (identidade de empresários ou estabelecimento), o que, segundo cremos, é contrário aos usos honestos do comércio.

E, como deixámos dito, não se torna necessário, para aquilatar de actuação violadora das normas do comércio no âmbito concorrencial, uma efectiva confusão prejudicial, bastando a susceptibilidade ou perigo de que a mesma suceda, o que no caso, diante a aludida materialidade, é de verificar.

Equivale tudo quanto se acaba de expor a con-cluir não nos merecer reparo a decisão condenatória proferida pelo tribunal “a quo”, a qual aqui vai mantida.

III. CONCLUSÃO

Pelo exposto, decide-se negar provimento aos recursos de agravo, bem assim julgar improce-dente a apelação, nessa medida mantendo-se os despachos impugnados e confirmando-se a sentença recorrida.

As custas dos recursos ficam a cargo dos Réus.

Porto, 12 de Junho de 2008Mário Manuel Baptista FernandesFernando Baptista OliveiraJosé Manuel Carvalho Ferraz

* AdvogadaGabinete de Advogados

António Vilar & Associados [email protected]

A questão do confronto entre a marca comunitária e a marca nacional é, como bem defende o acórdão em causa, clara e inequívoca quando o sexto consi-derando da Directiva 89/104/CEE, de 21/12/1988 estatui expressamente: “considerando que a presente directiva não exclui a aplicação às marcas de dis-posições do direito dos Estados-membros que não estejam abrangidas pelo direito de marcas, tais como disposições relativas à concorrência desleal, à res-ponsabilidade civil ou à defesa dos consumidores”.

Posto isto, importava, depois, analisar a questão da concorrência desleal à luz das disposições vi-gentes no direito nacional e, de acordo com a noção de concorrência desleal constante do C.P.I., para haver concorrência desleal tem que estar em causa a ofensa a princípios de correcção profissional no exercício de uma actividade económica determinada. Isto porque deverá falar-se de concorrência desleal, apenas, no caso de actuações entre empresários, que são os sujeitos económicos capazes de praticar actos desleais, na perspectiva do comerciante médio, que é aquele que deverá servir de índice de avaliação do conceito de “deslealdade” na concorrência. Por isso, deverá entender-se que o acto de concorrência pressupõe, necessariamente, uma actuação, activa ou passiva, de um empresário. No reforço desta ideia surge, também, o objectivo subjacente à prática de um acto de concorrência desleal, que é o desvio de uma determinada clientela de um concorrente em proveito próprio. Obviamente que esta concepção de concorrência desleal não poderá ser entendida sem mais, pois no exercício de uma actividade eco-

nómica a obtenção de mais clientela em relação a outro agente económico é a sua finalidade. Mas, a partir do momento em que tal acto assume contor-nos contrários às normas ou aos usos considerados honestos de qualquer actividade económica, então, passaremos a falar de concorrência desleal.

A outra dúvida que surge frequentemente asso-ciada à figura da concorrência desleal é saber quão próximas terão que ser as actividades económicas em causa. A doutrina aponta, usualmente, o critério do tipo de necessidade que os bens resultantes das actividades económicas visam satisfazer, o que leva a concluir que serão próximas as actividades idênticas ou afins, ou seja, aquelas que permitam uma relação de substituição ou de complementaridade entre si. Contudo, esta teoria acaba por ser restritiva e não decorre do texto do C.P.I. nem, sequer, da Conven-ção União de Paris. Até porque, para que a mesma clientela dispute uma determinada organização eco-nómica, não se exige, necessariamente, que as suas actividades sejam complementares ou substitutas. Bastará, muitas vezes, que ambas as actividades se insiram no mesmo sector de mercado e, por isso, disputem a mesma clientela.

Daí que, para se apurar se existe concorrência desleal, deverá analisar-se sempre se os agentes económicos praticam actos que ofendam os usos honestos do comércio, avaliados segundo o critério do comerciante médio, sendo que as actividades em causa deverão ser, além disso, susceptíveis de dis-putar o mesmo tipo de clientela, independentemente da concreta actividade em causa.

Comentário:

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Despedimento ilícito– Inexistência de justa causa – isenção de horário de trabalho

Referências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 25/02/2009Fonte: Site do STJ – www.stj.pt

Numa acção emergente de contrato de trabalho, o autor AA pediu que a ré F...–N... – H..., S. A., fosse condenada:

a) a reintegrá-lo ao serviço, sob a cominação de sanção pecuniária compulsória que se tenha por adequada e que propõe seja de determinada quantia por dia;

b) ou a pagar-lhe a indemnização corresponden-te a dois meses de retribuição por cada ano de antiguidade, ou fracção, contada até à data da sentença;

c) a pagar-lhe determinada importância, de crédi-tos já vencidos, acrescida das retribuições que se vencerem até à sentença;

d) a pagar-lhe uma determinada quantia de in-demnização por danos morais (sic);

e) a pagar-lhe os juros de mora vencidos e vin-cendos.

Em resumo, o autor alegou o seguinte:- foi admitido ao serviço da ré, com a categoria

profissional de Chefe de Sector de Quinquilharia, em 15.11.1994;

- é associado do CESP – Sindicato dos Traba-lhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal e foi eleito delegado sindical em 8.5.2001 e membros dos corpos directivos do referido Sindicato em 25.5.2002, factos de que a ré foi informada;

- por sua vez, a ré está inscrita na APED – Associa-ção Portuguesa de Empresas de Distribuição;

- a relação laboral entre as partes era regulada pelo CCT celebrado entre o CESP e a APED, publicado no BTE n.º 12/94;

- por carta datada de 23.8.2002, que recebeu no dia 30 do mesmo mês e ano, foi despedido pela ré;

- o despedimento é ilícito, por inexistência de justa causa e por ser nulo o processo disciplinar, resultando tal nulidade do facto da ré não ter junto ao aludido processo os documentos por ele indicados na resposta à nota de culpa e de não ter inquirido as testemunhas que ele arrolou na

dita resposta, sob o pretexto de que tal resposta tinha sido apresentada fora de prazo, o que não corresponde à verdade;

- desde Abril de 2001 até, praticamente, à data do despedimento, a ré manteve-o absolutamente desocupado, violando, assim, gravemente o seu direito de ocupação efectiva, o que lhe casou danos não patrimoniais;

- desde a data da admissão até 21.2.2001, sempre trabalhou em regime de isenção de horário de trabalho, mas a ré nunca lhe pagou o subsídio, correspondente a 25% da retribuição base, previs-to no n.º 2 da cláusula 14.ª do CCT aplicável;

- só tinha um dia de descanso por semana;- a ré não lhe pagou o subsídio de refeição referente

aos dias de descanso em que trabalhou;- a ré violou o seu direito a férias, relativamente

a 11 dias das férias vencidas em 1.1.2001, uma vez que só permitiu que gozasse aqueles dias de férias no 1.º trimestre de 2002;

- trabalhava aos domingos, mas a ré nunca lhe pagou o subsídio previsto no n.º 1 da cláusula 18.ª do referido CCT, que correspondia a um dia normal de trabalho;

- sempre trabalhou em todos os dias feriados do ano, excepto nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio e 25 de Dezembro, mas a ré nunca lhe pagou o acrésci-mo (100%) a que tinha direito nos termos da cláu-sula 12.ª do mencionado CCT, nem lhe concedeu o correspondente descanso compensatório.

Na contestação, a ré defendeu a validade do processo disciplinar e a existência de justa causa e impugnou todos os créditos salariais peticionados pelo autor.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo declarado válido o processo disciplinar, mas ilícito o despedimento, por inexistência de justa causa, e condenado a ré:

«1 - A reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

2 - A pagar ao autor as retribuições devidas desde 2 de Outubro de 2002 e a data da sentença (das quais devem ser deduzidos os rendimentos do trabalho eventualmente auferidos pelo Autor

Resumos de Jurisprudência

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durante este lapso de tempo), em montante a liquidar posteriormente em incidente próprio.

3 - A pagar ao Autor o montante global de vinte e oito mil, novecentos e trinta e três Euros e dez cêntimos (28.933,10 Euros) devidos a título de subsídio pela isenção do horário de trabalho.

4 - A pagar ao Autor o subsídio inerente ao trabalho prestado aos Domingos, no montante que se vier a apurar em incidente de liquidação:

5 - A pagar ao Autor a quantia de quatro centos e cinquenta de seis Euros e oitenta e seis cêntimos (456,86 Euros) relativos aos montantes indevida-mente descontados ao Autor por faltas dadas em Julho de 2002.

6 - A pagar ao Autor o montante de sete mil e quinhentos Euros (7.500,00 Euros) a título de danos morais.

7 - A quantia referida em 6) será acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a presente data até integral pagamento – vide art. 2.º do DL n. 69/85, de 18 de Março.

8 - As retribuições referidas em 2) a 5) serão acres-cidas de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento - vide art. 2.º do DL n.º 69/85, de 18 de Março.»

Inconformado com a sentença, a ré recorreu, por discordar da decisão da matéria de facto, que parcial-mente impugnou, e por entender que devia ter sido absolvida de todos os pedidos e, sem prescindir, por entender que o montante da indemnização arbitrada ao autor a título de danos não patrimoniais é exage-rado e que os juros de mora referentes ao subsídio de isenção de horário de trabalho vencidos há mais de cinco anos estavam prescritos.

Além disso, no requerimento de interposição do recurso, a ré arguiu a prática de uma nulidade proces-sual e a nulidade da sentença, consistindo a primeira no facto de o M.mo Juiz não se ter pronunciado sobre o que por ela tinha sido requerido na resposta que apresentara, a fls. 359-360 dos autos, relativamente aos documentos que anteriormente tinham sido juntos pelo autor, e a segunda no facto de o M.mo Juiz ter levado em conta, na apreciação da ilicitude do despedimento, a resposta dada ao quesito 132.º, a qual não devia ter sido considerada, por nada ter a ver com o que se perguntava no quesito.

O autor também recorreu da sentença, mas fê-lo a título subordinado, por entender que o processo disciplinar era nulo, que a indemnização que lhe foi arbitrada, a título de danos não patrimoniais, era insuficiente, que tem direito à remuneração referente ao trabalho prestado nos dias feriados e nos corres-pondentes dias de descanso compensatório, o mesmo acontecendo relativamente ao trabalho prestado aos

domingos e respectivos descansos compensatórios.No que toca ao recurso da ré, o Tribunal da Relação

de Lisboa começou por apreciar a nulidade processual e a nulidade da sentença arguidas no requerimento de interposição do recurso, decidindo que a primeira se encontrava sanada e que a segunda não existia.

De seguida, a Relação passou a apreciar a impug-nação da matéria de facto que julgou parcialmente procedente, tendo alterado as respostas dadas aos quesitos 37/130, 113, 117, 120 e 141.

E, depois, passou a apreciar a decisão de mérito, tendo, nesta sede, decidido:

- pela improcedência do recurso no que toca à justa causa de despedimento, aos danos não patrimo-niais e ao pagamento do subsídio pelo trabalho prestado aos domingos, por ter considerado que o despedimento tinha sido decretado sem justa causa, que os danos não patrimoniais sofridos pelo autor eram merecedores de tutela jurídica, que o valor da indemnização arbitrada era ajus-tado e que o subsídio pela prestação de trabalho ao domingo era devido;

- pela procedência do recurso no que concerne ao subsídio por isenção do horário de trabalho, que considerou não ser devido, por falta de autori-zação da Inspecção-Geral do Trabalho, tendo revogado a sentença nessa parte;

- pela procedência parcial do recurso no que diz respeito à quantia de J 456,86 que a ré indevi-damente havia descontado ao autor na retribui-ção do mês de Julho de 2002, a título de faltas injustificadas, tendo reduzido aquela quantia para J 404,01;

- julgar prejudicado o recurso quanto aos juros de mora referentes ao subsídio de isenção de horário de trabalho, vencidos nos últimos anos, uma vez que anteriormente tinha sido decidido que o autor não tinha direito a tal subsídio.

Por sua vez, no que toca ao recurso do autor a Re-lação julgou-o procedente apenas no que concerne à nulidade do processo disciplinar, tendo decidido que o mesmo era nulo por violação do direito de defesa do autor, por ter entendido que a resposta à nota de culpa tinha sido apresentada dentro do prazo.

Inconformados com a decisão da Relação, dela recorreram a ré e o autor, este a título subordinado, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma:

O direitoAntes de entrarmos na apreciação das questões

suscitadas nos recursos, importa referir que a rela-ção de trabalho mantida entre as partes se iniciou, desenvolveu e cessou antes da publicação da Lei n.º 99/2003, de 27/8, que aprovou o Código do Trabalho,

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uma vez que o autor foi admitido ao serviço da ré em 15.11.94 e veio por ela a ser despedido em 30.8.2002, data em que recebeu a carta de despedimento (alíneas A) e K) da matéria de facto).

Daí que o complexo normativo aplicável àquela relação jurídica seja o que estava em vigor antes da entrada em vigor daquele Código, nomeadamente o regime jurídico do contrato de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), o regime jurídico da cessação do contrato de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), o Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro e o Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro.

Por outro lado, também interessa referir que as instâncias entenderam que os instrumentos de regu-lamentação colectiva aplicáveis à mencionada relação laboral foram, sucessivamente, o CCT celebrado entre a ANS – Associação Nacional de Supermercados e a FEPCES – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, publicado no BTE n.º 14, de 29.3.1994, e o CCT celebrado en-tre a APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição e a referida FEPCES, publicado no BTE n.º 33, de 8.9.2000, aplicação essa que as partes nunca puseram em causa, sendo que também não havia razões para o fazer, dada a filiação sindical do autor e o facto da ré se dedicar à actividade e super e hipermercados e ser associada da APED (alíneas C), G) e H) dos factos provados).

Diremos ainda que as disposições do CPC que vierem a ser citadas são as que estavam em vigor antes das alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, uma vez o DL só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008 e as suas disposições não se aplicam aos processos pen-dentes à data da entrada em vigor (artigos 11.º, n.º 1 e 12.º, n.º 1), sendo que a presente acção foi proposta em 8.11.2002.

Feitos estes esclarecimentos, passemos, então, à análise das questões que integram o objecto dos recursos, respeitando a ordem por que estes foram interpostos.

Recurso da réAs questões levantadas pela ré são as seguintes:- Saber se a sentença devia ter sido anulada, na

parte referente à isenção do horário de traba-lho;

- Saber se a resposta dada ao quesito 4.º deve ser parcialmente dada como não escrita;

- Saber se o processo disciplinar enferma da nulidade, por violação do direito de defesa do autor;

- Saber se a ré tinha justa causa para despedir o autor;

- Saber se os danos não patrimoniais sofridos pelo autor são merecedores da tutela do direito e, na hipótese afirmativa, se o montante da indemni-zação que, a esse título, lhe foi arbitrada (J 7.500) deve ser reduzido;

- Saber se o autor tem direito ao subsídio previsto na cláusula 18.ª do CCT aplicável, pela prestação de trabalho ao domingo.

1. Da “anulação” da sentençaA fls. 273 dos autos, o autor veio requerer a junção

de 30 documentos, para prova de diversos quesitos da base instrutória, sendo que do documento n.º 3 – apresentado para prova do quesito 5.º, onde se perguntava se “o Autor esteve isento de horário de trabalho até 21 de Fevereiro de 2001?” –, fazia parte uma certidão emitida, a pedido do autor, pela Chefe de Repartição Técnica da Delegação de Lisboa do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Con-dições de Trabalho, atestando que, em 17.3.1997, a ré tinha apresentado, naquela Delegação, um pedido de isenção de horário de trabalho para o autor e que tal pedido não fora oportunamente despachado, por falta de recursos humanos.

A fls. 358-364, a ré pronunciou-se sobre o dito requerimento e sobre os documentos que o acompa-nharam, e, relativamente ao doc. n.º 3, requereu que o M.mo Juiz mandasse notificar a Delegação de Lisboa do IDICT, para que esta juntasse aos autos cópia do requerimento que aí tinha sido apresentado pela ré a pedir a isenção de horário do autor, bem como da declaração de concordância do autor e dos demais documentos que instruíram aquele pedido.

Todavia, sobre o assim requerido pela ré não foi proferido qualquer despacho, tendo a ré vindo a ser condenada, na sentença, a pagar ao autor a quantia de J 28.933,10, a título de subsídio por isenção de horário de trabalho.

Como já foi referido em “1.Relatório”, no requeri-mento de interposição do recurso de apelação, a ré arguiu, expressa e separadamente, a omissão daquele despacho, alegando que tal falta constituía uma vio-lação do contraditório e do princípio da igualdade das partes (artigos 3.º e 3.º-A do CPC) e que integrava a nulidade prevista no art. 201.º, n.º 1, do CPC, uma vez que, devido a tal omissão, deixaram de ser carreados para os autos elementos fundamentais para o exame e boa decisão da causa, devendo, por isso, a sentença ser anulada, “na parte em que se pronunciou sobre o pedido de isenção de horário de trabalho”.

Conhecendo aquela questão, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que o facto do M.mo Juiz não se ter pronunciado sobre o mencionado requerimento

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poderia constituir, quando muito, uma nulidade de natureza processual, nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPC, mas que tal nulidade se encontrava sanada, uma vez que a ré tinha tido inúmeras intervenções no processo, após a formulação do dito requerimento, no-meadamente nas diversas audiências de julgamento, sem nunca ter reclamado da dita omissão, sendo de presumir que, agindo com a devida diligência, dela podia ter tomado conhecimento, conforme dispõe o art. 205.º, n.º 1, do CPC.

A ré discorda de tal decisão, alegando que o despa-cho do M.mo Juiz relativamente ao que por ela tinha sido requerido podia ser proferido sido até à prolação da sentença, pois só então se esgotaria o seu poder jurisdicional, pelo que a ré sempre poderia contar com tal pronúncia até àquele momento, e que, não se tendo verificado qualquer decisão, a ré agiu tempestivamen-te ao arguir a nulidade em causa no requerimento de interposição do recurso de apelação.

Não lhe assiste, todavia, razão.É indiscutível que o M.mo Juiz devia ter apreciado

o que pela ré foi requerido no requerimento de fls. 358-364, pois o disposto no art. 156.º, n.º 1, do CPC a isso o obrigava. Não o tendo feito, omitiu-se a prática de um acto processual imposto por lei (o despacho judicial) e a omissão desse acto processual era sus-ceptível de constituir uma nulidade processual (art. 201.º, n.º 1, do CPC).

Entendemos, porém, face ao disposto no art. 205.º, n.º 1, do CPC, que essa nulidade processual devia ter sido arguida até ao encerramento da audiência de dis-cussão e julgamento que teve lugar no dia 21.5.2004 ou, o mais tardar, até 2.6.2004, data em que o M.mo Juiz procedeu à leitura das respostas aos quesitos da base instrutória, acto a que os mandatários das partes estiveram presentes.

Com efeito, encerrada definitivamente a audiência de discussão e julgamento, com as respostas aos que-sitos, a nulidade em causa consumou-se, uma vez que o M.mo Juiz deixou de ter hipótese de, oficiosamente, reabrir a fase de discussão e, consequentemente, de se pronunciar sobre o requerimento da ré. Não ten-do sido arguida em nenhum daqueles momentos, a nulidade ficou sanada.

De qualquer modo, mesmo que se entendesse, como defende a ré, que a data relevante para a arguição da nulidade era a da prolação da sentença, a verdade é que a ré só dispunha de dez dias para o fazer (art. 153.º, n.º 1, do CPC).

Ora, tendo a sentença sido proferida em 15.9.2004 e notificada às partes, por carta registada expedida no dia seguinte, é de presumir, nos termos do art. 254.º, n.º 2, do CPC, que a ré foi dela notificada em 20.9.2004 (segunda-feira) e, deste modo, ainda que se entendesse que o prazo para arguir a nulidade come-

çava a decorrer a partir da notificação da sentença, tal prazo teria terminado em 30.9.2004.

E, porque, nessa data, o processo ainda se en-contrava na 1.ª instância, a nulidade aí teria de ser arguida, mediante reclamação dirigida ao respectivo Juiz (art. 205.º, n.º 3, do CPC).

Acontece que a nulidade só veio a ser arguida no requerimento de interposição do recurso de apelação, sendo que tal requerimento só foi remetido a juízo por registo postal expedido pela ré em 25.10.2004, ou seja, muito depois de, mesmo na tese da ré, ter decorrido o prazo de que dispunha para reclamar da nulidade, o que vale por dizer que a arguição da mesma sempre teria de ser julgada intempestiva, por se encontrar sanada quando foi arguida, o que acarreta a impro-cedência do recurso, nesta parte.

2. Da impugnação do n.º 4 da matéria de factoNa petição inicial, o autor alegou que foi admitido

como Chefe de Sector de Quinquilharia (art. 57.º), que todas as chefias prestavam o seu trabalho em regime de isenção de horário (art. 58.º da p.i.) e que, desde a data de admissão até 21.2.2001, sempre tinha trabalhado nesse regime, assistindo-lhe, por isso, o direito a um subsídio de 25% da retribuição base, de acordo com o n.º 2 da Cláusula 14.ª do CCT aplicável à relação laboral em causa (artigos 259.º, 260.º e 261.º da p.i.). E, a esse título, pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de J 28.933,10 (art. 274.º da p.i.).

Na contestação (art.os 1.º e 121.º), a ré impugnou expressamente aquela factualidade que, por via disso, foi levada à base instrutória.

Assim, no quesito 4.º perguntava-se se “[t]odas as chefias da Ré prestavam o seu trabalho em regime de isenção de horário, não estando sujeitas a picagem do cartão de ponto?”

Na 1.ª instância, aquele quesito obteve a seguinte resposta: “Provado apenas que as chefias da Ré pres-tavam-lhe o seu trabalho, com isenção de horário de trabalho, sem picarem o cartão de ponto.”

Aquela resposta foi objecto de impugnação por parte da ré, no recurso de apelação, pois, segundo a ré, a mesma, com excepção da sua parte final (a partir de sem), continha apenas matéria de direito, devendo, por isso, ser dada como não escrita, sendo que, sem prescindir, o quesito em causa sempre te-ria de ser dado como não provado, uma vez que, nos termos do art. 13.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/9, a isenção do horário de trabalho só pode ser provada por documento que nos autos não existe.

A Relação julgou improcedente o recurso, nesta parte, com o fundamento de que a afirmação prestar trabalho com isenção de horário de trabalho, embora tenha um significado jurídico preciso, também é cor-

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rentemente utilizada pela generalidade das pessoas com um sentido fáctico inequívoco, sendo com este sentido que ele foi usada no quesito 4.º, explicitado, aliás, pela frase “sem picarem o cartão de ponto”.

E mais considerou a Relação que a questão de saber se a lei exige, para a validade do regime de isenção de horário de trabalho, a existência de determinados documentos como formalidade ad substantiam, era já uma questão jurídica, aliás controvertida, que seria apreciada no momento próprio.

No recurso de revista, a ré admite que a aludida expressão possa ter um significado fáctico, mas con-sidera que “não o terá certamente naquele quesito, porquanto pressupõe a interpretação e aplicação das regras de direito – no sentido de querer significar que o Autor estava sujeito a um regime válido e eficaz de isenção de horário de trabalho –, podendo con-ter, por isso, conforme parece decorrer dos votos de vencido formulados na parte final do douto Acórdão recorrido, a solução final da questão da existência do referido regime de isenção de horário, o que não é admissível.

Adiantando, desde já a resposta, diremos que a razão está do lado da ré. Vejamos porquê.

A lei aplicável ao caso (o Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/9, uma vez que o Código do Trabalho só veio a ser publicado depois da data em que o autor foi despedido) não define expressamente o que se deve entender por isenção de horário de trabalho, mas do disposto no seu art. 11.º decorre que a isenção de horário de trabalho corresponde à falta de horário de trabalho.

Com efeito, afirmando-se no n.º 2 daquele artigo, que “entende-se por ‘horário de trabalho’ a determina-ção das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem assim como dos intervalos de descanso”, temos de concluir que a isenção de horário de trabalho ocorre quando as horas do início e do termo do período normal de trabalho diário e dos intervalos de descanso não se encontram esta-belecidas.

