Sh Goiana - Conservação Do Núcleo Histórico de Goiana

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 TEXTO PARA DISCUSSÃO V. 16 SÉRIE 1 - GESTÃO DA CONSERVAÇÃO URBANA SUBSÍDIOS PARA A ELABORAÇÃO DE PLANO DE GESTÃO DA CONSERVAÇÃO DO NÚCLEO HISTÓRICO DE GOIANA-PE  Juliana Barreto Norma Lacerda Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada Olinda 2007

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Slide sobre a conservação do nucleo historico de Goiana.

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  • TEXTO PARA DISCUSSO V. 16 SRIE 1 - GESTO DA CONSERVAO URBANA

    SUBSDIOS PARA A ELABORAO DE PLANO DE GESTO DA

    CONSERVAO DO NCLEO HISTRICO DE GOIANA-PE

    Juliana Barreto

    Norma Lacerda

    Centro de Estudos Avanados da Conservao Integrada Olinda 2007

  • CECI TEXTOS PARA DISCUSSO N. 1SRIE GESTO DA CONSERVAO URBANA

    Centro de Estudos Avanados da Conservao Integrada

    Misso O CECI tem como misso promover a conscientizao, o ensino e a pesquisa sobre a conservao integrada urbana e territorial dentro da perspectiva do desenvolvimento sustentvel. Suas atividades so dirigidas para a comunidade tcnica e acadmica brasileira e internacional

    DiretoriaJorge Eduardo Tinoco, Diretor Geral Mnica Harchambois, Diretor Raquel Borges Bertuzzi, Diretor Renata Campello Cabral, Diretor

    Conselho de administrao Silvio Mendes Zancheti, Presidente Toms de Albuquerque Lapa Vera Milet Pinheiro Ana Rita S Carneiro Jos Fernandes Menezes

    Suplentes Luis de La Mora Fernando DinizNorma Lacerda

    Conselho fiscal Virginia Pitta Pontual, Presidente Natlia Vieira Ftima Alves Mafra Fbio Cavalcanti Magna Milfont

    Suplentes Ftima Alves Mafra Magna Milfont

    Texto para Discusso Publicao com o objetivo de divulgar os estudos desenvolvidos pelo CECI nas reas da Gesto da Conservao Urbana e da Gesto do Restauro.

    As opinies emitidas nesta publicao so de responsabilidade exclusiva dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Centro de Estudos Avanados da Conservao Integrada.

    permitida a reproduo do contedo deste texto, desde que sejam devidamente citadas as fontes. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

    Editores

    Srie 1 Gesto da Conservao Urbana Vera Milet, Natlia Vieira e Renata Cabral

    Srie 2 Gesto do Restauro Jorge Tinoco, Roberto Arajo e Mnica Harchanbois

    Srie 3 Identificao do patrimnio Cultural Ana Rita S Carneiro, Magna Milfont e Virgnia Pontual

    Centro de Estudos Avanados da Conservao IntegradaRua Sete de Setembro, 80 53020-130 Olinda PE - Brasil Tel.:(55 81) 3439-3445 - Fax: (55 81) 3429-1754 [email protected]

    FICHA BIBLIOGRFICA

    Autores: Juliana Barreto

    Ttulo: Subsdios para a elaborao de Plano de Gesto da Conservao do Ncleo Histrico de Goiana - PE

    Editora: Centro de Estudos Avanados da Conservao Integrada

    Tipo da publicao: Textos para Discusso V. 16, Srie 1 - Gesto da Conservao Urbana

    Local e ano de publicao: Olinda, 2007

    ISSN: 1980-8267

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    SRIE 1 - GESTO DA CONSERVAO URBANA

    SUBSDIOS PARA A ELABORAO DE PLANO DE GESTO DA CONSERVAO DO NCLEO HISTRICO DE GOIANA-PEh

    Juliana Barreto*, Norma Lacerdax

    RESUMO

    O presente artigo aborda a insero dos princpios da conservao integrada, entre eles a necessidade de planejamento de um ncleo histrico, a partir do controle das mudanas de suas caractersticas fsico-territoriais. Trata-se, portanto, do processo de gesto da conservao, tendo como objeto emprico de anlise o ncleo histrico de Goiana, o qual recentemente passou por um estudo para instruir sua proposta de tombamento. Tem, assim, por objetivo, fornecer uma contribuio que possa embasar o desenvolvimento do Plano de Gesto da Conservao desse ncleo, como forma de minimizar perdas do seu patrimnio. Dessa maneira, relaciona-se o entendimento da conservao integrada inserida no campo do planejamento urbano, a partir de sua aplicao em trs experincias em ncleos histricos, entre eles Trinidad e Havana, em Cuba, e Piranhas, em Alagoas. Os subsdios apresentam-se em forma de diretrizes capazes de nortear a elaborao do mencionado Plano.

    Palavras chave: Patrimnio cultural, ncleo histrico, gesto da conservao.

    1. INTRODUO A problemtica da conservao urbana vem sendo uma constante nas cidades, particularmente naquelas que detm reas antigas, como os ncleos histricos, onde, na maioria das vezes, pela ausncia de um planejamento urbano capaz de conciliar os novos usos e padres de habitabilidade com o respeito ao patrimnio construdo existente, vm se deteriorando. Em Goiana, municpio de Pernambuco, o ncleo histrico se apresenta bastante heterogneo, com diversidade funcional, distribuda mais intensamente entre comrcio e moradia e, em menor escala, servios, educao e lazer. As edificaes que abrigam essas atividades encontram-se em estado de conservao regular, e, em alguns casos, em estado precrio.

    h Artigo desenvolvido no Curso de Ps-Graduao em Gesto do Patrimnio Cultural Integrado ao Planejamento Urbano da Amrica Latina ITUC/AL, junto ao Centro de Estudos Avanados da Conservao Integrada CECI, sob orientao da Prof. Dra. Norma Lacerda, em 2006. * Arquiteta e urbanista, mestranda da linha de Conservao Urbana do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Urbano UFPE, 2006-2007. x Professora do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Urbano, da UFPE e membro do Centro de Estudos Avanados da Conservao Integrada CECI.

