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1 Significados do Trabalho para Trabalhadores Precarizados: Uma Análise de Desenhos Autoria: Luiz Alex Silva Saraiva, Lucilene Aparecida Gomes, Kary Emanuelle Reis Coimbra, Aline de Moura Ferrero Resumo Nesse artigo, o objetivo é analisar desenhos de trabalhadores precarizados relacionados a percepções e sentimentos vinculados ao trabalho. O interesse pelo tema se deve ao fato de que os contratos de trabalho e a estrutura das organizações têm se alterado nos últimos anos. De acordo com Antunes (2001), está ocorrendo uma redução do núcleo de empregados formais dentro das organizações, e, conseqüentemente, o aumento do número de trabalhadores precarizados. A precarização foi intensificada com a reestruturação produtiva pela qual passou o capital. Antunes (2001) defende que, em meados de 1970, ocorreu uma manifestação crítica ao capitalismo, devido à queda nas taxas de juros e a intensificação das lutas sociais. Em uma obra anterior, Antunes (2000, p. 23) aponta as conseqüências da precarização “que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento desses níveis, afetou a sua forma de ser”. As transformações pelas quais a classe trabalhadora passou nesse período foram chamadas pelo autor de crise aguda do século. Para investigar esse fenômeno sob a ótica dos trabalhadores, foi conduzida uma pesquisa qualitativa baseada na técnica de construção de desenhos (VERGARA, 2004; 2005: BANKS, 2009) por trabalhadores com distintos vínculos de trabalho precário. A construção de desenhos é um método de obtenção de dados por meio de uma imagem gráfica. O pesquisador solicita ao entrevistado que elabore um desenho de acordo com o tema proposto (VERGARA, 2005). Essa técnica permite manifestação de aspectos subjetivos, como sentimentos e necessidades. Foi solicitado aos entrevistados que fizessem um desenho que representasse seus sentimentos e percepções com relação ao trabalho. Foram abordados sete terceirizados, quatro subcontratados e seis estagiários, tendo sido obtidos, no total, 16 desenhos. A análise dos desenhos resultou em cinco categorias, a saber: a) Cotidiano técnico do trabalho; b) Trabalho árduo; c) Conhecimento, inserção e promessas profissionais; d) O trabalho e o prazer; e e) Trabalho, futuro e incertezas. As possibilidades de leitura dos desenhos sugerem que as percepções e sentimentos com relação ao trabalho são tão variados quanto os tipos de relações simbólicas que podem ser estabelecidas no tecido social das organizações. Conclui-se que os desenhos fornecem uma noção de que os trabalhadores interpretam as mensagens da organização e de acordo com atributos de personalidade, experiências passadas, moldando tais informações e as transformando em expectativas, êxitos e em frustrações. A subjetividade inerente a cada indivíduo que é colocada nas relações entre empregador e empregado. Independente do vínculo formal de trabalho, trata-se, em essência, de pessoas, que são mais do que seus contratos profissionais. Tais indivíduos percebem e reagem às condições de que dispõem, sendo os significados do trabalho resultado de um processo complexo que vai muito além do contexto profissional.

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Significados do Trabalho para Trabalhadores Precarizados: Uma Análise de Desenhos

Autoria: Luiz Alex Silva Saraiva, Lucilene Aparecida Gomes, Kary Emanuelle Reis Coimbra, Aline de Moura Ferrero

Resumo Nesse artigo, o objetivo é analisar desenhos de trabalhadores precarizados relacionados a percepções e sentimentos vinculados ao trabalho. O interesse pelo tema se deve ao fato de que os contratos de trabalho e a estrutura das organizações têm se alterado nos últimos anos. De acordo com Antunes (2001), está ocorrendo uma redução do núcleo de empregados formais dentro das organizações, e, conseqüentemente, o aumento do número de trabalhadores precarizados. A precarização foi intensificada com a reestruturação produtiva pela qual passou o capital. Antunes (2001) defende que, em meados de 1970, ocorreu uma manifestação crítica ao capitalismo, devido à queda nas taxas de juros e a intensificação das lutas sociais. Em uma obra anterior, Antunes (2000, p. 23) aponta as conseqüências da precarização “que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento desses níveis, afetou a sua forma de ser”. As transformações pelas quais a classe trabalhadora passou nesse período foram chamadas pelo autor de crise aguda do século. Para investigar esse fenômeno sob a ótica dos trabalhadores, foi conduzida uma pesquisa qualitativa baseada na técnica de construção de desenhos (VERGARA, 2004; 2005: BANKS, 2009) por trabalhadores com distintos vínculos de trabalho precário. A construção de desenhos é um método de obtenção de dados por meio de uma imagem gráfica. O pesquisador solicita ao entrevistado que elabore um desenho de acordo com o tema proposto (VERGARA, 2005). Essa técnica permite manifestação de aspectos subjetivos, como sentimentos e necessidades. Foi solicitado aos entrevistados que fizessem um desenho que representasse seus sentimentos e percepções com relação ao trabalho. Foram abordados sete terceirizados, quatro subcontratados e seis estagiários, tendo sido obtidos, no total, 16 desenhos. A análise dos desenhos resultou em cinco categorias, a saber: a) Cotidiano técnico do trabalho; b) Trabalho árduo; c) Conhecimento, inserção e promessas profissionais; d) O trabalho e o prazer; e e) Trabalho, futuro e incertezas. As possibilidades de leitura dos desenhos sugerem que as percepções e sentimentos com relação ao trabalho são tão variados quanto os tipos de relações simbólicas que podem ser estabelecidas no tecido social das organizações. Conclui-se que os desenhos fornecem uma noção de que os trabalhadores interpretam as mensagens da organização e de acordo com atributos de personalidade, experiências passadas, moldando tais informações e as transformando em expectativas, êxitos e em frustrações. A subjetividade inerente a cada indivíduo que é colocada nas relações entre empregador e empregado. Independente do vínculo formal de trabalho, trata-se, em essência, de pessoas, que são mais do que seus contratos profissionais. Tais indivíduos percebem e reagem às condições de que dispõem, sendo os significados do trabalho resultado de um processo complexo que vai muito além do contexto profissional.