E, sendo assim, a afirmação de que determinado trabalhador está isento de horário de trabalho cor-responde a um juízo de natureza jurídica, uma vez que tal juízo resulta da valoração de determinadas ocorrência da vida real (a inexistência de horas para o trabalhador iniciar e terminar o seu período de trabalho e a inexistência de horas para o intervalo de descanso), feita à luz de determinada norma jurídica, ou seja, de um juízo normativo operado através da subsunção de determinados factos ao direito.

Reconhece-se que a expressão isenção de horário de trabalho também é usada na linguagem corrente com um significado fáctico coincidente com o seu sentido jurídico. E aceita-se que as expressões jurí-

dicas possam ser levadas à matéria de facto quando na linguagem corrente sejam utilizadas com um sentido unívoco, excepto quando essas expressões integrem o thema decidendum objecto da acção, dado que, nesse caso, a solução jurídica do pleito poderia resultar directamente da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Ora, uma das questões que integram o thema deci-dendum da presente acção diz respeito, precisamente, ao regime de horário de trabalho que era praticado pelo autor, mais concretamente à questão de saber se ele trabalhou, ou não, em regime de isenção de horário, desde a data da sua admissão ao serviço da ré até 21.2.2001.

É verdade que a resposta dada ao quesito 4.º não contende directamente com o autor, uma vez que apenas se refere às chefias da ré em geral, mas tam-bém é verdade que o autor exercia funções de chefia e que, por esse motivo, a resposta ao quesito não pode ser considerada absolutamente indiferente para a resolução jurídica daquela questão.

E, sendo assim, importa dar como não escrita, nessa parte, a resposta dada ao quesito 4.º, o que se faz ao abrigo do disposto no art. 643.º do CPC, e, consequentemente, alterar a dita resposta, cujo teor passa a ser o seguinte:

4 – As chefias da Ré prestavam-lhe o seu trabalho sem picarem o cartão de ponto.

3. Da nulidade do processo disciplinarComo já foi referido, na petição inicial o autor

alegou que o processo disciplinar era nulo, pelo facto da ré não ter diligenciado, como o autor tinha reque-rido na resposta à nota de culpa, pela junção àquele processo dos documentos por ele indicados na dita resposta e também não ter procedido à inquirição das testemunhas arroladas pelo autor na sua defesa.

E mais alegou que o fundamento invocado pela ré, para não realizar aquelas diligências probatórias, de que a resposta à nota de culpa tinha sido apresentada para além do prazo legal, não correspondia à verdade, uma vez que a ré tinha reconhecido que o autor só tinha sido notificado da nota de culpa em 8.7.2002, sendo que a resposta foi por ele enviada em 15 de Julho, ou seja, no último dia dos cinco dias úteis de que dispunha responder à nota de culpa (art. 10.º, n.º 4, da LCCT).

Por sua vez, na contestação, a ré alegou que, em 5 de Julho de 2002, tentou entregar ao autor a nota de culpa, através do seu Director de Recursos Humanos, RR, mas não o logrou fazer, por ele se ter recusado a recebê-la, exigindo que a mesma lhe fosse enviada por correio registado, para a sua re-sidência, o que a ré fez, não obstante o despropósito da recusa e a petulante exigência do autor, naquela

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mesma data, através de correio registado com aviso de recepção, tendo a mesma sido recebida pelo autor em 8 de Julho de 2002, sendo que a resposta à nota de culpa só foi enviada em 15 de Julho de 2002, após as 21 horas, por carta registada com aviso de recepção.

E mais alegou que o facto de, em 5 de Julho de 2002, o autor ter recusado receber a nota de culpa não impediu que o prazo para a apresentação da resposta tivesse começado a decorrer naquela data, face ao disposto no art. 224.º, n.º 2, do C. C., tendo, por isso, o prazo terminado no dia 12 de Julho de 2002.

Porém, acrescentou a ré, ainda que se entendesse que a notificação da nota de culpa só tinha ocorrido com a entrega efectiva da mesma na residência do autor, em 8 de Julho de 2002, o direito de respos-ta sempre estaria preludido, pois, tendo o autor enviado a nota de culpa por correio, no último dia do prazo, é evidente que a mesma só chegou ao conhecimento do seu destinatário depois de terem decorrido os cinco dias úteis previstos no art. 10.º, n.º 4, da LCCT.

Com interesse para esta questão provou-se que, em 5 de Julho de 2002, a Ré, através do seu Director de Recursos Humanos, leu a nota de culpa ao autor e tentou fazer-lhe a entrega da mesma (facto 78), mas que o autor a não quis aceitar (facto 79), dizendo que, se quisessem, a mandassem, por correio registado, para a sua residência (facto 80), o que a ré fez, nessa mesma data, através de correio registado com aviso de recepção (facto 81), que veio a ser recebido pelo autor no dia 8 de Julho de 2002 (facto 82), tendo este respondido à nota de culpa nos termos constantes de fls. 158 a 192 do processo disciplinar, através de carta registada expedida em 15 de Julho de 2002 (factos 2 a 83), que a ré recebeu (facto 84).

Na 1.ª instância decidiu-se que a resposta à nota de culpa tinha sido intempestiva, com o fundamento de que ao caso era aplicável o disposto no art. 224.º, n.º 2, do C.C., e que, por essa razão, se devia considerar que o autor foi notificado da nota de culpa em 5 de Julho de 2002, data em que se recusou a recebê-la, uma vez que a lei não obriga a entidade empregadora a enviar a nota de culpa pelo correio.

Na Relação, porém, entendeu-se que a data rele-vante, para efeitos da notificação da nota de culpa, era a de 8 de Julho de 2002 (data em que o autor recebeu a nota de culpa que lhe foi enviada pelo cor-reio), com o fundamento de que a ré tinha acedido ao pedido nesse sentido formulado pelo do autor, daí se depreendendo que a própria ré considerou como não efectuada a entrega da nota de culpa no dia 5 de Ju-lho, assim tendo sido compreendido pelo autor, como, aliás, o teria sido por qualquer declaratário normal colocado na posição do autor, sendo que entender

de outra forma seria violar as regras da boa fé que supõem confiança nos comportamentos.

E mais se entendeu, na Relação, que a resposta à nota de culpa foi apresentada em tempo, apesar de só ter sido remetida no correio no último dia do prazo, pois, “dispondo o trabalhador arguido de cinco dias úteis para organizar a sua defesa e tendo enviado a resposta à nota de culpa através de correio registado expedido no quinto dia útil, é de concluir que a data da prática do acto é a data em que o registo postal foi efectuado, à semelhança do regime previsto no art. 150.º, n.º 1, al. b), do CPC”, pois “a não ser assim, não se garantiam os cinco dias úteis para o trabalhador organizar a sua defesa”.

E com base no referido entendimento, a Relação concluiu que o processo disciplinar era nulo, dado que a ré não tinha efectuado nenhuma das diligências de prova requeridas pelo autor na resposta à nota de culpa, violando, assim, o direito de defesa previsto no art. 10.º, n.º 5, da LCCT, com a consequente ilicitude do despedimento, nos termos do art. 12.º, n.º 3, alínea b), da LCCT.

No recurso de revista, a ré insurge-se contra tal decisão, mas limitou-se a alegar que à Relação não era lícito extrair a ilação de que da conduta da ré, ao ter acedido ao pedido do autor para que a nota de culpa lhe fosse enviada pelo correio, só podia depreender-se que ela tinha considerado como não efectuada a entrega da nota de culpa em 5.7.2002 e que tinha aceitado que a data relevante para a re-cepção da nota de culpa seria a data em que o autor a recebesse pelo correio.

A ré não questionou, pois, a decisão da Relação na parte em que esta considerou que a resposta à nota de culpa é de considerar tempestiva, mesmo que tenha sido recebida pelo empregador depois de ter decorrido o prazo de que o trabalhador dispunha para responder, desde que a resposta tivesse sido expedida no correio no último dia útil do referido prazo, ou seja, desde que fosse metida no correio no quinto dia útil.

Deste modo, a questão a apreciar no recurso res-tringe-se a saber se a Relação podia ter extraído a referida ilação.

A ré não põe em causa que a Relação possa, com base nos factos provados, dar como provados outros factos, através do recurso às presunções judiciais, ou seja, com base nas regras da experiência comum (art. 351.º do C.C.). O que a ré contesta é que os factos provados em que a Relação assentou a ilação sejam suficientes para tal.

Saber se os factos provados permitiam ou não à Relação extrair a ilação em causa configura uma questão de direito, qual seja a de saber se houve ou não violação do disposto no art. 351.º do C.C., e, por

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se tratar de uma questão de direito, a competência do Supremo para dela conhecer é inquestionável.

Ora, e como bem diz a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, que seguiremos de perto, são de reputar inadmissíveis as conclusões (ilações) que não correspondam ao desenvolvimento lógico da matéria de facto dada como provada, sendo que, no caso concreto, a ilação extraída pela Relação não corresponde realmente ao desenvolvimento lógico da matéria de facto dada como provada e que supra foi referida.

Desde logo, como diz aquela magistrada, porque, contrariamente ao que é afirmado no douto acórdão recorrido, o autor não pediu à ré que lhe enviasse a nota de culpa pelo correio. O que ficou provado que foi, no dia 5.7.2002, a ré tentou entregar ao autor a nota de culpa e que este não quis aceitá-la, tendo dito que, se quisessem, a mandassem pelo correio, para a mandassem por correio registado, para a sua residência.

Verifica-se, assim, que o autor deixou ao critério da ré o envio, ou não, pelo correio da nota de culpa, como claramente resulta da expressão “se quiserem man-dassem”, da qual decorre uma manifesta indiferença do autor relativamente ao facto da ré lhe enviar, ou não, a nota de culpa pelo correio.

Como flui do acórdão recorrido, o facto de que a Relação se serviu para extrair a ilação que vem sendo referida foi o pedido que o autor teria feito à ré, para que esta lhe enviasse a nota de culpa pelo correio, para a sua residência. Ora, não constando esse facto do elenco da matéria de facto provada, é óbvio que a ilação em causa não podia ter sido extraída, por falta de fundamento factual bastante para tal, sendo que o facto da ré ter enviado a nota de culpa pelo correio não é, só por si, suficiente para tal.

E, sendo assim, temos de concluir que a notificação da nota de culpa ocorreu no dia 5 de Julho de 2002, data em que o autor se recusou a recebê-la, em mão, uma vez que o disposto no n.º 2 do art. 224.º do C.C. não deixa margens para dúvidas a esse respeito, ao estipular que “[é] também considerada eficaz a de-claração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”.

E, face a tal conclusão, é óbvio que, quando a resposta à nota de culpa foi expedida por correio, em 15.7.2002, já há muito haviam decorrido os cinco dias úteis de que o autor dispunha para a apresen-tar, pois, compulsado o calendário do ano de 2002, constatamos que o 5.º dia útil já tinha ocorrido em 12.7.2002.

Procede, pois, o recurso, nesta parte, o que implica a revogação do acórdão recorrido na parte em que declarou ilícito o despedimento do autor, com funda-mento na nulidade do processo disciplinar.

4. Da justa causaNos termos do art. 9.º, n.º 1, da LCCT constitui

justa causa de despedimento o comportamento cul-poso do trabalhador que, pela sua gravidade e conse-quências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

O conceito de justa causa contido no normativo re-ferido diz respeito à chamada justa causa subjectiva, ou seja, àquela que tem por fundamento uma conduta imputável ao trabalhador, ao contrário do que sucede com a denominada justa causa objectiva que se baseia em motivos relacionados com a empresa.

E, como do referido conceito resulta, a justa causa subjectiva pressupõe, antes de mais, um comporta-mento culposo do trabalhador, que necessariamente implica um acto ilícito e censurável do trabalhador, uma vez que, como diz Pedro Romano Martinez (Di-reito do Trabalho, Abril 2002, p. 851-852), a culpa, em termos de responsabilidade civil, não se pode dissociar da ilicitude, em particular no domínio da responsabilidade contratual, onde a culpa é usada em sentido amplo, de modo a abranger a própria ilicitude.

Por sua vez, o acto ilícito e culposo há-de corres-ponder a uma violação grave, por parte do trabalha-dor, dos seus deveres contratuais (seja dos deveres principais, secundários ou acessórios), por acção ou omissão, podendo essa violação revestir qualquer uma das três modalidades de incumprimento das obrigações: o não cumprimento definitivo, a simples mora e o cumprimento defeituoso.

Por outro lado, a culpa do trabalhador há-de ser apreciada segundo um critério objectivo, ou seja, pela diligência que um bom pai de família teria adoptado, em face das circunstâncias do caso (art. 487.º, n.º 2, do C.C.), e não segundo os critérios subjectivos do empregador.

Para que se verifique a justa causa, não basta, porém, um qualquer incumprimento dos deveres contratuais, por parte do trabalhador. É necessário, ainda, que se trate de um comportamento que, pela sua gravidade e consequências, nos leve a concluir que a subsistência da relação de trabalho se tornou imediata e praticamente impossível, sendo esta situação de imediata impossibilidade prática que constitui, no dizer Bernardo Lobo Xavier (Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., p. 491), a verdadeira “pedra de toque” do conceito de justa causa.

E, para chegar a tal conclusão, importa ter pre-sente que a impossibilidade em questão não é uma impossibilidade de ordem material, correspondendo, antes, a uma situação de inexigibilidade reportada a um padrão essencialmente psicológico, qual seja “o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, implicando mais ou menos frequentes e

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intensos contactos entre os sujeitos” (Monteiro Fer-nandes, in Direito do Trabalho, 12.ª edição, p. 557-559), e que, na apreciação dessa inexigibilidade, há que atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e demais circuns-tâncias que no caso se mostrem relevantes (art. 12.º, n.º 5, da LCCT), tudo à luz dos critérios de um bonus paterfamilias, ou seja, de um empregador normal, e não à luz da sensibilidade do real empregador.

E também importa ter presente que o conceito legal de justa causa funciona como uma cláusula geral ou conceito indeterminado que, por natureza, é refractário a operações de mera subsunção, uma vez que “as ideias de “justa causa” e de “impossibilidade prática” não têm somente a ver com factos ou situ-ações de facto, mas também com valores que como tal não podem nem devem ser objecto de alegação e prova, sendo que “a apreciação final não é só de carácter valorativo, mas tem ela própria base num conjunto impossível de descrever de sub-resultados, objectos eles próprios de valoração, susceptíveis das mais variadas combinações” (B. Lobo Xavier, ob. cit., p. 492, 493 e 498).

A inexigibilidade há-de, pois, ser aferida através de um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho, sendo de concluir pela existência de justa causa quando, sopesando os interesses em presença, se verifique que a continui-dade da vinculação representaria, objectivamente, uma insuportável e injusta imposição ao emprega-dor, isto é, quando, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seriam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador (Monteiro Fernandes, ob. e local citados).

É necessário salientar, ainda, que, nas acções de impugnação de despedimento, a entidade empregado-ra só pode invocar factos constantes da decisão final proferida no processo disciplinar, a qual por sua vez só pode incluir factos que tenham sido invocados na nota de culpa e na defesa do trabalhador, salvo se os mes-mos atenuarem ou dirimirem a responsabilidade do trabalhador (artigos 10.º, n.º 9, e 12.º, n.º 4, da LCCT) e que, na acção de impugnação judicial do despedimento, cabe à entidade empregadora alegar e provar os factos por si invocados para justificar o despedimento do trabalhador (art. 12.º, n.º 4, da LCCT)

E, por último, há que referir que o legislador enumera, de forma não taxativa, um conjunto de situações susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento (art. 9.º, n.º 2, da LCCT), mas que

tal elenco, contribuindo embora, como diz Bernardo Xavier (ob. cit., p. 495) “para iluminar quais são os interesses fundamentais que, atingidos, determinam a impossibilidade prática de manutenção das relações de trabalho”, não dispensa o juízo de prognose a que acima fizemos referência nem o conceito legal de justa causa contido no n.º 1 do art. 9.º da LCCT, o que equi-vale a dizer que a simples verificação de um daqueles comportamentos não permite, só por si, concluir pela existência de justa causa, tendo o comportamento em questão de ser sempre apreciado à luz do critério geral contido naquele normativo legal.

Revertendo, agora, ao caso em apreço e compul-sadas a nota de culpa e a decisão de despedimento, constatamos que o autor foi despedido por quatro ordens de razões:

- por ilegitimamente se ter recusado sistemati-camente a assumir, efectivamente, as funções (e obrigações acessórias, como trajar o devido fardamento) de Chefe do Sector na Peixaria, para que fora nomeado em 29.5.2002;

- por se ter recusado a acatar o Plano de Forma-ção;

- por ter faltado injustificadamente ao trabalho;- e por ter violado os deveres de respeito e de

boa fé.No que diz respeito à recusa em assumir as funções

de Chefe de Sector da peixaria, à recusa em cumprir o Plano de Formação e às faltas injustificadas, na contestação a ré alegou o seguinte:

- por determinação da ré, consubstanciada em carta datada de 27.5.2002, o Autor passaria, a partir de 29.5.2002, a exercer as funções de chefe de sector na Peixaria do hipermercado, incumbindo-lhe, de acordo com aquela carta: a) Garantir a arrumação de armazém e loja; b) Garantir a implementação das normas e planos de higienização; c) Garantir a implementação das normas de segurança no trabalho; d) Garantir que o correcto manuseamento e funcionamento dos utensílios e máquinas no local de trabalho são respeitados pelos funcionários do sector; e) Controlar e garantir a reposição dos produtos do sector; f) Garantir a correcta apresentação dos produtos nos lineares; g) Garantir a correcta apresentação dos funcionários, com os respectivos fardamentos instituídos pela Companhia, assim como a sua própria apresentação e fardamento; h) Garantir a conformidade, salubridade e va-lidade dos produtos comercializados no Sector, assim como efectuar as necessárias triagens; i) Garantir a devolução de artigos aos fornecedores nos prazos estipulados; j) Efectuar shopping na concorrência; k) Garantir a colocação de preços, assim como a descrição correcta nas respectivas

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etiquetas dos produtos pré-embalados na loja; l) Garantir a correcta afixação nos preçários do respectivo Sector; m) Formar e distribuir tarefas pelos funcionários do Sector; n) Ser um exemplo de credibilidade e postura idónea; o) Informar a Direcção da Loja das anomalias e não conformida-des inerentes ao normal funcionamento do Sector; p) Atender e zelar pela satisfação do consumidor (art. 44 da contestação);

- nos termos da mesma instrução, “em virtude da centralização da peixaria, a gestão de margens, compras, pvp’s e pessoal é da responsabilidade do Gerente de Departamento” (art. 45.º da con-testação);

- tendo o autor, na qualidade de chefe de Sector de Peixaria, “o período diário de 30 minutos que será das 15:00 horas às 15:30 horas sem excep-ção, para as consultas que julgue necessárias no gabinete do departamento Perecíveis, qualquer alteração a este período só poderá acontecer com autorização do Gerente de Departamento” (art. 46.º da contestação);

- pelo mesmo meio, foi o Autor advertido de que “as ausências do local de trabalho (área do sector Peixaria) que não sejam devidamente justificadas por motivo de serviço ou necessidade pessoal inadiável, serão consideradas injustificadas” e que “reportará directamente ao Gerente [do] De-partamento de Perecíveis, que será responsável pela sua formação” (art. 47.º da contestação);

- no dia 30.5.2002, o autor apresentou-se na loja, tendo-lhe sido solicitado que levantasse fardamen-to necessário ao desempenho das suas funções, pedido que o autor ignorou, não tendo inclusive se apresentado durante todo o dia no Sector de Peixaria (artigos 48.º, 49.º e 50.º da contestação);

- no dia 31.5.2002, o autor não compareceu na loja (art. 51.º da contestação);

- no dia 1.6.2002, o autor entrou na loja às 8h30, saiu para almoço às 14h15 e regressou às 15h45, tendo saído definitivamente da loja às 17h45 e, enquanto permaneceu na loja, o autor jamais se dirigiu ao Sector da Peixaria, tendo ocupado o seu tempo a passear pela loja e pelos escritórios, conversando com os restantes funcionários, nada fazendo que se relacionasse com as funções que lhe estavam atribuídas (artigos 52.º a 59.º, inclu-sive, da contestação);

- no dia 3.6.2002, o autor entrou no hipermercado às 8h20, mas não se dirigiu ao Sector da Peixaria, saindo da loja às 9h10, para tomar o pequeno-almoço, regressando às 9h43, sem ter picado o cartão de ponto quando saiu e quando regressou do pequeno-almoço (artigos 60.º a 64.º, inclusive, da contestação);

- nesse mesmo dia, o autor saiu da loja, para al-moçar, às 12h35, regressando às 14h30, tendo saído definitivamente às 17h39, e, enquanto se manteve na loja, jamais se dirigiu ao Sector da Peixaria, ocupando o tempo a passear pela loja, sem nada fazer (artigos 65.º a 68.º, inclusive, da contestação);

- contrariando ainda o que lhe fora determinado e sem que para tal tivesse solicitado e obtido a necessária autorização, o autor, também nesse dia, pelas 10h45, encontrava-se a andar pelos escritórios, sem que estivesse a fazer algo que se prendesse com o seu trabalho (art. 69.º da contestação);

- no dia 4.6.2002, o autor entrou na loja às 8h30, esteve ausente para almoço entre as 12h47 e as 13h58, saindo definitivamente às 17h40, sem que, em todo o dia, se dirigisse sequer ao Sector da Peixaria, e, mais uma vez, contrariando a instru-ção que lhe havia sido dada, pelas 14h50 e pelas 16h00, encontrava-se a andar pelos escritórios, sem que tivesse solicitado e obtido a necessária autorização e sem que estivesse a fazer algo que se prendesse com o seu trabalho (artigos 70.º e 71.º da contestação);

- no dia 5.6.2002, o autor entrou na loja às 8h44 e dela saiu definitivamente às 9h20, sem sequer se ter dirigido ao sector da peixaria, abandonando a loja sem apresentar qualquer justificação para a sua ausência no resto do dia (artigos 72.º, 73.º e 74.º da contestação);

- o autor faltou desde o dia 8 até ao dia 24.6.2002, sendo que os dias 9, 14, 16, 22, 23 e 24 corres-pondiam a dias de descanso semanal (folgas) e só no dia 12.6.2002 é que o autor telefonou para o hipermercado, informando estar de baixa, tendo comunicado à ré, por carta remetida, por correio azul, em 11.6.2002, que se encontrava na situa-ção de baixa desde 10 a 21.6.2002, tendo junto o correspondente “boletim de baixa” (artigos 75.º, 76.º e 77.º da contestação);

- no dia 25.6.2002, o autor esteve na loja entre as 8h24 e as 12h55 e entre as 14h02 e as 17h35, sem que, no entanto, tenha estado no Sector da Peixaria (art. 79.º da contestação);

- no dia 27.6.2002, o autor esteve na loja, chegando a dirigir-se ao balcão de atendimento do Sector da Peixaria, mas sem cuidar de qualquer tarefa relacionada com as suas funções, não envergando sequer o devido fardamento (art. 80.º da contes-tação);

- nesse mesmo dia, o autor esteve no Gabinete de Perecíveis, entre as 12h00 e as 12h30 e no Ga-binete do Bazar entre as 12h30 e as 12h38, sem que para tal tivesse solicitado e obtido a neces-

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sária autorização, contrariando uma vez mais a instrução da ré (art. 81.º da contestação);

- também no dia 27, a ré, através do Chefe de Re-cursos Humanos daquele hipermercado (Sr. NN), comunicou ao autor que havia sido elaborado um Plano de Formação ad hoc para Chefe de Sector de Peixaria, a ser ministrado pelo Gerente de Departamento e pelas trabalhadoras OO, II e PP (art. 82.º da contestação);

- o autor recusou peremptoriamente acatar aquele Plano, alegando que não tinha sido elaborado por pessoas com credibilidade para tal nem tinha carácter científico (art. 83.º da contestação);

- contudo, o Sr. FF, Gerente do Departamento de Perecíveis e superior hierárquico do autor, infor-mou-o de que a II iria iniciar a sua formação, pelo que deveria fardar-se, e informou as funcionárias que não tinham nada que o ensinar, porque as tarefas previstas no Plano não se destinavam ao Chefe de Sector e que, a partir daquele momento, não tinham que receber instruções de mais nin-guém a não ser dele próprio, chegando a frisar que “nem do Sr. FF recebem ordens. O Sr. FF, a partir de agora, se quiser alguma coisa do Sector tem forçosamente que se dirigir a mim. As deci-sões passaram a ser da minha responsabilidade” (artigos 84.º a 88.º da contestação).