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    A municipalidade de Goiana detm, como instrumentos legais urbansticos, a Lei de Uso e Ocupao do Solo Urbano (LUOS), o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de 2004 e o Plano Plurianual (PPA). Analisando a LUOS, especialmente os artigos referentes ao ncleo histrico, percebe-se que especificidades no foram devidamente consideradas, deixando margens interpretaes, o que dificulta a aplicao de medidas adequadas sua salvaguarda. Em mbito federal, o ncleo histrico encontra-se submetido aos ditames do Decreto-Lei n 25 de 1937, instaurado pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN, por reunir oito monumentos religiosos tombados sujeitos legislao de proteo de suas caractersticas essenciais. Alm disso, Constituio Federal de 1988, particularmente em seus artigos 215 e 216, faz valer o direito referente cultura.

    No campo da conservao, foi desenvolvido pela 5 Superintendncia Regional do IPHAN um estudo para instruir o Processo n 1483-T-01, Conjunto Arquitetnico, Urbanstico e Paisagstico da Cidade de Goiana, Estado de Pernambuco. Esse processo, aberto em 2001, solicita um posicionamento quanto efetivao do tombamento, voltado ao ncleo histrico da cidade, como instrumento jurdico capaz de assegurar a preservao do legado existente, para usufruto e conhecimento tambm pelas futuras geraes. O estudo abrange uma anlise geral da evoluo urbana, identificada atravs da leitura de sua morfologia, tipologia e acontecimentos histricos mais significativos, considerando a pertinncia de seus monumentos nacionais, vinculados arte religiosa, e sua relao de ambincia com o casario do entorno. O resultado sabendo-se que o stio j se encontra em carter de semi-proteo desde que aberto seu pedido de tombamento oficialmente - foi favorvel sua inscrio no Livro do Tombo Histrico e delimitao de um polgono de proteo e reas de entorno dos monumentos, como um meio de garantir sua posio de destaque na paisagem e ambincia no entorno. Porm, o mencionado documento encontra-se em reviso pelo rgo competente, no obtendo, at a data atual, uma concluso quanto s posturas a serem adotadas. De qualquer maneira, ofereceu importantes subsdios para este artigo, ao evidenciar a deficincia na estrutura de gesto da conservao do ncleo histrico desse municpio.

    Diante do exposto, o objetivo geral do trabalho consiste no conhecimento da atual estrutura de gesto do municpio de Goiana, especificamente no que se refere conservao do seu ncleo histrico, caracterizando a problemtica existente e propondo diretrizes e recomendaes que possam orientar o desenvolvimento de seu Plano de Gesto da Conservao.

    Para atingir esse objetivo, foram percorridas quatro etapas de investigao. Na primeira, foi caracterizado o ncleo histrico de Goiana e sua evoluo urbana, com enfoque no estado de conservao dos seus imveis e grau de descaracterizao arquitetnica. A segunda etapa consistiu em uma fundamentao terica, a partir da abordagem conceitual de patrimnio, ncleo histrico e gesto da conservao, introduzindo a importncia dos princpios da viso integrada da conservao para as cidades e as recomendaes internacionais decorrentes das discusses em torno do patrimnio. Nessa etapa ainda foram identificadas experincias bem sucedidas no campo da gesto da conservao que foram adotadas em cidades patrimnio da Amrica Latina, como o caso de Trinidad e Havana, em Cuba, e Piranhas no Brasil. A terceira etapa corresponde a uma exposio da atual situao da conservao do patrimnio cultural e ambiental do ncleo histrico de Goiana, as caractersticas do sistema municipal de gesto para a conservao, com suas deficincias e atribuies. Na quarta etapa apresentada a proposta de diretrizes orientadoras do Plano de Gesto, voltadas conservao do ncleo

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    histrico da cidade, que venham a ordenar e efetivar as aes de salvaguarda, dentro da tica da sustentabilidade. E, por fim, as consideraes finais em torno da experincia estudada.

    2. O NCLEO HISTRICO DE GOIANA

    O municpio de Goiana encontra-se localizado na mesorregio da Mata Norte do Estado de Pernambuco, em rea bastante plana, com 494,20 km de extenso, prximo ao limite entre os Estados de Pernambuco e da Paraba. Dista 60 km de Recife e 56 km de Joo Pessoa. Seu principal acesso se d pela BR-101, atravs da Vila Operria e da PE-65, com acesso pelo seu caminho original (imagem 1).

    As principais atividades econmicas do municpio de Goiana so o comrcio, a agropecuria e as indstrias de transformao. Porm, seu potencial est concentrado nas usinas e engenhos, em decorrncia das reas propcias ao cultivo de cana-de-acar. Como um marco econmico, foi construda, em fins do sculo XIX, a primeira indstria aucareira, a Usina Goyanna, hoje denominada Usina Nossa Senhora das Maravilhas. O setor agrcola do municpio detm 65% de toda produo. Alm desse potencial econmico, Goiana um possui grande acervo de recursos naturais, com belo litoral onde se situam as praias de Ponta de Pedra, Catuama e Carne de Vaca, dentre outras, e reas de manguezais.

    Em relao ao ncleo histrico de Goiana, este bastante extenso e abrange uma rea em torno de 90.000 m, onde esto localizados oito monumentos religiosos tombados em nvel federal1. Essa rea corresponde poro mais antiga da cidade, surgida em fins do sculo XVII, a partir de um caminho inicial, um lugar de passagem at seu antigo porto, s margens do rio Goiana (imagem 2).

    1 Convento e Igreja de N. S. da Soledade, Convento e Igreja de Santo Alberto de Siclia, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Igreja de N. S. da Conceio, Igreja de N. S. da Misericrdia, Igreja de N. S. do Amparo, Igreja de N. S. do Rosrio dos Pretos e Igreja Matriz de N. S. do Rosrio, tombados em 1938.

    IMAGEM 1: mapa de localizao de Goiana, em 2005 FONTE: www.guiageo.com

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    De acordo com o estudo, nas vrzeas do rio Capibaribe, do rio Goiana e do rio Ipojuca foram implantados os primeiros engenhos em Pernambuco, tornando possvel a ocupao, o povoamento e o florescimento de uma vigorosa economia colonial.(IPHAN, 2005: 07) (imagem 3).