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Introdução

Nesse artigo, o objetivo é analisar desenhos de trabalhadores precarizados relacionados a percepções e sentimentos vinculados ao trabalho. O interesse pelo tema se deve ao fato de que os contratos de trabalho e a estrutura das organizações têm se alterado nos últimos anos. De acordo com Antunes (2001), está ocorrendo uma redução do núcleo de empregados formais dentro das organizações, e, conseqüentemente, o aumento do número de trabalhadores precarizados. A precarização foi intensificada com a reestruturação produtiva pela qual passou o capital. Antunes (2001) defende que, em meados de 1970, ocorreu uma manifestação crítica ao capitalismo, devido à queda nas taxas de juros e a intensificação das lutas sociais. Em uma obra anterior, Antunes (2000, p. 23) aponta as conseqüências da precarização “que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento desses níveis, afetou a sua forma de ser”. As transformações pelas quais a classe trabalhadora passou nesse período foram chamadas pelo autor de crise aguda do século. A crise atingiu empregadores e empregados. Segundo Pochmann (2000), o agravamento da crise econômica aumentou a concorrência e o processo de reestruturação das empresas, com conseqüência na economia em geral e principalmente no mercado de trabalho. Esse autor aponta que as teorias fluentes da década de 1970, acreditavam que quanto mais desregulado e flexível fosse o mercado de trabalho, mais empenhado ele seria com a criação de empregos. Diante do cenário que se seguiu, essas teses não foram confirmadas, tendo ocorrido o contrário, o crescimento da precarização dos empregos e dos níveis de pobreza. A crise do capital atingiu principalmente os trabalhadores e trouxe uma série de mudanças. Alves (2005) explicita que a crise do capital que atingiu os países capitalistas formais, impulsionou, nos anos de 1980 e 1990, uma série de mudanças sociais e históricas.

Surge o que denominamos um novo complexo de reestruturação produtiva, uma ofensiva do capital na produção, que busca constituir um novo patamar de acumulação capitalista em escala planetária e tende a debilitar o mundo do trabalho, promovendo alterações importantes na forma de ser (e subjetividade) da classe dos trabalhadores assalariados. (ALVES, 2005, p. 16).

Alves (2005) atribui a mundialização do capital ao desenvolvimento da reestruturação

produtiva, com efeitos estruturais no mundo do trabalho. Ele surge como ofensiva do capital na produção, considerando que debilita a classe, no aspecto objetivo e subjetivo, com a construção de um precário mundo do trabalho. A precarização dos trabalhadores assalariados atinge, no sentido objetivo, o emprego e o salário. No sentido subjetivo, atinge a sua consciência de classe. As transformações pelas quais passou a classe trabalhadora alteraram a sua subjetividade e o contrato psicológico dos trabalhadores. Anteriormente a essas mudanças, existiam os trabalhadores assalariados, fixos e os desempregados. Após a introdução dessa nova forma de produzir, surgiu o trabalhador precário em suas várias formas. Os trabalhadores tiveram que se adaptar fisicamente ao novo trabalho, pois esse, com a introdução da tecnologia, retirou, em parte, o intenso esforço do corpo. As maiores mudanças ocorreram com o aspecto intelectual do empregado, que passou a ser demandado para realizar o trabalho. Alves (2005, p. 22) aborda que para atender a essa nova fase pela qual o mundo passava, vários modelos produtivos foram experimentados, como a especialização flexível na Itália ou o kalmarianismo, na Suécia. Mas o toyotismo foi o que reuniu todas as necessidades

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que o mundo produtivo precisava naquele momento, originando a produção enxuta e uma “nova racionalidade do capital em sua etapa de mundialização”.

Antunes (2001) manifesta-se nessa direção, ressaltando que o modelo de capitalismo que se desenvolveu no Japão, após a segunda guerra, momento em que o ocidente passava por uma crise, o toyotismo se apresenta como uma forma factível de o capital tentar responder via capitalista à crise do capitalismo. Essa mudança foi possível devido à “derrota do movimento operário e a necessidade do capital responder aos seus contornos mais críticos”, introduzindo o processo de reestruturação produtiva do capital (ANTUNES, 2001, p. 39). Nesse período, o capital mostrou sua força, demonstrando que o mundo gira em torno dele, e que é capaz de transformar estruturas empresariais, formas e sistemas de trabalho. Em prol da maximização da riqueza de quem possui o capital e a precarização do trabalho da grande maioria que não o possui. Mudanças com a introdução do trabalho precário

Esse movimento de reestruturação produtiva do capital foi marcante, tendo afetado a forma pela qual o capital produz mercadorias, materiais ou imateriais, influenciando a maneira como o capital realiza a sua produção de mercadorias, o que resulta num novo desenho para a produção de mercadorias. Essa nova fase do capital apresenta algumas características de continuidade e descontinuidade frente ao taylorismo e fordismo que estava presente no mundo produtivo e de serviços do século XX. (ANTUNES, 2001). De acordo com Taylor (1990), o trabalho deve ser racionalizado, podemos perceber que o toyotismo não rompe com Taylor e Ford, ocorre um aprimoramento do como realizar o trabalho. Se comparar o taylorismo-fordismo e o toyotismo, no que se refere à gestão da força de trabalho, o toyotismo realiza um salto qualitativo na captura da subjetividade operária em favor do capital.

