SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...

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SILVANA ANELISA BEZERRA DE ANDRADE SOUZA SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO INTRAFAMILIAR PARA MULHERES DE TRABALHADORES DE CANA-DE-AÇÚCAR DO NORDESTE DO BRASIL RECIFE 2015

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SILVANA ANELISA BEZERRA DE ANDRADE SOUZA

SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA

DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR PARA MULHERES DE

TRABALHADORES DE CANA-DE-ACcedilUacuteCAR DO NORDESTE

DO BRASIL

RECIFE

2015

1

Silvana Anelisa Bezerra de Andrade Souza

Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do

Brasil

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de

Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo do Centro de

Ciecircncias da Sauacutede da Universidade

Federal de Pernambuco para obtenccedilatildeo do

tiacutetulo de Mestre em Sauacutede Puacuteblica

Orientadora Profordf Dra Mocircnica Maria Osoacuterio de Cerqueira

Coorientadora Profordf Dra Cleide Maria Pontes

RECIFE

2015

2

3

Silvana Anelisa Bezerra de Andrade Souza

Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Dissertaccedilatildeo aprovada em __________________

Banca Examinadora

_________________________________________

Professora Dra Francisca Maacutercia Pereira Linhares

Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco

____________________________________________

Professora Dra Adriana Falacircngola Benjamin Bezerra

Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco

_________________________________________

Professora Dra Maria Gorete Lucena de Vasconcelos

Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco

RECIFE

2015

4

Dedico este trabalho a DEUS agrave minha famiacutelia e

familiares e aos meus amigos

A todos que lutam para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional bem como o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada no Brasil e no mundo

As companheiras de homens trabalhadores de cana-de-accediluacutecar mulheres guerreiras que lidam

diariamente com a alimentaccedilatildeo familiar

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus por mais esta conquista pois acredito que haacute tempo para tudo na

vida e certamente a realizaccedilatildeo deste sonho estava nos planos dEle para mim

Minha eterna gratidatildeo aos meus pais Silvana e Adeilson pelo amor cuidado e

ensinamentos Esta conquista tambeacutem eacute de vocecircs

Agradeccedilo aos meus irmatildeos Analy e Adeilson Filho pela amizade e companheirismo

Amo muito vocecircs

Agradeccedilo a Professora Mocircnica Osoacuterio e a Professora Cleide Pontes pelo aprendizado

e paciecircncia Fico muito lisonjeada em poder ter orientadoras tatildeo competentes e

comprometidas com sua profissatildeo

Meus agradecimentos a todos os professores da Poacutes-graduaccedilatildeo de Nutriccedilatildeo por todos

os ensinamentos construiacutedos durante o curso

Agradeccedilo em especial as minhas colegas da turma de mestrado Rafaella de Andrade

Conciana Neves Pedrita Queiroz Raiacutesa Duarte Camila Chiara Adriana Ceacutesar Suzane

Barbosa Dayse Lima pela parceria companheirismo e pela amizade construiacuteda Momentos

que jamais seratildeo esquecidos

Agradeccedilo as alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

(PIBIC) pelos momentos de aprendizado nas reuniotildees de grupo e pelas atividades realizadas

em equipe que ajudaram na construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo

Minha gratidatildeo agraves funcionaacuterias da Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Neci e Ceciacutelia pela

disponibilidade e atenccedilatildeo no atendimento Vocecircs satildeo profissionais que fazem a diferenccedila na

funccedilatildeo que desempenham

6

ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e

transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta

etiquetardquo

Luiacutes da Cacircmara Cascudo

7

RESUMO

A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela

cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os

ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na

famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades

bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e

econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo

historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta

por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As

entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por

alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora

divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os

alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos

constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da

famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento

como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no

domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo

na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia

da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as

situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a

distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os

sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos

no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se

relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo

Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional

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ABSTRACT

Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an

individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos

household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a

common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however

this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities

including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore

the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-

familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast

The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The

individual interviews included the following guiding questions What do you understand by

food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute

food to your family members How do you feel when you share food with your family

members This information was interpreted under the light of the following theoretical

constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right

and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption

practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories

food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the

household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in

the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance

of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the

situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the

distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on

their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the

psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels

of nutritional and food insecurity for this population

Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security

9

LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES

DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal

10

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO 11

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada 15

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 19

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36

21 Delineamento da Pesquisa 36

22 Cenaacuterio do Estudo 36

23 Participantes do Estudo 37

24 Coleta das Informaccedilotildees 37

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38

26 Aspectos Eacuteticos 40

27 Limitaccedilotildees do estudo40

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

REFEREcircNCIAS 58

APEcircNDICE A64

APEcircNCIDE B65

ANEXO A71

APEcircNCIDE C72

11

APRESENTACcedilAtildeO

A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres

humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos

indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser

algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos

culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz

de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)

O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos

inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos

imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave

criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha

brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos

seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003

SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)

O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes

envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se

deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de

visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de

festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio

diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de

alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses

indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a

dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos

socioculturalmente

A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra

coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao

atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua

funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por

ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas

alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros

tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)

12

Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os

membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002

VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato

pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das

necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e

nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da

alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na

alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo

transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que

estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006

PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)

Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de

alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e

nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de

alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a

necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual

(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados

para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da

renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de

recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila

alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes

deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar

tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta

dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA

2008)

No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo

seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute

associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa

vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e

nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os

13

universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente

transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade

aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)

Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma

realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos

salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com

as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade

financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS

RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de

trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do

Nordeste do Brasil

Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da

responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo

quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que

residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como

objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a

percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira

As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se

estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez

alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica

atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a

relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos

significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que

vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o

desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas

que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza

A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a

partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil

ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as

influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia

sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

14

com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte

tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a

quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa

O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos

Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores

canavieiros nas praacuteticas alimentares

15

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada

A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito

de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas

alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social

econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a

dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)

Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da

concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e

saudaacutevel

A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades

nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes

(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha

de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se

adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar

Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio

socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade

adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na

alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo

das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre

os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo

na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo

estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto

72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e

avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-

16

disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-

educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda

no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo

deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-

raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um

privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das

iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada

indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles

indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade

O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis

global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que

medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita

Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias

sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas

caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente

utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de

percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta

condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas

do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo

ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido

promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo

interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um

consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al

2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e

nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de

qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade

para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou

contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras

17

tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao

DHAA (LEAtildeO 2013)

Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida

das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que

todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a

inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez

engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente

de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a

Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila

alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de

que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da

famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da

famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)

Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987

SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e

que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN

PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores

socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de

alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores

que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da

seguranccedilainseguranccedila alimentar

A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada

nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode

ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e

da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da

alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano

seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros

satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste

sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo

18

psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral

estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos

indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes

estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na

tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas

em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar

trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que

todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada

indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma

alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade

Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar

pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos

Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila

O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores

necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades

o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)

Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as

suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais

A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom

funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo

alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma

alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais

especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico

beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas

alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002

PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute

possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades

O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar

e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento

ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado

alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em

19

carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da

populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se

um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos

padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-

CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo

Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos

A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos

problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia

nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual

habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome

oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto

agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma

consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma

alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa

seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e

percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)

Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os

aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares

Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-

geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio

identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica

econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem

sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares

(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o

decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem

tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e

sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON

20

1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica

alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo

que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o

olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo

contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto

independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo

brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial

A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com

a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma

miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e

escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs

influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades

encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como

clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas

essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia

eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco

colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em

grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores

ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos

O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e

que refletem na alimentaccedilatildeo atual

No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge

mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos

alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma

necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de

alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos

seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos

indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem

desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui

viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca

alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais

importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o

21

alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje

na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas

Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute

possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa

brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)

Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da

incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma

monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era

praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim

escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo

com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a

sobrevivecircncia

Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute

possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O

modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a

monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em

relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo

dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes

inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como

frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de

agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os

agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e

utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado

(BRASIL 2006)

A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do

suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos

mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas

fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido

(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas

verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial

continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)

22

Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O

primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica

cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos

alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico

baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que

condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de

haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o

enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto

qualitativo

No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se

obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados

consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em

Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos

gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute

um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os

feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000

PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem

histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das

famiacutelias brasileiras

Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas

pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram

a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento

o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo

XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se

ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como

terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-

se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo

Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por

volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter

contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das

famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o

arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da

modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo

23

tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o

consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel

Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se

torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no

Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas

Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em

Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo

eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem

ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do

Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo

simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL

2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma

diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha

brasileira

O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos

refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria

ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees

se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande

deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o

crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa

aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em

queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande

oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do

seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante

apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)

Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento

de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma

alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e

agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante

o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se

24

concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano

desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)

Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de

povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX

quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de

emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande

diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e

outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram

presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas

diferentes regiotildees do Brasil

A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto

concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando

este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no

Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou

uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as

famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)

A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam

braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de

mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma

elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra

situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer

as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda

hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute

de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da

escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do

Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de

famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional

Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social

colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora

indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado

25

por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A

partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista

Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a

receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo

consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar

do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)

O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha

com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade

de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da

populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o

consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo

consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de

minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo

das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois

aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na

alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo

bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar

Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo

para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das

praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo

observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo

bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se

sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo

no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar

equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial

era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional

Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a

disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos

alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem

presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de

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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas

sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura

militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras

permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo

(VASCONCELOS 2005)

O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de

democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para

superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como

justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e

ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura

militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de

direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e

prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)

No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o

seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os

produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui

para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de

famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil

confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute

possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute

inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se

necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares

A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo

no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a

natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o

alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em

expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas

alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores

crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo

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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras

dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI

2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre

quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas

(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH

2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a

perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam

arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o

entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua

histoacuteria

Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram

adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)

Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como

se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)

Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns

alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante

apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos

(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter

nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo

O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo

Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo

modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de

culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a

constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades

bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA

2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares

delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo

relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo

social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros

grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com

determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo

menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social

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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de

pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a

identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave

sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo

ao sabor do alimento

A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar

uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas

categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas

culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de

ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas

estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por

poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam

maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o

paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria

relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo

situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)

Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de

alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre

as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes

alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As

diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos

alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como

ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo

faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas

alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute

necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da

Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda

que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis

Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos

de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida

eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo

enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste

29

modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres

Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no

valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos

que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles

ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro

(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como

responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo

Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes

que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas

de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois

somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e

verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos

tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais

A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas

na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da

personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores

puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A

apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos

porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do

imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou

que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos

produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer

aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas

que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si

mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo

natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento

deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como

socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute

bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre

ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos

ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes

30

A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente

na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares

satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares

podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das

formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)

Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou

consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero

(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de

alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)

Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute

diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de

provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e

dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais

na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado

historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo

considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)

Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a

dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada

sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente

atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)

Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao

afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas

geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo

domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem

deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura

masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou

colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas

aos homens comuns (ROMANELLI 2006)

Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e

este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o

31

preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua

responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente

rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela

tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar

determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)

Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante

destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que

refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)

A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a

quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e

muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente

durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa

tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE

2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e

a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)

Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade

e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta

ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute

possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute

priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI

1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER

ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de

alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-

CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais

prejudicada

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte

do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho

Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos

colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para

o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne

32

pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos

tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de

uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou

religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com

outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o

status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato

do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase

sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem

alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda

famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o

sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo

do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da

necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana

As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser

visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas

Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade

de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo

caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e

priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees

comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986

CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002

RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)

Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais

mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al

2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As

implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam

situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais

Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua

suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma

alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na

33

disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma

equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter

conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem

tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e

disponibilidade adequadas

Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente

familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a

transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem

ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na

porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem

focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA

2008)

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem

desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta

agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo

de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a

exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta

a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias

que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-

obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de

iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas

estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as

cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-

de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com

muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)

Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve

atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura

Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para

34

contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da

degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-

accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees

produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional

(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute

mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo

O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado

quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade

Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua

uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos

realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO

MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural

na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de

matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas

uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo

substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente

dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor

puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo

diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua

consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento

das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento

sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)

Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas

agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta

situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias

outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e

amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas

de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de

restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia

receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo

35

garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo

adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes

para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)

O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade

possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que

refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo

fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas

com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias

de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes

36

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO

21 Delineamento da Pesquisa

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao

objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas

que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de

representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o

campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa

usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO

2005)

O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer

relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando

e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de

intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a

compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade

interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes

tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os

significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira

22 Cenaacuterio do Estudo

O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do

Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de

Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de

27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo

territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste

municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo

territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute

mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares

com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por

hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo

lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo

37

1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000

(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste

municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades

ligadas a este produto principalmente o corte

No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano

Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este

iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de

0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)

23 Participantes do Estudo

O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de

cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de

Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de

Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo

As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de

amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a

interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio

de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas

(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por

pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as

questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo

da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)

24 Coleta de Informaccedilotildees

A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo

considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior

instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase

da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo

A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um

roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees

norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas

escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um

38

pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo

da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a

entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas

As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que

significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os

alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os

membros de sua famiacutelia

A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha

liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um

diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar

adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar

(MINAYO 2008)

As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software

Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas

Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e

validaccedilatildeo destas

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees

No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma

pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros

relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional

mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os

constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a

complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico

econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata

Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso

ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas

que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta

pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi

imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados

A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a

Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a

39

partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos

que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o

Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na

formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)

1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi

tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias

iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os

documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas

Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O

ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das

mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade

considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo

correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da

representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja

representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-

accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de

todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de

homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a

criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da

pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo

Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do

estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou

Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as

Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo

delimitada a compreensatildeo do mesmo)

2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as

categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto

foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas

pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de

Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados

No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de

40

Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de

todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma

observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as

categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador

pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado

3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos

resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos

previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram

distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do

referencial teoacuterico

As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office

Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A

26 Aspectos Eacuteticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de

Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas

envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)

Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam

informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a

entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)

27 Limitaccedilatildeo do estudo

A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma

vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros

pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo

interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado

41

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Introduccedilatildeo

A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular

permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas

e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida

digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo

como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um

avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo

ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos

sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13

Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as

pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de

desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a

suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as

expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4

Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste

local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia

visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e

socioculturais 56

A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os

membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em

quantidade suficiente e qualidade adequada 37

Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar

que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente

para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as

famiacutelias da regiatildeo 8910

A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

42

venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais

difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311

No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua

aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo

culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da

existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os

universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente

transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua

responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12

Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os

significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores

de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Caminho metodoloacutegico

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das

vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em

torno de representaccedilotildees e simbolismos 13

O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata

do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e

outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo

No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-

accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com

significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta

atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra

proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e

nutricional 811

A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores

das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de

43

saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de

natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314

A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o

corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro

semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O

que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua

famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se

sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram

realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas

na iacutentegra

As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por

Bardin (2011) 15

realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de

todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus

momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram

selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras

(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para

composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das

categorias temaacuteticas

As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316

e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14

e as

influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 5121718

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)

do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em

respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada

participante recebeu um pseudocircnimo

Resultados

Atores do estudo

As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos

predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino

44

fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas

Categoria I O alimento como essencial agrave vida

A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de

conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia

ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o

alimento ningueacutem viverdquo (Camila)

ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica

fraco E sem comida morrerdquo (Renata)

ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo

(Solange)

Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma

condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo

ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a

gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)

ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a

genterdquo (Fabiana)

As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam

desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma

obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida

ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com

fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a

alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)

ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar

pode ficar desnutridardquo (Margarida)

ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)

O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram

uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos

saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo

destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis

45

ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de

comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e

cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)

ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e

bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora

certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)

ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a

gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)

ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute

seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode

comer em quantidaderdquo (Silvana)

ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a

gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)

Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio

A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade

quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de

desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o

alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante

sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos

foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)

ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute

mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)

ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus

quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar

Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar

na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando

eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)

ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter

de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar

chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu

desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho

46

um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles

pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)

ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo

mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)

Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher

interferindo na partilha

A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a

disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para

todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles

ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura

ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias

tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute

tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)

ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as

cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de

feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)

As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se

sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o

provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu

trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo

ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia

colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou

colocar tudordquo (Patriacutecia)

ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida

e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo

(Fabiana)

Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos

Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na

distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do

47

homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores

quantidades de alimentos

ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando

fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo

tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)

ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser

pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)

ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele

trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega

aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida

suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece

(risos)rdquo (Silvana)

As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns

alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram

de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e

comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo

ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a

gente eacute pobrerdquo (Camila)

ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um

pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha

um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)

ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa

porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo

faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)

Discussatildeo

O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia

e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como

proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das

mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas

13

48

A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais

dos indiviacuteduos 14

Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo

de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como

sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido

colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos

jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas

praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores

socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a

modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas

climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim

houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

intuito de manter a vida 1819

A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das

mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional

trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte

pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito

significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se

encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais

direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021

A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as

mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a

qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras

que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a

populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo

pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo

socioeconocircmica 12

Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo

os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras

saturadas

Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria

baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade 1217

As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua

significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o

consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como

49

complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua

vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na

alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente

acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual

feijatildeo com arroz 22

Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com

prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a

seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223

No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo

socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo

de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da

cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra

accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando

desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores

conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de

complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24

A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de

outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe

problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo

das iniquidades sociais 18

Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila

Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali

habitam 8

Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e

vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava

presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e

psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia

tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada

e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20

eacute possiacutevel perceber

que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional

em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que

possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e

da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e

crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis

perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de

alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve

50

As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da

ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave

Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo

companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por

intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave

vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a

questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25

Em uma casa

pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo

escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26

Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais

importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o

de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras

refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo

tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos 31027

Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e

mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos

filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis

desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente

e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera

privada satildeo delegadas agrave mulher 2829

As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees

hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a

mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das

relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto

culturalmente 29

Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o

seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar

as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada

menos digna do que o trabalho do homem 121730

Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que

exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das

possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita

a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do

homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17

Esta situaccedilatildeo reflete as

51

representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no

domiciacutelio

No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior

pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria

consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus

membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a

mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da

praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da

alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural

mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a

melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam

maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores

necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais

menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para

atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de

alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel

exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para

trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de

priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto

da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227

A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do

indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por

indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma

categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo

enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos

estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231

A alimentaccedilatildeo colocada como

hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia

eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco

colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente

do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822

52

Consideraccedilotildees finais

As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave

alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos

aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos

para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do

homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de

alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os

sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez

refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a

diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo

Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave

violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos

agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e

Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que

proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-

accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo

Referecircncias

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15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada

institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN

estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar

e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago

2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010

Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito

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19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na

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20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas

Estudos Avanccedilados 2007 21 143154

21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho

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Baixo Iacutendice de Desenvolvimento Humano do Nordeste do Brasil Rev Bras

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23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e

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26 Freitas MCS Uma abordagem fenomenoloacutegica da fome Rev Nutr 2002 15 53-69

27 Ndiku M Jaceldo-Siegl K Singh P Sabateacute J Gender inequality in food intake and

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55

28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004

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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero

e poder Itabaina GEPIADDE 2010 4 71-87

30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o

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31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos

modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256

56

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua

distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel

reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como

figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se

deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a

dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as

mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo

com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos

pela sociedade

As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o

objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo

intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres

estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender

fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo

quantitativa

Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico

da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida

humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um

direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da

inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo

dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias

representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees

econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da

monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao

longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees

econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas

refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos

Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos

destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As

principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres

57

Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e

que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo

daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim

foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se

pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a

alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e

motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo

subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade

extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar

extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de

alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da

alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo

Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas

econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais

obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser

estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais

complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo

do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar

do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e

individual

Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se

ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da

Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e

culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes

ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos

58

REFEREcircNCIAS

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62

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Gilberto Freyre Josueacute de Castro e Nelson Chaves Revista Histoacuteria Ciecircncia Sauacutede v 8 n

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Brasileira de Inseguranccedila Alimentar em comunidades indiacutegenas no estado do Amazonas

Brasil Revista de Nutriccedilatildeo Campinas n 21(Suplemento) p 53s-63s julago 2008

64

APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista

ROTEIRO DA ENTREVISTA

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nome___________________________________________________ Data ____________

Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h

Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro

1 Idade __ __ (anos)

2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________

3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo

4 Escolaridade especificar

a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________

b) Ensino fundamental I________________________________________________

c) Ensino fundamental II_______________________________________________

d) Ensino meacutedio______________________________________________________

5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo

Questotildees norteadoras

1 O que agrave senhora entende por alimento

2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia

3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia

4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua

famiacutelia

Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil

65

APEcircNDICE B ndash Grelhas

66

67

68

69

70

71

ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica

72

APEcircNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO

NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE

UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL

LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA

PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis

Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco

Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios

Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa

Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa

O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento

A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas

Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas

e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute

decisatildeo ao contraacuterio

Recife ____ de _________________________de 2007

Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________

Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________

Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________

Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Page 2: SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...

1

Silvana Anelisa Bezerra de Andrade Souza

Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do

Brasil

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de

Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo do Centro de

Ciecircncias da Sauacutede da Universidade

Federal de Pernambuco para obtenccedilatildeo do

tiacutetulo de Mestre em Sauacutede Puacuteblica

Orientadora Profordf Dra Mocircnica Maria Osoacuterio de Cerqueira

Coorientadora Profordf Dra Cleide Maria Pontes

RECIFE

2015

2

3

Silvana Anelisa Bezerra de Andrade Souza

Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Dissertaccedilatildeo aprovada em __________________

Banca Examinadora

_________________________________________

Professora Dra Francisca Maacutercia Pereira Linhares

Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco

____________________________________________

Professora Dra Adriana Falacircngola Benjamin Bezerra

Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco

_________________________________________

Professora Dra Maria Gorete Lucena de Vasconcelos

Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco

RECIFE

2015

4

Dedico este trabalho a DEUS agrave minha famiacutelia e

familiares e aos meus amigos

A todos que lutam para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional bem como o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada no Brasil e no mundo

As companheiras de homens trabalhadores de cana-de-accediluacutecar mulheres guerreiras que lidam

diariamente com a alimentaccedilatildeo familiar

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus por mais esta conquista pois acredito que haacute tempo para tudo na

vida e certamente a realizaccedilatildeo deste sonho estava nos planos dEle para mim

Minha eterna gratidatildeo aos meus pais Silvana e Adeilson pelo amor cuidado e

ensinamentos Esta conquista tambeacutem eacute de vocecircs

Agradeccedilo aos meus irmatildeos Analy e Adeilson Filho pela amizade e companheirismo

Amo muito vocecircs

Agradeccedilo a Professora Mocircnica Osoacuterio e a Professora Cleide Pontes pelo aprendizado

e paciecircncia Fico muito lisonjeada em poder ter orientadoras tatildeo competentes e

comprometidas com sua profissatildeo

Meus agradecimentos a todos os professores da Poacutes-graduaccedilatildeo de Nutriccedilatildeo por todos

os ensinamentos construiacutedos durante o curso

Agradeccedilo em especial as minhas colegas da turma de mestrado Rafaella de Andrade

Conciana Neves Pedrita Queiroz Raiacutesa Duarte Camila Chiara Adriana Ceacutesar Suzane

Barbosa Dayse Lima pela parceria companheirismo e pela amizade construiacuteda Momentos

que jamais seratildeo esquecidos

Agradeccedilo as alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

(PIBIC) pelos momentos de aprendizado nas reuniotildees de grupo e pelas atividades realizadas

em equipe que ajudaram na construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo

Minha gratidatildeo agraves funcionaacuterias da Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Neci e Ceciacutelia pela

disponibilidade e atenccedilatildeo no atendimento Vocecircs satildeo profissionais que fazem a diferenccedila na

funccedilatildeo que desempenham

6

ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e

transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta

etiquetardquo

Luiacutes da Cacircmara Cascudo

7

RESUMO

A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela

cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os

ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na

famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades

bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e

econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo

historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta

por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As

entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por

alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora

divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os

alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos

constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da

famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento

como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no

domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo

na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia

da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as

situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a

distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os

sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos

no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se

relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo

Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional

8

ABSTRACT

Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an

individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos

household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a

common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however

this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities

including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore

the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-

familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast

The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The

individual interviews included the following guiding questions What do you understand by

food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute

food to your family members How do you feel when you share food with your family

members This information was interpreted under the light of the following theoretical

constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right

and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption

practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories

food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the

household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in

the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance

of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the

situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the

distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on

their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the

psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels

of nutritional and food insecurity for this population

Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security

9

LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES

DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal

10

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO 11

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada 15

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 19

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36

21 Delineamento da Pesquisa 36

22 Cenaacuterio do Estudo 36

23 Participantes do Estudo 37

24 Coleta das Informaccedilotildees 37

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38

26 Aspectos Eacuteticos 40

27 Limitaccedilotildees do estudo40

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

REFEREcircNCIAS 58

APEcircNDICE A64

APEcircNCIDE B65

ANEXO A71

APEcircNCIDE C72

11

APRESENTACcedilAtildeO

A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres

humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos

indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser

algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos

culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz

de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)

O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos

inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos

imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave

criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha

brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos

seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003

SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)

O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes

envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se

deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de

visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de

festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio

diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de

alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses

indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a

dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos

socioculturalmente

A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra

coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao

atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua

funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por

ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas

alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros

tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)

12

Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os

membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002

VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato

pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das

necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e

nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da

alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na

alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo

transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que

estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006

PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)

Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de

alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e

nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de

alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a

necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual

(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados

para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da

renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de

recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila

alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes

deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar

tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta

dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA

2008)

No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo

seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute

associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa

vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e

nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os

13

universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente

transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade

aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)

Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma

realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos

salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com

as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade

financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS

RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de

trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do

Nordeste do Brasil

Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da

responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo

quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que

residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como

objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a

percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira

As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se

estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez

alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica

atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a

relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos

significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que

vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o

desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas

que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza

A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a

partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil

ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as

influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia

sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

14

com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte

tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a

quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa

O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos

Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores

canavieiros nas praacuteticas alimentares

15

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada

A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito

de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas

alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social

econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a

dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)

Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da

concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e

saudaacutevel

A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades

nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes

(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha

de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se

adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar

Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio

socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade

adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na

alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo

das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre

os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo

na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo

estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto

72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e

avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-

16

disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-

educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda

no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo

deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-

raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um

privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das

iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada

indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles

indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade

O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis

global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que

medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita

Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias

sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas

caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente

utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de

percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta

condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas

do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo

ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido

promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo

interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um

consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al

2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e

nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de

qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade

para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou

contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras

17

tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao

DHAA (LEAtildeO 2013)

Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida

das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que

todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a

inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez

engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente

de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a

Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila

alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de

que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da

famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da

famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)

Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987

SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e

que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN

PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores

socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de

alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores

que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da

seguranccedilainseguranccedila alimentar

A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada

nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode

ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e

da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da

alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano

seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros

satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste

sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo

18

psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral

estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos

indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes

estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na

tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas

em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar

trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que

todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada

indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma

alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade

Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar

pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos

Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila

O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores

necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades

o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)

Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as

suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais

A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom

funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo

alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma

alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais

especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico

beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas

alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002

PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute

possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades

O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar

e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento

ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado

alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em

19

carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da

populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se

um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos

padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-

CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo

Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos

A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos

problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia

nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual

habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome

oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto

agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma

consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma

alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa

seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e

percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)

Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os

aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares

Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-

geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio

identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica

econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem

sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares

(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o

decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem

tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e

sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON

20

1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica

alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo

que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o

olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo

contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto

independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo

brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial

A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com

a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma

miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e

escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs

influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades

encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como

clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas

essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia

eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco

colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em

grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores

ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos

O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e

que refletem na alimentaccedilatildeo atual

No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge

mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos

alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma

necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de

alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos

seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos

indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem

desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui

viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca

alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais

importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o

21

alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje

na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas

Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute

possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa

brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)

Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da

incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma

monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era

praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim

escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo

com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a

sobrevivecircncia

Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute

possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O

modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a

monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em

relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo

dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes

inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como

frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de

agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os

agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e

utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado

(BRASIL 2006)

A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do

suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos

mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas

fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido

(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas

verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial

continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)

22

Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O

primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica

cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos

alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico

baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que

condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de

haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o

enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto

qualitativo

No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se

obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados

consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em

Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos

gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute

um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os

feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000

PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem

histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das

famiacutelias brasileiras

Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas

pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram

a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento

o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo

XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se

ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como

terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-

se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo

Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por

volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter

contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das

famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o

arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da

modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo

23

tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o

consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel

Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se

torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no

Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas

Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em

Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo

eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem

ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do

Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo

simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL

2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma

diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha

brasileira

O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos

refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria

ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees

se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande

deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o

crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa

aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em

queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande

oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do

seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante

apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)

Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento

de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma

alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e

agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante

o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se

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concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano

desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)

Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de

povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX

quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de

emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande

diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e

outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram

presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas

diferentes regiotildees do Brasil

A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto

concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando

este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no

Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou

uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as

famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)

A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam

braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de

mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma

elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra

situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer

as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda

hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute

de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da

escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do

Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de

famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional

Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social

colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora

indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado

25

por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A

partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista

Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a

receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo

consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar

do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)

O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha

com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade

de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da

populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o

consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo

consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de

minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo

das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois

aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na

alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo

bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar

Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo

para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das

praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo

observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo

bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se

sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo

no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar

equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial

era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional

Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a

disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos

alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem

presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de

26

incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas

sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura

militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras

permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo

(VASCONCELOS 2005)

O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de

democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para

superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como

justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e

ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura

militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de

direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e

prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)

No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o

seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os

produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui

para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de

famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil

confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute

possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute

inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se

necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares

A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo

no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a

natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o

alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em

expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas

alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores

crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo

27

Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras

dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI

2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre

quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas

(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH

2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a

perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam

arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o

entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua

histoacuteria

Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram

adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)

Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como

se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)

Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns

alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante

apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos

(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter

nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo

O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo

Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo

modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de

culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a

constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades

bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA

2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares

delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo

relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo

social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros

grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com

determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo

menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social

28

Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de

pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a

identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave

sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo

ao sabor do alimento

A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar

uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas

categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas

culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de

ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas

estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por

poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam

maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o

paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria

relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo

situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)

Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de

alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre

as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes

alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As

diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos

alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como

ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo

faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas

alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute

necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da

Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda

que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis

Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos

de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida

eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo

enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste

29

modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres

Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no

valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos

que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles

ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro

(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como

responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo

Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes

que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas

de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois

somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e

verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos

tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais

A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas

na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da

personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores

puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A

apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos

porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do

imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou

que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos

produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer

aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas

que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si

mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo

natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento

deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como

socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute

bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre

ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos

ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes

30

A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente

na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares

satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares

podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das

formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)

Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou

consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero

(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de

alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)

Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute

diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de

provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e

dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais

na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado

historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo

considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)

Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a

dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada

sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente

atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)

Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao

afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas

geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo

domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem

deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura

masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou

colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas

aos homens comuns (ROMANELLI 2006)

Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e

este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o

31

preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua

responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente

rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela

tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar

determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)

Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante

destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que

refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)

A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a

quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e

muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente

durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa

tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE

2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e

a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)

Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade

e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta

ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute

possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute

priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI

1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER

ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de

alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-

CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais

prejudicada

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte

do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho

Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos

colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para

o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne

32

pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos

tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de

uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou

religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com

outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o

status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato

do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase

sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem

alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda

famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o

sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo

do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da

necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana

As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser

visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas

Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade

de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo

caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e

priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees

comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986

CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002

RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)

Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais

mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al

2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As

implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam

situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais

Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua

suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma

alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na

33

disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma

equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter

conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem

tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e

disponibilidade adequadas

Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente

familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a

transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem

ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na

porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem

focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA

2008)

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem

desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta

agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo

de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a

exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta

a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias

que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-

obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de

iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas

estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as

cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-

de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com

muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)

Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve

atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura

Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para

34

contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da

degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-

accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees

produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional

(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute

mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo

O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado

quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade

Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua

uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos

realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO

MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural

na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de

matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas

uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo

substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente

dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor

puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo

diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua

consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento

das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento

sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)

Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas

agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta

situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias

outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e

amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas

de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de

restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia

receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo

35

garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo

adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes

para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)

O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade

possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que

refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo

fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas

com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias

de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes

36

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO

21 Delineamento da Pesquisa

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao

objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas

que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de

representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o

campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa

usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO

2005)

O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer

relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando

e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de

intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a

compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade

interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes

tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os

significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira

22 Cenaacuterio do Estudo

O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do

Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de

Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de

27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo

territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste

municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo

territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute

mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares

com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por

hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo

lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo

37

1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000

(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste

municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades

ligadas a este produto principalmente o corte

No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano

Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este

iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de

0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)

23 Participantes do Estudo

O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de

cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de

Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de

Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo

As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de

amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a

interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio

de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas

(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por

pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as

questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo

da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)

24 Coleta de Informaccedilotildees

A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo

considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior

instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase

da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo

A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um

roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees

norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas

escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um

38

pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo

da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a

entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas

As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que

significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os

alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os

membros de sua famiacutelia

A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha

liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um

diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar

adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar

(MINAYO 2008)

As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software

Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas

Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e

validaccedilatildeo destas

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees

No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma

pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros

relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional

mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os

constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a

complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico

econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata

Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso

ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas

que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta

pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi

imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados

A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a

Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a

39

partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos

que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o

Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na

formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)

1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi

tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias

iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os

documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas

Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O

ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das

mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade

considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo

correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da

representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja

representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-

accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de

todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de

homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a

criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da

pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo

Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do

estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou

Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as

Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo

delimitada a compreensatildeo do mesmo)

2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as

categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto

foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas

pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de

Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados

No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de

40

Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de

todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma

observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as

categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador

pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado

3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos

resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos

previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram

distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do

referencial teoacuterico

As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office

Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A

26 Aspectos Eacuteticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de

Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas

envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)

Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam

informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a

entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)

27 Limitaccedilatildeo do estudo

A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma

vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros

pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo

interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado

41

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Introduccedilatildeo

A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular

permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas

e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida

digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo

como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um

avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo

ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos

sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13

Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as

pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de

desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a

suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as

expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4

Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste

local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia

visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e

socioculturais 56

A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os

membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em

quantidade suficiente e qualidade adequada 37

Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar

que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente

para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as

famiacutelias da regiatildeo 8910

A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

42

venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais

difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311

No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua

aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo

culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da

existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os

universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente

transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua

responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12

Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os

significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores

de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Caminho metodoloacutegico

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das

vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em

torno de representaccedilotildees e simbolismos 13

O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata

do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e

outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo

No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-

accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com

significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta

atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra

proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e

nutricional 811

A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores

das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de

43

saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de

natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314

A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o

corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro

semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O

que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua

famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se

sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram

realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas

na iacutentegra

As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por

Bardin (2011) 15

realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de

todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus

momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram

selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras

(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para

composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das

categorias temaacuteticas

As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316

e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14

e as

influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 5121718

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)

do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em

respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada

participante recebeu um pseudocircnimo

Resultados

Atores do estudo

As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos

predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino

44

fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas

Categoria I O alimento como essencial agrave vida

A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de

conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia

ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o

alimento ningueacutem viverdquo (Camila)

ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica

fraco E sem comida morrerdquo (Renata)

ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo

(Solange)

Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma

condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo

ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a

gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)

ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a

genterdquo (Fabiana)

As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam

desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma

obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida

ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com

fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a

alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)

ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar

pode ficar desnutridardquo (Margarida)

ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)

O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram

uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos

saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo

destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis

45

ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de

comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e

cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)

ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e

bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora

certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)

ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a

gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)

ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute

seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode

comer em quantidaderdquo (Silvana)

ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a

gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)

Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio

A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade

quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de

desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o

alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante

sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos

foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)

ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute

mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)

ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus

quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar

Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar

na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando

eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)

ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter

de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar

chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu

desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho

46

um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles

pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)

ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo

mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)

Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher

interferindo na partilha

A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a

disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para

todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles

ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura

ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias

tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute

tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)

ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as

cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de

feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)

As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se

sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o

provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu

trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo

ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia

colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou

colocar tudordquo (Patriacutecia)

ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida

e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo

(Fabiana)

Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos

Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na

distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do

47

homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores

quantidades de alimentos

ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando

fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo

tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)

ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser

pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)

ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele

trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega

aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida

suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece

(risos)rdquo (Silvana)

As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns

alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram

de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e

comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo

ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a

gente eacute pobrerdquo (Camila)

ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um

pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha

um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)

ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa

porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo

faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)

Discussatildeo

O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia

e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como

proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das

mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas

13

48

A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais

dos indiviacuteduos 14

Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo

de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como

sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido

colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos

jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas

praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores

socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a

modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas

climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim

houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

intuito de manter a vida 1819

A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das

mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional

trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte

pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito

significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se

encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais

direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021

A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as

mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a

qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras

que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a

populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo

pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo

socioeconocircmica 12

Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo

os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras

saturadas

Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria

baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade 1217

As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua

significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o

consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como

49

complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua

vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na

alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente

acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual

feijatildeo com arroz 22

Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com

prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a

seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223

No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo

socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo

de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da

cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra

accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando

desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores

conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de

complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24

A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de

outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe

problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo

das iniquidades sociais 18

Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila

Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali

habitam 8

Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e

vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava

presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e

psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia

tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada

e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20

eacute possiacutevel perceber

que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional

em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que

possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e

da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e

crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis

perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de

alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve

50

As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da

ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave

Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo

companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por

intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave

vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a

questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25

Em uma casa

pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo

escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26

Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais

importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o

de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras

refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo

tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos 31027

Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e

mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos

filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis

desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente

e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera

privada satildeo delegadas agrave mulher 2829

As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees

hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a

mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das

relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto

culturalmente 29

Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o

seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar

as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada

menos digna do que o trabalho do homem 121730

Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que

exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das

possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita

a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do

homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17

Esta situaccedilatildeo reflete as

51

representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no

domiciacutelio

No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior

pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria

consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus

membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a

mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da

praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da

alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural

mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a

melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam

maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores

necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais

menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para

atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de

alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel

exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para

trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de

priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto

da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227

A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do

indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por

indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma

categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo

enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos

estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231

A alimentaccedilatildeo colocada como

hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia

eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco

colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente

do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822

52

Consideraccedilotildees finais

As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave

alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos

aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos

para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do

homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de

alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os

sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez

refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a

diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo

Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave

violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos

agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e

Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que

proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-

accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo

Referecircncias

1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de

15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada

institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN

estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar

e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago

2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010

Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito

social Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 4 fev Disponiacutevel em

httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoEmendasEmcemc64htm

3 Panigassi G Segall-Correcirca AM Marin-Leoacuten L Peacuterez-Escamilla R Maranha LK

Sampaio MFA Inseguranccedila alimentar intrafamiliar e perfil de consumo de alimentos

Rev Nutr 2008 21 135-144

53

4 Leatildeo M (Org) O Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e o Sistema Nacional de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional Brasiacutelia ABRANDH 2013 p 10-38

5 Cascudo LC Histoacuteria da alimentaccedilatildeo no Brasil Satildeo Paulo Global 2011 p 11-66

73- 80 339-401

6 Arsenault JE Yakes EA Islam MM Hossain MB Ahmed T Hotz C Lewis B

Rahman AS Jamil KM Brown KH Very low adequacy of micronutrient intakes by

young children and women in rural Bangladesh is primarily explained by low food

intake and limited diversity J Nutr 2013 143197-203

7 Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de Seguranccedila

Alimentar e Nutricional [documento final] Conselho Nacional de Seguranccedila

Alimentar e Nutricional 2004

8 Cavalcanti C Dias A Lubambo C Barros H Cruz L Arauacutejo M Moreira M Galindo

O Programa de apoio ao desenvolvimento sustentaacutevel da zona da mata de

Pernambuco- PROMATA 2002

httpperiodicosfundajgovbrindexphpTPDarticleviewFile13671199 (acessado

em 05Nov2014)

9 Campos LHR Raposo I Maia A Empregabilidade do cortador de cana-de-accediluacutecar da

zona da mata Pernambucana no periacuteodo de entressafra Revista Econocircmica do

Nordeste 2007 3 329-342

10 Cavalcanti DS Vasconcelos PN Muniz VM Santos NFS Osoacuterio MM Consumo de

ferro e sua associaccedilatildeo com a anemia ferropriva nas famiacutelias de trabalhadores rurais da

Zona da Mata de Pernambuco Brasil Rev Nutr 2014 27 217-227

11 Oliveira JS Lira PIC Maia SR Sequeira LAS Amorim RCA Filho MB Inseguranccedila

alimentar e estado nutricional de crianccedilas de Gameleira zona da mata do Nordeste

brasileiro Rev Bras Sauacutede Mater Infant 2010 10 237-245

12 Romanelli G O significado da alimentaccedilatildeo na famiacutelia uma visatildeo antropoloacutegica

Medicina 2006 39 333-339

13 Minayo MCS O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em Sauacutede Satildeo Paulo

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14 Minayo MCS Ciecircncia Teacutecnica e Arte O desafio da pesquisa social In Minayo

MCS Deslandes AF Gomes R Pesquisa Social Teoria meacutetodo e criatividade

Petroacutepolis Vozes 2009 p 48

15 Bardin L Anaacutelise de Conteuacutedo Lisboa Ediccedilotildees 70 2011 p 121-133 145-148

54

16 Brasil Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional [documento final] Conselho Nacional de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2004

httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesII_Conferencia_2versaopdf (acessado em

15Out2014)

17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de

Ciecircncias Sociais 1986 29 103-130

18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da

economia patriarcal Satildeo Paulo Global 2003 p 64-497

19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na

Ameacuterica portuguesa do seacuteculo XVIII alguns casos monccediloeiros Diaacutelogos

DHIPPHUEM 2010 14 273-286

20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas

Estudos Avanccedilados 2007 21 143154

21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho

MB Anemia hipovitaminose A e inseguranccedila alimentar em crianccedilas de municiacutepios de

Baixo Iacutendice de Desenvolvimento Humano do Nordeste do Brasil Rev Bras

Epidemiol 2010 13 651-664

22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39

23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e

socioeconocircmica da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil em 2008-2009

Rev Sauacutede Puacuteblica 2012 46 6-15

24 Brasil Lei nordm 11326 de 24 de julho de 2006 Estabelece as diretrizes para a

formulaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos

Familiares Rurais Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2006 24 jul

25 Sampaio MFA Kepple AW Segall-Correcirca AM Oliveira JTA Maranha LK Marin-

Leon L Bergamasco SMPP Perez-Escamilla R (In) Seguranccedila Alimentar

experiecircncia de grupos focais com populaccedilotildees rurais do estado de Satildeo Paulo Rev

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2006 13 64-77

26 Freitas MCS Uma abordagem fenomenoloacutegica da fome Rev Nutr 2002 15 53-69

27 Ndiku M Jaceldo-Siegl K Singh P Sabateacute J Gender inequality in food intake and

nutricional status of children under 5 years old in rural Eastern Kenya European

Journal of Clinical Nutrition 2011 65 26-31

55

28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004

7172 29-43

29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero

e poder Itabaina GEPIADDE 2010 4 71-87

30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o

que vai pra mesa Fazendo gecircnero ndash Corpo violecircncia e poder 2008

httpwwwfazendogeneroufscbr8stsST6Oliveira-Vela_06pdf (acessado em

15set2014)

31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos

modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256

56

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua

distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel

reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como

figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se

deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a

dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as

mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo

com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos

pela sociedade

As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o

objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo

intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres

estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender

fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo

quantitativa

Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico

da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida

humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um

direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da

inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo

dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias

representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees

econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da

monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao

longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees

econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas

refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos

Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos

destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As

principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres

57

Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e

que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo

daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim

foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se

pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a

alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e

motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo

subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade

extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar

extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de

alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da

alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo

Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas

econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais

obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser

estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais

complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo

do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar

do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e

individual

Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se

ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da

Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e

culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes

ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos

58

REFEREcircNCIAS

ARSENAULT JE YAKES EA ISLAM MM HOSSAIN MB AHMED T HOTZ

C et al Very low adequacy of micronutrient intakes by young children and women in rural

Bangladesh is primarily explained by low food intake and limited diversity Journal of

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BELIK W SILVA JGS TAKAGI M Poliacuteticas de combate agrave fome no Brasil Revista

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BRASIL Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de 15 de

setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash

SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada institui a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN estabelece os paracircmetros para a

elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional e daacute outras

providecircncias Diaacuterio Oficial [da] Repuacuteblica Federativa do Brasil Poder Executivo

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social Disponiacutevel em

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______ Lei Nordm 11326 de 24 de julho de 2006 Estabelece as diretrizes para a formulaccedilatildeo da

Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais Diaacuterio

Oficial [da] Repuacuteblica Federativa do Brasil Poder Executivo Brasiacutelia DF 24 jul 2006

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CAVALCANTI VASCONCELOS PN MUNIZ VM SANTOS NF dos OSOacuteRIO

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64

APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista

ROTEIRO DA ENTREVISTA

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nome___________________________________________________ Data ____________

Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h

Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro

1 Idade __ __ (anos)

2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________

3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo

4 Escolaridade especificar

a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________

b) Ensino fundamental I________________________________________________

c) Ensino fundamental II_______________________________________________

d) Ensino meacutedio______________________________________________________

5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo

Questotildees norteadoras

1 O que agrave senhora entende por alimento

2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia

3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia

4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua

famiacutelia

Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil

65

APEcircNDICE B ndash Grelhas

66

67

68

69

70

71

ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica

72

APEcircNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO

NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE

UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL

LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA

PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis

Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco

Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios

Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa

Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa

O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento

A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas

Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas

e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute

decisatildeo ao contraacuterio

Recife ____ de _________________________de 2007

Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________

Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________

Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________

Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Page 3: SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...

2

3

Silvana Anelisa Bezerra de Andrade Souza

Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Dissertaccedilatildeo aprovada em __________________

Banca Examinadora

_________________________________________

Professora Dra Francisca Maacutercia Pereira Linhares

Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco

____________________________________________

Professora Dra Adriana Falacircngola Benjamin Bezerra

Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco

_________________________________________

Professora Dra Maria Gorete Lucena de Vasconcelos

Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco

RECIFE

2015

4

Dedico este trabalho a DEUS agrave minha famiacutelia e

familiares e aos meus amigos

A todos que lutam para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional bem como o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada no Brasil e no mundo

As companheiras de homens trabalhadores de cana-de-accediluacutecar mulheres guerreiras que lidam

diariamente com a alimentaccedilatildeo familiar

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus por mais esta conquista pois acredito que haacute tempo para tudo na

vida e certamente a realizaccedilatildeo deste sonho estava nos planos dEle para mim

Minha eterna gratidatildeo aos meus pais Silvana e Adeilson pelo amor cuidado e

ensinamentos Esta conquista tambeacutem eacute de vocecircs

Agradeccedilo aos meus irmatildeos Analy e Adeilson Filho pela amizade e companheirismo

Amo muito vocecircs

Agradeccedilo a Professora Mocircnica Osoacuterio e a Professora Cleide Pontes pelo aprendizado

e paciecircncia Fico muito lisonjeada em poder ter orientadoras tatildeo competentes e

comprometidas com sua profissatildeo

Meus agradecimentos a todos os professores da Poacutes-graduaccedilatildeo de Nutriccedilatildeo por todos

os ensinamentos construiacutedos durante o curso

Agradeccedilo em especial as minhas colegas da turma de mestrado Rafaella de Andrade

Conciana Neves Pedrita Queiroz Raiacutesa Duarte Camila Chiara Adriana Ceacutesar Suzane

Barbosa Dayse Lima pela parceria companheirismo e pela amizade construiacuteda Momentos

que jamais seratildeo esquecidos

Agradeccedilo as alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

(PIBIC) pelos momentos de aprendizado nas reuniotildees de grupo e pelas atividades realizadas

em equipe que ajudaram na construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo

Minha gratidatildeo agraves funcionaacuterias da Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Neci e Ceciacutelia pela

disponibilidade e atenccedilatildeo no atendimento Vocecircs satildeo profissionais que fazem a diferenccedila na

funccedilatildeo que desempenham

6

ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e

transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta

etiquetardquo

Luiacutes da Cacircmara Cascudo

7

RESUMO

A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela

cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os

ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na

famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades

bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e

econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo

historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta

por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As

entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por

alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora

divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os

alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos

constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da

famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento

como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no

domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo

na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia

da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as

situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a

distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os

sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos

no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se

relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo

Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional

8

ABSTRACT

Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an

individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos

household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a

common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however

this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities

including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore

the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-

familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast

The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The

individual interviews included the following guiding questions What do you understand by

food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute

food to your family members How do you feel when you share food with your family

members This information was interpreted under the light of the following theoretical

constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right

and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption

practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories

food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the

household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in

the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance

of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the

situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the

distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on

their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the

psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels

of nutritional and food insecurity for this population

Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security

9

LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES

DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal

10

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO 11

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada 15

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 19

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36

21 Delineamento da Pesquisa 36

22 Cenaacuterio do Estudo 36

23 Participantes do Estudo 37

24 Coleta das Informaccedilotildees 37

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38

26 Aspectos Eacuteticos 40

27 Limitaccedilotildees do estudo40

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

REFEREcircNCIAS 58

APEcircNDICE A64

APEcircNCIDE B65

ANEXO A71

APEcircNCIDE C72

11

APRESENTACcedilAtildeO

A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres

humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos

indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser

algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos

culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz

de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)

O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos

inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos

imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave

criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha

brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos

seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003

SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)

O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes

envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se

deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de

visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de

festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio

diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de

alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses

indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a

dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos

socioculturalmente

A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra

coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao

atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua

funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por

ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas

alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros

tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)

12

Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os

membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002

VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato

pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das

necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e

nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da

alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na

alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo

transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que

estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006

PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)

Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de

alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e

nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de

alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a

necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual

(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados

para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da

renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de

recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila

alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes

deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar

tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta

dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA

2008)

No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo

seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute

associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa

vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e

nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os

13

universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente

transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade

aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)

Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma

realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos

salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com

as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade

financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS

RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de

trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do

Nordeste do Brasil

Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da

responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo

quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que

residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como

objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a

percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira

As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se

estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez

alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica

atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a

relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos

significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que

vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o

desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas

que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza

A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a

partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil

ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as

influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia

sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

14

com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte

tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a

quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa

O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos

Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores

canavieiros nas praacuteticas alimentares

15

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada

A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito

de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas

alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social

econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a

dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)

Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da

concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e

saudaacutevel

A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades

nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes

(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha

de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se

adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar

Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio

socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade

adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na

alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo

das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre

os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo

na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo

estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto

72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e

avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-

16

disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-

educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda

no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo

deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-

raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um

privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das

iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada

indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles

indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade

O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis

global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que

medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita

Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias

sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas

caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente

utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de

percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta

condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas

do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo

ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido

promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo

interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um

consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al

2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e

nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de

qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade

para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou

contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras

17

tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao

DHAA (LEAtildeO 2013)

Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida

das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que

todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a

inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez

engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente

de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a

Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila

alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de

que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da

famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da

famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)

Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987

SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e

que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN

PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores

socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de

alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores

que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da

seguranccedilainseguranccedila alimentar

A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada

nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode

ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e

da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da

alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano

seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros

satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste

sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo

18

psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral

estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos

indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes

estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na

tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas

em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar

trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que

todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada

indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma

alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade

Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar

pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos

Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila

O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores

necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades

o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)

Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as

suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais

A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom

funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo

alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma

alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais

especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico

beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas

alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002

PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute

possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades

O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar

e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento

ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado

alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em

19

carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da

populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se

um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos

padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-

CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo

Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos

A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos

problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia

nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual

habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome

oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto

agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma

consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma

alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa

seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e

percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)

Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os

aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares

Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-

geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio

identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica

econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem

sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares

(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o

decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem

tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e

sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON

20

1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica

alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo

que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o

olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo

contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto

independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo

brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial

A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com

a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma

miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e

escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs

influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades

encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como

clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas

essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia

eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco

colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em

grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores

ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos

O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e

que refletem na alimentaccedilatildeo atual

No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge

mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos

alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma

necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de

alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos

seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos

indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem

desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui

viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca

alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais

importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o

21

alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje

na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas

Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute

possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa

brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)

Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da

incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma

monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era

praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim

escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo

com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a

sobrevivecircncia

Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute

possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O

modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a

monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em

relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo

dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes

inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como

frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de

agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os

agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e

utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado

(BRASIL 2006)

A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do

suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos

mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas

fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido

(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas

verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial

continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)

22

Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O

primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica

cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos

alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico

baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que

condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de

haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o

enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto

qualitativo

No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se

obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados

consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em

Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos

gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute

um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os

feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000

PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem

histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das

famiacutelias brasileiras

Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas

pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram

a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento

o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo

XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se

ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como

terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-

se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo

Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por

volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter

contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das

famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o

arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da

modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo

23

tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o

consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel

Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se

torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no

Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas

Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em

Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo

eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem

ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do

Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo

simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL

2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma

diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha

brasileira

O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos

refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria

ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees

se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande

deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o

crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa

aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em

queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande

oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do

seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante

apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)

Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento

de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma

alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e

agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante

o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se

24

concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano

desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)

Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de

povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX

quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de

emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande

diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e

outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram

presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas

diferentes regiotildees do Brasil

A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto

concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando

este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no

Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou

uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as

famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)

A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam

braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de

mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma

elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra

situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer

as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda

hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute

de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da

escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do

Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de

famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional

Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social

colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora

indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado

25

por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A

partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista

Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a

receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo

consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar

do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)

O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha

com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade

de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da

populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o

consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo

consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de

minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo

das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois

aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na

alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo

bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar

Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo

para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das

praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo

observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo

bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se

sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo

no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar

equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial

era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional

Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a

disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos

alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem

presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de

26

incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas

sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura

militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras

permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo

(VASCONCELOS 2005)

O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de

democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para

superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como

justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e

ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura

militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de

direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e

prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)

No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o

seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os

produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui

para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de

famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil

confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute

possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute

inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se

necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares

A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo

no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a

natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o

alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em

expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas

alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores

crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo

27

Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras

dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI

2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre

quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas

(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH

2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a

perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam

arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o

entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua

histoacuteria

Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram

adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)

Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como

se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)

Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns

alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante

apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos

(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter

nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo

O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo

Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo

modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de

culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a

constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades

bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA

2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares

delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo

relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo

social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros

grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com

determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo

menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social

28

Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de

pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a

identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave

sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo

ao sabor do alimento

A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar

uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas

categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas

culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de

ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas

estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por

poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam

maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o

paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria

relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo

situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)

Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de

alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre

as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes

alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As

diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos

alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como

ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo

faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas

alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute

necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da

Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda

que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis

Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos

de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida

eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo

enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste

29

modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres

Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no

valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos

que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles

ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro

(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como

responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo

Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes

que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas

de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois

somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e

verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos

tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais

A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas

na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da

personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores

puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A

apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos

porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do

imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou

que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos

produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer

aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas

que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si

mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo

natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento

deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como

socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute

bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre

ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos

ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes

30

A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente

na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares

satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares

podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das

formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)

Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou

consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero

(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de

alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)

Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute

diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de

provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e

dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais

na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado

historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo

considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)

Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a

dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada

sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente

atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)

Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao

afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas

geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo

domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem

deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura

masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou

colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas

aos homens comuns (ROMANELLI 2006)

Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e

este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o

31

preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua

responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente

rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela

tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar

determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)

Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante

destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que

refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)

A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a

quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e

muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente

durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa

tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE

2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e

a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)

Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade

e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta

ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute

possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute

priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI

1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER

ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de

alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-

CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais

prejudicada

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte

do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho

Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos

colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para

o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne

32

pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos

tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de

uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou

religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com

outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o

status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato

do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase

sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem

alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda

famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o

sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo

do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da

necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana

As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser

visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas

Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade

de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo

caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e

priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees

comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986

CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002

RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)

Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais

mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al

2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As

implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam

situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais

Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua

suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma

alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na

33

disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma

equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter

conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem

tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e

disponibilidade adequadas

Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente

familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a

transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem

ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na

porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem

focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA

2008)

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem

desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta

agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo

de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a

exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta

a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias

que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-

obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de

iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas

estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as

cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-

de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com

muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)

Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve

atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura

Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para

34

contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da

degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-

accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees

produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional

(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute

mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo

O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado

quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade

Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua

uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos

realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO

MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural

na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de

matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas

uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo

substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente

dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor

puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo

diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua

consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento

das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento

sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)

Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas

agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta

situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias

outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e

amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas

de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de

restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia

receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo

35

garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo

adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes

para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)

O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade

possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que

refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo

fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas

com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias

de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes

36

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO

21 Delineamento da Pesquisa

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao

objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas

que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de

representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o

campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa

usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO

2005)

O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer

relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando

e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de

intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a

compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade

interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes

tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os

significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira

22 Cenaacuterio do Estudo

O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do

Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de

Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de

27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo

territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste

municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo

territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute

mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares

com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por

hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo

lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo

37

1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000

(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste

municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades

ligadas a este produto principalmente o corte

No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano

Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este

iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de

0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)

23 Participantes do Estudo

O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de

cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de

Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de

Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo

As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de

amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a

interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio

de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas

(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por

pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as

questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo

da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)

24 Coleta de Informaccedilotildees

A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo

considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior

instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase

da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo

A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um

roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees

norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas

escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um

38

pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo

da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a

entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas

As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que

significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os

alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os

membros de sua famiacutelia

A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha

liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um

diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar

adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar

(MINAYO 2008)

As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software

Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas

Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e

validaccedilatildeo destas

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees

No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma

pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros

relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional

mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os

constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a

complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico

econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata

Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso

ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas

que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta

pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi

imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados

A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a

Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a

39

partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos

que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o

Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na

formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)

1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi

tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias

iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os

documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas

Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O

ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das

mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade

considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo

correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da

representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja

representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-

accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de

todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de

homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a

criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da

pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo

Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do

estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou

Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as

Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo

delimitada a compreensatildeo do mesmo)

2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as

categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto

foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas

pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de

Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados

No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de

40

Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de

todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma

observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as

categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador

pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado

3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos

resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos

previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram

distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do

referencial teoacuterico

As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office

Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A

26 Aspectos Eacuteticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de

Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas

envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)

Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam

informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a

entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)

27 Limitaccedilatildeo do estudo

A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma

vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros

pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo

interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado

41

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Introduccedilatildeo

A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular

permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas

e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida

digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo

como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um

avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo

ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos

sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13

Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as

pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de

desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a

suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as

expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4

Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste

local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia

visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e

socioculturais 56

A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os

membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em

quantidade suficiente e qualidade adequada 37

Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar

que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente

para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as

famiacutelias da regiatildeo 8910

A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

42

venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais

difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311

No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua

aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo

culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da

existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os

universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente

transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua

responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12

Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os

significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores

de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Caminho metodoloacutegico

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das

vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em

torno de representaccedilotildees e simbolismos 13

O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata

do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e

outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo

No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-

accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com

significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta

atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra

proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e

nutricional 811

A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores

das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de

43

saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de

natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314

A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o

corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro

semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O

que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua

famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se

sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram

realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas

na iacutentegra

As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por

Bardin (2011) 15

realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de

todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus

momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram

selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras

(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para

composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das

categorias temaacuteticas

As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316

e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14

e as

influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 5121718

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)

do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em

respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada

participante recebeu um pseudocircnimo

Resultados

Atores do estudo

As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos

predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino

44

fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas

Categoria I O alimento como essencial agrave vida

A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de

conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia

ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o

alimento ningueacutem viverdquo (Camila)

ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica

fraco E sem comida morrerdquo (Renata)

ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo

(Solange)

Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma

condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo

ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a

gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)

ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a

genterdquo (Fabiana)

As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam

desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma

obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida

ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com

fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a

alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)

ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar

pode ficar desnutridardquo (Margarida)

ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)

O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram

uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos

saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo

destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis

45

ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de

comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e

cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)

ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e

bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora

certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)

ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a

gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)

ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute

seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode

comer em quantidaderdquo (Silvana)

ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a

gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)

Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio

A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade

quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de

desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o

alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante

sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos

foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)

ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute

mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)

ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus

quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar

Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar

na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando

eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)

ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter

de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar

chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu

desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho

46

um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles

pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)

ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo

mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)

Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher

interferindo na partilha

A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a

disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para

todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles

ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura

ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias

tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute

tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)

ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as

cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de

feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)

As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se

sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o

provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu

trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo

ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia

colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou

colocar tudordquo (Patriacutecia)

ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida

e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo

(Fabiana)

Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos

Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na

distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do

47

homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores

quantidades de alimentos

ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando

fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo

tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)

ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser

pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)

ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele

trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega

aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida

suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece

(risos)rdquo (Silvana)

As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns

alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram

de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e

comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo

ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a

gente eacute pobrerdquo (Camila)

ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um

pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha

um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)

ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa

porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo

faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)

Discussatildeo

O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia

e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como

proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das

mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas

13

48

A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais

dos indiviacuteduos 14

Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo

de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como

sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido

colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos

jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas

praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores

socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a

modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas

climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim

houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

intuito de manter a vida 1819

A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das

mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional

trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte

pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito

significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se

encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais

direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021

A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as

mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a

qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras

que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a

populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo

pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo

socioeconocircmica 12

Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo

os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras

saturadas

Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria

baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade 1217

As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua

significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o

consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como

49

complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua

vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na

alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente

acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual

feijatildeo com arroz 22

Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com

prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a

seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223

No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo

socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo

de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da

cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra

accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando

desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores

conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de

complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24

A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de

outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe

problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo

das iniquidades sociais 18

Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila

Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali

habitam 8

Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e

vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava

presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e

psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia

tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada

e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20

eacute possiacutevel perceber

que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional

em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que

possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e

da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e

crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis

perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de

alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve

50

As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da

ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave

Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo

companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por

intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave

vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a

questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25

Em uma casa

pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo

escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26

Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais

importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o

de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras

refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo

tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos 31027

Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e

mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos

filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis

desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente

e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera

privada satildeo delegadas agrave mulher 2829

As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees

hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a

mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das

relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto

culturalmente 29

Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o

seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar

as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada

menos digna do que o trabalho do homem 121730

Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que

exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das

possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita

a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do

homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17

Esta situaccedilatildeo reflete as

51

representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no

domiciacutelio

No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior

pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria

consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus

membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a

mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da

praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da

alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural

mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a

melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam

maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores

necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais

menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para

atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de

alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel

exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para

trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de

priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto

da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227

A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do

indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por

indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma

categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo

enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos

estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231

A alimentaccedilatildeo colocada como

hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia

eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco

colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente

do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822

52

Consideraccedilotildees finais

As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave

alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos

aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos

para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do

homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de

alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os

sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez

refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a

diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo

Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave

violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos

agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e

Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que

proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-

accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo

Referecircncias

1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de

15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada

institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN

estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar

e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago

2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010

Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito

social Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 4 fev Disponiacutevel em

httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoEmendasEmcemc64htm

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7 Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de Seguranccedila

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Alimentar e Nutricional 2004

8 Cavalcanti C Dias A Lubambo C Barros H Cruz L Arauacutejo M Moreira M Galindo

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10 Cavalcanti DS Vasconcelos PN Muniz VM Santos NFS Osoacuterio MM Consumo de

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alimentar e estado nutricional de crianccedilas de Gameleira zona da mata do Nordeste

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12 Romanelli G O significado da alimentaccedilatildeo na famiacutelia uma visatildeo antropoloacutegica

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13 Minayo MCS O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em Sauacutede Satildeo Paulo

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14 Minayo MCS Ciecircncia Teacutecnica e Arte O desafio da pesquisa social In Minayo

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Petroacutepolis Vozes 2009 p 48

15 Bardin L Anaacutelise de Conteuacutedo Lisboa Ediccedilotildees 70 2011 p 121-133 145-148

54

16 Brasil Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional [documento final] Conselho Nacional de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2004

httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesII_Conferencia_2versaopdf (acessado em

15Out2014)

17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de

Ciecircncias Sociais 1986 29 103-130

18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da

economia patriarcal Satildeo Paulo Global 2003 p 64-497

19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na

Ameacuterica portuguesa do seacuteculo XVIII alguns casos monccediloeiros Diaacutelogos

DHIPPHUEM 2010 14 273-286

20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas

Estudos Avanccedilados 2007 21 143154

21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho

MB Anemia hipovitaminose A e inseguranccedila alimentar em crianccedilas de municiacutepios de

Baixo Iacutendice de Desenvolvimento Humano do Nordeste do Brasil Rev Bras

Epidemiol 2010 13 651-664

22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39

23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e

socioeconocircmica da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil em 2008-2009

Rev Sauacutede Puacuteblica 2012 46 6-15

24 Brasil Lei nordm 11326 de 24 de julho de 2006 Estabelece as diretrizes para a

formulaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos

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25 Sampaio MFA Kepple AW Segall-Correcirca AM Oliveira JTA Maranha LK Marin-

Leon L Bergamasco SMPP Perez-Escamilla R (In) Seguranccedila Alimentar

experiecircncia de grupos focais com populaccedilotildees rurais do estado de Satildeo Paulo Rev

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26 Freitas MCS Uma abordagem fenomenoloacutegica da fome Rev Nutr 2002 15 53-69

27 Ndiku M Jaceldo-Siegl K Singh P Sabateacute J Gender inequality in food intake and

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55

28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004

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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero

e poder Itabaina GEPIADDE 2010 4 71-87

30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o

que vai pra mesa Fazendo gecircnero ndash Corpo violecircncia e poder 2008

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31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos

modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256

56

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua

distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel

reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como

figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se

deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a

dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as

mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo

com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos

pela sociedade

As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o

objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo

intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres

estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender

fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo

quantitativa

Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico

da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida

humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um

direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da

inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo

dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias

representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees

econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da

monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao

longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees

econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas

refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos

Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos

destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As

principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres

57

Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e

que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo

daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim

foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se

pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a

alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e

motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo

subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade

extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar

extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de

alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da

alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo

Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas

econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais

obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser

estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais

complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo

do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar

do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e

individual

Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se

ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da

Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e

culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes

ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos

58

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64

APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista

ROTEIRO DA ENTREVISTA

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nome___________________________________________________ Data ____________

Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h

Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro

1 Idade __ __ (anos)

2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________

3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo

4 Escolaridade especificar

a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________

b) Ensino fundamental I________________________________________________

c) Ensino fundamental II_______________________________________________

d) Ensino meacutedio______________________________________________________

5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo

Questotildees norteadoras

1 O que agrave senhora entende por alimento

2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia

3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia

4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua

famiacutelia

Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil

65

APEcircNDICE B ndash Grelhas

66

67

68

69

70

71

ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica

72

APEcircNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO

NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE

UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL

LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA

PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis

Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco

Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios

Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa

Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa

O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento

A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas

Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas

e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute

decisatildeo ao contraacuterio

Recife ____ de _________________________de 2007

Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________

Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________

Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________

Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Page 4: SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...