Por sua vez, no que concerne à violação do dever de respeito, na contestação a ré alegou o seguinte:

- no dia 30.5.2002, pelas 10h00, o autor dirigiu-se ao seu antigo posto de trabalho e, não encon-trando lá a secretária que costumava utilizar, questionou onde estavam os seus bens pessoais (secretária, computador, material de escritório, documentos), bens esses que mais não eram do que os instrumentos de trabalho que lhe tinham sido proporcionados pela ré (artigos 89.º e 90.º da contestação);

- o autor foi, então, informado que aqueles bens se encontravam guardados no gabinete dos Re-cursos Humanos e, relativamente à secretária e ao computador, que, por escassez de espaço da-quele gabinete, se encontravam no sótão, tendo o sr. António Lopes Dias dito ao autor que, se quisesse, poderia confirmar, o que o autor, por sua iniciativa, não fez, referindo, antes que “isto para mim é um furto retirarem os meus perten-ces pessoais sem me avisarem” e, em seguida, chamou a P.S.P. (artigos 91.º, 92.º, 93.º e 94 da contestação);

- chegando à loja dois agentes da P.S.P., ouviram as queixas do autor e procederam à identificação da trabalhadora Maria Alexandra Anjinho, então responsável máxima pelo hipermercado (art. 96.º da contestação).

Por outro lado, em sede de direito e no que toca à justa causa, na contestação a ré alegou o seguinte:

- a ordem dada ao autor para exercer funções de Chefe de Sector na Peixaria era legítima, uma vez que a sua categoria profissional era a de Chefe de Sector, e que no quadro factual referido a sua recusa sistemática em assumir efectivamente as funções (e obrigações acessórias, como trajar o devido fardamento) de Chefe de Sector na Peixa-ria e em acatar o Plano de Formação desenhado pela sua entidade patronal, se afigurava ilegítima e violadora do dever de obediência que sobre si impedia e que decorria, além do mais, do precei-tuado no art. 20.º, n.º 1, al. c), da LCT, sendo essa violação patentemente culposa (como o demonstra a comparência na loja, sem assumir o respectivo posto) e grave (nomeadamente pela demonstração de falta de colaboração a que está obrigado, pela “orfandade” em que deixou o sector, pelo mau exemplo demonstrado com os seus subalternos e pela desarmonia introduzida na organização do hipermercado), sendo certo que a gravidade do seu comportamento se revela deveras acentuada porquanto, quando confrontado com a efectivação das suas funções, verberou tal recusa perante as suas subalternas, chegando ao ponto de subverter, por motu proprio, a ordem hierárquica estabeleci-da pela sua entidade patronal, arvorando-se em superior hierárquico máximo das trabalhadores do Sector de que não quer ser Chefe;

- lateralmente, a não picagem do cartão de ponto e as visitas não autorizadas do autor aos escritórios terão de ser valoradas no âmbito da recusa siste-mática do trabalhador em assumir efectivamente as suas funções e em bem se relacionar com a sua empregadora;

- em face do exposto, é evidente que a recusa do autor tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, pelo que o seu comportamento constitui justa causa de despedimento;

- acresce que, sendo ilegítima tal recusa, as situações acima descritas em que o autor esteve na loja sem assumir o seu posto, devem considerar-se como faltas ao serviço e, concretamente, deverá considerar-se que o autor faltou injustificadamen-te nos dia 30 de Maio, 1, 3, 4, 5, 25 (período da manhã), 26 e 27 de Junho de 2002, havendo que somar a estas faltas as dadas nos dia 31 de Maio e 5 (segunda parte do dia), 8, 10 e 11 de Junho de 2002, as quais também devem ser considera-das injustificadas por não ter sido observado o disposto no art. 25.º, n.º 2 do RJFFF e o disposto no art. 32.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril;

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- por último, parece evidente que a actuação do autor vertida no artigo 93 e seguintes da contes-tação, pela suspeita de honestidade manifestada e inclusive comunicada a agentes da autoridade – censurável, em última análise, pelo conheci-mento que o autor tinha de que aqueles bens pertenciam à sua entidade patronal, fazendo-os passar por seus, sendo subsumível ao tipo de crime previsto e punido pelos artigos 180.º a 183.º do Código Penal –, viola as mais básicas regras de respeito e sã convívio exigíveis ao autor na sua relação com os seus companheiros de trabalho e superiores hierárquicos, sendo inclusive ofensivo do bom-nome da sua enti-dade patronal, tendo o autor violado, por isso, o dever que decorre do art. 20., n.º 1, al. a), da LCT e desestabilizando o ambiente de trabalho que se pretende produtivo, sério e profissional, não sendo objectivamente exigível à entidade patronal que, em consequência desse compor-tamento, mantenha as mesmas expectativas quanto à verticalidade do trabalhador, pelo que também este comportamento, por si e analisado em conjunto com os demais factos, constitui justa causa de despedimento;

- o comportamento do autor revelou-se, pois, em cada uma das situações e na sua globalidade, objectivamente incompatível com a sua continui-dade ao serviço da ré.

Os factos supra referidos, alegados na contestação, correspondem aos que foram imputados ao autor na nota de culpa e na decisão de despedimento e foram todos levados à base instrutória (quesitos 91 a 140 inclusive). Todavia, nem todos eles foram dados como provados.

Como tal apenas foram considerados os seguin-tes:

- a Ré entregou ao Autor uma carta, cujo teor não foi possível determinar, na qual referia as funções do Chefe de Sector de Peixaria (facto 91);

- em 30 de Maio de 2002, o Autor apresentou-se na loja, tendo-lhe sido solicitado que levantasse o fardamento necessário ao desempenho das suas funções (facto 92);

- pedido que o Autor ignorou (facto 93);- durante todo o dia, o Autor não se apresentou na

Secção de Peixaria (facto 94);- em 31 de Maio de 2002, o Autor não compareceu

na loja (facto 95);- o chefe de segurança da Ristecna, nas instalações

da Ré, sitas em Telheiras, elaborou o Relatório Diário relativo ao dia 1 de Junho de 2002, que consta de fls.90 do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido. A elabora-ção desse relatório foi previamente ordenada pelo

Director de loja da Ré, sendo certo que o relatório constitui um resumo de informações obtidas pela globalidade dos cerca de 6/7 elementos da Ristec-na que ali prestavam serviço (facto 96);

- no dia 3 de Junho de 2002, o autor entrou no hiper-mercado pelas 8h20 e saiu às 17h39 (facto 103);

- no dia 5 de Junho de 2002, o autor entrou na loja pelas 8h44 e saiu definitivamente pelas 9h20 (facto 117);

- o autor faltou ao serviço nos dias 8, 10, 11, 12, 13, 15, 17, 18, 19, 20 e 21 de Junho de 2002 (facto 112);

- por carta remetida, por correio azul, em 11 de Junho de 2002, o Autor comunicou à Ré que se encontrava na situação de baixa de 10 a 21 de Junho de 2002, tendo junto o “boletim de baixa” (facto 122);

- em 25 de Junho de 2002, o Autor esteve na loja entre as 8h30 e as 12h03 (facto 123);

- em 26 de Junho de 2002, o Autor esteve na loja das 8h24 às 12h55 e das 14h02 às 17h35 (facto 124);

- em 27 de Junho de 2002, o Autor esteve na loja, chegando a dirigir-se ao balcão de atendimento do sector de peixaria, onde esteve algum tempo a tomar notas (facto 125);

- não tendo envergado o seu fardamento (facto 126);

- em 27 de Junho de 2002, o Autor recusou acatar o plano referido no n.º 35 (facto 129);

- enquanto foi Chefe do Sector de peixaria, o Autor nunca se fardou (facto 131);

- durante o período em que foi Chefe do Sector de peixaria, o Autor fez perguntas às trabalhadoras do sector e tomou notas do que lhe diziam (facto 132).

Ora, compulsados estes factos e todos os demais que foram dados como provados, verifica-se que a recusa do autor em assumir as funções efectivas de Chefe de Sector da Peixaria não consta de nenhum deles. E, perante isso, o que se poderia questionar era se os factos provados não permitiam concluir, ao abrigo do disposto no art. 351.º do Código Civil, pela existência da referida recusa.

Todavia, em sede do recurso de revista os poderes do Supremo, no que toca à matéria de facto, res-tringem-se às situações previstas nos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, do CPC, os quais não abrangem a faculdade do Supremo alterar ou fixar os factos materiais com base em presunções judiciais. Só as instâncias é que podem, lançando mão das regras da experiência e da lógica, extrair ilações de natu-reza factual, a partir dos factos que expressamente tenham sido dados como provados, desde que tais ilações se mostrem efectivamente de acordo com as ditas regras.

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No caso em apreço, as instâncias não extraíram qualquer ilação no sentido de que o autor se tinha efectivamente recusado a assumir as funções que lhe tinham sido atribuídas de Chefe de Sector da peixaria. Pelo contrário, a Relação extraiu claramente uma ilação de sentido contrário, ao afirmar que “[a] nosso ver, o que o Autor verdadeiramente recusou foi a tarefa de amanhar peixe, para a qual tinha de vestir a farda própria, por entender que essa actividade não é inerente às suas funções de chefe de sector”.

Deste modo, não estando provada a recusa do autor em assumir as funções de Chefe de Sector de Peixaria, improcedente se mostra o primeiro dos fundamentos invocados pela ré para justificar o despedimento.

Porém, o mesmo não acontece relativamente ao segundo dos fundamentos da justa causa: a recusa do autor em acatar o Plano de Formação que se encontra junto a fls. 111 do processo disciplinar (facto 129).

Como do mesmo se constata, aquele Plano tinha como destinatário único o autor e tinha como objectivo a prepará-lo para o exercício cabal das novas funções de que tinha sido incumbido, que eram, como já se disse, as de Chefe de Sector de Peixaria.

A recusa do autor em se sujeitar à acção de forma-ção delineada naquele Plano de Formação consubs-tancia um caso de desobediência ilegítima.

Na verdade, estando a entidade patronal obriga-da a “proporcionar aos seus trabalhadores meios de formação e aperfeiçoamento profissional” (art. 42.º, n.º 1, da LCT – regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24/11/69, vigente á data dos factos em apreço nos autos) e a contribuir para a elevação do nível de pro-dutividade dos seus trabalhadores (art. 19.º, al. d), da LCT), é óbvio que a organização de acções de formação ainda se insere no poder directivo do empregador, daí decorrendo a obrigatoriedade da sua frequência para os trabalhadores a que as mesmas são destinadas, constituindo a recusa de tal frequência uma violação do dever de obediência previsto no art. 19.º, n.º 1, alínea c), da LCT.

E, embora não caiba ao tribunal sindicar a neces-sidade das acções de formação desencadeadas pelo empregador, por tal contender com os poderes de gestão da empresa, a verdade é que, no caso em apre-ço, a acção de formação que o autor teria de cumprir se mostra plenamente justificada, inclusive o seu item n.º 9 (“Amanhar o pescado”), pois, como ficou provado, o autor nunca lidara com peixe” (facto 30) e, como chefe de sector de peixaria, devia aprender a amanhar o peixe, sobretudo numa primeira fase (facto 31).

Não subscrevemos, por isso, a posição assumida pela Relação de que o que o autor verdadeiramente recusou foi a tarefa de amanhar o peixe e de que essa

recusa tinha sido legítima, uma vez que vestir a farda e amanhar peixe tinham sido, realmente, as únicas tarefas que lhe tinham sido atribuídas, desde que fora nomeado Chefe de Sector da peixaria, sendo que, embora um chefe de secção deva ter conhecimento de tudo o que se passa na secção que dirige, não era necessário, para saber como se amanha o peixe, ter ele próprio que realizar essa tarefa, acrescendo que, não lhe tendo sido marcado o tempo durante o qual teria de a executar, poderia o autor ter de estar a realizar por tempo indeterminado uma tarefa que é própria da categoria de “operador”, o que não podia deixar de ser considerado como vexatório e humi-lhante para o autor.

Como é fácil de ver, a argumentação da Relação assentou em meras suposições e não levou na devida conta os factos referidos nos n.os 34, 35/128 e 129 da matéria de facto, pois, como estes factos atestam, o autor não se recusou apenas a vestir o fardamento e a amanhar o peixe. A sua desobediência foi bem mais substancial: como provado está, o autor recusou-se a acatar o próprio Plano de Formação que, no dia 27 de Junho de 2002, lhe foi entregue.

Provou-se, é certo, que a formação seria dada pelo gerente do departamento, por OO e por II e PP e que estas duas últimas eram funcionárias da peixaria (factos 34 e 36/130). E mais se provou que, quando o Chefe de Departamento de Perecíveis disse ao autor para se ir fardar, este respondeu que não tinha que se fardar porque era chefe de sector e que não fazia sentido receber instruções de subalternos (factos n.os 37/130 e 38/131).

Todavia, o facto de dois dos formadores serem subordinados do autor não constituía motivo válido para este recusar o plano de formação. A escolha dos formadores cabe, naturalmente, nas competências do empregador e não existe disposição legal a impor-lhe restrições nessa matéria.

Por outro lado, receber formação dos subordina-dos nada tinha de humilhante para o autor, uma vez que este nunca tinha lidado com peixe, sendo de supor que os trabalhadores da peixaria seriam, naturalmente, os mais bem preparados para o elu-cidarem acerca dos procedimentos relacionados com a recepção dos produtos, com o acondicionamento do peixe, com a apresentação dos produtos (frescura e exposição), com o atendimento ao público, com o amanhar do pescado e com a sua retirada de ven-da, por falta de qualidade, que, segundo o Plano de Formação em causa, eram os itens que estavam a cargo das trabalhadoras II.

No contexto referido, a desobediência do autor as-sumiu, em si mesma e nas suas consequências, uma gravidade muito acentuada, desde logo pelo facto de o autor exercer funções de chefia. E constitui, só

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por si, justa causa de despedimento (3), por não ser razoável exigir à ré a manutenção da relação laboral, não só pela gravidade do acto de indisciplina come-tido pelo autor e pelas consequências que do mesmo poderiam resultar no seio da empresa, mas também porque, destinando-se a acção de formação a preparar o autor para o desempenho das novas funções que lhe tinham sido atribuídas, não se vislumbra como é que a manutenção da relação laboral poderia subsistir perante aquela recusa, uma vez que a subsistência do vínculo laboral, naquelas circunstâncias, implicaria que o autor passasse a exercer as funções para que foi designado sem estar devidamente preparado para tal, o que se traduziria numa situação verdadeira-mente insustentável para um qualquer empregador normal e razoável.

E, sendo assim, não podemos deixar de concluir pela licitude do despedimento e pela procedência do recurso, nesta parte, o que dispensa, por desneces-sário, a apreciação dos outros dois fundamentos da justa causa invocada pela ré (as faltas ao serviço e a violação do dever de respeito e lealdade).

5. Da indemnização por danosnão patrimoniais

Na petição inicial, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de J 50.000, a título de danos não patrimoniais, por violação do dever de ocupação efectiva e, nesse sentido, alegou que, desde Abril de 2001 até praticamente à data do despedimento, a ré o tinha mantido sem quaisquer funções, absolutamente desocupado, o que lhe causou sérios danos de ordem moral, traduzidos no vexame e nas humilhações por que diariamente passava, de costas direitas a pedinchar um trabalho, sob o olhar irónico e trocista dos verdugos, sujeito aos comentá-rios compungidos dos colegas, fazendo-o descrer de si e das suas capacidades, com desaparecimento da auto-estima, o que se traduziu em desgosto, vexame e sofrimento moral que o obrigou a tratamento psico-lógico (artigos 247.º a 257.º, inclusive, da p.i.).

Os factos referidos foram levados à base instru-tória (quesitos 74 a 77, inclusive), mas apenas foi dado como provado que, desde Abril de 2001 até à data do seu despedimento, o autor esteve amiúde desocupado e que tal situação o desgostou (factos 74 e 75/76). Não se provou que ele tivesse sofrido vexame nem tratamento psicológico (respostas negativas aos quesitos 76 e 77).

Na 1.ª instância, entendeu-se que o regime jurí-dico laboral impunha ao empregador um verdadeiro dever de ocupação efectiva dos trabalhadores ao seu serviço e considerou-se que os danos não patrimoniais decorrentes da violação desse dever conferiam ao trabalhador o direito a indemnização. E, com base

nos factos provados, o M.mo Juiz deu por verificada a violação desse dever, no que diz respeito à pessoa do autor, e considerou que o desgosto por este sofrido em consequência daquela violação tinha assumido “relevo negativo mais do que suficiente para permitir o respectivo ressarcimento” e, por via disso, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de J 7.500, a título de indemnização pelo referido dano.

Na apelação, a ré impugnou as respostas dadas aos quesitos 74.º e 75.º que se prendiam com a violação do dever de ocupação efectiva e com o dano sofrido e, sem prescindir, sustentou “que o simples desgosto (s.m. desagrado) não espelha dor ou sofrimento psíquico suficientemente grave a merecer a tutela do Direito, já que, como se sabe, tem sido entendimento uniforme que os simples incómodos ou contrariedades não jus-tificam a indemnização por danos não patrimoniais” e, ainda sem prescindir, alegou que o montante da indemnização se afigurava desajustado face à não demonstrada gravidade do alegado dano, pelo que o quantum indemnizatório sempre deveria ser fixado em montante inferior.

A Relação não alterou as respostas dadas aos mencionados quesitos e confirmou a decisão da 1.ª instância na parte referente à indemnização por danos não patrimoniais, limitando-se a dizer que nada havia a objectar à fundamentação da sentença da 1.ª instância e que o montante fixado se afigurava “razoável atendendo à relevância dos danos sofridos pelo autor em resultado da situação de inactividade e de despromoção a que foi votado durante longos períodos, a partir de Abril de 2001”.

No recurso de revista, tal como já havia sucedido no recurso de apelação, a ré não impugnou a deci-são no que toca à existência e violação do dever de ocupação efectiva nem a ressarcibilidade dos danos morais dessa violação pode causar. Limitou-se a re-petir o que havia alegado na apelação relativamente à gravidade do dano e à sua tutela jurídica do mesmo e ao montante indemnizatório.

Deste modo, a questão a apreciar na revista cin-ge-se à ressarcibilidade do dano e ao montante da indemnização que foi arbitrada ao autor.

E, tendo presente o disposto no art. 496.º, n.º 1, do C.C., nos termos do qual os danos não patrimoniais só são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, temos de convir que o dano sofrido pelo autor não é merecedor de tal reparação.

Com efeito, recorde-se, apenas se provou que, entre Abril de 2001 e a data do despedimento, o autor esteve amiúde desocupado e que tal situação o desgostou. Não se provou se o desgosto foi grande ou pequeno, o que vale por dizer que não há elementos para aferir da real gravidade do dano, sendo que ao

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autor incumbia fazer essa prova, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do C.C.

Desconhecendo-se a gravidade do dano, temos de convir que o desgosto, só por si, não é merecedor de tutela do direito, pois, na falta de qualquer adjecti-vação, mais não será do que mero aborrecimento, contrariedade, descontentamento, dissabor, mágoa (vide “Dicionário de Sinónimos”, Porto Editora, 2.ª edição).

Procede, pois, o recurso da ré, nesta parte.

6. Do subsídio pelo trabalhoprestado ao domingo

Na petição inicial, o autor alegou que trabalhava aos domingos e que a ré nunca lhe pagou o subsídio previsto na cláusula 18.ª, n.º 1, do CCT aplicável e pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe, a esse título, a quantia de J 7.473,94.

A cláusula 18.ª do CCT/94 tem por título “Subsídio de domingo”, e no seu n.º 1 estabelecia o seguinte:

“Os trabalhadores cujo período normal de trabalho inclui a prestação ao domingo terão direito, por cada domingo de trabalho, a um subsídio corres-pondente a um dia de trabalho, calculado segundo a fórmula seguinte (…)”.

A cláusula 18.ª do CCT/2000 tem a mesma redac-ção.

Como da referida cláusula decorre, os outorgan-tes dos referidos instrumentos de regulamentação colectiva convencionaram atribuir um acréscimo remuneratório pelo trabalho prestado ao domingos aos trabalhadores cujo período normal de trabalho inclua o domingo.

A cláusula não se aplica, pois, ao trabalho prestado ao domingo quando este não faça parte do período normal de trabalho do trabalhador, ou seja, quando o domingo seja dia de descanso semanal.

O CCT não prevê a remuneração a pagar ao traba-lhador pelo trabalho por este prestado ao domingo, quando o domingo não faça parte do seu período normal de trabalho, mas isso não significa que tal trabalho não deva ser remunerado com acréscimo. Apenas significa que os outorgantes do CCT não quiseram estabelecer um regime de remuneração diferente do que já constava da lei geral para o trabalho prestado em dias de descanso semanal, nos termos do qual o trabalho prestado em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, é considerado trabalho suplementar e é remunerado com o acréscimo mínimo de 100% da retribuição normal (artigos 2.º, n.º 1, e 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2/12).

A utilidade e vantagem da cláusula 18.ª reside pre-cisamente no facto de ela atribuir aos trabalhadores um subsídio remuneratório pelo trabalho prestado ao

domingo, quando este integra o seu período normal de trabalhado, já que, segundo o regime geral, essa prestação de trabalho não lhe daria o direito a qual-quer suplemento remuneratório, exactamente por se tratar de um dia normal de trabalho.

E a mencionada cláusula prende-se com o disposto na cláusula 10.ª dos referidos CCT’s que, regulando o descanso semanal, expressamente prevê que a organização de horários de trabalho com prestação de trabalho aos domingos, quando a laboração da empresa decorra em todos os sete dias da semana.

Com interesse para esta questão, em sede da maté-ria de facto provou-se que a ré se dedica à actividade de super e hipermercados (al. G) dos factos), que os estabelecimentos da ré apenas encerram nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio e 25 de Dezembro de cada ano (facto 146) e que o autor trabalhava aos domingos (al. T) dos factos).

Na sentença decidiu-se que o autor tinha direito ao reclamado subsídio, nos termos da cláusula 18.ª, mas relegou-se para liquidação posterior à sentença o montante dos subsídios que, a esse título, eram devidos ao autor, por não estar provado o número de domingos em que ele trabalhou nem os moldes exactos em que esse trabalho foi prestado.

No recurso de apelação, a ré não pôs em causa a prestação de trabalho ao domingo por parte do autor. Limitou-se a alegar que, nos termos da cláusula refe-rida, o reconhecimento do direito do autor ao subsídio em causa implicava que se desse como provado que o domingo fazia parte do período normal de trabalho do autor.

A Relação julgou improcedente o recurso, nessa parte, com o fundamento de que os domingos faziam parte do horário normal de trabalho do autor, “como resulta exemplificativamente dos mapas de horário de trabalho juntos a fls. 181, e 236 a 247”.

No recurso de revista, a ré reage contra a decisão da Relação, limitando-se, todavia, a repetir o argu-mento que produzira na apelação e a alegar que, ao contrário do que vem afirmado pela Relação, não estava provado que o domingo fazia parte do período normal de trabalho do autor.

Como se constata do que foi dito, a Relação extraiu uma ilação de facto, a partir dos mapas de horário de trabalho juntos aos autos, que consistiu em dar como assente que os domingos faziam parte do período normal de trabalho do autor.

A ré não impugnou a referida ilação, pois não vale como tal a sua alegação de que não estava provado que o domingo fazia parte do período normal de tra-balho do autor.

Deste modo, temos de considerar como assente que o domingo fazia parte do horário de trabalho do autor, o que lhe confere o direito ao subsídio previsto

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no n.º 1 da cláusula 18.ª dos CCT’s aplicáveis, uma vez que, constituindo o pagamento um facto extintivo do direito invocado pelo autor, à ré competia alegar e provar que tinha pago o subsídio em causa (art. 342.º, n.º 2, do C.C.).

De qualquer modo, ainda que se entendesse que não estava provado que o domingo fazia parte do período normal de trabalho do autor, a verdade é que o autor sempre teria direito a retribuição especial pelo trabalho prestado aos domingos, ao abrigo da cláusula 18.º ou do art. 7.º, n.º 2, do DL n.º 421/89.