Nasce então um padrão de acumulação menos taylorizado, menos fordizado, menos produção em massa, menos produção rígida, menos aquela produção em massa com produtos homogêneos ou fábricas verticalizadas e operários em massa concentrados e se desenha uma empresa que é mais flexibilizada, que se fundamenta num padrão tecnológico que a era da informática propicia, e que se desenvolve a desformalização produtiva onde o capital se horizontaliza, o capital de desverticaliza e se horizontaliza. E neste processo de horizontalização recorre-se a terceirização dentro da fábrica, a terceirização fora da fábrica, a concentração em algumas áreas, a concentração de capital e a desconcentração do espaço físico produtivo. (ANTUNES, 2001, p. 40).

Segundo Antunes (2001), a horizontalização do capital e da planta com a implantação

do toyotismo, caracteriza um enorme processo de terceirização. Com a redução do espaço do trabalhador formal, ampliam-se as formas de trabalho precarizado, intensificação das novas formas de exploração do trabalho. Em consonância com essa ideia, Sennett (2003) entende que, buscando eliminar a burocracia, as organizações passaram a ser mais planas e flexíveis, transformando as empresas do tipo pirâmide, em uma estrutura em redes. Isso significa que as promoções e demissões se baseiam em normas mais nítidas, fixas, com as tarefas do trabalho não definidas claramente, com redefinição constante da estrutura pela rede. Para Taylor (1990), o espaço da fábrica devia ser controlado pela gerência e não pelos trabalhadores, no toyotismo percebe-se a necessidade de devolver ao trabalhador o espaço dentro da fábrica. Toda a aparência de autonomia e liberdade na era toyotista tem um fundamento, apropriar-se do saber fazer intelectual e subjetivo do trabalhador. Nasce um sistema que não nega a subjetividade do trabalhador fabril e nem a classe trabalhadora, que

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não significa o fim do trabalho, mas novas formas de trabalho, mais heterogêneas, mais complexas, mais diversificadas que dá maior agilidade a produção (ANTUNES, 2001).

O toyotismo é limitado à compreensão do surgimento de uma nova lógica de produção de mercadorias, novos princípios de administração da produção capitalista, de gestão da força de trabalho, cujo valor universal é constituir uma nova hegemonia do capital na produção, por meio da captura da subjetividade operária pela lógica do capital. (ALVES, 2005, p. 31).

Com a introdução dessa nova forma de produzir, a classe trabalhadora foi obrigada a

se adaptar às novas regras. Antunes (2000) postula que os direitos e conquistas históricas dos trabalhadores são substituídos e excluídos do mundo da produção, tendo ocorrido a redução e mistura do despotismo implantado por Taylor (1990), pela participação dentro da empresa, pelo envolvimento manipulado de acordo com os interesses da organização e pelo sistema produtor de mercadorias. Ainda de acordo com Antunes (2000), a acumulação flexível é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo, apoiando na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Surgem novos setores de produção, mercados e fornecimento de serviços financeiros e com a elevação das taxas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. O toyotismo buscava novos padrões de gestão da força de trabalho, por meio dos círculos de controle de qualidade (CCQ), da gestão participativa, a busca constante pela qualidade total (ANTUNES, 2000). Como forma de manipular o indivíduo, o toyotismo primeiramente demonstrou ao empregado as vantagens do sistema, como a maior participação do trabalhador na empresa, incentivo às sugestões e respeito as suas opiniões. Com o passar do tempo, percebe-se a intenção de, mais uma vez, domar o trabalhador de acordo com os interesses do capital. O capital passou a ter uma maior autonomia sobre a classe trabalhadora e vários acontecimentos comprovam essa situação como, por exemplo, a flexibilização dos contratos de trabalho, da legislação social e trabalhista e da queda nas taxas de sindicalização e das greves (POCHMANN, 2000). Antunes (2000) coloca que para a efetiva flexibilização do sistema produtivo, é necessária a flexibilização dos trabalhadores. A partir de um número mínimo de trabalhadores, o toyotismo irá estruturar-se, e expandindo sua atuação, por meio das horas extras, trabalhadores temporários ou subcontratação. A respeito desse assunto, Pochmann (2000) acrescenta que a redução quantitativa e qualitativa no mercado de trabalho, por exemplo, a redução de hierarquias, e as novas maneiras de gestão de pessoas e de relações de trabalho, aumentaram a mão de obra desempregada, passando a ser sua inserção no mercado precária e instável. Trabalho precário versus trabalho formal

A estrutura da classe operária sofre uma separação entre, o núcleo produtivo com os operários polivalentes, com autonomia, iniciativa e de renovação constante dos conhecimentos e a periferia produtiva representada pelos demais operários industriais, o subproletariado, com empregos precários, temporários e com baixos salários (ALVES, 2005). Esse autor afirma ainda que, de um lado encontram-se trabalhadores assalariados em tempo parcial, com menos segurança no emprego, e que dispõem de maior facilidade de serem explorados pelo capital. No outro extremo, se encontram os empregados casuais, pessoal com contrato por tempo determinado, temporários, subcontratação e treinando com subsídio público, com uma significativa expansão nos últimos anos. Nesse contexto de reestruturação