3

Silvana Anelisa Bezerra de Andrade Souza

Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Dissertaccedilatildeo aprovada em __________________

Banca Examinadora

_________________________________________

Professora Dra Francisca Maacutercia Pereira Linhares

Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco

____________________________________________

Professora Dra Adriana Falacircngola Benjamin Bezerra

Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco

_________________________________________

Professora Dra Maria Gorete Lucena de Vasconcelos

Centro de Ciecircncias da Sauacutede ndash Universidade Federal de Pernambuco

RECIFE

2015

4

Dedico este trabalho a DEUS agrave minha famiacutelia e

familiares e aos meus amigos

A todos que lutam para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional bem como o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada no Brasil e no mundo

As companheiras de homens trabalhadores de cana-de-accediluacutecar mulheres guerreiras que lidam

diariamente com a alimentaccedilatildeo familiar

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus por mais esta conquista pois acredito que haacute tempo para tudo na

vida e certamente a realizaccedilatildeo deste sonho estava nos planos dEle para mim

Minha eterna gratidatildeo aos meus pais Silvana e Adeilson pelo amor cuidado e

ensinamentos Esta conquista tambeacutem eacute de vocecircs

Agradeccedilo aos meus irmatildeos Analy e Adeilson Filho pela amizade e companheirismo

Amo muito vocecircs

Agradeccedilo a Professora Mocircnica Osoacuterio e a Professora Cleide Pontes pelo aprendizado

e paciecircncia Fico muito lisonjeada em poder ter orientadoras tatildeo competentes e

comprometidas com sua profissatildeo

Meus agradecimentos a todos os professores da Poacutes-graduaccedilatildeo de Nutriccedilatildeo por todos

os ensinamentos construiacutedos durante o curso

Agradeccedilo em especial as minhas colegas da turma de mestrado Rafaella de Andrade

Conciana Neves Pedrita Queiroz Raiacutesa Duarte Camila Chiara Adriana Ceacutesar Suzane

Barbosa Dayse Lima pela parceria companheirismo e pela amizade construiacuteda Momentos

que jamais seratildeo esquecidos

Agradeccedilo as alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

(PIBIC) pelos momentos de aprendizado nas reuniotildees de grupo e pelas atividades realizadas

em equipe que ajudaram na construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo

Minha gratidatildeo agraves funcionaacuterias da Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Neci e Ceciacutelia pela

disponibilidade e atenccedilatildeo no atendimento Vocecircs satildeo profissionais que fazem a diferenccedila na

funccedilatildeo que desempenham

6

ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e

transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta

etiquetardquo

Luiacutes da Cacircmara Cascudo

7

RESUMO

A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela

cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os

ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na

famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades

bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e

econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo

historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta

por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As

entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por

alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora

divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os

alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos

constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da

famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento

como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no

domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo

na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia

da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as

situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a

distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os

sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos

no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se

relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo

Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional

8

ABSTRACT

Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an

individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos

household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a

common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however

this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities

including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore

the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-

familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast

The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The

individual interviews included the following guiding questions What do you understand by

food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute

food to your family members How do you feel when you share food with your family

members This information was interpreted under the light of the following theoretical

constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right

and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption

practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories

food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the

household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in

the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance

of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the

situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the

distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on

their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the

psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels

of nutritional and food insecurity for this population

Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security

9

LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES

DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal

10

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO 11

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada 15

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 19

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36

21 Delineamento da Pesquisa 36

22 Cenaacuterio do Estudo 36

23 Participantes do Estudo 37

24 Coleta das Informaccedilotildees 37

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38

26 Aspectos Eacuteticos 40

27 Limitaccedilotildees do estudo40

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

REFEREcircNCIAS 58

APEcircNDICE A64

APEcircNCIDE B65

ANEXO A71

APEcircNCIDE C72

11

APRESENTACcedilAtildeO

A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres

humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos

indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser

algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos

culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz

de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)

O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos

inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos

imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave

criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha

brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos

seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003

SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)

O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes

envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se

deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de

visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de

festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio

diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de

alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses

indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a

dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos

socioculturalmente

A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra

coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao

atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua

funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por

ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas

alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros

tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)

12

Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os

membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002

VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato

pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das

necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e

nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da

alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na

alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo

transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que

estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006

PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)

Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de

alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e

nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de

alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a

necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual

(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados

para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da

renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de

recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila

alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes

deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar

tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta

dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA

2008)

No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo

seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute

associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa

vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e

nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os

13

universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente

transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade

aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)

Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma

realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos

salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com

as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade

financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS

RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de

trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do

Nordeste do Brasil

Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da

responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo

quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que

residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como

objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a

percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira

As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se

estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez

alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica

atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a

relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos

significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que

vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o

desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas

que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza

A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a

partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil

ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as

influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia

sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

14

com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte

tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a

quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa

O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos

Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores

canavieiros nas praacuteticas alimentares

15

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada

A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito

de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas

alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social

econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a

dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)

Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da

concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e

saudaacutevel

A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades

nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes

(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha

de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se

adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar

Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio

socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade

adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na

alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo

das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre

os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo

na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo

estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto

72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e

avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-

16

disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-

educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda

no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo

deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-

raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um

privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das

iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada

indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles

indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade

O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis

global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que

medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita

Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias

sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas

caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente

utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de

percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta

condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas

do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo

ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido

promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo

interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um

consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al

2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e

nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de

qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade

para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou

contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras

17

tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao

DHAA (LEAtildeO 2013)

Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida

das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que

todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a

inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez

engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente

de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a

Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila

alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de

que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da

famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da

famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)

Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987

SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e

que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN

PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores

socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de

alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores

que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da

seguranccedilainseguranccedila alimentar

A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada

nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode

ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e

da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da

alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano

seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros

satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste

sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo

18

psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral

estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos

indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes

estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na

tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas

em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar

trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que

todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada

indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma

alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade

Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar

pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos

Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila

O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores

necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades

o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)

Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as

suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais

A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom

funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo

alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma

alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais

especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico

beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas

alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002

PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute

possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades

O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar

e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento

ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado

alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em

19

carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da

populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se

um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos

padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-

CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo

Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos

A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos

problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia

nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual

habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome

oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto

agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma

consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma

alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa

seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e

percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)

Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os

aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares

Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-

geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio

identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica

econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem

sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares

(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o

decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem

tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e

sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON

20

1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica

alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo

que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o

olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo

contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto

independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo

brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial

A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com

a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma

miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e

escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs

influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades

encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como

clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas

essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia

eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco

colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em

grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores

ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos

O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e

que refletem na alimentaccedilatildeo atual

No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge

mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos

alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma

necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de

alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos

seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos

indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem

desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui

viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca

alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais

importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o

21

alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje

na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas

Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute

possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa

brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)

Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da

incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma

monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era

praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim

escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo

com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a

sobrevivecircncia

Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute

possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O

modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a

monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em

relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo

dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes

inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como

frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de

agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os

agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e

utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado

(BRASIL 2006)

A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do

suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos

mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas

fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido

(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas

verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial

continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)

22

Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O

primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica

cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos

alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico

baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que

condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de

haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o

enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto

qualitativo

No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se

obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados

consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em

Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos

gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute

um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os

feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000

PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem

histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das

famiacutelias brasileiras

Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas

pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram

a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento

o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo

XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se

ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como

terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-

se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo

Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por

volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter

contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das

famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o

arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da

modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo

23

tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o

consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel

Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se

torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no

Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas

Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em

Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo

eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem

ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do

Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo

simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL

2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma

diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha

brasileira

O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos

refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria

ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees

se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande

deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o

crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa

aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em

queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande

oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do

seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante

apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)

Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento

de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma

alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e

agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante

o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se

24

concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano

desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)

Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de

povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX

quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de

emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande

diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e

outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram

presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas

diferentes regiotildees do Brasil

A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto

concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando

este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no

Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou

uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as

famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)

A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam

braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de

mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma

elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra

situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer

as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda

hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute

de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da

escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do

Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de

famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional

Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social

colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora

indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado

25

por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A

partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista

Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a

receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo

consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar

do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)

O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha

com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade

de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da

populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o

consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo

consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de

minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo

das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois

aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na

alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo

bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar

Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo

para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das

praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo

observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo

bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se

sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo

no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar

equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial

era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional

Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a

disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos

alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem

presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de

26

incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas

sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura

militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras

permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo

(VASCONCELOS 2005)

O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de

democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para

superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como

justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e

ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura

militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de

direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e

prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)

No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o

seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os

produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui

para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de

famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil

confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute

possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute

inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se

necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares

A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo

no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a

natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o

alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em

expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas

alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores

crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo

27

Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras

dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI

2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre

quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas

(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH

2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a

perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam

arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o

entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua

histoacuteria

Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram

adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)

Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como

se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)

Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns

alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante

apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos

(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter

nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo

O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo

Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo

modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de

culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a

constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades

bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA

2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares

delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo

relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo

social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros

grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com

determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo

menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social

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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de

pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a

identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave

sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo

ao sabor do alimento

A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar

uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas

categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas

culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de

ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas

estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por

poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam

maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o

paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria

relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo

situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)

Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de

alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre

as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes

alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As

diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos

alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como

ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo

faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas

alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute

necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da

Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda

que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis

Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos

de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida

eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo

enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste

29

modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres

Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no

valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos

que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles

ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro

(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como

responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo

Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes

que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas

de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois

somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e

verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos

tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais

A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas

na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da

personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores

puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A

apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos

porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do

imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou

que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos

produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer

aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas

que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si

mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo

natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento

deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como

socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute

bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre

ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos

ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes

30

A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente

na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares

satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares

podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das

formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)

Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou

consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero

(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de

alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)

Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute

diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de

provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e

dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais

na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado

historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo

considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)

Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a

dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada

sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente

atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)

Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao

afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas

geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo

domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem

deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura

masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou

colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas

aos homens comuns (ROMANELLI 2006)

Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e

este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o

31

preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua

responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente

rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela

tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar

determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)

Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante

destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que

refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)

A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a

quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e

muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente

durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa

tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE

2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e

a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)

Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade

e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta

ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute

possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute

priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI

1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER

ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de

alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-

CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais

prejudicada

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte

do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho

Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos

colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para

o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne

32

pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos

tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de

uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou

religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com

outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o

status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato

do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase

sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem

alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda

famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o

sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo

do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da

necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana

As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser

visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas

Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade

de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo

caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e

priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees

comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986

CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002

RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)

Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais

mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al

2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As

implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam

situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais

Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua

suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma

alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na

33

disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma

equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter

conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem

tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e

disponibilidade adequadas

Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente

familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a

transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem

ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na

porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem

focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA

2008)

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem

desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta

agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo

de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a

exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta

a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias

que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-

obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de

iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas

estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as

cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-

de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com

muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)

Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve

atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura

Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para

34

contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da

degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-

accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees

produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional

(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute

mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo

O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado

quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade

Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua

uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos

realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO

MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural

na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de

matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas

uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo

substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente

dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor

puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo

diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua

consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento

das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento

sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)

Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas

agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta

situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias

outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e

amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas

de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de

restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia

receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo

35

garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo

adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes

para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)

O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade

possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que

refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo

fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas

com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias

de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes

36

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO

21 Delineamento da Pesquisa

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao

objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas

que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de

representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o

campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa

usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO

2005)

O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer

relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando

e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de

intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a

compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade

interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes

tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os

significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira

22 Cenaacuterio do Estudo

O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do

Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de

Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de

27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo

territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste

municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo

territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute

mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares

com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por

hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo

lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo

37

1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000

(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste

municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades

ligadas a este produto principalmente o corte

No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano

Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este

iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de

0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)

23 Participantes do Estudo

O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de

cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de

Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de

Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo

As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de

amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a

interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio

de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas

(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por

pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as

questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo

da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)

24 Coleta de Informaccedilotildees

A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo

considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior

instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase

da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo

A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um

roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees

norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas

escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um

38

pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo

da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a

entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas

As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que

significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os

alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os

membros de sua famiacutelia

A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha

liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um

diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar

adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar

(MINAYO 2008)

As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software

Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas

Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e

validaccedilatildeo destas

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees

No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma

pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros

relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional

mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os

constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a

complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico

econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata

Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso

ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas

que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta

pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi

imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados

A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a

Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a

39

partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos

que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o

Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na

formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)

1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi

tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias

iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os

documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas

Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O

ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das

mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade

considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo

correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da

representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja

representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-

accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de

todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de

homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a

criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da

pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo

Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do

estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou

Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as

Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo

delimitada a compreensatildeo do mesmo)

2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as

categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto

foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas

pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de

Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados

No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de

40

Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de

todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma

observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as

categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador

pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado

3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos

resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos

previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram

distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do

referencial teoacuterico

As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office

Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A

26 Aspectos Eacuteticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de

Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas

envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)

Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam

informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a

entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)

27 Limitaccedilatildeo do estudo

A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma

vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros

pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo

interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado

41

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Introduccedilatildeo

A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular

permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas

e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida

digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo

como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um

avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo

ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos

sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13

Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as

pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de

desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a

suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as

expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4

Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste

local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia

visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e

socioculturais 56

A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os

membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em

quantidade suficiente e qualidade adequada 37

Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar

que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente

para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as

famiacutelias da regiatildeo 8910

A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

42

venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais

difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311

No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua

aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo

culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da

existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os

universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente

transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua

responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12

Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os

significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores

de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Caminho metodoloacutegico

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das

vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em

torno de representaccedilotildees e simbolismos 13

O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata

do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e

outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo

No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-

accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com

significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta

atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra

proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e

nutricional 811

A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores

das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de

43

saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de

natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314

A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o

corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro

semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O

que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua

famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se

sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram

realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas

na iacutentegra

As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por

Bardin (2011) 15

realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de

todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus

momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram

selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras

(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para

composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das

categorias temaacuteticas

As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316

e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14

e as

influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 5121718

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)

do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em

respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada

participante recebeu um pseudocircnimo

Resultados

Atores do estudo

As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos

predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino

44

fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas

Categoria I O alimento como essencial agrave vida

A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de

conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia

ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o

alimento ningueacutem viverdquo (Camila)

ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica

fraco E sem comida morrerdquo (Renata)

ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo

(Solange)

Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma

condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo

ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a

gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)

ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a

genterdquo (Fabiana)

As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam

desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma

obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida

ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com

fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a

alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)

ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar

pode ficar desnutridardquo (Margarida)

ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)

O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram

uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos

saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo

destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis

45

ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de

comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e

cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)

ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e

bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora

certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)

ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a

gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)

ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute

seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode

comer em quantidaderdquo (Silvana)

ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a

gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)

Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio

A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade

quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de

desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o

alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante

sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos

foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)

ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute

mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)

ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus

quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar

Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar

na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando

eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)

ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter

de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar

chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu

desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho

46

um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles

pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)

ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo

mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)

Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher

interferindo na partilha

A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a

disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para

todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles

ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura

ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias

tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute

tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)

ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as

cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de

feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)

As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se

sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o

provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu

trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo

ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia

colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou

colocar tudordquo (Patriacutecia)

ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida

e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo

(Fabiana)

Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos

Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na

distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do

47

homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores

quantidades de alimentos

ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando

fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo

tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)

ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser

pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)

ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele

trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega

aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida

suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece

(risos)rdquo (Silvana)

As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns

alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram

de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e

comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo

ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a

gente eacute pobrerdquo (Camila)

ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um

pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha

um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)

ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa

porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo

faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)

Discussatildeo

O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia

e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como

proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das

mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas

13

48

A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais

dos indiviacuteduos 14

Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo

de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como

sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido

colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos

jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas

praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores

socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a

modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas

climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim

houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

intuito de manter a vida 1819

A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das

mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional

trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte

pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito

significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se

encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais

direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021

A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as

mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a

qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras

que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a

populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo

pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo

socioeconocircmica 12

Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo

os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras

saturadas

Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria

baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade 1217

As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua

significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o

consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como

49

complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua

vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na

alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente

acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual

feijatildeo com arroz 22

Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com

prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a

seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223

No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo

socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo

de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da

cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra

accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando

desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores

conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de

complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24

A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de

outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe

problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo

das iniquidades sociais 18

Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila

Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali

habitam 8

Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e

vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava

presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e

psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia

tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada

e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20

eacute possiacutevel perceber

que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional

em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que

possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e

da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e

crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis

perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de

alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve

50

As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da

ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave

Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo

companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por

intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave

vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a

questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25

Em uma casa

pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo

escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26

Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais

importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o

de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras

refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo

tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos 31027

Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e

mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos

filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis

desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente

e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera

privada satildeo delegadas agrave mulher 2829

As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees

hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a

mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das

relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto

culturalmente 29

Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o

seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar

as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada

menos digna do que o trabalho do homem 121730

Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que

exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das

possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita

a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do

homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17

Esta situaccedilatildeo reflete as

51

representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no

domiciacutelio

No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior

pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria

consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus

membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a

mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da

praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da

alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural

mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a

melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam

maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores

necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais

menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para

atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de

alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel

exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para

trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de

priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto

da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227

A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do

indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por

indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma

categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo

enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos

estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231

A alimentaccedilatildeo colocada como

hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia

eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco

colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente

do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822

52

Consideraccedilotildees finais

As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave

alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos

aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos

para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do

homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de

alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os

sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez

refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a

diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo

Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave

violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos

agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e

Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que

proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-

accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo

Referecircncias

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15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada

institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN

estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar

e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago

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11 Oliveira JS Lira PIC Maia SR Sequeira LAS Amorim RCA Filho MB Inseguranccedila

alimentar e estado nutricional de crianccedilas de Gameleira zona da mata do Nordeste

brasileiro Rev Bras Sauacutede Mater Infant 2010 10 237-245

12 Romanelli G O significado da alimentaccedilatildeo na famiacutelia uma visatildeo antropoloacutegica

Medicina 2006 39 333-339

13 Minayo MCS O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em Sauacutede Satildeo Paulo

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14 Minayo MCS Ciecircncia Teacutecnica e Arte O desafio da pesquisa social In Minayo

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Petroacutepolis Vozes 2009 p 48

15 Bardin L Anaacutelise de Conteuacutedo Lisboa Ediccedilotildees 70 2011 p 121-133 145-148

54

16 Brasil Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional [documento final] Conselho Nacional de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2004

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19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na

Ameacuterica portuguesa do seacuteculo XVIII alguns casos monccediloeiros Diaacutelogos

DHIPPHUEM 2010 14 273-286

20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas

Estudos Avanccedilados 2007 21 143154

21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho

MB Anemia hipovitaminose A e inseguranccedila alimentar em crianccedilas de municiacutepios de

Baixo Iacutendice de Desenvolvimento Humano do Nordeste do Brasil Rev Bras

Epidemiol 2010 13 651-664

22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39

23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e

socioeconocircmica da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil em 2008-2009

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24 Brasil Lei nordm 11326 de 24 de julho de 2006 Estabelece as diretrizes para a

formulaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos

Familiares Rurais Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2006 24 jul

25 Sampaio MFA Kepple AW Segall-Correcirca AM Oliveira JTA Maranha LK Marin-

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27 Ndiku M Jaceldo-Siegl K Singh P Sabateacute J Gender inequality in food intake and

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55

28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004

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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero

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30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o

que vai pra mesa Fazendo gecircnero ndash Corpo violecircncia e poder 2008

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15set2014)

31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos

modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256

56

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua

distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel

reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como

figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se

deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a

dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as

mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo

com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos

pela sociedade

As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o

objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo

intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres

estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender

fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo

quantitativa

Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico

da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida

humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um

direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da

inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo

dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias

representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees

econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da

monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao

longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees

econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas

refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos

Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos

destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As

principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres

57

Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e

que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo

daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim

foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se

pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a

alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e

motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo

subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade

extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar

extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de

alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da

alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo

Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas

econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais

obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser

estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais

complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo

do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar

do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e

individual

Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se

ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da

Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e

culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes

ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos

58

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64

APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista

ROTEIRO DA ENTREVISTA

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nome___________________________________________________ Data ____________

Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h

Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro

1 Idade __ __ (anos)

2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________

3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo

4 Escolaridade especificar

a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________

b) Ensino fundamental I________________________________________________

c) Ensino fundamental II_______________________________________________

d) Ensino meacutedio______________________________________________________

5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo

Questotildees norteadoras

1 O que agrave senhora entende por alimento

2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia

3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia

4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua

famiacutelia

Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil

65

APEcircNDICE B ndash Grelhas

66

67

68

69

70

71

ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica

72

APEcircNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO

NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE

UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL

LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA

PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis

Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco

Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios

Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa

Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa

O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento

A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas

Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas

e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute

decisatildeo ao contraacuterio

Recife ____ de _________________________de 2007

Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________

Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________

Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________

Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Page 5: SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...

4

Dedico este trabalho a DEUS agrave minha famiacutelia e

familiares e aos meus amigos

A todos que lutam para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional bem como o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada no Brasil e no mundo

As companheiras de homens trabalhadores de cana-de-accediluacutecar mulheres guerreiras que lidam

diariamente com a alimentaccedilatildeo familiar

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus por mais esta conquista pois acredito que haacute tempo para tudo na

vida e certamente a realizaccedilatildeo deste sonho estava nos planos dEle para mim

Minha eterna gratidatildeo aos meus pais Silvana e Adeilson pelo amor cuidado e

ensinamentos Esta conquista tambeacutem eacute de vocecircs

Agradeccedilo aos meus irmatildeos Analy e Adeilson Filho pela amizade e companheirismo

Amo muito vocecircs

Agradeccedilo a Professora Mocircnica Osoacuterio e a Professora Cleide Pontes pelo aprendizado

e paciecircncia Fico muito lisonjeada em poder ter orientadoras tatildeo competentes e

comprometidas com sua profissatildeo

Meus agradecimentos a todos os professores da Poacutes-graduaccedilatildeo de Nutriccedilatildeo por todos

os ensinamentos construiacutedos durante o curso

Agradeccedilo em especial as minhas colegas da turma de mestrado Rafaella de Andrade

Conciana Neves Pedrita Queiroz Raiacutesa Duarte Camila Chiara Adriana Ceacutesar Suzane

Barbosa Dayse Lima pela parceria companheirismo e pela amizade construiacuteda Momentos

que jamais seratildeo esquecidos

Agradeccedilo as alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

(PIBIC) pelos momentos de aprendizado nas reuniotildees de grupo e pelas atividades realizadas

em equipe que ajudaram na construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo

Minha gratidatildeo agraves funcionaacuterias da Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Neci e Ceciacutelia pela

disponibilidade e atenccedilatildeo no atendimento Vocecircs satildeo profissionais que fazem a diferenccedila na

funccedilatildeo que desempenham

6

ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e

transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta

etiquetardquo

Luiacutes da Cacircmara Cascudo

7

RESUMO

A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela

cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os

ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na

famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades

bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e

econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo

historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta

por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As

entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por

alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora

divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os

alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos

constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da

famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento

como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no

domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo

na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia

da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as

situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a

distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os

sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos

no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se

relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo

Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional

8

ABSTRACT

Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an

individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos

household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a

common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however

this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities

including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore

the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-

familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast

The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The

individual interviews included the following guiding questions What do you understand by

food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute

food to your family members How do you feel when you share food with your family

members This information was interpreted under the light of the following theoretical

constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right

and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption

practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories

food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the

household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in

the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance

of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the

situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the

distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on

their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the

psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels

of nutritional and food insecurity for this population

Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security

9

LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES

DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal

10

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO 11

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada 15

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 19

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36

21 Delineamento da Pesquisa 36

22 Cenaacuterio do Estudo 36

23 Participantes do Estudo 37

24 Coleta das Informaccedilotildees 37

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38

26 Aspectos Eacuteticos 40

27 Limitaccedilotildees do estudo40

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

REFEREcircNCIAS 58

APEcircNDICE A64

APEcircNCIDE B65

ANEXO A71

APEcircNCIDE C72

11

APRESENTACcedilAtildeO

A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres

humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos

indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser

algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos

culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz

de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)

O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos

inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos

imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave

criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha

brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos

seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003

SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)

O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes

envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se

deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de

visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de

festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio

diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de

alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses

indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a

dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos

socioculturalmente

A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra

coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao

atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua

funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por

ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas

alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros

tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)

12

Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os

membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002

VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato

pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das

necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e

nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da

alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na

alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo

transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que

estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006

PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)

Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de

alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e

nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de

alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a

necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual

(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados

para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da

renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de

recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila

alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes

deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar

tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta

dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA

2008)

No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo

seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute

associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa

vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e

nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os

13

universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente

transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade

aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)

Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma

realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos

salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com

as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade

financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS

RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de

trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do

Nordeste do Brasil

Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da

responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo

quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que

residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como

objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a

percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira

As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se

estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez

alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica

atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a

relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos

significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que

vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o

desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas

que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza

A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a

partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil

ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as

influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia

sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

14

com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte

tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a

quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa

O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos

Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores

canavieiros nas praacuteticas alimentares

15

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada

A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito

de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas

alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social

econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a

dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)

Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da

concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e

saudaacutevel

A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades

nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes

(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha

de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se

adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar

Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio

socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade

adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na

alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo

das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre

os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo

na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo

estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto

72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e

avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-

16

disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-

educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda

no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo

deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-

raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um

privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das

iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada

indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles

indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade

O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis

global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que

medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita

Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias

sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas

caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente

utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de

percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta

condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas

do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo

ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido

promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo

interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um

consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al

2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e

nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de

qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade

para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou

contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras

17

tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao

DHAA (LEAtildeO 2013)

Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida

das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que

todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a

inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez

engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente

de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a

Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila

alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de

que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da

famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da

famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)

Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987

SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e

que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN

PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores

socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de

alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores

que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da

seguranccedilainseguranccedila alimentar

A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada

nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode

ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e

da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da

alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano

seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros

satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste

sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo

18

psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral

estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos

indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes

estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na

tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas

em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar

trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que

todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada

indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma

alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade

Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar

pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos

Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila

O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores

necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades

o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)

Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as

suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais

A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom

funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo

alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma

alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais

especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico

beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas

alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002

PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute

possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades

O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar

e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento

ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado

alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em

19

carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da

populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se

um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos

padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-

CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo

Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos

A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos

problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia

nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual

habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome

oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto

agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma

consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma

alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa

seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e

percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)

Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os

aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares

Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-

geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio

identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica

econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem

sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares

(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o

decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem

tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e

sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON

20

1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica

alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo

que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o

olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo

contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto

independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo

brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial

A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com

a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma

miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e

escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs

influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades

encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como

clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas

essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia

eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco

colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em

grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores

ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos

O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e

que refletem na alimentaccedilatildeo atual

No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge

mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos

alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma

necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de

alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos

seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos

indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem

desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui

viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca

alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais

importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o

21

alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje

na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas

Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute

possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa

brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)

Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da

incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma

monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era

praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim

escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo

com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a

sobrevivecircncia

Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute

possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O

modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a

monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em

relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo

dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes

inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como

frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de

agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os

agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e

utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado

(BRASIL 2006)

A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do

suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos

mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas

fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido

(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas

verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial

continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)

22

Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O

primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica

cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos

alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico

baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que

condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de

haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o

enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto

qualitativo

No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se

obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados

consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em

Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos

gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute

um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os

feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000

PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem

histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das

famiacutelias brasileiras

Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas

pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram

a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento

o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo

XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se

ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como

terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-

se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo

Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por

volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter

contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das

famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o

arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da

modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo

23

tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o

consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel

Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se

torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no

Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas

Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em

Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo

eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem

ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do

Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo

simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL

2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma

diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha

brasileira

O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos

refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria

ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees

se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande

deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o

crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa

aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em

queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande

oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do

seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante

apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)

Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento

de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma

alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e

agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante

o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se

24

concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano

desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)

Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de

povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX

quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de

emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande

diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e

outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram

presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas

diferentes regiotildees do Brasil

A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto

concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando

este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no

Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou

uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as

famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)

A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam

braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de

mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma

elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra

situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer

as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda

hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute

de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da

escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do

Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de

famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional

Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social

colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora

indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado

25

por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A

partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista

Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a

receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo

consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar

do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)

O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha

com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade

de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da

populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o

consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo

consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de

minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo

das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois

aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na

alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo

bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar

Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo

para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das

praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo

observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo

bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se

sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo

no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar

equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial

era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional

Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a

disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos

alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem

presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de

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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas

sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura

militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras

permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo

(VASCONCELOS 2005)

O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de

democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para

superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como

justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e

ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura

militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de

direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e

prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)

No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o

seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os

produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui

para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de

famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil

confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute

possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute

inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se

necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares

A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo

no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a

natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o

alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em

expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas

alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores

crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo

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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras

dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI

2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre

quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas

(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH

2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a

perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam

arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o

entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua

histoacuteria

Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram

adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)

Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como

se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)

Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns

alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante

apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos

(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter

nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo

O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo

Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo

modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de

culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a

constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades

bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA

2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares

delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo

relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo

social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros

grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com

determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo

menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social

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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de

pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a

identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave

sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo

ao sabor do alimento

A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar

uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas

categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas

culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de

ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas

estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por

poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam

maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o

paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria

relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo

situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)

Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de

alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre

as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes

alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As

diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos

alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como

ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo

faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas

alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute

necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da

Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda

que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis

Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos

de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida

eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo

enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste

29

modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres

Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no

valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos

que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles

ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro

(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como

responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo

Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes

que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas

de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois

somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e

verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos

tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais

A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas

na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da

personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores

puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A

apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos

porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do

imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou

que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos

produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer

aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas

que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si

mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo

natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento

deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como

socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute

bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre

ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos

ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes

30

A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente

na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares

satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares

podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das

formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)

Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou

consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero

(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de

alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)

Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute

diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de

provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e

dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais

na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado

historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo

considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)

Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a

dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada

sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente

atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)

Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao

afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas

geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo

domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem

deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura

masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou

colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas

aos homens comuns (ROMANELLI 2006)

Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e

este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o

31

preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua

responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente

rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela

tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar

determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)

Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante

destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que

refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)

A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a

quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e

muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente

durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa

tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE

2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e

a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)

Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade

e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta

ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute

possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute

priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI

1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER

ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de

alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-

CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais

prejudicada

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte

do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho

Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos

colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para

o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne

32

pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos

tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de

uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou

religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com

outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o

status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato

do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase

sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem

alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda

famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o

sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo

do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da

necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana

As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser

visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas

Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade

de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo

caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e

priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees

comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986

CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002

RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)

Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais

mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al

2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As

implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam

situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais

Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua

suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma

alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na

33

disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma

equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter

conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem

tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e

disponibilidade adequadas

Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente

familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a

transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem

ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na

porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem

focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA

2008)

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem

desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta

agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo

de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a

exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta

a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias

que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-

obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de

iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas

estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as

cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-

de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com

muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)

Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve

atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura

Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para

34

contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da

degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-

accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees

produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional

(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute

mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo

O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado

quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade

Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua

uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos

realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO

MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural

na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de

matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas

uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo

substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente

dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor

puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo

diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua

consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento

das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento

sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)

Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas

agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta

situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias

outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e

amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas

de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de

restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia

receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo

35

garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo

adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes

para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)

O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade

possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que

refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo

fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas

com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias

de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes

36

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO

21 Delineamento da Pesquisa

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao

objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas

que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de

representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o

campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa

usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO

2005)

O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer

relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando

e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de

intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a

compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade

interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes

tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os

significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira

22 Cenaacuterio do Estudo

O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do

Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de

Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de

27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo

territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste

municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo

territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute

mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares

com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por

hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo

lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo

37

1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000

(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste

municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades

ligadas a este produto principalmente o corte

No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano

Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este

iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de

0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)

23 Participantes do Estudo

O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de

cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de

Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de

Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo

As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de

amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a

interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio

de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas

(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por

pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as

questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo

da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)

24 Coleta de Informaccedilotildees

A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo

considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior

instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase

da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo

A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um

roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees

norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas

escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um

38

pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo

da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a

entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas

As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que

significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os

alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os

membros de sua famiacutelia

A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha

liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um

diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar

adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar

(MINAYO 2008)

As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software

Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas

Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e

validaccedilatildeo destas

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees

No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma

pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros

relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional

mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os

constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a

complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico

econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata

Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso

ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas

que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta

pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi

imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados

A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a

Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a

39

partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos

que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o

Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na

formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)

1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi

tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias

iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os

documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas

Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O

ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das

mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade

considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo

correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da

representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja

representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-

accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de

todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de

homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a

criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da

pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo

Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do

estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou

Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as

Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo

delimitada a compreensatildeo do mesmo)

2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as

categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto

foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas

pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de

Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados

No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de

40

Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de

todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma

observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as

categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador

pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado

3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos

resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos

previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram

distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do

referencial teoacuterico

As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office

Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A

26 Aspectos Eacuteticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de

Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas

envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)

Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam

informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a

entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)

27 Limitaccedilatildeo do estudo

A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma

vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros

pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo

interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado

41

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Introduccedilatildeo

A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular

permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas

e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida

digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo

como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um

avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo

ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos

sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13

Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as

pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de

desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a

suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as

expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4

Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste

local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia

visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e

socioculturais 56

A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os

membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em

quantidade suficiente e qualidade adequada 37

Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar

que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente

para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as

famiacutelias da regiatildeo 8910

A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

42

venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais

difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311

No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua

aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo

culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da

existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os

universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente

transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua

responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12

Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os

significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores

de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Caminho metodoloacutegico

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das

vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em

torno de representaccedilotildees e simbolismos 13

O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata

do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e

outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo

No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-

accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com

significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta

atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra

proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e

nutricional 811

A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores

das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de

43

saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de

natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314

A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o

corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro

semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O

que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua

famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se

sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram

realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas

na iacutentegra

As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por

Bardin (2011) 15

realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de

todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus

momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram

selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras

(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para

composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das

categorias temaacuteticas

As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316

e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14

e as

influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 5121718

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)

do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em

respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada

participante recebeu um pseudocircnimo

Resultados

Atores do estudo

As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos

predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino

44

fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas

Categoria I O alimento como essencial agrave vida

A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de

conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia

ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o

alimento ningueacutem viverdquo (Camila)

ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica

fraco E sem comida morrerdquo (Renata)

ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo

(Solange)

Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma

condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo

ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a

gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)

ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a

genterdquo (Fabiana)

As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam

desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma

obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida

ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com

fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a

alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)

ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar

pode ficar desnutridardquo (Margarida)

ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)

O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram

uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos

saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo

destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis

45

ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de

comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e

cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)

ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e

bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora

certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)

ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a

gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)

ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute

seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode

comer em quantidaderdquo (Silvana)

ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a

gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)

Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio

A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade

quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de

desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o

alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante

sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos

foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)

ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute

mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)

ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus

quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar

Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar

na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando

eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)

ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter

de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar

chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu

desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho

46

um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles

pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)

ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo

mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)

Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher

interferindo na partilha

A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a

disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para

todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles

ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura

ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias

tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute

tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)

ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as

cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de

feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)

As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se

sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o

provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu

trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo

ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia

colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou

colocar tudordquo (Patriacutecia)

ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida

e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo

(Fabiana)

Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos

Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na

distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do

47

homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores

quantidades de alimentos

ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando

fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo

tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)

ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser

pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)

ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele

trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega

aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida

suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece

(risos)rdquo (Silvana)

As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns

alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram

de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e

comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo

ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a

gente eacute pobrerdquo (Camila)

ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um

pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha

um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)

ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa

porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo

faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)

Discussatildeo

O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia

e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como

proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das

mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas

13

48

A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais

dos indiviacuteduos 14

Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo

de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como

sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido

colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos

jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas

praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores

socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a

modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas

climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim

houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

intuito de manter a vida 1819

A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das

mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional

trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte

pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito

significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se

encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais

direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021

A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as

mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a

qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras

que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a

populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo

pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo

socioeconocircmica 12

Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo

os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras

saturadas

Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria

baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade 1217

As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua

significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o

consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como

49

complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua

vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na

alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente

acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual

feijatildeo com arroz 22

Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com

prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a

seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223

No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo

socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo

de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da

cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra

accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando

desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores

conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de

complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24

A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de

outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe

problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo

das iniquidades sociais 18

Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila

Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali

habitam 8

Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e

vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava

presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e

psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia

tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada

e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20

eacute possiacutevel perceber

que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional

em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que

possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e

da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e

crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis

perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de

alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve

50

As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da

ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave

Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo

companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por

intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave

vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a

questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25

Em uma casa

pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo

escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26

Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais

importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o

de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras

refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo

tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos 31027

Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e

mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos

filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis

desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente

e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera

privada satildeo delegadas agrave mulher 2829

As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees

hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a

mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das

relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto

culturalmente 29

Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o

seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar

as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada

menos digna do que o trabalho do homem 121730

Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que

exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das

possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita

a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do

homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17

Esta situaccedilatildeo reflete as

51

representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no

domiciacutelio

No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior

pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria

consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus

membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a

mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da

praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da

alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural

mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a

melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam

maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores

necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais

menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para

atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de

alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel

exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para

trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de

priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto

da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227

A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do

indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por

indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma

categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo

enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos

estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231

A alimentaccedilatildeo colocada como

hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia

eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco

colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente

do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822

52

Consideraccedilotildees finais

As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave

alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos

aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos

para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do

homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de

alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os

sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez

refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a

diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo

Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave

violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos

agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e

Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que

proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-

accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo

Referecircncias

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15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada

institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN

estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar

e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago

2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010

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20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas

Estudos Avanccedilados 2007 21 143154

21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho

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Baixo Iacutendice de Desenvolvimento Humano do Nordeste do Brasil Rev Bras

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26 Freitas MCS Uma abordagem fenomenoloacutegica da fome Rev Nutr 2002 15 53-69

27 Ndiku M Jaceldo-Siegl K Singh P Sabateacute J Gender inequality in food intake and

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55

28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004

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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero

e poder Itabaina GEPIADDE 2010 4 71-87

30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o

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31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos

modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256

56

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua

distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel

reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como

figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se

deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a

dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as

mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo

com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos

pela sociedade

As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o

objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo

intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres

estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender

fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo

quantitativa

Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico

da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida

humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um

direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da

inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo

dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias

representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees

econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da

monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao

longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees

econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas

refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos

Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos

destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As

principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres

57

Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e

que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo

daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim

foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se

pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a

alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e

motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo

subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade

extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar

extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de

alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da

alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo

Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas

econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais

obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser

estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais

complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo

do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar

do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e

individual

Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se

ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da

Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e

culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes

ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos

58

REFEREcircNCIAS

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64

APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista

ROTEIRO DA ENTREVISTA

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nome___________________________________________________ Data ____________

Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h

Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro

1 Idade __ __ (anos)

2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________

3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo

4 Escolaridade especificar

a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________

b) Ensino fundamental I________________________________________________

c) Ensino fundamental II_______________________________________________

d) Ensino meacutedio______________________________________________________

5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo

Questotildees norteadoras

1 O que agrave senhora entende por alimento

2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia

3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia

4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua

famiacutelia

Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil

65

APEcircNDICE B ndash Grelhas

66

67

68

69

70

71

ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica

72

APEcircNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO

NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE

UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL

LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA

PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis

Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco

Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios

Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa

Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa

O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento

A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas

Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas

e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute

decisatildeo ao contraacuterio

Recife ____ de _________________________de 2007

Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________

Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________

Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________

Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Page 6: SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus por mais esta conquista pois acredito que haacute tempo para tudo na

vida e certamente a realizaccedilatildeo deste sonho estava nos planos dEle para mim

Minha eterna gratidatildeo aos meus pais Silvana e Adeilson pelo amor cuidado e

ensinamentos Esta conquista tambeacutem eacute de vocecircs

Agradeccedilo aos meus irmatildeos Analy e Adeilson Filho pela amizade e companheirismo

Amo muito vocecircs

Agradeccedilo a Professora Mocircnica Osoacuterio e a Professora Cleide Pontes pelo aprendizado

e paciecircncia Fico muito lisonjeada em poder ter orientadoras tatildeo competentes e

comprometidas com sua profissatildeo

Meus agradecimentos a todos os professores da Poacutes-graduaccedilatildeo de Nutriccedilatildeo por todos

os ensinamentos construiacutedos durante o curso

Agradeccedilo em especial as minhas colegas da turma de mestrado Rafaella de Andrade

Conciana Neves Pedrita Queiroz Raiacutesa Duarte Camila Chiara Adriana Ceacutesar Suzane

Barbosa Dayse Lima pela parceria companheirismo e pela amizade construiacuteda Momentos

que jamais seratildeo esquecidos

Agradeccedilo as alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

(PIBIC) pelos momentos de aprendizado nas reuniotildees de grupo e pelas atividades realizadas

em equipe que ajudaram na construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo

Minha gratidatildeo agraves funcionaacuterias da Poacutes-graduaccedilatildeo em Nutriccedilatildeo Neci e Ceciacutelia pela

disponibilidade e atenccedilatildeo no atendimento Vocecircs satildeo profissionais que fazem a diferenccedila na

funccedilatildeo que desempenham

6

ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e

transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta

etiquetardquo

Luiacutes da Cacircmara Cascudo

7

RESUMO

A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela

cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os

ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na

famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades

bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e

econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo

historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta

por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As

entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por

alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora

divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os

alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos

constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da

famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento

como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no

domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo

na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia

da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as

situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a

distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os

sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos

no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se

relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo

Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional

8

ABSTRACT

Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an

individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos

household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a

common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however

this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities

including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore

the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-

familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast

The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The

individual interviews included the following guiding questions What do you understand by

food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute

food to your family members How do you feel when you share food with your family

members This information was interpreted under the light of the following theoretical

constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right

and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption

practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories

food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the

household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in

the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance

of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the

situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the

distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on

their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the

psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels

of nutritional and food insecurity for this population

Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security

9

LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES

DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal

10

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO 11

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada 15

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 19

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36

21 Delineamento da Pesquisa 36

22 Cenaacuterio do Estudo 36

23 Participantes do Estudo 37

24 Coleta das Informaccedilotildees 37

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38

26 Aspectos Eacuteticos 40

27 Limitaccedilotildees do estudo40

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

REFEREcircNCIAS 58

APEcircNDICE A64

APEcircNCIDE B65

ANEXO A71

APEcircNCIDE C72

11

APRESENTACcedilAtildeO

A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres

humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos

indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser

algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos

culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz

de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)

O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos

inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos

imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave

criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha

brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos

seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003

SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)

O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes

envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se

deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de

visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de

festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio

diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de

alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses

indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a

dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos

socioculturalmente

A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra

coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao

atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua

funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por

ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas

alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros

tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)

12

Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os

membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002

VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato

pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das

necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e

nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da

alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na

alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo

transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que

estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006

PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)

Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de

alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e

nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de

alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a

necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual

(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados

para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da

renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de

recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila

alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes

deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar

tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta

dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA

2008)

No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo

seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute

associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa

vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e

nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os

13

universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente

transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade

aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)

Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma

realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos

salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com

as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade

financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS

RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de

trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do

Nordeste do Brasil

Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da

responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo

quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que

residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como

objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a

percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira

As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se

estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez

alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica

atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a

relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos

significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que

vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o

desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas

que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza

A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a

partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil

ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as

influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia

sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

14

com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte

tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a

quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa

O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos

Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores

canavieiros nas praacuteticas alimentares

15

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada

A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito

de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas

alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social

econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a

dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)

Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da

concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e

saudaacutevel

A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades

nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes

(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha

de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se

adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar

Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio

socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade

adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na

alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo

das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre

os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo

na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo

estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto

72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e

avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-

16

disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-

educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda

no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo

deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-

raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um

privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das

iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada

indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles

indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade

O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis

global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que

medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita

Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias

sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas

caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente

utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de

percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta

condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas

do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo

ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido

promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo

interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um

consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al

2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e

nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de

qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade

para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou

contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras

17

tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao

DHAA (LEAtildeO 2013)

Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida

das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que

todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a

inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez

engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente

de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a

Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila

alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de

que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da

famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da

famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)

Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987

SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e

que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN

PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores

socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de

alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores

que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da

seguranccedilainseguranccedila alimentar

A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada

nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode

ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e

da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da

alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano

seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros

satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste

sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo

18

psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral

estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos

indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes

estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na

tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas

em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar

trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que

todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada

indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma

alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade

Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar

pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos

Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila

O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores

necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades

o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)

Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as

suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais

A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom

funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo

alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma

alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais

especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico

beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas

alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002

PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute

possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades

O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar

e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento

ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado

alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em

19

carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da

populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se

um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos

padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-

CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo

Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos

A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos

problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia

nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual

habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome

oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto

agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma

consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma

alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa

seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e

percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)

Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os

aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares

Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-

geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio

identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica

econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem

sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares

(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o

decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem

tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e

sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON

20

1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica

alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo

que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o

olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo

contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto

independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo

brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial

A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com

a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma

miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e

escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs

influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades

encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como

clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas

essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia

eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco

colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em

grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores

ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos

O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e

que refletem na alimentaccedilatildeo atual

No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge

mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos

alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma

necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de

alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos

seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos

indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem

desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui

viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca

alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais

importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o

21

alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje

na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas

Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute

possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa

brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)

Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da

incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma

monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era

praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim

escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo

com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a

sobrevivecircncia

Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute

possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O

modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a

monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em

relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo

dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes

inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como

frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de

agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os

agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e

utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado

(BRASIL 2006)

A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do

suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos

mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas

fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido

(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas

verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial

continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)

22

Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O

primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica

cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos

alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico

baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que

condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de

haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o

enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto

qualitativo

No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se

obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados

consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em

Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos

gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute

um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os

feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000

PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem

histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das

famiacutelias brasileiras

Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas

pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram

a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento

o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo

XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se

ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como

terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-

se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo

Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por

volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter

contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das

famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o

arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da

modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo

23

tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o

consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel

Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se

torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no

Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas

Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em

Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo

eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem

ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do

Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo

simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL

2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma

diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha

brasileira

O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos

refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria

ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees

se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande

deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o

crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa

aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em

queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande

oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do

seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante

apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)

Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento

de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma

alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e

agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante

o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se

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concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano

desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)

Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de

povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX

quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de

emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande

diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e

outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram

presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas

diferentes regiotildees do Brasil

A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto

concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando

este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no

Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou

uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as

famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)

A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam

braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de

mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma

elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra

situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer

as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda

hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute

de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da

escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do

Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de

famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional

Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social

colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora

indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado

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por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A

partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista

Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a

receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo

consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar

do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)

O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha

com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade

de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da

populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o

consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo

consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de

minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo

das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois

aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na

alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo

bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar

Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo

para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das

praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo

observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo

bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se

sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo

no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar

equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial

era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional

Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a

disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos

alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem

presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de

26

incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas

sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura

militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras

permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo

(VASCONCELOS 2005)

O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de

democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para

superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como

justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e

ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura

militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de

direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e

prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)

No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o

seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os

produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui

para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de

famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil

confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute

possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute

inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se

necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares

A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo

no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a

natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o

alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em

expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas

alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores

crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo

27

Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras

dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI

2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre

quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas

(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH

2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a

perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam

arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o

entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua

histoacuteria

Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram

adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)

Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como

se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)

Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns

alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante

apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos

(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter

nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo

O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo

Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo

modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de

culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a

constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades

bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA

2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares

delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo

relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo

social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros

grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com

determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo

menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social

28

Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de

pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a

identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave

sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo

ao sabor do alimento

A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar

uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas

categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas

culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de

ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas

estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por

poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam

maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o

paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria

relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo

situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)

Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de

alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre

as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes

alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As

diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos

alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como

ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo

faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas

alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute

necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da

Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda

que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis

Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos

de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida

eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo

enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste

29

modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres

Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no

valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos

que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles

ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro

(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como

responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo

Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes

que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas

de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois

somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e

verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos

tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais

A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas

na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da

personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores

puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A

apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos

porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do

imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou

que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos

produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer

aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas

que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si

mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo

natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento

deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como

socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute

bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre

ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos

ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes

30

A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente

na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares

satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares

podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das

formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)

Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou

consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero

(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de

alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)

Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute

diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de

provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e

dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais

na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado

historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo

considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)

Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a

dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada

sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente

atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)

Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao

afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas

geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo

domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem

deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura

masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou

colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas

aos homens comuns (ROMANELLI 2006)

Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e

este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o

31

preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua

responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente

rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela

tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar

determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)

Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante

destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que

refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)

A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a

quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e

muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente

durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa

tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE

2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e

a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)

Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade

e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta

ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute

possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute

priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI

1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER

ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de

alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-

CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais

prejudicada

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte

do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho

Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos

colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para

o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne

32

pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos

tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de

uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou

religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com

outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o

status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato

do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase

sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem

alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda

famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o

sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo

do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da

necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana

As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser

visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas

Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade

de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo

caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e

priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees

comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986

CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002

RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)

Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais

mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al

2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As

implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam

situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais

Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua

suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma

alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na

33

disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma

equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter

conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem

tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e

disponibilidade adequadas

Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente

familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a

transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem

ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na

porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem

focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA

2008)

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem

desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta

agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo

de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a

exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta

a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias

que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-

obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de

iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas

estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as

cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-

de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com

muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)

Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve

atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura

Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para

34

contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da

degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-

accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees

produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional

(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute

mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo

O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado

quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade

Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua

uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos

realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO

MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural

na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de

matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas

uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo

substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente

dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor

puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo

diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua

consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento

das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento

sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)

Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas

agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta

situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias

outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e

amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas

de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de

restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia

receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo

35

garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo

adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes

para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)

O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade

possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que

refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo

fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas

com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias

de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes

36

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO

21 Delineamento da Pesquisa

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao

objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas

que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de

representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o

campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa

usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO

2005)

O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer

relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando

e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de

intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a

compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade

interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes

tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os

significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira

22 Cenaacuterio do Estudo

O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do

Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de

Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de

27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo

territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste

municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo

territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute

mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares

com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por

hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo

lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo

37

1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000

(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste

municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades

ligadas a este produto principalmente o corte

No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano

Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este

iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de

0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)

23 Participantes do Estudo

O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de

cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de

Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de

Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo

As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de

amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a

interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio

de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas

(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por

pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as

questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo

da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)

24 Coleta de Informaccedilotildees

A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo

considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior

instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase

da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo

A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um

roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees

norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas

escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um

38

pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo

da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a

entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas

As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que

significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os

alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os

membros de sua famiacutelia

A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha

liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um

diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar

adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar

(MINAYO 2008)

As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software

Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas

Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e

validaccedilatildeo destas

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees

No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma

pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros

relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional

mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os

constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a

complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico

econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata

Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso

ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas

que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta

pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi

imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados

A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a

Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a

39

partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos

que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o

Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na

formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)

1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi

tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias

iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os

documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas

Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O

ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das

mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade

considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo

correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da

representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja

representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-

accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de

todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de

homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a

criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da

pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo

Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do

estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou

Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as

Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo

delimitada a compreensatildeo do mesmo)

2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as

categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto

foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas

pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de

Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados

No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de

40

Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de

todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma

observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as

categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador

pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado

3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos

resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos

previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram

distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do

referencial teoacuterico

As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office

Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A

26 Aspectos Eacuteticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de

Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas

envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)

Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam

informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a

entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)

27 Limitaccedilatildeo do estudo

A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma

vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros

pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo

interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado

41

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Introduccedilatildeo

A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular

permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas

e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida

digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo

como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um

avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo

ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos

sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13

Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as

pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de

desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a

suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as

expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4

Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste

local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia

visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e

socioculturais 56

A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os

membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em

quantidade suficiente e qualidade adequada 37

Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar

que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente

para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as

famiacutelias da regiatildeo 8910

A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

42

venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais

difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311

No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua

aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo

culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da

existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os

universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente

transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua

responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12

Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os

significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores

de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Caminho metodoloacutegico

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das

vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em

torno de representaccedilotildees e simbolismos 13

O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata

do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e

outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo

No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-

accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com

significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta

atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra

proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e

nutricional 811

A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores

das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de

43

saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de

natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314

A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o

corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro

semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O

que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua

famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se

sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram

realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas

na iacutentegra

As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por

Bardin (2011) 15

realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de

todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus

momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram

selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras

(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para

composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das

categorias temaacuteticas

As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316

e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14

e as

influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 5121718

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)

do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em

respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada

participante recebeu um pseudocircnimo

Resultados

Atores do estudo

As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos

predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino

44

fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas

Categoria I O alimento como essencial agrave vida

A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de

conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia

ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o

alimento ningueacutem viverdquo (Camila)

ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica

fraco E sem comida morrerdquo (Renata)

ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo

(Solange)

Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma

condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo

ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a

gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)

ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a

genterdquo (Fabiana)

As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam

desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma

obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida

ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com

fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a

alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)

ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar

pode ficar desnutridardquo (Margarida)

ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)

O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram

uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos

saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo

destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis

45

ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de

comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e

cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)

ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e

bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora

certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)

ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a

gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)

ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute

seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode

comer em quantidaderdquo (Silvana)

ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a

gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)

Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio

A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade

quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de

desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o

alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante

sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos

foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)

ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute

mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)

ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus

quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar

Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar

na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando

eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)

ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter

de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar

chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu

desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho

46

um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles

pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)

ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo

mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)

Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher

interferindo na partilha

A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a

disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para

todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles

ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura

ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias

tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute

tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)

ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as

cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de

feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)

As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se

sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o

provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu

trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo

ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia

colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou

colocar tudordquo (Patriacutecia)

ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida

e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo

(Fabiana)

Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos

Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na

distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do

47

homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores

quantidades de alimentos

ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando

fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo

tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)

ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser

pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)

ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele

trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega

aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida

suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece

(risos)rdquo (Silvana)

As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns

alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram

de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e

comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo

ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a

gente eacute pobrerdquo (Camila)

ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um

pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha

um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)

ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa

porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo

faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)

Discussatildeo

O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia

e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como

proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das

mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas

13

48

A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais

dos indiviacuteduos 14

Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo

de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como

sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido

colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos

jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas

praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores

socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a

modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas

climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim

houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

intuito de manter a vida 1819

A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das

mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional

trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte

pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito

significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se

encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais

direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021

A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as

mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a

qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras

que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a

populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo

pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo

socioeconocircmica 12

Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo

os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras

saturadas

Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria

baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade 1217

As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua

significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o

consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como

49

complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua

vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na

alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente

acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual

feijatildeo com arroz 22

Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com

prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a

seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223

No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo

socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo

de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da

cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra

accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando

desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores

conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de

complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24

A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de

outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe

problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo

das iniquidades sociais 18

Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila

Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali

habitam 8

Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e

vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava

presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e

psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia

tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada

e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20

eacute possiacutevel perceber

que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional

em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que

possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e

da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e

crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis

perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de

alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve

50

As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da

ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave

Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo

companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por

intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave

vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a

questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25

Em uma casa

pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo

escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26

Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais

importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o

de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras

refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo

tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos 31027

Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e

mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos

filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis

desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente

e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera

privada satildeo delegadas agrave mulher 2829

As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees

hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a

mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das

relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto

culturalmente 29

Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o

seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar

as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada

menos digna do que o trabalho do homem 121730

Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que

exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das

possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita

a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do

homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17

Esta situaccedilatildeo reflete as

51

representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no

domiciacutelio

No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior

pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria

consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus

membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a

mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da

praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da

alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural

mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a

melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam

maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores

necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais

menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para

atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de

alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel

exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para

trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de

priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto

da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227

A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do

indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por

indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma

categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo

enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos

estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231

A alimentaccedilatildeo colocada como

hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia

eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco

colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente

do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822

52

Consideraccedilotildees finais

As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave

alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos

aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos

para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do

homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de

alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os

sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez

refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a

diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo

Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave

violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos

agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e

Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que

proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-

accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo

Referecircncias

1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de

15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada

institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN

estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar

e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago

2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010

Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito

social Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 4 fev Disponiacutevel em

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Sampaio MFA Inseguranccedila alimentar intrafamiliar e perfil de consumo de alimentos

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53

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6 Arsenault JE Yakes EA Islam MM Hossain MB Ahmed T Hotz C Lewis B

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young children and women in rural Bangladesh is primarily explained by low food

intake and limited diversity J Nutr 2013 143197-203

7 Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de Seguranccedila

Alimentar e Nutricional [documento final] Conselho Nacional de Seguranccedila

Alimentar e Nutricional 2004

8 Cavalcanti C Dias A Lubambo C Barros H Cruz L Arauacutejo M Moreira M Galindo

O Programa de apoio ao desenvolvimento sustentaacutevel da zona da mata de

Pernambuco- PROMATA 2002

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zona da mata Pernambucana no periacuteodo de entressafra Revista Econocircmica do

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10 Cavalcanti DS Vasconcelos PN Muniz VM Santos NFS Osoacuterio MM Consumo de

ferro e sua associaccedilatildeo com a anemia ferropriva nas famiacutelias de trabalhadores rurais da

Zona da Mata de Pernambuco Brasil Rev Nutr 2014 27 217-227

11 Oliveira JS Lira PIC Maia SR Sequeira LAS Amorim RCA Filho MB Inseguranccedila

alimentar e estado nutricional de crianccedilas de Gameleira zona da mata do Nordeste

brasileiro Rev Bras Sauacutede Mater Infant 2010 10 237-245

12 Romanelli G O significado da alimentaccedilatildeo na famiacutelia uma visatildeo antropoloacutegica

Medicina 2006 39 333-339

13 Minayo MCS O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em Sauacutede Satildeo Paulo

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14 Minayo MCS Ciecircncia Teacutecnica e Arte O desafio da pesquisa social In Minayo

MCS Deslandes AF Gomes R Pesquisa Social Teoria meacutetodo e criatividade

Petroacutepolis Vozes 2009 p 48

15 Bardin L Anaacutelise de Conteuacutedo Lisboa Ediccedilotildees 70 2011 p 121-133 145-148

54

16 Brasil Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional [documento final] Conselho Nacional de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2004

httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesII_Conferencia_2versaopdf (acessado em

15Out2014)

17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de

Ciecircncias Sociais 1986 29 103-130

18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da

economia patriarcal Satildeo Paulo Global 2003 p 64-497

19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na

Ameacuterica portuguesa do seacuteculo XVIII alguns casos monccediloeiros Diaacutelogos

DHIPPHUEM 2010 14 273-286

20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas

Estudos Avanccedilados 2007 21 143154

21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho

MB Anemia hipovitaminose A e inseguranccedila alimentar em crianccedilas de municiacutepios de

Baixo Iacutendice de Desenvolvimento Humano do Nordeste do Brasil Rev Bras

Epidemiol 2010 13 651-664

22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39

23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e

socioeconocircmica da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil em 2008-2009

Rev Sauacutede Puacuteblica 2012 46 6-15

24 Brasil Lei nordm 11326 de 24 de julho de 2006 Estabelece as diretrizes para a

formulaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos

Familiares Rurais Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2006 24 jul

25 Sampaio MFA Kepple AW Segall-Correcirca AM Oliveira JTA Maranha LK Marin-

Leon L Bergamasco SMPP Perez-Escamilla R (In) Seguranccedila Alimentar

experiecircncia de grupos focais com populaccedilotildees rurais do estado de Satildeo Paulo Rev

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2006 13 64-77

26 Freitas MCS Uma abordagem fenomenoloacutegica da fome Rev Nutr 2002 15 53-69

27 Ndiku M Jaceldo-Siegl K Singh P Sabateacute J Gender inequality in food intake and

nutricional status of children under 5 years old in rural Eastern Kenya European

Journal of Clinical Nutrition 2011 65 26-31

55

28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004

7172 29-43

29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero

e poder Itabaina GEPIADDE 2010 4 71-87

30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o

que vai pra mesa Fazendo gecircnero ndash Corpo violecircncia e poder 2008

httpwwwfazendogeneroufscbr8stsST6Oliveira-Vela_06pdf (acessado em

15set2014)

31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos

modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256

56

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua

distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel

reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como

figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se

deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a

dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as

mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo

com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos

pela sociedade

As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o

objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo

intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres

estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender

fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo

quantitativa

Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico

da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida

humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um

direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da

inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo

dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias

representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees

econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da

monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao

longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees

econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas

refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos

Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos

destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As

principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres

57

Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e

que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo

daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim

foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se

pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a

alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e

motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo

subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade

extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar

extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de

alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da

alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo

Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas

econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais

obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser

estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais

complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo

do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar

do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e

individual

Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se

ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da

Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e

culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes

ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos

58

REFEREcircNCIAS

ARSENAULT JE YAKES EA ISLAM MM HOSSAIN MB AHMED T HOTZ

C et al Very low adequacy of micronutrient intakes by young children and women in rural

Bangladesh is primarily explained by low food intake and limited diversity Journal of

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setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash

SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada institui a Poliacutetica

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64

APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista

ROTEIRO DA ENTREVISTA

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nome___________________________________________________ Data ____________

Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h

Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro

1 Idade __ __ (anos)

2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________

3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo

4 Escolaridade especificar

a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________

b) Ensino fundamental I________________________________________________

c) Ensino fundamental II_______________________________________________

d) Ensino meacutedio______________________________________________________

5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo

Questotildees norteadoras

1 O que agrave senhora entende por alimento

2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia

3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia

4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua

famiacutelia

Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil

65

APEcircNDICE B ndash Grelhas

66

67

68

69

70

71

ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica

72

APEcircNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO

NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE

UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL

LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA

PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis

Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco

Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios

Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa

Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa

O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento

A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas

Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas

e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute

decisatildeo ao contraacuterio

Recife ____ de _________________________de 2007

Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________

Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________

Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________

Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Page 7: SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...

6

ldquoDe todos os atos naturais o alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e

transformou lentamente em expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta

etiquetardquo

Luiacutes da Cacircmara Cascudo

7

RESUMO

A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela

cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os

ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na

famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades

bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e

econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo

historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta

por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As

entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por

alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora

divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os

alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos

constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da

famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento

como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no

domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo

na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia

da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as

situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a

distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os

sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos

no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se

relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo

Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional

8

ABSTRACT

Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an

individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos

household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a

common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however

this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities

including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore

the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-

familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast

The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The

individual interviews included the following guiding questions What do you understand by

food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute

food to your family members How do you feel when you share food with your family

members This information was interpreted under the light of the following theoretical

constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right

and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption

practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories

food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the

household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in

the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance

of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the

situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the

distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on

their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the

psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels

of nutritional and food insecurity for this population

Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security

9

LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES

DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal

10

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO 11

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada 15

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 19

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36

21 Delineamento da Pesquisa 36

22 Cenaacuterio do Estudo 36

23 Participantes do Estudo 37

24 Coleta das Informaccedilotildees 37

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38

26 Aspectos Eacuteticos 40

27 Limitaccedilotildees do estudo40

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

REFEREcircNCIAS 58

APEcircNDICE A64

APEcircNCIDE B65

ANEXO A71

APEcircNCIDE C72

11

APRESENTACcedilAtildeO

A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres

humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos

indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser

algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos

culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz

de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)

O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos

inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos

imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave

criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha

brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos

seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003

SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)

O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes

envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se

deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de

visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de

festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio

diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de

alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses

indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a

dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos

socioculturalmente

A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra

coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao

atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua

funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por

ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas

alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros

tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)

12

Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os

membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002

VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato

pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das

necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e

nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da

alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na

alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo

transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que

estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006

PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)

Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de

alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e

nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de

alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a

necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual

(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados

para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da

renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de

recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila

alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes

deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar

tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta

dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA

2008)

No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo

seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute

associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa

vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e

nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os

13

universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente

transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade

aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)

Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma

realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos

salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com

as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade

financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS

RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de

trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do

Nordeste do Brasil

Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da

responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo

quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que

residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como

objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a

percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira

As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se

estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez

alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica

atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a

relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos

significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que

vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o

desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas

que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza

A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a

partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil

ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as

influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia

sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

14

com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte

tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a

quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa

O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos

Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores

canavieiros nas praacuteticas alimentares

15

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada

A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito

de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas

alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social

econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a

dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)

Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da

concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e

saudaacutevel

A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades

nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes

(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha

de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se

adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar

Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio

socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade

adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na

alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo

das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre

os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo

na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo

estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto

72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e

avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-

16

disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-

educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda

no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo

deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-

raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um

privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das

iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada

indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles

indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade

O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis

global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que

medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita

Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias

sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas

caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente

utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de

percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta

condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas

do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo

ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido

promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo

interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um

consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al

2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e

nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de

qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade

para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou

contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras

17

tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao

DHAA (LEAtildeO 2013)

Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida

das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que

todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a

inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez

engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente

de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a

Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila

alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de

que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da

famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da

famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)

Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987

SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e

que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN

PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores

socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de

alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores

que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da

seguranccedilainseguranccedila alimentar

A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada

nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode

ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e

da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da

alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano

seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros

satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste

sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo

18

psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral

estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos

indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes

estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na

tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas

em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar

trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que

todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada

indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma

alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade

Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar

pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos

Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila

O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores

necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades

o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)

Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as

suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais

A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom

funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo

alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma

alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais

especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico

beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas

alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002

PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute

possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades

O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar

e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento

ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado

alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em

19

carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da

populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se

um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos

padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-

CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo

Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos

A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos

problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia

nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual

habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome

oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto

agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma

consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma

alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa

seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e

percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)

Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os

aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares

Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-

geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio

identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica

econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem

sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares

(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o

decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem

tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e

sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON

20

1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica

alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo

que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o

olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo

contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto

independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo

brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial

A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com

a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma

miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e

escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs

influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades

encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como

clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas

essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia

eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco

colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em

grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores

ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos

O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e

que refletem na alimentaccedilatildeo atual

No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge

mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos

alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma

necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de

alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos

seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos

indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem

desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui

viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca

alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais

importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o

21

alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje

na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas

Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute

possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa

brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)

Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da

incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma

monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era

praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim

escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo

com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a

sobrevivecircncia

Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute

possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O

modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a

monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em

relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo

dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes

inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como

frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de

agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os

agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e

utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado

(BRASIL 2006)

A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do

suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos

mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas

fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido

(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas

verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial

continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)

22

Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O

primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica

cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos

alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico

baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que

condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de

haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o

enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto

qualitativo

No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se

obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados

consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em

Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos

gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute

um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os

feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000

PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem

histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das

famiacutelias brasileiras

Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas

pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram

a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento

o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo

XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se

ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como

terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-

se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo

Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por

volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter

contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das

famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o

arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da

modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo

23

tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o

consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel

Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se

torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no

Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas

Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em

Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo

eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem

ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do

Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo

simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL

2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma

diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha

brasileira

O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos

refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria

ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees

se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande

deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o

crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa

aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em

queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande

oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do

seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante

apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)

Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento

de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma

alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e

agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante

o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se

24

concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano

desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)

Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de

povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX

quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de

emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande

diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e

outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram

presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas

diferentes regiotildees do Brasil

A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto

concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando

este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no

Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou

uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as

famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)

A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam

braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de

mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma

elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra

situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer

as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda

hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute

de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da

escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do

Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de

famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional

Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social

colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora

indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado

25

por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A

partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista

Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a

receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo

consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar

do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)

O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha

com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade

de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da

populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o

consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo

consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de

minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo

das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois

aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na

alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo

bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar

Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo

para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das

praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo

observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo

bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se

sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo

no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar

equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial

era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional

Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a

disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos

alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem

presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de

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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas

sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura

militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras

permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo

(VASCONCELOS 2005)

O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de

democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para

superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como

justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e

ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura

militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de

direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e

prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)

No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o

seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os

produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui

para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de

famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil

confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute

possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute

inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se

necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares

A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo

no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a

natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o

alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em

expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas

alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores

crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo

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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras

dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI

2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre

quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas

(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH

2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a

perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam

arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o

entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua

histoacuteria

Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram

adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)

Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como

se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)

Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns

alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante

apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos

(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter

nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo

O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo

Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo

modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de

culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a

constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades

bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA

2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares

delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo

relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo

social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros

grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com

determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo

menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social

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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de

pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a

identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave

sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo

ao sabor do alimento

A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar

uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas

categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas

culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de

ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas

estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por

poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam

maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o

paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria

relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo

situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)

Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de

alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre

as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes

alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As

diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos

alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como

ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo

faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas

alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute

necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da

Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda

que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis

Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos

de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida

eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo

enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste

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modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres

Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no

valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos

que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles

ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro

(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como

responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo

Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes

que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas

de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois

somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e

verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos

tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais

A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas

na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da

personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores

puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A

apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos

porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do

imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou

que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos

produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer

aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas

que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si

mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo

natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento

deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como

socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute

bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre

ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos

ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes

30

A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente

na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares

satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares

podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das

formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)

Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou

consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero

(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de

alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)

Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute

diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de

provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e

dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais

na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado

historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo

considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)

Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a

dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada

sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente

atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)

Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao

afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas

geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo

domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem

deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura

masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou

colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas

aos homens comuns (ROMANELLI 2006)

Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e

este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o

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preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua

responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente

rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela

tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar

determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)

Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante

destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que

refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)

A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a

quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e

muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente

durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa

tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE

2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e

a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)

Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade

e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta

ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute

possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute

priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI

1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER

ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de

alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-

CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais

prejudicada

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte

do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho

Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos

colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para

o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne

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pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos

tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de

uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou

religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com

outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o

status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato

do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase

sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem

alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda

famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o

sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo

do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da

necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana

As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser

visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas

Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade

de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo

caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e

priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees

comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986

CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002

RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)

Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais

mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al

2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As

implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam

situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais

Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua

suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma

alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na

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disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma

equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter

conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem

tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e

disponibilidade adequadas

Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente

familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a

transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem

ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na

porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem

focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA

2008)

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem

desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta

agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo

de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a

exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta

a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias

que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-

obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de

iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas

estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as

cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-

de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com

muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)

Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve

atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura

Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para

34

contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da

degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-

accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees

produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional

(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute

mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo

O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado

quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade

Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua

uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos

realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO

MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural

na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de

matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas

uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo

substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente

dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor

puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo

diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua

consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento

das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento

sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)

Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas

agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta

situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias

outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e

amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas

de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de

restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia

receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo

35

garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo

adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes

para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)

O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade

possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que

refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo

fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas

com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias

de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes

36

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO

21 Delineamento da Pesquisa

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao

objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas

que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de

representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o

campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa

usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO

2005)

O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer

relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando

e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de

intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a

compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade

interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes

tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os

significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira

22 Cenaacuterio do Estudo

O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do

Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de

Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de

27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo

territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste

municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo

territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute

mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares

com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por

hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo

lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo

37

1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000

(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste

municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades

ligadas a este produto principalmente o corte

No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano

Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este

iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de

0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)

23 Participantes do Estudo

O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de

cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de

Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de

Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo

As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de

amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a

interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio

de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas

(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por

pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as

questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo

da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)

24 Coleta de Informaccedilotildees

A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo

considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior

instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase

da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo

A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um

roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees

norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas

escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um

38

pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo

da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a

entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas

As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que

significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os

alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os

membros de sua famiacutelia

A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha

liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um

diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar

adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar

(MINAYO 2008)