Improcede, pois, o recurso, nesta parte.

Recurso do autorAs questões colocadas pelo recorrente/autor são

as seguintes:- Saber se lhe assiste o direito ao subsídio por

isenção de horário de trabalho;- Saber se a indemnização por danos não patri-

moniais deve ser fixada em montante superior àquele que lhe foi arbitrado;

- Saber se o autor tem direito a retribuição acres-cida pelo trabalho prestado em dias feriados e à retribuição pela não concessão dos descansos compensatórios pelo trabalho prestado em dias feriados e em dias de descanso obrigatório e complementar.

1. Do subsídio por isenção do horário de trabalhoNa petição inicial, o autor alegou que trabalhou

sempre em regime de isenção de horário de trabalho, desde a data de admissão até 21.2.2001, e que, nos termos do n.º 2 da cláusula 14.ª do CCT aplicável, tinha direito a um subsídio igual a 25% da retribui-ção base mensal que a ré jamais lhe pagou, e pediu que esta fosse condenada a pagar-lhe, a esse título, a importância de J 28.933,10.

Em sede da matéria de facto, apenas se deu como provado que “até Fevereiro de 2001, o Autor não ti-nha horário de trabalho, não estando sujeito a picar o ponto” (resposta ao quesito 5.º que corresponde o n.º 5 dos factos supra).

Na 1.ª instância, a pretensão do autor foi julgada procedente e a ré foi condenada a pagar-lhe a quantia de J 28.933,10, com o fundamento de que, na prática, o autor tinha trabalhado em regime de isenção de horário de trabalho, apesar de, entre as partes, não ter havido um acordo formal nesse sentido e de não estar provada a verificação dos requisitos referidos no art. 13.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/9, nem a obtenção da autorização administrativa, dado que o M.mo Juiz, na esteira do entendimento seguido por Menezes Cordeiro (Isenção de Horário de Trabalho, Subsídios para a Dogmática Actual do Direito da

Duração do Trabalho, Almedina, p. 95) considerou que falta da referida autorização não inquinava ma-terialmente a isenção.

Todavia, na 2.ª instância, o entendimento foi di-ferente.

Na verdade, sob impulso recursório da ré, a Re-lação – seguindo a orientação que tem vindo a ser perfilhada por este Supremo Tribunal e citando os acórdãos de 9.1.2008 e de 13.9.2006 (disponíveis da base de dados do ITIJ) e de 19.12.2002 (proc. 2078/02), de 22.1.2003 (proc. 2908/02), de 18.6.2003 (proc. 2767/02), de 30.6.2004 (proc. 1006/04), de 8.2.2006 (proc. 3494/05) e de 14.11.2007 (proc, 2448/07), todos da 4.ª Secção – considerou que, no âmbito do regime jurídico da duração do trabalho, aprovado pelo DL 409/71, de 27/9, “a prestação de actividade profissio-nal em regime de isenção de horário de trabalho só era legalmente admissível se, para além do interesse manifestado pelo empregador e pelo trabalhador, houvesse autorização prévia por parte da Inspecção-Geral do Trabalho, autorização [essa] que se configu-rava como uma formalidade ad substantiam para a validade e eficácia daquele regime de isenção”, e veio a decidir que, não tendo havido tal autorização, não podia ter-se por válido e eficaz o regime de isenção de horário de trabalho, não existindo, por isso, fun-damento para a condenação da ré no pagamento do respectivo subsídio, revogando, consequentemente, nessa parte, a decisão da 1.ª instância.

No recurso de revista, o autor insurge-se contra a decisão da Relação, alegando, em resumo, o se-guinte:

- a ré apresentou na Inspecção-Geral do Trabalho um pedido de isenção de horário de trabalho para o autor;

- é certo que esse pedido, como se vê da mesma certidão, “não foi oportunamente despachado por falta de recursos humanos”, mas pelo menos existe e tem de ter algum significado;

- acresce que da matéria de facto resulta que o autor estava em condições de beneficiar da refe-rida isenção e que, na prática, trabalhou nesse regime, desde a data da admissão até 21.2.2001, sem receber a respectiva contrapartida;

- a simples isenção de facto dá direito ao subsídio respectivo, como diz Monteiro Fernandes, in “Isenção de Horário de Trabalho”, p. 95;

- o n.º 2 da cláusula 14.ª do CCT limita-se a dizer que a isenção será sempre da iniciativa da enti-dade patronal, sem fazer referência à exigência de quaisquer outras formalidades;

- ainda que se entendesse que a autorização do IDICT constituía uma formalidade ad substan-tiam, no caso em apreço essa formalidade deverá ter-se por preenchida por deferimento tácito, nos

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termos dos n.os 5 a 7 do art. 10.º, ex vi art. 13.º, n.º 3, do DL n.º 409/71.

Nos termos do n.º 1 do art. 13.º do DL n.º 409/71, “[p]odem ser isentos de horário de trabalho, mediante requerimento das entidades empregadoras, os traba-lhadores que se encontrem nas seguintes situações: a) Exercício de cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização; b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que pela sua natureza só possam ser efectuados fora dos limites dos horários normais de trabalho; c) Exercício regular da actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hie-rarquia.”

E nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “[o]s re-querimentos de isenção de horário de trabalho, diri-gidos ao INTP, serão acompanhados da declaração de concordância dos trabalhadores, bem como dos documentos que sejam necessários para comprovar os factos alegados”.

Por sua vez, o n.º 3 do mencionado artigo estabe-lece que, “[a]os requerimentos referidos no número anterior é aplicável o disposto nos n.os 5 a 7 do artigo 10.º”.

Finalmente, os n.os 5, 6 e 7 do art. 10.º estipulam, respectivamente, que “[o] pedido de redução ou dispensa de intervalo de descanso considera-se taci-tamente deferido se a Inspecção-Geral do Trabalho não proferir decisão final, dentro do prazo de 15 dias a contar da apresentação do requerimento”, que “[o] prazo referido no número anterior suspende-se se a Inspecção-Geral do Trabalho solicitar a prestação de informações ou a apresentação de documentos e recomeça logo que as informações ou os documentos forem entregues” e que “[o] período do prazo posterior-mente à entrega das informações ou dos documentos não pode ser inferior a cinco dias”.

Como decorre da conjugação dos normativos re-feridos, a isenção do horário de trabalho tem de ser requerida pela entidade empregadora à Inspecção-Geral do Trabalho e carece da autorização desta entidade. Sem essa autorização, expressa ou tácita, não existe isenção de horário de trabalho. Poderá existir uma situação de facto que corresponda ao regime legal de isenção de horário de trabalho, mas esta situação não pode beneficiar do regime jurídico que é próprio da isenção de horário de trabalho le-galmente constituída, exactamente por não ser uma situação conforme ao direito.

Este tem sido o entendimento que, desde há anos, vem sendo perfilhado por este Supremo Tri-bunal (vide acórdãos de 22.1.2003, proc. 2908/02, de 18.6.2003, proc. 2767/02, de 30.6.2004, proc. 1006/04, de 8.2.2006, proc. 3494/05, de 13.9.2006, proc. 1068/06, e de 9.1.2008, proc. 2906/07, todos da 4.ª Secção), e que não há razões para alterar.

No caso em apreço, da matéria de facto não cons-ta que a ré tenha requerido a isenção de horário de trabalho para o autor e também não consta que a Inspecção-Geral de Trabalho tenha concedido a res-pectiva autorização.

Segundo o autor, o pedido de isenção foi solicitado e o mesmo deve considerar-se tacitamente deferido, conforme consta de certidão junta aos autos.

Na sua alegação, o autor não identifica a referida certidão e depreende-se que será o documento que por ele foi junto a fls. 280 dos autos e que supra já foi referido no ponto “3.1.1 Da anulação da sentença”.

O documento em questão é mera fotocópia de uma certidão que foi emitida em 12 de Junho de 2001, por SS, TT, Chefe da Repartição Técnica da Delegação de Lisboa do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, e nele se certifica, a pe-dido de AA, que a F... N... – H..., Sociedade Anónima, apresentou nesta Repartição, em dezassete de Março de mil novecentos e noventa e sete, um pedido de isenção para o trabalhador acima referido” e que, “[o] referido pedido não foi oportunamente despachado, por falta de recursos humanos”.

Com base no dito documento, o que o autor real-mente pretende é que se considere provado que o pedido de isenção de horário foi requerido e que o mesmo foi tacitamente deferido.

O documento em questão não foi impugnado pela ré e esta não requereu a apresentação do respectivo original. Por outro lado, trata-se de um documento autêntico, por ser de presumir que provém do oficial público a quem é atribuído, sendo que este é compe-tente, em razão da matéria, para o exarar (artigos 369.º, n.º 1 e 370.º, n.º 1, do C.C.) e faz prova plena dos factos que nele são referidos (artigos 368.º e 371, n.º 1, do C.C.).

Poderia, pois, dizer-se, à primeira vista, que o Supremo podia dar, agora, como provado o pedido de isenção de horário de trabalho e o deferimento tácito do mesmo. Todavia, para que tal sucedesse era indispensável que os factos em questão tivessem sido alegados pelas partes, até ao encerramento da discussão da causa, o que manifestamente não aconteceu (vide artigos 264.º, n.º 2, 663.º, n.º 1, e 664.º do CPC).

Deste modo, não estando provado que o autor tivesse sido autorizado pela Inspecção-Geral do Trabalho a prestar a sua actividade à ré em regime de isenção de horário de trabalho, não lhe pode ser reconhecido o direito ao acréscimo remuneratório previsto no n.º 2 da cláusula 14.ª do CCT aplicável, ainda que, até Fevereiro de 2001, ele tivesse traba-lhado, de facto, sem sujeição a horário de trabalho, o que determina a improcedência da revista, nesta parte.

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2. Do montante da indemnização por danos não patrimoniais

O conhecimento desta questão ficou prejudicado, uma vez que em sede do recurso da ré foi decidido que o autor não tinha direito a indemnização por danos não patrimoniais.

3. Da retribuição pelo trabalho prestado em dias feriados e pela não concessão dos descansos compensatórios pelo trabalho prestado em dias feriados e em dias de descanso obrigatório e complementar

Na petição inicial, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe J 5.405 a título de trabalho prestado em dias feriados, J 649,26 a título de descan-so compensatório e J 6.522,67 a título de remuneração pelo trabalho prestado em dia de descanso comple-mentar e dia de descanso obrigatório, J 406,66 a título de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dias de descanso complementar e J 1.630,68 a título de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dia de descanso obrigatório.

E nesse sentido, limitou-se a alegar que, de acor-do com o disposto no n.º 1 da cláusula 10.ª do CCT aplicável, tinha direito, em cada semana, a um dia de descanso obrigatório e a um dia de descanso complementar (art. 267.º da p.i.); que trabalhava aos domingos e que a ré nunca lhe pagou o subsídio previsto o n.º 1 da cláusula 18.º do CCT (art. 268.º da p.i.); que trabalhou sempre em todos os dias feriados do ano, excepto nos dia 1 de Janeiro, 1 de Maio e 25 de Dezembro (art. 269.º da p.i.); que a ré não lhe pagou o acréscimo previsto na cláusula 12.ª do CCT (art. 270.º da p.i.) e que não lhe concedeu o correspondente descanso compensatório (art. 271.º da p.i.).

Na contestação, a ré alegou que era uma empresa de laboração contínua e que, por essa razão, o trabalho prestado aos feriados e domingos não podia ser consi-derado trabalho suplementar, além de que o autor se tinha comprometido a trabalhar em qualquer dia da semana. Deste modo, os feriados faziam parte do seu período normal de trabalho, não dando por isso, direito a remuneração nem a descanso compensatório.

Com interesse para os pedidos em causa, em sede da matéria de facto apenas se provou que “[o]s estabeleci-mentos da Ré apenas encerram nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio e 25 de Dezembro de cada ano” e que “[o] Autor trabalhou em dias feriados” (facto 146).

Com base naqueles factos e ainda nos factos refe-ridos nas alíneas A), G) e L) dos factos provados (“O Autor trabalhou por conta, sob a autoridade e direc-ção da Ré desde 15-11-1994 na loja de Telheiras”; “A Ré dedica-se à actividade de super e hipermercados”), a 1.ª instância começou por considerar como facto notório (art. 514.º do CPC) que a loja onde o autor

trabalhava se situava na cidade de Lisboa e que esta cidade tinha mais de 30.000 habitantes.

Depois, com base no facto da loja em questão ter um Director (alínea L) dos factos provados (“A loja de Telheiras compreende: 1 Director de Loja, 3 Gerentes de Departamento e 13 Chefes de Sector”) e com base no CCT aplicável (BTE, n.º 33/2000), o M.mo Juiz concluiu que a loja tinha uma área superior a 2.500 m2 e, de seguida, inferiu, nos termos do art. 351.º do C.C., que a loja constituía uma grande superfície comercial contínua (art. 2.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 254/92, de 20/11, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 83/95, de 26/4), para efeitos do disposto nos n.os 1 e 6 do art. 1.º do DL n.º 48/96, de 25/5 e do n.º 1 da Portaria n.º 153/96, de 15/5, estando, dessa forma autorizada a estar aberta entre as 6 e as 24 horas, todos os dias da semana, excepto entre os meses de Janeiro a Outubro, aos domingos e feriados em que só podia abrir entre as 8 e as 13 horas.

E, finalmente, o M.mo Juiz acabou por decidir que os feriados e os domingos eram dias normais de trabalho para o autor, uma vez que a ré estava legal-mente autorizada a laborar todos os dias da semana, e que, por isso, o trabalho prestado nesses dias não podia ser considerado como trabalho suplementar e não conferia direito a descanso compensatório, não tendo o autor direito, por esse motivo, às importân-cias reclamadas a esses títulos, o mesmo acontecendo relativamente aos pedidos formulados com base na alegada não concessão do descanso complementar, por não estar provado que a ré não tivesse concedido ao autor o gozo desses dias de descanso.

No recurso de apelação, o autor não pôs em causa as ilações de facto que na sentença foram extraídas pelo M.mo Juiz. Limitou-se a alegar que o trabalho prestado em dias feriados deve ser considerado traba-lho suplementar e que, como tal, deve ser remunerado com o acréscimo de 100%, nos termos do n.º 2 do art. 7.º do DL n.º 421/83, sendo irrelevante o facto da ré estar autorizada a laborar em dias feriados, pois tal facto não a isenta de pagar a retribuição adicional, e a alegar que aquele trabalho lhe conferia o direito a um descanso compensatório remunerado, nos do art. 9.º, n.º 1, do citado DL.

A Relação manteve a decisão da 1.ª instância, por mera adesão aos fundamentos nela produzidos.

Na revista, o autor limitou-se a reproduzir a argu-mentação utilizada na apelação.

Vejamos se lhe assiste razão.A cláusula 10.ª dos CCT’s aplicáveis estabelece

no seu n.º 1, que “[o]s trabalhadores abrangidos pelo presente contrato têm direito, em cada semana, a um dia de descanso complementar e um dia de descanso obrigatório (…)”.

Por sua vez, o D.L. n.º 421/83, no seu art. 7.º, n.º

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2, estipula que “[o] trabalho prestado em dia de des-canso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado será remunerado com o acréscimo mínimo de 100% da retribuição normal”.

E nos n.os 1, 2, 3 do seu art. 9.º determina que, “[n]as empresas com mais de 10 trabalhadores, a prestação de trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em dia feriado confere aos trabalhadores o direito a um dia de des-canso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar realizado” (n.º 1), que “[o] descanso compensatório vence-se quando perfizer um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos noventas dias seguintes” (n.º 2), e que, “[n]os casos de prestação de trabalho suplementar em dia de descanso semanal obrigatório, o trabalhador terá direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes” (n.º 3).

Ora, no que toca à prestação de trabalho em dias de descanso obrigatório e em dias de descanso comple-mentar, nada se provou em sede da matéria de facto. Provou-se, é certo, que o autor trabalhava aos domingos, mas, como já foi dito, o domingo inseria-se no período normal de trabalho do autor, não podendo, por isso, ser considerado como dia de descanso semanal.

Nos termos do art. 342.º, n.º 1, do C.C., competia ao autor alegar e provar que tinha trabalhado em dias de descanso obrigatório e em dias de descanso complementar, por se tratar de factos constitutivos do direito às importâncias que reclamou com esse fundamento, seja as devidas pelo trabalho prestado nesses dias de descanso semanal, seja as devidas pelo descanso compensatório a que, por via desse trabalho, teria direito.

Não estando provados esses factos, é óbvio que o correspondente pedido do autor teria de improceder.

No que toca ao trabalho prestado em dias feriados, a questão já é diferente.

Com efeito, não subscrevemos a tese perfilhada na sentença e, por adesão, no acórdão da Relação, segundo a qual o trabalho aos feriados não seria de considerar trabalho suplementar, uma vez que a ré estava dispensada de encerrar aos feriados.

Um tal entendimento não tem o menor apoio na letra da lei, uma vez que esta considera o trabalho prestado em dias feriados como trabalho suplemen-tar, sem fazer qualquer distinção entre as empresas que estão autorizadas a laborar aos feriados e as que não estão (art. 7.º, n.º 2, do DL n.º 421/83). Não pode, por isso, um tal entendimento ser considerado pelo intérprete (art. 9.º, n.º 2, do C.C.).

Como se disse no acórdão de 2.2.2006, proferido no proc. 3225/05, e depois se reafirmou no acórdão de 8.3.2006, proferido no proc. 3486/05, ambos da

4.ª Secção deste Supremo Tribunal, “[o] estabeleci-mento de um regime específico de funcionamento de certos estabelecimentos comerciais, por conveniência relacionada com a satisfação das necessidades de abastecimento dos consumidores e os interesses dos agentes económicos, não pode implicar a derrogação dos direitos e garantias sociais dos trabalhadores”.

De qualquer modo, ainda que se perfilhasse o entendimento seguido nas instâncias, a verdade é que o trabalho prestado aos feriados sempre devia ser pago ao autor com o acréscimo de 100%, sobre a remuneração base, por força da cláusula 16.º, n.º 2, dos CCT’s aplicáveis, pois nessa cláusula se prevê tal pagamento, sem qualquer ressalva relativamente às empresas dispensadas de encerrar aos feriados.

Procede, pois, o recurso do autor, nesta parte, em-bora o apuramento do montante das retribuições em causa tenha de ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo do disposto no art. 661.º, n.º 2, do CPC, uma vez que não se apurou o número e quais os feriados em que o autor efectivamente trabalhou (apenas se provou que o autor trabalhou em feriados).

Mas o mesmo não acontece relativamente à quan-tia pedida a título de descansos compensatórios pelo trabalho prestado em dias feriados que alegadamente não lhe teriam sido concedidos, pelas mesmas razões que levaram a julgar improcedente o recurso relati-vamente aos descansos compensatórios pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso semanal, ou seja, pelo facto de não estar provado que a ré não tinha concedido ao autor o gozo dos descansos com-pensatórios referentes ao trabalho por ele prestado em dias feriados, sendo que era sobre o autor que impendia o ónus de fazer a prova desse facto, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do C.C.

Em derradeiro termo e tendo em vista a reformu-lação da condenação final, refere-se que a decisão relativa aos descontos efectuados pelas faltas dadas pelo autor se mostra transitado em julgado.

DecisãoNos termos expostos decidiu-se no STJ:- em julgar parcialmente procedente a revista da

ré e parcialmente procedente também a revista do autor, e , reformulando a condenação, fica a ré condenada a pagar ao autor tão-somente:

a) o subsídio inerente ao trabalho prestado aos Domingos, no montante que se vier a apurar em incidente de liquidação;

b) a quantia de J 404,01 relativos aos montan-tes indevidamente descontados ao Autor por faltas dadas em Julho de 2002;

c) a quantia que se vier a apurar, em incidente de liquidação, referente ao trabalho presta-dos pelo autor em dias feriados.

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ASSUNTO: Audição dos responsáveis – pincípiodo contraditórioReferências: Acórdão do Tribunal da Relaçãodo Porto, de 27-05-2009Fonte: site do TRP – www.dgsi.pt

Sumário:I - Se foram condenados pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal uma sociedade e o seu gerente, e se aquela não pagou a multa que lhe foi aplicada nem possui bens susceptíveis de serem penhorados, o posterior despacho que considera esse gerente solidariamente responsável pelo pagamento dessa multa e determina a sua notificação para proceder a esse pagamento não ofende o caso julgado.II - A falta de audição do gerente antes da prolação de um tal despacho configura uma irregularidade submetida ao regime previsto no nº 1 do art. 123º do Código de Processo Penal.

Acordam no Tribunal da Relaçãodo Porto:

1. RelatórioNo juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila

do Conde, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foram submetidos a julgamento os arguidos[1] “C………., Lda” e D………., devida-mente identificados nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condená-los, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, em penas de multa, sendo a da arguida fixada em 600 dias de multa à taxa diária de cinco euros.

Porque a arguida não tivesse procedido ao paga-mento dessa multa e, tendo cessado a sua actividade, não possuía bens susceptíveis de serem penhorados, veio a ser proferido despacho que considerou o argui-do solidariamente responsável pelo pagamento da mesma e determinou que ele fosse notificado para proceder ao seu pagamento.

Inconformado com esse despacho, dele veio inter-por recurso o arguido, pugnando para que o mesmo

fosse revogado, para o que apresentou as seguintes conclusões:

A) O despacho recorrido impõe ao arguido, a título de responsabilidade solidária, o pagamento da multa que foi arbitrada à sociedade arguida, o que não foi consagrado na sentença proferida nos autos, já transitada em julgado.

B) Tal despacho viola o caso julgado e, em qual-quer caso, por não ter sido dada a possibilidade ao arguido de deduzir oposição à pretensão do Ministério Público – no sentido da sua respon-sabilidade pelo pagamento da multa em causa –, o princípio do contraditório.

Na resposta, o MP defendeu a manutenção do despacho recorrido e o não provimento do recurso, concluindo como segue:

1. A sociedade arguida cessou a sua actividade em 31 de Dezembro de 2001 – cfr. fls. 529 e não possui bens susceptíveis de serem penhorados – cfr. fls. 470.

2. O art. 8º, do Regulamento Geral das Infracções Tributárias, sob a epígrafe Responsabilidade civil pelas multas e coimas estabelece o regime subjec-tivo e tipos de responsabilidade pelo pagamento das multas aplicadas às pessoas colectivas.

3. O n° 7 do art. 8° do RGIT responsabiliza solida-riamente o arguido, pelo pagamento das multas e coimas aplicadas pela prática da infracção por ter colaborado dolosamente na prática de infracção tributária.

4. É o gerente de facto e de direito que pratica a infracção e por isso responsabiliza penalmente a sociedade pela qual aquele e em nome de quem agiu art. 7°, do RGIT.

5. Não houve violação de caso julgado, nem do princípio do contraditório, uma vez que tal im-posição, o facto de o arguido ser solidariamente responsável pelo pagamento da pena de multa da sociedade arguida, resulta do referido precei-to legal e tal despacho só poderia ser proferido depois de verificado que a mesma não pagou a pena de multa e se ter mostrado inviável o seu pagamento coercivo.

O recurso foi admitido.Nesta Relação, o Exm.o Procurador-geral Adjunto

emitiu parecer no sentido de que, não tendo sido respeitado o princípio do contraditório, foi cometida nulidade, devendo merecer o recurso provimento, nessa parte.

Abuso de confiança fiscal– Responsabilidade solidária no pagamentode multa criminal

Jurisprudência do STJ e das Relações

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Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º C.P.P., sem que tivesse havido resposta.

Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.

Cumpre decidir.

2. FundamentaçãoÉ do seguinte teor o despacho recorrido, proferido

na sequência de promoção do MP e sem que sobre a mesma tivesse sido ouvido o recorrente:

A fls. 534 e segs veio o MP promover que o arguido D……… seja notificado para proceder ao pagamento da multa em que foi condenada a sociedade arguida, por ser subsidiariamente e solidariamente responsável pelo pagamento da mesma mós termos do art. 8º, nº1 do RGIT:

A responsabilidade civil cujo accionamento o Minis-tério Público promove é a prevista no nº 1 do artigo 8º do RGIT, nos seguintes termos:

Artigo 8ºResponsabilidade civil pelas multas e coimas

1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras enti-dades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:

a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;

b) Pelas multas ou coimas devidas por factos ante-riores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de paga-mento.