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produtiva, toda a classe trabalhadora sofre, mas é um sofrimento diferente: o núcleo tem seus direitos garantidos, mas tem sua carga de trabalho aumentada para atender o aumento da produtividade. Já a periferia quase não tem direitos e benefícios, a exploração do seu trabalho é ainda maior, trabalha muito, ganha pouco e não tem perspectivas futuras. No segundo grupo, ou a periferia, Antunes (2000) divide os trabalhadores em dois subgrupos: o primeiro grupo consiste em “empregados em tempo integral com habilidades facilmente disponíveis no mercado de trabalho, como pessoal do setor financeiro, secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de trabalho manual menos especializado” (ANTUNES, 2000, p. 61). O segundo grupo, com maior flexibilidade, compreende os “empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal com contrato por tempo determinado, temporários, subcontratação e treinados com subsídio público” (ANTUNES, 2000, p. 62). Ambos se encontram no trabalho precarizado, tendo o segundo grupo menor segurança no emprego em relação ao primeiro grupo. Pochmann (2000) divide os trabalhadores de uma forma diferente, a sociedade dos incluídos e dos excluídos. No primeiro encontram-se os trabalhadores com ocupação regular e de qualidade e os precariamente incluídos no subemprego e parciais, no segundo os trabalhadores sem emprego, isto é, desempregados. Os trabalhadores precarizados, no que tange às condições de trabalho, direitos, deveres e benefícios, são inferiores aos trabalhadores formais, fato que, para Alves (2005), contribui para as menores oportunidades de carreira e uma alta taxa de rotatividade. Os bancos de horas, horários flexíveis, maiores cargas de trabalho são formas pelas quais o capital utiliza a força de trabalho regular (contrato por tempo indeterminado) de maneira flexível e com maior carga de trabalho. Os trabalhadores precarizados ficam perdidos, inseguros quanto à continuidade do trabalho, sem direitos trabalhistas, ou garantias de sobrevivência (aposentadoria e saúde ou seguro desemprego) (ANTUNES, 2001). Pochmann (2000) concorda que a taxa de rotatividade no trabalho precário é alta, devido à flexibilidade e à facilidade de rompimento dos contratos de trabalho, e menor tempo de permanência dos empregados na mesma empresa. Esse fato indica pouca confiança e envolvimento entre as partes. Por parte do empregador as relações são de autoritarismo e controle quase absoluto. A flexibilidade do mercado de trabalho inibe a formalidade no emprego, não incentiva o treinamento e desenvolvimento dos trabalhadores pelos empregadores. O que sobra como alternativa é a constante seleção de mão de obra melhor qualificada e demissão dos não qualificados. Antunes (2000) acrescenta mais algumas conseqüências do trabalho precário, menor qualidade no emprego e da remuneração, a eliminação de regras e normas das condições de trabalho em relação às normas legais vigentes ou acordadas e o retorno dos direitos sociais, a inexistência de proteção e expressão sindicais. Como conseqüência desse novo modelo de produção e intensificação do trabalho, ocorre a diminuição da participação dos trabalhadores no centro do complexo de produção de mercadorias e o aumento da periferia desse sistema, com a expansão da subcontratação industrial e de serviços (ALVES, 2005). Um elemento importante no desenvolvimento e expansão da crise sindical é encontrado no abismo existente entre os trabalhadores regulares e os de trabalho precarizado. Com o aumento da distância existente entre esses dois tipos de trabalhadores, reduz-se o poder sindical, historicamente ligado aos trabalhadores regulares e, incapaz de reunir os todos trabalhadores precários e a sua infinidade de formas (ANTUNES 2000). A grande dispersão dos trabalhadores e a pequena duração do contrato de trabalho auxiliam na dificuldade de atuação sindical dessa classe. Tem-se hoje um trabalho abstrato em dimensão intelectual, no qual o capital busca se apropriar do trabalho. O resultado disso é uma massa imensa de trabalhadores descartáveis

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que aumentam a força de trabalho mundial, que auxilia nas discrepâncias que fazem entre trabalhador formal e terceirizado, semiformal, quarteirizado, desempregado. O que ocorre não é o fim do emprego, mas sim de um emprego com direitos, no qual o trabalho é cada vez para menos trabalhadores (ANTUNES, 2001). A precarização constitui ameaça maior que o desemprego, porque significa a aniquilação de conquistas que foram construídas ao longo anos de lutas e também porque vem se expandindo e pode atingir qualquer empregado. Trabalhadores são flexibilizados, independente do cargo, do ramo de atuação ou da qualificação, poucos estão livres de serem atingidos por essa nova segmentação do mercado de trabalho, conservando um núcleo protegido e reduzido, levando os demais à precariedade (ANTUNES, 2001). Subjetividade e trabalho precário

Como desenvolvimento do sistema Toyota de produção uma infinidade de nomes é usada para nomear os trabalhadores precários. Para Antunes (2001), a criatividade na criação de novas formas de trabalho precário é enorme:

[...] trabalhadores a tempo parcial, contratos temporários, cooperativas, postos de serviço, sweatshop (literalmente, oficinas de suor), maquiladoras, faccionistas, trabalho a domicílio, trabalho autônomo, contratos de treinamento, estagiários, grupos de fim de semana. (ANTUNES, 2001, p. 51).