    IMAGEM 3: mapa da bacia hidrogrfica de Goiana, em 2006. FONTE: CPRH.

    IMAGEM 2: Foto do antigo Porto de Goiana. FONTE: lbum Ilustrado de Goiana, 1921

    GOIANA

    PE

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    Diante disso, percebe-se o importante papel do rio Goiana, como elemento condicionante para o surgimento e desenvolvimento do municpio. Em sua margem, rica em cobertura vegetal, concentram-se exemplares da arquitetura vernacular, habitados por populao ribeirinha, que vivem em precrias condies de habitabilidade. Mesmo assim, a associao do elemento natural com o construdo resulta em um conjunto de grande valor paisagstico (imagem 4).

    Em relao trama urbana do ncleo histrico, seu traado irregular marcado por ruas estreitas que se abrem em largos ou ptios - bastante caracterstico de uma forma de ocupao espontnea - criando perspectivas monumentais, onde o casario singelo permite uma ambincia singular, tendo como ponto focal o monumento religioso (imagens 5 a 7). importante ressaltar a permanncia das igrejas como elementos representativos da influncia religiosa e portadores de grande simbolismo na paisagem urbana.

    IMAGEM 5: Vista da Igreja Matriz sem data FONTE: Arquivo 5 SR/IPHAN

    IMAGEM 6: Igreja de N. S. do Rosrio dos Pretos, 2004.FONTE: autora.

    IMAGEM 4: Rio Goiana, em 2004. FONTE: Juliana Barreto.

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    Em relao ao aspecto morfolgico, a cidade bastante plana, com um casario de predominncia at dois pavimentos. Raros so os casos de edificaes com mais de dois pisos. Sua paisagem urbana caracterizada por marcos arquitetnicos, dentre eles a Fbrica de Tecidos de Goiana FITEG, que construiu a primeira Vila Operria da Amrica Latina (imagem 8). No entanto, ao longo do tempo, foi intensamente descaracterizada (imagem 9).

    HV-328

    IMAGEM 7: Malha urbana do ncleo histrico de Goiana, em 2004 FONTE: Mapa Cadastral de 2002

    IMAGEM 8: Antiga Vila Operria, em 1921 FONTE: lbum Ilustrado de Goiana.

    IMAGEM 9: Vila Operria atualmente, em 2004. FONTE: Juliana Barreto.

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    Outras edificaes se sobressaem pela sua singularidade na paisagem, sendo representativas dos estilos colonial, art-dco, ecltico e alguns elementos do gtico, porm com estado de conservao oscilando entre regular e precrio (imagens 10 a 15).

    IMAGEM 10: Casario da Rua Nunes Machado, 2004. FONTE: Juliana Barreto

    IMAGEM 11: Casario da Rua Nunes Machado, 2004. FONTE: Juliana Barreto

    IMAGEM 12: Casario da Rua Nunes Machado, 2004. FONTE: Juliana Barreto

    IMAGEM 13: Casario da Rua do Rio, 2004. FONTE: Juliana Barreto

    IMAGEM 14: Antiga FITEG- Fbrica de Tecidos de Goiana, 2004. FONTE: Juliana Barreto

    IMAGEM 15: Maronaria de Goiana, 2004. FONTE: Juliana Barreto

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    Alm do rico patrimnio edificado, Goiana tambm rene manifestaes culturais singulares, como as bandas musicais Curica e Saboeira, as celebraes religiosas e procisses, artesanato local voltado arte religiosa e aos personagens que compem o imaginrio nordestino, alm de expresses do folclore, como o caboclinho, ciranda e maracatu. Possui tambm uma gastronomia tpica, rica em frutos do mar.

    2.1 Problemtica da Conservao A paisagem cultural2 do antigo porto de Goiana atualmente encontra-se em abandono. No sem razo, os seus habitantes parecem se posicionar indiferente ao seu principal ncleo de surgimento, catalisador das relaes econmicas de outrora. Dessa forma, torna-se uma diretriz bsica da gesto da conservao de Goiana a reintegrao da rea porturia dinmica urbana local.

    Tambm os espaos pblicos so deficientes em termos da aplicao dos princpios da conservao. Existe a necessidade de uma viso ampla, de entender os espaos pblicos como um sistema, interdependente e articulado. Esse fator torna-se relevante na medida em que as praas e ptios so bastante comuns no seu ncleo histrico e as ruas e avenidas servem como elementos de interligao entre eles. Alm disso, foi identificada a existncia de uma feira livre na circunvizinhana de monumento, como o caso da Rua da Misericrdia onde existe a Igreja de N. S. dos Milagres, antiga Santa Casa de Misericrdia (imagens 16 e 17).

    A anlise do ncleo histrico em relao s descaracterizaes de seu casario identificou perdas de sua homogeneidade, provenientes de intervenes descontroladas da populao residente. O poder pblico no atuou eficientemente no sentido de orientar nem de fiscalizar as intervenes. A visita ao local permitiu observar a existncia de

    2 Entende-se por paisagem cultural, definida por Carl O. Sauer, o resultado da ao cultural, de determinado agrupamento humano ao longo do tempo, em uma paisagem natural.

    IMAGEM 16: Vista da feira livre a partir da Igreja da Misericrdia, dcada de 1970. FONTE: acervo IPHAN

    IMAGEM 17: Vista da feira livre a partir da Igreja da Misericrdia, em 2004. FONTE: Juliana Barreto

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    fragmentos de pores urbanas preservadas, impondo-se como ilhas de valor histrico, artstico e cultural.

    Esses imveis demandam a urgente implementao de aes conservativas capazes de reintegr-los sociedade com a mesma imponncia com a qual foram criados. Isso reflete a ausncia de uma ao pblica planejada capaz de aplicar os princpios da conservao integrada para o desenvolvimento do municpio.