A responsabilidade regulada nessa norma é mera-mente subsidiária e respeita a crimes praticados por terceiro (a sociedade), colocando-se apenas em sede de execução, quando o património da sociedade seja insuficiente para o pagamento da multa que lhe foi aplicada e estiverem reunidos os demais pressupostos para desencadear a responsabilização subsidiária (cf., neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo nº 342179, em 24.03.2004, e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães pro-ferido no processo nº 1363/03-1, em 03.05,2004, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

Todavia, o mesmo artigo 8º prevê que os represen-tantes da sociedade arguida (no caso, os gerentes - uma vez que se trata de uma sociedade por quotas) possam ser responsabilizados civilmente pelo não pagamento da multa a que a sociedade foi condenada, a título não subsidiário, mas sim solidário. O nº 7 desse artigo dispõe o seguinte:

Artigo 8ºResponsabilidade civil pelas multas e coimas

7 - Quem colaborar dolosamente na prática de infrac-ção tributária é solidariamente responsável pelas mul-tas e coimas aplicadas peta prática da infracção, inde-pendentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso (redacção dada peta Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro de 2006 – anterior nº 6).

Como explicam Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, nas situações reguladas nessa norma “não se está, como no nº 1, perante responsabilidades subsidiárias relativamente aos agentes das infracções, mas sim perante solidariedade em primeiro plano, po-dendo as dívidas ser originariamente exigidas, desde logo, aos responsáveis solidários, independentemente da existência de bens do autor da infracção (Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, Áreas Edi-tora, 2001, pág. 93).

Acrescentam os autores acima citados, ainda a propósito do nº 7 do artigo 8. do RGIT, que “incorrerão nesta responsabilidade civil os co-autores e cúmplices de infracções tributárias, relativamente às sanções que vierem a ser aplicadas aos seus co-arguidos, cumula-tivamente com a sua própria responsabilidade” (idem, pág. 95).

Neste contexto, a norma em questão é aplicável ao caso em apreço, porquanto os gerentes da sociedade arguida (E………. e F……….[2] - cf. fls. 1158) foram condenados, nos presentes autos, como co-autores do crime de abuso de confiança contra a segurança social, juntamente com a sociedade arguida.

Importa ainda referir que as dúvidas de constitucio-nalidade suscitadas pelos mencionados autores acerca do artigo 8º do RGIT (op. cit, págs. 90 e 91), secundadas pelo Tribunal da Relação do Porto no aresto acima referido, por violação do princípio da intransmissibi-lidade das penas (consagrado no nº 3 do artigo 30º da Constituição), dizem respeito a uma situação distinta da dos autos.

Com efeito, tais dúvidas respeitam ao caso em que se responsabiliza pelo pagamento da pena uma pessoa que não possa ser responsabilizada pela prática do crime – caso em que a norma em questão configura uma espécie de responsabilidade por facto de terceiro. Ora, isso não sucede no caso dos autos, porquanto as pessoas chamadas a responder por via do nº 7 do artigo 8º do RGIT foram criminalmente responsabilizadas pelos factos que deram origem à pena cujo pagamento agora se lhes exige.

3. Em face do exposto, e ao abrigo ao disposto no nº 7 do artigo 8º do RGIT:

a) considera-se D………. solidariamente responsável pelo pagamento da multa a que a sociedade comer-cial C………., LDA foi condenada nos presentes autos, no valor de J 3000 (três mil euros); e

b) determina-se que o mesmo proceda ao pagamento da quantia em questão, no prazo de 10 (dez) dias.

Notifique.

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3. O DireitoO âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões

extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tri-bunal de recurso tem de apreciar[3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[4].

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente:

- violação de caso julgado;- violação do princípio do contraditório.3.1. O recorrente entende que, não tendo sido reco-

nhecida na sentença a sua responsabilidade solidária pelo pagamento da multa aplicada à arguida socieda-de, estava esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido e que, ao condená-lo, agora, nesses termos, o despacho recorrido ofende o caso julgado.

Mas não lhe assiste razão, como facilmente se de-monstra.

Conferida a sentença condenatória certificada nestes autos de recurso, verificamos que o crime de abuso de confiança fiscal, pelo qual tanto a sociedade arguida como o recorrente foram condenados, assenta nos mesmos factos, precisamente na falta de entrega, entre Outubro de 1996 e Fevereiro de 1999, de prestações de IVA proveniente de serviços prestados pela arguida so-ciedade. Quantias essas que o recorrente, que sempre, desde a sua constituição até à data em que cessou a sua actividade, agiu como gerente de facto da arguida – ad-ministrando-a, decidindo sobre pagamentos aos credo-res, emitindo facturas para os clientes e conferindo-as, recebendo pagamentos e emitindo os correspondentes documentos de quitação, controlando a contabilidade, apresentando declarações de rendimentos para efeitos fiscais e outros documentos, abrindo e movimentando contas bancárias - estava obrigado a entregar nos cofres do Estado, mas de que se apoderou, conseguindo assim um aumento das disponibilidades financeiras e de caixa daquela arguida e optando por pagar a trabalhadores e fornecedores em vez de satisfazer as obrigações fiscais dela. Ali ficou, igualmente, assente que o ora recorrente sabia que estava obrigado a fazer a entrega de todas aquelas quantias deduzidas e retidas a título de IVA e que agiu deliberada, livre e conscientemente.

É, pois, evidente que, perante esses factos, se mostra integralmente preenchida a previsão do actual nº 7 RGIT (correspondente ao nº 6, antes das alterações in-troduzidas pela Lei nº 60-A/2005 de 30/12) do art. 8º do RGIT – preceito que apenas trata da responsabilidade por multas aplicadas como sanção -, do qual resulta a responsabilidade solidária do recorrente pelo pagamen-to da multa aplicada à arguida sociedade pela prática do crime por que foi, também ela, condenada.[5]

Ora, se é certo que na sentença nada se disse ex-pressamente acerca da responsabilidade solidária do recorrente no pagamento da multa em que a arguida sociedade foi condenada, não é menos certo que não era absolutamente imprescindível que ali fosse feita tal menção, pois tal responsabilidade decorre de norma

imperativa e nada impede que seja reconhecida em mo-mento posterior, precisamente quando, verificando-se que a responsável penal não havia pago a multa nem era viável o seu cumprimento coercivo, se registou a necessidade de chamar o responsável civil. Além de que o reconhecimento da referida responsabilidade não envolveu a apreciação de novos factos, nem a prolação de uma nova decisão, mas apenas a extracção de uma mera conclusão que resulta daqueles que ficaram defi-nitivamente assentes conjugada com o que decorre im-perativamente da lei. Assim, o despacho recorrido mais não fez do que declarar o que já resultava da lei.

Por outro lado, não houve qualquer ofensa do caso julgado, na medida em que, ao considerar o recorrente solidariamente responsável pelo pagamento da multa em que a arguida sociedade foi condenada e ao deter-minar a sua notificação para proceder ao respectivo pagamento, não foi contrariado nem alterado nada do que foi decidido na sentença condenatória. De modo algum se pôs em causa o sentido da condenação daquela arguida, não sendo incompatível com a responsabi-lidade criminal desta, ali definida, o facto de se ter reconhecido, em momento posterior, que o recorrente também é responsável solidário pelo pagamento da multa em que ela foi condenada.

Improcede, pois, este fundamento do recurso.3.2. O recorrente insurge-se, ainda, contra o facto

de, antes de ter sido proferido o despacho recorrido, não ter sido notificado para se pronunciar acerca da promoção do MP, defendendo que houve violação do princípio do contraditório.

Em concretização do princípio do contraditório, reconhecido no nº 5 do art. 32º da C.R.P., inclui a lei ad-jectiva, entre os direitos e deveres do arguido, o direito de “ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte”, direito esse de que goza “em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei” (cfr. art. 61º nº 1 al. b) do C.P.P.).

Ora, os autos evidenciam, inequivocamente, que o recorrente não foi notificado da promoção do MP no tocante à sua responsabilização pelo pagamento da multa que havia sido aplicada à sociedade arguida e que o despacho recorrido veio a ser proferido sem que lhe tivesse sido dada oportunidade de sobre ela se pronunciar. Se bem que o recorrente não tenha visto irremediavelmente precludida a possibilidade de apre-sentar a sua perspectiva sobre a questão – fê-lo, aliás, nesta instância, ao atacar o despacho recorrido em termos que já apreciámos – é incontornável que, logo naquele momento, devia ter sido ouvido – e não o foi.

Cabe, então determinar, a natureza do vício decor-rente dessa omissão.

De acordo com o disposto no nº 1 do art. 118º do C.P.P., “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”. Ora, o vício decorrente daquela omissão não vem previsto na lei como nulidade, nem insanável[6], nem dependente de arguição.

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Logo, por força do disposto no nº 2 do mesmo preceito, estamos perante uma mera irregularidade.

A qual, por não ter sido arguida dentro do condicio-nalismo temporal do nº 1 do art. 123º do C.P.P., no caso concreto, nos três dias seguintes a contar daquele em que foi efectuada a notificação do despacho recorrido ao recorrente, já se encontra sanada.

Refira-se, ainda assim, que não se tratando de questão de conhecimento oficioso (e não se estando, obviamente, no âmbito de aplicação do nº 2 do art. 379º do C.P.P.), o seu conhecimento não competiria a este tribunal sem que, previamente, houvesse sido suscita-da na 1ª instância. Pois, como é sabido, os recursos têm por objecto a decisão recorrida e não a questão por ela julgada; são remédios jurídicos e, como tal, destinam-se a reexaminar decisões proferidas pelas instâncias inferiores, verificando a sua adequação e legalidade quanto às questões concretamente suscitadas, e não a decidir questões novas, que não tenham sido colocadas perante aquelas. Assim, se o recorrente pretendia que

fosse corrigido o procedimento adoptado e fazer valer o direito de contraditório que lhe assistia, tinha de arguir primeiramente o vício perante o tribunal onde ele foi cometido e só depois, caso a decisão que viesse a ser proferida lhe fosse desfavorável, interpor o competente recurso, só então estando reunidas as condições para que este tribunal apreciasse a questão.

Pelo que, sem necessidade de outras considerações, improcede também este fundamento do recurso.

4. DecisãoNos termos e pelos fundamentos expostos, julgam

o recurso improcedente e mantêm o despacho recor-rido.

Vai o recorrente condenado em 3 UC de taxa de justiça.

Porto, 27 de Maio de 2009Os Desembargadores,Maria Leonor de Campos Vasconcelos EstevesVasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas

[1] Foi, igualmente, submetida a julgamento a arguida B………., que veio a ser absolvida da prática do crime de abuso de confiança fiscal que lhe vinha imputado.

[2] A referência a estes dois indivíduos apresenta-se como com-pletamente incompreensível, presumindo nós que se trate de algum percalço informático.

[3] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).

[4] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.

[5] No caso não tinha aplicação, como certeiramente se considerou no despacho recorrido, a responsabilidade subsidiária decorrente do nº 1 daquele art. 8º, que assenta em diferentes pressupostos. Vejam-se, a propósito do confronto entre os âmbitos de aplicação de cada uma destas duas normas, os seguintes excertos, retirados da obra de Germano Marques da Silva, “Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes”, págs. 443-448:

“(…) O nº 6 dispõe que quem colaborar dolosamente na prática de crime tributário é solidariamente responsável pelas multas aplicadas pela prática do crime, independentemente da sua própria responsabilidade criminal, quando for o caso.

Assim, se o administrador for também responsável penal pelo crime por que tiver sido condenado o ente colectivo, a regra é a do nº 6, ou seja, é sempre solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à pessoa colectiva, sendo que a regra do nº 1 tem como pressuposto não a responsabilidade criminal do administrador, mas a sua culpa pelo não pagamento, quando tiver sido por culpa

sua que o património do ente colectivo se tornou insuficiente para o seu pagamento ou por culpa sua não tiver sido efectuado.

(…) no nº 6 deste artigo (…) o fundamento da responsabilidade solidária é a colaboração na prática do crime tributário e por isso que respondem solidariamente pelas consequências jurídicas do crime os seus agentes, ou seja, os agentes do crime, e se esses agentes forem administradores ou representantes do ente colectivo não respondem nos termos do nº 1, mas deste nº 6.

(…) Enquanto que o nº 1 segue o disposto no art. 24º da LGT, já o nº 6 se afasta desse regime, embora se trate ainda de responsa-bilidade também por dívida de outrem, mas agora a responsabili-dade é solidária porque o administrador colaborou dolosamente na prática da infracção e, por isso, vai responder solidariamente com os co-responsáveis pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua própria responsabilidade, porque foi o seu comportamento ilícito causa directa da multa, foi o seu comportamento a causa da multa aplicada à pessoa colectiva pela prática do facto ilícito penal. Tenha-se, porém, presente, que a responsabilidade de que trata o nº 6 do art. 8º do RGIT se refere exclusivamente às consequências decorrentes da prática do crime enquanto que o art. 24º se reporta às consequências decorrentes do não pagamento do imposto devido. – p. 448

[6] É evidente que não se verifica nem mesmo a que vem prevista na al. c) do art. 119º do C.P.P. (“a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência), pois esta está relacionada com o direito de presença consagrado na al. a) do nº 1 do art. 61º do mesmo diploma legal, e o que aqui está em causa é a inobservância do direito de ser ouvido, consagrado na b) deste preceito.

Junto do Tribunal da Relação do Porto surgiu um recurso penal no âmbito do qual as questões essenciais a decidir são as seguintes:

- violação de caso julgado;- violação do princípio do contraditório.O recorrente entende que, não tendo sido reconhecida na sentença

a sua responsabilidade solidária pelo pagamento da multa aplicada à arguida sociedade, estava esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido e que, ao condená-lo, agora, nesses termos, o despacho recorrido ofende o caso julgado.

Mas não lhe assiste razão, como facilmente se demonstra.Conferida a sentença condenatória certificada nestes autos de

recurso, verificamos que o crime de abuso de confiança fiscal, pelo qual tanto a sociedade arguida como o recorrente foram condenados, assenta nos mesmos factos, precisamente na falta de entrega, entre determinadas datas, de prestações de IVA proveniente de serviços prestados pela arguida sociedade. Quantias essas que o recorrente, que sempre, desde a sua constituição até à data em que cessou a sua actividade, agiu como gerente de facto da arguida – administrando-a, decidindo sobre pagamentos aos credores, emitindo facturas para os clientes e conferindo-as, recebendo pagamentos e emitindo os cor-respondentes documentos de quitação, controlando a contabilidade, apresentando declarações de rendimentos para efeitos fiscais e outros

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documentos, abrindo e movimentando contas bancárias – estava obrigado a entregar nos cofres do Estado, mas de que se apoderou, conseguindo assim um aumento das disponibilidades financeiras e de caixa daquela arguida e optando por pagar a trabalhadores e for-necedores em vez de satisfazer as obrigações fiscais dela. Ali ficou, igualmente, assente que o ora recorrente sabia que estava obrigado a fazer a entrega de todas aquelas quantias deduzidas e retidas a título de IVA e que agiu deliberada, livre e conscientemente.

É, pois, evidente que, perante esses factos, se mostra integralmente preenchida a previsão do actual nº 7 RGIT (correspondente ao nº 6, an-tes das alterações introduzidas pela Lei nº 60-A/2005 de 30/12) do art. 8º do RGIT – preceito que apenas trata da responsabilidade por multas aplicadas como sanção –, do qual resulta a responsabilidade solidária do recorrente pelo pagamento da multa aplicada à arguida sociedade pela prática do crime por que foi, também ela, condenada.

Ora, se é certo que na sentença nada se disse expressamente acerca da responsabilidade solidária do recorrente no pagamento da multa em que a arguida sociedade foi condenada, não é menos certo que não era absolutamente imprescindível que ali fosse feita tal menção, pois tal responsabilidade decorre de norma impera-tiva e nada impede que seja reconhecida em momento posterior, precisamente quando, verificando-se que a responsável penal não havia pago a multa nem era viável o seu cumprimento coercivo, se registou a necessidade de chamar o responsável civil. Além de que o reconhecimento da referida responsabilidade não envolveu a apreciação de novos factos, nem a prolação de uma nova decisão, mas apenas a extracção de uma mera conclusão que resulta daqueles que ficaram definitivamente assentes conjugada com o que decorre imperativamente da lei. Assim, o despacho recorrido mais não fez do que declarar o que já resultava da lei.

Por outro lado, não houve qualquer ofensa do caso julgado, na medida em que, ao considerar o recorrente solidariamente responsável pelo pagamento da multa em que a arguida sociedade foi condenada e ao determinar a sua notificação para proceder ao respectivo paga-mento, não foi contrariado nem alterado nada do que foi decidido na sentença condenatória. De modo algum se pôs em causa o sentido da condenação daquela arguida, não sendo incompatível com a responsa-bilidade criminal desta, ali definida, o facto de se ter reconhecido, em momento posterior, que o recorrente também é responsável solidário pelo pagamento da multa em que ela foi condenada.

Improcede, pois, este fundamento do recurso.O recorrente insurge-se, ainda, contra o facto de, antes de ter

sido proferido o despacho recorrido, não ter sido notificado para se pronunciar acerca da promoção do MºPº, defendendo que houve violação do princípio do contraditório.

Em concretização do princípio do contraditório, reconhecido no nº 5 do art. 32º da C.R.P., inclui a lei adjectiva, entre os direitos e deveres do arguido, o direito de “ser ouvido pelo tribunal ou pelo

juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte”, direito esse de que goza “em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei” (cfr. art. 61º nº 1 al. b) do C.P.P.).

Ora, os autos evidenciam, inequivocamente, que o recorrente não foi notificado da promoção do MºPº no tocante à sua responsabiliza-ção pelo pagamento da multa que havia sido aplicada à sociedade arguida e que o despacho recorrido veio a ser proferido sem que lhe tivesse sido dada oportunidade de sobre ela se pronunciar. Se bem que o recorrente não tenha visto irremediavelmente precludida a possibilidade de apresentar a sua perspectiva sobre a questão – fê-lo, aliás, nesta instância, ao atacar o despacho recorrido em termos que já apreciámos – é incontornável que, logo naquele momento, devia ter sido ouvido – e não o foi.

Cabe, então determinar, a natureza do vício decorrente dessa omissão.

De acordo com o disposto no nº 1 do art. 118º do C.P.P., “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só deter-mina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”. Ora, o vício decorrente daquela omissão não vem previsto na lei como nulidade, nem insanável, nem dependente de arguição.

Logo, por força do disposto no nº 2 do mesmo preceito, estamos perante uma mera irregularidade.

A qual, por não ter sido arguida dentro do condicionalismo tem-poral do nº 1 do art. 123º do C.P.P., no caso concreto, nos três dias seguintes a contar daquele em que foi efectuada a notificação do despacho recorrido ao recorrente, já se encontra sanada.

Refira-se, ainda assim, que não se tratando de questão de co-nhecimento oficioso (e não se estando, obviamente, no âmbito de aplicação do nº 2 do art. 379º do C.P.P.), o seu conhecimento não competiria a este tribunal sem que, previamente, houvesse sido suscitada na 1ª instância. Pois, como é sabido, os recursos têm por objecto a decisão recorrida e não a questão por ela julgada; são remédios jurídicos e, como tal, destinam-se a reexaminar decisões proferidas pelas instâncias inferiores, verificando a sua adequação e legalidade quanto às questões concretamente suscitadas, e não a decidir questões novas, que não tenham sido colocadas perante aquelas. Assim, se o recorrente pretendia que fosse corrigido o procedimento adoptado e fazer valer o direito de contraditório que lhe assistia, tinha de arguir primeiramente o vício perante o tribunal onde ele foi cometido e só depois, caso a decisão que viesse a ser proferida lhe fosse desfavorável, interpor o competente recurso, só então estando reunidas as condições para que este tribunal apreciasse a questão.

Pelo que, sem necessidade de outras considerações, improcede também este fundamento do recurso.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, o STJ julgou o recurso improcedente mantendo o despacho recorrido.

REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS

ARTIGO 8ºResponsabilidade civil pelas multas e coimas

7 - Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas peta prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

ARTIGO 32ºGarantias de processo criminal

5 - O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei deter-minar subordinados ao princípio do contraditório.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

ARTIGO 118ºPrincípio da legalidade

1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.

2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.

�1 VidaJudiciáriaSetembro/2009

Supremo Tribunal de Justiça

Sumários

ARRENDAMENTOReferências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 03-03-2009Revista n.º 135/09 – 1.ª SecçãoAssunto: Contrato de arrendamentode espaços não habitáveis

I - A cedência remunerada da fachada de um edi-fício para aí serem colocadas painéis a veicularem mensagens publicitárias deve ser tratado como arren-damento, que não apenas como cedência remunerada de um espaço.

II - Na vigência do RAU o instituto estava previsto na alínea e) do n.º 2 do art. 5.º – locação de espaços não habitáveis.

III - O conceito de espaço não habitável não deve ter apenas uma conexão com o de habitação, no sentido de residência ou local para estabelecer a vida do dia a dia, ainda que em condições precárias. Antes, a noção de habitabilidade prende-se com as condições físico-es-truturais em termos de aí ser possível permanecer com certa estabilidade e continuidade, e que, embora com notório “deficit” de comodidade garante o resguardo da privacidade e a protecção contra os elementos.

IV - Neste conceito incluem-se tão somente os locais onde não seria, de todo possível permanecer – viver, ainda que transitoriamente – como v.g. varandas, te-lhados, fachadas, lugares marcados no pavimento para estacionamento de viaturas, que não, uma garagem ou um armazém desde que devidamente ventilados e razoavelmente salubres.

V - A relação contratual locativa de espaço não habi-tacional, tal como definido, não está sujeito à disciplina do RAU, mas podem aplicar-se-lhe analogicamente as normas do arrendamento urbano, excepto as que traduzem o regime vinculístico.

VI - Nesses casos o pagamento da renda está sujeito ao regime do n.º 1 do art. 1039.º do CC e a resolução é re-gida pelo regime geral, que não o do arrendamento.

Referências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 03-03-2009Revista n.º 59/09 – 6.ª SecçãoAssunto: Contrato de arrendamento – Direitoa novo arrendamento

I - Com a morte do arrendatário, em 23-03-2005,

caducou o contrato de arrendamento, não se podendo transmitir o direito ao arrendamento à Ré sua mulher, pois aquele era filho do primitivo inquilino, não sendo admitida a transmissão em segundo grau da posição de arrendatário, por não se configurar a ocorrência da situação excepcional vertida no art. 85.º, n.º 4, do RAU.

II - A pretensão da Ré de celebração de novo contrato de arrendamento nos termos do art. 90.º do RAU deve-ria ter sido oportunamente accionada junto do senho-rio, comunicando-lhe o óbito do seu cônjuge (art. 94.º), o que não fez, tão pouco tendo deduzido tal pretensão nos autos por via reconvencional, pelo que não pode ser-lhe reconhecido o direito a novo arrendamento.

CIVILReferências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 03-03-2009Revista n.º 4102/08 – 1.ª SecçãoAssunto: Incumprimento definitivo – Interpelaçãoadmonitória

I - Tendo a promitente-compradora, ora Autora, perante o atraso na realização da escritura pública, en-viado ao Réu, promitente-vendedor, uma carta na qual afirmava que, findo o prazo que indicava, “renunciare-mos ao contrato em referência”, não se pode considerar que tal consubstancie uma verdadeira interpelação admonitória, que possibilite a ulterior conversão da mora em incumprimento definitivo.

II - De facto, a expressão utilizada “renunciaremos” tem um sentido ambíguo, que tanto pode significar um propósito de no futuro renunciar após o termos do prazo suplementar, como uma declaração efectiva feita no presente para se recolherem no futuro os seus efeitos, se, até lá, o novo prazo para o cumprimento do contrato prometido não vier a ser observado. Acresce que “renunciar ao contrato” pode também significar “desistir” do contrato, o que não equivale a conside-rar o contrato incumprido por culpa da outra parte, podendo inclusive admitir que a não efectivação dele seja imputada a terceiro, designadamente à demora com burocracias.