Também podem ser chamados de trabalhadores fast food ou de setor de serviços

(ANTUNES, 2001), ou ainda de trabalho part time e informal (ALVES, 2005). Independente do nome que lhe é dado, o principal é que, o trabalho precário alterou todas as dimensões do trabalho. Alves (2005) aponta que a reestruturação produtiva veio para enfraquecer a sociedade do trabalho, com a captura da subjetividade do trabalhador, pelas formas organizacionais de envolver o empregado, pela desconstituição da classe trabalhadora, por meio do desemprego estrutural, mas principalmente pela precarização do salário e do emprego da classe. A condição de temporalidade também interfere no trabalho precário, segundo Sennett (2003, p. 24) os contratos precários são de curto prazo “que corroi a confiança, a lealdade e o compromisso mútuo”. As experiências de confiança são informais como, por exemplo, no momento em que as pessoas aprendem em quem podem confiar ou com quem podem contar ao receberem uma atividade difícil. Esses laços demandam muito tempo para serem construídos. O modelo atual de curto prazo das relações empregador-empregado impossibilita o amadurecimento da confiança informal. Sennett (2003) postula que o capitalismo de curto prazo corroi o caráter do ser humano, principalmente as qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável. A precarização do contrato de trabalho com a sua dimensão de curto prazo não ocorre esforços afetividade, pois todos os envolvidos sabem que serão de pouco tempo. Criar amizades, gostar demais do trabalho que está realizando pode ser ruim no momento de se desligar do emprego. O mais indicado é trabalhar sabendo que aquilo será temporário, para não sofrer mais à frente. O interessante seria a criação de afetividade nessa relação, independe do tempo que ela irá durar, para que o trabalho se torne mais prazeroso. O capital apropriou-se do saber e do fazer do trabalho. O trabalhador pensa e age para o capital, para a produção, com a exclusão entre a elaboração e execução, no processo de trabalho, pois a decisão de como produzir continua a não pertencer aos trabalhadores.

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(ANTUNES, 2000). O trabalho precário constitui para o trabalhador apenas uma fonte de renda, mas sem nenhum prazer em fazer o trabalho. Pochmann (2000) explica o motivo do crescimento da precarização e sugere uma solução para freá-lo. Afirma que quanto mais desregulamentado o mercado de trabalho, maior é a tendência de crescimento da precarização e menores as chances de aumento de vagas no mercado de trabalho, o que torna urgente a democratização das relações de trabalho. Metodologia A estratégia de pesquisa adotada é qualitativa. Segundo Vieira (2004) a pesquisa qualitativa caracteriza-se pela não utilização de dados estatísticos na análise dos dados, tendo como objetivo o detalhamento dos fenômenos e dos elementos que o envolvem, dos depoimentos dos atores sociais envolvidos, dos discursos, significados e contextos. Diante disso, apresenta-se mais adequada a essa pesquisa.

Entre as muitas técnicas disponíveis para alcançar tal propósito, nesse estudo se optou pela técnica da construção de desenhos. Banks (2009) pontua que há uma série de elementos variáveis em técnicas baseadas em dados visuais, mas que há alguns que se repetem. Um deles é o repertório de narrativas, outro a seleção de figuras e do fundo, outro a representação em si do que se visualiza. Metáforas são informações interessantes e não podem ser negligenciadas ao se lidar com desenhos, como apontam Nossiter e Biberman (1990).

Assim, não é casual a projeção de uma imagem em particular, e tampouco dos elementos que lhe circundam, como notaram Catterall e Ibbotson (2000) no estudo que conduziram sobre técnicas projetivas na pesquisa na área de educação. A própria disposição dos elementos permite observar elementos centrais e periféricos, a ordem com que devem ser observados, como aponta Meyer (1991).

De acordo com Vergara (2005), trata-se de um método de obtenção de dados por meio de uma imagem gráfica, o pesquisador solicita ao entrevistado que elabore um desenho de acordo com o tema proposto. Essa técnica permite manifestação de aspectos subjetivos, como sentimentos e necessidades. Foi solicitado aos entrevistados que fizessem um desenho que representasse seus sentimentos e percepções com relação ao trabalho. Após a realização do desenho foi solicitado que os entrevistados explicassem os desenhos, que contribuiu para a análise dos mesmos. Quanto aos fins a pesquisa é descritiva, mais adequada para mostrar as características do fenômeno na população pesquisada, voltada especificamente para trabalhadores precarizados. Observaram-se três tipos de vínculos contratuais precarizados, a saber: terceirizadosi, subcontratadosii e estagiáriosiii. No total, foram abordados 17 empregados, de três empresas distintas e que atuam no setor de mineração. Empresa ALFAiv e GAMAv são empresas de manutenção no setor de mineração e a empresa BETAvi é uma empresa de extração mineral. A distribuição foi feita da seguinte forma: seis estagiários da empresa BETA, sete empregados terceirizados da empresa ALFA, quatro empregados subcontratados da empresa GAMA. Para a escolha dos profissionais foram observados os seguintes critérios: a) pertencer à área operacional das empresas estudadas, por entender que a precarização atinge mais fortemente esses trabalhadores; e b) possuir mais de um ano de empresa. As funções selecionadas para a pesquisa foram as de mecânicos, vulcanizadores, operadores, eletricistas. Foram definidas as funções citadas, com o intuito de obter e analisar os aspectos comuns a esses profissionais, mas com diferença no contrato de trabalho. Dos 17 empregados, somente um subcontratado da empresa GAMA não quis desenhar. Dispõe-se, assim, de 16 desenhos para a análise. Para a análise das imagens obtidas por meio do método de construção de desenhos, a mesma foi analisada da seguinte forma: 1) descrição detalhada do desenho, 2) análise das situações explicitadas e 3) interpretação e

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discussão à luz da teoria. Esses procedimentos foram baseados na pesquisa de Brito, Grazzinelli e Melo (2006). Análise da construção de desenhos

A seguir são analisados os desenhos de maior relevância para a pesquisa. Embora a quantidade de desenhos disponível seja maior do que a aqui apresentada, foram selecionadas as representações mais expressivas de cada uma das categorias de análise.