    Entre as descaracterizaes ou modificaes mais comuns ao casario, esto o aumento de gabarito, alterao da volumetria e da relao entre cheios e vazios especialmente nos estabelecimentos comerciais , retirada dos elementos estilsticos das fachadas e modificao dos materiais de revestimento, tanto das fachadas como das cobertas, alm da introduo de antena parablica nas cobertas (ver imagens 18 e 19). Fatores estes que comprometem a harmonia do conjunto.

    Convm ressaltar que a preocupao com a preservao e a conservao do casario est relacionada tanto manuteno de suas caractersticas singulares como proximidade aos monumentos religiosos, tendo em vista pertencer ao entorno imediato de tais imveis de destaque.Por esse fato, no devem reduzir sua visibilidade e nem tampouco chamar para si demasiada ateno, segundo os parmetros do Decreto-Lei n 25/37, mais especificamente em seus artigos 17 e 18.

    Diante do exposto, percebe-se a ausncia da adoo dos princpios bsicos da conservao urbana para a cidade - capaz de trat-la como um organismo vivo, resultante de um processo histrico - que possa conciliar os padres modernos de desenvolvimento aliados pratica conservacionista, sem resultar em perdas para a populao atual nem para as futuras geraes.

    3. FUNDAMENTAO TERICA PARA UM PLANO DE GESTO DA CONSERVAOO discurso em torno do patrimnio est fundamentado na busca de uma identidade cultural que concorre para a formao da nao, com esforos em garantir sua integridade e continuidade. Seu prprio conceito relativo herana paterna; tem um sentido de

    IMAGEM 18: Estudo dos cheios e vazios das fachadas, em trecho da Rua Nunes Machado, atravs da tcnica de mascaramento. Verifica-se a predominncia da modulao fabril e as alteraes nas aberturas e gabaritos, em 2004.

    IMAGEM 19: Linha de coroamento e linha de fora com pontuao, em trecho da Rua Marechal Deodoro da Fonseca, revelando acrscimo de gabarito, em 2004.

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    pertencimento e apropriao. O Estado busca a valorizao do patrimnio por ser o elemento representativo de uma memria que integra a nacionalidade, da a sua importncia.

    Segundo entendimento de Fonseca (2005), a preocupao com a salvaguarda em torno do que constitui patrimnio est presente desde o sculo XVII, partindo da Igreja e dos segmentos mais dominantes da sociedade, onde o foco eram as edificaes isoladas. Apenas a partir de meados de 1960 que a idia de proteo ao conjunto histrico - Igreja e casario - se amplia:

    Considera-se conjunto histrico ou tradicional todo agrupamento de construes e de espaos, inclusive os stios arqueolgicos e paleontolgicos, que constituam um assentamento humano, tanto no meio urbano quanto no rural e cuja coeso e valor so reconhecidos do ponto de vista arqueolgico, arquitetnico, pr-histrico, histrico, esttico ou scio-cultural. (IPHAN, 2004: 219)

    O reconhecimento da responsabilidade de transmitir s geraes futuras a integridade do patrimnio foi consolidado com o documento da Carta de Veneza em 1964. Essa carta esclarece a noo de monumento histrico e orienta processos de interveno em stios histricos e monumentos, de forma a no diminuir o seu valor.

    Como prtica interventiva para a proteo do patrimnio e objetivo principal do planejamento urbano e territorial, incorpora-se o recente conceito de conservao integrada, onde seus princpios foram ampliados na dcada de 1970, na Declarao de Amsterd:

    A conservao integrada o resultado da ao conjugada das tcnicas da restaurao e da pesquisa de funes apropriadas. A evoluo histrica levou os centros histricos degradados das cidades e, eventualmente, as pequenas cidades abandonadas a se tornarem reservas de alojamento barato. Sua restaurao deve ser conduzida por um esprito de justia social e no deve ser acompanhada pelo xodo de todos os habitantes de condio modesta. A conservao integrada deve ser, por isso, um dos pressupostos do planejamento urbano e regional (IPHAN, 2004: p.214)

    A idia de conservao integrada vem tratar a cidade como um artefato histrico e cultural, no mbito do desenvolvimento sustentvel urbano, onde a dimenso cultural vem a aparecer no mesmo grau de importncia que as dimenses econmica e poltica. Ela nada mais do que a gesto do controle da mudana.

    A gesto, por sua vez, fundamentada no processo de negociao para a tomada de decises. Convm registrar que as recentes prticas gestoras das cidades vm aplicando os princpios do planejamento estratgico, que tem por objetivo projetar a cidade na competitividade e melhorar a qualidade de vida de seus habitantes, focalizando a construo de consensos entre participantes internos e externos de uma organizao

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    pblica3. Esse tipo de planejamento tem como fundamento a escolha no de cidade, mas de seus territrios considerados parcialmente rentveis. A conservao integrada no se confunde com essa viso, na medida em que assume um novo paradigma no campo da gesto, capaz de ressaltar as especificidades locais e resgatar a herana cultural que a acelerada homogeneizao do territrio insiste em apagar. Constitui-se como uma estratgia de sobrevivncia economia globalizada, onde o fortalecimento democrtico e cultural vm a emergir com a revalorizao da dimenso local. Ento, conclui-se que o atual desafio da gesto de reas histricas consiste na readaptao das condies de vida moderna estrutura antiga pr-existente, ressaltando seus valores essenciais sem por em risco sua autenticidade ou sua integridade.

    Sabendo-se que o ncleo histrico de qualquer cidade rene os conceitos de patrimnio, memria e identidade, para mant-lo vivo devem ser evidenciados seus valores intrnsecos. O reconhecimento desses valores levar formulao de diretrizes conservativas mais adequadas estrutura existente.

    Como o objetivo do presente artigo pretende fornecer subsdios para o desenvolvimento de um Plano de Gesto da Conservao, entende-se que este:

    ...ordena e delimita a aplicao do planejamento da conservao territorial e urbana dos stios histricos, embora sua utilizao possa ser tambm estendida para o conjunto da cidade ou para unidades territoriais menores. Essa potencialidade dada desde que o pressuposto seja o do desenvolvimento sustentvel, da manuteno da especificidade e diversidade das caractersticas do ambiente natural e construdo e do compartilhamento das responsabilidades dos participantes na gesto das cidades. 4

    Um Plano de Gesto contribui na medida em que identifica objetivos de desenvolvimento e aes apropriadas conservao do patrimnio local, reunindo procedimentos normativos e cientficos, em um universo de tempo, mobilizando atores e recursos econmicos. Foi o que aconteceu com algumas experincias, relatadas, brevemente, a seguir.