As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software

Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas

Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e

validaccedilatildeo destas

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees

No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma

pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros

relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional

mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os

constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a

complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico

econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata

Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso

ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas

que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta

pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi

imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados

A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a

Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a

39

partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos

que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o

Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na

formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)

1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi

tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias

iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os

documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas

Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O

ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das

mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade

considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo

correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da

representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja

representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-

accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de

todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de

homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a

criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da

pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo

Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do

estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou

Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as

Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo

delimitada a compreensatildeo do mesmo)

2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as

categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto

foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas

pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de

Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados

No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de

40

Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de

todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma

observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as

categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador

pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado

3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos

resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos

previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram

distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do

referencial teoacuterico

As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office

Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A

26 Aspectos Eacuteticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de

Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas

envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)

Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam

informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a

entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)

27 Limitaccedilatildeo do estudo

A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma

vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros

pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo

interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado

41

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Introduccedilatildeo

A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular

permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas

e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida

digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo

como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um

avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo

ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos

sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13

Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as

pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de

desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a

suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as

expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4

Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste

local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia

visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e

socioculturais 56

A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os

membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em

quantidade suficiente e qualidade adequada 37

Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar

que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente

para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as

famiacutelias da regiatildeo 8910

A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

42

venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais

difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311

No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua

aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo

culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da

existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os

universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente

transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua

responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12

Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os

significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores

de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Caminho metodoloacutegico

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das

vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em

torno de representaccedilotildees e simbolismos 13

O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata

do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e

outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo

No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-

accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com

significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta

atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra

proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e

nutricional 811

A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores

das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de

43

saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de

natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314

A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o

corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro

semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O

que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua

famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se

sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram

realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas

na iacutentegra

As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por

Bardin (2011) 15

realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de

todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus

momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram

selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras

(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para

composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das

categorias temaacuteticas

As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316

e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14

e as

influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 5121718

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)

do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em

respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada

participante recebeu um pseudocircnimo

Resultados

Atores do estudo

As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos

predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino

44

fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas

Categoria I O alimento como essencial agrave vida

A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de

conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia

ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o

alimento ningueacutem viverdquo (Camila)

ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica

fraco E sem comida morrerdquo (Renata)

ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo

(Solange)

Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma

condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo

ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a

gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)

ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a

genterdquo (Fabiana)

As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam

desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma

obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida

ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com

fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a

alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)

ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar

pode ficar desnutridardquo (Margarida)

ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)

O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram

uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos

saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo

destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis

45

ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de

comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e

cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)

ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e

bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora

certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)

ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a

gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)

ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute

seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode

comer em quantidaderdquo (Silvana)

ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a

gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)

Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio

A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade

quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de

desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o

alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante

sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos

foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)

ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute

mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)

ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus

quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar

Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar

na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando

eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)

ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter

de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar

chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu

desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho

46

um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles

pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)

ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo

mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)

Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher

interferindo na partilha

A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a

disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para

todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles

ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura

ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias

tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute

tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)

ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as

cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de

feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)

As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se

sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o

provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu

trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo

ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia

colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou

colocar tudordquo (Patriacutecia)

ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida

e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo

(Fabiana)

Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos

Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na

distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do

47

homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores

quantidades de alimentos

ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando

fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo

tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)

ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser

pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)

ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele

trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega

aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida

suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece

(risos)rdquo (Silvana)

As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns

alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram

de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e

comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo

ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a

gente eacute pobrerdquo (Camila)

ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um

pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha

um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)

ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa

porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo

faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)

Discussatildeo

O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia

e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como

proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das

mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas

13

48

A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais

dos indiviacuteduos 14

Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo

de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como

sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido

colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos

jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas

praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores

socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a

modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas

climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim

houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

intuito de manter a vida 1819

A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das

mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional

trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte

pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito

significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se

encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais

direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021

A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as

mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a

qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras

que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a

populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo

pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo

socioeconocircmica 12

Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo

os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras

saturadas

Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria

baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade 1217

As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua

significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o

consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como

49

complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua

vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na

alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente

acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual

feijatildeo com arroz 22

Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com

prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a

seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223

No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo

socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo

de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da

cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra

accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando

desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores

conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de

complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24

A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de

outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe

problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo

das iniquidades sociais 18

Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila

Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali

habitam 8

Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e

vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava

presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e

psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia

tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada

e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20

eacute possiacutevel perceber

que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional

em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que

possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e

da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e

crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis

perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de

alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve

50

As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da

ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave

Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo

companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por

intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave

vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a

questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25

Em uma casa

pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo

escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26

Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais

importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o

de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras

refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo

tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos 31027

Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e

mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos

filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis

desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente

e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera

privada satildeo delegadas agrave mulher 2829

As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees

hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a

mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das

relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto

culturalmente 29

Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o

seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar

as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada

menos digna do que o trabalho do homem 121730

Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que

exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das

possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita

a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do

homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17

Esta situaccedilatildeo reflete as

51

representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no

domiciacutelio

No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior

pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria

consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus

membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a

mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da

praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da

alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural

mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a

melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam

maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores

necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais

menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para

atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de

alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel

exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para

trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de

priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto

da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227

A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do

indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por

indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma

categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo

enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos

estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231

A alimentaccedilatildeo colocada como

hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia

eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco

colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente

do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822

52

Consideraccedilotildees finais

As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave

alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos

aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos

para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do

homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de

alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os

sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez

refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a

diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo

Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave

violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos

agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e

Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que

proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-

accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo

Referecircncias

1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de

15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada

institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN

estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar

e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago

2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010

Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito

social Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 4 fev Disponiacutevel em

httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoEmendasEmcemc64htm

3 Panigassi G Segall-Correcirca AM Marin-Leoacuten L Peacuterez-Escamilla R Maranha LK

Sampaio MFA Inseguranccedila alimentar intrafamiliar e perfil de consumo de alimentos

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53

4 Leatildeo M (Org) O Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e o Sistema Nacional de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional Brasiacutelia ABRANDH 2013 p 10-38

5 Cascudo LC Histoacuteria da alimentaccedilatildeo no Brasil Satildeo Paulo Global 2011 p 11-66

73- 80 339-401

6 Arsenault JE Yakes EA Islam MM Hossain MB Ahmed T Hotz C Lewis B

Rahman AS Jamil KM Brown KH Very low adequacy of micronutrient intakes by

young children and women in rural Bangladesh is primarily explained by low food

intake and limited diversity J Nutr 2013 143197-203

7 Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de Seguranccedila

Alimentar e Nutricional [documento final] Conselho Nacional de Seguranccedila

Alimentar e Nutricional 2004

8 Cavalcanti C Dias A Lubambo C Barros H Cruz L Arauacutejo M Moreira M Galindo

O Programa de apoio ao desenvolvimento sustentaacutevel da zona da mata de

Pernambuco- PROMATA 2002

httpperiodicosfundajgovbrindexphpTPDarticleviewFile13671199 (acessado

em 05Nov2014)

9 Campos LHR Raposo I Maia A Empregabilidade do cortador de cana-de-accediluacutecar da

zona da mata Pernambucana no periacuteodo de entressafra Revista Econocircmica do

Nordeste 2007 3 329-342

10 Cavalcanti DS Vasconcelos PN Muniz VM Santos NFS Osoacuterio MM Consumo de

ferro e sua associaccedilatildeo com a anemia ferropriva nas famiacutelias de trabalhadores rurais da

Zona da Mata de Pernambuco Brasil Rev Nutr 2014 27 217-227

11 Oliveira JS Lira PIC Maia SR Sequeira LAS Amorim RCA Filho MB Inseguranccedila

alimentar e estado nutricional de crianccedilas de Gameleira zona da mata do Nordeste

brasileiro Rev Bras Sauacutede Mater Infant 2010 10 237-245

12 Romanelli G O significado da alimentaccedilatildeo na famiacutelia uma visatildeo antropoloacutegica

Medicina 2006 39 333-339

13 Minayo MCS O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em Sauacutede Satildeo Paulo

Hucitec 2010 p 191-198

14 Minayo MCS Ciecircncia Teacutecnica e Arte O desafio da pesquisa social In Minayo

MCS Deslandes AF Gomes R Pesquisa Social Teoria meacutetodo e criatividade

Petroacutepolis Vozes 2009 p 48

15 Bardin L Anaacutelise de Conteuacutedo Lisboa Ediccedilotildees 70 2011 p 121-133 145-148

54

16 Brasil Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional [documento final] Conselho Nacional de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2004

httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesII_Conferencia_2versaopdf (acessado em

15Out2014)

17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de

Ciecircncias Sociais 1986 29 103-130

18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da

economia patriarcal Satildeo Paulo Global 2003 p 64-497

19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na

Ameacuterica portuguesa do seacuteculo XVIII alguns casos monccediloeiros Diaacutelogos

DHIPPHUEM 2010 14 273-286

20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas

Estudos Avanccedilados 2007 21 143154

21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho

MB Anemia hipovitaminose A e inseguranccedila alimentar em crianccedilas de municiacutepios de

Baixo Iacutendice de Desenvolvimento Humano do Nordeste do Brasil Rev Bras

Epidemiol 2010 13 651-664

22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39

23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e

socioeconocircmica da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil em 2008-2009

Rev Sauacutede Puacuteblica 2012 46 6-15

24 Brasil Lei nordm 11326 de 24 de julho de 2006 Estabelece as diretrizes para a

formulaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos

Familiares Rurais Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2006 24 jul

25 Sampaio MFA Kepple AW Segall-Correcirca AM Oliveira JTA Maranha LK Marin-

Leon L Bergamasco SMPP Perez-Escamilla R (In) Seguranccedila Alimentar

experiecircncia de grupos focais com populaccedilotildees rurais do estado de Satildeo Paulo Rev

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2006 13 64-77

26 Freitas MCS Uma abordagem fenomenoloacutegica da fome Rev Nutr 2002 15 53-69

27 Ndiku M Jaceldo-Siegl K Singh P Sabateacute J Gender inequality in food intake and

nutricional status of children under 5 years old in rural Eastern Kenya European

Journal of Clinical Nutrition 2011 65 26-31

55

28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004

7172 29-43

29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero

e poder Itabaina GEPIADDE 2010 4 71-87

30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o

que vai pra mesa Fazendo gecircnero ndash Corpo violecircncia e poder 2008

httpwwwfazendogeneroufscbr8stsST6Oliveira-Vela_06pdf (acessado em

15set2014)

31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos

modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256

56

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua

distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel

reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como

figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se

deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a

dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as

mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo

com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos

pela sociedade

As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o

objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo

intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres

estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender

fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo

quantitativa

Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico

da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida

humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um

direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da

inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo

dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias

representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees

econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da

monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao

longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees

econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas

refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos

Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos

destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As

principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres

57

Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e

que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo

daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim

foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se

pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a

alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e

motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo

subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade

extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar

extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de

alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da

alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo

Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas

econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais

obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser

estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais

complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo

do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar

do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e

individual

Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se

ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da

Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e

culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes

ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos

58

REFEREcircNCIAS

ARSENAULT JE YAKES EA ISLAM MM HOSSAIN MB AHMED T HOTZ

C et al Very low adequacy of micronutrient intakes by young children and women in rural

Bangladesh is primarily explained by low food intake and limited diversity Journal of

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BARDIN L Anaacutelise de Conteuacutedo ndash 4ordf ed- Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 2011 p 45 121-

133 145-148

BELIK W SILVA JGS TAKAGI M Poliacuteticas de combate agrave fome no Brasil Revista

Satildeo Paulo em Perspectiva v 15 n 4 Satildeo Paulo p 119-129 outdec 2001

BRASIL Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de 15 de

setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash

SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada institui a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN estabelece os paracircmetros para a

elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional e daacute outras

providecircncias Diaacuterio Oficial [da] Repuacuteblica Federativa do Brasil Poder Executivo

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______ Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010

Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito

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64

APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista

ROTEIRO DA ENTREVISTA

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nome___________________________________________________ Data ____________

Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h

Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro

1 Idade __ __ (anos)

2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________

3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo

4 Escolaridade especificar

a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________

b) Ensino fundamental I________________________________________________

c) Ensino fundamental II_______________________________________________

d) Ensino meacutedio______________________________________________________

5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo

Questotildees norteadoras

1 O que agrave senhora entende por alimento

2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia

3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia

4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua

famiacutelia

Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil

65

APEcircNDICE B ndash Grelhas

66

67

68

69

70

71

ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica

72

APEcircNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO

NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE

UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL

LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA

PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis

Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco

Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios

Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa

Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa

O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento

A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas

Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas

e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute

decisatildeo ao contraacuterio

Recife ____ de _________________________de 2007

Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________

Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________

Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________

Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Page 8: SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...

7

RESUMO

A alimentaccedilatildeo eacute fundamental para a sobrevivecircncia humana e sua praacutetica eacute influenciada pela

cultura dos indiviacuteduos refletindo o caraacuteter social das praacuteticas alimentares Dentre os

ambientes em que satildeo realizadas as refeiccedilotildees o familiar eacute um dos mais importantes Na

famiacutelia haacute uma praacutetica comum de distribuir os alimentos que visa atender as necessidades

bioloacutegicas dos indiviacuteduos entretanto eacute cercada por aspectos histoacutericos socioculturais e

econocircmicos As atividades domeacutesticas incluindo agraves relacionados com a alimentaccedilatildeo

historicamente satildeo atribuiacutedas agraves mulheres Por isso este estudo qualitativo objetivou desvelar

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil A amostra foi intencional e composta

por 17 mulheres companheiras de trabalhadores das lavouras de cana-de-accediluacutecar As

entrevistas individuais incluiacuteram as questotildees norteadoras O que agrave senhora entende por

alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora

divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os

alimentos entre os membros de sua famiacutelia As informaccedilotildees foram interpretadas agrave luz dos

constructos teoacutericos a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da

famiacutelia brasileira A anaacutelise das informaccedilotildees geraram quatro categorias temaacuteticas alimento

como essencial agrave vida sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no

domiciacutelio a disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher interferindo

na partilha iniquidades sociais no contexto da partilha de alimentos A ecircnfase na importacircncia

da alimentaccedilatildeo para sobrevivecircncia reflete a priorizaccedilatildeo do seu aspecto bioloacutegico enquanto as

situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo na partilha de alimentos entre os membros e a

distinccedilatildeo de alimentos de pobres e ricos se relacionam com questotildees histoacutericas e culturais Os

sentimentos dicotocircmicos por sua vez estavam associados com a disponibilidade de alimentos

no domiciacutelio refletindo a dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Estes significados se

relacionam com diferentes niacuteveis de inseguranccedila alimentar e nutricional nesta populaccedilatildeo

Palavras-chave Alimentaccedilatildeo Mulher Famiacutelia Seguranccedila Alimentar e Nutricional

8

ABSTRACT

Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an

individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos

household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a

common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however

this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities

including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore

the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-

familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast

The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The

individual interviews included the following guiding questions What do you understand by

food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute

food to your family members How do you feel when you share food with your family

members This information was interpreted under the light of the following theoretical

constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right

and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption

practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories

food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the

household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in

the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance

of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the

situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the

distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on

their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the

psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels

of nutritional and food insecurity for this population

Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security

9

LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES

DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal

10

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO 11

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada 15

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 19

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36

21 Delineamento da Pesquisa 36

22 Cenaacuterio do Estudo 36

23 Participantes do Estudo 37

24 Coleta das Informaccedilotildees 37

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38

26 Aspectos Eacuteticos 40

27 Limitaccedilotildees do estudo40

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

REFEREcircNCIAS 58

APEcircNDICE A64

APEcircNCIDE B65

ANEXO A71

APEcircNCIDE C72

11

APRESENTACcedilAtildeO

A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres

humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos

indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser

algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos

culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz

de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)

O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos

inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos

imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave

criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha

brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos

seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003

SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)

O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes

envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se

deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de

visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de

festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio

diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de

alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses

indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a

dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos

socioculturalmente

A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra

coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao

atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua

funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por

ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas

alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros

tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)

12

Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os

membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002

VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato

pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das

necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e

nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da

alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na

alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo

transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que

estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006

PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)

Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de

alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e

nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de

alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a

necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual

(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados

para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da

renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de

recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila

alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes

deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar

tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta

dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA

2008)

No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo

seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute

associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa

vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e

nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os

13

universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente

transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade

aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)

Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma

realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos

salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com

as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade

financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS

RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de

trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do

Nordeste do Brasil

Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da

responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo

quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que

residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como

objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a

percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira

As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se

estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez

alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica

atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a

relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos

significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que

vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o

desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas

que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza

A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a

partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil

ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as

influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia

sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

14

com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte

tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a

quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa

O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos

Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores

canavieiros nas praacuteticas alimentares

15

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada

A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito

de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas

alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social

econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a

dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)

Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da

concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e

saudaacutevel

A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades

nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes

(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha

de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se

adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar

Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio

socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade

adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na

alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo

das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre

os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo

na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo

estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto

72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e

avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-

16

disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-

educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda

no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo

deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-

raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um

privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das

iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada

indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles

indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade

O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis

global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que

medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita

Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias

sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas

caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente

utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de

percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta

condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas

do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo

ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido

promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo

interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um

consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al

2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e

nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de

qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade

para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou

contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras

17

tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao

DHAA (LEAtildeO 2013)

Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida

das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que

todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a

inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez

engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente

de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a

Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila

alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de

que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da

famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da

famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)

Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987

SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e

que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN

PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores

socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de

alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores

que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da

seguranccedilainseguranccedila alimentar

A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada

nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode

ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e

da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da

alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano

seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros

satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste

sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo

18

psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral

estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos

indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes

estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na

tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas

em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar

trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que

todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada

indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma

alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade

Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar

pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos

Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila

O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores

necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades

o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)

Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as

suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais

A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom

funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo

alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma

alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais

especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico

beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas

alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002

PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute

possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades

O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar

e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento

ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado

alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em

19

carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da

populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se

um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos

padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-

CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo

Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos

A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos

problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia

nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual

habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome

oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto

agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma

consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma

alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa

seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e

percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)

Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os

aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares

Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-

geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio

identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica

econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem

sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares

(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o

decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem

tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e

sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON

20

1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica

alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo

que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o

olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo

contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto

independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo

brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial

A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com

a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma

miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e

escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs

influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades

encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como

clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas

essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia

eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco

colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em

grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores

ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos

O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e

que refletem na alimentaccedilatildeo atual

No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge

mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos

alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma

necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de

alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos

seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos

indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem

desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui

viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca

alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais

importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o

21

alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje

na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas

Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute

possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa

brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)

Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da

incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma

monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era

praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim

escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo

com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a

sobrevivecircncia

Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute

possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O

modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a

monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em

relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo

dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes

inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como

frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de

agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os

agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e

utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado

(BRASIL 2006)

A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do

suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos

mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas

fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido

(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas

verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial

continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)

22

Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O

primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica

cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos

alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico

baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que

condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de

haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o

enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto

qualitativo

No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se

obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados

consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em

Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos

gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute

um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os

feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000

PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem

histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das

famiacutelias brasileiras

Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas

pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram

a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento

o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo

XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se

ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como

terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-

se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo

Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por

volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter

contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das

famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o

arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da

modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo

23

tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o

consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel

Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se

torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no

Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas

Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em

Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo

eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem

ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do

Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo

simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL

2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma

diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha

brasileira

O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos

refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria

ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees

se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande

deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o

crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa

aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em

queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande

oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do

seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante

apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)

Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento

de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma

alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e

agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante

o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se

24

concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano

desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)

Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de

povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX

quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de

emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande

diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e

outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram

presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas

diferentes regiotildees do Brasil

A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto

concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando

este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no

Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou

uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as

famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)

A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam

braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de

mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma

elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra

situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer

as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda

hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute

de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da

escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do

Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de

famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional

Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social

colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora

indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado

25

por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A

partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista

Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a

receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo

consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar

do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)

O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha

com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade

de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da

populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o

consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo

consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de

minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo

das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois

aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na

alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo

bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar

Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo

para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das

praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo

observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo

bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se

sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo

no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar

equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial

era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional

Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a

disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos

alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem

presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de

26

incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas

sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura

militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras

permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo

(VASCONCELOS 2005)

O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de

democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para

superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como

justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e

ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura

militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de

direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e

prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)

No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o

seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os

produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui

para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de

famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil

confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute

possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute

inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se

necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares

A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo

no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a

natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o

alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em

expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas

alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores

crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo

27

Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras

dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI

2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre

quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas

(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH

2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a

perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam

arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o

entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua

histoacuteria

Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram

adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)

Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como

se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)

Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns

alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante

apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos

(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter

nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo

O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo

Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo

modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de

culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a

constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades

bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA

2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares

delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo

relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo

social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros

grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com

determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo

menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social

28

Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de

pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a

identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave

sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo

ao sabor do alimento

A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar

uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas

categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas

culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de

ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas

estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por

poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam

maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o

paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria

relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo

situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)

Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de

alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre

as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes

alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As

diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos

alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como

ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo

faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas

alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute

necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da

Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda

que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis

Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos

de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida

eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo

enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste

29

modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres

Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no

valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos

que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles

ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro

(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como

responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo

Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes

que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas

de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois

somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e

verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos

tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais

A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas

na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da

personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores

puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A

apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos

porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do

imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou

que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos

produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer

aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas

que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si

mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo

natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento

deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como

socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute

bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre

ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos

ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes

30

A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente

na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares

satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares

podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das

formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)

Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou

consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero

(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de

alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)

Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute

diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de

provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e

dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais

na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado

historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo

considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)

Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a

dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada

sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente

atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)

Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao

afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas

geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo

domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem

deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura

masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou

colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas

aos homens comuns (ROMANELLI 2006)

Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e

este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o

31

preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua

responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente

rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela

tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar

determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)

Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante

destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que

refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)

A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a

quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e

muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente

durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa

tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE

2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e

a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)

Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade

e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta

ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute

possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute

priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI

1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER

ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de

alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-

CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais

prejudicada

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte

do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho

Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos

colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para

o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne

32

pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos

tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de

uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou

religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com

outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o

status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato

do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase

sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem

alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda

famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o

sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo

do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da

necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana

As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser

visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas

Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade

de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo

caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e

priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees

comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986

CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002

RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)

Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais

mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al

2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As

implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam

situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais

Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua

suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma

alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na

33

disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma

equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter

conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem

tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e

disponibilidade adequadas

Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente

familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a

transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem

ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na

porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem

focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA

2008)

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem

desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta

agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo

de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a

exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta

a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias

que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-

obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de

iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas

estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as

cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-

de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com

muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)

Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve

atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura

Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para

34

contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da

degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-

accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees

produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional

(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute

mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo

O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado

quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade

Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua

uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos

realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO

MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural

na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de

matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas

uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo

substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente

dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor

puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo

diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua

consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento

das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento

sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)

Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas

agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta

situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias

outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e

amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas

de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de

restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia

receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo

35

garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo

adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes

para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)

O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade

possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que

refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo

fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas

com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias

de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes

36

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO

21 Delineamento da Pesquisa

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao

objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas

que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de

representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o

campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa

usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO

2005)

O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer

relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando

e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de

intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a

compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade

interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes

tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os

significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira

22 Cenaacuterio do Estudo

O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do

Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de

Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de

27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo

territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste

municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo

territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute

mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares

com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por

hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo

lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo

37

1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000

(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste

municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades

ligadas a este produto principalmente o corte

No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano

Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este

iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de

0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)

23 Participantes do Estudo

O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de

cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de

Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de

Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo

As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de

amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a

interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio

de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas

(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por

pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as

questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo

da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)

24 Coleta de Informaccedilotildees

A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo

considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior

instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase

da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo

A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um

roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees

norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas

escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um

38

pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo

da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a

entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas

As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que

significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os

alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os

membros de sua famiacutelia

A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha

liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um

diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar

adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar

(MINAYO 2008)

As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software

Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas

Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e

validaccedilatildeo destas

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees

No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma

pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros

relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional

mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os

constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a

complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico

econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata

Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso

ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas

que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta

pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi

imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados

A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a

Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a

39

partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos

que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o

Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na

formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)

1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi

tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias

iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os

documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas

Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O

ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das

mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade

considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo

correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da

representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja

representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-

accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de

todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de

homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a

criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da

pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo

Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do

estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou

Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as

Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo

delimitada a compreensatildeo do mesmo)

2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as

categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto

foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas

pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de

Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados

No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de

40

Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de

todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma

observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as

categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador

pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado

3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos

resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos

previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram

distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do

referencial teoacuterico

As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office

Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A

26 Aspectos Eacuteticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de

Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas

envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)

Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam

informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a

entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)

27 Limitaccedilatildeo do estudo

A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma

vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros

pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo

interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado

41

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Introduccedilatildeo

A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular

permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas

e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida

digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo

como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um

avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo

ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos

sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13

Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as

pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de

desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a

suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as

expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4

Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste

local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia

visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e

socioculturais 56

A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os

membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em

quantidade suficiente e qualidade adequada 37

Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar

que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente

para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as

famiacutelias da regiatildeo 8910

A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

42

venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais

difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311

No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua

aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo

culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da

existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os

universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente

transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua

responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12

Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os

significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores

de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Caminho metodoloacutegico

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das

vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em

torno de representaccedilotildees e simbolismos 13

O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata

do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e

outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo

No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-

accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com

significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta

atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra

proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e

nutricional 811

A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores

das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de

43

saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de

natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314

A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o

corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro

semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O

que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua

famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se

sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram

realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas

na iacutentegra

As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por

Bardin (2011) 15

realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de

todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus

momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram

selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras

(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para

composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das

categorias temaacuteticas

As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316

e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14

e as

influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 5121718

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)

do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em

respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada

participante recebeu um pseudocircnimo

Resultados

Atores do estudo

As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos

predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino

44

fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas

Categoria I O alimento como essencial agrave vida

A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de

conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia

ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o

alimento ningueacutem viverdquo (Camila)

ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica

fraco E sem comida morrerdquo (Renata)

ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo

(Solange)

Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma

condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo

ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a

gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)

ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a

genterdquo (Fabiana)

As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam

desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma

obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida

ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com

fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a

alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)

ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar

pode ficar desnutridardquo (Margarida)

ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)

O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram

uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos

saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo

destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis

45

ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de

comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e

cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)

ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e

bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora

certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)

ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a

gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)

ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute

seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode

comer em quantidaderdquo (Silvana)

ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a

gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)

Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio

A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade

quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de

desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o

alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante

sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos

foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)

ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute

mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)

ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus

quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar

Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar

na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando

eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)

ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter

de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar

chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu

desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho

46

um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles

pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)

ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo

mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)

Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher

interferindo na partilha

A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a

disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para

todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles

ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura

ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias

tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute

tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)

ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as

cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de

feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)

As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se

sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o

provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu

trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo

ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia

colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou

colocar tudordquo (Patriacutecia)

ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida

e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo

(Fabiana)

Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos

Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na

distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do

47

homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores

quantidades de alimentos

ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando

fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo

tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)

ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser

pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)

ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele

trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega

aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida

suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece

(risos)rdquo (Silvana)

As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns

alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram

de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e

comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo

ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a

gente eacute pobrerdquo (Camila)

ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um

pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha

um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)

ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa

porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo

faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)

Discussatildeo

O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia

e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como

proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das

mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas

13

48

A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais

dos indiviacuteduos 14

Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo

de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como

sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido

colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos

jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas

praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores

socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a

modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas

climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim

houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

intuito de manter a vida 1819

A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das

mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional

trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte

pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito

significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se

encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais

direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021

A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as

mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a

qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras

que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a

populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo

pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo

socioeconocircmica 12

Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo

os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras

saturadas

Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria

baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade 1217

As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua

significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o

consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como

49

complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua

vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na

alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente

acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual

feijatildeo com arroz 22

Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com

prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a

seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223

No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo

socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo

de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da

cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra

accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando

desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores

conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de

complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24

A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de

outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe

problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo

das iniquidades sociais 18

Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila

Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali

habitam 8

Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e

vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava

presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e

psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia

tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada

e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20

eacute possiacutevel perceber

que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional

em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que

possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e

da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e

crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis

perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de

alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve

50

As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da

ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave

Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo

companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por

intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave

vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a

questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25

Em uma casa

pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo

escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26

Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais

importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o

de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras

refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo

tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos 31027

Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e

mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos

filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis

desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente

e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera

privada satildeo delegadas agrave mulher 2829

As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees

hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a

mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das

relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto

culturalmente 29

Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o

seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar

as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada

menos digna do que o trabalho do homem 121730

Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que

exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das

possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita

a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do

homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17

Esta situaccedilatildeo reflete as

51

representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no

domiciacutelio

No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior

pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria

consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus

membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a

mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da

praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da

alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural

mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a

melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam

maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores

necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais

menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para

atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de

alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel

exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para

trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de

priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto

da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227

A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do

indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por

indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma

categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo

enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos

estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231

A alimentaccedilatildeo colocada como

hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia

eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco

colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente

do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822

52

Consideraccedilotildees finais

As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave

alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos

aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos

para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do

homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de

alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os

sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez

refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a

diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo

Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave

violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos

agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e

Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que

proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-

accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo

Referecircncias

1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de

15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada

institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN

estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar

e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago

2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010

Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito

social Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 4 fev Disponiacutevel em

httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoEmendasEmcemc64htm

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Sampaio MFA Inseguranccedila alimentar intrafamiliar e perfil de consumo de alimentos

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6 Arsenault JE Yakes EA Islam MM Hossain MB Ahmed T Hotz C Lewis B

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7 Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de Seguranccedila

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Alimentar e Nutricional 2004

8 Cavalcanti C Dias A Lubambo C Barros H Cruz L Arauacutejo M Moreira M Galindo

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10 Cavalcanti DS Vasconcelos PN Muniz VM Santos NFS Osoacuterio MM Consumo de

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alimentar e estado nutricional de crianccedilas de Gameleira zona da mata do Nordeste

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12 Romanelli G O significado da alimentaccedilatildeo na famiacutelia uma visatildeo antropoloacutegica

Medicina 2006 39 333-339

13 Minayo MCS O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em Sauacutede Satildeo Paulo

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14 Minayo MCS Ciecircncia Teacutecnica e Arte O desafio da pesquisa social In Minayo

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Petroacutepolis Vozes 2009 p 48

15 Bardin L Anaacutelise de Conteuacutedo Lisboa Ediccedilotildees 70 2011 p 121-133 145-148

54

16 Brasil Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional [documento final] Conselho Nacional de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2004

httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesII_Conferencia_2versaopdf (acessado em

15Out2014)

17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de

Ciecircncias Sociais 1986 29 103-130

18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da

economia patriarcal Satildeo Paulo Global 2003 p 64-497

19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na

Ameacuterica portuguesa do seacuteculo XVIII alguns casos monccediloeiros Diaacutelogos

DHIPPHUEM 2010 14 273-286

20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas

Estudos Avanccedilados 2007 21 143154

21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho

MB Anemia hipovitaminose A e inseguranccedila alimentar em crianccedilas de municiacutepios de

Baixo Iacutendice de Desenvolvimento Humano do Nordeste do Brasil Rev Bras

Epidemiol 2010 13 651-664

22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39

23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e

socioeconocircmica da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil em 2008-2009

Rev Sauacutede Puacuteblica 2012 46 6-15

24 Brasil Lei nordm 11326 de 24 de julho de 2006 Estabelece as diretrizes para a

formulaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos

Familiares Rurais Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2006 24 jul

25 Sampaio MFA Kepple AW Segall-Correcirca AM Oliveira JTA Maranha LK Marin-

Leon L Bergamasco SMPP Perez-Escamilla R (In) Seguranccedila Alimentar

experiecircncia de grupos focais com populaccedilotildees rurais do estado de Satildeo Paulo Rev

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2006 13 64-77

26 Freitas MCS Uma abordagem fenomenoloacutegica da fome Rev Nutr 2002 15 53-69

27 Ndiku M Jaceldo-Siegl K Singh P Sabateacute J Gender inequality in food intake and

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55

28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004

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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero

e poder Itabaina GEPIADDE 2010 4 71-87

30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o

que vai pra mesa Fazendo gecircnero ndash Corpo violecircncia e poder 2008

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15set2014)

31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos

modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256

56

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua

distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel

reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como

figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se

deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a

dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as

mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo

com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos

pela sociedade

As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o

objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo

intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres

estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender

fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo

quantitativa

Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico

da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida

humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um

direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da

inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo

dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias

representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees

econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da

monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao

longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees

econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas

refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos

Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos

destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As

principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres

57

Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e

que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo

daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim

foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se

pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a

alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e

motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo

subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade

extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar

extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de

alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da

alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo

Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas

econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais

obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser

estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais

complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo

do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar

do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e

individual

Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se

ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da

Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e

culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes

ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos

58

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64

APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista

ROTEIRO DA ENTREVISTA

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nome___________________________________________________ Data ____________

Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h

Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro

1 Idade __ __ (anos)

2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________

3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo

4 Escolaridade especificar

a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________

b) Ensino fundamental I________________________________________________

c) Ensino fundamental II_______________________________________________

d) Ensino meacutedio______________________________________________________

5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo

Questotildees norteadoras

1 O que agrave senhora entende por alimento

2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia

3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia

4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua

famiacutelia

Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil

65

APEcircNDICE B ndash Grelhas

66

67

68

69

70

71

ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica

72

APEcircNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO

NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE

UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL

LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA

PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis

Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco

Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios

Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa

Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa

O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento

A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas

Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas

e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute

decisatildeo ao contraacuterio

Recife ____ de _________________________de 2007

Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________

Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________

Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________

Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Page 9: SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...