Cotidiano técnico do trabalho

Na primeira categoria, cotidiano do trabalho, os desenhos remetem a aspectos técnicos do ambiente profissional dos trabalhadores. Um exemplo se encontra na figura 1, no sentido horizontal, onde se encontra um tubo com ranhuras, em cujo final há uma válvula que está aberta, possibilitando a saída de água na haste, que está na vertical. Essa figura reproduz o cotidiano do empregado, em que a água é utilizada para diminuir a poeira nas estradas não pavimentadas da empresa, reproduzida pelos traços à direita do desenho na vertical. Ao colocar a válvula de acionamento da água aberta, sugere a importância do empregado em manter esse sistema em perfeito estado de utilização. A colocação dos tubos no local de utilização só será possível se o trabalhador utilizar força física, braçal. O sistema representado por meio do desenho é ao ar livre, devido à presença da estrada, debaixo de sol ou chuva.

Figura 1 – Representação das percepções e sentimentos com relação ao trabalho (Terceirizado, T6) Fonte – Dados da pesquisa. Nesse desenho ficou evidente a racionalização do trabalho, no qual a atividade desempenhada pelo trabalhador é dividida em várias partes e a figura 1 representa a parcela que o empregado T6 é responsável. Percebe-se que tal trabalhador tem ideia da finalidade de seu trabalho, ao representar a saída de água da tubulação e a mesma sendo utilizada na irrigação da estrada. Isso demonstra que mesmo em um nível superficial, que o trabalhador possui alguma noção sobre a contribuição da sua atividade para a organização, contrariando os argumentos de Saraiva e Provinciali (2002), que apresentam o trabalhador como

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irremediavelmente alienado por executar atividades planejadas por outros indivíduos. Em parte, isso pode ser explicado pelo fato de a atividade exercida pelo empregado estar na fase final do processo, sendo facilitado ao trabalhador enxergar a finalidade do seu trabalho. Trabalho árduo

A figura 2 retrata um animal, mais especificamente um tatu. Com seu focinho fino, pernas curtas, com o corpo envolto por uma carcaça dura. Esse trabalhador representou o trabalho por meio de uma metáfora. A partir das características desse animal, sugere o que o trabalho significa para ele, trabalhador.

Figura 2 – Representação das percepções e sentimentos com relação ao trabalho (Subcontratado, S4) Fonte – Dados da pesquisa.

Esse animal é rústico e resistente devido à carcaça que o protege. Para sua proteção cava a terra no intuito de se esconder dos seus predadores, um trabalho difícil e árduo. O entrevistado associou o seu trabalho ao do tatu, uma vez que demanda de força física e esforço, sendo necessária ao trabalhador resistência para exercê-lo. O tatu em, sua atividade de escavação, trabalha de forma solitária e demorada, o que provavelmente encontra paralelo no cotidiano desse trabalhador subcontratado. Conhecimento, inserção e promessa profissionais

À primeira vista, a imagem à direita da figura 3 pode ser entendida como um homem chorando, pois logo abaixo de seus olhos são colocados círculos que parecem lágrimas. Como na coleta de dados foi solicitado ao entrevistado que explicasse o desenho, o entrevistado explicou que era um homem suando. A segunda imagem é a de um livro aberto. Tais figuras foram desenhadas por um estagiário.

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Figura 3 – Representação das percepções e sentimentos com relação ao trabalho (Estagiário,G6) Fonte – Dados da pesquisa.

O livro representa conhecimento e o suor, o esforço físico. O trabalhador teve que estudar e obter certo nível de conhecimento para executar suas atividades no estágio. Exerce a função de eletricista, no nível operacional da empresa, no qual deve se esforçar para exercer suas funções adequadamente. O desenho sugere que quanto mais investimento o trabalhador fizer no conhecimento, esse esforço pode significar reconhecimento e, eventualmente, a possibilidade de deixar de ter um emprego precário, com condições profissionais melhores. Daí o papel que o conhecimento pode ter no futuro. O que é reforçado pelo fato de o vínculo contratual desse trabalhador ser de estágio.

Várias imagens compõem a figura 4, primeiro uma placa escrito atenção. Mais embaixo um relógio, marcando determinada hora. Em seguida uma lâmpada acesa, os traços ao redor da mesma, mostram a sua iluminação. Depois uma luva, pode ser entendida dessa forma, pois é lisa, se fosse uma mão teria as unhas nas pontas dos dedos.

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Figura 4 – Representação das percepções e sentimentos com relação ao trabalho (Estagiário, G3) Fonte – Dados da pesquisa. Essas figuras remetem a algumas obrigações que o trabalhador tem com a empresa. A assiduidade e pontualidade remetem ao relógio. A atenção ao executar uma atividade, explicita na placa de atenção. Segurança no trabalho representado pela luva, que é um equipamento de proteção individual (EPI). Obrigações que qualquer trabalhador tem, mas que são mais claras no nível operacional. A lâmpada iluminada representa criatividade, inovação. O estagiário está no nível operacional e cumpre suas obrigações como trabalhador, pois ele sabe que depende disso para ser efetivado. O trabalho e o prazer

Na figura 5, no chão há algumas plantas, sobre ele está uma pessoa, possivelmente um garoto, pois está de boné. O garoto está com um sorriso no rosto, o que sugere felicidade. De uma de suas mãos sai uma linha que leva até uma pipa, demonstrando que a pessoa do desenho está num momento de diversão. A figura 5 associa o trabalho ao prazer que pode proporcionar.

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Figura 5 – Representação das percepções e sentimentos com relação ao trabalho (Terceirizado, T2) Fonte – Dados da pesquisa.