    3.1 Experincias no campo da gesto da conservao: Trinidad, Havana e Piranhas.A anlise de algumas experincias bem sucedidas - que buscaram instrumentalizar o processo de gesto da conservao em reas antigas com o objetivo de reintegr-las dinmica urbana tm como objetivo a apreenso de seus procedimentos e viabilidade, com vista sua aplicao no caso do ncleo histrico de Goiana. Essa anlise centrar-se- em duas cidades patrimnio mundial da Amrica Latina, Trinidad e Havana, em Cuba, e uma experincia nacional, Piranhas, municpio localizado no extremo sudoeste do Estado de Alagoas.

    A experincia de Trinidad se revelou exemplar no que tange difuso dos princpios da conservao integrada, com busca sua sustentabilidade. Seu centro histrico, fundado em 1514, possui uma rea de 48,5 hectares, onde a grande maioria dos imveis so

    3 PONTUAL apud CECI: pg. 104. 4 PONTUAL apud CECI, pg. 116.

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    representativos da arquitetura domstica dos sculos XVIII e XIX, perodo de esplendor da cidade (imagens 20 e 21).

    Em 1978, a cidade foi contemplada como Patrimnio Mundial pela Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO) - em meio a uma grave crise econmica e ao dficit habitacional - gerando um impacto turstico bastante significativo que se refletiu em sua economia. Desde ento, houve um reordenamento administrativo e financeiro, com base na escassez de recursos, e a adoo de prticas de conservao em substituio s aes de restaurao, sendo agora, inseridas na poltica de planejamento, com o pressuposto na elaborao de solues criativas.

    Entre as medidas consideradas favorveis difuso dos princpios da conservao integrada destacam-se a criao de uma oficina de restauro voltada recuperao dos imveis, com recursos advindos de parte dos lucros com as atividades tursticas, o estabelecimento de planos e diretrizes de conservao urbana e uma eficiente ao de monitoramento e avaliao dos procedimentos da gesto.

    A experincia da gesto em Havana ganhou destaque pelo aspecto coletivo e participativo das decises, atravs dos setores financeiros, tcnicos, sociais, entre outros, sendo afirmada pela intensa formao de associaes, conforme entendimento de Milet (1999: p. 54).

    No caso de Havana, sua declarao de cidade Patrimnio Mundial aconteceu em 1982. Seu centro histrico encontra-se situado prximo baa de Carenas, com rea em torno de 2,14km, legalmente protegida, e usos distribudos em comrcio, servios, habitaes de baixa renda e lazer (Milet, 1999: p. 53) (imagem 22).

    IMAGENS 20 e 21: Vistas da Plaza Mayor, em Trinidad, 2005. FONTE: www.netssa.com

    IMAGEM 22: Praa Velha, Havana. FONTE: www.ohch.cu

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    De acordo com o CECI5, existe uma entidade pblica, a Oficina do Historiador da Cidade de Havana (OHCH), criada em 1938, que tem o objetivo de exercer e gerenciar aes de recuperao nas reas histricas, orientadas para a salvaguarda do patrimnio. Suas principais atividades de gesto so a captao de recursos para investimentos, a recuperao de imveis tombados, de espaos pblicos e de infra-estrutura, a promoo do desenvolvimento local e a gesto do patrimnio cultural. Convm ressaltar os impactos decorrentes dessas aes, que alm da conservao do patrimnio, atravs de projetos de requalificao ou revitalizao, houve o aumento na oferta de habitaes nas reas de interveno, de espao imobilirio urbano, bem como maior oferta de emprego e atrao de novas atividades urbanas.

    A OHCH possui uma estrutura organizacional dividida em trs pilares: a reabilitao fsica, a projeo scio-cultural e a captao de recursos. Dessa forma, garante um desempenho que consegue atender aos principais objetivos de sua gesto.

    Entre os fatores que contriburam para o xito das aes no caso de Havana esto a existncia de estudos e anlises sobre as potencialidades de desenvolvimento local, a estabilidade no processo de negociao entre atores e instituies, a continuidade administrativa a cada nova gesto e, essencialmente, a sensibilidade e conhecimento de sua populao da importncia do patrimnio cultural. Alm disso, sua legislao urbana encontra-se ajustada aos processos de revitalizao do local. Para tanto, foi necessrio que em seu conjunto operacional existisse a capacitao de uma equipe orientada aos procedimentos de negociao e a liberdade de negociao com todos os atores sociais envolvidos. Os principais parceiros da instituio so os empreendedores culturais, os bancos, as ONGs, as agncias governamentais e as instituies internacionais.

    Assim como a experincia de Trinidad, Havana tambm possui um efetivo e mecanismo de avaliao e monitoramento dos planos, aplicao de ferramentas e aes de proteo.

    Quanto experincia nacional, destaca-se o Plano de Gesto da Conservao da cidade de Piranhas, decorrente da proposta de Tombamento. De acordo com Furtado (2003: p.61), o Plano funcionou como um complemento desta proposta, devido a uma necessidade de instrumentalizao da gesto municipal em sua modernizao, tendo o pressuposto do desenvolvimento sustentvel como responsabilidade local.

    A proposta de tombamento da cidade de Piranhas abrange um amplo territrio do serto do Vale do rio So Francisco, em Alagoas (imagens 23 e 24).

    5 Centro de Estudos Avanados da Conservao Integrada, atravs do Banco de Dados de Revitalizao Urbana, www.ceci-br.org

    IMAGEM 24: Os desnveis das ruas, 2006. FONTE: www.ceci-br.org

    IMAGEM 23: Praa da antiga rotatria, 2006. FONTE: www.ceci-br.org

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    SRIE 1 - GESTO DA CONSERVAO URBANA

    Quanto ao Plano de Gesto, chama a ateno a metodologia aplicada e as etapas descritivas, alm do carter inovador das proposies e alternativas de desenvolvimento local.