III - Tão pouco corresponde minimamente às exigên-cias de uma interpelação a notificação judicial avulsa dirigida pelo Réu à Autora na qual apenas dava conta da sua perspectiva sobre o estado do negócio e admitia

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uma renegociação, pretendendo apenas ver uma defi-nição da Autora sobre uma série de dados no prazo de 30 dias, sem que, no entanto, se tivesse provado nos autos que o Réu já tinha feito tudo o que lhe competia para que a escritura se pudesse realizar.

IV - Não se encontrando prevista no contrato-pro-messa em apreço qualquer cláusula onde se previsse regime especial de indemnização diferente da decor-rente do funcionamento do sinal, e porque a Autora não chegou a provar que a mora do Réu se tenha transformado em incumprimento definitivo, nem este logrou provar que a razão do atraso na escritura tinha passado a ser devida a comportamento (activo ou pas-sivo) da Autora - arts. 805.º e 813.º do CC - conclui-se ser inviável a aplicação do regime da perda do sinal ou da sua devolução em dobro (arts. 442.º, n.ºs 2 e 4, 804.º e 813.º do CC).

COMERCIALReferências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 03-03-2009Revista n.º 142/09 – 6.ª SecçãoAssunto: Sociedade civil – dissolução de sociedade

I - Provando-se que Autora e Réu celebraram entre si um contrato para desenvolvimento, em conjunto, do exercício da actividade de cabeleireiros, com o fim de obterem lucros que depois repartiriam entre si, que exerceram desde 1998 até meados de 2001, par-ticipando dos respectivos lucros e despesas, estamos perante um contrato de sociedade civil, nos termos do art. 980.º do CC, que é válido, por não estar sujeito a forma especial (art. 981.º do CC), isto muito embora as partes tenham também, formalmente, celebrado um contrato de trabalho sem termo, no qual a autora figurava como trabalhadora por conta do réu.

II - Por isso, no momento da dissolução dessa so-ciedade civil, assiste à autora o direito à partilha do activo, depois de extintas as dívidas sociais (arts. 1007.º, 1010.º e 1018.º do CC), não lhe assistindo, contudo, o direito a indemnização nos termos do art. 227.º, n.º 1, do CC, com fundamento na culpa in contrahendo do réu pela não concretização e formalização de uma sociedade comercial por quotas.

Referências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 05-03-2009Revista n.º 367/09 – 2.ª SecçãoAssunto: Sociedade comercial – dissoluçãode sociedade

I - A dissolução da sociedade traduz o acto e o efeito da sua cessação.

II - A liquidação, que se segue imediatamente à dis-

solução da sociedade, não é mais do que o conjunto de actos que visam pôr termo ao modo colectivo de funcio-namento do Direito, perante uma pessoa colectiva.

III - Em termos práticos, a liquidação implica o levantamento de todas as situações jurídicas relativas à sociedade em liquidação, a resolução de todos os pro-blemas pendentes que a possam envolver, a realização pecuniária (se for o caso) dos seus bens, o pagamento de todas as dívidas e o apuramento do saldo final a distribuir pelos sócios (arts. 146.º, 154.º, 156.º e 159.º do CCom).

IV - Com o registo do encerramento da liquidação a sociedade, que até aí conservava ainda personalidade jurídica, considera-se extinta (art. 160.º do CCom).

V - A enumeração das causas de caducidade do man-dato, previstas no art. 1147.º do CC, não é taxativa, nela cabendo implicitamente a extinção da sociedade mandante, que consubstancia a sua “morte”.

CONTRATOSReferências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 03-03-2009Revista n.º 145/09 – 1.ª SecçãoAssunto: Contrato de seguro – Segurode responsabilidade profissional

I - O contrato de seguro de responsabilidade civil profissional em que aparece como tomadora do segu-ro a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas e como segurados os seus associados, na qualidade de TOC´s, obrigados a subscrever um seguro profissional nos termos do n.º 4 do art. 52.º do ECTOC, é um seguro de grupo, porque celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum.

II - Pretendendo a Autora que a Ré seja condenada a considerar incluídos no âmbito da cobertura do re-ferido seguro de responsabilidade civil profissional os danos patrimoniais causados a clientes dos segurados (associados da Autora) em virtude de estes não os terem alertado para a opção pelo regime geral como forma de evitar a sua tributação pelo regime simplificado, estáse perante uma acção de simples apreciação positiva.

III - A Autora tem interesse em agir na presente acção, porquanto lhe compete estatutariamente de-fender os direitos dos seus associados perante a Ré e está em causa a interpretação de cláusula contratual que aquela negociou e acordou com a Ré/seguradora, importando ver definida a situação, sendo além disso a Autora, na qualidade de tomadora do seguro (portanto, parte no contrato e parte legítima na acção), respon-sável perante os segurados, seus associados, pelas informações que lhes prestou sobre a abrangência das coberturas negociadas e acordadas.

�� VidaJudiciáriaSetembro/2009

IV - Na hipótese de proceder a acção, a Ré ficará vinculada pela solução interpretativa dada ao litígio, não podendo mais alegar, como tem feito, que não tem obrigação de cobrir o concreto risco em apreço.

FAMÍLIAReferências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 31/03/2009Revista n.º 657/09 – 7.ª SecçãoAssunto: Pensão de sobrevivência – união de facto

I - O membro sobrevivo da união de facto, para poder beneficiar das prestações de qualquer regime público de segurança social por morte do companheiro (não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens), tem de provar cumulativamente: a união de facto, por mais de dois anos, com o falecido beneficiário, na altura da sua morte; a carência de alimentos e de que estes não podem ser prestados nem pela herança do falecido, nem pelas pessoas a quem legalmente podem ser exigidos.

II - Não é bastante para a demonstração do estado de carência efectiva de prestação de alimentos a seguinte factualidade apurada: a autora tem a seu cargo uma filha, com nove anos de idade; até há cerca de dois anos, era a herança aberta por óbito do seu companheiro que pagava as despesas da casa, pertença da mesma herança, onde a autora habitava com a sua filha, distribuindo pelos quatro herdeiros os rendimentos obtidos com o arrendamento de vários prédios que pertenciam ao falecido; durante cerca de um ano, a autora recebeu aproximadamente 1.000,00 J por mês, passando depois para cerca de 500,00 J, estando agora a receber, mas sem a mesma regularidade, cerca de 200,00 J; dois anos depois de intentar a presente acção, a autora casou-se.

PENALReferências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 04-03-2009Proc. n.º 160/09 – 3.ª SecçãoAssunto: Responsabilidade civil emergente de crime

I - Face ao art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29-08, era jurisprudência firme do STJ (cf. Ac. de 08-11-2006, Proc. n.º 3113/06 - 3.ª, entre outros) que não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmassem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de pri-são não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, face à denominada “dupla conforme”.

II - Entendia-se que a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al.

f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, significava que, apesar de no caso se configurar um concurso de infrac-ções, a regra primária da referida norma continuava a valer, incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso se integrem nos limites da primei-ra referência a «pena aplicável», isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapassasse 8 anos de prisão, havendo identidade de condenação nas instâncias.

III - Nesta ordem de ideias, desde que a pena abs-tractamente aplicável, independentemente do concurso de infracções, não fosse superior a 8 anos, não seria admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ (na tese usualmente seguida pelo Supremo), sendo que uma outra tese, não seguida por esta Secção, entendia que, na interpretação mais favorável para o recorren-te, apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a 8 anos.

IV - Com a revisão do CPP operada pela Lei 48/2007, de 29-08, na al. f) do art. 400.º deixou de subsistir o critério do “crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos”, para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a 8 anos; daí que se eliminasse a expressão “mesmo no caso de concurso de infracções”. Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo se a condenação confirmada não ultrapassar 8 anos de prisão. Ao invés, se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recur-so para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar oito anos de prisão, decorrente de cúmulo, e restrito então o recurso à pena conjunta.

V - O art. 5.º do CPP não tem aplicação no caso concreto, no domínio das penas parcelares, pois que, como se decidiu no Ac. do STJ de 05-06-2008, Proc. n.º 08P1151, da 5.ª Secção, a lei que regula a recorribilida-de de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.

VI - Tendo em atenção que o acórdão da 1.ª instância foi proferido em 21-07-2006, anteriormente à vigência da Lei 48/2007, de 29-08, e que quer as penas parcela-res aplicadas, quer as abstractamente aplicáveis aos crimes que motivam a condenação não excedem 8 anos de prisão, só em relação à pena conjunta aplicada ao arguido FC é admissível o recurso, por exceder 8 anos de prisão.

VII - O STJ não é um tribunal de instância, que conheça de todos os recursos que se lhe dirijam, pois que é um tribunal de revista, nos termos do art. 434.º do CPP, em que a admissibilidade de recurso para o STJ está vinculada e limitada, apertis verbis, pelo disposto no art. 432.º do mesmo diploma legal adjectivo.

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VIII - O critério especial de determinação da pena conjunta do concurso constante do art. 77.º, n.º 1, do CP, impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e ultrapassada arte de julgar, puramente mecânico, e, por isso, arbitrário.

IX - Embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do n.º 2 do art. 72.º do CP, nem por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, e sem prejuízo de os factores enumerados no citado n.º 2 poderem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso.

X - Como salienta Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, pág. 243, nota 2), «A moldura do concurso de crimes é construída, não de acordo com o princípio da absorção puro (punição do concurso com a pena con-creta do crime mais grave), nem com o princípio da exasperação ou agravação (punição do concurso com moldura do crime mais grave, devendo a pena concreta ser agravada em virtude do concurso de crimes), mas antes com o princípio da cumulação, de acordo com o qual se procede à punição do concurso com uma pena conjunta determinada no âmbito de uma moldura cujo limite máximo resulta da soma das penas concretas aplicadas a cada crime imputado, mas cuja medida concreta é decidida em função da imagem global dos crimes imputados e da personalidade do agente, (…) Trata-se de um sistema de cumulação. Mas na forma de um cúmulo jurídico.»

XI - Tendo em atenção que:- na consideração global dos factos, com particular

destaque para o comportamento do arguido na prática dos crimes, revelador de uma personalidade manifesta-mente desconforme aos valores tutelados pelo direito, acentuam-se patentes necessidades de prevenção geral positiva ou de integração e de prevenção especial posi-tiva ou de socialização;

- é elevadíssimo o grau de ilicitude dos factos, face aos concretos valores envolvidos na prática dos cri-mes, cujo modo de execução consistiu em socorrer-se o arguido de um plano particularmente persistente e elaborado, em que o dolo surge de forma intensa, agindo o arguido de modo concertado, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei, sendo que o arguido prolongou no tempo, durante, pelo menos, cerca de 8 meses, a prática do esquema de fraude, revelando que as penas de prisão anterior-mente sofridas não foram o suficiente para o afastar da criminalidade e que a sua vida comercial era exclu-sivamente sustentada nestes artifícios fraudulentos,

evidenciando, assim, o arguido, por outro lado, falta de preparação para manter conduta lícita e apetência para delinquir, tanto mais que foi condenado várias vezes por crimes contra o património, sendo-lhe apli-cada no processo comum colectivo n.º 1… a pena de 14 anos de prisão, declarada integralmente cumprida em 20-03-2000;

- o modo e os fins e motivos determinantes da actu-ação do arguido estão patenteados no enriquecimento ilegítimo, por via da obtenção de valores particular-mente elevados;

- inexistiu reparação das consequências dos cri-mes;

- o arguido tem situação social modesta e vive com dificuldades económicas;

- a moldura concreta da pena conjunta se situa entre os 7 anos e 5 meses e os 19 anos e 3 meses de prisão;

- não se mostra desproporcional, nem contrária às regras da experiência, a pena conjunta aplicada, de 16 anos de prisão, que satisfaz as exigências da prevenção geral e especial e não excede a medida da culpa.

XII - Face ao princípio da adesão, de harmonia com o princípio da suficiência do processo penal, nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa – art. 7.º, n.º 1, do CPP.

XIII - Nesta ordem de ideias se compreende que a decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitua caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis – art. 84.º do CPP –, e que a sentença, ainda que absolutória, condene o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 82.º – art. 377.º, n.º 1, do CPP.

XIV - Perante o princípio da adesão, a norma do n.º 3 do art. 82.º do CPP é uma norma excepcional, qual válvula de escape, em que o tribunal pode, oficiosa-mente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pe-dido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.

XV - A responsabilidade civil contratual está excluí-da do âmbito do princípio da adesão em processo penal – cf. acórdão de fixação de jurisprudência deste STJ n.º 7/99, de 17-06, in DR Série I-A, de 03-08.

XVI - Tendo em consideração que:- as entregas dos empilhadores por parte das de-

mandantes aos arguidos foram determinadas não por dolo malus – de que fala o art. 253.º do CC – mas por actos constitutivos de crimes de burla;

- o art. 892.º do CC é peremptório ao estabelecer que é nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar;

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- como determina o art. 898.º do mesmo diploma, se um dos contraentes houver procedido de boa fé e o outro dolosamente, o primeiro tem direito a ser indemnizado, nos termos gerais, de todos os prejuízos que não teria sofrido se o contrato fosse válido desde o começo, ou não houvesse sido celebrado, conforme venha ou não a ser sanada a nulidade;

- assiste razão à decisão recorrida quando conclui que os empilhadores nunca saíram da esfera jurídica das demandantes, e que as vendas posteriormente fei-tas de tais objectos pelos arguidos, como res inter alios, são absolutamente ineficazes em relação àquelas, con-tinuando a pertencer-lhes o direito de propriedade.

XVII - Determinando o tribunal a restituição dos empilhadores à proprietária, o valor indemnizatório pelos prejuízos sofridos haverá de ser determinado com exactidão após essa devolução e avaliação concreta do estado dos bens, o que deverá ser efectuado em sede de liquidação em execução de sentença.

PROCESSO CIVILReferências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 25-03-2009Revista n.º 300/09 – 1.ª SecçãoAssunto: Ampliação do pedido

I - Podendo os AA. alterar o pedido na audiência de julgamento por tal alteração se traduzir no simples de-senvolvimento do primitivo pedido de liquidação, sem o alterar substancialmente e sendo certo que sempre a R. teria direito de resposta em homenagem ao princípio do contraditório, a verdade é que a lei em parte alguma sujeita a parte ao ónus de impugnação, ao contrário do que faz em relação aos articulados da acção.

II - De facto, não encontramos no art. 273.º do CPC qualquer preceito a impor à R. o ónus de impugnar a factualidade que conste de requerimento de ampliação do pedido.

III - Terá assim de se concluir que a R. tinha a faculdade de impugnar essa factualidade mas não o ónus de o fazer. Não tem lugar, por isso, a cominação prevista no art. 490.º do CPC.

IV - É igualmente o que também se passa quanto às excepções deduzidas no último articulado admis-sível às quais a parte contrária poderá responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final. Trata-se também aqui de uma faculdade e não de um ónus (cfr. art. 3.º, n.º 4, do CPC).

V - Portanto, ainda que não directamente impugna-da, a matéria de facto em causa há-de ser sujeita ao contraditório da prova.

VI - Perante a insuficiência de prova, porque se trata apenas de liquidar ou quantificar um prejuízo

já tido por provado, impõe-se ao tribunal completar essa prova mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial como determina o art. 380.º, n.º 4, do CPC, não podendo, sem mais indagações, que se mostram viáveis, recorrer-se, desde já, à equidade.

PROPRIEDADE HORIZONTALReferências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 05-03-2009Revista n.º 217/09 – 7.ª SecçãoAssunto: Partes comuns – terraços

I - A fracção A é um pavilhão industrial no rés-do-chão; a fracção B é um pavilhão industrial no 1.º andar do mesmo prédio; o principal pedido da autora é o de que se declare o seu direito de propriedade sobre a totalidade da fracção B e a consequente restituição do terraço que a ré ocupa.

II - Mas, desde logo, não há terraço algum referido como fazendo parte da fracção B; de acordo com o regime legal em vigor ao tempo da constituição da propriedade horizontal, os terraços de cobertura são, seriam sempre, necessariamente, coisa comum; com-propriedade dos condóminos do prédio, como manda o n.º 1 do art. 1420.º do CC.

III - E se é certo que o n.º 3 do art. 1421.º do CC abria a porta para que o bilhete de identidade da propriedade horizontal afectasse um tal terraço ao uso exclusivo de um dos condóminos, ainda assim esse estatuto não faria nascer um direito de propriedade sobre o terra-ço, mas um outro direito real de gozo – exactamente o direito real de uso; mesmo em termos de puro facto, nos autos não está feita a prova da exclusividade do uso; improcede, pois, a acção.

RESPONSABILIDADE CIVILReferências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 03-03-2009Revista n.º 9/09 – 6.ª SecçãoAssunto: Acidente de viação – culpa exclusiva

I - A indemnização por danos futuros deve fixar-se, equitativamente, em 950 mil J se o lesado, médico de 47 anos que à data dos factos ganhava 5 mil J mensais pelo seu trabalho, por causa do acidente sofrido dei-xou em definitivo de exercer a profissão e de auferir rendimentos, ficando a padecer de deficiências que lhe conferem uma incapacidade permanente geral de 85%.

II - Na situação referida em I) justifica-se uma in-demnização de 150 mil J por danos morais se estiver provado, além de tudo o mais, que o lesado ficou em consequência do acidente imediata e irreversivelmente

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paraplégico, perdendo todo e qualquer tipo de sensi-bilidade da cintura para baixo, precisando da ajuda permanente de terceira pessoa até ao final dos seus dias para se levantar, deitar e sentar na cadeira de rodas, vestir-se e tratar da higiene pessoal, e que se tornou uma pessoa profundamente deprimida, sem alegria e vontade de viver.

III - É matéria de facto, que o STJ tem de acatar, por estar subtraída ao seu controle (arts. 722.º e 729.º do CPC), o nexo causal – naturalístico – estabelecido pelas instâncias entre a ausência do cinto de seguran-ça e o agravamento das lesões sofridas pelo autor.

IV - É matéria de direito – e incluída, por isso, na competência do tribunal de revista – o segundo momento da causalidade, referente ao nexo de ade-quação, de harmonia com o qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias.

V - No caso dos autos o nexo de adequação está presente uma vez que, em geral e abstracto, a ausên-cia de cinto de segurança é um facto omissivo apto a causar agravamento das lesões em caso de acidente de viação.

VI - O art. 570.º, n.º 1, manda atender exclusiva-mente à gravidade das culpas de ambas as partes e às consequências delas resultantes, não permitindo o julgamento segundo a equidade (art. 4.º do CC).

VII - Na avaliação global das condutas de lesante e lesado para que a lei aponta no art. 570.º, n.º 1, deve ser tida em conta a contribuição causal do facto cul-poso do lesado, não para a produção do acidente (que ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo se-guro na ré), mas somente para o aprofundamento das lesões (por não levar o cinto de segurança colocado).

VIII - Provando-se que as lesões sofridas pelo autor se agravaram por viajar deitado no banco de trás, que se encontrava rebatido, a dormitar e sem o cinto de segurança posto, ignorando-se, todavia, o peso relativo de cada um destes factores em tal agrava-mento e, bem assim, a medida, o grau deste, a indemnização a fixar deverá ser reduzida em 15%, por aplicação do disposto no art. 570.º, n.º 1, do CC.

TRABALHOReferências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 04-03-2009Recurso n.º 3620/2008 – 4.ª SecçãoAssunto: Prescrição de créditos laborais

I – Em acção em que se questiona, além do mais, a qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes, tendo a sentença da 1.ª instância dado por

assente que existiu uma relação jurídica de trabalho subordinado, que vigorou entre 1 de Abril de 2001 e 31 de Agosto de 2004, não tendo sido interposto recurso da referida sentença, na parte em que fixou a data de 31 de Agosto de 2004 como fim da relação laboral, a mesma transitou em julgado quanto ao momento da cessação do vínculo laboral.

II – O artigo 381º, nº 1, do Código do Trabalho, fixa o prazo de prescrição dos créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, em um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

III – Ao referido prazo não se aplica o disposto na alínea e) do artigo 279º do Código Civil, uma vez que a prescrição se verifica independentemente da prática de qualquer acto em juízo.

IV – Em conformidade com as proposições ante-riores, tendo sido interposto recurso da sentença da 1.ª instância apenas quanto à qualificação jurídica do contrato, e não tendo sido questionada a data em que cessou o vínculo laboral existente entre autor e ré (31 de Agosto de 2004), mesmo que esse vínculo assumisse as características de contrato laboral, em acção intentada em 16 de Setembro de 2005 não são devidos os créditos peticionados pelo autor, por prescrição dos mesmos, pois, não obstante o prazo de um ano ter terminado em férias judiciais (que decorreram entre 16 de Julho de 2005 e 14 de Setembro de 2005), a instauração da acção, para efeitos de prescrição, não se diferiu para depois das férias.

Referências: Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça, de 04-03-2009Recurso n.º 2581/08 – 4.ª SecçãoAssunto: Acidente de trabalho – valor

I – No âmbito do Código de Processo de Trabalho de 1981, às acções emergentes de acidente de trabalho, não se aplica o disposto no n.º 5 do art. 74.º desse Códi-go, de acordo com o qual «não há alçada nos processos emergentes de doenças profissionais e nos processos de contencioso das instituições de previdência, abono de família e organismos sindicais».

II – Nesta conformidade, não é admissível recurso de revista em acção emergente de acidente de tra-balho, intentada em 20-12-1994 e à qual foi fixado o valor processual de 750.001$20 (J 3.740,99) – quando, é certo, nessa data a alçada dos Tribunais da Relação era de 2.000.000$00 (art. 20, n.º 1 da Lei n.º 38/87, de 23-12) –, em que o requerente não invocou, no re-curso de revista, qualquer das situações excepcionais previstas no art. 678.º do CPC que podiam consentir o recurso fora do quadro geral da alçada do tribunal recorrido.

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Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

CAPÍTULO IRegimeJurídicodoProcessodeInventário

SECÇÃO IDisposiçõesgerais

Artigo 1.ºFunçõesdoinventário

1 - O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária ou, não carecendo de se realizar a partilha da herança, a relacionar os bens que consti-tuem objecto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança.

2 - Procede-se à partilha por inventário:a) Quando não houver acordo de todos os interessados na partilha;b) Quando o Ministério Público entenda que o interesse do incapaz a quem a

herança é deferida implica aceitação beneficiária;c) Nos casos em que algum dos herdeiros não possa, por motivo de ausência

em parte incerta ou de incapacidade de facto permanente, intervir em partilha registral ou notarial.

3 - Ao inventário destinado à realização dos fins previstos na segunda parte do n.º 1 é aplicável o presente regime jurídico, com as necessárias adaptações.

4 - O inventário pode ainda destinar-se à partilha consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges, nos termos previstos no artigo 71.º

Artigo 2.ºFasesepublicidadedoinventário

1 - O processo de inventário é composto pelas seguintes fases:a) Apresentação do requerimento de inventário;b) Conferência de interessados e eventual apresentação de licitações;c) Decisão da partilha.2 - As fases previstas nas alíneas b) e c) do número anterior são realizadas no

mesmo dia, a não ser que tal se revele absolutamente impossível.3 - No decurso do processo de inventário, devem ser publicados em sítio na

Internet, regulado por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, os seguintes actos:

a) Requerimento de inventário;

b) Citações efectuadas;c) Marcação da data da conferência de interessados;d) Decisão da partilha;e) Quaisquer outros actos que se considerem relevantes para as finalidades do

processo de inventário.4 - O acesso ao sítio da Internet referido no número anterior é condicionado

aos interessados através da atribuição de um código de acesso nos termos previstos na portaria referida no número anterior.

Artigo 3.ºCompetência

1 - Cabe aos serviços de registos a designar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça e aos cartórios notariais efectuar as diligências do processo de inventário, tendo o juiz o controlo geral do processo.

2 - Os interessados podem escolher qualquer serviço de registo designado nos termos do número anterior ou qualquer cartório notarial para apresentar o processo de inventário.

3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, são, entre outros, da competência do conservador e do notário os seguintes actos:

a) A decisão das questões prejudiciais, dos incidentes e das reclamações que ocorram no decurso do inventário;

b) A decisão de devolução dos interessados para o juiz que detém o controlo geral do processo;

c) A marcação e a presidência da conferência de interessados;d) A decisão de suspensão e de arquivamento do processo;e) A decisão da partilha.4 - É aplicável ao conservador ou notário o regime de impedimentos e suspeições

previsto para os magistrados judiciais.

