SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...
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SILVANA ANELISA BEZERRA DE ANDRADE SOUZA
SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA
DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR PARA MULHERES DE
TRABALHADORES DE CANA-DE-ACcedilUacuteCAR DO NORDESTE
DO BRASIL
RECIFE
2015
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Silvana Anelisa Bezerra de Andrade Souza
Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do
Brasil
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de
Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo do Centro de
Ciecircncias da Sauacutede da Universidade
Federal de Pernambuco para obtenccedilatildeo do
tiacutetulo de Mestre em Sauacutede Puacuteblica
Orientadora Profordf Dra Mocircnica Maria Osoacuterio de Cerqueira
Coorientadora Profordf Dra Cleide Maria Pontes
RECIFE
2015
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Silvana Anelisa Bezerra de Andrade Souza
Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Dissertaccedilatildeo aprovada em __________________
Banca Examinadora
_________________________________________
Professora Dra Francisca Maacutercia Pereira Linhares
Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco
____________________________________________
Professora Dra Adriana Falacircngola Benjamin Bezerra
Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________
Professora Dra Maria Gorete Lucena de Vasconcelos
Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco
RECIFE
2015
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Dedico este trabalho a DEUS agrave minha famiacutelia e
familiares e aos meus amigos
A todos que lutam para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional bem como o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada no Brasil e no mundo
As companheiras de homens trabalhadores de cana-de-accediluacutecar mulheres guerreiras que lidam
diariamente com a alimentaccedilatildeo familiar
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AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus por mais esta conquista pois acredito que haacute tempo para tudo na
vida e certamente a realizaccedilatildeo deste sonho estava nos planos dEle para mim
Minha eterna gratidatildeo aos meus pais Silvana e Adeilson pelo amor cuidado e
ensinamentos Esta conquista tambeacutem eacute de vocecircs
Agradeccedilo aos meus irmatildeos Analy e Adeilson Filho pela amizade e companheirismo
Amo muito vocecircs
Agradeccedilo a Professora Mocircnica Osoacuterio e a Professora Cleide Pontes pelo aprendizado
e paciecircncia Fico muito lisonjeada em poder ter orientadoras tatildeo competentes e
comprometidas com sua profissatildeo
Meus agradecimentos a todos os professores da Poacutes-graduaccedilatildeo de Nutriccedilatildeo por todos
os ensinamentos construiacutedos durante o curso
Agradeccedilo em especial as minhas colegas da turma de mestrado Rafaella de Andrade
Conciana Neves Pedrita Queiroz Raiacutesa Duarte Camila Chiara Adriana Ceacutesar Suzane
Barbosa Dayse Lima pela parceria companheirismo e pela amizade construiacuteda Momentos
que jamais seratildeo esquecidos
Agradeccedilo as alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica
(PIBIC) pelos momentos de aprendizado nas reuniotildees de grupo e pelas atividades realizadas
em equipe que ajudaram na construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo
Minha gratidatildeo agraves funcionaacuterias da Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Neci e Ceciacutelia pela
disponibilidade e atenccedilatildeo no atendimento Vocecircs satildeo profissionais que fazem a diferenccedila na
funccedilatildeo que desempenham
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ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e
transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta
etiquetardquo
Luiacutes da Cacircmara Cascudo
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RESUMO
A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela
cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os
ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na
famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades
bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e
econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo
historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta
por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As
entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por
alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora
divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os
alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos
constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da
famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento
como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no
domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo
na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia
da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as
situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a
distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os
sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos
no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se
relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo
Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional
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ABSTRACT
Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an
individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos
household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a
common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however
this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities
including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore
the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-
familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast
The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The
individual interviews included the following guiding questions What do you understand by
food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute
food to your family members How do you feel when you share food with your family
members This information was interpreted under the light of the following theoretical
constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right
and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption
practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories
food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the
household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in
the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance
of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the
situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the
distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on
their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the
psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels
of nutritional and food insecurity for this population
Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security
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LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES
DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal
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SUMAacuteRIO
APRESENTACcedilAtildeO 11
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada 15
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 19
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36
21 Delineamento da Pesquisa 36
22 Cenaacuterio do Estudo 36
23 Participantes do Estudo 37
24 Coleta das Informaccedilotildees 37
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38
26 Aspectos Eacuteticos 40
27 Limitaccedilotildees do estudo40
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
REFEREcircNCIAS 58
APEcircNDICE A64
APEcircNCIDE B65
ANEXO A71
APEcircNCIDE C72
11
APRESENTACcedilAtildeO
A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres
humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos
indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser
algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos
culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz
de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)
O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos
inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos
imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave
criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha
brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos
seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003
SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)
O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes
envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se
deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de
visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de
festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio
diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de
alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses
indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a
dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos
socioculturalmente
A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra
coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao
atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua
funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por
ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas
alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros
tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)
12
Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os
membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002
VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato
pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das
necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e
nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da
alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na
alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo
transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que
estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006
PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)
Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de
alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e
nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de
alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a
necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual
(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados
para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da
renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de
recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila
alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes
deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar
tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta
dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA
2008)
No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo
seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute
associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa
vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e
nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os
13
universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente
transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade
aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)
Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma
realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos
salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com
as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade
financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS
RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de
trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do
Nordeste do Brasil
Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da
responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo
quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que
residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como
objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a
percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira
As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se
estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez
alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica
atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a
relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos
significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que
vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o
desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas
que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza
A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a
partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil
ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as
influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia
sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
14
com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte
tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a
quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa
O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos
Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores
canavieiros nas praacuteticas alimentares
15
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada
A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito
de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas
alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social
econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a
dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)
Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da
concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e
saudaacutevel
A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades
nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes
(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha
de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se
adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar
Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio
socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade
adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na
alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo
das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre
os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo
na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo
estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica
Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto
72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e
avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-
16
disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-
educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda
no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo
deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-
raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um
privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das
iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada
indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles
indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade
O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis
global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que
medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita
Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias
sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas
caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente
utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de
percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta
condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas
do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo
ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido
promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo
interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um
consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al
2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e
nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de
qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade
para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou
contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras
17
tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao
DHAA (LEAtildeO 2013)
Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida
das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que
todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a
inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez
engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente
de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a
Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila
alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de
que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da
famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da
famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)
Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987
SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e
que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN
PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores
socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de
alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores
que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da
seguranccedilainseguranccedila alimentar
A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada
nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode
ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e
da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da
alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano
seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros
satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste
sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo
18
psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral
estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos
indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes
estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na
tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas
em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar
trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que
todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada
indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma
alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade
Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar
pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos
Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila
O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores
necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades
o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)
Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as
suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais
A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom
funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo
alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma
alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais
especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico
beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas
alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002
PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute
possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades
O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar
e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento
ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado
alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em
19
carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da
populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se
um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos
padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-
CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo
Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos
A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos
problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia
nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual
habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome
oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto
agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma
consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma
alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa
seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e
percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)
Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os
aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares
Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-
geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio
identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica
econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem
sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares
(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o
decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem
tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e
sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON
20
1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica
alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo
que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o
olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo
contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto
independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo
brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial
A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com
a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma
miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e
escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs
influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades
encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como
clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas
essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia
eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco
colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em
grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores
ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos
O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e
que refletem na alimentaccedilatildeo atual
No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge
mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos
alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma
necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de
alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos
seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos
indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem
desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui
viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca
alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais
importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o
21
alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje
na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas
Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute
possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa
brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)
Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da
incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma
monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era
praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim
escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo
com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a
sobrevivecircncia
Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute
possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O
modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a
monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em
relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo
dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes
inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como
frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de
agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os
agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e
utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado
(BRASIL 2006)
A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do
suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos
mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas
fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido
(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas
verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial
continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)
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Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O
primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica
cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos
alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico
baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que
condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de
haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o
enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto
qualitativo
No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se
obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados
consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em
Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos
gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute
um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os
feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000
PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem
histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das
famiacutelias brasileiras
Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas
pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram
a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento
o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo
XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se
ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como
terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-
se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo
Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por
volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter
contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das
famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o
arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da
modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo
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tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o
consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel
Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se
torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no
Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas
Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em
Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo
eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem
ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do
Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo
simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL
2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma
diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha
brasileira
O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos
refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria
ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees
se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande
deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o
crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa
aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em
queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande
oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do
seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante
apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)
Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento
de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma
alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e
agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante
o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se
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concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano
desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)
Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de
povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX
quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de
emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande
diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e
outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram
presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas
diferentes regiotildees do Brasil
A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto
concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando
este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no
Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou
uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as
famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)
A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam
braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de
mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma
elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra
situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer
as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda
hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute
de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da
escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do
Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de
famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional
Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social
colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora
indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado
25
por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A
partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista
Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a
receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo
consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar
do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)
O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha
com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade
de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da
populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o
consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo
consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de
minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo
das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois
aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na
alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo
bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar
Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo
para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das
praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo
observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo
bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se
sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo
no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar
equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial
era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional
Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a
disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos
alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem
presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de
26
incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas
sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura
militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras
permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo
(VASCONCELOS 2005)
O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de
democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para
superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como
justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e
ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura
militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de
direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e
prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)
No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o
seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os
produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui
para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de
famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil
confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute
possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute
inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se
necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares
A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo
no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a
natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o
alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em
expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas
alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores
crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo
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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras
dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI
2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre
quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas
(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH
2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a
perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam
arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o
entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua
histoacuteria
Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram
adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)
Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como
se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)
Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns
alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante
apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos
(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter
nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo
O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo
Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo
modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de
culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a
constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades
bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA
2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares
delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo
relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo
social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros
grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com
determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo
menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social
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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de
pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a
identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave
sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo
ao sabor do alimento
A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar
uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas
categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas
culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de
ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas
estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por
poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam
maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o
paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria
relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo
situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)
Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de
alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre
as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes
alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As
diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos
alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como
ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo
faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas
alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute
necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da
Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda
que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis
Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos
de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida
eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo
enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste
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modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres
Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no
valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos
que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles
ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro
(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como
responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo
Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes
que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas
de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois
somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e
verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos
tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais
A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas
na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da
personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores
puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A
apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos
porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do
imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou
que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos
produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer
aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas
que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si
mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo
natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento
deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como
socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute
bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre
ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos
ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes
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A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente
na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares
satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares
podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das
formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)
Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou
consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero
(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de
alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)
Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute
diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de
provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e
dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais
na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado
historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo
considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)
Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a
dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada
sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente
atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)
Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao
afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas
geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo
domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem
deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura
masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou
colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas
aos homens comuns (ROMANELLI 2006)
Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e
este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o
31
preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua
responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente
rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela
tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar
determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)
Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante
destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que
refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)
A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a
quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e
muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente
durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa
tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE
2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e
a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)
Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade
e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta
ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute
possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute
priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI
1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER
ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de
alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-
CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais
prejudicada
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte
do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho
Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos
colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para
o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne
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pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos
tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de
uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou
religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com
outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o
status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato
do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase
sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem
alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda
famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o
sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo
do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da
necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana
As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser
visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas
Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade
de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo
caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e
priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees
comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986
CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002
RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)
Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais
mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al
2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As
implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam
situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais
Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua
suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma
alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na
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disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma
equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter
conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem
tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e
disponibilidade adequadas
Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente
familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a
transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem
ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na
porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem
focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA
2008)
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem
desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta
agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo
de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a
exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta
a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias
que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-
obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de
iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas
estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as
cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-
de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com
muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)
Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve
atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura
Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para
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contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da
degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-
accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees
produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional
(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute
mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo
O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado
quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade
Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua
uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos
realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO
MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural
na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de
matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas
uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo
substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente
dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor
puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo
diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua
consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento
das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento
sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)
Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas
agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta
situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias
outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e
amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas
de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de
restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia
receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo
35
garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo
adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes
para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)
O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade
possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que
refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo
fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas
com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias
de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes
36
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO
21 Delineamento da Pesquisa
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao
objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas
que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de
representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o
campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa
usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO
2005)
O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer
relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando
e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de
intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a
compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade
interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes
tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os
significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira
22 Cenaacuterio do Estudo
O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do
Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de
Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de
27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo
territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste
municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo
territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute
mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares
com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por
hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo
lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo
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1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000
(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste
municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades
ligadas a este produto principalmente o corte
No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano
Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este
iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de
0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)
23 Participantes do Estudo
O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de
cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de
Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de
Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo
As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de
amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a
interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio
de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas
(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por
pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as
questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo
da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)
24 Coleta de Informaccedilotildees
A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo
considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior
instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase
da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo
A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um
roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees
norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas
escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um
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pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo
da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a
entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas
As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que
significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os
alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os
membros de sua famiacutelia
A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha
liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um
diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar
adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar
(MINAYO 2008)
As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software
Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas
Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e
validaccedilatildeo destas
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees
No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma
pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros
relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional
mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os
constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a
complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico
econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata
Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso
ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas
que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta
pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi
imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados
A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a
Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a
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partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos
que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na
formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)
1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi
tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os
documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas
Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O
ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das
mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade
considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo
correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da
representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja
representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-
accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de
todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de
homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a
criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da
pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo
Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do
estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou
Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as
Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo
delimitada a compreensatildeo do mesmo)
2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as
categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto
foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas
pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de
Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados
No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de
40
Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de
todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma
observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as
categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador
pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado
3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos
resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos
previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram
distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do
referencial teoacuterico
As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office
Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A
26 Aspectos Eacuteticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de
Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas
envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)
Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam
informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a
entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)
27 Limitaccedilatildeo do estudo
A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma
vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros
pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo
interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado
41
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Introduccedilatildeo
A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular
permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida
digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo
como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um
avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo
ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos
sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13
Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as
pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de
desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a
suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as
expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4
Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste
local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia
visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e
socioculturais 56
A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os
membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em
quantidade suficiente e qualidade adequada 37
Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar
que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente
para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as
famiacutelias da regiatildeo 8910
A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
42
venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais
difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311
No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua
aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo
culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da
existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os
universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente
transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua
responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12
Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os
significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores
de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Caminho metodoloacutegico
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das
vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em
torno de representaccedilotildees e simbolismos 13
O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata
do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e
outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo
No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-
accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com
significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta
atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra
proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e
nutricional 811
A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores
das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de
43
saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de
natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314
A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o
corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro
semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O
que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua
famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se
sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram
realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas
na iacutentegra
As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por
Bardin (2011) 15
realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de
todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus
momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram
selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras
(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para
composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das
categorias temaacuteticas
As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316
e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14
e as
influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 5121718
O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)
do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em
respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada
participante recebeu um pseudocircnimo
Resultados
Atores do estudo
As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos
predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino
44
fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas
Categoria I O alimento como essencial agrave vida
A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de
conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia
ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o
alimento ningueacutem viverdquo (Camila)
ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica
fraco E sem comida morrerdquo (Renata)
ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo
(Solange)
Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma
condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo
ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a
gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)
ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a
genterdquo (Fabiana)
As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam
desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma
obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida
ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com
fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a
alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)
ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar
pode ficar desnutridardquo (Margarida)
ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)
O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram
uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos
saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo
destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis
45
ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de
comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e
cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)
ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e
bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora
certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)
ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a
gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)
ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute
seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode
comer em quantidaderdquo (Silvana)
ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a
gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)
Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio
A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade
quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de
desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o
alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante
sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos
foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)
ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute
mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)
ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus
quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar
Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar
na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando
eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)
ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter
de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar
chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu
desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho
46
um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles
pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)
ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo
mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)
Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher
interferindo na partilha
A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a
disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para
todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles
ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura
ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias
tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute
tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)
ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as
cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de
feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)
As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se
sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o
provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu
trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo
ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia
colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou
colocar tudordquo (Patriacutecia)
ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida
e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo
(Fabiana)
Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos
Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na
distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do
47
homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores
quantidades de alimentos
ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando
fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo
tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)
ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser
pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)
ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele
trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega
aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida
suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece
(risos)rdquo (Silvana)
As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns
alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram
de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e
comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo
ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a
gente eacute pobrerdquo (Camila)
ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um
pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha
um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)
ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa
porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo
faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)
Discussatildeo
O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia
e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como
proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das
mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas
13
48
A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais
dos indiviacuteduos 14
Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo
de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como
sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido
colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos
jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas
praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores
socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a
modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas
climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim
houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
intuito de manter a vida 1819
A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das
mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional
trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte
pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito
significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se
encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais
direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021
A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as
mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a
qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras
que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a
populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo
pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo
socioeconocircmica 12
Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo
os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras
saturadas
Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria
baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade 1217
As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua
significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o
consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como
49
complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua
vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na
alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente
acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual
feijatildeo com arroz 22
Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com
prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a
seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223
No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo
socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo
de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da
cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra
accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando
desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores
conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de
complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24
A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de
outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe
problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo
das iniquidades sociais 18
Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila
Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali
habitam 8
Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e
vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava
presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e
psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia
tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada
e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20
eacute possiacutevel perceber
que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional
em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que
possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e
da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e
crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis
perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de
alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve
50
As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da
ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave
Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo
companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por
intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave
vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a
questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25
Em uma casa
pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo
escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26
Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais
importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o
de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras
refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo
tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos 31027
Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e
mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos
filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis
desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente
e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera
privada satildeo delegadas agrave mulher 2829
As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees
hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a
mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das
relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto
culturalmente 29
Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o
seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar
as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada
menos digna do que o trabalho do homem 121730
Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que
exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das
possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita
a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do
homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17
Esta situaccedilatildeo reflete as
51
representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no
domiciacutelio
No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior
pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria
consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus
membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a
mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da
praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da
alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural
mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a
melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam
maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores
necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais
menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para
atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de
alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel
exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para
trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de
priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto
da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227
A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do
indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por
indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma
categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo
enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos
estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231
A alimentaccedilatildeo colocada como
hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia
eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco
colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente
do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822
52
Consideraccedilotildees finais
As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave
alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos
aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos
para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do
homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de
alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os
sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez
refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a
diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo
Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave
violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos
agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e
Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que
proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-
accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo
Referecircncias
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15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e
Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada
institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN
estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar
e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago
2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010
Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito
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Alimentar e Nutricional 2004
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11 Oliveira JS Lira PIC Maia SR Sequeira LAS Amorim RCA Filho MB Inseguranccedila
alimentar e estado nutricional de crianccedilas de Gameleira zona da mata do Nordeste
brasileiro Rev Bras Sauacutede Mater Infant 2010 10 237-245
12 Romanelli G O significado da alimentaccedilatildeo na famiacutelia uma visatildeo antropoloacutegica
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18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da
economia patriarcal Satildeo Paulo Global 2003 p 64-497
19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na
Ameacuterica portuguesa do seacuteculo XVIII alguns casos monccediloeiros Diaacutelogos
DHIPPHUEM 2010 14 273-286
20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas
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21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho
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modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256
56
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua
distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel
reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como
figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se
deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a
dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as
mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo
com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos
pela sociedade
As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o
objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo
intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres
estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender
fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo
quantitativa
Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico
da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida
humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um
direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da
inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo
dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias
representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees
econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da
monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao
longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees
econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas
refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos
Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos
destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As
principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres
57
Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e
que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo
daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim
foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se
pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a
alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e
motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo
subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade
extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar
extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de
alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da
alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo
Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas
econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais
obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser
estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais
complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo
do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar
do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e
individual
Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se
ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da
Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e
culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes
ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos
58
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64
APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nome___________________________________________________ Data ____________
Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h
Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro
1 Idade __ __ (anos)
2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________
3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo
4 Escolaridade especificar
a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________
b) Ensino fundamental I________________________________________________
c) Ensino fundamental II_______________________________________________
d) Ensino meacutedio______________________________________________________
5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo
Questotildees norteadoras
1 O que agrave senhora entende por alimento
2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia
3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia
4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua
famiacutelia
Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil
65
APEcircNDICE B ndash Grelhas
66
67
68
69
70
71
ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica
72
APEcircNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO
NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE
UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL
LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA
PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis
Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco
Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios
Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa
Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa
O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento
A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas
Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas
e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute
decisatildeo ao contraacuterio
Recife ____ de _________________________de 2007
Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________
Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________
Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________
Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________
Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________
1
Silvana Anelisa Bezerra de Andrade Souza
Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do
Brasil
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de
Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo do Centro de
Ciecircncias da Sauacutede da Universidade
Federal de Pernambuco para obtenccedilatildeo do
tiacutetulo de Mestre em Sauacutede Puacuteblica
Orientadora Profordf Dra Mocircnica Maria Osoacuterio de Cerqueira
Coorientadora Profordf Dra Cleide Maria Pontes
RECIFE
2015
2
3
Silvana Anelisa Bezerra de Andrade Souza
Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Dissertaccedilatildeo aprovada em __________________
Banca Examinadora
_________________________________________
Professora Dra Francisca Maacutercia Pereira Linhares
Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco
____________________________________________
Professora Dra Adriana Falacircngola Benjamin Bezerra
Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________
Professora Dra Maria Gorete Lucena de Vasconcelos
Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco
RECIFE
2015
4
Dedico este trabalho a DEUS agrave minha famiacutelia e
familiares e aos meus amigos
A todos que lutam para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional bem como o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada no Brasil e no mundo
As companheiras de homens trabalhadores de cana-de-accediluacutecar mulheres guerreiras que lidam
diariamente com a alimentaccedilatildeo familiar
5
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus por mais esta conquista pois acredito que haacute tempo para tudo na
vida e certamente a realizaccedilatildeo deste sonho estava nos planos dEle para mim
Minha eterna gratidatildeo aos meus pais Silvana e Adeilson pelo amor cuidado e
ensinamentos Esta conquista tambeacutem eacute de vocecircs
Agradeccedilo aos meus irmatildeos Analy e Adeilson Filho pela amizade e companheirismo
Amo muito vocecircs
Agradeccedilo a Professora Mocircnica Osoacuterio e a Professora Cleide Pontes pelo aprendizado
e paciecircncia Fico muito lisonjeada em poder ter orientadoras tatildeo competentes e
comprometidas com sua profissatildeo
Meus agradecimentos a todos os professores da Poacutes-graduaccedilatildeo de Nutriccedilatildeo por todos
os ensinamentos construiacutedos durante o curso
Agradeccedilo em especial as minhas colegas da turma de mestrado Rafaella de Andrade
Conciana Neves Pedrita Queiroz Raiacutesa Duarte Camila Chiara Adriana Ceacutesar Suzane
Barbosa Dayse Lima pela parceria companheirismo e pela amizade construiacuteda Momentos
que jamais seratildeo esquecidos
Agradeccedilo as alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica
(PIBIC) pelos momentos de aprendizado nas reuniotildees de grupo e pelas atividades realizadas
em equipe que ajudaram na construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo
Minha gratidatildeo agraves funcionaacuterias da Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Neci e Ceciacutelia pela
disponibilidade e atenccedilatildeo no atendimento Vocecircs satildeo profissionais que fazem a diferenccedila na
funccedilatildeo que desempenham
6
ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e
transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta
etiquetardquo
Luiacutes da Cacircmara Cascudo
7
RESUMO
A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela
cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os
ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na
famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades
bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e
econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo
historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta
por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As
entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por
alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora
divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os
alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos
constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da
famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento
como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no
domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo
na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia
da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as
situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a
distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os
sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos
no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se
relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo
Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional
8
ABSTRACT
Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an
individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos
household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a
common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however
this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities
including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore
the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-
familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast
The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The
individual interviews included the following guiding questions What do you understand by
food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute
food to your family members How do you feel when you share food with your family
members This information was interpreted under the light of the following theoretical
constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right
and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption
practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories
food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the
household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in
the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance
of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the
situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the
distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on
their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the
psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels
of nutritional and food insecurity for this population
Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security
9
LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES
DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal
10
SUMAacuteRIO
APRESENTACcedilAtildeO 11
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada 15
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 19
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36
21 Delineamento da Pesquisa 36
22 Cenaacuterio do Estudo 36
23 Participantes do Estudo 37
24 Coleta das Informaccedilotildees 37
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38
26 Aspectos Eacuteticos 40
27 Limitaccedilotildees do estudo40
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
REFEREcircNCIAS 58
APEcircNDICE A64
APEcircNCIDE B65
ANEXO A71
APEcircNCIDE C72
11
APRESENTACcedilAtildeO
A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres
humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos
indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser
algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos
culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz
de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)
O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos
inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos
imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave
criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha
brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos
seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003
SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)
O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes
envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se
deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de
visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de
festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio
diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de
alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses
indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a
dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos
socioculturalmente
A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra
coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao
atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua
funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por
ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas
alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros
tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)
12
Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os
membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002
VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato
pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das
necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e
nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da
alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na
alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo
transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que
estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006
PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)
Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de
alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e
nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de
alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a
necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual
(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados
para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da
renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de
recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila
alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes
deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar
tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta
dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA
2008)
No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo
seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute
associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa
vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e
nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os
13
universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente
transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade
aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)
Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma
realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos
salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com
as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade
financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS
RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de
trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do
Nordeste do Brasil
Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da
responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo
quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que
residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como
objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a
percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira
As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se
estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez
alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica
atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a
relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos
significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que
vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o
desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas
que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza
A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a
partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil
ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as
influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia
sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
14
com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte
tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a
quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa
O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos
Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores
canavieiros nas praacuteticas alimentares
15
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada
A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito
de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas
alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social
econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a
dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)
Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da
concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e
saudaacutevel
A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades
nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes
(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha
de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se
adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar
Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio
socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade
adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na
alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo
das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre
os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo
na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo
estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica
Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto
72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e
avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-
16
disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-
educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda
no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo
deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-
raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um
privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das
iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada
indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles
indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade
O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis
global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que
medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita
Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias
sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas
caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente
utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de
percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta
condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas
do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo
ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido
promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo
interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um
consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al
2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e
nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de
qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade
para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou
contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras
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tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao
DHAA (LEAtildeO 2013)
Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida
das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que
todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a
inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez
engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente
de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a
Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila
alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de
que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da
famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da
famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)
Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987
SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e
que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN
PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores
socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de
alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores
que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da
seguranccedilainseguranccedila alimentar
A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada
nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode
ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e
da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da
alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano
seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros
satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste
sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo
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psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral
estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos
indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes
estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na
tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas
em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar
trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que
todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada
indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma
alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade
Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar
pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos
Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila
O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores
necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades
o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)
Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as
suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais
A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom
funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo
alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma
alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais
especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico
beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas
alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002
PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute
possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades
O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar
e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento
ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado
alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em
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carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da
populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se
um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos
padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-
CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo
Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos
A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos
problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia
nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual
habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome
oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto
agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma
consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma
alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa
seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e
percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)
Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os
aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares
Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-
geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio
identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica
econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem
sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares
(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o
decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem
tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e
sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON
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1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica
alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo
que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o
olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo
contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto
independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo
brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial
A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com
a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma
miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e
escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs
influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades
encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como
clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas
essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia
eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco
colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em
grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores
ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos
O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e
que refletem na alimentaccedilatildeo atual
No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge
mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos
alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma
necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de
alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos
seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos
indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem
desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui
viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca
alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais
importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o
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alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje
na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas
Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute
possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa
brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)
Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da
incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma
monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era
praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim
escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo
com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a
sobrevivecircncia
Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute
possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O
modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a
monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em
relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo
dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes
inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como
frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de
agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os
agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e
utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado
(BRASIL 2006)
A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do
suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos
mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas
fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido
(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas
verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial
continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)
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Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O
primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica
cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos
alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico
baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que
condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de
haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o
enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto
qualitativo
No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se
obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados
consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em
Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos
gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute
um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os
feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000
PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem
histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das
famiacutelias brasileiras
Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas
pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram
a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento
o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo
XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se
ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como
terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-
se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo
Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por
volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter
contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das
famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o
arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da
modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo
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tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o
consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel
Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se
torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no
Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas
Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em
Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo
eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem
ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do
Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo
simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL
2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma
diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha
brasileira
O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos
refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria
ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees
se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande
deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o
crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa
aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em
queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande
oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do
seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante
apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)
Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento
de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma
alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e
agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante
o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se
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concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano
desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)
Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de
povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX
quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de
emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande
diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e
outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram
presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas
diferentes regiotildees do Brasil
A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto
concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando
este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no
Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou
uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as
famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)
A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam
braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de
mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma
elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra
situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer
as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda
hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute
de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da
escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do
Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de
famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional
Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social
colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora
indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado
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por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A
partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista
Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a
receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo
consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar
do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)
O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha
com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade
de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da
populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o
consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo
consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de
minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo
das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois
aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na
alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo
bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar
Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo
para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das
praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo
observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo
bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se
sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo
no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar
equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial
era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional
Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a
disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos
alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem
presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de
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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas
sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura
militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras
permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo
(VASCONCELOS 2005)
O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de
democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para
superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como
justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e
ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura
militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de
direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e
prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)
No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o
seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os
produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui
para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de
famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil
confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute
possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute
inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se
necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares
A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo
no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a
natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o
alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em
expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas
alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores
crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo
27
Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras
dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI
2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre
quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas
(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH
2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a
perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam
arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o
entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua
histoacuteria
Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram
adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)
Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como
se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)
Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns
alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante
apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos
(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter
nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo
O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo
Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo
modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de
culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a
constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades
bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA
2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares
delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo
relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo
social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros
grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com
determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo
menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social
28
Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de
pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a
identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave
sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo
ao sabor do alimento
A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar
uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas
categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas
culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de
ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas
estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por
poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam
maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o
paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria
relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo
situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)
Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de
alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre
as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes
alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As
diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos
alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como
ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo
faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas
alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute
necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da
Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda
que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis
Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos
de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida
eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo
enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste
29
modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres
Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no
valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos
que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles
ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro
(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como
responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo
Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes
que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas
de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois
somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e
verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos
tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais
A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas
na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da
personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores
puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A
apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos
porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do
imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou
que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos
produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer
aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas
que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si
mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo
natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento
deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como
socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute
bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre
ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos
ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes
30
A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente
na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares
satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares
podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das
formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)
Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou
consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero
(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de
alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)
Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute
diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de
provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e
dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais
na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado
historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo
considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)
Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a
dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada
sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente
atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)
Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao
afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas
geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo
domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem
deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura
masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou
colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas
aos homens comuns (ROMANELLI 2006)
Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e
este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o
31
preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua
responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente
rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela
tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar
determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)
Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante
destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que
refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)
A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a
quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e
muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente
durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa
tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE
2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e
a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)
Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade
e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta
ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute
possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute
priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI
1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER
ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de
alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-
CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais
prejudicada
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte
do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho
Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos
colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para
o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne
32
pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos
tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de
uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou
religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com
outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o
status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato
do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase
sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem
alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda
famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o
sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo
do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da
necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana
As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser
visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas
Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade
de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo
caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e
priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees
comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986
CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002
RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)
Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais
mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al
2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As
implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam
situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais
Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua
suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma
alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na
33
disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma
equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter
conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem
tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e
disponibilidade adequadas
Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente
familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a
transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem
ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na
porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem
focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA
2008)
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem
desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta
agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo
de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a
exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta
a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias
que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-
obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de
iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas
estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as
cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-
de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com
muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)
Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve
atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura
Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para
34
contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da
degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-
accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees
produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional
(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute
mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo
O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado
quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade
Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua
uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos
realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO
MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural
na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de
matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas
uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo
substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente
dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor
puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo
diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua
consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento
das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento
sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)
Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas
agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta
situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias
outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e
amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas
de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de
restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia
receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo
35
garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo
adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes
para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)
O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade
possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que
refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo
fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas
com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias
de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes
36
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO
21 Delineamento da Pesquisa
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao
objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas
que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de
representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o
campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa
usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO
2005)
O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer
relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando
e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de
intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a
compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade
interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes
tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os
significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira
22 Cenaacuterio do Estudo
O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do
Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de
Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de
27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo
territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste
municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo
territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute
mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares
com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por
hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo
lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo
37
1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000
(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste
municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades
ligadas a este produto principalmente o corte
No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano
Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este
iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de
0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)
23 Participantes do Estudo
O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de
cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de
Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de
Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo
As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de
amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a
interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio
de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas
(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por
pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as
questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo
da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)
24 Coleta de Informaccedilotildees
A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo
considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior
instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase
da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo
A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um
roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees
norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas
escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um
38
pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo
da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a
entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas
As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que
significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os
alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os
membros de sua famiacutelia
A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha
liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um
diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar
adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar
(MINAYO 2008)
As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software
Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas
Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e
validaccedilatildeo destas
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees
No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma
pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros
relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional
mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os
constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a
complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico
econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata
Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso
ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas
que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta
pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi
imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados
A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a
Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a
39
partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos
que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na
formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)
1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi
tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os
documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas
Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O
ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das
mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade
considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo
correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da
representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja
representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-
accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de
todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de
homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a
criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da
pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo
Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do
estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou
Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as
Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo
delimitada a compreensatildeo do mesmo)
2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as
categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto
foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas
pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de
Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados
No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de
40
Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de
todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma
observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as
categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador
pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado
3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos
resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos
previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram
distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do
referencial teoacuterico
As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office
Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A
26 Aspectos Eacuteticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de
Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas
envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)
Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam
informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a
entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)
27 Limitaccedilatildeo do estudo
A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma
vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros
pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo
interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado
41
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Introduccedilatildeo
A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular
permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida
digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo
como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um
avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo
ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos
sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13
Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as
pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de
desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a
suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as
expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4
Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste
local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia
visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e
socioculturais 56
A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os
membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em
quantidade suficiente e qualidade adequada 37
Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar
que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente
para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as
famiacutelias da regiatildeo 8910
A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
42
venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais
difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311
No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua
aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo
culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da
existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os
universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente
transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua
responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12
Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os
significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores
de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Caminho metodoloacutegico
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das
vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em
torno de representaccedilotildees e simbolismos 13
O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata
do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e
outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo
No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-
accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com
significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta
atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra
proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e
nutricional 811
A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores
das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de
43
saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de
natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314
A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o
corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro
semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O
que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua
famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se
sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram
realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas
na iacutentegra
As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por
Bardin (2011) 15
realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de
todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus
momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram
selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras
(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para
composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das
categorias temaacuteticas
As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316
e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14
e as
influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 5121718
O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)
do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em
respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada
participante recebeu um pseudocircnimo
Resultados
Atores do estudo
As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos
predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino
44
fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas
Categoria I O alimento como essencial agrave vida
A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de
conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia
ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o
alimento ningueacutem viverdquo (Camila)
ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica
fraco E sem comida morrerdquo (Renata)
ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo
(Solange)
Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma
condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo
ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a
gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)
ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a
genterdquo (Fabiana)
As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam
desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma
obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida
ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com
fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a
alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)
ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar
pode ficar desnutridardquo (Margarida)
ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)
O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram
uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos
saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo
destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis
45
ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de
comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e
cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)
ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e
bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora
certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)
ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a
gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)
ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute
seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode
comer em quantidaderdquo (Silvana)
ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a
gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)
Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio
A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade
quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de
desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o
alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante
sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos
foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)
ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute
mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)
ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus
quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar
Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar
na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando
eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)
ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter
de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar
chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu
desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho
46
um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles
pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)
ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo
mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)
Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher
interferindo na partilha
A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a
disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para
todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles
ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura
ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias
tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute
tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)
ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as
cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de
feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)
As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se
sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o
provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu
trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo
ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia
colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou
colocar tudordquo (Patriacutecia)
ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida
e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo
(Fabiana)
Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos
Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na
distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do
47
homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores
quantidades de alimentos
ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando
fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo
tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)
ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser
pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)
ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele
trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega
aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida
suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece
(risos)rdquo (Silvana)
As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns
alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram
de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e
comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo
ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a
gente eacute pobrerdquo (Camila)
ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um
pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha
um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)
ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa
porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo
faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)
Discussatildeo
O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia
e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como
proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das
mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas
13
48
A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais
dos indiviacuteduos 14
Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo
de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como
sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido
colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos
jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas
praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores
socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a
modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas
climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim
houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
intuito de manter a vida 1819
A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das
mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional
trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte
pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito
significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se
encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais
direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021
A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as
mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a
qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras
que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a
populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo
pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo
socioeconocircmica 12
Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo
os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras
saturadas
Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria
baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade 1217
As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua
significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o
consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como
49
complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua
vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na
alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente
acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual
feijatildeo com arroz 22
Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com
prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a
seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223
No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo
socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo
de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da
cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra
accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando
desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores
conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de
complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24
A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de
outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe
problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo
das iniquidades sociais 18
Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila
Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali
habitam 8
Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e
vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava
presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e
psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia
tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada
e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20
eacute possiacutevel perceber
que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional
em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que
possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e
da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e
crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis
perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de
alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve
50
As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da
ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave
Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo
companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por
intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave
vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a
questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25
Em uma casa
pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo
escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26
Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais
importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o
de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras
refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo
tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos 31027
Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e
mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos
filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis
desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente
e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera
privada satildeo delegadas agrave mulher 2829
As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees
hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a
mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das
relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto
culturalmente 29
Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o
seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar
as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada
menos digna do que o trabalho do homem 121730
Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que
exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das
possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita
a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do
homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17
Esta situaccedilatildeo reflete as
51
representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no
domiciacutelio
No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior
pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria
consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus
membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a
mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da
praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da
alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural
mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a
melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam
maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores
necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais
menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para
atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de
alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel
exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para
trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de
priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto
da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227
A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do
indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por
indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma
categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo
enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos
estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231
A alimentaccedilatildeo colocada como
hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia
eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco
colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente
do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822
52
Consideraccedilotildees finais
As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave
alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos
aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos
para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do
homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de
alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os
sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez
refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a
diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo
Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave
violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos
agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e
Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que
proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-
accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo
Referecircncias
1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de
15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e
Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada
institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN
estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar
e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago
2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010
Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito
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8 Cavalcanti C Dias A Lubambo C Barros H Cruz L Arauacutejo M Moreira M Galindo
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ferro e sua associaccedilatildeo com a anemia ferropriva nas famiacutelias de trabalhadores rurais da
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17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de
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18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da
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19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na
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20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas
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21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho
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22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39
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formulaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos
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26 Freitas MCS Uma abordagem fenomenoloacutegica da fome Rev Nutr 2002 15 53-69
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28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004
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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero
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30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o
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31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos
modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256
56
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua
distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel
reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como
figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se
deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a
dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as
mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo
com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos
pela sociedade
As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o
objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo
intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres
estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender
fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo
quantitativa
Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico
da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida
humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um
direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da
inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo
dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias
representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees
econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da
monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao
longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees
econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas
refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos
Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos
destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As
principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres
57
Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e
que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo
daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim
foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se
pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a
alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e
motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo
subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade
extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar
extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de
alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da
alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo
Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas
econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais
obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser
estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais
complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo
do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar
do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e
individual
Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se
ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da
Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e
culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes
ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos
58
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64
APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nome___________________________________________________ Data ____________
Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h
Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro
1 Idade __ __ (anos)
2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________
3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo
4 Escolaridade especificar
a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________
b) Ensino fundamental I________________________________________________
c) Ensino fundamental II_______________________________________________
d) Ensino meacutedio______________________________________________________
5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo
Questotildees norteadoras
1 O que agrave senhora entende por alimento
2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia
3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia
4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua
famiacutelia
Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil
65
APEcircNDICE B ndash Grelhas
66
67
68
69
70
71
ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica
72
APEcircNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO
NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE
UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL
LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA
PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis
Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco
Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios
Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa
Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa
O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento
A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas
Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas
e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute
decisatildeo ao contraacuterio
Recife ____ de _________________________de 2007
Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________
Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________
Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________
Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________
Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________
2
3
Silvana Anelisa Bezerra de Andrade Souza
Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Dissertaccedilatildeo aprovada em __________________
Banca Examinadora
_________________________________________
Professora Dra Francisca Maacutercia Pereira Linhares
Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco
____________________________________________
Professora Dra Adriana Falacircngola Benjamin Bezerra
Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________
Professora Dra Maria Gorete Lucena de Vasconcelos
Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco
RECIFE
2015
4
Dedico este trabalho a DEUS agrave minha famiacutelia e
familiares e aos meus amigos
A todos que lutam para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional bem como o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada no Brasil e no mundo
As companheiras de homens trabalhadores de cana-de-accediluacutecar mulheres guerreiras que lidam
diariamente com a alimentaccedilatildeo familiar
5
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus por mais esta conquista pois acredito que haacute tempo para tudo na
vida e certamente a realizaccedilatildeo deste sonho estava nos planos dEle para mim
Minha eterna gratidatildeo aos meus pais Silvana e Adeilson pelo amor cuidado e
ensinamentos Esta conquista tambeacutem eacute de vocecircs
Agradeccedilo aos meus irmatildeos Analy e Adeilson Filho pela amizade e companheirismo
Amo muito vocecircs
Agradeccedilo a Professora Mocircnica Osoacuterio e a Professora Cleide Pontes pelo aprendizado
e paciecircncia Fico muito lisonjeada em poder ter orientadoras tatildeo competentes e
comprometidas com sua profissatildeo
Meus agradecimentos a todos os professores da Poacutes-graduaccedilatildeo de Nutriccedilatildeo por todos
os ensinamentos construiacutedos durante o curso
Agradeccedilo em especial as minhas colegas da turma de mestrado Rafaella de Andrade
Conciana Neves Pedrita Queiroz Raiacutesa Duarte Camila Chiara Adriana Ceacutesar Suzane
Barbosa Dayse Lima pela parceria companheirismo e pela amizade construiacuteda Momentos
que jamais seratildeo esquecidos
Agradeccedilo as alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica
(PIBIC) pelos momentos de aprendizado nas reuniotildees de grupo e pelas atividades realizadas
em equipe que ajudaram na construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo
Minha gratidatildeo agraves funcionaacuterias da Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Neci e Ceciacutelia pela
disponibilidade e atenccedilatildeo no atendimento Vocecircs satildeo profissionais que fazem a diferenccedila na
funccedilatildeo que desempenham
6
ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e
transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta
etiquetardquo
Luiacutes da Cacircmara Cascudo
7
RESUMO
A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela
cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os
ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na
famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades
bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e
econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo
historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta
por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As
entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por
alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora
divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os
alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos
constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da
famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento
como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no
domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo
na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia
da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as
situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a
distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os
sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos
no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se
relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo
Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional
8
ABSTRACT
Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an
individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos
household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a
common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however
this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities
including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore
the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-
familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast
The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The
individual interviews included the following guiding questions What do you understand by
food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute
food to your family members How do you feel when you share food with your family
members This information was interpreted under the light of the following theoretical
constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right
and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption
practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories
food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the
household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in
the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance
of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the
situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the
distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on
their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the
psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels
of nutritional and food insecurity for this population
Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security
9
LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES
DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal
10
SUMAacuteRIO
APRESENTACcedilAtildeO 11
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada 15
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 19
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36
21 Delineamento da Pesquisa 36
22 Cenaacuterio do Estudo 36
23 Participantes do Estudo 37
24 Coleta das Informaccedilotildees 37
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38
26 Aspectos Eacuteticos 40
27 Limitaccedilotildees do estudo40
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
REFEREcircNCIAS 58
APEcircNDICE A64
APEcircNCIDE B65
ANEXO A71
APEcircNCIDE C72
11
APRESENTACcedilAtildeO
A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres
humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos
indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser
algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos
culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz
de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)
O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos
inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos
imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave
criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha
brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos
seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003
SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)
O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes
envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se
deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de
visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de
festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio
diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de
alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses
indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a
dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos
socioculturalmente
A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra
coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao
atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua
funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por
ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas
alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros
tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)
12
Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os
membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002
VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato
pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das
necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e
nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da
alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na
alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo
transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que
estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006
PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)
Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de
alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e
nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de
alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a
necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual
(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados
para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da
renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de
recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila
alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes
deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar
tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta
dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA
2008)
No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo
seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute
associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa
vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e
nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os
13
universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente
transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade
aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)
Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma
realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos
salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com
as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade
financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS
RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de
trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do
Nordeste do Brasil
Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da
responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo
quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que
residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como
objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a
percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira
As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se
estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez
alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica
atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a
relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos
significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que
vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o
desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas
que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza
A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a
partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil
ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as
influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia
sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
14
com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte
tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a
quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa
O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos
Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores
canavieiros nas praacuteticas alimentares
15
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada
A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito
de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas
alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social
econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a
dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)
Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da
concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e
saudaacutevel
A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades
nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes
(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha
de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se
adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar
Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio
socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade
adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na
alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo
das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre
os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo
na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo
estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica
Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto
72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e
avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-
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disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-
educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda
no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo
deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-
raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um
privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das
iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada
indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles
indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade
O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis
global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que
medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita
Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias
sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas
caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente
utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de
percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta
condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas
do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo
ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido
promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo
interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um
consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al
2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e
nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de
qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade
para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou
contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras
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tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao
DHAA (LEAtildeO 2013)
Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida
das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que
todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a
inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez
engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente
de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a
Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila
alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de
que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da
famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da
famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)
Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987
SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e
que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN
PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores
socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de
alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores
que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da
seguranccedilainseguranccedila alimentar
A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada
nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode
ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e
da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da
alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano
seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros
satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste
sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo
18
psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral
estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos
indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes
estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na
tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas
em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar
trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que
todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada
indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma
alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade
Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar
pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos
Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila
O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores
necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades
o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)
Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as
suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais
A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom
funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo
alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma
alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais
especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico
beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas
alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002
PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute
possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades
O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar
e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento
ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado
alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em
19
carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da
populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se
um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos
padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-
CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo
Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos
A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos
problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia
nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual
habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome
oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto
agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma
consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma
alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa
seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e
percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)
Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os
aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares
Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-
geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio
identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica
econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem
sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares
(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o
decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem
tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e
sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON
20
1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica
alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo
que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o
olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo
contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto
independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo
brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial
A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com
a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma
miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e
escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs
influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades
encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como
clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas
essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia
eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco
colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em
grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores
ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos
O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e
que refletem na alimentaccedilatildeo atual
No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge
mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos
alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma
necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de
alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos
seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos
indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem
desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui
viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca
alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais
importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o
21
alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje
na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas
Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute
possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa
brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)
Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da
incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma
monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era
praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim
escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo
com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a
sobrevivecircncia
Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute
possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O
modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a
monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em
relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo
dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes
inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como
frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de
agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os
agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e
utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado
(BRASIL 2006)
A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do
suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos
mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas
fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido
(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas
verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial
continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)
22
Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O
primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica
cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos
alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico
baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que
condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de
haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o
enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto
qualitativo
No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se
obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados
consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em
Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos
gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute
um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os
feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000
PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem
histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das
famiacutelias brasileiras
Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas
pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram
a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento
o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo
XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se
ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como
terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-
se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo
Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por
volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter
contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das
famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o
arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da
modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo
23
tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o
consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel
Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se
torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no
Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas
Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em
Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo
eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem
ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do
Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo
simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL
2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma
diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha
brasileira
O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos
refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria
ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees
se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande
deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o
crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa
aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em
queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande
oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do
seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante
apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)
Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento
de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma
alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e
agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante
o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se
24
concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano
desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)
Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de
povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX
quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de
emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande
diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e
outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram
presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas
diferentes regiotildees do Brasil
A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto
concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando
este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no
Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou
uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as
famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)
A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam
braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de
mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma
elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra
situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer
as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda
hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute
de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da
escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do
Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de
famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional
Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social
colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora
indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado
25
por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A
partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista
Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a
receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo
consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar
do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)
O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha
com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade
de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da
populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o
consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo
consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de
minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo
das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois
aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na
alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo
bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar
Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo
para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das
praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo
observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo
bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se
sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo
no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar
equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial
era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional
Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a
disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos
alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem
presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de
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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas
sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura
militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras
permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo
(VASCONCELOS 2005)
O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de
democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para
superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como
justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e
ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura
militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de
direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e
prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)
No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o
seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os
produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui
para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de
famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil
confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute
possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute
inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se
necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares
A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo
no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a
natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o
alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em
expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas
alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores
crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo
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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras
dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI
2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre
quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas
(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH
2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a
perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam
arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o
entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua
histoacuteria
Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram
adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)
Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como
se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)
Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns
alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante
apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos
(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter
nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo
O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo
Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo
modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de
culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a
constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades
bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA
2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares
delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo
relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo
social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros
grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com
determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo
menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social
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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de
pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a
identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave
sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo
ao sabor do alimento
A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar
uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas
categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas
culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de
ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas
estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por
poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam
maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o
paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria
relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo
situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)
Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de
alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre
as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes
alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As
diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos
alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como
ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo
faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas
alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute
necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da
Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda
que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis
Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos
de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida
eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo
enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste
29
modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres
Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no
valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos
que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles
ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro
(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como
responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo
Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes
que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas
de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois
somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e
verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos
tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais
A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas
na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da
personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores
puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A
apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos
porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do
imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou
que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos
produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer
aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas
que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si
mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo
natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento
deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como
socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute
bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre
ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos
ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes
30
A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente
na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares
satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares
podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das
formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)
Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou
consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero
(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de
alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)
Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute
diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de
provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e
dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais
na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado
historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo
considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)
Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a
dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada
sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente
atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)
Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao
afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas
geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo
domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem
deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura
masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou
colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas
aos homens comuns (ROMANELLI 2006)
Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e
este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o
31
preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua
responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente
rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela
tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar
determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)
Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante
destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que
refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)
A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a
quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e
muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente
durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa
tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE
2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e
a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)
Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade
e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta
ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute
possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute
priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI
1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER
ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de
alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-
CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais
prejudicada
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte
do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho
Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos
colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para
o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne
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pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos
tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de
uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou
religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com
outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o
status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato
do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase
sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem
alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda
famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o
sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo
do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da
necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana
As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser
visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas
Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade
de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo
caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e
priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees
comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986
CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002
RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)
Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais
mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al
2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As
implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam
situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais
Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua
suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma
alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na
33
disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma
equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter
conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem
tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e
disponibilidade adequadas
Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente
familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a
transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem
ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na
porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem
focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA
2008)
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem
desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta
agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo
de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a
exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta
a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias
que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-
obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de
iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas
estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as
cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-
de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com
muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)
Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve
atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura
Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para
34
contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da
degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-
accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees
produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional
(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute
mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo
O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado
quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade
Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua
uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos
realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO
MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural
na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de
matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas
uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo
substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente
dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor
puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo
diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua
consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento
das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento
sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)
Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas
agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta
situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias
outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e
amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas
de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de
restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia
receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo
35
garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo
adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes
para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)
O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade
possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que
refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo
fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas
com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias
de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes
36
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO
21 Delineamento da Pesquisa
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao
objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas
que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de
representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o
campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa
usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO
2005)
O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer
relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando
e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de
intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a
compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade
interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes
tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os
significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira
22 Cenaacuterio do Estudo
O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do
Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de
Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de
27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo
territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste
municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo
territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute
mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares
com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por
hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo
lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo
37
1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000
(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste
municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades
ligadas a este produto principalmente o corte
No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano
Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este
iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de
0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)
23 Participantes do Estudo
O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de
cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de
Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de
Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo
As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de
amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a
interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio
de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas
(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por
pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as
questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo
da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)
24 Coleta de Informaccedilotildees
A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo
considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior
instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase
da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo
A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um
roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees
norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas
escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um
38
pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo
da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a
entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas
As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que
significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os
alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os
membros de sua famiacutelia
A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha
liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um
diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar
adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar
(MINAYO 2008)
As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software
Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas
Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e
validaccedilatildeo destas
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees
No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma
pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros
relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional
mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os
constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a
complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico
econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata
Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso
ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas
que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta
pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi
imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados
A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a
Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a
39
partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos
que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na
formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)
1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi
tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os
documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas
Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O
ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das
mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade
considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo
correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da
representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja
representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-
accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de
todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de
homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a
criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da
pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo
Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do
estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou
Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as
Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo
delimitada a compreensatildeo do mesmo)
2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as
categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto
foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas
pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de
Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados
No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de
40
Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de
todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma
observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as
categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador
pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado
3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos
resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos
previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram
distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do
referencial teoacuterico
As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office
Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A
26 Aspectos Eacuteticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de
Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas
envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)
Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam
informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a
entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)
27 Limitaccedilatildeo do estudo
A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma
vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros
pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo
interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado
41
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Introduccedilatildeo
A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular
permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida
digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo
como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um
avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo
ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos
sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13
Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as
pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de
desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a
suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as
expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4
Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste
local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia
visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e
socioculturais 56
A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os
membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em
quantidade suficiente e qualidade adequada 37
Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar
que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente
para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as
famiacutelias da regiatildeo 8910
A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
42
venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais
difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311
No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua
aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo
culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da
existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os
universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente
transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua
responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12
Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os
significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores
de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Caminho metodoloacutegico
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das
vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em
torno de representaccedilotildees e simbolismos 13
O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata
do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e
outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo
No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-
accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com
significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta
atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra
proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e
nutricional 811
A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores
das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de
43
saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de
natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314
A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o
corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro
semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O
que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua
famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se
sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram
realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas
na iacutentegra
As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por
Bardin (2011) 15
realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de
todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus
momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram
selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras
(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para
composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das
categorias temaacuteticas
As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316
e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14
e as
influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 5121718
O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)
do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em
respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada
participante recebeu um pseudocircnimo
Resultados
Atores do estudo
As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos
predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino
44
fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas
Categoria I O alimento como essencial agrave vida
A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de
conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia
ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o
alimento ningueacutem viverdquo (Camila)
ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica
fraco E sem comida morrerdquo (Renata)
ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo
(Solange)
Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma
condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo
ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a
gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)
ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a
genterdquo (Fabiana)
As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam
desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma
obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida
ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com
fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a
alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)
ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar
pode ficar desnutridardquo (Margarida)
ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)
O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram
uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos
saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo
destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis
45
ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de
comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e
cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)
ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e
bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora
certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)
ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a
gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)
ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute
seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode
comer em quantidaderdquo (Silvana)
ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a
gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)
Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio
A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade
quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de
desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o
alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante
sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos
foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)
ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute
mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)
ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus
quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar
Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar
na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando
eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)
ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter
de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar
chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu
desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho
46
um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles
pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)
ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo
mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)
Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher
interferindo na partilha
A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a
disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para
todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles
ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura
ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias
tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute
tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)
ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as
cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de
feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)
As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se
sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o
provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu
trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo
ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia
colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou
colocar tudordquo (Patriacutecia)
ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida
e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo
(Fabiana)
Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos
Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na
distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do
47
homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores
quantidades de alimentos
ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando
fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo
tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)
ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser
pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)
ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele
trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega
aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida
suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece
(risos)rdquo (Silvana)
As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns
alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram
de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e
comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo
ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a
gente eacute pobrerdquo (Camila)
ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um
pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha
um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)
ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa
porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo
faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)
Discussatildeo
O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia
e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como
proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das
mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas
13
48
A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais
dos indiviacuteduos 14
Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo
de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como
sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido
colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos
jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas
praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores
socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a
modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas
climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim
houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
intuito de manter a vida 1819
A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das
mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional
trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte
pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito
significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se
encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais
direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021
A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as
mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a
qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras
que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a
populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo
pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo
socioeconocircmica 12
Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo
os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras
saturadas
Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria
baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade 1217
As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua
significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o
consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como
49
complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua
vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na
alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente
acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual
feijatildeo com arroz 22
Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com
prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a
seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223
No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo
socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo
de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da
cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra
accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando
desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores
conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de
complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24
A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de
outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe
problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo
das iniquidades sociais 18
Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila
Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali
habitam 8
Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e
vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava
presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e
psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia
tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada
e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20
eacute possiacutevel perceber
que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional
em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que
possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e
da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e
crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis
perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de
alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve
50
As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da
ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave
Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo
companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por
intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave
vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a
questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25
Em uma casa
pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo
escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26
Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais
importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o
de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras
refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo
tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos 31027
Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e
mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos
filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis
desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente
e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera
privada satildeo delegadas agrave mulher 2829
As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees
hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a
mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das
relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto
culturalmente 29
Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o
seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar
as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada
menos digna do que o trabalho do homem 121730
Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que
exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das
possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita
a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do
homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17
Esta situaccedilatildeo reflete as
51
representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no
domiciacutelio
No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior
pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria
consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus
membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a
mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da
praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da
alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural
mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a
melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam
maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores
necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais
menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para
atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de
alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel
exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para
trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de
priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto
da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227
A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do
indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por
indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma
categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo
enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos
estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231
A alimentaccedilatildeo colocada como
hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia
eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco
colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente
do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822
52
Consideraccedilotildees finais
As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave
alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos
aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos
para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do
homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de
alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os
sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez
refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a
diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo
Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave
violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos
agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e
Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que
proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-
accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo
Referecircncias
1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de
15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e
Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada
institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN
estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar
e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago
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Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito
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13 Minayo MCS O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em Sauacutede Satildeo Paulo
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14 Minayo MCS Ciecircncia Teacutecnica e Arte O desafio da pesquisa social In Minayo
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16 Brasil Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de
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17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de
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18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da
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20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas
Estudos Avanccedilados 2007 21 143154
21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho
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22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39
23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e
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Rev Sauacutede Puacuteblica 2012 46 6-15
24 Brasil Lei nordm 11326 de 24 de julho de 2006 Estabelece as diretrizes para a
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25 Sampaio MFA Kepple AW Segall-Correcirca AM Oliveira JTA Maranha LK Marin-
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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero
e poder Itabaina GEPIADDE 2010 4 71-87
30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o
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modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256
56
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua
distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel
reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como
figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se
deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a
dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as
mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo
com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos
pela sociedade
As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o
objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo
intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres
estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender
fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo
quantitativa
Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico
da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida
humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um
direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da
inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo
dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias
representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees
econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da
monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao
longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees
econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas
refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos
Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos
destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As
principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres
57
Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e
que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo
daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim
foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se
pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a
alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e
motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo
subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade
extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar
extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de
alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da
alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo
Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas
econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais
obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser
estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais
complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo
do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar
do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e
individual
Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se
ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da
Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e
culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes
ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos
58
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APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nome___________________________________________________ Data ____________
Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h
Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro
1 Idade __ __ (anos)
2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________
3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo
4 Escolaridade especificar
a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________
b) Ensino fundamental I________________________________________________
c) Ensino fundamental II_______________________________________________
d) Ensino meacutedio______________________________________________________
5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo
Questotildees norteadoras
1 O que agrave senhora entende por alimento
2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia
3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia
4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua
famiacutelia
Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil
65
APEcircNDICE B ndash Grelhas
66
67
68
69
70
71
ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica
72
APEcircNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO
NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE
UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL
LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA
PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis
Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco
Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios
Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa
Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa
O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento
A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas
Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas
e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute
decisatildeo ao contraacuterio
Recife ____ de _________________________de 2007
Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________
Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________
Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________
Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________
Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________
3
Silvana Anelisa Bezerra de Andrade Souza
Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Dissertaccedilatildeo aprovada em __________________
Banca Examinadora
_________________________________________
Professora Dra Francisca Maacutercia Pereira Linhares
Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco
____________________________________________
Professora Dra Adriana Falacircngola Benjamin Bezerra
Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________
Professora Dra Maria Gorete Lucena de Vasconcelos
Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco
RECIFE
2015
4
Dedico este trabalho a DEUS agrave minha famiacutelia e
familiares e aos meus amigos
A todos que lutam para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional bem como o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada no Brasil e no mundo
As companheiras de homens trabalhadores de cana-de-accediluacutecar mulheres guerreiras que lidam
diariamente com a alimentaccedilatildeo familiar
5
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus por mais esta conquista pois acredito que haacute tempo para tudo na
vida e certamente a realizaccedilatildeo deste sonho estava nos planos dEle para mim
Minha eterna gratidatildeo aos meus pais Silvana e Adeilson pelo amor cuidado e
ensinamentos Esta conquista tambeacutem eacute de vocecircs
Agradeccedilo aos meus irmatildeos Analy e Adeilson Filho pela amizade e companheirismo
Amo muito vocecircs
Agradeccedilo a Professora Mocircnica Osoacuterio e a Professora Cleide Pontes pelo aprendizado
e paciecircncia Fico muito lisonjeada em poder ter orientadoras tatildeo competentes e
comprometidas com sua profissatildeo
Meus agradecimentos a todos os professores da Poacutes-graduaccedilatildeo de Nutriccedilatildeo por todos
os ensinamentos construiacutedos durante o curso
Agradeccedilo em especial as minhas colegas da turma de mestrado Rafaella de Andrade
Conciana Neves Pedrita Queiroz Raiacutesa Duarte Camila Chiara Adriana Ceacutesar Suzane
Barbosa Dayse Lima pela parceria companheirismo e pela amizade construiacuteda Momentos
que jamais seratildeo esquecidos
Agradeccedilo as alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica
(PIBIC) pelos momentos de aprendizado nas reuniotildees de grupo e pelas atividades realizadas
em equipe que ajudaram na construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo
Minha gratidatildeo agraves funcionaacuterias da Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Neci e Ceciacutelia pela
disponibilidade e atenccedilatildeo no atendimento Vocecircs satildeo profissionais que fazem a diferenccedila na
funccedilatildeo que desempenham
6
ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e
transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta
etiquetardquo
Luiacutes da Cacircmara Cascudo
7
RESUMO
A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela
cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os
ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na
famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades
bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e
econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo
historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta
por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As
entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por
alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora
divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os
alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos
constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da
famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento
como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no
domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo
na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia
da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as
situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a
distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os
sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos
no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se
relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo
Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional
8
ABSTRACT
Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an
individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos
household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a
common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however
this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities
including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore
the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-
familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast
The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The
individual interviews included the following guiding questions What do you understand by
food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute
food to your family members How do you feel when you share food with your family
members This information was interpreted under the light of the following theoretical
constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right
and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption
practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories
food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the
household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in
the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance
of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the
situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the
distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on
their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the
psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels
of nutritional and food insecurity for this population
Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security
9
LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES
DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal
10
SUMAacuteRIO
APRESENTACcedilAtildeO 11
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada 15
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 19
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36
21 Delineamento da Pesquisa 36
22 Cenaacuterio do Estudo 36
23 Participantes do Estudo 37
24 Coleta das Informaccedilotildees 37
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38
26 Aspectos Eacuteticos 40
27 Limitaccedilotildees do estudo40
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
REFEREcircNCIAS 58
APEcircNDICE A64
APEcircNCIDE B65
ANEXO A71
APEcircNCIDE C72
11
APRESENTACcedilAtildeO
A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres
humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos
indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser
algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos
culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz
de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)
O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos
inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos
imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave
criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha
brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos
seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003
SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)
O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes
envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se
deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de
visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de
festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio
diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de
alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses
indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a
dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos
socioculturalmente
A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra
coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao
atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua
funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por
ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas
alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros
tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)
12
Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os
membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002
VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato
pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das
necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e
nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da
alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na
alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo
transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que
estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006
PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)
Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de
alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e
nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de
alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a
necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual
(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados
para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da
renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de
recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila
alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes
deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar
tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta
dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA
2008)
No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo
seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute
associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa
vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e
nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os
13
universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente
transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade
aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)
Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma
realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos
salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com
as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade
financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS
RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de
trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do
Nordeste do Brasil
Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da
responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo
quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que
residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como
objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a
percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira
As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se
estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez
alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica
atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a
relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos
significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que
vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o
desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas
que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza
A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a
partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil
ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as
influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia
sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
14
com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte
tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a
quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa
O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos
Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores
canavieiros nas praacuteticas alimentares
15
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada
A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito
de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas
alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social
econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a
dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)
Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da
concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e
saudaacutevel
A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades
nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes
(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha
de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se
adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar
Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio
socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade
adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na
alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo
das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre
os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo
na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo
estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica
Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto
72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e
avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-
16
disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-
educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda
no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo
deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-
raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um
privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das
iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada
indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles
indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade
O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis
global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que
medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita
Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias
sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas
caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente
utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de
percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta
condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas
do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo
ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido
promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo
interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um
consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al
2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e
nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de
qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade
para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou
contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras
17
tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao
DHAA (LEAtildeO 2013)
Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida
das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que
todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a
inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez
engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente
de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a
Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila
alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de
que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da
famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da
famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)
Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987
SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e
que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN
PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores
socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de
alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores
que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da
seguranccedilainseguranccedila alimentar
A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada
nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode
ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e
da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da
alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano
seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros
satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste
sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo
18
psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral
estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos
indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes
estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na
tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas
em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar
trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que
todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada
indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma
alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade
Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar
pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos
Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila
O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores
necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades
o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)
Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as
suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais
A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom
funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo
alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma
alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais
especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico
beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas
alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002
PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute
possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades
O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar
e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento
ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado
alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em
19
carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da
populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se
um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos
padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-
CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo
Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos
A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos
problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia
nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual
habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome
oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto
agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma
consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma
alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa
seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e
percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)
Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os
aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares
Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-
geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio
identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica
econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem
sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares
(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o
decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem
tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e
sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON
20
1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica
alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo
que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o
olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo
contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto
independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo
brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial
A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com
a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma
miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e
escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs
influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades
encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como
clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas
essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia
eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco
colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em
grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores
ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos
O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e
que refletem na alimentaccedilatildeo atual
No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge
mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos
alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma
necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de
alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos
seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos
indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem
desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui
viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca
alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais
importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o
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alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje
na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas
Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute
possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa
brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)
Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da
incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma
monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era
praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim
escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo
com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a
sobrevivecircncia
Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute
possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O
modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a
monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em
relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo
dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes
inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como
frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de
agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os
agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e
utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado
(BRASIL 2006)
A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do
suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos
mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas
fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido
(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas
verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial
continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)
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Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O
primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica
cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos
alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico
baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que
condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de
haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o
enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto
qualitativo
No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se
obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados
consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em
Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos
gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute
um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os
feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000
PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem
histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das
famiacutelias brasileiras
Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas
pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram
a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento
o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo
XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se
ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como
terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-
se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo
Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por
volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter
contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das
famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o
arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da
modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo
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tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o
consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel
Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se
torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no
Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas
Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em
Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo
eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem
ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do
Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo
simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL
2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma
diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha
brasileira
O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos
refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria
ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees
se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande
deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o
crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa
aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em
queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande
oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do
seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante
apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)
Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento
de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma
alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e
agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante
o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se
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concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano
desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)
Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de
povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX
quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de
emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande
diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e
outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram
presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas
diferentes regiotildees do Brasil
A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto
concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando
este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no
Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou
uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as
famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)
A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam
braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de
mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma
elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra
situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer
as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda
hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute
de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da
escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do
Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de
famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional
Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social
colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora
indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado
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por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A
partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista
Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a
receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo
consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar
do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)
O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha
com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade
de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da
populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o
consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo
consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de
minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo
das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois
aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na
alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo
bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar
Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo
para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das
praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo
observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo
bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se
sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo
no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar
equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial
era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional
Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a
disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos
alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem
presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de
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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas
sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura
militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras
permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo
(VASCONCELOS 2005)
O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de
democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para
superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como
justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e
ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura
militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de
direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e
prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)
No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o
seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os
produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui
para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de
famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil
confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute
possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute
inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se
necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares
A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo
no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a
natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o
alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em
expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas
alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores
crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo
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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras
dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI
2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre
quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas
(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH
2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a
perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam
arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o
entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua
histoacuteria
Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram
adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)
Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como
se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)
Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns
alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante
apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos
(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter
nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo
O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo
Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo
modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de
culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a
constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades
bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA
2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares
delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo
relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo
social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros
grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com
determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo
menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social
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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de
pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a
identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave
sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo
ao sabor do alimento
A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar
uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas
categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas
culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de
ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas
estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por
poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam
maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o
paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria
relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo
situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)
Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de
alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre
as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes
alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As
diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos
alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como
ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo
faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas
alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute
necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da
Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda
que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis
Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos
de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida
eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo
enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste
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modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres
Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no
valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos
que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles
ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro
(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como
responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo
Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes
que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas
de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois
somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e
verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos
tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais
A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas
na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da
personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores
puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A
apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos
porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do
imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou
que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos
produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer
aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas
que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si
mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo
natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento
deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como
socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute
bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre
ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos
ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes
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A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente
na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares
satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares
podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das
formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)
Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou
consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero
(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de
alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)
Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute
diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de
provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e
dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais
na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado
historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo
considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)
Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a
dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada
sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente
atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)
Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao
afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas
geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo
domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem
deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura
masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou
colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas
aos homens comuns (ROMANELLI 2006)
Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e
este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o
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preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua
responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente
rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela
tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar
determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)
Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante
destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que
refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)
A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a
quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e
muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente
durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa
tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE
2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e
a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)
Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade
e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta
ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute
possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute
priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI
1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER
ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de
alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-
CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais
prejudicada
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte
do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho
Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos
colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para
o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne
32
pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos
tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de
uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou
religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com
outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o
status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato
do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase
sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem
alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda
famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o
sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo
do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da
necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana
As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser
visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas
Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade
de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo
caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e
priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees
comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986
CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002
RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)
Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais
mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al
2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As
implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam
situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais
Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua
suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma
alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na
33
disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma
equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter
conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem
tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e
disponibilidade adequadas
Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente
familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a
transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem
ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na
porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem
focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA
2008)
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem
desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta
agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo
de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a
exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta
a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias
que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-
obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de
iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas
estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as
cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-
de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com
muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)
Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve
atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura
Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para
34
contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da
degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-
accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees
produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional
(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute
mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo
O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado
quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade
Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua
uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos
realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO
MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural
na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de
matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas
uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo
substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente
dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor
puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo
diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua
consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento
das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento
sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)
Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas
agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta
situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias
outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e
amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas
de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de
restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia
receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo
35
garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo
adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes
para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)
O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade
possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que
refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo
fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas
com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias
de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes
36
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO
21 Delineamento da Pesquisa
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao
objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas
que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de
representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o
campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa
usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO
2005)
O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer
relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando
e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de
intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a
compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade
interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes
tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os
significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira
22 Cenaacuterio do Estudo
O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do
Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de
Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de
27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo
territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste
municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo
territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute
mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares
com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por
hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo
lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo
37
1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000
(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste
municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades
ligadas a este produto principalmente o corte
No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano
Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este
iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de
0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)
23 Participantes do Estudo
O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de
cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de
Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de
Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo
As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de
amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a
interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio
de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas
(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por
pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as
questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo
da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)
24 Coleta de Informaccedilotildees
A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo
considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior
instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase
da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo
A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um
roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees
norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas
escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um
38
pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo
da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a
entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas
As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que
significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os
alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os
membros de sua famiacutelia
A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha
liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um
diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar
adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar
(MINAYO 2008)
As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software
Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas
Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e
validaccedilatildeo destas
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees
No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma
pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros
relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional
mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os
constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a
complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico
econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata
Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso
ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas
que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta
pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi
imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados
A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a
Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a
39
partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos
que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na
formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)
1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi
tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os
documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas
Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O
ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das
mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade
considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo
correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da
representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja
representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-
accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de
todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de
homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a
criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da
pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo
Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do
estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou
Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as
Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo
delimitada a compreensatildeo do mesmo)
2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as
categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto
foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas
pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de
Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados
No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de
40
Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de
todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma
observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as
categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador
pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado
3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos
resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos
previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram
distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do
referencial teoacuterico
As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office
Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A
26 Aspectos Eacuteticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de
Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas
envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)
Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam
informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a
entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)
27 Limitaccedilatildeo do estudo
A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma
vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros
pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo
interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado
41
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Introduccedilatildeo
A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular
permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida
digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo
como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um
avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo
ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos
sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13
Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as
pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de
desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a
suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as
expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4
Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste
local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia
visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e
socioculturais 56
A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os
membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em
quantidade suficiente e qualidade adequada 37
Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar
que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente
para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as
famiacutelias da regiatildeo 8910
A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
42
venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais
difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311
No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua
aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo
culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da
existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os
universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente
transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua
responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12
Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os
significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores
de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Caminho metodoloacutegico
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das
vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em
torno de representaccedilotildees e simbolismos 13
O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata
do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e
outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo
No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-
accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com
significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta
atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra
proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e
nutricional 811
A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores
das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de
43
saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de
natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314
A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o
corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro
semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O
que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua
famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se
sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram
realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas
na iacutentegra
As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por
Bardin (2011) 15
realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de
todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus
momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram
selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras
(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para
composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das
categorias temaacuteticas
As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316
e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14
e as
influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 5121718
O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)
do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em
respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada
participante recebeu um pseudocircnimo
Resultados
Atores do estudo
As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos
predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino
44
fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas
Categoria I O alimento como essencial agrave vida
A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de
conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia
ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o
alimento ningueacutem viverdquo (Camila)
ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica
fraco E sem comida morrerdquo (Renata)
ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo
(Solange)
Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma
condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo
ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a
gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)
ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a
genterdquo (Fabiana)
As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam
desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma
obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida
ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com
fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a
alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)
ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar
pode ficar desnutridardquo (Margarida)
ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)
O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram
uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos
saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo
destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis
45
ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de
comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e
cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)
ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e
bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora
certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)
ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a
gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)
ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute
seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode
comer em quantidaderdquo (Silvana)
ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a
gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)
Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio
A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade
quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de
desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o
alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante
sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos
foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)
ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute
mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)
ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus
quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar
Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar
na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando
eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)
ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter
de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar
chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu
desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho
46
um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles
pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)
ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo
mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)
Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher
interferindo na partilha
A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a
disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para
todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles
ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura
ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias
tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute
tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)
ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as
cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de
feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)
As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se
sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o
provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu
trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo
ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia
colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou
colocar tudordquo (Patriacutecia)
ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida
e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo
(Fabiana)
Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos
Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na
distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do
47
homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores
quantidades de alimentos
ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando
fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo
tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)
ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser
pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)
ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele
trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega
aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida
suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece
(risos)rdquo (Silvana)
As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns
alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram
de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e
comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo
ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a
gente eacute pobrerdquo (Camila)
ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um
pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha
um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)
ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa
porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo
faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)
Discussatildeo
O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia
e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como
proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das
mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas
13
48
A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais
dos indiviacuteduos 14
Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo
de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como
sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido
colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos
jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas
praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores
socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a
modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas
climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim
houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
intuito de manter a vida 1819
A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das
mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional
trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte
pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito
significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se
encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais
direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021
A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as
mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a
qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras
que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a
populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo
pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo
socioeconocircmica 12
Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo
os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras
saturadas
Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria
baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade 1217
As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua
significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o
consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como
49
complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua
vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na
alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente
acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual
feijatildeo com arroz 22
Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com
prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a
seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223
No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo
socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo
de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da
cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra
accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando
desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores
conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de
complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24
A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de
outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe
problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo
das iniquidades sociais 18
Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila
Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali
habitam 8
Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e
vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava
presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e
psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia
tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada
e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20
eacute possiacutevel perceber
que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional
em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que
possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e
da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e
crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis
perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de
alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve
50
As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da
ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave
Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo
companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por
intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave
vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a
questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25
Em uma casa
pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo
escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26
Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais
importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o
de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras
refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo
tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos 31027
Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e
mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos
filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis
desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente
e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera
privada satildeo delegadas agrave mulher 2829
As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees
hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a
mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das
relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto
culturalmente 29
Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o
seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar
as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada
menos digna do que o trabalho do homem 121730
Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que
exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das
possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita
a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do
homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17
Esta situaccedilatildeo reflete as
51
representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no
domiciacutelio
No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior
pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria
consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus
membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a
mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da
praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da
alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural
mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a
melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam
maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores
necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais
menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para
atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de
alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel
exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para
trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de
priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto
da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227
A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do
indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por
indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma
categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo
enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos
estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231
A alimentaccedilatildeo colocada como
hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia
eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco
colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente
do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822
52
Consideraccedilotildees finais
As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave
alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos
aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos
para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do
homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de
alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os
sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez
refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a
diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo
Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave
violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos
agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e
Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que
proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-
accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo
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Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada
institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN
estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar
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Seguranccedila Alimentar e Nutricional [documento final] Conselho Nacional de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2004
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17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de
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18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da
economia patriarcal Satildeo Paulo Global 2003 p 64-497
19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na
Ameacuterica portuguesa do seacuteculo XVIII alguns casos monccediloeiros Diaacutelogos
DHIPPHUEM 2010 14 273-286
20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas
Estudos Avanccedilados 2007 21 143154
21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho
MB Anemia hipovitaminose A e inseguranccedila alimentar em crianccedilas de municiacutepios de
Baixo Iacutendice de Desenvolvimento Humano do Nordeste do Brasil Rev Bras
Epidemiol 2010 13 651-664
22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39
23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e
socioeconocircmica da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil em 2008-2009
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formulaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos
Familiares Rurais Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2006 24 jul
25 Sampaio MFA Kepple AW Segall-Correcirca AM Oliveira JTA Maranha LK Marin-
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55
28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004
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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero
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30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o
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31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos
modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256
56
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua
distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel
reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como
figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se
deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a
dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as
mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo
com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos
pela sociedade
As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o
objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo
intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres
estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender
fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo
quantitativa
Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico
da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida
humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um
direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da
inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo
dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias
representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees
econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da
monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao
longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees
econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas
refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos
Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos
destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As
principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres
57
Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e
que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo
daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim
foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se
pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a
alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e
motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo
subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade
extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar
extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de
alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da
alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo
Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas
econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais
obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser
estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais
complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo
do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar
do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e
individual
Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se
ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da
Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e
culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes
ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos
58
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APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nome___________________________________________________ Data ____________
Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h
Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro
1 Idade __ __ (anos)
2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________
3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo
4 Escolaridade especificar
a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________
b) Ensino fundamental I________________________________________________
c) Ensino fundamental II_______________________________________________
d) Ensino meacutedio______________________________________________________
5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo
Questotildees norteadoras
1 O que agrave senhora entende por alimento
2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia
3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia
4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua
famiacutelia
Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil
65
APEcircNDICE B ndash Grelhas
66
67
68
69
70
71
ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica
72
APEcircNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO
NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE
UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL
LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA
PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis
Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco
Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios
Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa
Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa
O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento
A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas
Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas
e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute
decisatildeo ao contraacuterio
Recife ____ de _________________________de 2007
Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________
Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________
Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________
Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________
Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________
4
Dedico este trabalho a DEUS agrave minha famiacutelia e
familiares e aos meus amigos
A todos que lutam para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional bem como o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada no Brasil e no mundo
As companheiras de homens trabalhadores de cana-de-accediluacutecar mulheres guerreiras que lidam
diariamente com a alimentaccedilatildeo familiar
5
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus por mais esta conquista pois acredito que haacute tempo para tudo na
vida e certamente a realizaccedilatildeo deste sonho estava nos planos dEle para mim
Minha eterna gratidatildeo aos meus pais Silvana e Adeilson pelo amor cuidado e
ensinamentos Esta conquista tambeacutem eacute de vocecircs
Agradeccedilo aos meus irmatildeos Analy e Adeilson Filho pela amizade e companheirismo
Amo muito vocecircs
Agradeccedilo a Professora Mocircnica Osoacuterio e a Professora Cleide Pontes pelo aprendizado
e paciecircncia Fico muito lisonjeada em poder ter orientadoras tatildeo competentes e
comprometidas com sua profissatildeo
Meus agradecimentos a todos os professores da Poacutes-graduaccedilatildeo de Nutriccedilatildeo por todos
os ensinamentos construiacutedos durante o curso
Agradeccedilo em especial as minhas colegas da turma de mestrado Rafaella de Andrade
Conciana Neves Pedrita Queiroz Raiacutesa Duarte Camila Chiara Adriana Ceacutesar Suzane
Barbosa Dayse Lima pela parceria companheirismo e pela amizade construiacuteda Momentos
que jamais seratildeo esquecidos
Agradeccedilo as alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica
(PIBIC) pelos momentos de aprendizado nas reuniotildees de grupo e pelas atividades realizadas
em equipe que ajudaram na construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo
Minha gratidatildeo agraves funcionaacuterias da Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Neci e Ceciacutelia pela
disponibilidade e atenccedilatildeo no atendimento Vocecircs satildeo profissionais que fazem a diferenccedila na
funccedilatildeo que desempenham
6
ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e
transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta
etiquetardquo
Luiacutes da Cacircmara Cascudo
7
RESUMO
A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela
cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os
ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na
famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades
bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e
econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo
historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta
por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As
entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por
alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora
divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os
alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos
constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da
famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento
como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no
domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo
na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia
da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as
situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a
distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os
sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos
no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se
relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo
Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional
8
ABSTRACT
Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an
individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos
household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a
common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however
this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities
including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore
the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-
familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast
The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The
individual interviews included the following guiding questions What do you understand by
food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute
food to your family members How do you feel when you share food with your family
members This information was interpreted under the light of the following theoretical
constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right
and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption
practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories
food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the
household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in
the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance
of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the
situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the
distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on
their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the
psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels
of nutritional and food insecurity for this population
Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security
9
LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES
DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal
10
SUMAacuteRIO
APRESENTACcedilAtildeO 11
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada 15
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 19
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36
21 Delineamento da Pesquisa 36
22 Cenaacuterio do Estudo 36
23 Participantes do Estudo 37
24 Coleta das Informaccedilotildees 37
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38
26 Aspectos Eacuteticos 40
27 Limitaccedilotildees do estudo40
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
REFEREcircNCIAS 58
APEcircNDICE A64
APEcircNCIDE B65
ANEXO A71
APEcircNCIDE C72
11
APRESENTACcedilAtildeO
A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres
humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos
indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser
algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos
culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz
de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)
O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos
inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos
imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave
criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha
brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos
seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003
SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)
O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes
envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se
deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de
visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de
festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio
diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de
alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses
indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a
dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos
socioculturalmente
A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra
coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao
atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua
funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por
ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas
alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros
tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)
12
Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os
membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002
VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato
pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das
necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e
nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da
alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na
alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo
transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que
estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006
PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)
Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de
alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e
nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de
alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a
necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual
(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados
para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da
renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de
recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila
alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes
deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar
tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta
dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA
2008)
No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo
seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute
associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa
vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e
nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os
13
universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente
transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade
aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)
Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma
realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos
salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com
as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade
financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS
RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de
trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do
Nordeste do Brasil
Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da
responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo
quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que
residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como
objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a
percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira
As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se
estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez
alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica
atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a
relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos
significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que
vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o
desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas
que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza
A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a
partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil
ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as
influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia
sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
14
com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte
tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a
quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa
O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos
Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores
canavieiros nas praacuteticas alimentares
15
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada
A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito
de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas
alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social
econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a
dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)
Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da
concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e
saudaacutevel
A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades
nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes
(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha
de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se
adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar
Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio
socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade
adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na
alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo
das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre
os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo
na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo
estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica
Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto
72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e
avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-
16
disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-
educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda
no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo
deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-
raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um
privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das
iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada
indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles
indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade
O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis
global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que
medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita
Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias
sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas
caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente
utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de
percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta
condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas
do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo
ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido
promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo
interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um
consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al
2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e
nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de
qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade
para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou
contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras
17
tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao
DHAA (LEAtildeO 2013)
Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida
das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que
todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a
inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez
engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente
de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a
Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila
alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de
que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da
famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da
famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)
Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987
SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e
que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN
PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores
socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de
alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores
que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da
seguranccedilainseguranccedila alimentar
A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada
nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode
ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e
da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da
alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano
seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros
satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste
sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo
18
psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral
estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos
indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes
estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na
tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas
em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar
trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que
todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada
indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma
alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade
Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar
pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos
Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila
O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores
necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades
o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)
Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as
suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais
A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom
funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo
alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma
alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais
especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico
beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas
alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002
PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute
possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades
O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar
e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento
ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado
alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em
19
carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da
populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se
um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos
padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-
CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo
Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos
A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos
problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia
nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual
habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome
oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto
agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma
consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma
alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa
seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e
percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)
Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os
aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares
Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-
geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio
identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica
econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem
sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares
(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o
decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem
tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e
sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON
20
1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica
alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo
que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o
olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo
contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto
independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo
brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial
A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com
a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma
miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e
escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs
influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades
encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como
clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas
essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia
eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco
colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em
grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores
ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos
O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e
que refletem na alimentaccedilatildeo atual
No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge
mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos
alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma
necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de
alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos
seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos
indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem
desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui
viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca
alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais
importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o
21
alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje
na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas
Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute
possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa
brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)
Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da
incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma
monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era
praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim
escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo
com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a
sobrevivecircncia
Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute
possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O
modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a
monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em
relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo
dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes
inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como
frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de
agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os
agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e
utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado
(BRASIL 2006)
A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do
suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos
mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas
fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido
(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas
verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial
continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)
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Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O
primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica
cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos
alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico
baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que
condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de
haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o
enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto
qualitativo
No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se
obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados
consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em
Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos
gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute
um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os
feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000
PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem
histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das
famiacutelias brasileiras
Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas
pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram
a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento
o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo
XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se
ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como
terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-
se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo
Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por
volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter
contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das
famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o
arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da
modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo
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tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o
consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel
Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se
torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no
Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas
Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em
Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo
eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem
ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do
Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo
simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL
2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma
diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha
brasileira
O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos
refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria
ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees
se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande
deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o
crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa
aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em
queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande
oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do
seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante
apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)
Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento
de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma
alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e
agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante
o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se
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concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano
desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)
Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de
povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX
quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de
emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande
diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e
outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram
presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas
diferentes regiotildees do Brasil
A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto
concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando
este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no
Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou
uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as
famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)
A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam
braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de
mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma
elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra
situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer
as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda
hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute
de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da
escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do
Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de
famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional
Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social
colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora
indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado
25
por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A
partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista
Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a
receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo
consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar
do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)
O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha
com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade
de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da
populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o
consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo
consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de
minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo
das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois
aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na
alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo
bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar
Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo
para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das
praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo
observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo
bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se
sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo
no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar
equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial
era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional
Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a
disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos
alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem
presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de
26
incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas
sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura
militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras
permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo
(VASCONCELOS 2005)
O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de
democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para
superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como
justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e
ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura
militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de
direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e
prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)
No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o
seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os
produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui
para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de
famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil
confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute
possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute
inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se
necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares
A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo
no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a
natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o
alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em
expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas
alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores
crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo
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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras
dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI
2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre
quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas
(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH
2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a
perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam
arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o
entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua
histoacuteria
Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram
adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)
Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como
se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)
Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns
alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante
apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos
(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter
nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo
O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo
Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo
modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de
culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a
constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades
bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA
2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares
delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo
relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo
social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros
grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com
determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo
menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social
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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de
pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a
identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave
sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo
ao sabor do alimento
A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar
uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas
categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas
culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de
ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas
estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por
poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam
maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o
paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria
relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo
situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)
Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de
alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre
as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes
alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As
diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos
alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como
ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo
faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas
alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute
necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da
Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda
que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis
Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos
de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida
eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo
enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste
29
modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres
Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no
valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos
que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles
ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro
(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como
responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo
Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes
que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas
de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois
somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e
verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos
tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais
A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas
na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da
personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores
puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A
apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos
porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do
imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou
que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos
produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer
aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas
que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si
mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo
natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento
deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como
socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute
bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre
ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos
ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes
30
A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente
na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares
satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares
podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das
formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)
Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou
consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero
(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de
alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)
Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute
diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de
provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e
dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais
na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado
historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo
considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)
Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a
dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada
sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente
atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)
Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao
afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas
geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo
domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem
deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura
masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou
colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas
aos homens comuns (ROMANELLI 2006)
Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e
este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o
31
preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua
responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente
rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela
tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar
determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)
Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante
destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que
refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)
A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a
quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e
muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente
durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa
tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE
2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e
a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)
Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade
e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta
ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute
possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute
priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI
1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER
ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de
alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-
CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais
prejudicada
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte
do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho
Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos
colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para
o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne
32
pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos
tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de
uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou
religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com
outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o
status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato
do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase
sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem
alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda
famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o
sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo
do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da
necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana
As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser
visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas
Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade
de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo
caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e
priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees
comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986
CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002
RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)
Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais
mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al
2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As
implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam
situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais
Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua
suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma
alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na
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disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma
equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter
conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem
tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e
disponibilidade adequadas
Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente
familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a
transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem
ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na
porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem
focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA
2008)
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem
desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta
agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo
de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a
exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta
a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias
que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-
obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de
iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas
estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as
cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-
de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com
muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)
Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve
atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura
Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para
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contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da
degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-
accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees
produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional
(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute
mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo
O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado
quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade
Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua
uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos
realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO
MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural
na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de
matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas
uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo
substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente
dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor
puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo
diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua
consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento
das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento
sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)
Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas
agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta
situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias
outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e
amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas
de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de
restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia
receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo
35
garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo
adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes
para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)
O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade
possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que
refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo
fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas
com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias
de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes
36
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO
21 Delineamento da Pesquisa
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao
objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas
que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de
representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o
campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa
usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO
2005)
O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer
relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando
e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de
intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a
compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade
interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes
tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os
significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira
22 Cenaacuterio do Estudo
O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do
Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de
Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de
27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo
territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste
municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo
territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute
mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares
com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por
hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo
lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo
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1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000
(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste
municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades
ligadas a este produto principalmente o corte
No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano
Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este
iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de
0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)
23 Participantes do Estudo
O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de
cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de
Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de
Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo
As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de
amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a
interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio
de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas
(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por
pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as
questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo
da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)
24 Coleta de Informaccedilotildees
A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo
considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior
instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase
da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo
A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um
roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees
norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas
escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um
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pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo
da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a
entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas
As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que
significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os
alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os
membros de sua famiacutelia
A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha
liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um
diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar
adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar
(MINAYO 2008)
As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software
Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas
Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e
validaccedilatildeo destas
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees
No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma
pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros
relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional
mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os
constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a
complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico
econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata
Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso
ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas
que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta
pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi
imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados
A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a
Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a
39
partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos
que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na
formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)
1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi
tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os
documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas
Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O
ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das
mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade
considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo
correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da
representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja
representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-
accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de
todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de
homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a
criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da
pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo
Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do
estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou
Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as
Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo
delimitada a compreensatildeo do mesmo)
2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as
categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto
foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas
pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de
Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados
No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de
40
Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de
todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma
observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as
categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador
pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado
3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos
resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos
previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram
distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do
referencial teoacuterico
As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office
Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A
26 Aspectos Eacuteticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de
Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas
envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)
Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam
informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a
entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)
27 Limitaccedilatildeo do estudo
A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma
vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros
pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo
interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado
41
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Introduccedilatildeo
A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular
permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida
digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo
como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um
avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo
ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos
sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13
Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as
pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de
desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a
suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as
expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4
Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste
local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia
visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e
socioculturais 56
A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os
membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em
quantidade suficiente e qualidade adequada 37
Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar
que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente
para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as
famiacutelias da regiatildeo 8910
A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
42
venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais
difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311
No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua
aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo
culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da
existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os
universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente
transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua
responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12
Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os
significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores
de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Caminho metodoloacutegico
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das
vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em
torno de representaccedilotildees e simbolismos 13
O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata
do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e
outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo
No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-
accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com
significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta
atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra
proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e
nutricional 811
A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores
das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de
43
saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de
natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314
A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o
corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro
semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O
que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua
famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se
sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram
realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas
na iacutentegra
As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por
Bardin (2011) 15
realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de
todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus
momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram
selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras
(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para
composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das
categorias temaacuteticas
As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316
e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14
e as
influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 5121718
O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)
do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em
respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada
participante recebeu um pseudocircnimo
Resultados
Atores do estudo
As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos
predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino
44
fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas
Categoria I O alimento como essencial agrave vida
A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de
conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia
ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o
alimento ningueacutem viverdquo (Camila)
ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica
fraco E sem comida morrerdquo (Renata)
ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo
(Solange)
Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma
condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo
ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a
gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)
ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a
genterdquo (Fabiana)
As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam
desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma
obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida
ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com
fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a
alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)
ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar
pode ficar desnutridardquo (Margarida)
ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)
O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram
uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos
saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo
destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis
45
ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de
comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e
cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)
ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e
bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora
certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)
ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a
gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)
ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute
seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode
comer em quantidaderdquo (Silvana)
ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a
gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)
Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio
A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade
quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de
desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o
alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante
sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos
foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)
ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute
mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)
ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus
quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar
Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar
na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando
eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)
ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter
de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar
chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu
desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho
46
um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles
pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)
ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo
mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)
Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher
interferindo na partilha
A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a
disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para
todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles
ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura
ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias
tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute
tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)
ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as
cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de
feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)
As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se
sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o
provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu
trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo
ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia
colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou
colocar tudordquo (Patriacutecia)
ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida
e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo
(Fabiana)
Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos
Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na
distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do
47
homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores
quantidades de alimentos
ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando
fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo
tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)
ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser
pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)
ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele
trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega
aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida
suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece
(risos)rdquo (Silvana)
As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns
alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram
de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e
comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo
ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a
gente eacute pobrerdquo (Camila)
ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um
pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha
um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)
ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa
porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo
faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)
Discussatildeo
O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia
e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como
proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das
mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas
13
48
A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais
dos indiviacuteduos 14
Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo
de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como
sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido
colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos
jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas
praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores
socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a
modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas
climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim
houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
intuito de manter a vida 1819
A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das
mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional
trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte
pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito
significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se
encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais
direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021
A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as
mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a
qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras
que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a
populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo
pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo
socioeconocircmica 12
Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo
os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras
saturadas
Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria
baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade 1217
As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua
significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o
consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como
49
complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua
vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na
alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente
acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual
feijatildeo com arroz 22
Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com
prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a
seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223
No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo
socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo
de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da
cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra
accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando
desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores
conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de
complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24
A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de
outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe
problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo
das iniquidades sociais 18
Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila
Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali
habitam 8
Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e
vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava
presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e
psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia
tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada
e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20
eacute possiacutevel perceber
que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional
em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que
possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e
da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e
crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis
perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de
alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve
50
As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da
ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave
Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo
companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por
intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave
vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a
questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25
Em uma casa
pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo
escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26
Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais
importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o
de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras
refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo
tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos 31027
Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e
mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos
filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis
desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente
e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera
privada satildeo delegadas agrave mulher 2829
As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees
hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a
mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das
relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto
culturalmente 29
Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o
seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar
as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada
menos digna do que o trabalho do homem 121730
Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que
exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das
possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita
a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do
homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17
Esta situaccedilatildeo reflete as
51
representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no
domiciacutelio
No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior
pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria
consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus
membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a
mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da
praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da
alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural
mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a
melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam
maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores
necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais
menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para
atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de
alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel
exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para
trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de
priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto
da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227
A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do
indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por
indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma
categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo
enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos
estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231
A alimentaccedilatildeo colocada como
hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia
eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco
colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente
do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822
52
Consideraccedilotildees finais
As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave
alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos
aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos
para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do
homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de
alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os
sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez
refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a
diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo
Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave
violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos
agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e
Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que
proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-
accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo
Referecircncias
1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de
15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e
Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada
institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN
estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar
e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago
2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010
Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito
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alimentar e estado nutricional de crianccedilas de Gameleira zona da mata do Nordeste
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18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da
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20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas
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21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho
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modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256
56
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua
distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel
reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como
figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se
deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a
dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as
mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo
com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos
pela sociedade
As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o
objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo
intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres
estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender
fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo
quantitativa
Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico
da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida
humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um
direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da
inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo
dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias
representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees
econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da
monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao
longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees
econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas
refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos
Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos
destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As
principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres
57
Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e
que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo
daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim
foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se
pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a
alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e
motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo
subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade
extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar
extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de
alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da
alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo
Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas
econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais
obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser
estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais
complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo
do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar
do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e
individual
Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se
ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da
Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e
culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes
ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos
58
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64
APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nome___________________________________________________ Data ____________
Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h
Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro
1 Idade __ __ (anos)
2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________
3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo
4 Escolaridade especificar
a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________
b) Ensino fundamental I________________________________________________
c) Ensino fundamental II_______________________________________________
d) Ensino meacutedio______________________________________________________
5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo
Questotildees norteadoras
1 O que agrave senhora entende por alimento
2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia
3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia
4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua
famiacutelia
Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil
65
APEcircNDICE B ndash Grelhas
66
67
68
69
70
71
ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica
72
APEcircNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO
NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE
UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL
LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA
PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis
Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco
Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios
Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa
Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa
O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento
A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas
Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas
e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute
decisatildeo ao contraacuterio
Recife ____ de _________________________de 2007
Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________
Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________
Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________
Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________
Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________
5
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus por mais esta conquista pois acredito que haacute tempo para tudo na
vida e certamente a realizaccedilatildeo deste sonho estava nos planos dEle para mim
Minha eterna gratidatildeo aos meus pais Silvana e Adeilson pelo amor cuidado e
ensinamentos Esta conquista tambeacutem eacute de vocecircs
Agradeccedilo aos meus irmatildeos Analy e Adeilson Filho pela amizade e companheirismo
Amo muito vocecircs
Agradeccedilo a Professora Mocircnica Osoacuterio e a Professora Cleide Pontes pelo aprendizado
e paciecircncia Fico muito lisonjeada em poder ter orientadoras tatildeo competentes e
comprometidas com sua profissatildeo
Meus agradecimentos a todos os professores da Poacutes-graduaccedilatildeo de Nutriccedilatildeo por todos
os ensinamentos construiacutedos durante o curso
Agradeccedilo em especial as minhas colegas da turma de mestrado Rafaella de Andrade
Conciana Neves Pedrita Queiroz Raiacutesa Duarte Camila Chiara Adriana Ceacutesar Suzane
Barbosa Dayse Lima pela parceria companheirismo e pela amizade construiacuteda Momentos
que jamais seratildeo esquecidos
Agradeccedilo as alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica
(PIBIC) pelos momentos de aprendizado nas reuniotildees de grupo e pelas atividades realizadas
em equipe que ajudaram na construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo
Minha gratidatildeo agraves funcionaacuterias da Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Neci e Ceciacutelia pela
disponibilidade e atenccedilatildeo no atendimento Vocecircs satildeo profissionais que fazem a diferenccedila na
funccedilatildeo que desempenham
6
ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e
transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta
etiquetardquo
Luiacutes da Cacircmara Cascudo
7
RESUMO
A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela
cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os
ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na
famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades
bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e
econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo
historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta
por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As
entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por
alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora
divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os
alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos
constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da
famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento
como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no
domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo
na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia
da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as
situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a
distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os
sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos
no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se
relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo
Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional
8
ABSTRACT
Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an
individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos
household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a
common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however
this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities
including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore
the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-
familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast
The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The
individual interviews included the following guiding questions What do you understand by
food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute
food to your family members How do you feel when you share food with your family
members This information was interpreted under the light of the following theoretical
constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right
and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption
practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories
food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the
household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in
the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance
of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the
situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the
distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on
their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the
psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels
of nutritional and food insecurity for this population
Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security
9
LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES
DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal
10
SUMAacuteRIO
APRESENTACcedilAtildeO 11
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada 15
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 19
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36
21 Delineamento da Pesquisa 36
22 Cenaacuterio do Estudo 36
23 Participantes do Estudo 37
24 Coleta das Informaccedilotildees 37
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38
26 Aspectos Eacuteticos 40
27 Limitaccedilotildees do estudo40
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
REFEREcircNCIAS 58
APEcircNDICE A64
APEcircNCIDE B65
ANEXO A71
APEcircNCIDE C72
11
APRESENTACcedilAtildeO
A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres
humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos
indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser
algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos
culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz
de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)
O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos
inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos
imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave
criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha
brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos
seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003
SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)
O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes
envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se
deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de
visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de
festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio
diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de
alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses
indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a
dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos
socioculturalmente
A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra
coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao
atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua
funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por
ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas
alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros
tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)
12
Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os
membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002
VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato
pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das
necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e
nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da
alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na
alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo
transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que
estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006
PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)
Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de
alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e
nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de
alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a
necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual
(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados
para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da
renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de
recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila
alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes
deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar
tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta
dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA
2008)
No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo
seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute
associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa
vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e
nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os
13
universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente
transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade
aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)
Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma
realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos
salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com
as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade
financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS
RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de
trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do
Nordeste do Brasil
Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da
responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo
quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que
residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como
objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a
percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira
As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se
estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez
alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica
atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a
relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos
significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que
vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o
desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas
que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza
A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a
partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil
ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as
influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia
sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
14
com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte
tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a
quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa
O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos
Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores
canavieiros nas praacuteticas alimentares
15
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada
A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito
de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas
alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social
econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a
dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)
Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da
concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e
saudaacutevel
A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades
nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes
(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha
de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se
adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar
Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio
socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade
adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na
alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo
das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre
os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo
na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo
estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica
Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto
72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e
avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-
16
disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-
educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda
no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo
deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-
raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um
privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das
iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada
indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles
indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade
O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis
global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que
medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita
Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias
sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas
caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente
utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de
percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta
condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas
do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo
ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido
promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo
interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um
consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al
2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e
nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de
qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade
para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou
contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras
17
tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao
DHAA (LEAtildeO 2013)
Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida
das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que
todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a
inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez
engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente
de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a
Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila
alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de
que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da
famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da
famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)
Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987
SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e
que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN
PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores
socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de
alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores
que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da
seguranccedilainseguranccedila alimentar
A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada
nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode
ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e
da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da
alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano
seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros
satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste
sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo
18
psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral
estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos
indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes
estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na
tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas
em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar
trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que
todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada
indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma
alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade
Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar
pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos
Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila
O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores
necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades
o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)
Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as
suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais
A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom
funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo
alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma
alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais
especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico
beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas
alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002
PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute
possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades
O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar
e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento
ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado
alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em
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carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da
populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se
um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos
padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-
CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo
Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos
A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos
problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia
nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual
habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome
oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto
agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma
consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma
alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa
seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e
percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)
Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os
aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares
Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-
geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio
identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica
econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem
sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares
(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o
decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem
tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e
sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON
20
1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica
alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo
que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o
olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo
contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto
independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo
brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial
A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com
a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma
miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e
escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs
influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades
encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como
clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas
essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia
eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco
colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em
grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores
ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos
O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e
que refletem na alimentaccedilatildeo atual
No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge
mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos
alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma
necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de
alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos
seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos
indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem
desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui
viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca
alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais
importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o
21
alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje
na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas
Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute
possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa
brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)
Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da
incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma
monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era
praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim
escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo
com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a
sobrevivecircncia
Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute
possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O
modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a
monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em
relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo
dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes
inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como
frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de
agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os
agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e
utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado
(BRASIL 2006)
A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do
suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos
mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas
fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido
(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas
verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial
continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)
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Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O
primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica
cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos
alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico
baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que
condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de
haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o
enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto
qualitativo
No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se
obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados
consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em
Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos
gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute
um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os
feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000
PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem
histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das
famiacutelias brasileiras
Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas
pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram
a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento
o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo
XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se
ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como
terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-
se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo
Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por
volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter
contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das
famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o
arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da
modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo
23
tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o
consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel
Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se
torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no
Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas
Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em
Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo
eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem
ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do
Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo
simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL
2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma
diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha
brasileira
O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos
refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria
ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees
se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande
deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o
crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa
aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em
queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande
oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do
seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante
apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)
Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento
de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma
alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e
agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante
o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se
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concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano
desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)
Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de
povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX
quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de
emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande
diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e
outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram
presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas
diferentes regiotildees do Brasil
A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto
concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando
este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no
Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou
uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as
famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)
A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam
braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de
mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma
elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra
situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer
as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda
hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute
de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da
escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do
Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de
famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional
Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social
colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora
indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado
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por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A
partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista
Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a
receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo
consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar
do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)
O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha
com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade
de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da
populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o
consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo
consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de
minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo
das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois
aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na
alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo
bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar
Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo
para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das
praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo
observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo
bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se
sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo
no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar
equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial
era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional
Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a
disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos
alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem
presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de
26
incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas
sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura
militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras
permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo
(VASCONCELOS 2005)
O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de
democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para
superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como
justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e
ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura
militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de
direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e
prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)
No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o
seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os
produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui
para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de
famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil
confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute
possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute
inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se
necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares
A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo
no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a
natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o
alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em
expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas
alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores
crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo
27
Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras
dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI
2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre
quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas
(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH
2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a
perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam
arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o
entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua
histoacuteria
Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram
adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)
Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como
se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)
Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns
alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante
apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos
(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter
nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo
O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo
Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo
modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de
culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a
constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades
bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA
2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares
delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo
relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo
social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros
grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com
determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo
menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social
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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de
pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a
identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave
sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo
ao sabor do alimento
A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar
uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas
categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas
culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de
ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas
estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por
poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam
maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o
paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria
relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo
situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)
Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de
alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre
as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes
alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As
diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos
alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como
ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo
faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas
alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute
necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da
Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda
que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis
Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos
de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida
eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo
enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste
29
modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres
Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no
valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos
que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles
ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro
(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como
responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo
Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes
que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas
de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois
somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e
verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos
tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais
A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas
na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da
personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores
puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A
apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos
porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do
imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou
que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos
produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer
aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas
que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si
mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo
natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento
deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como
socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute
bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre
ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos
ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes
30
A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente
na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares
satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares
podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das
formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)
Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou
consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero
(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de
alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)
Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute
diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de
provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e
dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais
na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado
historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo
considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)
Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a
dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada
sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente
atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)
Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao
afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas
geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo
domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem
deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura
masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou
colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas
aos homens comuns (ROMANELLI 2006)
Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e
este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o
31
preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua
responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente
rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela
tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar
determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)
Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante
destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que
refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)
A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a
quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e
muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente
durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa
tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE
2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e
a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)
Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade
e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta
ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute
possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute
priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI
1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER
ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de
alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-
CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais
prejudicada
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte
do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho
Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos
colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para
o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne
32
pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos
tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de
uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou
religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com
outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o
status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato
do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase
sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem
alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda
famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o
sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo
do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da
necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana
As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser
visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas
Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade
de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo
caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e
priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees
comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986
CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002
RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)
Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais
mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al
2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As
implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam
situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais
Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua
suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma
alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na
33
disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma
equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter
conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem
tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e
disponibilidade adequadas
Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente
familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a
transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem
ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na
porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem
focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA
2008)
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem
desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta
agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo
de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a
exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta
a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias
que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-
obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de
iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas
estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as
cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-
de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com
muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)
Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve
atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura
Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para
34
contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da
degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-
accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees
produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional
(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute
mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo
O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado
quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade
Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua
uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos
realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO
MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural
na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de
matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas
uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo
substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente
dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor
puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo
diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua
consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento
das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento
sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)
Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas
agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta
situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias
outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e
amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas
de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de
restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia
receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo
35
garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo
adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes
para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)
O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade
possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que
refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo
fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas
com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias
de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes
36
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO
21 Delineamento da Pesquisa
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao
objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas
que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de
representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o
campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa
usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO
2005)
O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer
relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando
e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de
intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a
compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade
interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes
tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os
significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira
22 Cenaacuterio do Estudo
O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do
Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de
Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de
27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo
territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste
municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo
territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute
mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares
com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por
hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo
lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo
37
1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000
(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste
municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades
ligadas a este produto principalmente o corte
No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano
Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este
iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de
0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)
23 Participantes do Estudo
O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de
cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de
Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de
Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo
As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de
amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a
interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio
de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas
(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por
pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as
questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo
da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)
24 Coleta de Informaccedilotildees
A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo
considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior
instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase
da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo
A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um
roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees
norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas
escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um
38
pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo
da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a
entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas
As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que
significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os
alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os
membros de sua famiacutelia
A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha
liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um
diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar
adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar
(MINAYO 2008)
As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software
Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas
Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e
validaccedilatildeo destas
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees
No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma
pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros
relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional
mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os
constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a
complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico
econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata
Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso
ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas
que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta
pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi
imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados
A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a
Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a
39
partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos
que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na
formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)
1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi
tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os
documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas
Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O
ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das
mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade
considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo
correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da
representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja
representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-
accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de
todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de
homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a
criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da
pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo
Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do
estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou
Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as
Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo
delimitada a compreensatildeo do mesmo)
2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as
categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto
foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas
pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de
Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados
No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de
40
Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de
todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma
observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as
categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador
pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado
3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos
resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos
previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram
distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do
referencial teoacuterico
As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office
Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A
26 Aspectos Eacuteticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de
Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas
envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)
Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam
informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a
entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)
27 Limitaccedilatildeo do estudo
A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma
vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros
pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo
interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado
41
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Introduccedilatildeo
A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular
permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida
digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo
como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um
avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo
ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos
sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13
Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as
pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de
desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a
suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as
expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4
Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste
local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia
visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e
socioculturais 56
A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os
membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em
quantidade suficiente e qualidade adequada 37
Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar
que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente
para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as
famiacutelias da regiatildeo 8910
A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
42
venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais
difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311
No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua
aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo
culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da
existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os
universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente
transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua
responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12
Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os
significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores
de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Caminho metodoloacutegico
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das
vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em
torno de representaccedilotildees e simbolismos 13
O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata
do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e
outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo
No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-
accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com
significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta
atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra
proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e
nutricional 811
A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores
das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de
43
saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de
natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314
A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o
corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro
semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O
que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua
famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se
sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram
realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas
na iacutentegra
As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por
Bardin (2011) 15
realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de
todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus
momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram
selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras
(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para
composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das
categorias temaacuteticas
As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316
e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14
e as
influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 5121718
O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)
do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em
respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada
participante recebeu um pseudocircnimo
Resultados
Atores do estudo
As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos
predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino
44
fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas
Categoria I O alimento como essencial agrave vida
A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de
conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia
ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o
alimento ningueacutem viverdquo (Camila)
ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica
fraco E sem comida morrerdquo (Renata)
ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo
(Solange)
Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma
condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo
ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a
gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)
ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a
genterdquo (Fabiana)
As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam
desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma
obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida
ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com
fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a
alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)
ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar
pode ficar desnutridardquo (Margarida)
ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)
O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram
uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos
saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo
destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis
45
ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de
comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e
cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)
ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e
bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora
certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)
ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a
gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)
ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute
seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode
comer em quantidaderdquo (Silvana)
ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a
gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)
Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio
A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade
quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de
desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o
alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante
sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos
foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)
ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute
mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)
ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus
quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar
Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar
na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando
eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)
ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter
de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar
chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu
desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho
46
um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles
pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)
ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo
mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)
Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher
interferindo na partilha
A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a
disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para
todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles
ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura
ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias
tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute
tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)
ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as
cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de
feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)
As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se
sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o
provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu
trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo
ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia
colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou
colocar tudordquo (Patriacutecia)
ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida
e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo
(Fabiana)
Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos
Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na
distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do
47
homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores
quantidades de alimentos
ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando
fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo
tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)
ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser
pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)
ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele
trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega
aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida
suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece
(risos)rdquo (Silvana)
As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns
alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram
de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e
comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo
ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a
gente eacute pobrerdquo (Camila)
ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um
pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha
um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)
ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa
porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo
faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)
Discussatildeo
O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia
e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como
proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das
mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas
13
48
A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais
dos indiviacuteduos 14
Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo
de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como
sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido
colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos
jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas
praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores
socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a
modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas
climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim
houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
intuito de manter a vida 1819
A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das
mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional
trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte
pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito
significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se
encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais
direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021
A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as
mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a
qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras
que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a
populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo
pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo
socioeconocircmica 12
Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo
os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras
saturadas
Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria
baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade 1217
As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua
significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o
consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como
49
complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua
vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na
alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente
acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual
feijatildeo com arroz 22
Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com
prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a
seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223
No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo
socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo
de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da
cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra
accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando
desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores
conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de
complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24
A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de
outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe
problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo
das iniquidades sociais 18
Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila
Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali
habitam 8
Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e
vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava
presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e
psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia
tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada
e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20
eacute possiacutevel perceber
que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional
em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que
possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e
da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e
crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis
perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de
alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve
50
As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da
ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave
Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo
companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por
intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave
vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a
questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25
Em uma casa
pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo
escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26
Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais
importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o
de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras
refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo
tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos 31027
Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e
mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos
filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis
desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente
e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera
privada satildeo delegadas agrave mulher 2829
As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees
hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a
mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das
relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto
culturalmente 29
Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o
seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar
as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada
menos digna do que o trabalho do homem 121730
Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que
exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das
possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita
a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do
homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17
Esta situaccedilatildeo reflete as
51
representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no
domiciacutelio
No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior
pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria
consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus
membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a
mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da
praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da
alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural
mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a
melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam
maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores
necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais
menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para
atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de
alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel
exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para
trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de
priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto
da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227
A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do
indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por
indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma
categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo
enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos
estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231
A alimentaccedilatildeo colocada como
hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia
eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco
colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente
do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822
52
Consideraccedilotildees finais
As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave
alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos
aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos
para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do
homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de
alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os
sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez
refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a
diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo
Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave
violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos
agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e
Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que
proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-
accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo
Referecircncias
1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de
15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e
Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada
institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN
estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar
e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago
2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010
Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito
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8 Cavalcanti C Dias A Lubambo C Barros H Cruz L Arauacutejo M Moreira M Galindo
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12 Romanelli G O significado da alimentaccedilatildeo na famiacutelia uma visatildeo antropoloacutegica
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17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de
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18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da
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19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na
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20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas
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21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho
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22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39
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formulaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos
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28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004
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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero
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30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o
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31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos
modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256
56
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua
distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel
reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como
figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se
deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a
dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as
mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo
com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos
pela sociedade
As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o
objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo
intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres
estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender
fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo
quantitativa
Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico
da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida
humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um
direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da
inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo
dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias
representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees
econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da
monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao
longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees
econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas
refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos
Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos
destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As
principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres
57
Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e
que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo
daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim
foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se
pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a
alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e
motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo
subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade
extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar
extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de
alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da
alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo
Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas
econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais
obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser
estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais
complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo
do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar
do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e
individual
Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se
ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da
Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e
culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes
ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos
58
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64
APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nome___________________________________________________ Data ____________
Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h
Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro
1 Idade __ __ (anos)
2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________
3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo
4 Escolaridade especificar
a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________
b) Ensino fundamental I________________________________________________
c) Ensino fundamental II_______________________________________________
d) Ensino meacutedio______________________________________________________
5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo
Questotildees norteadoras
1 O que agrave senhora entende por alimento
2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia
3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia
4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua
famiacutelia
Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil
65
APEcircNDICE B ndash Grelhas
66
67
68
69
70
71
ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica
72
APEcircNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO
NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE
UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL
LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA
PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis
Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco
Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios
Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa
Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa
O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento
A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas
Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas
e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute
decisatildeo ao contraacuterio
Recife ____ de _________________________de 2007
Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________
Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________
Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________
Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________
Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________
6
ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e
transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta
etiquetardquo
Luiacutes da Cacircmara Cascudo
7
RESUMO
A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela
cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os
ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na
famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades
bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e
econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo
historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta
por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As
entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por
alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora
divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os
alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos
constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da
famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento
como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no
domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo
na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia
da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as
situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a
distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os
sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos
no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se
relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo
Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional
8
ABSTRACT
Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an
individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos
household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a
common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however
this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities
including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore
the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-
familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast
The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The
individual interviews included the following guiding questions What do you understand by
food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute
food to your family members How do you feel when you share food with your family
members This information was interpreted under the light of the following theoretical
constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right
and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption
practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories
food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the
household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in
the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance
of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the
situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the
distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on
their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the
psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels
of nutritional and food insecurity for this population
Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security
9
LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES
DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal
10
SUMAacuteRIO
APRESENTACcedilAtildeO 11
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada 15
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 19
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36
21 Delineamento da Pesquisa 36
22 Cenaacuterio do Estudo 36
23 Participantes do Estudo 37
24 Coleta das Informaccedilotildees 37
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38
26 Aspectos Eacuteticos 40
27 Limitaccedilotildees do estudo40
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
REFEREcircNCIAS 58
APEcircNDICE A64
APEcircNCIDE B65
ANEXO A71
APEcircNCIDE C72
11
APRESENTACcedilAtildeO
A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres
humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos
indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser
algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos
culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz
de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)
O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos
inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos
imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave
criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha
brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos
seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003
SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)
O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes
envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se
deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de
visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de
festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio
diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de
alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses
indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a
dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos
socioculturalmente
A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra
coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao
atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua
funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por
ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas
alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros
tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)
12
Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os
membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002
VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato
pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das
necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e
nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da
alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na
alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo
transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que
estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006
PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)
Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de
alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e
nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de
alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a
necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual
(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados
para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da
renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de
recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila
alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes
deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar
tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta
dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA
2008)
No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo
seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute
associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa
vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e
nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os
13
universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente
transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade
aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)
Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma
realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos
salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com
as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade
financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS
RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de
trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do
Nordeste do Brasil
Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da
responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo
quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que
residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como
objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a
percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira
As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se
estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez
alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica
atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a
relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos
significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que
vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o
desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas
que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza
A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a
partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil
ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as
influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia
sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
14
com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte
tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a
quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa
O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos
Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores
canavieiros nas praacuteticas alimentares
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1 REFERENCIAL TEOacuteRICO
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada
A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito
de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas
alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social
econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a
dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)
Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da
concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e
saudaacutevel
A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades
nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes
(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha
de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se
adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar
Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio
socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade
adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na
alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo
das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre
os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo
na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo
estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica
Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto
72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e
avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-
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disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-
educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda
no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo
deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-
raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um
privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das
iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada
indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles
indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade
O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis
global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que
medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita
Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias
sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas
caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente
utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de
percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta
condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas
do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo
ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido
promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo
interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um
consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al
2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e
nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de
qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade
para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou
contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras
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tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao
DHAA (LEAtildeO 2013)
Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida
das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que
todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a
inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez
engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente
de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a
Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila
alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de
que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da
famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da
famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)
Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987
SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e
que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN
PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores
socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de
alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores
que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da
seguranccedilainseguranccedila alimentar
A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada
nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode
ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e
da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da
alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano
seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros
satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste
sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo
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psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral
estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos
indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes
estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na
tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas
em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar
trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que
todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada
indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma
alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade
Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar
pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos
Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila
O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores
necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades
o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)
Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as
suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais
A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom
funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo
alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma
alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais
especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico
beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas
alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002
PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute
possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades
O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar
e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento
ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado
alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em
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carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da
populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se
um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos
padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-
CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo
Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos
A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos
problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia
nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual
habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome
oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto
agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma
consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma
alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa
seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e
percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)
Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os
aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares
Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-
geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio
identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica
econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem
sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares
(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o
decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem
tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e
sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON
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1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica
alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo
que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o
olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo
contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto
independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo
brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial
A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com
a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma
miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e
escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs
influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades
encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como
clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas
essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia
eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco
colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em
grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores
ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos
O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e
que refletem na alimentaccedilatildeo atual
No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge
mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos
alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma
necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de
alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos
seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos
indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem
desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui
viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca
alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais
importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o
21
alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje
na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas
Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute
possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa
brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)
Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da
incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma
monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era
praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim
escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo
com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a
sobrevivecircncia
Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute
possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O
modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a
monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em
relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo
dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes
inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como
frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de
agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os
agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e
utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado
(BRASIL 2006)
A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do
suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos
mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas
fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido
(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas
verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial
continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)
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Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O
primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica
cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos
alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico
baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que
condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de
haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o
enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto
qualitativo
No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se
obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados
consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em
Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos
gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute
um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os
feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000
PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem
histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das
famiacutelias brasileiras
Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas
pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram
a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento
o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo
XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se
ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como
terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-
se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo
Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por
volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter
contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das
famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o
arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da
modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo
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tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o
consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel
Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se
torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no
Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas
Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em
Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo
eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem
ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do
Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo
simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL
2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma
diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha
brasileira
O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos
refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria
ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees
se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande
deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o
crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa
aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em
queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande
oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do
seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante
apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)
Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento
de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma
alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e
agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante
o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se
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concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano
desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)
Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de
povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX
quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de
emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande
diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e
outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram
presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas
diferentes regiotildees do Brasil
A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto
concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando
este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no
Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou
uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as
famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)
A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam
braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de
mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma
elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra
situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer
as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda
hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute
de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da
escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do
Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de
famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional
Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social
colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora
indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado
25
por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A
partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista
Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a
receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo
consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar
do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)
O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha
com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade
de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da
populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o
consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo
consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de
minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo
das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois
aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na
alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo
bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar
Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo
para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das
praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo
observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo
bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se
sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo
no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar
equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial
era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional
Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a
disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos
alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem
presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de
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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas
sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura
militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras
permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo
(VASCONCELOS 2005)
O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de
democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para
superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como
justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e
ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura
militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de
direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e
prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)
No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o
seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os
produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui
para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de
famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil
confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute
possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute
inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se
necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares
A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo
no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a
natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o
alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em
expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas
alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores
crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo
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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras
dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI
2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre
quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas
(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH
2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a
perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam
arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o
entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua
histoacuteria
Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram
adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)
Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como
se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)
Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns
alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante
apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos
(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter
nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo
O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo
Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo
modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de
culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a
constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades
bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA
2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares
delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo
relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo
social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros
grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com
determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo
menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social
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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de
pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a
identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave
sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo
ao sabor do alimento
A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar
uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas
categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas
culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de
ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas
estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por
poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam
maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o
paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria
relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo
situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)
Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de
alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre
as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes
alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As
diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos
alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como
ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo
faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas
alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute
necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da
Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda
que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis
Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos
de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida
eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo
enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste
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modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres
Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no
valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos
que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles
ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro
(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como
responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo
Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes
que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas
de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois
somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e
verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos
tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais
A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas
na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da
personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores
puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A
apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos
porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do
imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou
que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos
produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer
aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas
que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si
mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo
natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento
deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como
socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute
bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre
ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos
ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes
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A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente
na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares
satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares
podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das
formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)
Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou
consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero
(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de
alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)
Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute
diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de
provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e
dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais
na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado
historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo
considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)
Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a
dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada
sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente
atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)
Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao
afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas
geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo
domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem
deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura
masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou
colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas
aos homens comuns (ROMANELLI 2006)
Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e
este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o
31
preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua
responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente
rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela
tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar
determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)
Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante
destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que
refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)
A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a
quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e
muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente
durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa
tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE
2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e
a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)
Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade
e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta
ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute
possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute
priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI
1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER
ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de
alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-
CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais
prejudicada
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte
do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho
Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos
colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para
o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne
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pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos
tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de
uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou
religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com
outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o
status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato
do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase
sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem
alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda
famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o
sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo
do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da
necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana
As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser
visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas
Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade
de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo
caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e
priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees
comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986
CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002
RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)
Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais
mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al
2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As
implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam
situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais
Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua
suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma
alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na
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disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma
equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter
conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem
tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e
disponibilidade adequadas
Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente
familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a
transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem
ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na
porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem
focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA
2008)
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem
desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta
agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo
de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a
exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta
a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias
que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-
obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de
iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas
estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as
cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-
de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com
muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)
Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve
atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura
Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para
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contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da
degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-
accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees
produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional
(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute
mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo
O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado
quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade
Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua
uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos
realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO
MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural
na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de
matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas
uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo
substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente
dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor
puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo
diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua
consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento
das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento
sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)
Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas
agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta
situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias
outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e
amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas
de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de
restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia
receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo
35
garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo
adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes
para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)
O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade
possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que
refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo
fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas
com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias
de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes
36
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO
21 Delineamento da Pesquisa
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao
objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas
que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de
representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o
campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa
usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO
2005)
O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer
relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando
e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de
intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a
compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade
interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes
tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os
significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira
22 Cenaacuterio do Estudo
O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do
Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de
Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de
27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo
territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste
municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo
territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute
mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares
com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por
hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo
lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo
37
1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000
(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste
municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades
ligadas a este produto principalmente o corte
No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano
Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este
iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de
0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)
23 Participantes do Estudo
O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de
cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de
Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de
Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo
As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de
amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a
interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio
de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas
(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por
pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as
questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo
da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)
24 Coleta de Informaccedilotildees
A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo
considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior
instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase
da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo
A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um
roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees
norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas
escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um
38
pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo
da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a
entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas
As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que
significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os
alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os
membros de sua famiacutelia
A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha
liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um
diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar
adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar
(MINAYO 2008)
As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software
Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas
Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e
validaccedilatildeo destas
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees
No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma
pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros
relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional
mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os
constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a
complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico
econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata
Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso
ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas
que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta
pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi
imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados
A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a
Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a
39
partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos
que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na
formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)
1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi
tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os
documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas
Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O
ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das
mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade
considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo
correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da
representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja
representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-
accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de
todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de
homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a
criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da
pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo
Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do
estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou
Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as
Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo
delimitada a compreensatildeo do mesmo)
2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as
categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto
foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas
pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de
Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados
No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de
40
Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de
todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma
observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as
categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador
pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado
3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos
resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos
previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram
distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do
referencial teoacuterico
As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office
Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A
26 Aspectos Eacuteticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de
Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas
envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)
Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam
informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a
entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)
27 Limitaccedilatildeo do estudo
A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma
vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros
pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo
interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado
41
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Introduccedilatildeo
A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular
permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida
digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo
como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um
avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo
ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos
sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13
Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as
pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de
desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a
suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as
expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4
Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste
local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia
visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e
socioculturais 56
A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os
membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em
quantidade suficiente e qualidade adequada 37
Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar
que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente
para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as
famiacutelias da regiatildeo 8910
A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
42
venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais
difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311
No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua
aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo
culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da
existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os
universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente
transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua
responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12
Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os
significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores
de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Caminho metodoloacutegico
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das
vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em
torno de representaccedilotildees e simbolismos 13
O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata
do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e
outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo
No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-
accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com
significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta
atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra
proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e
nutricional 811
A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores
das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de
43
saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de
natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314
A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o
corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro
semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O
que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua
famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se
sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram
realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas
na iacutentegra
As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por
Bardin (2011) 15
realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de
todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus
momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram
selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras
(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para
composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das
categorias temaacuteticas
As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316
e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14
e as
influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 5121718
O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)
do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em
respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada
participante recebeu um pseudocircnimo
Resultados
Atores do estudo
As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos
predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino
44
fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas
Categoria I O alimento como essencial agrave vida
A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de
conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia
ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o
alimento ningueacutem viverdquo (Camila)
ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica
fraco E sem comida morrerdquo (Renata)
ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo
(Solange)
Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma
condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo
ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a
gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)
ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a
genterdquo (Fabiana)
As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam
desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma
obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida
ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com
fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a
alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)
ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar
pode ficar desnutridardquo (Margarida)
ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)
O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram
uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos
saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo
destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis
45
ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de
comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e
cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)
ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e
bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora
certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)
ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a
gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)
ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute
seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode
comer em quantidaderdquo (Silvana)
ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a
gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)
Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio
A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade
quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de
desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o
alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante
sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos
foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)
ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute
mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)
ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus
quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar
Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar
na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando
eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)
ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter
de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar
chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu
desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho
46
um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles
pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)
ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo
mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)
Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher
interferindo na partilha
A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a
disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para
todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles
ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura
ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias
tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute
tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)
ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as
cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de
feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)
As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se
sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o
provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu
trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo
ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia
colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou
colocar tudordquo (Patriacutecia)
ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida
e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo
(Fabiana)
Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos
Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na
distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do
47
homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores
quantidades de alimentos
ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando
fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo
tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)
ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser
pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)
ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele
trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega
aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida
suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece
(risos)rdquo (Silvana)
As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns
alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram
de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e
comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo
ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a
gente eacute pobrerdquo (Camila)
ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um
pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha
um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)
ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa
porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo
faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)
Discussatildeo
O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia
e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como
proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das
mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas
13
48
A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais
dos indiviacuteduos 14
Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo
de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como
sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido
colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos
jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas
praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores
socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a
modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas
climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim
houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
intuito de manter a vida 1819
A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das
mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional
trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte
pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito
significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se
encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais
direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021
A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as
mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a
qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras
que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a
populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo
pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo
socioeconocircmica 12
Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo
os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras
saturadas
Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria
baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade 1217
As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua
significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o
consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como
49
complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua
vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na
alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente
acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual
feijatildeo com arroz 22
Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com
prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a
seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223
No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo
socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo
de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da
cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra
accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando
desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores
conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de
complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24
A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de
outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe
problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo
das iniquidades sociais 18
Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila
Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali
habitam 8
Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e
vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava
presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e
psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia
tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada
e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20
eacute possiacutevel perceber
que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional
em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que
possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e
da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e
crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis
perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de
alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve
50
As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da
ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave
Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo
companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por
intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave
vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a
questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25
Em uma casa
pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo
escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26
Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais
importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o
de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras
refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo
tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos 31027
Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e
mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos
filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis
desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente
e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera
privada satildeo delegadas agrave mulher 2829
As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees
hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a
mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das
relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto
culturalmente 29
Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o
seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar
as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada
menos digna do que o trabalho do homem 121730
Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que
exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das
possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita
a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do
homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17
Esta situaccedilatildeo reflete as
51
representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no
domiciacutelio
No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior
pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria
consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus
membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a
mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da
praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da
alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural
mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a
melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam
maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores
necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais
menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para
atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de
alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel
exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para
trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de
priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto
da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227
A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do
indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por
indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma
categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo
enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos
estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231
A alimentaccedilatildeo colocada como
hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia
eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco
colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente
do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822
52
Consideraccedilotildees finais
As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave
alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos
aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos
para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do
homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de
alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os
sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez
refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a
diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo
Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave
violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos
agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e
Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que
proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-
accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo
Referecircncias
1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de
15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e
Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada
institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN
estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar
e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago
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Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito
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ferro e sua associaccedilatildeo com a anemia ferropriva nas famiacutelias de trabalhadores rurais da
Zona da Mata de Pernambuco Brasil Rev Nutr 2014 27 217-227
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12 Romanelli G O significado da alimentaccedilatildeo na famiacutelia uma visatildeo antropoloacutegica
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13 Minayo MCS O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em Sauacutede Satildeo Paulo
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14 Minayo MCS Ciecircncia Teacutecnica e Arte O desafio da pesquisa social In Minayo
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Petroacutepolis Vozes 2009 p 48
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18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da
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21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho
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24 Brasil Lei nordm 11326 de 24 de julho de 2006 Estabelece as diretrizes para a
formulaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos
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nutricional status of children under 5 years old in rural Eastern Kenya European
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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero
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30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o
que vai pra mesa Fazendo gecircnero ndash Corpo violecircncia e poder 2008
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31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos
modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256
56
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua
distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel
reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como
figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se
deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a
dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as
mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo
com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos
pela sociedade
As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o
objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo
intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres
estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender
fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo
quantitativa
Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico
da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida
humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um
direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da
inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo
dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias
representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees
econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da
monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao
longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees
econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas
refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos
Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos
destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As
principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres
57
Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e
que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo
daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim
foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se
pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a
alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e
motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo
subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade
extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar
extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de
alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da
alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo
Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas
econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais
obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser
estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais
complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo
do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar
do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e
individual
Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se
ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da
Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e
culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes
ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos
58
REFEREcircNCIAS
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64
APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nome___________________________________________________ Data ____________
Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h
Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro
1 Idade __ __ (anos)
2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________
3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo
4 Escolaridade especificar
a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________
b) Ensino fundamental I________________________________________________
c) Ensino fundamental II_______________________________________________
d) Ensino meacutedio______________________________________________________
5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo
Questotildees norteadoras
1 O que agrave senhora entende por alimento
2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia
3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia
4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua
famiacutelia
Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil
65
APEcircNDICE B ndash Grelhas
66
67
68
69
70
71
ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica
72
APEcircNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO
NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE
UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL
LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA
PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis
Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco
Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios
Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa
Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa
O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento
A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas
Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas
e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute
decisatildeo ao contraacuterio
Recife ____ de _________________________de 2007
Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________
Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________
Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________
Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________
Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________
7
RESUMO
A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela
cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os
ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na
famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades
bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e
econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo
historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta
por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As
entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por
alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora
divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os
alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos
constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da
famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento
como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no
domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo
na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia
da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as
situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a
distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os
sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos
no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se
relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo
Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional
8
ABSTRACT
Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an
individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos
household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a
common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however
this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities
including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore
the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-
familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast
The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The
individual interviews included the following guiding questions What do you understand by
food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute
food to your family members How do you feel when you share food with your family
members This information was interpreted under the light of the following theoretical
constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right
and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption
practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories
food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the
household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in
the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance
of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the
situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the
distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on
their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the
psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels
of nutritional and food insecurity for this population
Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security
9
LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES
DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal
10
SUMAacuteRIO
APRESENTACcedilAtildeO 11
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada 15
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 19
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36
21 Delineamento da Pesquisa 36
22 Cenaacuterio do Estudo 36
23 Participantes do Estudo 37
24 Coleta das Informaccedilotildees 37
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38
26 Aspectos Eacuteticos 40
27 Limitaccedilotildees do estudo40
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
REFEREcircNCIAS 58
APEcircNDICE A64
APEcircNCIDE B65
ANEXO A71
APEcircNCIDE C72
11
APRESENTACcedilAtildeO
A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres
humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos
indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser
algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos
culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz
de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)
O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos
inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos
imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave
criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha
brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos
seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003
SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)
O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes
envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se
deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de
visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de
festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio
diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de
alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses
indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a
dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos
socioculturalmente
A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra
coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao
atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua
funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por
ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas
alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros
tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)
12
Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os
membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002
VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato
pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das
necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e
nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da
alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na
alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo
transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que
estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006
PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)
Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de
alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e
nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de
alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a
necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual
(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados
para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da
renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de
recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila
alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes
deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar
tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta
dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA
2008)
No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo
seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute
associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa
vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e
nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os
13
universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente
transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade
aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)
Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma
realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos
salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com
as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade
financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS
RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de
trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do
Nordeste do Brasil
Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da
responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo
quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que
residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como
objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a
percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira
As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se
estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez
alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica
atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a
relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos
significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que
vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o
desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas
que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza
A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a
partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil
ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as
influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia
sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
14
com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte
tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a
quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa
O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos
Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores
canavieiros nas praacuteticas alimentares
15
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada
A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito
de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas
alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social
econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a
dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)
Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da
concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e
saudaacutevel
A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades
nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes
(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha
de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se
adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar
Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio
socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade
adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na
alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo
das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre
os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo
na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo
estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica
Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto
72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e
avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-
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disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-
educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda
no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo
deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-
raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um
privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das
iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada
indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles
indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade
O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis
global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que
medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita
Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias
sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas
caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente
utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de
percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta
condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas
do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo
ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido
promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo
interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um
consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al
2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e
nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de
qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade
para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou
contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras
17
tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao
DHAA (LEAtildeO 2013)
Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida
das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que
todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a
inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez
engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente
de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a
Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila
alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de
que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da
famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da
famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)
Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987
SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e
que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN
PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores
socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de
alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores
que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da
seguranccedilainseguranccedila alimentar
A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada
nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode
ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e
da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da
alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano
seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros
satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste
sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo
18
psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral
estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos
indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes
estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na
tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas
em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar
trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que
todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada
indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma
alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade
Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar
pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos
Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila
O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores
necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades
o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)
Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as
suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais
A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom
funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo
alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma
alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais
especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico
beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas
alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002
PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute
possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades
O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar
e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento
ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado
alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em
19
carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da
populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se
um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos
padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-
CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo
Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos
A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos
problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia
nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual
habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome
oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto
agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma
consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma
alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa
seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e
percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)
Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os
aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares
Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-
geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio
identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica
econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem
sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares
(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o
decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem
tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e
sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON
20
1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica
alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo
que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o
olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo
contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto
independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo
brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial
A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com
a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma
miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e
escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs
influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades
encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como
clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas
essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia
eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco
colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em
grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores
ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos
O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e
que refletem na alimentaccedilatildeo atual
No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge
mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos
alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma
necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de
alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos
seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos
indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem
desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui
viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca
alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais
importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o
21
alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje
na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas
Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute
possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa
brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)
Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da
incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma
monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era
praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim
escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo
com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a
sobrevivecircncia
Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute
possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O
modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a
monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em
relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo
dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes
inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como
frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de
agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os
agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e
utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado
(BRASIL 2006)
A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do
suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos
mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas
fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido
(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas
verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial
continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)
22
Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O
primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica
cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos
alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico
baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que
condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de
haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o
enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto
qualitativo
No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se
obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados
consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em
Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos
gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute
um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os
feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000
PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem
histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das
famiacutelias brasileiras
Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas
pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram
a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento
o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo
XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se
ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como
terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-
se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo
Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por
volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter
contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das
famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o
arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da
modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo
23
tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o
consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel
Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se
torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no
Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas
Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em
Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo
eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem
ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do
Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo
simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL
2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma
diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha
brasileira
O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos
refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria
ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees
se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande
deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o
crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa
aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em
queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande
oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do
seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante
apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)
Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento
de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma
alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e
agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante
o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se
24
concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano
desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)
Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de
povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX
quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de
emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande
diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e
outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram
presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas
diferentes regiotildees do Brasil
A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto
concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando
este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no
Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou
uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as
famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)
A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam
braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de
mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma
elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra
situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer
as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda
hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute
de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da
escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do
Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de
famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional
Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social
colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora
indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado
25
por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A
partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista
Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a
receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo
consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar
do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)
O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha
com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade
de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da
populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o
consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo
consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de
minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo
das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois
aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na
alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo
bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar
Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo
para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das
praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo
observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo
bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se
sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo
no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar
equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial
era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional
Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a
disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos
alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem
presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de
26
incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas
sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura
militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras
permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo
(VASCONCELOS 2005)
O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de
democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para
superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como
justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e
ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura
militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de
direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e
prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)
No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o
seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os
produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui
para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de
famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil
confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute
possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute
inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se
necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares
A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo
no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a
natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o
alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em
expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas
alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores
crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo
27
Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras
dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI
2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre
quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas
(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH
2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a
perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam
arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o
entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua
histoacuteria
Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram
adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)
Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como
se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)
Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns
alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante
apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos
(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter
nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo
O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo
Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo
modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de
culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a
constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades
bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA
2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares
delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo
relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo
social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros
grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com
determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo
menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social
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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de
pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a
identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave
sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo
ao sabor do alimento
A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar
uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas
categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas
culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de
ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas
estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por
poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam
maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o
paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria
relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo
situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)
Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de
alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre
as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes
alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As
diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos
alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como
ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo
faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas
alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute
necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da
Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda
que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis
Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos
de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida
eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo
enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste
29
modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres
Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no
valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos
que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles
ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro
(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como
responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo
Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes
que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas
de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois
somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e
verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos
tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais
A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas
na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da
personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores
puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A
apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos
porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do
imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou
que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos
produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer
aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas
que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si
mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo
natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento
deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como
socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute
bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre
ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos
ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes
30
A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente
na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares
satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares
podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das
formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)
Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou
consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero
(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de
alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)
Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute
diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de
provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e
dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais
na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado
historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo
considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)
Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a
dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada
sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente
atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)
Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao
afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas
geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo
domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem
deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura
masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou
colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas
aos homens comuns (ROMANELLI 2006)
Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e
este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o
31
preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua
responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente
rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela
tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar
determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)
Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante
destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que
refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)
A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a
quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e
muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente
durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa
tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE
2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e
a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)
Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade
e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta
ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute
possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute
priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI
1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER
ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de
alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-
CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais
prejudicada
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte
do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho
Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos
colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para
o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne
32
pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos
tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de
uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou
religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com
outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o
status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato
do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase
sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem
alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda
famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o
sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo
do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da
necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana
As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser
visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas
Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade
de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo
caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e
priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees
comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986
CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002
RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)
Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais
mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al
2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As
implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam
situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais
Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua
suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma
alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na
33
disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma
equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter
conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem
tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e
disponibilidade adequadas
Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente
familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a
transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem
ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na
porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem
focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA
2008)
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem
desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta
agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo
de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a
exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta
a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias
que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-
obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de
iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas
estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as
cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-
de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com
muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)
Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve
atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura
Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para
34
contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da
degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-
accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees
produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional
(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute
mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo
O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado
quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade
Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua
uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos
realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO
MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural
na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de
matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas
uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo
substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente
dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor
puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo
diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua
consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento
das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento
sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)
Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas
agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta
situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias
outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e
amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas
de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de
restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia
receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo
35
garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo
adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes
para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)
O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade
possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que
refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo
fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas
com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias
de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes
36
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO
21 Delineamento da Pesquisa
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao
objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas
que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de
representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o
campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa
usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO
2005)
O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer
relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando
e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de
intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a
compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade
interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes
tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os
significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira
22 Cenaacuterio do Estudo
O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do
Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de
Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de
27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo
territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste
municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo
territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute
mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares
com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por
hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo
lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo
37
1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000
(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste
municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades
ligadas a este produto principalmente o corte
No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano
Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este
iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de
0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)
23 Participantes do Estudo
O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de
cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de
Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de
Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo
As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de
amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a
interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio
de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas
(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por
pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as
questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo
da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)
24 Coleta de Informaccedilotildees
A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo
considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior
instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase
da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo
A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um
roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees
norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas
escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um
38
pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo
da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a
entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas
As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que
significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os
alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os
membros de sua famiacutelia
A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha
liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um
diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar
adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar
(MINAYO 2008)
As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software
Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas
Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e
validaccedilatildeo destas
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees
No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma
pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros
relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional
mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os
constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a
complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico
econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata
Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso
ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas
que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta
pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi
imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados
A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a
Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a
39
partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos
que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na
formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)
1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi
tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os
documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas
Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O
ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das
mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade
considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo
correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da
representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja
representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-
accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de
todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de
homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a
criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da
pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo
Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do
estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou
Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as
Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo
delimitada a compreensatildeo do mesmo)
2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as
categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto
foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas
pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de
Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados
No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de
40
Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de
todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma
observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as
categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador
pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado
3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos
resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos
previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram
distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do
referencial teoacuterico
As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office
Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A
26 Aspectos Eacuteticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de
Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas
envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)
Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam
informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a
entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)
27 Limitaccedilatildeo do estudo
A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma
vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros
pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo
interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado
41
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Introduccedilatildeo
A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular
permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida
digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo
como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um
avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo
ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos
sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13
Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as
pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de
desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a
suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as
expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4
Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste
local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia
visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e
socioculturais 56
A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os
membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em
quantidade suficiente e qualidade adequada 37
Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar
que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente
para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as
famiacutelias da regiatildeo 8910
A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
42
venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais
difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311
No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua
aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo
culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da
existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os
universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente
transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua
responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12
Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os
significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores
de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Caminho metodoloacutegico
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das
vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em
torno de representaccedilotildees e simbolismos 13
O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata
do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e
outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo
No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-
accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com
significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta
atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra
proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e
nutricional 811
A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores
das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de
43
saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de
natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314
A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o
corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro
semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O
que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua
famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se
sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram
realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas
na iacutentegra
As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por
Bardin (2011) 15
realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de
todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus
momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram
selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras
(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para
composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das
categorias temaacuteticas
As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316
e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14
e as
influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 5121718
O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)
do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em
respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada
participante recebeu um pseudocircnimo
Resultados
Atores do estudo
As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos
predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino
44
fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas
Categoria I O alimento como essencial agrave vida
A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de
conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia
ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o
alimento ningueacutem viverdquo (Camila)
ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica
fraco E sem comida morrerdquo (Renata)
ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo
(Solange)
Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma
condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo
ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a
gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)
ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a
genterdquo (Fabiana)
As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam
desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma
obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida
ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com
fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a
alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)
ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar
pode ficar desnutridardquo (Margarida)
ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)
O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram
uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos
saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo
destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis
45
ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de
comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e
cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)
ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e
bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora
certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)
ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a
gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)
ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute
seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode
comer em quantidaderdquo (Silvana)
ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a
gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)
Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio
A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade
quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de
desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o
alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante
sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos
foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)
ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute
mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)
ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus
quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar
Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar
na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando
eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)
ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter
de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar
chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu
desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho
46
um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles
pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)
ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo
mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)
Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher
interferindo na partilha
A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a
disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para
todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles
ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura
ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias
tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute
tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)
ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as
cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de
feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)
As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se
sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o
provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu
trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo
ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia
colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou
colocar tudordquo (Patriacutecia)
ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida
e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo
(Fabiana)
Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos
Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na
distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do
47
homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores
quantidades de alimentos
ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando
fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo
tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)
ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser
pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)
ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele
trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega
aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida
suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece
(risos)rdquo (Silvana)
As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns
alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram
de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e
comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo
ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a
gente eacute pobrerdquo (Camila)
ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um
pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha
um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)
ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa
porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo
faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)
Discussatildeo
O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia
e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como
proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das
mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas
13
48
A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais
dos indiviacuteduos 14
Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo
de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como
sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido
colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos
jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas
praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores
socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a
modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas
climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim
houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
intuito de manter a vida 1819
A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das
mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional
trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte
pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito
significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se
encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais
direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021
A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as
mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a
qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras
que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a
populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo
pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo
socioeconocircmica 12
Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo
os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras
saturadas
Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria
baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade 1217
As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua
significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o
consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como
49
complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua
vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na
alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente
acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual
feijatildeo com arroz 22
Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com
prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a
seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223
No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo
socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo
de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da
cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra
accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando
desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores
conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de
complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24
A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de
outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe
problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo
das iniquidades sociais 18
Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila
Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali
habitam 8
Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e
vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava
presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e
psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia
tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada
e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20
eacute possiacutevel perceber
que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional
em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que
possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e
da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e
crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis
perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de
alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve
50
As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da
ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave
Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo
companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por
intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave
vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a
questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25
Em uma casa
pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo
escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26
Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais
importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o
de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras
refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo
tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos 31027
Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e
mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos
filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis
desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente
e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera
privada satildeo delegadas agrave mulher 2829
As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees
hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a
mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das
relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto
culturalmente 29
Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o
seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar
as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada
menos digna do que o trabalho do homem 121730
Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que
exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das
possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita
a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do
homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17
Esta situaccedilatildeo reflete as
51
representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no
domiciacutelio
No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior
pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria
consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus
membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a
mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da
praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da
alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural
mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a
melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam
maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores
necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais
menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para
atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de
alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel
exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para
trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de
priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto
da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227
A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do
indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por
indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma
categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo
enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos
estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231
A alimentaccedilatildeo colocada como
hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia
eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco
colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente
do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822
52
Consideraccedilotildees finais
As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave
alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos
aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos
para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do
homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de
alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os
sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez
refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a
diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo
Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave
violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos
agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e
Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que
proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-
accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo
Referecircncias
1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de
15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e
Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada
institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN
estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar
e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago
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Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito
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13 Minayo MCS O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em Sauacutede Satildeo Paulo
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14 Minayo MCS Ciecircncia Teacutecnica e Arte O desafio da pesquisa social In Minayo
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16 Brasil Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de
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17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de
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18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da
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Estudos Avanccedilados 2007 21 143154
21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho
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22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39
23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e
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Rev Sauacutede Puacuteblica 2012 46 6-15
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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero
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30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o
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modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256
56
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua
distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel
reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como
figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se
deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a
dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as
mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo
com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos
pela sociedade
As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o
objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo
intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres
estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender
fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo
quantitativa
Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico
da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida
humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um
direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da
inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo
dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias
representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees
econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da
monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao
longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees
econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas
refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos
Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos
destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As
principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres
57
Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e
que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo
daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim
foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se
pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a
alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e
motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo
subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade
extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar
extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de
alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da
alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo
Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas
econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais
obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser
estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais
complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo
do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar
do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e
individual
Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se
ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da
Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e
culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes
ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos
58
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64
APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nome___________________________________________________ Data ____________
Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h
Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro
1 Idade __ __ (anos)
2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________
3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo
4 Escolaridade especificar
a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________
b) Ensino fundamental I________________________________________________
c) Ensino fundamental II_______________________________________________
d) Ensino meacutedio______________________________________________________
5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo
Questotildees norteadoras
1 O que agrave senhora entende por alimento
2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia
3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia
4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua
famiacutelia
Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil
65
APEcircNDICE B ndash Grelhas
66
67
68
69
70
71
ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica
72
APEcircNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO
NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE
UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL
LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA
PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis
Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco
Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios
Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa
Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa
O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento
A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas
Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas
e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute
decisatildeo ao contraacuterio
Recife ____ de _________________________de 2007
Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________
Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________
Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________
Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________
Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________
8
ABSTRACT
Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an
individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos
household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a
common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however
this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities
including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore
the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-
familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast
The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The
individual interviews included the following guiding questions What do you understand by
food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute
food to your family members How do you feel when you share food with your family
members This information was interpreted under the light of the following theoretical
constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right
and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption
practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories
food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the
household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in
the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance
of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the
situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the
distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on
their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the
psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels
of nutritional and food insecurity for this population
Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security
9
LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES
DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal
10
SUMAacuteRIO
APRESENTACcedilAtildeO 11
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada 15
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 19
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36
21 Delineamento da Pesquisa 36
22 Cenaacuterio do Estudo 36
23 Participantes do Estudo 37
24 Coleta das Informaccedilotildees 37
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38
26 Aspectos Eacuteticos 40
27 Limitaccedilotildees do estudo40
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
REFEREcircNCIAS 58
APEcircNDICE A64
APEcircNCIDE B65
ANEXO A71
APEcircNCIDE C72
11
APRESENTACcedilAtildeO
A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres
humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos
indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser
algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos
culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz
de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)
O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos
inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos
imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave
criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha
brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos
seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003
SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)
O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes
envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se
deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de
visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de
festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio
diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de
alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses
indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a
dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos
socioculturalmente
A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra
coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao
atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua
funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por
ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas
alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros
tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)
12
Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os
membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002
VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato
pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das
necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e
nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da
alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na
alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo
transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que
estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006
PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)
Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de
alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e
nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de
alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a
necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual
(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados
para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da
renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de
recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila
alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes
deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar
tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta
dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA
2008)
No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo
seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute
associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa
vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e
nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os
13
universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente
transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade
aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)
Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma
realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos
salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com
as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade
financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS
RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de
trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do
Nordeste do Brasil
Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da
responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo
quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que
residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como
objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a
percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira
As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se
estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez
alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica
atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a
relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos
significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que
vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o
desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas
que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza
A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a
partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil
ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as
influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia
sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
14
com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte
tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a
quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa
O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos
Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores
canavieiros nas praacuteticas alimentares
15
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada
A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito
de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas
alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social
econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a
dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)
Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da
concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e
saudaacutevel
A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades
nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes
(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha
de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se
adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar
Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio
socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade
adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na
alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo
das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre
os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo
na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo
estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica
Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto
72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e
avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-
16
disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-
educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda
no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo
deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-
raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um
privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das
iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada
indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles
indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade
O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis
global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que
medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita
Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias
sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas
caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente
utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de
percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta
condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas
do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo
ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido
promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo
interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um
consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al
2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e
nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de
qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade
para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou
contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras
17
tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao
DHAA (LEAtildeO 2013)
Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida
das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que
todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a
inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez
engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente
de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a
Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila
alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de
que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da
famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da
famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)
Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987
SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e
que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN
PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores
socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de
alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores
que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da
seguranccedilainseguranccedila alimentar
A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada
nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode
ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e
da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da
alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano
seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros
satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste
sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo
18
psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral
estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos
indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes
estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na
tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas
em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar
trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que
todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada
indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma
alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade
Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar
pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos
Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila
O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores
necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades
o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)
Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as
suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais
A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom
funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo
alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma
alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais
especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico
beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas
alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002
PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute
possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades
O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar
e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento
ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado
alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em
19
carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da
populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se
um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos
padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-
CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo
Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos
A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos
problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia
nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual
habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome
oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto
agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma
consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma
alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa
seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e
percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)
Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os
aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares
Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-
geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio
identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica
econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem
sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares
(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o
decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem
tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e
sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON
20
1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica
alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo
que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o
olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo
contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto
independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo
brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial
A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com
a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma
miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e
escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs
influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades
encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como
clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas
essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia
eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco
colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em
grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores
ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos
O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e
que refletem na alimentaccedilatildeo atual
No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge
mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos
alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma
necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de
alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos
seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos
indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem
desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui
viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca
alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais
importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o
21
alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje
na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas
Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute
possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa
brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)
Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da
incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma
monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era
praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim
escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo
com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a
sobrevivecircncia
Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute
possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O
modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a
monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em
relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo
dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes
inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como
frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de
agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os
agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e
utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado
(BRASIL 2006)
A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do
suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos
mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas
fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido
(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas
verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial
continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)
22
Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O
primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica
cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos
alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico
baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que
condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de
haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o
enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto
qualitativo
No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se
obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados
consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em
Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos
gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute
um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os
feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000
PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem
histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das
famiacutelias brasileiras
Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas
pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram
a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento
o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo
XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se
ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como
terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-
se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo
Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por
volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter
contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das
famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o
arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da
modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo
23
tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o
consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel
Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se
torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no
Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas
Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em
Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo
eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem
ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do
Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo
simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL
2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma
diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha
brasileira
O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos
refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria
ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees
se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande
deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o
crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa
aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em
queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande
oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do
seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante
apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)
Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento
de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma
alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e
agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante
o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se
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concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano
desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)
Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de
povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX
quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de
emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande
diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e
outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram
presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas
diferentes regiotildees do Brasil
A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto
concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando
este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no
Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou
uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as
famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)
A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam
braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de
mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma
elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra
situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer
as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda
hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute
de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da
escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do
Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de
famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional
Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social
colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora
indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado
25
por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A
partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista
Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a
receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo
consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar
do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)
O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha
com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade
de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da
populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o
consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo
consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de
minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo
das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois
aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na
alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo
bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar
Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo
para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das
praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo
observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo
bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se
sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo
no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar
equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial
era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional
Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a
disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos
alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem
presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de
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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas
sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura
militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras
permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo
(VASCONCELOS 2005)
O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de
democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para
superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como
justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e
ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura
militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de
direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e
prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)
No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o
seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os
produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui
para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de
famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil
confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute
possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute
inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se
necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares
A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo
no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a
natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o
alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em
expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas
alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores
crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo
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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras
dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI
2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre
quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas
(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH
2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a
perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam
arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o
entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua
histoacuteria
Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram
adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)
Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como
se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)
Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns
alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante
apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos
(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter
nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo
O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo
Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo
modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de
culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a
constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades
bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA
2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares
delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo
relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo
social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros
grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com
determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo
menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social
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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de
pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a
identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave
sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo
ao sabor do alimento
A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar
uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas
categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas
culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de
ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas
estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por
poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam
maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o
paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria
relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo
situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)
Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de
alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre
as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes
alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As
diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos
alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como
ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo
faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas
alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute
necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da
Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda
que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis
Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos
de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida
eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo
enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste
29
modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres
Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no
valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos
que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles
ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro
(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como
responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo
Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes
que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas
de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois
somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e
verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos
tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais
A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas
na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da
personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores
puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A
apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos
porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do
imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou
que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos
produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer
aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas
que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si
mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo
natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento
deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como
socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute
bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre
ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos
ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes
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A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente
na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares
satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares
podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das
formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)
Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou
consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero
(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de
alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)
Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute
diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de
provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e
dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais
na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado
historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo
considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)
Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a
dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada
sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente
atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)
Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao
afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas
geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo
domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem
deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura
masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou
colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas
aos homens comuns (ROMANELLI 2006)
Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e
este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o
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preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua
responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente
rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela
tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar
determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)
Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante
destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que
refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)
A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a
quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e
muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente
durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa
tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE
2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e
a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)
Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade
e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta
ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute
possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute
priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI
1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER
ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de
alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-
CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais
prejudicada
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte
do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho
Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos
colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para
o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne
32
pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos
tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de
uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou
religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com
outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o
status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato
do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase
sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem
alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda
famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o
sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo
do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da
necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana
As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser
visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas
Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade
de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo
caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e
priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees
comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986
CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002
RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)
Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais
mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al
2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As
implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam
situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais
Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua
suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma
alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na
33
disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma
equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter
conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem
tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e
disponibilidade adequadas
Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente
familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a
transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem
ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na
porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem
focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA
2008)
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem
desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta
agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo
de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a
exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta
a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias
que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-
obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de
iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas
estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as
cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-
de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com
muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)
Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve
atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura
Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para
34
contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da
degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-
accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees
produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional
(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute
mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo
O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado
quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade
Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua
uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos
realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO
MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural
na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de
matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas
uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo
substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente
dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor
puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo
diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua
consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento
das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento
sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)
Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas
agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta
situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias
outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e
amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas
de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de
restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia
receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo
35
garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo
adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes
para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)
O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade
possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que
refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo
fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas
com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias
de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes
36
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO
21 Delineamento da Pesquisa
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao
objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas
que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de
representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o
campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa
usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO
2005)
O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer
relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando
e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de
intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a
compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade
interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes
tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os
significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira
22 Cenaacuterio do Estudo
O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do
Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de
Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de
27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo
territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste
municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo
territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute
mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares
com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por
hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo
lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo
37
1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000
(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste
municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades
ligadas a este produto principalmente o corte
No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano
Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este
iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de
0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)
23 Participantes do Estudo
O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de
cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de
Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de
Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo
As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de
amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a
interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio
de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas
(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por
pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as
questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo
da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)
24 Coleta de Informaccedilotildees
A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo
considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior
instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase
da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo
A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um
roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees
norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas
escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um
38
pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo
da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a
entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas
As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que
significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os
alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os
membros de sua famiacutelia
A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha
liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um
diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar
adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar
(MINAYO 2008)
As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software
Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas
Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e
validaccedilatildeo destas
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees
No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma
pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros
relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional
mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os
constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a
complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico
econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata
Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso
ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas
que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta
pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi
imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados
A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a
Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a
39
partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos
que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na
formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)
1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi
tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os
documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas
Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O
ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das
mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade
considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo
correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da
representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja
representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-
accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de
todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de
homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a
criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da
pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo
Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do
estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou
Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as
Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo
delimitada a compreensatildeo do mesmo)
2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as
categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto
foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas
pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de
Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados
No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de
40
Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de
todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma
observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as
categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador
pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado
3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos
resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos
previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram
distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do
referencial teoacuterico
As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office
Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A
26 Aspectos Eacuteticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de
Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas
envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)
Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam
informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a
entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)
27 Limitaccedilatildeo do estudo
A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma
vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros
pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo
interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado
41
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Introduccedilatildeo
A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular
permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida
digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo
como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um
avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo
ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos
sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13
Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as
pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de
desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a
suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as
expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4
Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste
local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia
visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e
socioculturais 56
A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os
membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em
quantidade suficiente e qualidade adequada 37
Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar
que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente
para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as
famiacutelias da regiatildeo 8910
A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
42
venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais
difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311
No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua
aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo
culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da
existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os
universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente
transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua
responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12
Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os
significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores
de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Caminho metodoloacutegico
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das
vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em
torno de representaccedilotildees e simbolismos 13
O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata
do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e
outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo
No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-
accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com
significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta
atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra
proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e
nutricional 811
A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores
das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de
43
saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de
natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314
A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o
corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro
semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O
que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua
famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se
sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram
realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas
na iacutentegra
As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por
Bardin (2011) 15
realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de
todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus
momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram
selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras
(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para
composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das
categorias temaacuteticas
As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316
e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14
e as
influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 5121718
O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)
do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em
respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada
participante recebeu um pseudocircnimo
Resultados
Atores do estudo
As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos
predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino
44
fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas
Categoria I O alimento como essencial agrave vida
A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de
conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia
ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o
alimento ningueacutem viverdquo (Camila)
ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica
fraco E sem comida morrerdquo (Renata)
ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo
(Solange)
Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma
condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo
ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a
gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)
ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a
genterdquo (Fabiana)
As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam
desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma
obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida
ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com
fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a
alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)
ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar
pode ficar desnutridardquo (Margarida)
ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)
O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram
uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos
saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo
destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis
45
ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de
comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e
cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)
ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e
bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora
certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)
ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a
gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)
ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute
seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode
comer em quantidaderdquo (Silvana)
ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a
gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)
Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio
A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade
quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de
desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o
alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante
sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos
foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)
ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute
mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)
ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus
quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar
Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar
na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando
eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)
ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter
de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar
chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu
desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho
46
um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles
pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)
ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo
mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)
Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher
interferindo na partilha
A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a
disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para
todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles
ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura
ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias
tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute
tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)
ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as
cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de
feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)
As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se
sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o
provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu
trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo
ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia
colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou
colocar tudordquo (Patriacutecia)
ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida
e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo
(Fabiana)
Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos
Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na
distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do
47
homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores
quantidades de alimentos
ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando
fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo
tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)
ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser
pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)
ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele
trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega
aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida
suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece
(risos)rdquo (Silvana)
As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns
alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram
de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e
comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo
ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a
gente eacute pobrerdquo (Camila)
ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um
pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha
um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)
ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa
porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo
faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)
Discussatildeo
O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia
e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como
proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das
mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas
13
48
A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais
dos indiviacuteduos 14
Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo
de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como
sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido
colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos
jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas
praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores
socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a
modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas
climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim
houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
intuito de manter a vida 1819
A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das
mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional
trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte
pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito
significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se
encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais
direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021
A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as
mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a
qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras
que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a
populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo
pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo
socioeconocircmica 12
Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo
os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras
saturadas
Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria
baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade 1217
As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua
significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o
consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como
49
complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua
vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na
alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente
acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual
feijatildeo com arroz 22
Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com
prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a
seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223
No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo
socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo
de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da
cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra
accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando
desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores
conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de
complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24
A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de
outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe
problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo
das iniquidades sociais 18
Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila
Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali
habitam 8
Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e
vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava
presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e
psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia
tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada
e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20
eacute possiacutevel perceber
que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional
em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que
possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e
da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e
crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis
perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de
alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve
50
As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da
ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave
Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo
companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por
intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave
vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a
questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25
Em uma casa
pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo
escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26
Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais
importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o
de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras
refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo
tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos 31027
Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e
mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos
filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis
desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente
e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera
privada satildeo delegadas agrave mulher 2829
As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees
hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a
mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das
relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto
culturalmente 29
Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o
seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar
as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada
menos digna do que o trabalho do homem 121730
Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que
exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das
possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita
a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do
homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17
Esta situaccedilatildeo reflete as
51
representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no
domiciacutelio
No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior
pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria
consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus
membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a
mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da
praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da
alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural
mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a
melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam
maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores
necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais
menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para
atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de
alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel
exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para
trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de
priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto
da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227
A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do
indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por
indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma
categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo
enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos
estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231
A alimentaccedilatildeo colocada como
hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia
eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco
colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente
do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822
52
Consideraccedilotildees finais
As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave
alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos
aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos
para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do
homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de
alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os
sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez
refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a
diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo
Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave
violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos
agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e
Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que
proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-
accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo
Referecircncias
1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de
15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e
Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada
institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN
estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar
e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago
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23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e
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56
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua
distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel
reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como
figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se
deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a
dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as
mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo
com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos
pela sociedade
As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o
objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo
intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres
estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender
fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo
quantitativa
Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico
da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida
humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um
direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da
inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo
dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias
representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees
econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da
monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao
longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees
econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas
refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos
Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos
destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As
principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres
57
Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e
que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo
daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim
foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se
pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a
alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e
motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo
subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade
extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar
extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de
alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da
alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo
Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas
econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais
obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser
estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais
complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo
do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar
do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e
individual
Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se
ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da
Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e
culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes
ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos
58
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64
APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nome___________________________________________________ Data ____________
Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h
Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro
1 Idade __ __ (anos)
2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________
3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo
4 Escolaridade especificar
a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________
b) Ensino fundamental I________________________________________________
c) Ensino fundamental II_______________________________________________
d) Ensino meacutedio______________________________________________________
5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo
Questotildees norteadoras
1 O que agrave senhora entende por alimento
2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia
3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia
4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua
famiacutelia
Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil
65
APEcircNDICE B ndash Grelhas
66
67
68
69
70
71
ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica
72
APEcircNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO
NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE
UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL
LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA
PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis
Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco
Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios
Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa
Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa
O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento
A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas
Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas
e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute
decisatildeo ao contraacuterio
Recife ____ de _________________________de 2007
Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________
Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________
Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________
Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________
Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________
9
LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES
DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal
10
SUMAacuteRIO
APRESENTACcedilAtildeO 11
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada 15
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 19
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36
21 Delineamento da Pesquisa 36
22 Cenaacuterio do Estudo 36
23 Participantes do Estudo 37
24 Coleta das Informaccedilotildees 37
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38
26 Aspectos Eacuteticos 40
27 Limitaccedilotildees do estudo40
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
REFEREcircNCIAS 58
APEcircNDICE A64
APEcircNCIDE B65
ANEXO A71
APEcircNCIDE C72
11
APRESENTACcedilAtildeO
A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres
humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos
indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser
algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos
culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz
de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)
O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos
inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos
imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave
criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha
brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos
seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003
SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)
O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes
envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se
deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de
visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de
festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio
diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de
alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses
indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a
dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos
socioculturalmente
A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra
coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao
atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua
funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por
ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas
alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros
tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)
12
Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os
membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002
VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato
pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das
necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e
nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da
alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na
alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo
transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que
estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006
PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)
Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de
alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e
nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de
alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a
necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual
(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados
para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da
renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de
recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila
alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes
deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar
tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta
dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA
2008)
No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo
seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute
associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa
vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e
nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os
13
universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente
transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade
aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)
Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma
realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos
salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com
as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade
financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS
RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de
trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do
Nordeste do Brasil
Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da
responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo
quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que
residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como
objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a
percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira
As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se
estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez
alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica
atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a
relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos
significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que
vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o
desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas
que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza
A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a
partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil
ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as
influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia
sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
14
com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte
tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a
quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa
O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos
Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores
canavieiros nas praacuteticas alimentares
15
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada
A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito
de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas
alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social
econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a
dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)
Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da
concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e
saudaacutevel
A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades
nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes
(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha
de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se
adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar
Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio
socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade
adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na
alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo
das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre
os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo
na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo
estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica
Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto
72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e
avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-
16
disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-
educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda
no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo
deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-
raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um
privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das
iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada
indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles
indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade
O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis
global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que
medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita
Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias
sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas
caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente
utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de
percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta
condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas
do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo
ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido
promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo
interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um
consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al
2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e
nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de
qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade
para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou
contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras
17
tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao
DHAA (LEAtildeO 2013)
Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida
das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que
todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a
inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez
engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente
de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a
Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila
alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de
que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da
famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da
famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)
Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987
SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e
que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN
PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores
socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de
alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores
que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da
seguranccedilainseguranccedila alimentar
A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada
nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode
ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e
da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da
alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano
seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros
satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste
sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo
18
psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral
estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos
indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes
estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na
tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas
em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar
trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que
todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada
indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma
alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade
Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar
pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos
Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila
O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores
necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades
o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)
Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as
suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais
A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom
funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo
alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma
alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais
especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico
beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas
alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002
PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute
possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades
O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar
e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento
ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado
alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em
19
carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da
populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se
um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos
padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-
CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo
Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos
A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos
problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia
nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual
habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome
oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto
agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma
consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma
alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa
seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e
percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)
Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os
aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares
Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-
geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio
identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica
econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem
sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares
(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o
decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem
tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e
sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON
20
1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica
alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo
que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o
olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo
contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto
independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo
brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial
A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com
a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma
miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e
escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs
influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades
encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como
clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas
essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia
eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco
colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em
grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores
ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos
O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e
que refletem na alimentaccedilatildeo atual
No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge
mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos
alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma
necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de
alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos
seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos
indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem
desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui
viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca
alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais
importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o
21
alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje
na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas
Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute
possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa
brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)
Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da
incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma
monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era
praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim
escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo
com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a
sobrevivecircncia
Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute
possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O
modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a
monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em
relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo
dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes
inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como
frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de
agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os
agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e
utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado
(BRASIL 2006)
A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do
suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos
mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas
fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido
(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas
verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial
continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)
22
Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O
primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica
cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos
alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico
baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que
condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de
haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o
enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto
qualitativo
No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se
obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados
consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em
Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos
gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute
um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os
feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000
PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem
histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das
famiacutelias brasileiras
Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas
pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram
a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento
o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo
XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se
ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como
terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-
se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo
Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por
volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter
contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das
famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o
arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da
modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo
23
tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o
consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel
Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se
torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no
Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas
Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em
Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo
eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem
ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do
Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo
simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL
2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma
diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha
brasileira
O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos
refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria
ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees
se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande
deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o
crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa
aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em
queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande
oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do
seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante
apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)
Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento
de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma
alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e
agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante
o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se
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concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano
desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)
Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de
povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX
quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de
emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande
diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e
outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram
presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas
diferentes regiotildees do Brasil
A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto
concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando
este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no
Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou
uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as
famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)
A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam
braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de
mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma
elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra
situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer
as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda
hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute
de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da
escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do
Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de
famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional
Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social
colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora
indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado
25
por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A
partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista
Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a
receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo
consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar
do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)
O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha
com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade
de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da
populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o
consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo
consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de
minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo
das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois
aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na
alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo
bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar
Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo
para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das
praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo
observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo
bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se
sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo
no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar
equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial
era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional
Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a
disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos
alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem
presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de
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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas
sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura
militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras
permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo
(VASCONCELOS 2005)
O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de
democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para
superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como
justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e
ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura
militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de
direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e
prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)
No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o
seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os
produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui
para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de
famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil
confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute
possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute
inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se
necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares
A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo
no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a
natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o
alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em
expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas
alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores
crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo
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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras
dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI
2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre
quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas
(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH
2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a
perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam
arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o
entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua
histoacuteria
Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram
adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)
Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como
se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)
Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns
alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante
apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos
(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter
nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo
O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo
Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo
modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de
culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a
constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades
bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA
2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares
delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo
relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo
social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros
grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com
determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo
menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social
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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de
pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a
identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave
sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo
ao sabor do alimento
A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar
uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas
categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas
culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de
ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas
estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por
poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam
maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o
paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria
relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo
situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)
Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de
alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre
as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes
alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As
diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos
alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como
ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo
faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas
alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute
necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da
Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda
que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis
Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos
de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida
eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo
enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste
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modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres
Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no
valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos
que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles
ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro
(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como
responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo
Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes
que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas
de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois
somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e
verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos
tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais
A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas
na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da
personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores
puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A
apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos
porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do
imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou
que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos
produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer
aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas
que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si
mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo
natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento
deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como
socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute
bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre
ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos
ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes
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A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente
na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares
satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares
podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das
formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)
Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou
consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero
(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de
alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)
Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute
diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de
provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e
dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais
na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado
historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo
considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)
Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a
dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada
sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente
atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)
Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao
afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas
geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo
domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem
deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura
masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou
colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas
aos homens comuns (ROMANELLI 2006)
Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e
este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o
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preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua
responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente
rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela
tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar
determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)
Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante
destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que
refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)
A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a
quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e
muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente
durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa
tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE
2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e
a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)
Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade
e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta
ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute
possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute
priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI
1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER
ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de
alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-
CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais
prejudicada
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte
do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho
Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos
colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para
o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne
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pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos
tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de
uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou
religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com
outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o
status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato
do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase
sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem
alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda
famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o
sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo
do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da
necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana
As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser
visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas
Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade
de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo
caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e
priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees
comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986
CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002
RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)
Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais
mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al
2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As
implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam
situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais
Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua
suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma
alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na
33
disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma
equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter
conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem
tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e
disponibilidade adequadas
Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente
familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a
transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem
ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na
porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem
focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA
2008)
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem
desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta
agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo
de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a
exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta
a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias
que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-
obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de
iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas
estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as
cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-
de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com
muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)
Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve
atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura
Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para
34
contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da
degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-
accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees
produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional
(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute
mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo
O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado
quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade
Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua
uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos
realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO
MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural
na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de
matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas
uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo
substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente
dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor
puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo
diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua
consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento
das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento
sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)
Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas
agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta
situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias
outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e
amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas
de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de
restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia
receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo
35
garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo
adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes
para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)
O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade
possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que
refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo
fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas
com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias
de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes
36
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO
21 Delineamento da Pesquisa
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao
objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas
que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de
representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o
campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa
usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO
2005)
O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer
relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando
e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de
intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a
compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade
interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes
tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os
significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira
22 Cenaacuterio do Estudo
O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do
Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de
Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de
27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo
territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste
municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo
territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute
mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares
com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por
hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo
lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo
37
1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000
(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste
municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades
ligadas a este produto principalmente o corte
No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano
Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este
iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de
0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)
23 Participantes do Estudo
O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de
cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de
Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de
Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo
As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de
amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a
interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio
de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas
(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por
pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as
questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo
da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)
24 Coleta de Informaccedilotildees
A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo
considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior
instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase
da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo
A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um
roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees
norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas
escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um
38
pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo
da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a
entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas
As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que
significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os
alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os
membros de sua famiacutelia
A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha
liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um
diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar
adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar
(MINAYO 2008)
As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software
Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas
Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e
validaccedilatildeo destas
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees
No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma
pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros
relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional
mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os
constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a
complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico
econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata
Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso
ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas
que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta
pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi
imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados
A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a
Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a
39
partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos
que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na
formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)
1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi
tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os
documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas
Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O
ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das
mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade
considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo
correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da
representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja
representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-
accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de
todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de
homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a
criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da
pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo
Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do
estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou
Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as
Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo
delimitada a compreensatildeo do mesmo)
2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as
categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto
foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas
pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de
Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados
No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de
40
Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de
todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma
observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as
categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador
pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado
3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos
resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos
previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram
distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do
referencial teoacuterico
As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office
Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A
26 Aspectos Eacuteticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de
Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas
envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)
Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam
informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a
entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)
27 Limitaccedilatildeo do estudo
A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma
vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros
pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo
interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado
41
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Introduccedilatildeo
A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular
permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida
digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo
como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um
avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo
ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos
sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13
Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as
pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de
desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a
suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as
expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4
Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste
local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia
visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e
socioculturais 56
A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os
membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em
quantidade suficiente e qualidade adequada 37
Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar
que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente
para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as
famiacutelias da regiatildeo 8910
A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
42
venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais
difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311
No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua
aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo
culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da
existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os
universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente
transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua
responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12
Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os
significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores
de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Caminho metodoloacutegico
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das
vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em
torno de representaccedilotildees e simbolismos 13
O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata
do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e
outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo
No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-
accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com
significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta
atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra
proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e
nutricional 811
A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores
das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de
43
saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de
natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314
A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o
corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro
semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O
que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua
famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se
sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram
realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas
na iacutentegra
As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por
Bardin (2011) 15
realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de
todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus
momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram
selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras
(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para
composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das
categorias temaacuteticas
As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316
e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14
e as
influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 5121718
O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)
do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em
respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada
participante recebeu um pseudocircnimo
Resultados
Atores do estudo
As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos
predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino
44
fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas
Categoria I O alimento como essencial agrave vida
A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de
conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia
ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o
alimento ningueacutem viverdquo (Camila)
ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica
fraco E sem comida morrerdquo (Renata)
ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo
(Solange)
Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma
condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo
ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a
gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)
ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a
genterdquo (Fabiana)
As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam
desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma
obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida
ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com
fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a
alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)
ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar
pode ficar desnutridardquo (Margarida)
ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)
O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram
uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos
saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo
destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis
45
ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de
comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e
cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)
ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e
bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora
certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)
ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a
gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)
ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute
seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode
comer em quantidaderdquo (Silvana)
ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a
gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)
Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio
A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade
quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de
desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o
alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante
sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos
foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)
ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute
mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)
ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus
quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar
Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar
na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando
eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)
ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter
de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar
chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu
desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho
46
um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles
pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)
ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo
mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)
Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher
interferindo na partilha
A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a
disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para
todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles
ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura
ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias
tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute
tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)
ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as
cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de
feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)
As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se
sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o
provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu
trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo
ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia
colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou
colocar tudordquo (Patriacutecia)
ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida
e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo
(Fabiana)
Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos
Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na
distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do
47
homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores
quantidades de alimentos
ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando
fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo
tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)
ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser
pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)
ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele
trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega
aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida
suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece
(risos)rdquo (Silvana)
As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns
alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram
de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e
comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo
ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a
gente eacute pobrerdquo (Camila)
ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um
pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha
um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)
ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa
porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo
faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)
Discussatildeo
O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia
e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como
proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das
mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas
13
48
A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais
dos indiviacuteduos 14
Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo
de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como
sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido
colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos
jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas
praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores
socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a
modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas
climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim
houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
intuito de manter a vida 1819
A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das
mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional
trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte
pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito
significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se
encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais
direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021
A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as
mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a
qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras
que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a
populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo
pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo
socioeconocircmica 12
Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo
os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras
saturadas
Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria
baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade 1217
As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua
significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o
consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como
49
complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua
vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na
alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente
acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual
feijatildeo com arroz 22
Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com
prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a
seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223
No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo
socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo
de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da
cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra
accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando
desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores
conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de
complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24
A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de
outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe
problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo
das iniquidades sociais 18
Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila
Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali
habitam 8
Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e
vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava
presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e
psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia
tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada
e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20
eacute possiacutevel perceber
que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional
em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que
possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e
da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e
crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis
perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de
alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve
50
As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da
ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave
Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo
companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por
intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave
vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a
questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25
Em uma casa
pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo
escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26
Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais
importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o
de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras
refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo
tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos 31027
Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e
mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos
filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis
desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente
e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera
privada satildeo delegadas agrave mulher 2829
As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees
hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a
mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das
relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto
culturalmente 29
Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o
seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar
as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada
menos digna do que o trabalho do homem 121730
Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que
exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das
possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita
a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do
homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17
Esta situaccedilatildeo reflete as
51
representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no
domiciacutelio
No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior
pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria
consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus
membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a
mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da
praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da
alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural
mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a
melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam
maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores
necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais
menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para
atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de
alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel
exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para
trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de
priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto
da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227
A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do
indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por
indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma
categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo
enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos
estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231
A alimentaccedilatildeo colocada como
hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia
eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco
colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente
do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822
52
Consideraccedilotildees finais
As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave
alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos
aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos
para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do
homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de
alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os
sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez
refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a
diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo
Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave
violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos
agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e
Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que
proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-
accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo
Referecircncias
1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de
15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e
Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada
institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN
estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar
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56
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua
distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel
reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como
figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se
deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a
dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as
mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo
com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos
pela sociedade
As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o
objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo
intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres
estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender
fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo
quantitativa
Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico
da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida
humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um
direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da
inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo
dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias
representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees
econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da
monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao
longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees
econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas
refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos
Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos
destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As
principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres
57
Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e
que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo
daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim
foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se
pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a
alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e
motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo
subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade
extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar
extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de
alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da
alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo
Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas
econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais
obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser
estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais
complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo
do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar
do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e
individual
Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se
ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da
Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e
culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes
ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos
58
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64
APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nome___________________________________________________ Data ____________
Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h
Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro
1 Idade __ __ (anos)
2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________
3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo
4 Escolaridade especificar
a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________
b) Ensino fundamental I________________________________________________
c) Ensino fundamental II_______________________________________________
d) Ensino meacutedio______________________________________________________
5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo
Questotildees norteadoras
1 O que agrave senhora entende por alimento
2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia
3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia
4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua
famiacutelia
Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil
65
APEcircNDICE B ndash Grelhas
66
67
68
69
70
71
ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica
72
APEcircNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO
NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE
UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL
LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA
PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis
Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco
Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios
Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa
Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa
O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento
A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas
Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas
e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute
decisatildeo ao contraacuterio
Recife ____ de _________________________de 2007
Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________
Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________
Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________
Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________
Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________
10
SUMAacuteRIO
APRESENTACcedilAtildeO 11
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada 15
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 19
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36
21 Delineamento da Pesquisa 36
22 Cenaacuterio do Estudo 36
23 Participantes do Estudo 37
24 Coleta das Informaccedilotildees 37
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38
26 Aspectos Eacuteticos 40
27 Limitaccedilotildees do estudo40
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
REFEREcircNCIAS 58
APEcircNDICE A64
APEcircNCIDE B65
ANEXO A71
APEcircNCIDE C72
11
APRESENTACcedilAtildeO
A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres
humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos
indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser
algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos
culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz
de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)
O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos
inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos
imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave
criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha
brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos
seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003
SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)
O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes
envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se
deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de
visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de
festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio
diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de
alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses
indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a
dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos
socioculturalmente
A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra
coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao
atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua
funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por
ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas
alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros
tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)
12
Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os
membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002
VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato
pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das
necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e
nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da
alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na
alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo
transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que
estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006
PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)
Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de
alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e
nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de
alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a
necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual
(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados
para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da
renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de
recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila
alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes
deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar
tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta
dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA
2008)
No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo
seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute
associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa
vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e
nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os
13
universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente
transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade
aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)
Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma
realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos
salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com
as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade
financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS
RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de
trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do
Nordeste do Brasil
Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da
responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo
quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que
residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como
objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a
percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira
As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se
estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez
alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica
atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a
relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos
significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que
vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o
desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas
que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza
A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a
partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil
ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as
influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia
sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
14
com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte
tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a
quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa
O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos
Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores
canavieiros nas praacuteticas alimentares
15
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada
A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito
de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas
alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social
econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a
dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)
Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da
concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e
saudaacutevel
A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades
nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes
(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha
de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se
adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar
Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio
socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade
adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na
alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo
das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre
os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo
na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo
estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica
Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto
72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e
avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-
16
disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-
educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda
no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo
deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-
raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um
privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das
iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada
indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles
indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade
O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis
global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que
medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita
Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias
sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas
caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente
utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de
percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta
condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas
do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo
ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido
promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo
interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um
consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al
2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e
nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de
qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade
para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou
contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras
17
tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao
DHAA (LEAtildeO 2013)
Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida
das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que
todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a
inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez
engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente
de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a
Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila
alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de
que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da
famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da
famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)
Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987
SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e
que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN
PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores
socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de
alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores
que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da
seguranccedilainseguranccedila alimentar
A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada
nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode
ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e
da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da
alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano
seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros
satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste
sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo
18
psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral
estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos
indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes
estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na
tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas
em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar
trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que
todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada
indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma
alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade
Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar
pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos
Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila
O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores
necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades
o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)
Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as
suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais
A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom
funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo
alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma
alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais
especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico
beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas
alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002
PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute
possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades
O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar
e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento
ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado
alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em
19
carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da
populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se
um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos
padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-
CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo
Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos
A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos
problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia
nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual
habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome
oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto
agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma
consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma
alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa
seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e
percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)
Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os
aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares
Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-
geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio
identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica
econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem
sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares
(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o
decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem
tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e
sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON
20
1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica
alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo
que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o
olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo
contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto
independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo
brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial
A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com
a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma
miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e
escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs
influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades
encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como
clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas
essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia
eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco
colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em
grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores
ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos
O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e
que refletem na alimentaccedilatildeo atual
No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge
mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos
alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma
necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de
alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos
seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos
indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem
desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui
viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca
alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais
importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o
21
alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje
na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas
Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute
possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa
brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)
Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da
incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma
monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era
praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim
escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo
com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a
sobrevivecircncia
Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute
possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O
modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a
monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em
relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo
dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes
inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como
frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de
agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os
agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e
utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado
(BRASIL 2006)
A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do
suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos
mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas
fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido
(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas
verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial
continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)
22
Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O
primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica
cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos
alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico
baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que
condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de
haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o
enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto
qualitativo
No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se
obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados
consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em
Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos
gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute
um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os
feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000
PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem
histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das
famiacutelias brasileiras
Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas
pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram
a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento
o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo
XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se
ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como
terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-
se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo
Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por
volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter
contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das
famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o
arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da
modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo
23
tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o
consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel
Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se
torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no
Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas
Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em
Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo
eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem
ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do
Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo
simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL
2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma
diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha
brasileira
O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos
refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria
ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees
se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande
deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o
crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa
aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em
queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande
oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do
seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante
apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)
Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento
de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma
alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e
agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante
o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se
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concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano
desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)
Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de
povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX
quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de
emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande
diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e
outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram
presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas
diferentes regiotildees do Brasil
A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto
concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando
este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no
Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou
uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as
famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)
A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam
braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de
mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma
elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra
situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer
as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda
hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute
de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da
escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do
Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de
famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional
Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social
colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora
indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado
25
por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A
partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista
Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a
receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo
consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar
do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)
O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha
com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade
de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da
populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o
consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo
consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de
minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo
das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois
aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na
alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo
bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar
Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo
para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das
praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo
observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo
bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se
sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo
no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar
equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial
era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional
Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a
disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos
alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem
presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de
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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas
sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura
militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras
permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo
(VASCONCELOS 2005)
O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de
democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para
superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como
justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e
ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura
militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de
direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e
prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)
No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o
seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os
produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui
para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de
famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil
confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute
possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute
inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se
necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares
A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo
no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a
natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o
alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em
expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas
alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores
crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo
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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras
dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI
2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre
quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas
(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH
2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a
perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam
arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o
entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua
histoacuteria
Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram
adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)
Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como
se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)
Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns
alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante
apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos
(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter
nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo
O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo
Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo
modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de
culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a
constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades
bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA
2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares
delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo
relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo
social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros
grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com
determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo
menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social
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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de
pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a
identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave
sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo
ao sabor do alimento
A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar
uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas
categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas
culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de
ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas
estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por
poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam
maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o
paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria
relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo
situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)
Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de
alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre
as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes
alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As
diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos
alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como
ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo
faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas
alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute
necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da
Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda
que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis
Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos
de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida
eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo
enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste
29
modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres
Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no
valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos
que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles
ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro
(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como
responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo
Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes
que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas
de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois
somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e
verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos
tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais
A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas
na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da
personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores
puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A
apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos
porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do
imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou
que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos
produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer
aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas
que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si
mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo
natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento
deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como
socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute
bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre
ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos
ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes
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A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente
na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares
satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares
podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das
formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)
Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou
consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero
(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de
alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)
Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute
diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de
provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e
dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais
na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado
historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo
considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)
Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a
dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada
sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente
atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)
Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao
afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas
geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo
domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem
deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura
masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou
colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas
aos homens comuns (ROMANELLI 2006)
Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e
este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o
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preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua
responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente
rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela
tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar
determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)
Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante
destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que
refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)
A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a
quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e
muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente
durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa
tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE
2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e
a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)
Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade
e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta
ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute
possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute
priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI
1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER
ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de
alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-
CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais
prejudicada
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte
do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho
Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos
colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para
o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne
32
pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos
tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de
uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou
religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com
outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o
status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato
do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase
sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem
alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda
famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o
sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo
do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da
necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana
As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser
visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas
Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade
de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo
caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e
priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees
comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986
CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002
RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)
Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais
mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al
2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As
implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam
situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais
Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua
suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma
alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na
33
disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma
equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter
conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem
tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e
disponibilidade adequadas
Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente
familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a
transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem
ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na
porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem
focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA
2008)
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem
desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta
agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo
de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a
exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta
a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias
que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-
obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de
iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas
estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as
cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-
de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com
muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)
Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve
atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura
Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para
34
contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da
degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-
accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees
produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional
(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute
mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo
O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado
quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade
Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua
uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos
realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO
MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural
na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de
matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas
uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo
substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente
dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor
puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo
diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua
consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento
das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento
sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)
Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas
agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta
situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias
outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e
amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas
de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de
restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia
receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo
35
garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo
adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes
para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)
O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade
possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que
refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo
fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas
com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias
de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes
36
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO
21 Delineamento da Pesquisa
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao
objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas
que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de
representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o
campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa
usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO
2005)
O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer
relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando
e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de
intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a
compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade
interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes
tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os
significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira
22 Cenaacuterio do Estudo
O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do
Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de
Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de
27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo
territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste
municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo
territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute
mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares
com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por
hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo
lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo
37
1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000
(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste
municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades
ligadas a este produto principalmente o corte
No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano
Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este
iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de
0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)
23 Participantes do Estudo
O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de
cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de
Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de
Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo
As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de
amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a
interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio
de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas
(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por
pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as
questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo
da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)
24 Coleta de Informaccedilotildees
A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo
considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior
instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase
da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo
A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um
roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees
norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas
escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um
38
pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo
da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a
entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas
As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que
significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os
alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os
membros de sua famiacutelia
A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha
liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um
diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar
adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar
(MINAYO 2008)
As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software
Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas
Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e
validaccedilatildeo destas
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees
No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma
pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros
relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional
mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os
constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a
complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico
econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata
Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso
ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas
que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta
pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi
imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados
A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a
Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a
39
partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos
que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na
formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)
1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi
tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os
documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas
Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O
ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das
mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade
considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo
correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da
representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja
representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-
accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de
todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de
homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a
criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da
pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo
Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do
estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou
Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as
Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo
delimitada a compreensatildeo do mesmo)
2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as
categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto
foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas
pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de
Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados
No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de
40
Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de
todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma
observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as
categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador
pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado
3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos
resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos
previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram
distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do
referencial teoacuterico
As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office
Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A
26 Aspectos Eacuteticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de
Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas
envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)
Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam
informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a
entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)
27 Limitaccedilatildeo do estudo
A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma
vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros
pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo
interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado
41
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Introduccedilatildeo
A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular
permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida
digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo
como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um
avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo
ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos
sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13
Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as
pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de
desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a
suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as
expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4
Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste
local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia
visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e
socioculturais 56
A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os
membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em
quantidade suficiente e qualidade adequada 37
Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar
que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente
para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as
famiacutelias da regiatildeo 8910
A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
42
venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais
difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311
No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua
aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo
culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da
existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os
universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente
transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua
responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12
Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os
significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores
de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Caminho metodoloacutegico
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das
vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em
torno de representaccedilotildees e simbolismos 13
O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata
do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e
outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo
No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-
accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com
significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta
atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra
proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e
nutricional 811
A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores
das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de
43
saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de
natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314
A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o
corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro
semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O
que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua
famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se
sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram
realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas
na iacutentegra
As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por
Bardin (2011) 15
realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de
todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus
momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram
selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras
(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para
composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das
categorias temaacuteticas
As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316
e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14
e as
influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 5121718
O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)
do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em
respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada
participante recebeu um pseudocircnimo
Resultados
Atores do estudo
As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos
predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino
44
fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas
Categoria I O alimento como essencial agrave vida
A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de
conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia
ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o
alimento ningueacutem viverdquo (Camila)
ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica
fraco E sem comida morrerdquo (Renata)
ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo
(Solange)
Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma
condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo
ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a
gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)
ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a
genterdquo (Fabiana)
As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam
desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma
obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida
ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com
fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a
alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)
ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar
pode ficar desnutridardquo (Margarida)
ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)
O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram
uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos
saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo
destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis
45
ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de
comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e
cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)
ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e
bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora
certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)
ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a
gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)
ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute
seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode
comer em quantidaderdquo (Silvana)
ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a
gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)
Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio
A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade
quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de
desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o
alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante
sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos
foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)
ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute
mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)
ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus
quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar
Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar
na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando
eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)
ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter
de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar
chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu
desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho
46
um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles
pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)
ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo
mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)
Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher
interferindo na partilha
A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a
disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para
todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles
ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura
ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias
tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute
tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)
ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as
cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de
feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)
As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se
sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o
provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu
trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo
ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia
colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou
colocar tudordquo (Patriacutecia)
ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida
e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo
(Fabiana)
Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos
Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na
distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do
47
homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores
quantidades de alimentos
ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando
fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo
tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)
ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser
pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)
ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele
trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega
aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida
suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece
(risos)rdquo (Silvana)
As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns
alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram
de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e
comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo
ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a
gente eacute pobrerdquo (Camila)
ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um
pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha
um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)
ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa
porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo
faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)
Discussatildeo
O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia
e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como
proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das
mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas
13
48
A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais
dos indiviacuteduos 14
Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo
de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como
sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido
colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos
jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas
praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores
socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a
modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas
climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim
houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
intuito de manter a vida 1819
A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das
mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional
trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte
pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito
significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se
encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais
direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021
A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as
mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a
qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras
que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a
populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo
pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo
socioeconocircmica 12
Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo
os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras
saturadas
Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria
baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade 1217
As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua
significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o
consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como
49
complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua
vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na
alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente
acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual
feijatildeo com arroz 22
Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com
prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a
seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223
No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo
socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo
de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da
cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra
accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando
desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores
conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de
complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24
A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de
outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe
problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo
das iniquidades sociais 18
Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila
Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali
habitam 8
Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e
vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava
presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e
psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia
tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada
e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20
eacute possiacutevel perceber
que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional
em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que
possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e
da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e
crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis
perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de
alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve
50
As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da
ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave
Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo
companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por
intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave
vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a
questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25
Em uma casa
pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo
escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26
Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais
importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o
de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras
refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo
tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos 31027
Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e
mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos
filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis
desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente
e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera
privada satildeo delegadas agrave mulher 2829
As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees
hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a
mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das
relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto
culturalmente 29
Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o
seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar
as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada
menos digna do que o trabalho do homem 121730
Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que
exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das
possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita
a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do
homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17
Esta situaccedilatildeo reflete as
51
representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no
domiciacutelio
No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior
pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria
consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus
membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a
mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da
praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da
alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural
mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a
melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam
maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores
necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais
menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para
atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de
alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel
exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para
trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de
priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto
da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227
A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do
indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por
indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma
categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo
enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos
estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231
A alimentaccedilatildeo colocada como
hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia
eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco
colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente
do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822
52
Consideraccedilotildees finais
As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave
alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos
aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos
para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do
homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de
alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os
sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez
refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a
diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo
Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave
violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos
agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e
Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que
proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-
accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo
Referecircncias
1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de
15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e
Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada
institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN
estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar
e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago
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23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e
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56
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua
distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel
reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como
figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se
deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a
dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as
mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo
com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos
pela sociedade
As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o
objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo
intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres
estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender
fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo
quantitativa
Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico
da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida
humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um
direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da
inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo
dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias
representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees
econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da
monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao
longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees
econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas
refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos
Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos
destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As
principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres
57
Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e
que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo
daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim
foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se
pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a
alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e
motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo
subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade
extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar
extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de
alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da
alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo
Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas
econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais
obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser
estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais
complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo
do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar
do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e
individual
Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se
ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da
Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e
culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes
ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos
58
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APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nome___________________________________________________ Data ____________
Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h
Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro
1 Idade __ __ (anos)
2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________
3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo
4 Escolaridade especificar
a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________
b) Ensino fundamental I________________________________________________
c) Ensino fundamental II_______________________________________________
d) Ensino meacutedio______________________________________________________
5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo
Questotildees norteadoras
1 O que agrave senhora entende por alimento
2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia
3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia
4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua
famiacutelia
Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil
65
APEcircNDICE B ndash Grelhas
66
67
68
69
70
71
ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica
72
APEcircNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO
NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE
UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL
LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA
PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis
Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco
Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios
Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa
Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa
O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento
A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas
Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas
e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute
decisatildeo ao contraacuterio
Recife ____ de _________________________de 2007
Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________
Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________
Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________
Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________
Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________
11
APRESENTACcedilAtildeO
A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres
humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos
indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser
algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos
culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz
de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)
O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos
inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos
imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave
criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha
brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos
seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003
SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)
O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes
envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se
deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de
visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de
festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio
diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de
alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses
indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a
dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos
socioculturalmente
A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra
coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao
atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua
funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por
ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas
alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros
tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)
12
Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os
membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002
VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato
pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das
necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e
nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da
alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na
alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo
transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que
estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006
PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)
Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de
alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e
nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de
alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a
necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual
(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados
para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da
renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de
recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila
alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes
deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar
tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta
dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA
2008)
No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo
seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute
associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa
vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e
nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os
13
universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente
transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade
aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)
Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma
realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos
salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com
as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade
financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS
RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de
trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do
Nordeste do Brasil
Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da
responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo
quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que
residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como
objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a
percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira
As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se
estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez
alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica
atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a
relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos
significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que
vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o
desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas
que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza
A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a
partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil
ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as
influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia
sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
14
com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte
tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a
quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa
O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para
mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos
Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores
canavieiros nas praacuteticas alimentares
15
1 REFERENCIAL TEOacuteRICO
11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo
Adequada
A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito
de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas
alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social
econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de
Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a
dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)
Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da
concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e
saudaacutevel
A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades
nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes
(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha
de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se
adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar
Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio
socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade
adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na
alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo
das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre
os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo
na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo
estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica
Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto
72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e
avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-
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disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-
educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda
no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo
deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-
raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um
privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das
iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada
indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles
indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade
O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis
global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que
medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita
Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias
sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas
caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente
utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de
percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta
condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas
do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo
ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido
promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo
interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um
consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al
2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e
nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de
qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade
para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou
contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras
17
tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao
DHAA (LEAtildeO 2013)
Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida
das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que
todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a
inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez
engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente
de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a
Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila
alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de
que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da
famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da
famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)
Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987
SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e
que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional
eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN
PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores
socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de
alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores
que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da
seguranccedilainseguranccedila alimentar
A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada
nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode
ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e
da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da
alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano
seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros
satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste
sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo
18
psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral
estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos
indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes
estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na
tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas
em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar
trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que
todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada
indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma
alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade
Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar
pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos
Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila
O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores
necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades
o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)
Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em
Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as
suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais
A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom
funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo
alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma
alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais
especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico
beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas
alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002
PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute
possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades
O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar
e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento
ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado
alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em
19
carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da
populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se
um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos
padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-
CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo
Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos
A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos
problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia
nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual
habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome
oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto
agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma
consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma
alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa
seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e
percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)
Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os
aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares
Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-
geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio
identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica
econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem
sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares
(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o
decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem
tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e
sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON
20
1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica
alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo
que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o
olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo
contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto
independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo
brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial
A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com
a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma
miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e
escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs
influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades
encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como
clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas
essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia
eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco
colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em
grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores
ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos
O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e
que refletem na alimentaccedilatildeo atual
No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge
mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos
alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma
necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de
alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos
seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos
indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem
desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui
viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca
alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais
importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o
21
alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje
na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas
Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute
possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa
brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)
Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da
incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma
monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era
praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim
escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo
com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a
sobrevivecircncia
Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute
possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O
modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a
monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em
relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo
dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes
inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como
frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de
agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os
agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e
utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado
(BRASIL 2006)
A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do
suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos
mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas
fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido
(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas
verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial
continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)
22
Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O
primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica
cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos
alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico
baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que
condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de
haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o
enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto
qualitativo
No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se
obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados
consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em
Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos
gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute
um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os
feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000
PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem
histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das
famiacutelias brasileiras
Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas
pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram
a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento
o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo
XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se
ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como
terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-
se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo
Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por
volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter
contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das
famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o
arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da
modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo
23
tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o
consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel
Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se
torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no
Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas
Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em
Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo
eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem
ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do
Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo
simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL
2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma
diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha
brasileira
O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos
refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria
ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees
se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande
deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o
crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa
aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em
queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande
oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do
seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante
apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)
Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento
de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma
alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e
agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante
o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se
24
concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano
desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)
Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de
povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX
quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de
emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande
diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e
outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram
presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas
diferentes regiotildees do Brasil
A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto
concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando
este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no
Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou
uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as
famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA
TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)
A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam
braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de
mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma
elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra
situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer
as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda
hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute
de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da
escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do
Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de
famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional
Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social
colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora
indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado
25
por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A
partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista
Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a
receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo
consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar
do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)
O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha
com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade
de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da
populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o
consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo
consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de
minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo
das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois
aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na
alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo
bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar
Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo
para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das
praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo
observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo
bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se
sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo
no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar
equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial
era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma
alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional
Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a
disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos
alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo
adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem
presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de
26
incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas
sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura
militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras
permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo
(VASCONCELOS 2005)
O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de
democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para
superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como
justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e
ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura
militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de
direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e
prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)
No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o
seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os
produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui
para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de
famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil
confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute
possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute
inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se
necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo
13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares
A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo
no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a
natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o
alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em
expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas
alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores
crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo
27
Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras
dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI
2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre
quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas
(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH
2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a
perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam
arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o
entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua
histoacuteria
Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram
adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)
Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como
se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)
Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns
alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante
apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos
(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter
nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo
O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo
Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo
modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de
culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a
constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades
bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA
2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares
delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo
relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo
social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros
grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com
determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo
menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social
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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de
pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a
identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave
sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo
ao sabor do alimento
A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar
uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas
categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas
culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de
ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas
estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por
poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam
maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o
paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria
relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo
situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)
Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de
alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre
as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes
alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As
diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos
alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como
ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo
faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas
alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute
necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da
Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda
que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis
Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos
de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida
eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo
enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste
29
modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres
Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no
valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos
que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles
ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro
(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como
responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo
Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes
que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas
de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois
somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e
verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos
tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais
A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas
na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da
personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores
puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A
apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos
porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do
imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou
que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos
produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer
aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas
que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si
mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo
natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento
deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como
socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute
bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre
ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos
ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes
30
A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente
na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares
satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares
podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das
formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)
Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou
consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero
(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das
relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de
alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)
Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute
diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de
provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e
dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais
na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado
historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo
considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)
Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a
dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada
sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente
atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)
Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao
afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas
geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo
domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem
deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura
masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou
colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas
aos homens comuns (ROMANELLI 2006)
Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e
este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o
31
preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua
responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente
rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER
ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela
tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar
determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)
Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante
destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que
refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)
A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a
quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e
muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente
durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa
tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE
2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e
a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)
Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade
e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta
ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute
possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute
priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI
1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER
ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de
alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-
CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais
prejudicada
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte
do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho
Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos
colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para
o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne
32
pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos
tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de
uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou
religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com
outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o
status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato
do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase
sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem
alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda
famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o
sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo
do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da
necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana
As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser
visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas
Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade
de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo
caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e
priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees
comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986
CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002
RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)
Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais
mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al
2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As
implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam
situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais
Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua
suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma
alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na
33
disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma
equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter
conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem
tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e
disponibilidade adequadas
Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente
familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a
transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem
ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na
porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem
focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA
2008)
14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e
socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem
desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta
agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo
de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a
exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta
a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias
que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-
obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de
iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas
estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as
cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-
de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com
muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)
Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve
atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura
Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para
34
contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da
degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-
accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees
produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional
(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute
mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo
O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado
quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade
Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua
uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos
realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO
MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural
na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de
matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas
uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo
substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente
dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor
puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo
diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua
consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento
das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento
sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)
Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas
agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta
situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias
outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e
amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas
de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de
restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia
receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo
35
garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo
adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes
para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)
O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade
possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que
refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo
fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas
com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias
de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes
36
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO
21 Delineamento da Pesquisa
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao
objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas
que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de
representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o
campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa
usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO
2005)
O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer
relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando
e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de
intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a
compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade
interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes
tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os
significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira
22 Cenaacuterio do Estudo
O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do
Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de
Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de
27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo
territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste
municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo
territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute
mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares
com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por
hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo
lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo
37
1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000
(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste
municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades
ligadas a este produto principalmente o corte
No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano
Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este
iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de
0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)
23 Participantes do Estudo
O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de
cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de
Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de
Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo
As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de
amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a
interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio
de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas
(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por
pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as
questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo
da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)
24 Coleta de Informaccedilotildees
A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo
considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior
instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase
da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo
A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um
roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees
norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas
escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um
38
pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo
da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a
entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas
As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que
significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os
alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os
membros de sua famiacutelia
A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha
liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um
diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar
adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar
(MINAYO 2008)
As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software
Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas
Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e
validaccedilatildeo destas
25 Anaacutelise das Informaccedilotildees
No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma
pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros
relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional
mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os
constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a
complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico
econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata
Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso
ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas
que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta
pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi
imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados
A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a
Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a
39
partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos
que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o
Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na
formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira
A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)
1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi
tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias
iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os
documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas
Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O
ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das
mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade
considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo
correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da
representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja
representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-
accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de
todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de
homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a
criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da
pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo
Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do
estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou
Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as
Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo
delimitada a compreensatildeo do mesmo)
2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as
categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto
foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas
pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de
Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados
No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de
40
Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de
todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma
observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as
categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador
pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado
3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos
resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos
previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram
distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do
referencial teoacuterico
As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office
Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A
26 Aspectos Eacuteticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de
Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas
envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)
Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam
informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a
entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)
27 Limitaccedilatildeo do estudo
A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma
vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros
pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo
interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado
41
3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de
trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Introduccedilatildeo
A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular
permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas
e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida
digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo
como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um
avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo
ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos
sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13
Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as
pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de
desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a
suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as
expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4
Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste
local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia
visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e
socioculturais 56
A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os
membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em
quantidade suficiente e qualidade adequada 37
Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar
que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis
Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades
econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente
para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as
famiacutelias da regiatildeo 8910
A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar
que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta
42
venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais
difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311
No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua
aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo
culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da
existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os
homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os
universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente
transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua
responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12
Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os
significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores
de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil
Caminho metodoloacutegico
O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa
Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das
vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em
torno de representaccedilotildees e simbolismos 13
O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata
do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e
discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e
outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo
No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-
accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com
significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta
atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra
proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e
nutricional 811
A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores
das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de
43
saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de
natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314
A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o
corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro
semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O
que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua
famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se
sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram
realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas
na iacutentegra
As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por
Bardin (2011) 15
realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de
todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus
momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram
selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras
(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para
composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das
categorias temaacuteticas
As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a
Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316
e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14
e as
influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia
brasileira 5121718
O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)
do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em
respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada
participante recebeu um pseudocircnimo
Resultados
Atores do estudo
As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos
predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino
44
fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da
distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas
Categoria I O alimento como essencial agrave vida
A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de
conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia
ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o
alimento ningueacutem viverdquo (Camila)
ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica
fraco E sem comida morrerdquo (Renata)
ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo
(Solange)
Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma
condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo
ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a
gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)
ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a
genterdquo (Fabiana)
As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam
desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma
obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida
ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com
fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a
alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)
ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar
pode ficar desnutridardquo (Margarida)
ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)
O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram
uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos
saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo
destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis
45
ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de
comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e
cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)
ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e
bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora
certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)
ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a
gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)
ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute
seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode
comer em quantidaderdquo (Silvana)
ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a
gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)
Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio
A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade
quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de
desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o
alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante
sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos
foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)
ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute
mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)
ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus
quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar
Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar
na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando
eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)
ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter
de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar
chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu
desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho
46
um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles
pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)
ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo
mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)
Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher
interferindo na partilha
A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a
disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para
todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles
ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura
ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias
tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute
tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)
ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as
cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de
feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)
As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se
sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o
provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu
trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo
ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia
colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou
colocar tudordquo (Patriacutecia)
ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida
e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo
(Fabiana)
Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos
Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na
distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do
47
homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores
quantidades de alimentos
ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando
fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo
tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)
ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser
pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)
ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele
trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega
aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida
suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece
(risos)rdquo (Silvana)
As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns
alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram
de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e
comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo
ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a
gente eacute pobrerdquo (Camila)
ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um
pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha
um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)
ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa
porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo
faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)
Discussatildeo
O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia
e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como
proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das
mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas
13
48
A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais
dos indiviacuteduos 14
Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo
de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como
sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido
colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos
jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas
praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores
socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a
modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas
climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim
houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o
intuito de manter a vida 1819
A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das
mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional
trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte
pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito
significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave
Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se
encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais
direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021
A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as
mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a
qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras
que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a
populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo
pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo
socioeconocircmica 12
Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo
os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras
saturadas
Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria
baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de
saciedade 1217
As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua
significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o
consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como
49
complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua
vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na
alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente
acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual
feijatildeo com arroz 22
Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com
prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a
seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223
No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo
socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo
de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da
cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra
accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando
desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores
conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de
complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24
A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de
outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe
problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo
das iniquidades sociais 18
Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila
Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali
habitam 8
Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e
vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava
presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e
psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia
tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada
e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20
eacute possiacutevel perceber
que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional
em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que
possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e
da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e
crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional
para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis
perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de
alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve
50
As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da
ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave
Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo
companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por
intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave
vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a
questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25
Em uma casa
pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo
escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26
Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais
importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo
intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o
de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras
refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo
tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar
de alimentos 31027
Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e
mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos
filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis
desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente
e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera
privada satildeo delegadas agrave mulher 2829
As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees
hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a
mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das
relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto
culturalmente 29
Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o
seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar
as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada
menos digna do que o trabalho do homem 121730
Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que
exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das
possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita
a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do
homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17
Esta situaccedilatildeo reflete as
51
representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no
domiciacutelio
No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior
pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria
consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus
membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a
mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da
praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos
Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da
alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural
mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas
Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a
melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam
maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores
necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais
menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para
atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de
alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel
exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para
trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de
priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto
da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227
A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do
indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por
indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma
categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo
enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos
estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231
A alimentaccedilatildeo colocada como
hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia
eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco
colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente
do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822
52
Consideraccedilotildees finais
As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave
alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos
aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos
para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do
homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de
alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os
sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez
refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a
diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo
Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave
violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos
agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e
Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que
proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-
accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo
Referecircncias
1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de
15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e
Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada
institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN
estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar
e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago
2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010
Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito
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13 Minayo MCS O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em Sauacutede Satildeo Paulo
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14 Minayo MCS Ciecircncia Teacutecnica e Arte O desafio da pesquisa social In Minayo
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16 Brasil Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de
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17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de
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18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da
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20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas
Estudos Avanccedilados 2007 21 143154
21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho
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22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39
23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e
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Rev Sauacutede Puacuteblica 2012 46 6-15
24 Brasil Lei nordm 11326 de 24 de julho de 2006 Estabelece as diretrizes para a
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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero
e poder Itabaina GEPIADDE 2010 4 71-87
30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o
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modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256
56
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua
distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel
reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como
figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se
deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a
dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as
mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo
com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos
pela sociedade
As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o
objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo
intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres
estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender
fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo
quantitativa
Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico
da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida
humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um
direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da
inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo
dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias
representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada
As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees
econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da
monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao
longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees
econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas
refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de
alimentos
Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos
destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As
principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres
57
Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e
que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo
daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim
foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se
pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e
Nutricional
Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a
alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e
motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo
subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade
extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar
extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de
alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da
alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo
Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas
econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais
obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser
estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais
complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo
do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar
do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e
individual
Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se
ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas
os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da
Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e
culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes
ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos
58
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APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nome___________________________________________________ Data ____________
Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h
Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro
1 Idade __ __ (anos)
2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________
3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo
4 Escolaridade especificar
a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________
b) Ensino fundamental I________________________________________________
c) Ensino fundamental II_______________________________________________
d) Ensino meacutedio______________________________________________________
5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo
Questotildees norteadoras
1 O que agrave senhora entende por alimento
2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia
3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia
4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua
famiacutelia
Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de
trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil
65
APEcircNDICE B ndash Grelhas
66
67
68
69
70
71
ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica
72
APEcircNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO
NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE
UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL
LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA
PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis
Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco
Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios
Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa
Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa
O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento
A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas
Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas
e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute
decisatildeo ao contraacuterio
Recife ____ de _________________________de 2007
Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________
Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________
Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________
Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________
Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________