8

ABSTRACT

Food consumption is crucial for human survival and its practice is influenced by an

individualsrsquo culture reflecting the social character of food consumption practices A personrsquos

household is one of the most important places where meals are eaten Distributing food is a

common practice in the family aims at meeting the individualsrsquo biological needs however

this is surrounded by historical socio-cultural and economic aspects Domestic activities

including those related to food consumption are historically assigned to women Therefore

the purpose of this qualitative study was to unveil the meanings of food and their intra-

familial distribution for the wives of sugar-cane industry workers in the Brazilian Northeast

The sample was intentional and consisted of 17 wives of sugar-cane industry workers The

individual interviews included the following guiding questions What do you understand by

food What does food mean to you and your familyrsquos lives How do you split and distribute

food to your family members How do you feel when you share food with your family

members This information was interpreted under the light of the following theoretical

constructs Nutritional and Food Security and the Right to Adequate Food as a Human Right

and their historical and sociocultural impact in the building of the dietary food consumption

practice of the Brazilian family The information analysis generated four thematic categories

food as essential for the life ambiguous feelings before the availability of food in the

household the availability of food and on the assignments of men and women interfering in

the sharing social inequities in the context of food sharing The emphasis on the importance

of food for onersquos survival reflects the prioritization of its biological aspect while the

situations of inequity and discrimination in food sharing to the family members and the

distinction of poor and rich food is related to historical and cultural issues Split feelings on

their turn were associated with the availability of food in the household thus reflecting the

psychological dimension of food consumption These meanings relate to the different levels

of nutritional and food insecurity for this population

Keywords Food consumption Woman Family Nutritional and Food Security

9

LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES

DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal

10

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO 11

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada 15

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 19

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36

21 Delineamento da Pesquisa 36

22 Cenaacuterio do Estudo 36

23 Participantes do Estudo 37

24 Coleta das Informaccedilotildees 37

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38

26 Aspectos Eacuteticos 40

27 Limitaccedilotildees do estudo40

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

REFEREcircNCIAS 58

APEcircNDICE A64

APEcircNCIDE B65

ANEXO A71

APEcircNCIDE C72

11

APRESENTACcedilAtildeO

A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres

humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos

indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser

algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos

culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz

de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)

O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos

inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos

imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave

criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha

brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos

seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003

SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)

O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes

envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se

deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de

visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de

festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio

diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de

alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses

indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a

dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos

socioculturalmente

A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra

coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao

atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua

funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por

ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas

alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros

tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)

12

Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os

membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002

VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato

pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das

necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e

nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da

alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na

alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo

transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que

estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006

PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)

Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de

alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e

nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de

alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a

necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual

(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados

para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da

renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de

recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila

alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes

deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar

tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta

dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA

2008)

No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo

seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute

associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa

vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e

nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os

13

universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente

transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade

aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)

Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma

realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos

salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com

as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade

financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS

RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de

trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do

Nordeste do Brasil

Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da

responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo

quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que

residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como

objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a

percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira

As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se

estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez

alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica

atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a

relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos

significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que

vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o

desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas

que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza

A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a

partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil

ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as

influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia

sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

14

com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte

tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a

quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa

O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos

Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores

canavieiros nas praacuteticas alimentares

15

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada

A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito

de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas

alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social

econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a

dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)

Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da

concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e

saudaacutevel

A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades

nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes

(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha

de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se

adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar

Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio

socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade

adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na

alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo

das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre

os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo

na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo

estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto

72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e

avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-

16

disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-

educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda

no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo

deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-

raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um

privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das

iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada

indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles

indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade

O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis

global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que

medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita

Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias

sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas

caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente

utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de

percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta

condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas

do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo

ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido

promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo

interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um

consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al

2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e

nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de

qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade

para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou

contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras

17

tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao

DHAA (LEAtildeO 2013)

Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida

das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que

todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a

inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez

engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente

de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a

Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila

alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de

que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da

famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da

famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)

Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987

SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e

que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN

PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores

socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de

alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores

que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da

seguranccedilainseguranccedila alimentar

A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada

nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode

ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e

da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da

alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano

seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros

satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste

sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo

18

psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral

estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos

indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes

estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na

tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas

em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar

trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que

todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada

indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma

alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade

Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar

pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos

Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila

O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores

necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades

o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)

Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as

suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais

A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom

funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo

alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma

alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais

especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico

beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas

alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002

PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute

possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades

O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar

e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento

ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado

alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em

19

carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da

populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se

um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos

padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-

CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo

Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos

A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos

problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia

nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual

habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome

oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto

agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma

consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma

alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa

seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e

percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)

Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os

aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares

Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-

geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio

identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica

econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem

sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares

(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o

decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem

tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e

sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON

20

1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica

alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo

que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o

olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo

contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto

independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo

brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial

A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com

a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma

miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e

escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs

influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades

encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como

clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas

essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia

eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco

colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em

grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores

ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos

O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e

que refletem na alimentaccedilatildeo atual

No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge

mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos

alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma

necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de

alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos

seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos

indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem

desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui

viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca

alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais

importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o

21

alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje

na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas

Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute

possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa

brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)

Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da

incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma

monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era

praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim

escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo

com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a

sobrevivecircncia

Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute

possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O

modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a

monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em

relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo

dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes

inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como

frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de

agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os

agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e

utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado

(BRASIL 2006)

A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do

suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos

mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas

fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido

(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas

verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial

continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)

22

Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O

primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica

cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos

alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico

baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que

condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de

haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o

enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto

qualitativo

No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se

obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados

consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em

Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos

gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute

um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os

feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000

PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem

histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das

famiacutelias brasileiras

Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas

pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram

a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento

o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo

XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se

ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como

terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-

se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo

Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por

volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter

contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das

famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o

arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da

modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo

23

tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o

consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel

Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se

torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no

Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas

Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em

Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo

eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem

ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do

Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo

simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL

2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma

diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha

brasileira

O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos

refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria

ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees

se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande

deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o

crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa

aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em

queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande

oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do

seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante

apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)

Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento

de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma

alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e

agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante

o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se

24

concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano

desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)

Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de

povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX

quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de

emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande

diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e

outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram

presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas

diferentes regiotildees do Brasil

A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto

concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando

este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no

Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou

uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as

famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)

A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam

braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de

mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma

elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra

situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer

as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda

hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute

de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da

escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do

Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de

famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional

Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social

colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora

indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado

25

por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A

partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista

Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a

receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo

consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar

do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)

O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha

com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade

de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da

populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o

consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo

consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de

minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo

das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois

aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na

alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo

bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar

Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo

para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das

praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo

observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo

bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se

sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo

no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar

equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial

era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional

Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a

disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos

alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem

presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de

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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas

sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura

militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras

permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo

(VASCONCELOS 2005)

O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de

democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para

superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como

justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e

ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura

militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de

direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e

prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)

No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o

seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os

produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui

para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de

famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil

confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute

possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute

inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se

necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares

A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo

no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a

natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o

alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em

expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas

alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores

crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo

27

Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras

dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI

2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre

quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas

(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH

2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a

perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam

arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o

entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua

histoacuteria

Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram

adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)

Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como

se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)

Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns

alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante

apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos

(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter

nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo

O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo

Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo

modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de

culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a

constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades

bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA

2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares

delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo

relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo

social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros

grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com

determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo

menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social

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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de

pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a

identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave

sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo

ao sabor do alimento

A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar

uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas

categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas

culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de

ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas

estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por

poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam

maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o

paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria

relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo

situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)

Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de

alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre

as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes

alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As

diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos

alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como

ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo

faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas

alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute

necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da

Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda

que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis

Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos

de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida

eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo

enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste

29

modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres

Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no

valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos

que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles

ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro

(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como

responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo

Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes

que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas

de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois

somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e

verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos

tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais

A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas

na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da

personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores

puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A

apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos

porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do

imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou

que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos

produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer

aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas

que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si

mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo

natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento

deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como

socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute

bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre

ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos

ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes

30

A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente

na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares

satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares

podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das

formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)

Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou

consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero

(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de

alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)

Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute

diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de

provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e

dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais

na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado

historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo

considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)

Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a

dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada

sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente

atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)

Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao

afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas

geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo

domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem

deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura

masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou

colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas

aos homens comuns (ROMANELLI 2006)

Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e

este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o

31

preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua

responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente

rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela

tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar

determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)

Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante

destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que

refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)

A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a

quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e

muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente

durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa

tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE

2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e

a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)

Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade

e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta

ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute

possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute

priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI

1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER

ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de

alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-

CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais

prejudicada

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte

do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho

Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos

colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para

o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne

32

pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos

tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de

uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou

religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com

outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o

status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato

do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase

sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem

alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda

famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o

sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo

do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da

necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana

As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser

visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas

Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade

de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo

caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e

priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees

comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986

CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002

RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)

Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais

mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al

2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As

implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam

situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais

Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua

suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma

alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na

33

disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma

equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter

conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem

tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e

disponibilidade adequadas

Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente

familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a

transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem

ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na

porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem

focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA

2008)

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem

desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta

agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo

de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a

exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta

a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias

que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-

obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de

iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas

estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as

cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-

de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com

muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)

Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve

atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura

Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para

34

contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da

degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-

accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees

produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional

(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute

mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo

O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado

quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade

Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua

uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos

realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO

MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural

na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de

matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas

uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo

substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente

dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor

puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo

diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua

consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento

das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento

sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)

Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas

agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta

situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias

outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e

amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas

de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de

restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia

receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo

35

garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo

adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes

para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)

O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade

possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que

refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo

fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas

com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias

de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes

36

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO

21 Delineamento da Pesquisa

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao

objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas

que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de

representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o

campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa

usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO

2005)

O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer

relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando

e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de

intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a

compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade

interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes

tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os

significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira

22 Cenaacuterio do Estudo

O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do

Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de

Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de

27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo

territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste

municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo

territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute

mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares

com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por

hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo

lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo

37

1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000

(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste

municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades

ligadas a este produto principalmente o corte

No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano

Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este

iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de

0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)

23 Participantes do Estudo

O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de

cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de

Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de

Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo

As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de

amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a

interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio

de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas

(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por

pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as

questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo

da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)

24 Coleta de Informaccedilotildees

A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo

considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior

instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase

da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo

A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um

roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees

norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas

escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um

38

pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo

da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a

entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas

As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que

significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os

alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os

membros de sua famiacutelia

A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha

liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um

diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar

adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar

(MINAYO 2008)

As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software

Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas

Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e

validaccedilatildeo destas

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees

No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma

pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros

relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional

mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os

constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a

complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico

econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata

Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso

ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas

que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta

pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi

imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados

A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a

Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a

39

partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos

que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o

Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na

formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)

1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi

tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias

iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os

documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas

Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O

ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das

mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade

considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo

correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da

representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja

representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-

accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de

todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de

homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a

criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da

pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo

Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do

estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou

Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as

Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo

delimitada a compreensatildeo do mesmo)

2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as

categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto

foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas

pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de

Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados

No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de

40

Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de

todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma

observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as

categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador

pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado

3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos

resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos

previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram

distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do

referencial teoacuterico

As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office

Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A

26 Aspectos Eacuteticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de

Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas

envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)

Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam

informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a

entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)

27 Limitaccedilatildeo do estudo

A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma

vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros

pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo

interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado

41

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Introduccedilatildeo

A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular

permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas

e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida

digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo

como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um

avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo

ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos

sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13

Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as

pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de

desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a

suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as

expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4

Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste

local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia

visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e

socioculturais 56

A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os

membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em

quantidade suficiente e qualidade adequada 37

Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar

que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente

para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as

famiacutelias da regiatildeo 8910

A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

42

venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais

difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311

No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua

aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo

culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da

existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os

universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente

transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua

responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12

Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os

significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores

de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Caminho metodoloacutegico

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das

vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em

torno de representaccedilotildees e simbolismos 13

O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata

do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e

outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo

No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-

accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com

significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta

atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra

proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e

nutricional 811

A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores

das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de

43

saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de

natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314

A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o

corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro

semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O

que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua

famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se

sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram

realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas

na iacutentegra

As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por

Bardin (2011) 15

realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de

todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus

momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram

selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras

(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para

composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das

categorias temaacuteticas

As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316

e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14

e as

influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 5121718

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)

do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em

respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada

participante recebeu um pseudocircnimo

Resultados

Atores do estudo

As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos

predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino

44

fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas

Categoria I O alimento como essencial agrave vida

A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de

conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia

ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o

alimento ningueacutem viverdquo (Camila)

ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica

fraco E sem comida morrerdquo (Renata)

ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo

(Solange)

Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma

condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo

ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a

gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)

ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a

genterdquo (Fabiana)

As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam

desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma

obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida

ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com

fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a

alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)

ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar

pode ficar desnutridardquo (Margarida)

ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)

O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram

uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos

saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo

destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis

45

ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de

comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e

cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)

ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e

bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora

certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)

ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a

gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)

ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute

seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode

comer em quantidaderdquo (Silvana)

ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a

gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)

Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio

A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade

quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de

desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o

alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante

sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos

foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)

ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute

mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)

ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus

quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar

Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar

na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando

eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)

ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter

de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar

chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu

desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho

46

um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles

pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)

ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo

mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)

Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher

interferindo na partilha

A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a

disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para

todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles

ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura

ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias

tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute

tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)

ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as

cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de

feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)

As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se

sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o

provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu

trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo

ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia

colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou

colocar tudordquo (Patriacutecia)

ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida

e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo

(Fabiana)

Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos

Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na

distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do

47

homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores

quantidades de alimentos

ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando

fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo

tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)

ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser

pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)

ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele

trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega

aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida

suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece

(risos)rdquo (Silvana)

As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns

alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram

de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e

comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo

ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a

gente eacute pobrerdquo (Camila)

ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um

pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha

um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)

ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa

porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo

faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)

Discussatildeo

O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia

e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como

proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das

mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas

13

48

A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais

dos indiviacuteduos 14

Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo

de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como

sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido

colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos

jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas

praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores

socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a

modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas

climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim

houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

intuito de manter a vida 1819

A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das

mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional

trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte

pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito

significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se

encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais

direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021

A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as

mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a

qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras

que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a

populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo

pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo

socioeconocircmica 12

Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo

os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras

saturadas

Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria

baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade 1217

As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua

significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o

consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como

49

complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua

vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na

alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente

acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual

feijatildeo com arroz 22

Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com

prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a

seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223

No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo

socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo

de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da

cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra

accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando

desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores

conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de

complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24

A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de

outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe

problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo

das iniquidades sociais 18

Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila

Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali

habitam 8

Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e

vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava

presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e

psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia

tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada

e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20

eacute possiacutevel perceber

que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional

em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que

possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e

da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e

crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis

perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de

alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve

50

As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da

ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave

Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo

companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por

intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave

vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a

questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25

Em uma casa

pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo

escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26

Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais

importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o

de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras

refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo

tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos 31027

Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e

mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos

filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis

desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente

e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera

privada satildeo delegadas agrave mulher 2829

As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees

hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a

mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das

relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto

culturalmente 29

Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o

seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar

as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada

menos digna do que o trabalho do homem 121730

Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que

exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das

possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita

a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do

homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17

Esta situaccedilatildeo reflete as

51

representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no

domiciacutelio

No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior

pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria

consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus

membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a

mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da

praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da

alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural

mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a

melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam

maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores

necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais

menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para

atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de

alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel

exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para

trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de

priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto

da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227

A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do

indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por

indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma

categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo

enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos

estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231

A alimentaccedilatildeo colocada como

hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia

eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco

colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente

do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822

52

Consideraccedilotildees finais

As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave

alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos

aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos

para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do

homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de

alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os

sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez

refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a

diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo

Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave

violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos

agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e

Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que

proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-

accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo

Referecircncias

1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de

15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada

institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN

estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar

e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago

2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010

Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito

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6 Arsenault JE Yakes EA Islam MM Hossain MB Ahmed T Hotz C Lewis B

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7 Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de Seguranccedila

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alimentar e estado nutricional de crianccedilas de Gameleira zona da mata do Nordeste

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12 Romanelli G O significado da alimentaccedilatildeo na famiacutelia uma visatildeo antropoloacutegica

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13 Minayo MCS O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em Sauacutede Satildeo Paulo

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14 Minayo MCS Ciecircncia Teacutecnica e Arte O desafio da pesquisa social In Minayo

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Petroacutepolis Vozes 2009 p 48

15 Bardin L Anaacutelise de Conteuacutedo Lisboa Ediccedilotildees 70 2011 p 121-133 145-148

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16 Brasil Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional [documento final] Conselho Nacional de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2004

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15Out2014)

17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de

Ciecircncias Sociais 1986 29 103-130

18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da

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19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na

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DHIPPHUEM 2010 14 273-286

20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas

Estudos Avanccedilados 2007 21 143154

21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho

MB Anemia hipovitaminose A e inseguranccedila alimentar em crianccedilas de municiacutepios de

Baixo Iacutendice de Desenvolvimento Humano do Nordeste do Brasil Rev Bras

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22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39

23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e

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Rev Sauacutede Puacuteblica 2012 46 6-15

24 Brasil Lei nordm 11326 de 24 de julho de 2006 Estabelece as diretrizes para a

formulaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos

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25 Sampaio MFA Kepple AW Segall-Correcirca AM Oliveira JTA Maranha LK Marin-

Leon L Bergamasco SMPP Perez-Escamilla R (In) Seguranccedila Alimentar

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Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2006 13 64-77

26 Freitas MCS Uma abordagem fenomenoloacutegica da fome Rev Nutr 2002 15 53-69

27 Ndiku M Jaceldo-Siegl K Singh P Sabateacute J Gender inequality in food intake and

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28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004

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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero

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30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o

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31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos

modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256

56

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua

distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel

reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como

figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se

deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a

dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as

mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo

com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos

pela sociedade

As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o

objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo

intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres

estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender

fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo

quantitativa

Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico

da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida

humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um

direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da

inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo

dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias

representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees

econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da

monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao

longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees

econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas

refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos

Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos

destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As

principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres

57

Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e

que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo

daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim

foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se

pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a

alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e

motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo

subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade

extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar

extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de

alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da

alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo

Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas

econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais

obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser

estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais

complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo

do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar

do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e

individual

Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se

ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da

Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e

culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes

ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos

58

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64

APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista

ROTEIRO DA ENTREVISTA

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nome___________________________________________________ Data ____________

Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h

Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro

1 Idade __ __ (anos)

2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________

3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo

4 Escolaridade especificar

a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________

b) Ensino fundamental I________________________________________________

c) Ensino fundamental II_______________________________________________

d) Ensino meacutedio______________________________________________________

5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo

Questotildees norteadoras

1 O que agrave senhora entende por alimento

2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia

3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia

4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua

famiacutelia

Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil

65

APEcircNDICE B ndash Grelhas

66

67

68

69

70

71

ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica

72

APEcircNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO

NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE

UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL

LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA

PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis

Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco

Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios

Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa

Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa

O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento

A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas

Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas

e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute

decisatildeo ao contraacuterio

Recife ____ de _________________________de 2007

Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________

Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________

Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________

Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Page 10: SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...

9

LISTA DE ABREVIACcedilOtildeES

DHAA Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IDHM Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal

10

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO 11

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada 15

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 19

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36

21 Delineamento da Pesquisa 36

22 Cenaacuterio do Estudo 36

23 Participantes do Estudo 37

24 Coleta das Informaccedilotildees 37

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38

26 Aspectos Eacuteticos 40

27 Limitaccedilotildees do estudo40

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

REFEREcircNCIAS 58

APEcircNDICE A64

APEcircNCIDE B65

ANEXO A71

APEcircNCIDE C72

11

APRESENTACcedilAtildeO

A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres

humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos

indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser

algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos

culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz

de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)

O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos

inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos

imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave

criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha

brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos

seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003

SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)

O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes

envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se

deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de

visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de

festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio

diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de

alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses

indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a

dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos

socioculturalmente

A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra

coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao

atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua

funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por

ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas

alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros

tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)

12

Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os

membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002

VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato

pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das

necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e

nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da

alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na

alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo

transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que

estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006

PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)

Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de

alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e

nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de

alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a

necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual

(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados

para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da

renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de

recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila

alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes

deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar

tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta

dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA

2008)

No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo

seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute

associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa

vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e

nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os

13

universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente

transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade

aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)

Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma

realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos

salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com

as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade

financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS

RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de

trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do

Nordeste do Brasil

Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da

responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo

quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que

residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como

objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a

percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira

As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se

estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez

alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica

atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a

relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos

significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que

vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o

desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas

que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza

A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a

partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil

ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as

influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia

sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

14

com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte

tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a

quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa

O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos

Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores

canavieiros nas praacuteticas alimentares

15

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada

A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito

de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas

alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social

econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a

dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)

Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da

concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e

saudaacutevel

A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades

nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes

(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha

de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se

adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar

Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio

socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade

adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na

alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo

das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre

os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo

na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo

estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto

72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e

avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-

16

disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-

educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda

no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo

deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-

raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um

privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das

iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada

indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles

indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade

O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis

global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que

medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita

Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias

sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas

caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente

utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de

percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta

condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas

do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo

ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido

promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo

interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um

consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al

2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e

nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de

qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade

para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou

contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras

17

tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao

DHAA (LEAtildeO 2013)

Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida

das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que

todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a

inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez

engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente

de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a

Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila

alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de

que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da

famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da

famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)

Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987

SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e

que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN

PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores

socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de

alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores

que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da

seguranccedilainseguranccedila alimentar

A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada

nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode

ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e

da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da

alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano

seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros

satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste

sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo

18

psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral

estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos

indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes

estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na

tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas

em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar

trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que

todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada

indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma

alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade

Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar

pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos

Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila

O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores

necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades

o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)

Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as

suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais

A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom

funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo

alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma

alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais

especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico

beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas

alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002

PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute

possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades

O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar

e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento

ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado

alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em

19

carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da

populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se

um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos

padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-

CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo

Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos

A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos

problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia

nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual

habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome

oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto

agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma

consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma

alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa

seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e

percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)

Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os

aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares

Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-

geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio

identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica

econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem

sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares

(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o

decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem

tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e

sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON

20

1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica

alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo

que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o

olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo

contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto

independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo

brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial

A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com

a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma

miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e

escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs

influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades

encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como

clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas

essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia

eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco

colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em

grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores

ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos

O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e

que refletem na alimentaccedilatildeo atual

No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge

mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos

alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma

necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de

alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos

seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos

indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem

desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui

viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca

alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais

importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o

21

alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje

na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas

Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute

possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa

brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)

Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da

incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma

monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era

praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim

escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo

com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a

sobrevivecircncia

Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute

possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O

modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a

monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em

relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo

dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes

inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como

frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de

agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os

agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e

utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado

(BRASIL 2006)

A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do

suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos

mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas

fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido

(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas

verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial

continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)

22

Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O

primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica

cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos

alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico

baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que

condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de

haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o

enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto

qualitativo

No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se

obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados

consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em

Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos

gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute

um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os

feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000

PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem

histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das

famiacutelias brasileiras

Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas

pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram

a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento

o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo

XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se

ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como

terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-

se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo

Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por

volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter

contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das

famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o

arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da

modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo

23

tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o

consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel

Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se

torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no

Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas

Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em

Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo

eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem

ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do

Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo

simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL

2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma

diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha

brasileira

O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos

refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria

ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees

se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande

deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o

crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa

aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em

queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande

oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do

seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante

apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)

Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento

de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma

alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e

agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante

o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se

24

concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano

desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)

Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de

povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX

quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de

emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande

diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e

outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram

presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas

diferentes regiotildees do Brasil

A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto

concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando

este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no

Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou

uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as

famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)

A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam

braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de

mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma

elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra

situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer

as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda

hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute

de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da

escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do

Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de

famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional

Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social

colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora

indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado

25

por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A

partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista

Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a

receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo

consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar

do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)

O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha

com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade

de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da

populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o

consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo

consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de

minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo

das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois

aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na

alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo

bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar

Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo

para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das

praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo

observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo

bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se

sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo

no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar

equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial

era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional

Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a

disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos

alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem

presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de

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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas

sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura

militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras

permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo

(VASCONCELOS 2005)

O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de

democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para

superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como

justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e

ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura

militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de

direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e

prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)

No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o

seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os

produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui

para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de

famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil

confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute

possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute

inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se

necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares

A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo

no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a

natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o

alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em

expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas

alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores

crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo

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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras

dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI

2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre

quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas

(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH

2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a

perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam

arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o

entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua

histoacuteria

Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram

adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)

Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como

se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)

Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns

alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante

apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos

(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter

nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo

O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo

Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo

modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de

culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a

constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades

bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA

2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares

delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo

relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo

social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros

grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com

determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo

menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social

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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de

pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a

identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave

sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo

ao sabor do alimento

A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar

uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas

categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas

culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de

ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas

estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por

poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam

maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o

paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria

relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo

situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)

Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de

alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre

as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes

alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As

diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos

alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como

ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo

faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas

alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute

necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da

Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda

que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis

Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos

de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida

eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo

enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste

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modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres

Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no

valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos

que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles

ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro

(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como

responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo

Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes

que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas

de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois

somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e

verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos

tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais

A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas

na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da

personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores

puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A

apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos

porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do

imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou

que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos

produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer

aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas

que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si

mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo

natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento

deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como

socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute

bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre

ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos

ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes

30

A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente

na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares

satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares

podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das

formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)

Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou

consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero

(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de

alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)

Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute

diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de

provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e

dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais

na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado

historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo

considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)

Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a

dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada

sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente

atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)

Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao

afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas

geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo

domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem

deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura

masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou

colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas

aos homens comuns (ROMANELLI 2006)

Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e

este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o

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preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua

responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente

rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela

tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar

determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)

Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante

destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que

refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)

A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a

quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e

muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente

durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa

tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE

2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e

a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)

Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade

e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta

ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute

possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute

priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI

1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER

ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de

alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-

CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais

prejudicada

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte

do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho

Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos

colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para

o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne

32

pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos

tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de

uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou

religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com

outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o

status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato

do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase

sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem

alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda

famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o

sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo

do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da

necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana

As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser

visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas

Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade

de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo

caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e

priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees

comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986

CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002

RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)

Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais

mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al

2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As

implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam

situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais

Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua

suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma

alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na

33

disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma

equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter

conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem

tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e

disponibilidade adequadas

Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente

familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a

transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem

ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na

porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem

focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA

2008)

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem

desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta

agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo

de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a

exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta

a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias

que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-

obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de

iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas

estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as

cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-

de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com

muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)

Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve

atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura

Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para

34

contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da

degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-

accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees

produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional

(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute

mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo

O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado

quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade

Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua

uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos

realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO

MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural

na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de

matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas

uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo

substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente

dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor

puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo

diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua

consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento

das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento

sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)

Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas

agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta

situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias

outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e

amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas

de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de

restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia

receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo

35

garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo

adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes

para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)

O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade

possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que

refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo

fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas

com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias

de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes

36

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO

21 Delineamento da Pesquisa

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao

objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas

que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de

representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o

campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa

usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO

2005)

O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer

relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando

e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de

intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a

compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade

interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes

tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os

significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira

22 Cenaacuterio do Estudo

O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do

Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de

Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de

27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo

territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste

municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo

territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute

mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares

com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por

hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo

lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo

37

1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000

(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste

municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades

ligadas a este produto principalmente o corte

No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano

Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este

iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de

0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)

23 Participantes do Estudo

O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de

cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de

Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de

Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo

As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de

amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a

interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio

de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas

(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por

pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as

questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo

da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)

24 Coleta de Informaccedilotildees

A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo

considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior

instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase

da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo

A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um

roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees

norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas

escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um

38

pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo

da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a

entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas

As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que

significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os

alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os

membros de sua famiacutelia

A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha

liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um

diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar

adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar

(MINAYO 2008)

As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software

Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas

Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e

validaccedilatildeo destas

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees

No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma

pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros

relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional

mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os

constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a

complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico

econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata

Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso

ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas

que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta

pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi

imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados

A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a

Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a

39

partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos

que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o

Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na

formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)

1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi

tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias

iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os

documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas

Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O

ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das

mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade

considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo

correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da

representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja

representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-

accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de

todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de

homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a

criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da

pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo

Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do

estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou

Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as

Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo

delimitada a compreensatildeo do mesmo)

2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as

categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto

foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas

pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de

Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados

No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de

40

Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de

todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma

observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as

categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador

pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado

3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos

resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos

previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram

distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do

referencial teoacuterico

As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office

Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A

26 Aspectos Eacuteticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de

Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas

envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)

Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam

informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a

entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)

27 Limitaccedilatildeo do estudo

A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma

vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros

pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo

interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado

41

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Introduccedilatildeo

A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular

permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas

e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida

digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo

como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um

avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo

ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos

sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13

Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as

pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de

desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a

suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as

expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4

Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste

local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia

visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e

socioculturais 56

A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os

membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em

quantidade suficiente e qualidade adequada 37

Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar

que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente

para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as

famiacutelias da regiatildeo 8910

A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

42

venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais

difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311

No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua

aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo

culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da

existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os

universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente

transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua

responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12

Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os

significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores

de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Caminho metodoloacutegico

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das

vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em

torno de representaccedilotildees e simbolismos 13

O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata

do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e

outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo

No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-

accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com

significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta

atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra

proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e

nutricional 811

A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores

das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de

43

saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de

natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314

A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o

corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro

semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O

que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua

famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se

sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram

realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas

na iacutentegra

As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por

Bardin (2011) 15

realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de

todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus

momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram

selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras

(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para

composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das

categorias temaacuteticas

As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316

e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14

e as

influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 5121718

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)

do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em

respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada

participante recebeu um pseudocircnimo

Resultados

Atores do estudo

As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos

predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino

44

fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas

Categoria I O alimento como essencial agrave vida

A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de

conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia

ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o

alimento ningueacutem viverdquo (Camila)

ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica

fraco E sem comida morrerdquo (Renata)

ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo

(Solange)

Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma

condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo

ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a

gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)

ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a

genterdquo (Fabiana)

As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam

desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma

obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida

ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com

fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a

alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)

ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar

pode ficar desnutridardquo (Margarida)

ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)

O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram

uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos

saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo

destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis

45

ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de

comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e

cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)

ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e

bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora

certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)

ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a

gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)

ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute

seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode

comer em quantidaderdquo (Silvana)

ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a

gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)

Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio

A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade

quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de

desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o

alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante

sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos

foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)

ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute

mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)

ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus

quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar

Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar

na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando

eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)

ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter

de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar

chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu

desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho

46

um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles

pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)

ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo

mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)

Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher

interferindo na partilha

A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a

disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para

todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles

ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura

ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias

tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute

tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)

ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as

cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de

feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)

As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se

sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o

provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu

trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo

ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia

colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou

colocar tudordquo (Patriacutecia)

ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida

e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo

(Fabiana)

Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos

Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na

distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do

47

homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores

quantidades de alimentos

ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando

fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo

tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)

ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser

pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)

ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele

trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega

aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida

suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece

(risos)rdquo (Silvana)

As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns

alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram

de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e

comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo

ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a

gente eacute pobrerdquo (Camila)

ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um

pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha

um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)

ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa

porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo

faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)

Discussatildeo

O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia

e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como

proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das

mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas

13

48

A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais

dos indiviacuteduos 14

Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo

de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como

sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido

colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos

jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas

praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores

socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a

modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas

climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim

houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

intuito de manter a vida 1819

A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das

mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional

trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte

pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito

significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se

encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais

direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021

A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as

mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a

qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras

que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a

populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo

pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo

socioeconocircmica 12

Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo

os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras

saturadas

Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria

baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade 1217

As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua

significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o

consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como

49

complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua

vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na

alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente

acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual

feijatildeo com arroz 22

Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com

prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a

seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223

No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo

socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo

de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da

cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra

accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando

desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores

conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de

complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24

A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de

outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe

problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo

das iniquidades sociais 18

Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila

Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali

habitam 8

Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e

vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava

presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e

psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia

tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada

e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20

eacute possiacutevel perceber

que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional

em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que

possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e

da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e

crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis

perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de

alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve

50

As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da

ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave

Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo

companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por

intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave

vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a

questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25

Em uma casa

pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo

escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26

Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais

importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o

de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras

refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo

tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos 31027

Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e

mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos

filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis

desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente

e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera

privada satildeo delegadas agrave mulher 2829

As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees

hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a

mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das

relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto

culturalmente 29

Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o

seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar

as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada

menos digna do que o trabalho do homem 121730

Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que

exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das

possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita

a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do

homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17

Esta situaccedilatildeo reflete as

51

representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no

domiciacutelio

No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior

pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria

consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus

membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a

mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da

praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da

alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural

mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a

melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam

maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores

necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais

menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para

atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de

alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel

exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para

trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de

priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto

da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227

A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do

indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por

indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma

categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo

enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos

estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231

A alimentaccedilatildeo colocada como

hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia

eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco

colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente

do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822

52

Consideraccedilotildees finais

As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave

alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos

aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos

para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do

homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de

alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os

sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez

refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a

diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo

Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave

violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos

agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e

Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que

proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-

accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo

Referecircncias

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15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada

institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN

estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar

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18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da

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21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho

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31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos

modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256

56

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua

distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel

reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como

figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se

deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a

dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as

mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo

com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos

pela sociedade

As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o

objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo

intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres

estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender

fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo

quantitativa

Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico

da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida

humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um

direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da

inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo

dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias

representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees

econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da

monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao

longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees

econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas

refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos

Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos

destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As

principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres

57

Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e

que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo

daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim

foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se

pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a

alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e

motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo

subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade

extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar

extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de

alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da

alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo

Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas

econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais

obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser

estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais

complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo

do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar

do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e

individual

Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se

ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da

Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e

culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes

ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos

58

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64

APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista

ROTEIRO DA ENTREVISTA

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nome___________________________________________________ Data ____________

Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h

Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro

1 Idade __ __ (anos)

2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________

3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo

4 Escolaridade especificar

a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________

b) Ensino fundamental I________________________________________________

c) Ensino fundamental II_______________________________________________

d) Ensino meacutedio______________________________________________________

5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo

Questotildees norteadoras

1 O que agrave senhora entende por alimento

2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia

3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia

4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua

famiacutelia

Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil

65

APEcircNDICE B ndash Grelhas

66

67

68

69

70

71

ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica

72

APEcircNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO

NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE

UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL

LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA

PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis

Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco

Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios

Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa

Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa

O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento

A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas

Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas

e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute

decisatildeo ao contraacuterio

Recife ____ de _________________________de 2007

Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________

Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________

Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________

Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Page 11: SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...