Artigo 4.ºContrologeraldoprocesso

1 - O juiz tem controlo geral do processo de inventário, podendo, a todo o tempo, decidir e praticar os actos que entenda deverem ser decididos ou praticados pelo tribunal.

2 - Compete exclusivamente ao juiz:a) Proferir sentença homologatória da partilha;b) Praticar outros actos que, nos termos desta lei, sejam da competência do juiz.

Regime jurídico do processo de inventárioO regime jurídico do processo de inventário intro-

duz alterações ao Código Civil, Código do Processo Civil, Código do Registo Predial e ao Código do Registo Civil.

Este novo regime visa permitir que as conser-vatórias e os cartórios notariais possam tratar dos processos de inventário. Com esta medida procu-ram-se atingir dois objectivos: descongestionar os tribunais e tornar o processo de inventário mais célere.

A Lei 29/2009, de 29 de Junho, introduz uma alteração global ao processo de inventário regulado no Código de Processo Civil. No essencial mantem-se o requerimento do inventário e as reclamações; a conferência de interessados e a licitação, bem como a decisão e a homologação.

A finalidade do inventário também se mantém – a extinção de comunhão hereditária e partilha consequente à extinção da comunhão conjugal.

É estabelecida a competência para prática de actos no processo, atribuida aos serviços de registos

(a designar por Portaria do Ministro da Justiça) e aos Cartórios Notariais. Fica contudo reservado ao Juiz o controlo do processo. A este competirá proferir a decisão homologatória da partilha.

O requerimento será apresentado por modelo aprovado por despacho do Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado.

Este novo regime que entra em vigor em 18 de Janeiro de 2010.

Nesta edição transcrevemos a Lei n.º 29/2009, de 29.6, que aprova o Regime Jurídico do Processo de Inventário e altera o Código Civil, o Código de Pro-cesso Civil, o Código do Registo Predial e o Código do Registo Civil, no cumprimento das medidas de descongestionamento dos tribunais previstas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2007, de 6 de Novembro, o Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, procede à transposição da Direc-tiva n.º 2008/52/CE, do Parlamento e do Conselho, de 21 de Março, e altera o Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro.

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Artigo 5.ºLegitimidadepararequererouintervir

1 - Têm legitimidade para requerer e intervir no processo de inventário:a) Os interessados directos na partilha;b) O Ministério Público, quando a herança seja deferida a incapazes ou ausentes

em parte incerta ou ao Estado.2 - Quando haja herdeiros legitimários, os legatários e donatários são admitidos

a intervir em todos os actos susceptíveis de influenciar o cálculo ou determinação da legítima e implicar eventual redução das respectivas liberalidades.

3 - Os credores da herança e os legatários são admitidos a intervir nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos, cumprindo ao Ministério Público a representação da defesa dos interesses da Fazenda Pública.

Artigo 6.ºIntervençãojudicial

1 - O conservador ou o notário são obrigados a remeter os interessados para o juiz que detém o controlo geral do processo nos seguintes casos:

a) Verificação das questões prejudiciais referidas no n.º 1 do artigo 18.º;b) Apuramento de dívida litigiosa, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º;c) Verificação da insolvência da herança, nos termos do artigo 43.º;d) Na sequência de nova partilha, não tendo havido restituição pelo interessado

dos bens móveis que tenha recebido, para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 62.º

2 - Só o juiz que detém o controlo geral do processo pode aplicar a sanção civil prevista para a sonegação de bens, conforme o disposto no artigo 30.º

Artigo 7.ºAcessoaoprocesso

O juiz e o Ministério Público têm acesso ao processo através de meios electró-nicos para poderem exercer as competências que lhe estão atribuídas.

Artigo 8.ºConstituiçãoobrigatóriadeadvogado

1 - É obrigatória a constituição de advogado no inventário se forem suscitadas ou discutidas questões de direito.

2 - Em caso de recurso de decisões proferidas no processo de inventário é obrigatória a constituição de advogado.

Artigo 9.ºRepresentaçãodeincapazeseausentes

1 - O incapaz é representado por curador especial quando o representante legal concorra com ele à herança ou a ela concorrerem vários incapazes representados pelo mesmo representante.

2 - O ausente em parte incerta, não estando instituída a curadoria, é também representado por curador especial.

3 - Findo o inventário, os bens adjudicados ao ausente que carecerem de admi-nistração são entregues ao curador nomeado, que passa a ter, em relação aos bens entregues, os direitos e deveres do curador provisório, cessando a administração logo que seja deferida a curadoria.

4 - Os curadores especiais previstos nos n.os 1 e 2 são nomeados oficiosamente pelo conservador ou notário.

Artigo 10.ºIntervençãoprincipal

1 - Em qualquer altura do processo é possível a apresentação de intervenção principal espontânea ou provocada por qualquer interessado directo na partilha.

2 - Os interessados são notificados para responder, seguindo-se o disposto nos artigos 27.º e 28.º

3 - A apresentação da intervenção suspende o processo a partir da conferência de interessados.

Artigo 11.ºIntervençãodeoutrosinteressados

1 - Havendo herdeiros legitimários, os legatários e donatários que não tenham sido inicialmente citados para o inventário podem apresentar intervenção no processo, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo anterior.

2 - Os credores da herança podem reclamar no inventário os seus direitos, mesmo que estes não tenham sido relacionados no requerimento de inventário, até à conferência de interessados.

3 - O conservador ou notário podem, a qualquer momento do processo de inventário, determinar a intervenção de qualquer interessado que considerem preterido.

Artigo 12.ºEntregadedocumentosenotificações

1 - A apresentação do requerimento de partilha, da eventual oposição, bem como de todos os actos subsequentes deve realizar-se, sempre que possível, através de meios electrónicos.

2 - As notificações aos interessados, aos demais intervenientes e entre manda-tários são efectuadas de acordo com o disposto no Código de Processo Civil e, sempre que possível, através de meios electrónicos.

Artigo 13.ºPrazogeral

1 - Na falta de disposição especial, o prazo para os interessados requererem qualquer acto ou diligência, apresentarem incidentes ou praticarem qualquer outro acto é de 10 dias.

2 - O prazo para qualquer resposta conta-se sempre da notificação do acto a que se responde.

Artigo 14.ºVendaeapreensãodebens

1 - Cabe ao conservador ou notário procederem à apreensão dos bens prevista nos n.os 3 e 4 do artigo 24.º, bem como efectuar a respectiva venda para efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 39.º e no n.º 3 do artigo 58.º

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o conservador e o notário assumem todos os direitos e obrigações que impendem sobre os agentes de execução e o juiz que detém o controlo geral do processo exerce as funções que cabem, nos termos da lei, ao juiz de execução.

Artigo 15.ºHabilitaçãonoinventário

1 - Se antes de concluído o inventário falecer algum interessado directo na partilha, qualquer outro interessado pode indicar os sucessores do falecido, jun-tando os documentos que se mostrem necessários e que não possam ser obtidos oficiosamente, nos termos do artigo 22.º

2 - As pessoas indicadas são citadas para o inventário e os outros interessados são notificados da indicação.

3 - A legitimidade dos sucessores indicados pode ser impugnada, quer pelo citado, quer pelos outros interessados notificados, nos termos dos artigos 27.º e 28.º

4 - Na falta de impugnação, têm-se como habilitadas as pessoas indicadas, sem prejuízo de os sucessores eventualmente preteridos apresentarem a sua própria habilitação.

5 - Os sucessores do interessado falecido podem ainda pedir a respectiva habilitação, aplicando-se o disposto nos números anteriores.

6 - Se falecer algum legatário, credor ou donatário que tenha sido citado para o inventário, os seus herdeiros podem fazer-se admitir no processo, seguindo-se os termos previstos no número anterior.

7 - A habilitação do cessionário de quota hereditária e dos subadquirentes dos bens doados, sujeitos ao ónus de redução, pode fazer-se por qualquer uma das formas legalmente admissíveis.

Artigo 16.ºCumulaçãodeinventários

1 - É permitida a cumulação de inventários para a partilha de heranças diversas quando se verifiquem as seguintes situações:

a) Identidade de pessoas por quem devam ser repartidos os bens;b) Heranças deixadas pelos dois cônjuges;c) Uma das partilhas esteja dependente da outra ou das outras.2 - No caso previsto na alínea c) do número anterior, se a dependência for parcial

por haver outros bens, o conservador ou notário podem indeferir a cumulação quando a mesma se afigure inconveniente para os interesses das partes ou para a tramitação célere do inventário.

Artigo 17.ºDireitodepreferênciadosinteressadosnapartilha

1 - A preferência dos interessados na partilha na alienação de quinhões heredi-tários pode ser exercida no processo de inventário.

2 - Apresentando-se a preferir mais de um interessado, o quinhão objecto de alienação é adjudicado a todos, na proporção dos seus quinhões.

3 - O exercício do direito de preferência suspende o processo a partir da conferência de interessados.

4 - O não exercício da preferência no processo de inventário não preclude o direito de intentar acção de preferência nos termos gerais.

5 - Se for exercido direito de preferência fora do processo de inventário, pode determinar-se, oficiosamente ou a requerimento de algum dos interessados directos na partilha, a suspensão do inventário, nos termos do artigo 279.º do Código de Processo Civil, aplicável com as necessárias adaptações.

�� VidaJudiciáriaSetembro/2009

Artigo 18.ºQuestõesprejudiciaisesuspensãodoinventário

1 - Se, na pendência do inventário, se suscitarem questões prejudiciais das quais dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha e que não possam ser decididas no inventário por falta de prova documental, o conservador ou notário, logo que os bens estejam relacionados, determinam a suspensão do processo até que haja decisão definitiva, remetendo os interessados para o juiz que detém o controlo geral do processo.

2 - A suspensão do inventário pode ainda ser determinada quando estiver pendente em tribunal causa prejudicial em que se debata alguma das questões a que se refere o número anterior.

3 - A requerimento dos interessados directos na partilha, o conservador ou notário podem autorizar o prosseguimento do inventário para realização de parti-lha provisória, sujeita a posterior alteração em conformidade com o que vier a ser decidido, quando ocorra uma das seguintes situações:

a) Demora anormal na propositura ou julgamento da causa prejudicial;b) Os inconvenientes no diferimento da partilha superem os que derivam da

sua realização como provisória.4 - Realizada a partilha provisória, é aplicável o disposto no artigo 62.º, relativa-

mente à entrega aos interessados dos bens que lhes couberem.5 - Se um dos interessados for nascituro, o inventário é suspenso a partir da

conferência de interessados até ao nascimento do interessado.

Artigo 19.ºQuestõesdefinitivamenteresolvidasnoinventário

Consideram-se definitivamente resolvidas as questões prejudiciais relativamente às quais, no inventário, houve acordo de todos os interessados directos na partilha, desde que estes tenham sido regularmente admitidos a intervir no processo.

Artigo 20.ºArquivamentodoprocesso

1 - Se o processo estiver parado durante mais de um mês por negligência dos interessados em promover os seus termos, o conservador ou notário notificam imediatamente os interessados para que estes pratiquem os actos em falta no prazo de 10 dias.

2 - Se os interessados não praticarem os actos em falta ou não justificarem fun-dadamente a sua omissão, o conservador ou notário determinam o arquivamento do processo, salvo se puderem oficiosamente praticar os actos devidos.

SECÇÃO IIRequerimentodeinventárioeoposiçãodosinteressados

Artigo 21.ºRequerimentodeinventário

1 - No requerimento de inventário deve constar :a) A identificação do autor da herança, o lugar da sua última residência e a data

e o lugar em que tenha falecido;b) A identificação dos interessados directos na partilha, bem como dos legatários,

credores da herança e, havendo herdeiros legitimários, dos donatários, com indicação das respectivas residências actuais ou domicílios profissionais;

c) A relação dos bens que integram a herança;d) A identificação dos testamentos, convenções antenupciais e doações que se

mostrem necessárias;e) Outra informação que o requerente considere pertinente para o desenvol-

vimento do processo.2 - O modelo do requerimento de inventário é aprovado por despacho do

presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN, I. P.).3 - Para efeito do disposto no n.º 1 do artigo 4.º, o requerimento de inventário

e documentação anexa são enviados, por via electrónica, ao tribunal.

Artigo 22.ºDiligênciasoficiosasdeinstrução

1 - O registo ou assento de óbito devem ser comprovados por meios elec-trónicos, nos termos previstos em portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

2 - O disposto no número anterior é aplicável à comprovação da existência de perfilhação, quando tenha sido declarada, bem como das convenções antenupciais lavradas em conservatória do registo civil.

3 - A comprovação do teor dos testamentos, convenções antenupciais lavradas por notário e escrituras de doação deve ser efectuada através de meios electró-nicos, caso existam, ou por meio de certidão solicitada oficiosamente ao notário que tiver lavrado tais actos.

Artigo 23.ºRelaçãodebens

1 - Os bens que integram a herança são relacionados por meio de verbas, sujeitas

a uma só numeração, indicando os bens imóveis, os bens móveis, os direitos de crédito, e o respectivo valor.

2 - As dívidas são relacionadas em separado com outra numeração.3 - A prova da situação registral dos bens sujeitos a registo é feita oficiosamente

por meios electrónicos, nos termos previstos em portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

4 - Não havendo inconveniente para a partilha, podem ser agrupados, na mesma verba, os móveis, ainda que de natureza diferente, desde que se destinem a um fim unitário e sejam de valor diminuto.

5 - As benfeitorias pertencentes à herança são descritas em espécie, quando possam separar-se do prédio em que foram realizadas, ou como simples crédito, no caso contrário e as benfeitorias efectuadas por terceiros em prédio da herança são descritas como dívidas, quando não possam ser levantadas por quem as realizou.

6 - O conservador ou notário devem, oficiosamente e nos termos previstos na portaria referida no n.º 3, localizar nas bases de dados registrais bens que façam parte da herança.

7 - O conservador e o notário podem, oficiosamente ou a requerimento, solicitar a instituição bancária, intermediário financeiro, ou emitente, a prestação de informações sobre depósitos bancários e instrumentos financeiros de que o falecido fosse titular ou co-titular.

8 - No caso previsto no número anterior, a prestação das informações solicitadas não pode ser recusada com base em sigilo profissional.

Artigo 24.ºRelaçãodosbensquenãoseencontremempoderdorequerentedoinventário

1 - Se o requerente do inventário declarar que está impossibilitado de relacio-nar alguns bens que estejam em poder de outra pessoa, é esta notificada para, no prazo de 10 dias, facultar o acesso a tais bens e fornecer os elementos necessários à respectiva inclusão na relação de bens.

2 - Se o notificado alegar que os bens não existem ou não têm de ser relacio-nados, observa-se o disposto no n.º 3 do artigo 29.º

3 - Se o notificado não cumprir o dever de colaboração que lhe cabe, o con-servador ou notário efectuam as diligências necessárias, incluindo a apreensão dos bens pelo tempo indispensável à sua inclusão na relação de bens, devendo imediatamente dar conta ao juiz da apreensão efectuada para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 4.º

4 - Para os efeitos do disposto no número anterior, o conservador ou notário podem solicitar a colaboração de autoridades administrativas ou policiais.

Artigo 25.ºCitaçãodosinteressados

São citados para o inventário os interessados directos na partilha, o Minis-tério Público junto do tribunal competente para o controlo geral do processo, quando a sucessão seja deferida a incapazes ou ausentes em parte incerta ou ao Estado, os legatários, os credores da herança e, havendo herdeiros legitimários, os donatários.

Artigo 26.ºFormaeconteúdodascitações

1 - As citações são efectuadas por carta registada com aviso de recepção, sendo aplicável o disposto no artigo 12.º do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.

2 - Frustrando-se a possibilidade de citação pela forma prevista no n.º 1, pro-cede-se à citação edital, efectuada pela publicação de anúncio em sítio na Internet de acesso público, regulado por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

3 - Na citação, os citandos são advertidos do âmbito da sua intervenção, nos termos do artigo 5.º, e da faculdade de deduzir oposição ou impugnação, nos termos do artigo seguinte.

4 - Verificada, em qualquer altura, a falta de citação de algum interessado, é este citado com a cominação de que, se nada requerer no prazo de 10 dias, o processo se considera ratificado.

5 - Dentro do prazo previsto no número anterior, é o citado admitido a exercer os direitos que lhe competiam.

Artigo 27.ºOposiçãoaoinventário

1 - Os interessados directos na partilha e o Ministério Público, quando haja sido citado, podem, nos 15 dias subsequentes à citação:

a) Apresentar oposição ao inventário;b) Impugnar a legitimidade dos interessados citados, alegar a existência de outros

ou os elementos constantes do requerimento do inventário;c) Reclamar contra a relação de bens, indicando bens que devam ser relacionados

e o respectivo valor, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguindo qualquer inexactidão na descrição dos bens que releve para a partilha.

2 - Quando houver herdeiros legitimários, os legatários e donatários podem apresentar oposição relativamente às questões que possam afectar os seus direitos.

�0VidaJudiciáriaSetembro/2009

Artigo 28.ºTramitaçãosubsequente

1 - Os interessados com legitimidade para intervir nas questões suscitadas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior são notificados para responder, em 10 dias.

2 - Efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente pelo conservador ou notário, a questão é decidida, sem prejuízo do disposto no artigo 18.º

Artigo 29.ºDecisãodasreclamaçõesapresentadas

1 - Quando seja apresentada reclamação contra a relação de bens, o requerente do inventário é notificado para relacionar os bens em falta ou responder, no prazo de 10 dias.

2 - Se o requerente do inventário confessar a existência dos bens cuja falta foi indicada, procede imediatamente ao aditamento da relação de bens inicialmente apresentada, notificando-se os restantes interessados e o Ministério Público, nos casos em que tenha intervenção principal no processo, da modificação efectuada.

3 - Não se verificando a situação prevista no número anterior, notificam-se os restantes interessados com legitimidade para se pronunciarem e o Ministério Público, nos casos em que tenha intervenção principal no processo, aplicando-se o disposto no n.º 2 do artigo anterior e decidindo o conservador ou notário da existência de bens e da pertinência do seu relacionamento, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

4 - As alterações e aditamentos ordenados são oficiosamente introduzidos na relação de bens inicialmente apresentada.

5 - O disposto neste artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, quando terceiro se arrogue a titularidade de bens relacionados e requeira a sua exclusão do inventário.

Artigo 30.ºSonegaçãodebens

A existência de sonegação de bens, nos termos da lei civil, é apreciada conjun-tamente com a alegação da falta de bens relacionados, podendo o juiz que detém o controlo geral do processo aplicar, quando provada, a sanção civil prevista no artigo 2096.º do Código Civil.

Artigo 31.ºNegaçãodedívidasactivas

1 - Se uma dívida activa, relacionada pelo requerente do inventário, for negada pelo pretenso devedor, aplica-se o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º, com as necessárias adaptações.

2 - Sendo mantido o relacionamento do débito, a dívida considera-se litigiosa, re-metendo-se os interessados para o juiz que detém o controlo geral do processo.

Artigo 32.ºAvaliaçãodosbenspreviamenteàconferênciadeinteressados

1 - Para garantir uma repartição igualitária e equitativa dos bens pelos vários interessados, as verbas podem ser avaliadas por árbitro a pedido dos interessados ou por iniciativa do conservador ou notário.

2 - A avaliação prevista no número anterior não vincula o conservador ou o notário, que dela podem divergir, oficiosamente ou a requerimento dos interessados.

SECÇÃO IIIConferênciadeinteressadosepartilha

SUBSECÇÃO IConferênciadeinteressados

Artigo 33.ºMarcaçãodaconferênciadeinteressadosedapartilha

1 - Resolvidas as questões suscitadas susceptíveis de influenciar a partilha e de-terminados os bens a partilhar, o conservador ou notário designam imediatamente dia para a realização da conferência de interessados e da partilha.

2 - Os interessados na partilha são notificados para comparecer ou fazer-se representar por mandatário com poderes especiais, podendo confiar o mandato a qualquer outro interessado.

3 - A conferência e a partilha podem ser adiadas, por determinação do con-servador ou notário ou a requerimento de qualquer interessado, por uma só vez, se faltar algum dos convocados e houver razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões.

4 - Para efeito do disposto no artigo 4.º, o conservador ou notário informam, por via electrónica, o juiz sobre as questões susceptíveis de influenciar a partilha que consideram resolvidas e identificam os bens a partilhar, indicando, ainda, o dia designado para a realização da conferência de interessados e da partilha.

Artigo 34.ºActospraticadosnaconferênciadeinteressados

Na conferência de interessados são praticados os seguintes actos, pela ordem indicada:

a) Composição dos quinhões dos interessados;b) Aprovação do passivo da herança e da forma de cumprimento dos legados

e encargos da herança, caso existam;c) Licitações, caso haja lugar às mesmas.

DIVISÃO IComposiçãodosquinhões,aprovaçãodopassivoeformadecumprimento

doslegadoseencargos

Artigo 35.ºComposiçãodosquinhõesdosinteressados

1 - Os interessados podem acordar, por unanimidade, e ainda com a concordância do Ministério Público, quando este tenha intervenção principal no processo, que a composição dos quinhões se realize através de uma das seguintes formas:

a) Designando as verbas que hão-de compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados;

b) Indicando as verbas ou lotes e respectivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objecto de sorteio pelos interessados;

c) Acordando na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados.

2 - Na falta do acordo previsto no número anterior, a conferência deve deliberar sobre:

a) A atribuição de um valor aos bens relacionados;b) Quaisquer questões cuja resolução possa influenciar a partilha.3 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior :a) O valor dos prédios inscritos na matriz é o respectivo valor matricial, com-

provado por acesso à base de dados da entidade competente ou, se tal não for possível, por solicitação oficiosa de documento comprovativo à mesma entidade, a menos que tais prédios tenham sido avaliados no âmbito do processo de inventário, caso em que o valor é o dessa avaliação;

b) São mencionados como bens ilíquidos:i) Os direitos de crédito ou de outra natureza, cujo valor não seja ainda possível

determinar ;ii) As partes sociais em sociedades cuja dissolução seja determinada pela morte

do inventariado, desde que a respectiva liquidação não esteja concluída, mencio-nando-se, entretanto, o valor que tinham segundo o último balanço.

4 - A deliberação dos interessados presentes, relativa às matérias previstas no n.º 2, vincula os que não comparecerem, salvo se não tiverem sido devidamente notificados.

Artigo 36.ºReconhecimentodasdívidasaprovadasportodos

1 - As dívidas que sejam aprovadas pelos interessados maiores e por aqueles a quem compete a aprovação por parte dos menores ou equiparados consideram-se reconhecidas, devendo a decisão da partilha ordenar o seu pagamento.

2 - Quando a lei exija prova documental para a demonstração da sua existência, não pode a dívida ser aprovada por parte dos menores ou equiparados sem que se junte ou exiba a prova exigida.

Artigo 37.ºVerificaçãodedívidas

Se todos os interessados forem contrários à aprovação da dívida, o con-servador ou notário decidem da sua existência através da prova documental apresentada.

Artigo 38.ºDivergênciasentreosinteressadossobreaaprovaçãodedívidas

Havendo divergências sobre a aprovação da dívida, aplica-se o disposto no artigo 36.º à quota-parte relativa aos interessados que a aprovem e quanto à parte restante, observa-se o disposto no artigo anterior.

(Continua no próximo número)

�1 VidaJudiciáriaSetembro/2009

Principal legislação publicada1ª e 2ª Séries do Diário da Repúblicade 17 de Junho a 31 de Julho de 2009

Associações na horaPort. n.º 698/2009, de 2.7- Alarga a várias conservatórias a competên-cia para a tramitação do regime especial de constituição imediata de associações.

Campos de fériasDL n.º 163/2009, de 22.7- Segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 304/2003, de 9 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico de acesso e de exercício da actividade de promoção e organização de campos de férias.

Campus de Justiça de AveiroResol. do Cons. de Ministros n.º 60/2009,de 22.7- Autoriza, na sequência do Programa de Modernização do Sistema Judicial, a transfe-rência dos serviços de justiça de Aveiro para o Campus de Justiça de Aveiro, sito na Praça do Marquês de Pombal.