A pipa no ar da figura 5 mostra a liberdade, o ir e vir sem obstáculos, momento de lazer e alegria de muitos garotos, o que sugere que o trabalho pode levar ao usufruto de situações como essa. O entrevistado enxerga alegria e liberdade no seu trabalho, embora possivelmente se trate de uma liberdade que só será usufruída fora do contexto profissional. Ao mesmo tempo em que o desenho é “leve”, portanto, esconde a possibilidade de leitura de um trabalho que só possibilita acesso a tal leveza à medida que o trabalhador dele se desincumbe. Em outras palavras, é preciso trabalhar bem o suficiente para poder viver a vida de maneira mais livre. O trabalho, assim, possibilita meios de acessar uma vida melhor. Trabalho, futuro e incertezas

A sexta e última figura analisada, a figura 6 é de uma menina que está em um caminho que leva a uma casa. Possivelmente quem fez o desenho é uma mulher, por projetar a figura feminina no desenho. Além do caminho que sai da casa, existem vários outros caminhos, não ligados a casa, várias possibilidades de percurso. O desenho pode representar um trabalhador no início de sua carreira profissional, que acaba de sair dos limites da sua residência e encontra vários caminhos a seguir, o que possivelmente leva à dúvida e à insegurança. Os vários trajetos representados podem trazer desdobramentos imprevistos; tudo dependerá das escolhas, uma vez que não há um padrão bem delineado.

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Figura 6 – Representação das percepções e sentimentos com relação ao trabalho (Estagiário, G5) Fonte – Dados da pesquisa. Outra possibilidade de leitura é que, ao sair de casa para trabalhar, o indivíduo sai da redoma da família, entrando numa fase da vida de certa independência. Apesar das incertezas, o desenho sugere certa satisfação por parte do personagem central, a menina, uma vez que ela se encontra com um sorriso no rosto, demonstrando contentamento. O trabalhador que produziu a figura 6 é um estagiário, que não possui formalidade no trabalho. O desenho acontece no sentido de evidenciar as dúvidas e medos quanto ao futuro, mas a certeza de que na família, no seu lar, encontrará apoio e suporte. A casa representa tal estabilidade, que se opõe aos caminhos sem destino definido. O que os desenhos apresentados mostram, em conjunto? Que as percepções e sentimentos com relação ao trabalho são tão variados quanto os tipos de relações simbólicas que podem ser estabelecidas no tecido social das organizações. Assim, o trabalho pode ser percebido de forma técnica, levando em conta os elementos objetivos que o compõe aos olhos dos trabalhadores. Trata-se ao mesmo tempo de um trabalho árduo, que pressupõe empenho, do ponto de vista físico, para ser executado de forma adequada. Pode constituir uma promessa associada ao quanto de conhecimento ele demanda e quanto pode premiar os trabalhadores que se esforçarem para conhecer mais do que fazem. O trabalho também pode significar o meio pelo qual se acessa o prazer, o que implica o usufruto da liberdade passar por algum tipo de situação profissional. Por fim, o trabalho e suas possibilidades levam a incertezas sobre o futuro, uma vez que as opções de percursos podem levar a caminhos profissionais mais ou menos interessantes.

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Discussão e conclusão

Nesse artigo, o objetivo é analisar desenhos de trabalhadores precarizados relacionados a percepções e sentimentos vinculados ao trabalho, recorreu-se a uma pesquisa qualitativa, baseada em desenhos. Foram coletados desenhos de trabalhadores precarizados de múltiplos vínculos contratuais, como estagiários, subcontratados e terceirizados. Por meio da técnica de análise de desenhos, chegou-se a cinco categorias de conteúdo na análise das imagens: cotidiano técnico no trabalho, trabalho árduo, conhecimento, inserção e promessa profissionais, o trabalho e o prazer e trabalho, futuro e incertezas. Em linhas gerais, os desenhos não marcam, de forma característica, a instabilidade de sua condição precária de trabalho, como elemento central. À primeira vista, embora haja registros de que se trata de um trabalho duro, exigindo grande nível de dedicação, e incerto, já que os caminhos futuros não se encontram definidos, não se pode propriamente identificar que tais desenhos mostrem o contexto de trabalhadores prejudicados pelo sistema. Contudo, como essa se trata de uma técnica projetiva, é preciso ir além do primeiro plano da imagem para obter informações que possam traduzir o que sentem, de fato, os trabalhadores abordados. Nesse sentido os desenhos adquirem uma nova perspectiva, que confere complexidade às imagens coletadas. Na figura 1, por exemplo, por que o trabalhador, ao ser solicitado a desenhar seus sentimentos e percepções em relação ao trabalho, desenha apenas uma peça do processo produtivo? O não dito pela imagem sugere que a divisão do trabalho taylorista é radicalizada no caso de trabalhadores terceirizados como o autor da imagem. Ao exercer um trabalho sob intempéries, necessário de forma secundária ao processo produtivo da organização, ele não apresenta, porque possivelmente não é demandado nesse sentido, sentimentos em relação ao que faz, já que é apenas “mais um”. Esse sentimento de descartabilidade pode ser particularmente sentido ao desenhar peças, e não pessoas. Peças são substituíveis, consertadas, adquiridas, renovadas, o que não ocorre com os indivíduos em geral, e principalmente com trabalhadores com vínculos contratuais precarizados. A figura 2 é reveladora de uma associação metafórica muito interessante. Quando os sentimentos e percepções associadas ao trabalho invocam a figura de um tatu, as reflexões podem avançar em vários sentidos simultâneos. Em primeiro lugar, na ideia de animalização do processo produtivo, que transforma seres humanos em competentes e esvaziados cumpridores de metas. Se tem ideias, se pensam em fazer diferente o seu trabalho, isso não é propriamente uma preocupação do modelo de organização do trabalho a que são vinculados: o importante é que cumpram o que deles se espera. Qual a diferença disso para as expectativas que se tem do trabalho de animais? Pouca, certamente, razão pelo qual a figura do tatu é expressiva. Em segundo lugar o tipo de animal desenhado é ilustrativo da permanência do homem bovino nas organizações. O tipo de trabalhador forte, duro, capaz de suportar elevada carga de trabalho em condições precárias, ainda encontra seu lugar, em especial em trabalhos precarizados. Para isso, precisa ter a “casca grossa”, “garras fortes”, ser silencioso e determinado, enfim, ser um tatu. O desenho não poderia ser mais revelador da condição de precariedade. A figura 3 põe em evidência as relações do conhecimento com o trabalho. Um tipo particular de trabalhadores precarizados, os estagiários, é contratado sob a argumentação de que seu principal ganho ao se vincular à empresa é o aprendizado. E que quanto mais for aprendido, quanto mais dedicação for demonstrada, isso pode se converter em um futuro como trabalhador estável da organização. Mesmo que tal promessa não seja explicitada, é natural que expectativas surjam a partir do momento em que se investe em algo tão emancipador como o conhecimento. Contudo, não é incomum a frustração de muitas expectativas ligadas à ascensão profissional de trabalhadores precarizados. Por questões contingenciais, redirecionamentos estratégicos, enxugamento de pessoal, entre outras