10

SUMAacuteRIO

APRESENTACcedilAtildeO 11

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO 15

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada 15

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 19

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares 26

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco 33

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 36

21 Delineamento da Pesquisa 36

22 Cenaacuterio do Estudo 36

23 Participantes do Estudo 37

24 Coleta das Informaccedilotildees 37

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees 38

26 Aspectos Eacuteticos 40

27 Limitaccedilotildees do estudo40

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil 41

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

REFEREcircNCIAS 58

APEcircNDICE A64

APEcircNCIDE B65

ANEXO A71

APEcircNCIDE C72

11

APRESENTACcedilAtildeO

A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres

humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos

indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser

algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos

culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz

de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)

O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos

inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos

imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave

criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha

brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos

seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003

SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)

O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes

envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se

deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de

visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de

festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio

diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de

alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses

indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a

dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos

socioculturalmente

A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra

coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao

atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua

funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por

ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas

alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros

tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)

12

Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os

membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002

VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato

pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das

necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e

nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da

alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na

alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo

transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que

estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006

PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)

Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de

alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e

nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de

alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a

necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual

(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados

para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da

renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de

recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila

alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes

deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar

tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta

dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA

2008)

No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo

seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute

associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa

vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e

nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os

13

universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente

transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade

aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)

Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma

realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos

salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com

as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade

financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS

RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de

trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do

Nordeste do Brasil

Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da

responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo

quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que

residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como

objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a

percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira

As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se

estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez

alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica

atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a

relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos

significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que

vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o

desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas

que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza

A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a

partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil

ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as

influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia

sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

14

com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte

tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a

quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa

O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos

Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores

canavieiros nas praacuteticas alimentares

15

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada

A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito

de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas

alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social

econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a

dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)

Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da

concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e

saudaacutevel

A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades

nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes

(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha

de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se

adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar

Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio

socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade

adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na

alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo

das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre

os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo

na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo

estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto

72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e

avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-

16

disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-

educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda

no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo

deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-

raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um

privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das

iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada

indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles

indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade

O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis

global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que

medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita

Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias

sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas

caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente

utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de

percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta

condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas

do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo

ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido

promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo

interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um

consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al

2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e

nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de

qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade

para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou

contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras

17

tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao

DHAA (LEAtildeO 2013)

Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida

das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que

todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a

inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez

engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente

de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a

Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila

alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de

que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da

famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da

famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)

Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987

SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e

que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN

PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores

socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de

alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores

que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da

seguranccedilainseguranccedila alimentar

A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada

nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode

ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e

da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da

alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano

seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros

satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste

sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo

18

psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral

estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos

indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes

estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na

tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas

em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar

trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que

todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada

indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma

alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade

Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar

pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos

Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila

O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores

necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades

o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)

Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as

suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais

A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom

funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo

alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma

alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais

especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico

beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas

alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002

PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute

possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades

O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar

e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento

ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado

alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em

19

carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da

populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se

um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos

padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-

CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo

Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos

A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos

problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia

nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual

habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome

oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto

agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma

consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma

alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa

seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e

percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)

Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os

aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares

Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-

geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio

identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica

econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem

sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares

(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o

decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem

tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e

sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON

20

1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica

alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo

que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o

olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo

contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto

independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo

brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial

A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com

a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma

miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e

escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs

influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades

encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como

clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas

essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia

eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco

colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em

grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores

ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos

O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e

que refletem na alimentaccedilatildeo atual

No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge

mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos

alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma

necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de

alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos

seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos

indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem

desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui

viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca

alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais

importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o

21

alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje

na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas

Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute

possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa

brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)

Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da

incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma

monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era

praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim

escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo

com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a

sobrevivecircncia

Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute

possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O

modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a

monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em

relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo

dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes

inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como

frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de

agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os

agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e

utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado

(BRASIL 2006)

A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do

suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos

mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas

fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido

(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas

verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial

continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)

22

Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O

primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica

cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos

alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico

baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que

condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de

haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o

enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto

qualitativo

No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se

obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados

consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em

Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos

gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute

um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os

feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000

PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem

histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das

famiacutelias brasileiras

Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas

pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram

a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento

o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo

XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se

ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como

terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-

se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo

Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por

volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter

contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das

famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o

arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da

modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo

23

tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o

consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel

Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se

torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no

Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas

Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em

Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo

eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem

ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do

Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo

simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL

2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma

diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha

brasileira

O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos

refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria

ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees

se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande

deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o

crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa

aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em

queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande

oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do

seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante

apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)

Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento

de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma

alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e

agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante

o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se

24

concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano

desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)

Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de

povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX

quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de

emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande

diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e

outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram

presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas

diferentes regiotildees do Brasil

A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto

concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando

este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no

Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou

uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as

famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)

A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam

braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de

mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma

elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra

situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer

as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda

hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute

de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da

escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do

Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de

famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional

Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social

colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora

indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado

25

por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A

partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista

Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a

receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo

consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar

do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)

O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha

com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade

de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da

populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o

consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo

consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de

minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo

das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois

aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na

alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo

bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar

Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo

para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das

praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo

observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo

bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se

sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo

no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar

equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial

era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional

Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a

disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos

alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem

presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de

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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas

sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura

militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras

permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo

(VASCONCELOS 2005)

O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de

democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para

superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como

justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e

ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura

militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de

direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e

prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)

No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o

seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os

produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui

para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de

famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil

confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute

possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute

inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se

necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares

A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo

no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a

natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o

alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em

expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas

alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores

crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo

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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras

dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI

2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre

quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas

(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH

2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a

perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam

arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o

entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua

histoacuteria

Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram

adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)

Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como

se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)

Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns

alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante

apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos

(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter

nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo

O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo

Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo

modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de

culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a

constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades

bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA

2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares

delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo

relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo

social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros

grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com

determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo

menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social

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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de

pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a

identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave

sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo

ao sabor do alimento

A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar

uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas

categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas

culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de

ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas

estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por

poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam

maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o

paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria

relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo

situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)

Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de

alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre

as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes

alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As

diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos

alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como

ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo

faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas

alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute

necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da

Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda

que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis

Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos

de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida

eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo

enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste

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modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres

Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no

valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos

que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles

ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro

(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como

responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo

Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes

que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas

de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois

somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e

verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos

tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais

A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas

na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da

personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores

puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A

apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos

porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do

imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou

que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos

produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer

aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas

que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si

mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo

natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento

deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como

socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute

bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre

ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos

ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes

30

A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente

na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares

satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares

podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das

formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)

Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou

consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero

(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de

alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)

Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute

diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de

provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e

dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais

na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado

historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo

considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)

Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a

dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada

sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente

atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)

Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao

afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas

geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo

domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem

deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura

masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou

colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas

aos homens comuns (ROMANELLI 2006)

Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e

este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o

31

preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua

responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente

rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela

tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar

determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)

Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante

destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que

refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)

A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a

quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e

muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente

durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa

tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE

2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e

a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)

Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade

e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta

ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute

possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute

priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI

1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER

ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de

alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-

CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais

prejudicada

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte

do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho

Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos

colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para

o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne

32

pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos

tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de

uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou

religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com

outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o

status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato

do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase

sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem

alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda

famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o

sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo

do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da

necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana

As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser

visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas

Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade

de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo

caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e

priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees

comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986

CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002

RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)

Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais

mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al

2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As

implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam

situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais

Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua

suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma

alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na

33

disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma

equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter

conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem

tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e

disponibilidade adequadas

Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente

familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a

transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem

ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na

porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem

focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA

2008)

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem

desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta

agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo

de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a

exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta

a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias

que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-

obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de

iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas

estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as

cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-

de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com

muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)

Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve

atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura

Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para

34

contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da

degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-

accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees

produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional

(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute

mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo

O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado

quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade

Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua

uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos

realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO

MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural

na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de

matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas

uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo

substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente

dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor

puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo

diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua

consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento

das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento

sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)

Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas

agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta

situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias

outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e

amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas

de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de

restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia

receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo

35

garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo

adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes

para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)

O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade

possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que

refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo

fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas

com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias

de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes

36

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO

21 Delineamento da Pesquisa

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao

objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas

que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de

representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o

campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa

usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO

2005)

O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer

relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando

e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de

intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a

compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade

interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes

tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os

significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira

22 Cenaacuterio do Estudo

O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do

Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de

Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de

27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo

territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste

municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo

territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute

mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares

com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por

hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo

lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo

37

1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000

(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste

municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades

ligadas a este produto principalmente o corte

No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano

Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este

iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de

0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)

23 Participantes do Estudo

O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de

cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de

Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de

Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo

As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de

amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a

interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio

de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas

(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por

pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as

questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo

da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)

24 Coleta de Informaccedilotildees

A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo

considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior

instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase

da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo

A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um

roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees

norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas

escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um

38

pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo

da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a

entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas

As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que

significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os

alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os

membros de sua famiacutelia

A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha

liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um

diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar

adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar

(MINAYO 2008)

As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software

Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas

Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e

validaccedilatildeo destas

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees

No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma

pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros

relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional

mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os

constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a

complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico

econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata

Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso

ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas

que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta

pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi

imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados

A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a

Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a

39

partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos

que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o

Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na

formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)

1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi

tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias

iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os

documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas

Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O

ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das

mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade

considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo

correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da

representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja

representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-

accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de

todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de

homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a

criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da

pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo

Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do

estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou

Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as

Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo

delimitada a compreensatildeo do mesmo)

2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as

categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto

foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas

pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de

Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados

No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de

40

Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de

todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma

observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as

categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador

pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado

3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos

resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos

previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram

distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do

referencial teoacuterico

As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office

Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A

26 Aspectos Eacuteticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de

Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas

envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)

Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam

informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a

entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)

27 Limitaccedilatildeo do estudo

A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma

vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros

pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo

interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado

41

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Introduccedilatildeo

A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular

permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas

e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida

digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo

como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um

avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo

ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos

sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13

Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as

pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de

desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a

suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as

expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4

Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste

local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia

visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e

socioculturais 56

A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os

membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em

quantidade suficiente e qualidade adequada 37

Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar

que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente

para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as

famiacutelias da regiatildeo 8910

A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

42

venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais

difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311

No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua

aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo

culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da

existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os

universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente

transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua

responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12

Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os

significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores

de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Caminho metodoloacutegico

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das

vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em

torno de representaccedilotildees e simbolismos 13

O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata

do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e

outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo

No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-

accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com

significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta

atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra

proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e

nutricional 811

A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores

das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de

43

saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de

natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314

A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o

corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro

semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O

que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua

famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se

sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram

realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas

na iacutentegra

As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por

Bardin (2011) 15

realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de

todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus

momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram

selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras

(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para

composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das

categorias temaacuteticas

As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316

e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14

e as

influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 5121718

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)

do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em

respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada

participante recebeu um pseudocircnimo

Resultados

Atores do estudo

As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos

predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino

44

fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas

Categoria I O alimento como essencial agrave vida

A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de

conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia

ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o

alimento ningueacutem viverdquo (Camila)

ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica

fraco E sem comida morrerdquo (Renata)

ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo

(Solange)

Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma

condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo

ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a

gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)

ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a

genterdquo (Fabiana)

As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam

desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma

obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida

ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com

fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a

alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)

ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar

pode ficar desnutridardquo (Margarida)

ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)

O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram

uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos

saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo

destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis

45

ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de

comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e

cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)

ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e

bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora

certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)

ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a

gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)

ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute

seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode

comer em quantidaderdquo (Silvana)

ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a

gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)

Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio

A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade

quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de

desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o

alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante

sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos

foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)

ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute

mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)

ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus

quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar

Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar

na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando

eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)

ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter

de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar

chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu

desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho

46

um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles

pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)

ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo

mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)

Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher

interferindo na partilha

A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a

disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para

todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles

ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura

ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias

tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute

tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)

ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as

cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de

feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)

As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se

sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o

provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu

trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo

ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia

colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou

colocar tudordquo (Patriacutecia)

ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida

e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo

(Fabiana)

Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos

Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na

distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do

47

homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores

quantidades de alimentos

ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando

fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo

tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)

ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser

pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)

ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele

trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega

aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida

suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece

(risos)rdquo (Silvana)

As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns

alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram

de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e

comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo

ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a

gente eacute pobrerdquo (Camila)

ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um

pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha

um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)

ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa

porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo

faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)

Discussatildeo

O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia

e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como

proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das

mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas

13

48

A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais

dos indiviacuteduos 14

Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo

de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como

sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido

colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos

jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas

praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores

socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a

modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas

climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim

houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

intuito de manter a vida 1819

A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das

mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional

trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte

pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito

significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se

encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais

direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021

A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as

mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a

qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras

que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a

populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo

pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo

socioeconocircmica 12

Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo

os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras

saturadas

Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria

baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade 1217

As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua

significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o

consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como

49

complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua

vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na

alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente

acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual

feijatildeo com arroz 22

Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com

prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a

seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223

No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo

socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo

de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da

cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra

accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando

desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores

conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de

complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24

A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de

outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe

problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo

das iniquidades sociais 18

Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila

Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali

habitam 8

Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e

vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava

presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e

psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia

tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada

e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20

eacute possiacutevel perceber

que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional

em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que

possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e

da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e

crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis

perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de

alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve

50

As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da

ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave

Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo

companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por

intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave

vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a

questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25

Em uma casa

pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo

escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26

Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais

importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o

de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras

refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo

tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos 31027

Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e

mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos

filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis

desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente

e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera

privada satildeo delegadas agrave mulher 2829

As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees

hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a

mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das

relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto

culturalmente 29

Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o

seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar

as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada

menos digna do que o trabalho do homem 121730

Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que

exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das

possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita

a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do

homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17

Esta situaccedilatildeo reflete as

51

representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no

domiciacutelio

No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior

pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria

consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus

membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a

mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da

praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da

alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural

mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a

melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam

maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores

necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais

menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para

atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de

alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel

exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para

trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de

priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto

da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227

A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do

indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por

indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma

categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo

enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos

estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231

A alimentaccedilatildeo colocada como

hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia

eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco

colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente

do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822

52

Consideraccedilotildees finais

As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave

alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos

aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos

para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do

homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de

alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os

sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez

refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a

diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo

Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave

violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos

agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e

Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que

proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-

accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo

Referecircncias

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15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada

institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN

estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar

e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago

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16 Brasil Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de

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18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da

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21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho

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56

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua

distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel

reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como

figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se

deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a

dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as

mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo

com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos

pela sociedade

As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o

objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo

intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres

estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender

fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo

quantitativa

Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico

da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida

humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um

direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da

inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo

dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias

representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees

econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da

monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao

longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees

econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas

refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos

Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos

destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As

principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres

57

Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e

que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo

daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim

foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se

pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a

alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e

motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo

subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade

extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar

extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de

alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da

alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo

Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas

econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais

obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser

estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais

complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo

do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar

do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e

individual

Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se

ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da

Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e

culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes

ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos

58

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64

APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista

ROTEIRO DA ENTREVISTA

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nome___________________________________________________ Data ____________

Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h

Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro

1 Idade __ __ (anos)

2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________

3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo

4 Escolaridade especificar

a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________

b) Ensino fundamental I________________________________________________

c) Ensino fundamental II_______________________________________________

d) Ensino meacutedio______________________________________________________

5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo

Questotildees norteadoras

1 O que agrave senhora entende por alimento

2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia

3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia

4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua

famiacutelia

Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil

65

APEcircNDICE B ndash Grelhas

66

67

68

69

70

71

ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica

72

APEcircNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO

NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE

UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL

LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA

PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis

Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco

Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios

Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa

Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa

O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento

A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas

Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas

e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute

decisatildeo ao contraacuterio

Recife ____ de _________________________de 2007

Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________

Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________

Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________

Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Page 12: SIGNIFICADOS DOS ALIMENTOS E DE SUA DISTRIBUIÇÃO ...

11

APRESENTACcedilAtildeO

A alimentaccedilatildeo eacute um ato natural e imprescindiacutevel para a sobrevivecircncia dos seres

humanos Aleacutem de ser uma necessidade bioloacutegica a alimentaccedilatildeo eacute inerente a cultura dos

indiviacuteduos sendo uma expressatildeo de sociabilidade (CASCUDO 2011) A princiacutepio parece ser

algo simples mas reflete a interaccedilatildeo de diversos fatores histoacutericos sociais econocircmicos

culturais e psicoloacutegicos Por ser um assunto complexo apenas uma aacuterea de estudo natildeo eacute capaz

de dar conta de todo o seu entendimento (POULAIN PROENCcedilA 2003)

O Brasil eacute um paiacutes cujos haacutebitos alimentares satildeo diversificados e foram construiacutedos

inicialmente por meio da contribuiccedilatildeo de iacutendios brancos e negros e posteriormente dos

imigrantes advindos de diversos paiacuteses A influecircncia cultural destes povos somada agrave

criatividade e adaptaccedilatildeo dos pratos tradicionais aos alimentos locais originou a cozinha

brasileira Desta forma os haacutebitos atuais satildeo frutos de uma histoacuteria construiacuteda atraveacutes dos

seacuteculos estando totalmente associados com a formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira (FREYRE 2003

SONATI VILARTA SILVA 2009 CASCUDO 2011)

O ambiente familiar eacute um dos mais importantes entre os diversos ambientes

envolvidos para a praacutetica da alimentaccedilatildeo Eacute preciso conhecer os haacutebitos da famiacutelia quando se

deseja avaliar as praacuteticas alimentares de um lugar ou regiatildeo Isto pode ser feito por meio de

visitas domiciliares e observando o que eacute utilizado no cotidiano pois por mais que um dia de

festa esteja cercado de alimentos tiacutepicos natildeo representa o que eacute consumido no domiciacutelio

diariamente (CASCUDO 2011) Na famiacutelia existe uma praacutetica comum de distribuiccedilatildeo de

alimentos entre os seus membros e que pode determinar o estado nutricional desses

indiviacuteduos (HAAGA MASON 1987 LUO et al 2001) Mesmo sendo uma praacutetica do dia a

dia familiar este ato eacute determinado por uma multiplicidade de fatores construiacutedos

socioculturalmente

A alimentaccedilatildeo pode ser observada mediante duas dimensotildees uma individual e outra

coletiva ambas presentes no ambiente familiar A dimensatildeo individual refere-se ao

atendimento das demandas bioloacutegicas enquanto que a dimensatildeo coletiva relaciona-se com sua

funccedilatildeo social e simboacutelica-cultural (POULAIN PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Por

ser um dos principais locais de realizaccedilatildeo das refeiccedilotildees eacute no domiciacutelio que as praacuteticas

alimentares acontecem e devem ser atentamente observadas a fim de que todos os membros

tenham uma alimentaccedilatildeo adequada (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008)

12

Entretanto durante a alimentaccedilatildeo familiar jaacute foi constatado que nem sempre todos os

membros consomem o que lhes eacute necessaacuterio mostrando que haacute situaccedilotildees iniacutequas na

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos (FISHER ALBUQUERQUE 2002

VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) Este fato

pode ser a causa de diversos problemas alimentares uma vez que a natildeo satisfaccedilatildeo das

necessidades nutricionais do indiviacuteduo gera uma situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e

nutricional A carecircncia nutricional todavia nem sempre ocorre pela falta de calorias da

alimentaccedilatildeo Muitas vezes haacute uma adequaccedilatildeo quantitativa mas falta qualidade na

alimentaccedilatildeo Fome carecircncias nutricionais desnutriccedilatildeo e ateacute as doenccedilas crocircnicas natildeo

transmissiacuteveis satildeo apenas alguns exemplos de males que satildeo presentes nos dias atuais e que

estatildeo diretamente relacionados agrave inadequaccedilatildeo alimentar (COUTINHO LUCATELLI 2006

PEDRO 2006 BRASIL 2004 OSOacuteRIO 2002)

Diversos indicadores satildeo utilizados para determinaccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional A disponibilidade caloacuterica per capita (calculada a partir da disponibilidade de

alimentos no paiacutes) avalia o que eacute produzido sendo geralmente utilizada em niacutevel global e

nacional (SEGALL-CORREcircA 2007) No entanto jaacute foi identificado que a quantidade de

alimentos produzida atualmente eacute suficiente para alimentar toda a populaccedilatildeo brasileira daiacute a

necessidade de conhecer a Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e individual

(KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) No domiciacutelio os indicadores indiretos mais utilizados

para estimar a Seguranccedila Alimentar e Nutricional incluem os relacionados agrave renda (quanto da

renda familiar eacute comprometido com a compra de alimentos) uma vez que a precariedade de

recursos estaacute entre as principais causas da escassez de alimentos gerando inseguranccedila

alimentar e nutricional Poreacutem uma das limitaccedilotildees dos indicadores de renda eacute que atraveacutes

deles natildeo eacute possiacutevel presumir a qualidade da dieta Considerando ainda o ambiente familiar

tem-se o indicador de percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar que eacute a medida direta

dessa condiccedilatildeo no domiciacutelio (SEGALL-CORREcircA 2007 VIANNA SEGALL-CORREcircA

2008)

No contexto familiar em geral a mulher tem um papel fundamental na alimentaccedilatildeo

seja na compra no preparo ou na divisatildeo de alimentos A alimentaccedilatildeo culturalmente estaacute

associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o seu preparo estaacute fortemente ligado agrave mulher Essa

vinculaccedilatildeo acontece ao longo da existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho e

nesta divisatildeo o processamento de refeiccedilotildees eacute papel dela Aleacutem de ter mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo tambeacutem atua como mediadora entre os

13

universos nos quais predominam regras alimentares diversificadas podendo ser agente

transformador de haacutebitos Em momentos de escassez de alimentos sua responsabilidade

aumenta e seus sentimentos frente a esta situaccedilatildeo satildeo diversos (ROMANELLI 2006)

Nas famiacutelias de mulheres de trabalhadores rurais a escassez de alimentos natildeo eacute uma

realidade muito distante Vivendo em aacuterea marginalizada os companheiros recebem baixos

salaacuterios (principal ou uacutenica fonte de renda) que satildeo repassados irregularmente de acordo com

as eacutepocas de safra e entressafra da cana-de-accediluacutecar sofrendo um quadro de instabilidade

financeira e grande inseguranccedila alimentar e nutricional (CAVALCANTI 2002 CAMPOS

RAPOSO MAIA 2007) Foram escolhidas como sujeitos desse estudo as mulheres de

trabalhadores rurais de cana-de-accediluacutecar do municiacutepio de Gameleira da Zona da Mata do

Nordeste do Brasil

Diante da importacircncia da distribuiccedilatildeo intrafamiliar dos alimentos e da

responsabilidade da mulher neste processo surge agrave questatildeo condutora do presente estudo

quais os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para as mulheres que

residem em uma zona canavieira do Nordeste do Brasil Portanto este estudo tem como

objetivo desvelar os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar segundo a

percepccedilatildeo das mulheres que residem em uma zona canavieira

As precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas afetam as praacuteticas alimentares e este quadro se

estende ao longo dos seacuteculos na Zona da Mata Pernambucana Entretanto a escassez

alimentar vivenciada pelas famiacutelias deve ser encarada como um problema de sauacutede puacuteblica

atual sendo necessaacuterio buscar soluccedilotildees viaacuteveis para a realidade desta populaccedilatildeo Assim a

relevacircncia deste estudo estaacute na importacircncia em elucidar as questotildees envolvidas nos

significados dos alimentos e na sua praacutetica de distribuiccedilatildeo entre os membros das famiacutelias que

vivem em consideraacutevel situaccedilatildeo de pobreza Com isso pretende-se contribuir para o

desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas de Seguranccedila Alimentar e Nutricional mais efetivas

que reflitam na sociedade e em especial nas populaccedilotildees que vivem em extrema pobreza

A primeira parte desta dissertaccedilatildeo corresponde ao Referencial Teoacuterico construiacutedo a

partir do estudo de alguns dos aspectos relacionados agraves praacuteticas alimentares do Brasil

ancorado em diversos autores Este referencial foi estruturado nos seguintes constructos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada as

influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira a influecircncia

sociocultural nas praacuteticas alimentares e confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

14

com os aspectos histoacutericos e socioculturais na Zona da Mata Pernambucana A segunda parte

tem-se o Caminho Metodoloacutegico a terceira Resultados e Discussatildeo contendo o Artigo I e a

quarta as Consideraccedilotildees Finais desta pesquisa

O artigo I ldquoSignificados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para

mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasilrdquo foi submetido aos

Cadernos de Sauacutede Puacuteblica e trata das vivecircncias e sentimentos das mulheres de trabalhadores

canavieiros nas praacuteticas alimentares

15

1 REFERENCIAL TEOacuteRICO

11 A Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo

Adequada

A praacutetica da Seguranccedila Alimentar e Nutricional se configura como a realizaccedilatildeo do direito

de todos ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade em quantidade suficiente

sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base praacuteticas

alimentares promotoras da sauacutede que respeitem a diversidade cultural e que sejam social

econocircmica e ambientalmente sustentaacuteveis (BRASIL 2004) Neste sentido o conceito de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional traz uma visatildeo mais ampla da alimentaccedilatildeo extrapolando a

dimensatildeo bioloacutegica e considerando os demais aspectos envolvidos (PANIGASSI et al 2008)

Mesmo parecendo um tanto utoacutepico este conceito traz reflexotildees necessaacuterias para a busca da

concretizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada fundamental para garantir uma vida produtiva e

saudaacutevel

A alimentaccedilatildeo adequada do ponto de vista bioloacutegico eacute aquela que satisfaz as necessidades

nutricionais dos indiviacuteduos Na famiacutelia a praacutetica de realizar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos eacute uma tentativa de nutrir a todos ou pelo menos de garantir a sobrevivecircncia destes

(VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) A partilha

de alimentos na famiacutelia tambeacutem eacute considerada uma das formas mais importantes para se

adaptar agrave escassez de alimentos (SKINNER et al 2013) Entretanto a Seguranccedila Alimentar

Intrafamiliar soacute eacute alcanccedilada quando todos os membros tecircm acesso regular por meio

socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em quantidade suficiente e qualidade

adequada (BRASIL 2004 PANIGASSI et al 2008) Diante da importacircncia da famiacutelia na

alimentaccedilatildeo eacute possiacutevel afirmar que se torna difiacutecil garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional do indiviacuteduo quando haacute situaccedilotildees em niacutevel domiciliar que dificultem a realizaccedilatildeo

das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Para garantir este direito agrave populaccedilatildeo do Brasil em 2010 a alimentaccedilatildeo foi incluiacuteda entre

os direitos sociais previstos no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal Isto representou um avanccedilo

na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional pois este direito humano natildeo

estava expliacutecito na carta magna (BRASIL 2010a) Neste mesmo ano quando a Poliacutetica

Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional foi instituiacuteda por meio do Decreto

72722010 estabeleceu-se pelo artigo 21 paraacutegrafo 5ordm um sistema de monitoramento e

avaliaccedilatildeo que contempla sete dimensotildees de anaacutelise satildeo estas I- produccedilatildeo de alimentos II-

16

disponibilidade de alimentos III- renda e condiccedilotildees de vida IV ndash acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada e saudaacutevel incluindo aacutegua V- sauacutede nutriccedilatildeo e acesso a serviccedilos relacionados VI-

educaccedilatildeo e VII- programas e accedilotildees relacionadas agrave seguranccedila alimentar e nutricional Ainda

no paraacutegrafo 6ordm do mesmo artigo eacute determinado que o sistema de monitoramento e avaliaccedilatildeo

deve identificar os grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo do Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) consolidando dados sobre desigualdades sociais eacutetnico-

raciais e de gecircnero (BRASIL 2010b) Entretanto isso natildeo quer dizer que o DHAA eacute um

privileacutegio para poucos e nem direcionado a grupos especiacuteficos A questatildeo eacute que diante das

iniquidades sociais e da necessidade de garantir o DHAA para todos eacute preciso tratar cada

indiviacuteduo em sua singularidade Com isto faz-se necessaacuterio ter um olhar especial para aqueles

indiviacuteduos em situaccedilatildeo de maior vulnerabilidade garantindo assim o princiacutepio da equidade

O caminho da seguranccedila alimentar ateacute a seguranccedila nutricional envolve alguns niacuteveis

global nacional domiciliar e individual A niacutevel global e nacional satildeo usados indicadores que

medem a disponibilidade de alimentos em geral transformada em disponibilidade per capita

Para garantir o DHAA cada paiacutes tem o direito de definir suas proacuteprias poliacuteticas e estrateacutegias

sustentaacuteveis de produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de alimentos respeitando as muacuteltiplas

caracteriacutesticas culturais dos povos No domiciacutelio indicadores de renda satildeo frequentemente

utilizados como medida indireta de seguranccedila alimentar enquanto que indicadores de

percepccedilatildeo da seguranccedilainseguranccedila alimentar satildeo utilizados como medida direta desta

condiccedilatildeo na famiacutelia ou domiciacutelio Os indicadores antropomeacutetricos constituem medidas diretas

do estado nutricional mas indiretas para medir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

(SEGALL-CORREcircA 2007) Todos esses indicadores serviratildeo como fonte de dados e deveratildeo

ser utilizados no planejamento de estrateacutegias que visem garantir a Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Violaccedilotildees aos direitos humanos ocorrem quando um direito natildeo eacute respeitado protegido

promovido ou realizado Estes direitos por sua vez mesmo sendo diferentes estatildeo

interligados O direito a educaccedilatildeo reflete no DHAA uma vez que haacute uma tendecircncia de um

consumo mais elevado de nutrientes entre subgrupos com maior educaccedilatildeo (JAIME et al

2009) Situaccedilotildees em que as pessoas estatildeo passando fome em inseguranccedila alimentar e

nutricional passando sede ou com acesso inadequado agrave aacutegua limpa e a saneamento de

qualidade desnutridas mal nutridas perdendo sua cultura alimentar eou sem oportunidade

para desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis consumindo alimentos de maacute qualidade ou

contaminados sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras

17

tradicionais desempregadas ou sendo submetidas a subemprego satildeo exemplos de violaccedilatildeo ao

DHAA (LEAtildeO 2013)

Entre os direitos baacutesicos o DHAA eacute talvez um dos que mais refletem a condiccedilatildeo de vida

das famiacutelias (principalmente em relaccedilatildeo agrave qualidade quantidade e distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos) pois quando estas estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que

todos os demais direitos natildeo estejam sendo garantidos Se o DHAA eacute uma garantia a

inseguranccedila alimentar e nutricional ainda eacute uma realidade em nosso paiacutes Esta por sua vez

engloba desde a percepccedilatildeo de preocupaccedilatildeo e anguacutestia ante a incerteza de dispor regularmente

de comida ateacute a vivecircncia de fome por natildeo ter o que comer em todo o dia De acordo com a

Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) existem trecircs niacuteveis de inseguranccedila

alimentar e nutricional leve moderada e grave Estes niacuteveis variam desde a preocupaccedilatildeo de

que possa faltar o alimento (leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e da

famiacutelia (moderada) ateacute chegar a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e crianccedilas da

famiacutelia (grave) (SEGALL-CORREcircA 2007)

Haacute famiacutelias que mesmo abaixo da linha de pobreza por alguma circunstacircncia estatildeo em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o oposto tambeacutem acontece (HAAGA MASON 1987

SEGALL-CORREcircA 2007) Considerando o fato de que haacute alimentos suficientes para todos e

que o fator econocircmico natildeo eacute determinante para garantir a Seguranccedila Alimentar e Nutricional

eacute preciso entender os demais motivos envolvidos nas praacuteticas alimentares (POULAIN

PROENCcedilA 2003 ROMANELLI 2006) Para isso eacute necessaacuterio estudar os fatores

socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo a partir dos indicadores de disponibilidade de

alimentos (disponibilidade caloacuterica per capita e de renda) mas principalmente indicadores

que retratem situaccedilotildees mais subjetivas dos seres humanos como o indicador de percepccedilatildeo da

seguranccedilainseguranccedila alimentar

A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para algumas famiacutelias estaacute centrada

nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis perspectivas a longo prazo Esta praacutetica pode

ser visualizada nas comunidades indiacutegenas que vivem de frutos oriundos da floresta da caccedila e

da pesca (YUYAMA et al 2008) Entretanto para a maioria das famiacutelias a incerteza da

alimentaccedilatildeo eacute algo preocupante Talvez uma das situaccedilotildees que mais atemorize o ser humano

seja a condiccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Mesmo quando os recursos financeiros

satildeo escassos em um domiciacutelio a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida (FREITAS 2002) Neste

sentido a falta do alimento ultrapassa a questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo

18

psicoloacutegica social e cultural (SAMPAIO et al 2006) A baixa renda financeira em geral

estaacute diretamente associada com situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional dos

indiviacuteduos ou famiacutelias entretanto natildeo eacute determinante (OLIVEIRA et al 2010b) Diferentes

estrateacutegias satildeo realizadas pelas famiacutelias que estatildeo em inseguranccedila alimentar e nutricional na

tentativa de que todos os membros sejam alimentados visando garantir a sobrevivecircncia Estas

em geral visam melhorar o acesso ao alimento (captar recursos receber doaccedilotildees realizar

trocas produzir alimentos entre outros) bem como garantir sua distribuiccedilatildeo (fazer com que

todos sejam alimentados) Entretanto eacute necessaacuterio considerar as especificidades de cada

indiviacuteduo que extrapolam as questotildees de sobrevivecircncia Elas visam manter a vida com uma

alimentaccedilatildeo adequada em quantidade e qualidade

Considerando os indiviacuteduos a partir de suas necessidades bioloacutegicas eacute possiacutevel identificar

pessoas que tem um gasto caloacuterico maior que outras precisando consumir mais alimentos

Partindo de um princiacutepio loacutegico uma pessoa adulta tem um gasto maior do que uma crianccedila

O problema eacute que mesmo recebendo quantidades inferiores indiviacuteduos com menores

necessidades precisam consumir quantidades equivalentes em proporccedilatildeo as suas necessidades

o que nem sempre acontece (WHEELER 1991 LUO et al 2001 NDIKU et al 2011)

Assim natildeo eacute o total de alimentos consumidos em si que iraacute determinar se uma pessoa estaacute em

Seguranccedila Alimentar e Nutricional eacute a quantidade associada agrave qualidade de acordo com as

suas necessidades bioloacutegicas e os aspectos sociais e culturais

A qualidade da dieta eacute fundamental para obter todos os nutrientes necessaacuterios ao bom

funcionamento do organismo (KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011) A inadequaccedilatildeo

alimentar principalmente de micronutrientes eacute explicada principalmente por uma

alimentaccedilatildeo com pouca diversidade (ARSENAULT et al 2013) Carecircncias nutricionais

especiacuteficas causadas por deficiecircncias de vitaminas e minerais (vitamina A boacutecio endecircmico

beribeacuteri) desnutriccedilatildeo excesso de peso e doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis satildeo apenas

alguns exemplos de situaccedilotildees relacionadas com inadequaccedilatildeo alimentar (OSOacuteRIO 2002

PEDRO 2006 KEPPLE SEGALL-CORREcircA 2011 CAVALCANTI et al 2014) Natildeo eacute

possiacutevel pensar em alimentaccedilatildeo adequada sem considerar essas especificidades

O padratildeo alimentar da sociedade atual tem dificultado a garantia da Seguranccedila Alimentar

e Nutricional Esta situaccedilatildeo aponta para um problema que estaacute relacionado ao tipo de alimento

ingerido Eacute possiacutevel afirmar com propriedade que nem tudo que se come pode ser considerado

alimento Preparaccedilotildees totalmente desprovidas de vitaminas e minerais e ricas em

19

carboidratos gorduras accediluacutecares simples e soacutedio fazem parte do dia a dia de grande parcela da

populaccedilatildeo Estas mudanccedilas tecircm atingido o ambiente familiar e isto merece atenccedilatildeo pois se

um dos objetivos da alimentaccedilatildeo eacute a manutenccedilatildeo de uma vida com qualidade estes novos

padrotildees natildeo satildeo favoraacuteveis (COUTINHO LUCATELLI 2006 KEPPLE SEGALL-

CORREcircA 2011) Esta situaccedilatildeo configura o processo de transiccedilatildeo nutricional enfrentado pelo