    As proposies apresentadas para as tarefas de gesto da conservao constituem fundamentais para o alcance dos objetivos pr-estabelecidos. Alm disso, a proposta de rearranjo institucional para a implantao da conservao integrada sugere a criao de um Escritrio de Conservao, capaz de incorporar as funes de uma agncia institucional, a longo prazo. Esse fato parece revelar um avano nos requisitos da gesto. Outro aspecto importante foi a organizao da estratgia de implantao do plano, dividida em horizontes temporais. Dessa forma, consegue se construir os cenrios possveis e desejveis.

    O ponto em comum entre as experincias mencionadas a institucionalizao dos princpios da conservao integrada em ncleos histricos de cidades patrimnio, inseridos nos respectivos planos urbanos. Assim, as medidas adotadas nesses planos foram levadas em considerao e rebatidas nas diretrizes do Plano de Gesto. A rica experincia de Havana, com a criao da Oficina do Historiador da Cidade, constitui um fator de destaque que impulsionou fortemente a difuso das aes de salvaguarda, seja pelo seu carter empreendedor, seja pela transparncia e clareza das aes ou at mesmo pela criao de mecanismos de reinverso financeira.

    Em Piranhas, a proposta de criao do Escritrio de Conservao parece refletir um pouco o que foi pensado em Havana, atravs da Oficina do Historiador. Nos casos onde ocorrem a instalao de um escritrio tcnico competente, capaz de fornecer respostas demanda do controle urbano e estimular a viso da conservao urbana para todo o contexto do planejamento, esse procedimento tornou-se um eficiente instrumento da gesto da conservao.

    Isso posto, ser analisada a atual situao da gesto da conservao do ncleo histrico de Goiana para conhecimento de seus avanos e deficincias, tendo como subsdio os estudos de casos apresentados.

    4. O ATUAL PROCESSO DE GESTO DA CONSERVAAO DO NCLEO HISTRICO DE GOIANA Diante da caracterizao do estado de conservao do ncleo histrico de Goiana, convm ressaltar como est se dando seu atual processo de gesto, de forma a identificar as deficincias existentes.

    A Prefeitura de Goiana, principal agente gestor da cidade, passou, recentemente, por algumas alteraes em sua estrutura administrativa, advindas de um rearranjo institucional para melhor desempenhar as suas funes, apresentando a configurao abaixo (organograma 1).

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    SRIE 1 - GESTO DA CONSERVAO URBANA

    Tratando-se de um municpio detentor de um patrimnio nacional, nele atuam diversas instituies, analisadas a seguir.

    4.1 As instituies e os atores envolvidos na gesto

    No mbito do Governo Federal, o IPHAN realiza esforos na regulamentao da conservao dos bens culturais de Goiana, devido existncia de monumentos nacionais em seu ncleo histrico. Dessa forma, instituio so encaminhados os projetos de interveno em imveis situados na circunvizinhana desses monumentos para orientao, posicionamento e fiscalizao das propostas. Porm, a relativa distncia do municpio ao escritrio da 5 Superintendncia Regional do IPHAN, situado em Recife, dificulta o domnio e o controle das aes. Para as intervenes nos monumentos tombados, no caso as igrejas, detecta-se um maior acompanhamento e rigidez na execuo.

    No mbito do Governo Estadual, conta, sobretudo, com o aporte da Secretaria de Educao e Cultura, da Secretaria de Turismo, para o fomento da atividade turstica do municpio, do Sistema de Incentivo Cultura, do apoio da Fundao do Patrimnio Histrico e Artstico Cultural de Pernambuco (Fundarpe) na preservao de monumentos histricos e artsticos, alm dos segmentos empresariais, Ongs, entre outros que tambm atuam no municpio.

    No mbito Municipal, a Prefeitura participa como principal rgo gestor. Das Secretarias existentes, a Secretaria de Planejamento, Obras e Meio Ambiente (SEPOMA) a que tem exercido o papel mais atuante sobre o ncleo histrico, a quem compete gerenciar o planejamento urbano e fiscalizar as obras. Em entrevista ao quadro tcnico da SEPOMA, a situao da gesto no momento atual bastante deficiente, tendo em vista a escassez de profissionais para composio das devidas funes. Quanto s reas histricas, foi identificado que no existe sequer uma estrutura tcnica responsvel pelas aes de gerenciamento do patrimnio, expondo-se revelia da populao. Esta, alm de no possuir uma conscincia da importncia do acervo, no devidamente orientada para que desperte essa sensibilidade. Assim, torna-se claro a inexistncia de um rgo legal destinado conservao de seu ncleo histrico, evidenciando uma fragilidade do sistema administrativo.

    A Secretaria de Educao e Cultura do municpio tambm est bastante interligada s questes do ncleo histrico, na medida em que apia os projetos culturais, de modo a fortalec-las e incentivar a sua divulgao.

    Isso postos, passa-se a analisar a problemtica da gesto da conservao em Goiana.

    ORGANOGRAMA 1: Atual estrutura de gesto da Prefeitura Municipal de Goiana, em 2005.

    PREFEITO

    Secretaria de Educao e

    Cultura

    Secretaria de Sade

    Secretaria de Ao Social

    Assessoria Jurdica

    SecretariaAdministrativ

    a

    Secretaria de Planejamento, Obras e Meio-

    Ambiente

    Secretaria deServiosPblicos

    Gabinete do Prefeito

    Secretaria de Desenvolv.