Código do IRSDL n.º 159/2009, de 13.7- No uso da autorização legislativa concedida pelos n.os 1 e 2 do artigo 74.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, altera o Código do IRC, adaptando as regras de determinação do lucro tributável às normas internacionais de contabilidade tal como adoptadas pela União Europeia, bem como aos normativos contabilísticos nacionais que visam adaptar a contabilidade a essas normas.

Código FlorestalLei n.º 36/2009, de 20.7- Autoriza o Governo a aprovar o Código Florestal.

Coeficientes de desvalorização da moedaPort. n.º 772/2009, de 21.7- Actualiza os coeficientes de desvalorização da moeda a aplicar aos bens e direitos alie-nados durante o ano de 2009, para efeitos de determinação da matéria colectável do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares.

Comissão de Normalização ContabilísticaDL n.º 160/2009, de 13.7- Aprova o regime jurídico de organização e o funcionamento da Comissão de Normaliza-ção Contabilística e revoga o Decreto-Lei n.º 367/99, de 18 de Setembro.

Convenções para evitardupla tributaçãoResol. da AR n.º 55/2009, de 30.7- Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e Prevenir a Evasão Fiscal, assinada em Lisboa em 17 de Outubro de 2008.

Defesa NacionalLei n.º 31-A/2009, de 7.7 (Supl.)- Aprova a Lei de Defesa Nacional.

Desporto – combate à violênciaLei n.º 39/2009, de 30.7- Estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à in-tolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança.

Distritos judiciais – quadro de juízese magistradosPort. n.º 680/2009, de 25.6- Fixa o quadro complementar de juízes e de magistrados do Ministério Público para os distritos judiciais e revoga a Portaria n.º 412-A/99, de 7 de Junho, que fixa o quadro complementar de juízes e de procuradores-adjuntos.

Dopagem no desportoLei n.º 27/2009, de 19.6- Estabelece o regime jurídico da luta contra a dopagem no desporto.

Estabelecimento de Vale do SousaDL n.º 149/2009, de 29.6- Cria o Estabelecimento Prisional Regional do Vale do Sousa.

Estatuto dos Tribunais Administrativose FiscaisDL n.º 166/2009, de 31.7- No uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 125.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, procede à 8.ª alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, prevendo a possibilidade de desdobramento dos tribunais tributários em três níveis de especialização e a criação de gabinetes de apoio aos magistrados da jurisdição administrativa e fiscal.

Estatuto dos MagistradosLei n.º 37/2009, de 20.7- Décima segunda alteração à Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), e oitava alteração à Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público), no sentido de conferir aos magis-trados direito ao abono de ajudas de custo e de transporte para a frequência em acções de formação contínua.

Estrangeiros – meios de subsistênciaPort. n.º 760/2009, de 16.7- Adopta medidas excepcionais quanto ao regime que fixa os meios de subsistência de que devem dispor os cidadãos estrangeiros para a entrada e permanência em território nacional.

Indemnização por dano corporalPort. n.º 679/2009, de 25.6- Primeira alteração à Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de pro-posta razoável para indemnização do dano corporal.

InventárioLei n.º 29/2009, de 29.6- Aprova o Regime Jurídico do Processo de Inventário e altera o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Código do Registo Predial e o Código do Registo Civil, no cumprimento das medidas de descongestionamento dos tribunais previstas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2007, de 6 de Novembro, o Regime do Registo Nacional de Pessoas Co-lectivas, procede à transposição da Directiva n.º 2008/52/CE, do Parlamento e do Conselho, de 21 de Março, e altera o Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro.

Juros comerciaisAviso n.º 12184/2009, de 10.7 (II Série)- Fixa a taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam ti-tulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, nos termos do § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial, em vigor no 2.º semestre de 2009 é de 8,00%.

Mediação PenalPort. n.º 732/2009, de 8.7- Altera a Portaria n.º 68-C/2008, de 22 de Ja-neiro, que aprova o Regulamento do Sistema de Mediação Penal.

�2VidaJudiciáriaSetembro/2009

Mediador de créditoDecreto-Lei n.º 144/2009, de 17.6 - Cria o mediador do crédito.

Normalização contabilísticaDL n.º 158/2009, de 13.7 - Aprova o Sistema de Normalização Conta-bilística e revoga o Plano Oficial de Contabi-lidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47/77, de 7 de Fevereiro.

Orçamento suplementar 2009 da ARResol. da AR n.º 50/2009, de 15.7- 2.º orçamento suplementar da Assembleia da República para 2009.

Política Criminal 2009-2011Lei n.º 38/2009, de 20.7- Define os objectivos, prioridades e orien-tações de política criminal para o biénio de 2009-2011, em cumprimento da Lei n.º 17/2006 de 23 de Maio (Lei Quadro da Política Criminal).

Preço da habitação por m2 2009Port. n.º 669/2009, de 22.6- Fixa, para vigorar em 2009, o preço da habi-tação por metro quadrado de área útil (Pc) a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de Abril.

Procurações – acessos electrónicosPort. n.º 696/2009, de 30.6- Estabelece os termos e condições da dispo-nibilização de acessos electrónicos com valor de certidão às procurações registadas através da Internet.

Provedor de JustiçaResol. do Cons. de Ministros n.º 46/2009,de 13.7- Designação do Provedor de Justiça.

Regime excepcional de acesso de juízes às RelaçõesLei n.º 30/2009, de 30.6- Aprova norma transitória que estabelece regime excepcional de acesso de juízes aos Tribunais da Relação.

Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades FinanceirasDL n.º 162/2009, de 20.7- Altera o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, apro-vado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, o Decreto-Lei n.º 345/98, de 9 de Novembro, que regula o funcionamento do Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mú-tuo, e o regime jurídico relativo ao Sistema de Indemnização aos Investidores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 222/99, de 22 de Junho, transpondo para a ordem jurídica interna

a Directiva n.º 2009/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, que altera a Directiva n.º 94/19/CE, relativa aos sistemas de garantia de depósitos no que respeita ao nível de cobertura e ao prazo de reembolso.

REGIÕES AUTÓNOMAS- MadeiraSubsídio social de mobilidadeResolução da ALRA Madeira n.º 7/2009/M,de 18.6- Resolve apresentar à Assembleia da Re-pública a proposta de lei de alteração ao Decreto-Lei n.º 66/2008 de 9 de Abril, que regula a atribuição de um subsídio social de mobilidade aos cidadãos beneficiários no âmbito dos serviços aéreos entre o continente e a Região Autónoma da Madeira.

- AçoresOrçamento suplementar dos AçoresResolução da ALR RA DO Açoresn.º 16/2009/A, de 6.7- Aprova o 1.º Orçamento Suplementar da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores para o ano de 2009.

Registo civil onlinePortaria n.º 654/2009, de 17.6- Regulamenta os pedidos online de actos e de processos de registo civil.

Sector financeiro – crimes e contra-ordenações – regime sancionatórioLei n.º 28/2009, de 19.6 - Revê o regime sancionatório no sector financeiro em matéria criminal e contra-ordenacional.

Sistema judicial – tratamento de dadosLei n.º 34/2009, de 14.7- Estabelece o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial e procede à segunda alteração à Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, que estabelece o estatuto do administrador da insolvência.

Sociedades financeiras – capital social mínimoPort. n.º 746/2009, de 14.7- Quinta alteração à Portaria n.º 95/94, de 9 de Fevereiro, que fixa o capital social mínimo das instituições de crédito e das sociedades financeiras.

TRABALHO E SEGURANÇA SOCIALCCT – comerciantes de materiaisde construçãoPortaria n.º 663/2009, de 17.6- Aprova o regulamento de extensão dos CCT entre a AÇOMEFER – Associação Portuguesa dos Grossistas de Aços, Metais e Ferramentas e o SITESC - Sindicato de Quadros, Técnicos Administrativos, Serviços e Novas Tecnolo-gias e outros e entre a Associação Portuguesa

dos Comerciantes de Materiais de Construção e as mesmas associações sindicais.

CCT – Industria e cerâmicaPortaria n.º 664/2009, de 17.6- Aprova o regulamento de extensão das alterações do CCT entre a APCOR – Asso-ciação Portuguesa de Cortiça e outra e a FETICEQ – Federação dos Trabalhadores das Indústrias Cerâmicas, Vidreira, Extractiva, Energia e Química (pessoal fabril).

CCT – Sector eléctricoPortaria n.º 665/2009, de 17.6- Aprova o regulamento de extensão do CCT entre a AGEFE – Associação Empresarial dos Sectores Eléctrico, Electrodoméstico, Fotográfico e Electrónico e a FEPCES - Fede-ração Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros.

Forças Armadas – apoio na doençaLei n.º 26/2009, de 18.6- Procede à sétima alteração ao Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, estabelecendo o apoio na doença aos deficientes das Forças Armadas.

Medicamentos genéricosPort. n.º 668/2009, de 19.6- Segunda alteração à Portaria n.º 1016-A/2008, de 8 de Setembro, que reduz os preços máximos de venda ao público dos medicamen-tos genéricos.

Desempregados – apoio no créditoà habitaçãoDec. Legisl. Reg.l n.º 15/2009/M, de 22.6- Estabelece o regime de apoio financeiro às prestações de crédito à habitação para traba-lhadores desempregados.

Subsídio social de desempregoDL n.º 150/2009, de 30.6- Estabelece um regime de alargamento das condições de atribuição do subsídio social de desemprego.

CCT – Comércio e serviçosPort. n.º 727/2009, de 7.7- Aprova o regulamento de extensão dos CCT entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal e entre a mesma associação de empregadores e a FEPCES – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Ser-viços e outros.

CCT – CortiçaPort. n.º 728/2009, de 7.7- Aprova o regulamento de extensão das alte-rações do CCT entre a APCOR – Associação

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Portuguesa de Cortiça e o Sindicato do Comér-cio, Escritórios e Serviços (SNDCES/UGT).

CCT – Produtos químicosPort. n.º 729/2009, de 7.7- Aprova o regulamento de extensão do CCT entre a GROQUIFAR – Associação de Gros-sistas de Produtos Químicos e Farmacêuticos e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outro (comércio por grosso de produtos farmacêuticos).

CCT – Construção, cerâmica e vidroPort. n.º 730/2009, de 7.7- Aprova o regulamento de extensão dos CCT entre a Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal e outras e a FEVICCOM - Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro e outras e entre as mesmas associações de empregadores e o SETACCOP - Sindicato da Construção, Obras Públicas e Serviços Afins e outra.

Pensão de invalidez – condições especiais para pilotos de aeronavesDL n.º 156/2009, de 9.7- Regula, no âmbito do regime geral de segu-rança social, as condições especiais de acesso às pensões de invalidez e velhice dos pilotos comandantes e co-pilotos de aeronaves de transporte comercial de passageiros, carga ou correio e revoga os Decretos-Leis n.os 436/85, de 23 de Outubro, e 392/90, de 10 de Dezembro.

Apoio social a estudantesdo ensino superiorResol. do Cons. de Ministros n.º 59/2009,de 10.7- Aprova um conjunto de medidas de apoio social aos estudantes do ensino superior.

Programa Qualificação-EmpregoPort. n.º 765/2009, de 16.7- Segunda alteração à Portaria n.º 126/2009, de 30 de Janeiro, que cria o Programa Quali-ficação-Emprego.

CCT – Industriais de Papel e CartãoPort. n.º 767/2009, de 17.7- Aprova o regulamento de extensão dos CCT entre a Associação Nacional dos Industriais de Papel e Cartão e o Sindicato dos Traba-lhadores das Indústrias de Celulose, Papel, Gráfica e Imprensa e entre a mesma asso-ciação de empregadores e o SINDETELCO – Sindicato Democrático dos Trabalhadores das Comunicações e Media.

CCT – Comércio e serviços de AveiroPort. n.º 768/2009, de 17.7- Aprova o regulamento de extensão dos CCT entre a Associação Comercial de Aveiro e o SINDCES – Sindicato do Comércio, Escritó-

rios e Serviços e entre a mesma associação de empregadores e o CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal.

CCT – Comércio e serviços de BragaPort. n.º 769/2009, de 17.7- Aprova o regulamento de extensão das alte-rações do CCT entre a Associação Comercial de Braga – Comércio, Turismo e Serviços e outras e o SITESC – Sindicato de Quadros, Técnicos Administrativos, Serviços e Novas Tecnologias e outro.

CCT – Actividade seguradoraPort. n.º 770/2009, de 17.7- Aprova o regulamento de extensão das alte-rações do CCT entre a Associação Portuguesa de Seguradores e outro e o STAS - Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora e outros.

CCT – Industriais de LacticíniosPort. n.º 828/2009, de 30.7- Aprova o regulamento de extensão das al-terações do CCT entre a ANIL – Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios e várias organizações cooperativas de produ-tores de leite e o Sindicato dos Profissionais de Lacticínios, Alimentação, Agricultura, Escritórios, Comércio, Serviços, Transportes Rodoviários, Metalomecânica, Metalurgia, Construção Civil e Madeiras e do CCT entre a mesma associação de empregadores e várias organizações cooperativas de produtores de leite e o SETAA – Sindicato da Agricultura, Alimentação e Florestas.

CCT – Comerciantes e Industriaisde Bebidas Espirituosas / armazénsPort. n.º 830/2009, de 30.7- Aprova o regulamento de extensão das alte-rações do CCT entre a ANCEVE – Associação Nacional dos Comerciantes e Industriais de Bebidas Espirituosas e Vinhos e outra e o SITESC – Sindicato de Quadros, Técnicos, Administrativos, Serviços e Novas Tecnolo-gias e outros (armazéns).

CCT – Comerciantes e Industriaisde Bebidas Espirituosas / vendasPort. n.º 831/2009, de 30.7- Aprova o regulamento de extensão das alte-rações do CCT entre a ANCEVE – Associação Nacional dos Comerciantes e Industriais de Bebidas Espirituosas e Vinhos e outra e o SITESC – Sindicato de Quadros, Técnicos, Administrativos, Serviços e Novas Tecnolo-gias e outros (administrativos e vendas).

Urgências – direito de acompanhamento ao SNSLei n.º 33/2009, de 14.7- Direito de acompanhamento dos utentes dos serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

ACÓRDÃOSCrime de desobediência qualificadaAcórdão do Tribunal Constitucionaln.º 187/2009, de 17.6- Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 138.º, n.º 2, do Código da Estra-da, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que submete ao regime do crime de desobe-diência qualificada quem conduzir veículos automóveis estando proibido de o fazer por força da aplicação da pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal, constante de sentença criminal transitada em julgado, por violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa.

Capacidade de endividamentoAcórdão do Tribunal de Contas n.º 1/2009,de 17.6- Fixa jurisprudência no sentido de que a contracção de empréstimos a médio e longo prazo pelos municípios para aplicação em investimentos pressupõe a demonstração de que os mesmos têm capacidade de en-dividamento para o efeito, como resulta do disposto no n.º 6 do artigo 38.º da Lei das Finanças Locais. A referida capacidade de endividamento é calculada com base nos critérios estabelecidos nos artigos 36.º, 37.º, n.º 1, e 39.º, n.º 2, da mesma Lei, com refe-rência à data da contracção dos empréstimos. A falta de demonstração dessa capacidade de endividamento constitui fundamento de recusa de visto aos contratos.

Deconto do período de detençãoAcórdão do Supremo Tribunal de Justiçan.º 10/2009, de 24.6- Nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do Códi-go Penal, não é de descontar o período de detenção a que o arguido foi submetido, ao abrigo dos artigos 116.º, n.º 2, e 332.º, n.º 8 , do Código de Processo Penal, por ter faltado à audiência de julgamento, para a qual havia sido regularmente notificado, e a que, injusti-ficadamente, faltou.

Homicídio na forma tentadaAcórdão do Supremo Tribunal de Justiçan.º 11/2009, de 21.7- É autor de crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, n.os 1 e 2, alínea c), 23.º, 26.º e 131.º, todos do Código Penal, quem decidiu e planeou a morte de uma pessoa, contactando outrem para a sua con-cretização, que manifestou aceitar, mediante pagamento de determinada quantia, vindo em consequência o mandante a entregar-lhe parte dessa quantia e a dar-lhe indicações relacionadas com a prática do facto, na con-vicção e expectativa dessa efectivação, ainda que esse outro não viesse a praticar qualquer acto de execução do facto.

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ACÓRDÃOS DO STJdisponíveis em www.dgsi.pt

Acidente de trablho

Sumário:“O artigo 18.º do Regime Jurídico dos Aci-dentes de Trabalho e das Doenças Profis-sionais, constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que consigna o agravamento das prestações destinadas à reparação de acidentes de trabalho, em casos especiais, prevê, no seu n.º 1, dois fundamentos autó-nomos para o agravamento: (i) um compor-tamento culposo da entidade empregadora ou seu representante; (ii) a não observação pela empregadora das regras sobre seguran-ça, higiene e saúde no trabalho. II - A única diferença entre aqueles dois fundamentos reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desne-cessária no segundo, ambos exigindo, para além, respectivamente, da demonstração do comportamento culposo ou da violação normativa, a prova do nexo causal entre o acto ou a omissão – que os corporizam – e o acidente que veio a ocorrer. III - Incorre em violação de regras de segu-rança — designadamente das que emergem dos artigos 8.º, n.ºs 1, 2, alínea a), e 3, 9.º, n.º 1, alínea a), e 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, e 4.º, alíne-as a), b) e e), 5.º, n.º 1, 15.º, n.º 1, e 16.º do Decreto-Lei n.º 82/99, de 16 de Março — a entidade empregadora que: — (i) mantém em funcionamento uma máquina espreme-dora de malha, dotada de um tambor que atinge cerca de 2.000 rotações por minuto, apresentando, desde sempre, uma folga de 2 centímetros na respectiva tampa que, quando forçada atingia 12 centímetros, máquina que nunca foi sujeita a qualquer verificação ou ensaio periódico, e cujo dispositivo de corte geral não possibilita o bloqueio automático; — (ii) não proporcio-nou ao trabalhador, que opera com aquele equipamento, formação quanto ao modo de funcionamento do mesmo, condições de utilização e riscos inerentes. IV - Se, relativamente às circunstâncias de um acidente, envolvendo a utilização da referida máquina, apenas se prova que, «quando o trabalhador sinistrado, após ter enchido a máquina que espreme a malha depois de lavada e ter fechado a respectiva tampa, a pôs em funcionamento, uma peça de malha saltou do interior da mesma, vindo a atingi-lo», ficando por apurar a razão e a forma como a peça de malha se soltou da máquina, não pode afirmar-se que a dita folga de 12 centímetros integrou o processo causal do acidente, pois a factualidade dis-ponível não autoriza a conclusão de que se a empregadora tivesse procedido à reparação da folga a peça não se teria projectado para o exterior da máquina.V - Em tal conformidade, não pode ter-se por verificado o nexo de causalidade entre a apontada violação de regras de segurança e o evento danoso.(Proc. n.º 09S0375, de 7/7/2009)

Enriquecimento sem causa

Sumário:“I - A responsabilidade civil pré-contratual (art. 227.º do CC) subjectiva exige os seguintes pressupostos: 1) um facto voluntário, positivo ou omissivo do agente; 2) a ilicitude; 3) a culpa; 4) o dano; 5) e o nexo de causalidade entre o facto e dano.II - Esta responsabilidade civil pré-contratual abrange os danos culposamente causados à contraparte, tanto na fase negociatória ou preliminar, como na fase decisória, abrangendo esta, por conseguinte, a fase da redacção final das cláusulas do contrato. No seu conceito estão englobadas quer as hipóteses de negócio inválido e ineficaz, quer aquelas em que se haja estipu-lado um negócio válido e eficaz, mas surgem no seu processo formativo danos a reparar.III - Provando-se que o A. entregou ao R. (a solicitação deste e “por conta do acordo que iria ser futuramente concretizado entre ambos”) a quantia de 10.000 contos, como entrada ou primeiro pagamento da quantia de 40.000 contos, que admitiu pagar ao R. para adquirir 40 % das quotas sociais numa determinada sociedade por quotas, caso o seu advogado lhe desse parecer favorável a essa aquisição, depois de analisar as contas e documentação da dita sociedade que o R. lhe iria fornecer, é de concluir que não se está perante qualquer contrato de mútuo, nulo por falta de forma.IV - A obrigação de restituir, fundada no injusto locupletamento à custa alheia, exige que alguém tenha obtido uma vantagem de ca-rácter patrimonial sem causa que a justifique e que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.V - Resultando dos autos que o A. veio pos-teriormente a decidir não fazer a aquisição proposta, por ausência de elementos credíveis sobre a firma, verificam-se, assim, não só os requisitos gerais do enriquecimento sem causa, como os requisitos necessários, para a repetição do indevido (arts. 473.º, n.º 2, e 476.º do CC), por se estar perante a realização de uma prestação, com intenção de cumprir uma obrigação, sem existir a obrigação subjacente.VI - A obrigação de restituição encontra-se sub-metida a um duplo limite: o do enriquecimento e do empobrecimento. Em primeiro lugar, o beneficiado deve apenas restituir aquilo com que efectivamente se acha enriquecido, deve restituir na medida do respectivo locupletamen-to, isto é, atendendo-se ao seu enriquecimento patrimonial ou efectivo e actual, corresponden-te à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patri-monial operada. Em segundo lugar, o objecto da obrigação de restituir deve compreender tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido; este não pode receber mais do que a valorização do património do enriquecido, nem mais do que a desvalorização sofrida no seu património.VII - Assim, o R. está obrigado a restituir a quantia de 10.000 contos ao A., com base no pagamento indevido, que constitui um caso particular da figura geral do enriquecimento sem causa, visto que adquiriu sem causa a dita quantia à custa do A..

VIII - Não tendo o R. restituído ao A. a dita quantia de 10.000 contos, logo que este lha solicitou, e no prazo que lhe foi fixado, caiu em mora e tornou-se responsável por todos os prejuízos causados ao A. (arts. 804.º e 805.º, n.º 1, do CC). E porque se trata de obrigações pecuniárias tal indemnização corresponde aos juros de mora, à taxa legal, a contar do dia da constituição em mora, art. 806.º, do CC, desde a data da propositura da presente acção em que o R. foi condenado, até integral pagamento.(Proc. n 370/09.5YFLSB, de 14/7/2009)

Dano patrimonial

Sumário:“A quantia prestada mensalmente pela vítima aos pais pode ser imputada a título de alimen-tos (em cumprimento de obrigação legal ou como obrigação natural) ou de liberalidade.2. Tratando-se de alimentos há que alegar e provar a necessidade dos alimentados e a indispensabilidade do “quantum” prestado.3. Os alimentos surgem a título de obrigação natural quando quem os presta está fora do elenco ou da ordem, dos legalmente obriga-dos, nos termos dos artigos 2009.º e 2000.º do Código Civil.4. O disposto no n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil pressupõe a demonstração da natureza alimentícia do que era prestado.5. A liberalidade traduz-se num acto de pura generosidade, de cortesia social, de culto, en-fim de demonstração de apreço ou de gratidão, sem qualquer contrapartida e não correspon-dendo a um dever de justiça.6. Não se apurando tratar-se de alimentos ou de liberalidade, o lesado só tem direito a ser ressarcido pela frustração de um lucro, atendendo ao princípio da reconstituição (ou da restauração natural) em “quantum” a encontrar pela via da equidade.7. A morte é uma lesão indemnizável autó-nomamente, já que a tutela do direito à vida impõe a obrigação de ressarcir a sua perda.8. Sendo a vida um valor absoluto, o seu valor ficcionado não depende da idade, condição sócio-cultural ou estado de saúde da vítima.9. Na indemnização pelos danos não patrimo-niais dos lesados há que buscar uma quantia que, de alguma forma, lhes possa proporcionar momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida, recorrendo a critérios de equidade. (Proc. n º 1541/06.1TBSTS.S1, de 14/7/2009)

RECTIFICAÇÕES

Lei da drogaDecl. de rectif. n.º 41/2009, de 22.6- Rectifica a Lei n.º 18/2009, de 11 de Maio, que procede à décima sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, acrescentando as substâncias oripavina e 1-benzilpiperazina às tabelas anexas, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 90, de 11 de Maio de 2009.