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justificativas eventualmente invocadas, muitos dos trabalhadores precarizados não são efetivados nas organizações, embora silenciosamente a promessa lá esteja. É ela que alimenta um tipo de competição entre trabalhadores que fere a solidariedade e que centra no individualismo suas armas em prol do desempenho organizacional otimizado. É um jogo no qual a maioria não pode competir, mas nem por isso é desestimulada a fazê-lo. O universo simbólico do trabalho é retratado na figura 4. Os equipamentos de uso obrigatório, a sinalização do ambiente produtivo e a necessidade de contribuição contínua aparecem na imagem, que remete a um cotidiano permeado de possibilidades de leitura desde que determinadas obrigações sejam cumpridas. Não é uma opção para os trabalhadores ignorar as prescrições produtivas, ou não contribuir: deles é demandado engajamento produtivo e envolvimento com a ideia de ganho contínuo de produtividade. O interessante é a construção de um contexto profissional no qual elementos que demandam obediência compulsória são apresentados ao lado de outros que pressupõem adesão, sugerindo precarização inclusive no nível ideológico: o pensar já está cerceado. A figura 5 sugere que o trabalho aprisiona, e que sair do trabalho equivale a se libertar. Porém, não se trata de uma ligação simples: é preciso ter um trabalho, qualquer que seja sua natureza – inclusive a precarizada – para que se possa desfrutar de momentos de prazer. Note-se que o a apreciação do momento do desenho não possui qualquer tipo de associação com o trabalho. A liberdade está nos pensamentos do trabalhador precarizado, que projeta tudo o que ele pode ser, toda a felicidade que ele pode viver apenas quando se afasta do cotidiano produtivo. Por fim, a figura 6 põe em foco a questão da instabilidade. Estradas que não tem começo e tampouco fim sugerem caminhos que se percorre sem saber por que e menos ainda, por quanto tempo. Os trabalhadores ali permanecem enquanto for parte dos interesses das empresas que os contratam, sugerindo que a tensão pela ausência de certezas é uma constante. A representação da casa indica que apenas o lar é um valor que permanece, sendo o fluxo, a transitoriedade, uma constante. Uma agenda de pesquisa com base em dados visuais poderia ir além do apresentado nesse artigo, ao analisar as representações sociais dos trabalhadores vinculadas a outros elementos visuais, como fotografias do ambiente de trabalho, por exemplo. Isso permitiria triangular as informações e conseguir ainda maior consistência nos dados. Outro caminho promissor é a comparação dos desenhos de trabalhadores formais com trabalhadores precarizados. Seriam as representações distintas, ou eles compartilham de uma percepção de exploração do seu trabalho? Os desenhos fornecem uma noção de que os trabalhadores interpretam as mensagens da organização e de acordo com atributos de personalidade, experiências passadas, moldando tais informações e as transformando em expectativas, êxitos e em frustrações. A subjetividade inerente a cada indivíduo que é colocada nas relações entre empregador e empregado. Independente do vínculo formal de trabalho, trata-se, em essência, de pessoas, que são mais do que seus contratos profissionais. Tais indivíduos percebem e reagem às condições de que dispõem, sendo os significados do trabalho resultado de um processo complexo que vai muito além do contexto profissional. Referências

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Notas i Os terceirizados englobam todos os trabalhadores de empresas terceirizadas, no qual as empresas passam a terceirizar ou transferir tudo aquilo que não se considera atividades-fim, isto é, atividades-meio, acessórias. Geralmente a terceirização se realiza nas atividades de apoio, não diretamente ligadas à atividade principal da empresa (FERREIRA; GRACIOLLI, 2008). ii Os subcontratados são os trabalhadores de empresas subcontratadas, no qual ocorre a externalização ou a transferência parcial ou total de tarefas que não puderam ser realizadas pela empresa terceirizada e que passou a ser executada por uma empresa subcontratada da empresa terceira (PINHEIRO, 1999). iii Os estagiários compreendem uma forma de trabalho que podem ser remuneradas ou não, no qual se têm o objetivo de acordo com a norma de regulação do estágio, a relação acadêmica profissionalizante, e a possibilidade de complementação prática ao estudo teórico (FERREIRA; GRACIOLLI, 2008). Os estagiários selecionados para a pesquisa foram de curso técnico nas áreas de mineração, mecânica e elétrica. iv Nome fictício. ALFA é a empresa terceira. v Nome fictício. GAMA é a empresa subcontratada. vi Nome fictício. BETA é a empresa contratante.