    Econmico eTurismo

    Secretaria de

    Finanas

    Secretaria deAssessoria e

    Comunicao

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  • TEXTO PARA DISCUSSO V. 16

    SRIE 1 - GESTO DA CONSERVAO URBANA

    4.2 Problemtica da gesto da conservaoOs mecanismos institucionais de gesto de uma cidade so os procedimentos tcnicos que devem ser obedecidos para o funcionamento adequado da gesto. Em Goiana, em situaes onde so propostas reformas nos imveis pertencentes ao permetro histrico, h o encaminhamento do processo 5 SR/IPHAN, para anlise e apreciao pela instituio (fluxograma 1):

    Porm, muitas vezes, as intervenes so realizadas antes mesmo de sua entrada ou autorizao pela Instituio, requerendo-se sua legalizao j em fase de concluso do projeto. Dessa forma, h uma inverso das etapas operacionais de aprovao dos projetos, comprovada pela antecipao da populao s prticas pblicas de controle urbano. Nesse sentido, parece que o resultado apresenta perdas ao patrimnio cultural do municpio, pois, a populao, desconhecida dos parmetros legais de preservao aplicveis ao stio, modifica seus imveis de acordo com suas necessidades imediatas, gerando um conflito entre os interesses individuais e os coletivos, na medida em que o bem tambm constitui um patrimnio comum de todos.

    Alm desse problema, outros foram identificados, porm sero tratados os mais relevantes, passveis de uma atitude remediadora da situao. Sabendo-se que a gesto da conservao em Goiana bastante precria, necessrio uma estrutura administrativa gil, eficiente e capacitada para lidar com a questo. Na tentativa de aprofundar o conhecimento dos problemas, foi realizada uma entrevista com um tcnico da SEPOMA, seguindo a metodologia adotada por alguns estudiosos, como Milet e Pontual (1999: p. 5-9), para a avaliao da gesto. A entrevista detectou os seguintes problemas (quadro 1):

    1. PROBLEMAS TCNICOS E ADMINISTRATIVOS: - Necessidade de capacitao tcnica e continuidade dos profissionais;

    - Quantidade insuficiente de pessoal tcnico; - Carncia de equipes multidisciplinares e de mo-de-obra especializada. - Ausncia de oficina de gesto do ncleo histrico e de fruns de negociao

    para a participao da comunidade; - Carncia de recursos materiais; - Carncia de programas de educao patrimonial.

    2. PROBLEMAS FINANCEIROS: - Carncia de recursos para a continuidade das aes;

    - Ausncia de planos de financiamento para a conservao e de benefcios fiscais que a estimulem.

    3. PROBLEMAS LEGAIS: - Inexistncia de fiscalizao eficiente; - Necessidade de divulgao das leis, pois a populao em geral no tem

    SEPOMA 5 SR/IPHAN - anlise do processo,

    fiscalizao e parecer;

    FLUXOGRAMA 1: Mecanismo institucional de gesto da Prefeitura Municipal de Goiana.

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    SRIE 1 - GESTO DA CONSERVAO URBANA

    conhecimento; - Ausncia de planos de conservao.

    4. PROBLEMAS POLTICOS: - Descontinuidade poltica; - Conflitos entre nveis de governo;

    - Prevalncia de decises polticas sobre critrios tcnicos;

    5. PROBLEMAS SOCIAIS: - Pouca conscincia sobre o valor do patrimnio histrico levando por vezes

    realizao de obras irregulares; - Pouca participao dos cidados;

    - Impacto do turismo sobre os costumes e tradies locais dos habitantes do ncleo histrico;

    - Existncia de muito comrcio informal, principalmente em circunvizinhana de monumento tombado.

    6. PROBLEMAS DE MANUTENO E CONSERVAO: - Carncia de recursos para a conservao;

    - Elevados custos de manuteno e conservao das edificaes do ncleo histrico.

    QUADRO 1: Problemas identificados na gesto da conservao do ncleo histrico de Goiana.

    Essas deficincias revelam uma situao onde o ncleo histrico no considerado como um sistema articulado, capaz de ser potencializado como referncia de identidade da populao. Quando a gesto no se desenvolve de forma integrada entre os diversos setores, como o caso em pauta, h uma menor probabilidade de xito das aes.

    Convm registrar que um aspecto essencial deve ser a participao da populao no processo de tomada de deciso. E ainda, uma adoo do poder pblico em favor da prtica da educao patrimonial, orientao e sensibilizao da populao residente sobre a importncia de seu bem cultural, para que ela seja capaz de assegurar sua conservao. Quando a populao no conhece o que tem, no existe um movimento em favor de sua preservao. O IPHAN, em citao de Andrade, afirma que defender o nosso patrimnio histrico e artstico alfabetizao.6

    5. DIRETRIZES PARA A ELABORAO DE UM PLANO DE GESTO DA CONSERVAAO DO NCLEO HISTRICO DE GOIANA O levantamento sobre a atual situao do processo de gesto municipal revela a necessidade de sua instrumentalizao a fim de fortalecer suas atribuies para enfrentar os desafios existentes e que estaro por vir. Para tanto, foram elaboradas diretrizes no intuito de orientar uma proposta futura de Plano de Gesto, a ser implementado mdio e longo prazo, devido ao grau de dificuldade encontrado.

    De imediato, torna-se essencial a introduo do conceito de conservao na dinmica do processo de desenvolvimento local. Assim, o objetivo geral do Plano de Gesto da conservao do ncleo histrico de Goiana, deve ter como princpio: Proteger o patrimnio, reabilitando o territrio mediante um Plano integral e contnuo, capaz de

    6 ANDRADE apud IPHAN, 2001: p. 07.

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    SRIE 1 - GESTO DA CONSERVAO URBANA

    conciliar a conservao dos valores culturais com as necessidades de desenvolvimentos scio-econmicos.7

    Entre os objetivos especficos, sugere-se:

    1. Proporcionar uma orientao adequada capaz de subsidiar um sistema eficiente e eficaz de gesto, integrada ao processo de desenvolvimento local;

    2. Garantir e resgatar as caractersticas originais do ncleo histrico, bem como da sua conservao, de forma a ampliar a oferta e melhorar a qualidade de vida da populao, o que acarretar em maior retorno de trabalho e renda;

    3. Projetar a imagem do municpio, destacando as qualidades dos ambientes, da infra-estrutura e dos aspectos culturais e religiosos;

    4. Encorajar a participao dos diversos atores envolvido no processo de conservao do patrimnio, permitindo e indicando mecanismos de negociao entre eles;

    No que se refere s diretrizes, foram abaixo agrupadas, segundo suas especificidades.

    5.1 Diretrizes Tcnicas e Polticas - Instituir um Ncleo de Gesto da Conservao, para a elaborao e implantao do

    Plano de Gesto, no mbito da Secretaria de Planejamento;

    - Definir as prioridades de gesto e fortalecer as organizaes institucionais locais;

    - Buscar novos mecanismos institucionais para maior rapidez dos resultados;

    - Formar profissionais especializados com capacidade de deciso e de negociao, alm de ampliar o quadro de funcionrios;

    - Montar um sistema integrado de anlise e avaliao, com vista a elaborao de um inventrio sobre os bens, tendo como instrumento bsico um sistema de informaes;

    - Monitorar as aes e estabelecer indicadores para avaliar os resultados. Deve existir a flexibilidade para propor novas diretrizes ou modificar estratgias que estejam sendo consideradas deficientes no decorrer do processo;

    - Implantar indicadores de desempenho tanto das aes de conservao como do sistema de gesto a ser implantado;

    - Dar prioridade ao de integrao da paisagem natural com o ambiente construdo na rea porturia, tendo como premissa reintroduzi-la na dinmica urbana.

    5.2 Diretrizes Administrativas e Legais - Institucionalizar o Plano de Conservao, mediante lei municipal, de forma a

    garantir sua continuidade, independente de eventuais mudanas na administrao pblica;

    - Aprofundar estudos e pesquisas, como uma ferramenta para a tomada de decises, organizao de prioridades, preparao de cenrios provveis, entre outros8;

    7 Um dos princpios polticos do Plano Mestre de Havana (referencia) 8 Segundo diretriz utilizada em Havana.

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    SRIE 1 - GESTO DA CONSERVAO URBANA

    - Por em prtica o Plano Diretor de Desenvolvimento de Goiana, considerando seu zoneamento e estratgias de atuao.

    5.3 Diretrizes Sociais - Ampliar e estimular a participao de atores sociais, inclusive a populao

    residente, no processo de discusso e implementao do Plano de Gesto, relacionando os aspectos culturais com os scio-econmicos;

    - Ampliar a estratgia de criao de fruns de debates, como canal de representao social mais efetivo;

    - Promover um programa de educao patrimonial eficiente que atinja todas as camadas da populao para a divulgao dos valores existentes;

    - Divulgar a importncia dos bens culturais atravs de palestras, com apoio da Secretaria Municipal de Turismo e Cultura.

    5.4 Diretrizes Financeiras - Planejar um desenvolvimento local autofinanciado (como demonstrou a

    experincia de Havana), tendo em vista a sustentabilidade do municpio;

    - Viabilizar recursos financeiros e criar um fundo para a conservao dos aspectos histricos, arquitetnicos e culturais do municpio;

    - Impulsionar o turismo, mediante o calendrio turstico-religioso, incentivando a criao de circuito pelos ptios, como fonte de atrao de investimentos;

    - Promover aes de organizao da feira livre, para que os turistas possam explorar esse potencial sem prejudicar o patrimnio e dinamizar o setor econmico local;

    - Favorecer a criao de parcerias pblico-privado, para atrair agentes capazes de investir no local.

    6. CONSIDERAES FINAIS No se pretende com esse artigo esgotar o assunto. Entende-se que a gesto da conservao uma estratgia organizacional relativamente recente e para se tornar eficiente, necessrio uma rdua tarefa de monitoramento para que as imperfeies sejam sanadas em tempo hbil, no decorrer do processo. Dessa forma, passa-se a somar, em sua construo, as experincias bem-sucedidas que se desenvolvem nacional e internacionalmente como um aporte de uma grande vontade de xito.

    importante que se d credibilidade ao Plano de Gesto da Conservao e que sua reavaliao seja conduzida constantemente. A reavaliao do processo de gesto se d de acordo com o cumprimento da implantao das metas a serem alcanadas, verificando o nvel de sucesso de cada uma.

    Ento, talvez assim, desvele-se um passo para a estruturao dos princpios da conservao integrada, vista como o controle da mudana, em um ncleo histrico do interior de Pernambuco.

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    SRIE 1 - GESTO DA CONSERVAO URBANA

    7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ALFONSO, Flix. Rehabilitacin del Centro Histrico de La Habana: Uma experincia

    de Desarrollo Sostenible. Palestra no Curso do ITUC-AL, Olinda, 2006.

    ARAJO, Suzane Albers. Diretrizes para a Gesto da Conservao do Ribeiro da Ilha, Florianpolis/SC. Recife: CECI ITUC/AL 2003. Orientador: Slvio Zancheti.

    FURTADO, Ricardo C., ZANCHETI, Slvio. Piranhas: Proposta de Tombamento e Plano de Gesto. Recife: L. Dantas da Silva Editor/ CHESF, 2003. 111 p.

    IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Bens Mveis e Imveis Inscritos nos Livros do Tombo do Instituto Histrico e Artstico Nacional. Autor. Rio de Janeiro: 1994, 4 edio. 251 p.

    IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Cartas Patrimoniais. 3 ed. rev. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004. 408 p.

    IPHAN - Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. PERIQUITO, Daniela, BARRETO, Juliana. Estudo para a Instruo ao Processo de Tombamento de Goiana. Recife: 2005.

    IPHAN - Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Departamento de Identificao de Documento. Processo n 1483-T-01, Conjunto Arquitetnico, Urbanstico e Paisagstico da Cidade de Goiana, Estado de Pernambuco. Autor. Recife: 2001.

    MILET, V.; PONTUAL, V. Evaluacin de la Gestin y de las Necesidades de Capacitacin Tcnica em las Ciudades del Patrimnio Mundial de Amrica Latina. Olinda. Organizacin de ls Ciudades del Patrimnio Mundial / Internation Center for the Study of Preservation and Restauration of Cultural Property / CECI / Centro del Patrimonio Mundial de La UNESCO. 1999.

    UFPE / Centro de Conservao Integrada Urbana e Territorial ZANCHETI, Slvio Mendes (org.). Gesto do Patrimnio Cultural Integrado. Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Urbano Recife: Ed. Universitria da UFPE, 2002.

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