Brasil e que traz consequecircncias negativas a sauacutede dos indiviacuteduos

A transiccedilatildeo nutricional caracterizada pelo aumento do sobrepesoobesidade eacute um dos

problemas que afeta diretamente a Seguranccedila Alimentar e Nutricional Situaccedilotildees de carecircncia

nutricional nem sempre poderatildeo ser visualizadas em um corpo caqueacutetico pois a fome atual

habita muitas vezes o corpo de um indiviacuteduo com excesso de peso caracterizando a fome

oculta Ao tratar deste fenocircmeno natildeo se deve conceituar o problema atual como sendo oposto

agrave fome Deve-se considerar a possibilidade de que seja em diversas populaccedilotildees uma

consequecircncia dela pelo fato destas natildeo possuiacuterem os meios necessaacuterios para adquirir uma

alimentaccedilatildeo de qualidade (COUTINHO LUCATELLI 2006 PEDRO 2006) A baixa

seguranccedila alimentar por sua vez estaacute associada com maiores consumos de energia total e

percentual de calorias provenientes de gordura e accediluacutecar adicionais (SHARKEY et al 2012)

Esta eacute uma realidade em diversos locais no Brasil sendo fundamental compreender os

aspectos mais especiacuteficos de cada populaccedilatildeo que podem interferir nos padrotildees alimentares

Devido agraves muacuteltiplas influecircncias socioculturais diferenccedilas econocircmicas e fiacutesico-

geograacuteficas o estudo da alimentaccedilatildeo brasileira eacute bem complexo Por isso eacute necessaacuterio

identificar as caracteriacutesticas de cada regiatildeo a fim de que situaccedilotildees que ponham em risco a

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional sejam modificadas Compreender a dinacircmica

econocircmica local (que influenciaraacute no acesso e disponibilidade do alimento) e tambeacutem

sociocultural (costumes alimentares) satildeo imprescindiacuteveis no estudo das praacuteticas alimentares

(CASCUDO 2011 Estas dimensotildees tambeacutem devem ser consideradas ao analisar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

12 Influecircncias histoacutericas na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

Cada sociedade possui praacuteticas alimentares proacuteprias que foram formadas mediante o

decorrer dos seacuteculos Estas tecircm o objetivo de manter a sobrevivecircncia da espeacutecie mas possuem

tambeacutem representaccedilotildees socioculturais A distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos eacute uma delas e

sofre influecircncia de fatores construiacutedos historicamente (NELSON 1986 HAAGA amp MASON

20

1987 NDIKU et al 2011) Por isso para entender as questotildees que interferem nesta praacutetica

alimentar no Brasil eacute fundamental compreender a histoacuteria da alimentaccedilatildeo deste paiacutes sabendo

que ela eacute resultado da descriccedilatildeo dos fatos sob a oacutetica de diversos autores Destaca-se que o

olhar para o alimento varia de um pesquisador para outro de forma que de um mesmo

contexto eacute possiacutevel extrair diversas interpretaccedilotildees (CASCUDO 2011) Entretanto

independente do ponto de vista do observador eacute inquestionaacutevel o fato de que a alimentaccedilatildeo

brasileira eacute fruto de uma mistura cultural bastante rica o que a torna ainda mais especial

A formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira ocorreu inicialmente atraveacutes da uniatildeo do portuguecircs com

a mulher iacutendia e posteriormente com as negras vindas da Aacutefrica de modo que houve uma

miscigenaccedilatildeo natildeo apenas eacutetnica mas principalmente cultural entre nativos colonizadores e

escravizados Em Pernambuco pela proximidade da Europa houve um equiliacutebrio das trecircs

influecircncias As mudanccedilas aconteceram desde o ldquodescobrimentordquo devido agraves dificuldades

encontradas pelos colonizadores pois era necessaacuterio se adaptar a situaccedilotildees novas como

clima geografia fauna flora e tambeacutem dieta porque pensar em Brasil eacute pensar em todas

essas diversidades (FREYRE 2003) Entretanto se colocarmos o fenocircmeno da influecircncia

eacutetnica num quadro de desigualdade e conflitos natildeo daacute pra ignorar que o portuguecircs branco

colonizador foi instaurador da hierarquia que o negro foi trazido agrave forccedila e que o iacutendio foi em

grande parcela dizimado (MACIEL 2004) Mesmo assim natildeo seria correto atribuir maiores

ou menores contribuiccedilotildees na formaccedilatildeo alimentar da familiar de acordo com os grupos eacutetnicos

O que deve ser considerado satildeo as influecircncias culturais trazidas por cada um destes grupos e

que refletem na alimentaccedilatildeo atual

No periacuteodo colonial a incorporaccedilatildeo de novas praacuteticas alimentares pelas famiacutelias surge

mais devido a necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores socioculturais Muitos haacutebitos

alimentares europeus natildeo eram possiacuteveis de serem realizados na colocircnia Por isso havia uma

necessidade de incorporar e assimilar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

objetivo principal de manutenccedilatildeo da vida Milho batata aboacutebora e tomate satildeo exemplos de

alimentos americanos desconhecidos pelas famiacutelias europeias e que foram introduzidos nos

seus haacutebitos alimentares ao ponto de serem posteriormente levados para Europa Alimentos

indiacutegenas como amendoim e castanha de caju e africanos como o azeite de dendecirc tambeacutem

desconhecidos dos europeus foram incorporados aos haacutebitos alimentares das famiacutelias que aqui

viviam e ainda permanecem sendo utilizados Poreacutem entre todos os alimentos a mandioca

alimento baacutesico dos iacutendios merece atenccedilatildeo especial podendo ser considerado um dos mais

importantes do periacuteodo colonial Sua farinha logo substituiu a farinha de trigo tornando-se o

21

alimento que viria a ser a base da alimentaccedilatildeo no Brasil estando presente ateacute os dias de hoje

na mesa da famiacutelia brasileira de Norte a Sul e entre as diversas camadas sociais e eacutetnicas

Diante da importacircncia da mandioca (em especial a farinha) em todo o territoacuterio nacional eacute

possiacutevel afirmar que este eacute um dos alimentos que melhor representam nossa

brasilidade(FREYRE 2003 MACIEL 2004 SANTOS MOTTA GONCcedilALVES 2010)

Um dos principais problemas da alimentaccedilatildeo familiar no periacuteodo colonial aleacutem da

incorporaccedilatildeo de novos haacutebitos alimentares era a falta de diversificaccedilatildeo Havia uma

monotonia alimentar de forma que em toda a parte do paiacutes a mesa dos brasileiros era

praticamente a mesma com diferenciaccedilotildees regionais de frutas e verduras e mesmo assim

escassas (FREYRE 2003) Este fato soacute confirma ainda mais a ideia de que a preocupaccedilatildeo

com a qualidade da alimentaccedilatildeo natildeo era primordial o que mais importava era garantir a

sobrevivecircncia

Entretanto ao analisar a forma com que foi construiacutedo o regime econocircmico brasileiro eacute

possiacutevel entender porque dificilmente as famiacutelias possuiacuteam uma alimentaccedilatildeo adequada O

modelo de agricultura que dominava grande parte do Brasil colonial tinha como base a

monocultura latifundiaacuteria e escravocrata Este trouxe muita privaccedilatildeo agrave famiacutelia brasileira em

relaccedilatildeo ao suprimento equilibrado e constante de alimentaccedilatildeo sadia e fresca (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 FREYRE 2003) A monocultura da cana-de-accediluacutecar por exemplo logo

dominou grandes extensotildees territoriais sendo hegemocircnica em muitas regiotildees do paiacutes

inclusive na zona da mata pernambucana fazendo com que houvesse falta de alimentos como

frutas verduras leite e carnes (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Este modelo de

agricultura tambeacutem natildeo incentiva a dedicaccedilatildeo das famiacutelias agrave agricultura familiar em que os

agricultores familiares dirigem o processo produtivo dando ecircnfase na diversificaccedilatildeo e

utilizando o trabalho familiar eventualmente complementado pelo trabalho assalariado

(BRASIL 2006)

A falta de diversidade era tatildeo grande que mesmo as famiacutelias ricas natildeo dispunham do

suprimento regular e constante de alimentos frescos e o escravo africano ainda era um dos

mais bem alimentados (pelo menos quantitativamente) pois tinham que ingerir comidas

fortes como milho toucinho e feijatildeo para dar conta do duro trabalho que lhes era exigido

(FREYRE 2003) Ateacute os dias atuais o brasileiro natildeo valoriza tanto o consumo de frutas

verduras leite e seus derivados e esse costume que parece ter sua origem no periacuteodo colonial

continua sendo propagado para as novas geraccedilotildees (CASCUDO 2011)

22

Os haacutebitos alimentares da sociedade colonial podem ser observados sob trecircs enfoques O

primeiro eacute o etnocultural por meio da mistura das trecircs raccedilas que constituiu a autecircntica

cozinha brasileira O segundo eacute o econocircmico-social cujo padratildeo de consumo e haacutebitos

alimentares em especial da zona da mata accedilucareira foi resultado de um sistema econocircmico

baseado na monocultura latifundiaacuteria escravocrata E o terceiro eacute o geograacutefico em que

condiccedilotildees fiacutesico-geograacuteficas (solo clima e pluviosidade) contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de

haacutebitos alimentares da sociedade colonial brasileira (VASCONCELOS 2001) Seja qual for o

enfoque o que se tem em comum eacute que a alimentaccedilatildeo era precaacuteria principalmente no aspecto

qualitativo

No seacuteculo XVII relatos da chegada dos holandeses tambeacutem retratam a dificuldade de se

obter alimentos frescos Na Paraiacuteba eles constataram que as famiacutelias ricas e os remediados

consumiam patildeo de trigo ao passo que a farinha de mandioca era o patildeo dos pobres Em

Recife nos anos de 1630 e 1632 o exeacutercito holandecircs viveu quase que exclusivamente dos

gecircneros europeus salgados secos e defumados Esta situaccedilatildeo daacute indiacutecios de que o uso do sal eacute

um costume trazido pelo europeu jaacute que o iacutendio natildeo tinha este haacutebito Alimentos como os

feijotildees ainda natildeo integravam a lista de alimentos indispensaacuteveis (REINHARDT 2000

PAPAVERO 2010 CASCUDO 2011) Estes por sua vez merecem destaque na abordagem

histoacuterica pois juntamente com o arroz compotildee a base da alimentaccedilatildeo de grande parte das

famiacutelias brasileiras

Antes do ldquodescobrimentordquo algumas espeacutecies de feijotildees americanos jaacute eram conhecidas

pelos indiacutegenas mas os portugueses trouxeram novas variedades que com o tempo adquiriram

a importacircncia que possuem hoje na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira Num primeiro momento

o feijatildeo foi acompanhado por farinhas em especial a mandioca mas foi a partir do seacuteculo

XVIII quando a produccedilatildeo do arroz se consolidou que a farinha eacute deslocada mas ainda natildeo se

ausenta estando presente como segundo elemento no binocircmio ou permanecendo como

terceiro elemento junto com o arroz para dar ligadura A introduccedilatildeo do cultivo do arroz deu-

se no iniacutecio no norte do paiacutes no Paraacute e em Pernambuco mas principalmente no Maranhatildeo

Em seguida o arroz foi disseminado para o restante do paiacutes ateacute o Rio Grande do Sul Por

volta de 1808 D Joatildeo IV incluiu o arroz na alimentaccedilatildeo dos soldados motivo que pode ter

contribuiacutedo para que no seacuteculo XX este alimento jaacute estivesse presente no cotidiano das

famiacutelias brasileiras seja no prato ldquosertanejordquo o baiatildeo-de-dois ou no ldquotipicamente gauacutechordquo o

arroz carreteiro (MACIEL 2004) Entretanto praacuteticas alimentares decorrentes da

modernizaccedilatildeo da sociedade tecircm feito com que alimentos tradicionais como o arroz e feijatildeo

23

tenham reduzido seu consumo nos uacuteltimos anos Daiacute se percebe a necessidade de incentivar o

consumo de alimentos tiacutepicos de nossa cultura uma vez que estes contribuem para uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel

Algumas preparaccedilotildees culinaacuterias dos brasileiros foram misturadas de tal maneira que se

torna difiacutecil saber a sua verdadeira origem Este eacute o caso de um dos pratos mais comuns no

Brasil a feijoada A tiacutepica feijoada eacute comumente tida como originada das senzalas

Entretanto haacute tambeacutem outra visatildeo que afirma que haacutebitos semelhantes jaacute existiam em

Portugal inclusive afirmando que as partes elencadas como ldquomenos nobresrdquo do porco natildeo

eram cedidas aos escravos por tambeacutem serem consumidas pelos portugueses Outros preferem

ainda atribuir a origem do prato como sendo brasileira mas precisamente da zona urbana do

Rio de Janeiro Enfim estas disputas tambeacutem podem estar associadas haacute uma questatildeo

simboacutelica trazendo a questatildeo das relaccedilotildees de classe e raccedila existentes no Brasil (MACIEL

2004) Por isso seja qual for agrave origem verdadeira da feijoada o que se evidencia eacute uma

diversidade cultural atuando na elaboraccedilatildeo deste prato que representa muito bem a cozinha

brasileira

O periacuteodo colonial ateacute o impeacuterio foi caracterizado por uma grande escassez de alimentos

refletindo na qualidade da alimentaccedilatildeo familiar No seacuteculo XIX a monocultura latifundiaacuteria

ainda permanecia mas o produto de destaque era o cafeacute o ldquoouro negrordquo Logo as plantaccedilotildees

se espalharam pelo interior de Satildeo Paulo e Rio de Janeiro de forma que houve um grande

deslocamento de matildeo de obra para o cultivo desta lavoura Nesta eacutepoca tudo concorria para o

crescimento deste mercado pois paiacuteses como Estados Unidos e outros paiacuteses da Europa

aumentaram o consumo do cafeacute favorecendo a exportaccedilatildeo deste produto (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004) Outros cultivos como algodatildeo accediluacutecar e cacau estavam em

queda o que fez com que muitos fazendeiros almejassem nos altos lucros do cafeacute uma grande

oportunidade de investimento ampliando seus cafezais Por isso na segunda metade do

seacuteculo XIX o cafeacute jaacute era o principal produto de exportaccedilatildeo brasileiro sendo tambeacutem bastante

apreciado no mercado interno (TORELLI 2004)

Uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil eacute a valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento

de produtos diversificados Esta tendecircncia sempre trouxe problemas agrave realizaccedilatildeo de uma

alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo das iniquidades sociais e

agravando o quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional do paiacutes (FREYRE 2003) Durante

o monopoacutelio do cafeacute este fato pode ser observado visto que o poder poliacutetico e econocircmico se

24

concentrou na regiatildeo Sudeste proporcionando maior desenvolvimento industrial e urbano

desta regiatildeo em detrimento das demais (TORELLI 2004)

Ainda em relaccedilatildeo agraves influecircncias de diferentes etnias na alimentaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

deve ser destacado que aleacutem dos portugueses negros e indiacutegenas houve contribuiccedilotildees de

povos de outros paiacuteses As mais expressivas ocorreram nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX

quando os imigrantes principalmente europeus vieram em busca de oportunidades de

emprego No Brasil contribuiacuteram natildeo apenas com sua matildeo de obra mas trouxeram grande

diversidade cultural foram eles italianos alematildees japoneses espanhoacuteis aacuterabes suiacuteccedilos e

outros (SONATI VILARTA SILVA 2009) As influecircncias de diversos povos que estiveram

presentes ao longo da histoacuteria contribuiacuteram na formaccedilatildeo dos haacutebitos alimentares nas

diferentes regiotildees do Brasil

A maioria dos imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cafeacute Entretanto

concentrar a forccedila produtiva em um item de consumo apenas eacute muito perigoso pois quando

este tem seus preccedilos em baixa a crise eacute generalizada Foi exatamente isto que aconteceu no

Brasil quando o cafeacute sofreu desvalorizaccedilatildeo A dependecircncia das exportaccedilotildees do cafeacute gerou

uma crise na economia brasileira e falta de alimentos de primeira necessidade para as

famiacutelias principalmente devido ao crescimento da populaccedilatildeo urbana (BELIK SILVA

TAKAGI 2001 TORELLI 2004 SONATI VILARTA SILVA 2009)

A cessaccedilatildeo do traacutefico negreiro agravou o problema da oferta de alimentos pois faltavam

braccedilos para cultivar a terra enquanto que a populaccedilatildeo urbana aumentava necessitando de

mais alimentos No iniacutecio do seacuteculo XX houve uma escassez de alimentos causando uma

elevaccedilatildeo no preccedilo destes Como jaacute natildeo bastasse a falta de alimento para os brasileiros outra

situaccedilatildeo veio agravar esta escassez o crescente envio de alimentos brasileiros para abastecer

as naccedilotildees europeias em guerra (FRITSCH 1990 BELIK SILVA TAKAGI 2001) Ainda

hoje eacute possiacutevel observar expressiva exportaccedilatildeo de alimentos selecionando inclusive o que haacute

de melhor devido agrave exigecircncia do mercado externo No entanto seja qual for agrave causa da

escassez de alimentos eacute primordial pensar estrateacutegias que garantam a soberania alimentar do

Brasil Natildeo eacute admissiacutevel um paiacutes com dimensatildeo continental e terrenos feacuterteis ter milhares de

famiacutelias em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional

Durante o seacuteculo XX emergem os primeiros instrumentos de uma poliacutetica social

colocando em discussatildeo a fome Nesta eacutepoca as precaacuterias condiccedilotildees da classe trabalhadora

indicavam um consumo alimentar inadequado O primeiro mapa da fome do paiacutes foi traccedilado

25

por Josueacute de Castro analisando seus determinantes e apontando caminhos agrave sua superaccedilatildeo A

partir daiacute a temaacutetica da questatildeo nutricional passou a fazer parte da agenda do Estado Populista

Brasileiro no periacuteodo dirigido por Vargas (VASCONCELOS 2005) A fome comeccedilou a

receber atenccedilatildeo especial dos governantes natildeo apenas considerando as questotildees de produccedilatildeo

consumo e distribuiccedilatildeo mas tambeacutem as questotildees referentes a um paiacutes que queria se libertar

do subdesenvolvimento e entrar na modernidade (BELIK SILVA TAKAGI 2001)

O mapa da fome no paiacutes revelou que 1) a dieta era exclusivamente formada de farinha

com feijatildeo charque cafeacute e accediluacutecar mostrando a monotonia alimentar e a falta de diversidade

de alimentos 2) o consumo de leite e frutas natildeo estava presente na dieta de mais de 80 da

populaccedilatildeo 3) o consumo caloacuterico estava muito abaixo das necessidades nutricionais 4) o

consumo de carboidratos era proporcionalmente excessivo em relaccedilatildeo agraves proteiacutenas 5) baixo

consumo de lipiacutedeos e consequentemente de vitaminas lipossoluacuteveis e 6) consumo de

minerais em especial caacutelcio e ferro e vitaminas hidrossoluacuteveis tambeacutem estava muito abaixo

das recomendaccedilotildees nutricionais (VASCONCELOS 2001) Este cenaacuterio aponta para dois

aspectos da fome o quantitativo (escassez de alimentos) e o qualitativo (baixa qualidade na

alimentaccedilatildeo) Entretanto em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio extrapolar a dimensatildeo

bioloacutegica e considerar as subjetividades dos indiviacuteduos em situaccedilatildeo de privaccedilatildeo alimentar

Inicialmente na eacutepoca colonial a alimentaccedilatildeo era priorizada em seu aspecto quantitativo

para fornecer forccedila de trabalho sem a preocupaccedilatildeo com a qualidade Uma evoluccedilatildeo das

praacuteticas alimentares foi percebida a partir do seacuteculo XX com o advento da ciecircncia da nutriccedilatildeo

observando-se a consideraccedilatildeo do aspecto qualitativo associado agrave quantidade da alimentaccedilatildeo

bem como aos fatores socioeconocircmicos e culturais Nesta eacutepoca duas vertentes de estudos se

sobressaiacuteram uma relacionada agrave alimentaccedilatildeo enquanto problema social e a outra alimentaccedilatildeo

no campo bioloacutegico (VASCONCELOS 2001) Considerando que a alimentaccedilatildeo precisa estar

equilibrada quantitativa e qualitativamente seria equivocado afirmar que a populaccedilatildeo colonial

era bem alimentada pois consumir maiores quantidades de alimentos natildeo significava ter uma

alimentaccedilatildeo saudaacutevel em seu caraacuteter nutricional

Com a priorizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola e modernizaccedilatildeo da agricultura brasileira a

disponibilidade de alimentos deixou de ser uma preocupaccedilatildeo Entretanto o preccedilo dos

alimentos continuava elevado e as famiacutelias em geral natildeo tinham acesso agrave alimentaccedilatildeo

adequada fazendo com que situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional ainda estivessem

presentes (BELIK SILVA TAKAGI 2001) Neste momento surgem tentativas de

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incorporaccedilatildeo de teacutecnicas de planejamento nutricional ao planejamento econocircmico conduzidas

sob a direccedilatildeo do Instituto Nacional de Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo (INAN) no periacuteodo da ditadura

militar Inicialmente houve um crescimento econocircmico mas as massas trabalhadoras

permaneciam em condiccedilotildees de vida precaacuterias e eram excluiacutedas deste processo

(VASCONCELOS 2005)

O final do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI foram caracterizados por tentativas de

democratizaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo da sociedade brasileira e de buscas de alternativas para

superaccedilatildeo dos seus graves dilemas sociais Voltaram as velhas palavras de ordem como

justiccedila social liberdade poliacutetica e resgate da diacutevida social As palavras ldquofomerdquo e

ldquodesempregordquo que estiveram ausentes no discurso do planejamento autoritaacuterio da ditadura

militar passavam a fazer parte do novo discurso somado a outros como igualdade de

direitos universalizaccedilatildeo cidadania opccedilatildeo pelos mais pobres erradicaccedilatildeo da pobreza e

prioridade do social sobre o econocircmico (VASCONCELOS 2005)

No seacuteculo XXI alimentos como arroz feijatildeo e farinha de mandioca que foram desde o

seacuteculo XVIII a base do cardaacutepio familiar brasileiro perdem cada vez mais espaccedilo para os

produtos industrializados e com maior valor agregado (SANTOS 2005) Este fato contribui

para que a inseguranccedila alimentar e nutricional continue sendo uma realidade em milhares de

famiacutelias brasileiras A manutenccedilatildeo dos problemas alimentares ao longo dos seacuteculos no Brasil

confirma a ideia de que as causas vatildeo aleacutem de questotildees de disponibilidade e acesso Eacute

possiacutevel observar que mesmo quando haacute quantidades adequadas geralmente ainda haacute

inadequaccedilatildeo em sua qualidade Na tentativa de compreender esta complexidade faz-se

necessaacuterio mergulhar nos aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo

13 A influecircncia sociocultural nas praacuteticas alimentares

A alimentaccedilatildeo sob o aspecto sociocultural pode ser pensada como um ldquosistema simboacutelicordquo

no qual estatildeo presentes coacutedigos sociais que permeiam as relaccedilotildees do homem entre si e com a

natureza (MACIEL 2004) Para Cascudo (2011 paacuteg 36) ldquoDe todos os atos naturais o

alimentar-se foi o uacutenico que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em

expressatildeo de sociabilidade ritual poliacutetica aparato de alta etiquetardquo Ao se estudar as praacuteticas

alimentares devem ser consideradas as questotildees subjetivas como percepccedilotildees sobre os valores

crenccedilas tabus normas sentimentos e significados que envolvem a alimentaccedilatildeo

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Cada sociedade articula elementos advindos de vaacuterias fontes para organizar regras

dieteacuteticas que constituiratildeo indicadores culturais e refletiratildeo na alimentaccedilatildeo (ROMANELLI

2006) Dentre as praacuteticas alimentares que sofrem influecircncia cultural pode se destacar a

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos Esta segue normas que incluem suposiccedilotildees sobre

quantidade tipo e qualidade de alimentos que satildeo dadas a homens mulheres e crianccedilas

(WHEELER 1991 LUO et al 2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH

2002) As praacuteticas alimentares foram construiacutedas ao longo da histoacuteria da humanidade e a

perpetuaccedilatildeo destas acontece atraveacutes das geraccedilotildees desde a infacircncia de modo que ficam

arraigadas e se tornam comuns aos indiviacuteduos que a compartilham Desta forma o

entendimento da cultura alimentar de um povo ocorre tambeacutem mediante ao estudo de sua

histoacuteria

Os aspectos socioculturais que envolvem a alimentaccedilatildeo e satildeo praticados hoje foram

adquiridos ao longo dos seacuteculos e por isso mudaacute-los eacute algo tatildeo difiacutecil (CASCUDO 2011)

Comer envolve tradiccedilatildeo e reflete uma identidade cultural Desta forma o que se come como

se come e quando se come satildeo questotildees construiacutedas socioculturalmente (POSSAMAI 2011)

Neste sentido eacute possiacutevel observar que cada sociedade tem uma predileccedilatildeo por alguns

alimentos em detrimento de outros (comidas tiacutepicas) de forma que enquanto uns satildeo bastante

apreciados em um grupo social podem ser totalmente rejeitados por outros grupos

(CASCUDO 2011) Por isso mesmo que alguns alimentos sejam bons em seu caraacuteter

nutricional se natildeo forem aceitos culturalmente seratildeo facilmente renegados para o consumo

O modo de se alimentar se relaciona com a construccedilatildeo da identidade social do indiviacuteduo

Este eacute um fato tatildeo presente no dia a dia que eacute possiacutevel distinguir alguns grupos apenas pelo

modo com que se alimentam Comer marca fronteiras de identidade entre grupos humanos de

culturas diferentes mas tambeacutem no interior de mesma cultura entre os membros que a

constituem As motivaccedilotildees para isso satildeo diversas preferecircncias pessoais necessidades

bioloacutegicas simbolismos rituais crenccedilas religiatildeo desejos e outras (POULAIN PROENCcedilA

2003) As religiotildees monoteiacutestas sempre se preocuparam em estabelecer tabus alimentares

delimitando o que os fieacuteis podem ou natildeo comer As proibiccedilotildees neste caso natildeo estatildeo

relacionadas agraves questotildees bioloacutegicas do alimento mas objetivam defender determinado grupo

social fixando suas identidades em contraponto agraves identidades de participantes de outros

grupos religiosos (ROMANELLI 2006) A ideia de ser convidado a partilhar o alimento com

determinados grupos pode se configurar no significado de pertencer aquele grupo ou pelo

menos numa oportunidade de vir a pertencer relacionando-se dessa forma agrave integraccedilatildeo social

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Assim a alimentaccedilatildeo e a cozinha satildeo elementos capitais do sentimento coletivo de

pertencimento (PILLA 2005) Ainda haacute outro agente que tambeacutem se relaciona com a

identidade social o paladar (CASCUDO 2011) Logo se a alimentaccedilatildeo eacute necessaacuteria agrave

sobrevivecircncia e eacute construiacuteda socioculturalmente ela tambeacutem eacute formada mediante a apreciaccedilatildeo

ao sabor do alimento

A familiaridade aumenta a aceitabilidade entretanto isto natildeo eacute suficiente para explicar

uma questatildeo tatildeo complexa como alimentaccedilatildeo e o gosto (PILLA 2005) Existem algumas

categorias culinaacuterias da cultura popular que satildeo uacuteteis para o entendimento dos sistemas

culinaacuterios O ldquopaladarrdquo seria determinado por padrotildees regras e proibiccedilotildees culturais aleacutem de

ser elemento poderoso e permanente na delimitaccedilatildeo das preferecircncias alimentares humanas

estando enraizado em normas culturais Por isso natildeo poderia ser facilmente modificado por

poliacuteticas puacuteblicas fundadas no argumento meacutedico de que determinados alimentos ofereceriam

maior valor nutritivo A fome em si poderia ser satisfeita por qualquer alimento no entanto o

paladar estaria associado a modalidades distintas de comidas e bebidas Ele estaria

relacionado a formas especiacuteficas e particulares de preparaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e consumo

situando-se no centro das identidades individuais e coletivas (GONCcedilALVES 2004)

Ao analisar as diferentes modalidades de consumo se percebe que o que nos distancia de

alimentos nativos de povos longiacutenquos eacute unicamente a nossa cultura o conceito secular sobre

as nossas iguarias e que as consagram como indispensaacuteveis e baacutesicas Por isso costumes

alheios satildeo sempre considerados estranhos e os nossos costumes peculiares e aceitaacuteveis As

diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua significados peculiares aos

alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o consumo Alimentos tidos como

ruins por determinado grupo social mesmo que sejam ricos em nutrientes e minerais natildeo

faratildeo parte do cardaacutepio familiar (CASCUDO 2011) Este costume influencia as praacuteticas

alimentares dos indiviacuteduos e da famiacutelia pois para que os alimentos sejam consumidos eacute

necessaacuterio que sejam previamente apreciados e adquiridos Aleacutem disto afetam a garantia da

Seguranccedila Alimentar e Nutricional umva vez que natildeo seratildeo adquiridos para consumo ainda

que esses alimentos (socialmente renegados) estejam disponiacuteveis e acessiacuteveis

Em se tratando de alimentaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar ainda que ela desenha os contornos

de grupos sociais e reflete a hierarquizaccedilatildeo social (POULAIN PROENCcedilA 2003) A comida

eacute uma categoria mediante a qual os pobres pensam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo que natildeo

enfrentam necessidades alimentares e com os muito pobres que vivem na miseacuteria Deste

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modo ela estabelece fronteiras entre a identidade de pobres dos ricos e dos muito pobres

Para a populaccedilatildeo mais pobre a loacutegica principal de escolha dos alimentos natildeo seria baseada no

valor nutricional dos alimentos mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade Por isso haveria uma tendecircncia destes indiviacuteduos agrave priorizaccedilatildeo daqueles alimentos

que demoram a digerir que deixam a ldquobarriga cheiardquo a exemplo dos gordurosos e aqueles

ricos em carboidratos (ROMANELLI 2006) Alimentos vegetais satildeo para o povo brasileiro

(independente da condiccedilatildeo econocircmica) complementares e apenas essenciais como

responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do bolo digestivo natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo

Entretanto alguns alimentos baacutesicos como feijatildeo farinha molho de pimenta peixes e carnes

que eram consumidos desde os antepassados permanecem como haacutebitos atuais ateacute nas mesas

de famiacutelias ricas brasileiras (CASCUDO 2011) Esta situaccedilatildeo deve ser destacada pois

somado ao baixo consumo de alimentos reguladores (presente em grande parte nas frutas e

verduras) pelos brasileiros haacute uma tendecircncia ao decreacutescimo no consumo de alimentos

tradicionais em detrimento de alimentos processados agravando as carecircncias nutricionais

A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos que a consomem As mudanccedilas

na sociedade atual faz com que seja habitual a comida raacutepida promovendo uma perda da

personalidade do paladar estimulados por propagandas que priorizam apenas fatores

puramente materiais e desprezam outros componentes da alimentaccedilatildeo (CASCUDO 2011) A

apreciaccedilatildeo por determinados alimentos nem sempre eacute uma questatildeo racional Gostar de pratos

porque satildeo ldquochicsrdquo ou porque pessoas de status costumam servi-lo eacute influencia do

imaginaacuterio que eacute atribuiacutedo aquele alimento (PILLA 2005) No Brasil estudo jaacute demonstrou

que em funccedilatildeo do fast-food um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando com prejuiacutezos dos

produtos da dieta tradicional do povo (SANTOS 2005) Na famiacutelia pobre eacute comum oferecer

aos filhos alimentos pouco nutritivos (ricos em gorduras carboidratos simples e accediluacutecar) mas

que possuem um status para a sociedade Este eacute um meio destas pessoas mostrarem para si

mesma e para seus iguais que elas podem consumir o que eacute simbolicamente positivo mesmo

natildeo sendo adequado na questatildeo nutricional Isto natildeo quer dizer que natildeo haacute conhecimento

deles em relaccedilatildeo agrave alimentaccedilatildeo adequada mas que naquele momento o que eacute tido como

socialmente significante eacute mais importante (ROMANELLI 2006) Numa sociedade que eacute

bastante influenciada pelo mercado de consumo a qualidade da alimentaccedilatildeo tambeacutem sofre

ameaccedila dos padrotildees alimentares vigentes Estes fazem com que a escolha dos alimentos

ocorra mediante a representaccedilatildeo social destes

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A famiacutelia eacute fundamental na construccedilatildeo de haacutebitos alimentares saudaacuteveis principalmente

na infacircncia pois haacute uma alta taxa de insucesso quando as modificaccedilotildees de haacutebitos alimentares

satildeo realizadas na fase adulta (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Os haacutebitos alimentares

podem ateacute mudar inteiramente quando crescemos mas o aprendizado alimentar e algumas das

formas sociais apreendidas por meio dele permanecem em nossa consciecircncia (MINTZ 2001)

Dentre as inuacutemeras regras que satildeo construiacutedas durante as etapas de aquisiccedilatildeo preparo ou

consumo de alimentos na famiacutelia muitas delas se relacionam com questotildees de gecircnero

(CASCUDO 2011) Por isso eacute necessaacuterio tambeacutem entender as condiccedilotildees de produccedilatildeo das

relaccedilotildees de gecircnero de hierarquia e poder que permeiam as praacuteticas de produccedilatildeo e consumo de

alimentos na famiacutelia (KRONE MENASHE 2012)

Em se tratando de questotildees de gecircnero eacute necessaacuterio considerar que no domiciacutelio haacute

diferentes atribuiccedilotildees para homem e mulher De um lado o homem tem a responsabilidade de

provedor financeiro e de outro a mulher responde pelas tarefas domeacutesticas de cuidar da casa e

dos filhos Esta divisatildeo de tarefas faz com que homens e mulheres assumam papeacuteis desiguais

na famiacutelia O mercado de trabalho tambeacutem chamado de esfera puacutebica eacute designado

historicamente ao homem enquanto que a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo

considerada esfera privada foram delegadas agrave mulher (COLLING 2004 SANTANA 2010)

Estas praacuteticas tecircm suas origens nas relaccedilotildees hieraacuterquicas e patriarcalistas que reforccedilam a

dominaccedilatildeo do homem sobre a mulher Por isso eacute possiacutevel afirmar que as atribuiccedilotildees de cada

sexo foram construiacutedas socialmente nas relaccedilotildees familiares e satildeo repassadas culturalmente

atraveacutes das geraccedilotildees (SANTANA 2010)

Eacute possiacutevel perceber que desde o iniacutecio da vida humana a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao

afeto e proteccedilatildeo e o seu preparo fortemente ligado ao sexo feminino Na divisatildeo de tarefas

geralmente cabe agrave mulher preparar as refeiccedilotildees atividade esta que por ser uma atribuiccedilatildeo

domeacutestica eacute muitas vezes considerada menos digna do que o trabalho masculino (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) O homem por sua vez representa a forccedila de trabalho e eacute quem

deve prover sua famiacutelia (WOORTMANN 1986) Mesmo a sociedade atual trazendo a figura

masculina no preparo dos alimentos esta em geral fica limitada a situaccedilotildees esporaacutedicas ou

colocada como hobby principalmente entre as celebridades mas natildeo satildeo atividades delegadas

aos homens comuns (ROMANELLI 2006)

Na sociedade contemporacircnea a mulher tem ocupado seu espaccedilo no mundo do trabalho e

este fato tem gerado mudanccedilas marcantes na estrutura e nas relaccedilotildees familiares no entanto o

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preparo das refeiccedilotildees e definiccedilatildeo do cardaacutepio estaacute ainda em grande parte sob sua

responsabilidade (FONSECA et al 2011) Ao observar as praacuteticas alimentares no ambiente

rural eacute necessaacuterio considerar que o papel da mulher eacute ainda mais relevante (FISHER

ALBUQUERQUE 2002) Neste contexto aleacutem do preparo e definiccedilatildeo do cardaacutepio ela

tambeacutem tem o papel de articuladora daquilo que seraacute submetido ao consumo alimentar

determinando os alimentos a serem ingeridos pela famiacutelia (OLIVEIRA VELA 2008)

Considerando sua quantidade e distribuiccedilatildeo entre os membros da famiacutelia eacute importante

destacar ainda que a mulher tambeacutem sofre influecircncia matrilinear de matildees tias e avoacutes que

refletiratildeo nas escolhas alimentares para sua famiacutelia (JOHNSON et al 2010)

A mulher em geral eacute responsaacutevel pela administraccedilatildeo cotidiana do alimento calculando a

quantidade de gecircneros alimentiacutecios que deve ser preparada diariamente na unidade familiar e

muitas vezes delimitando o alimento de cada membro durante a refeiccedilatildeo principalmente

durante os periacuteodos de escassez Cabe a ela distribuir ldquopratos feitosrdquo entre os familiares numa

tentativa de que todos sejam contemplados equitativamente (FISHER ALBUQUERQUE

2002) Desta forma nota-se uma iacutentima relaccedilatildeo entre as mulheres a produccedilatildeo de alimentos e

a promoccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional (KRONE MENASHE 2012)

Situaccedilotildees econocircmicas e socioculturais impedem a aquisiccedilatildeo dos alimentos em quantidade

e qualidade e quando haacute escassez a distribuiccedilatildeo intrafamiliar destes fica prejudicada Nesta

ocasiatildeo os indiviacuteduos e mais ainda a mulher natildeo ingerem a quantidade necessaacuteria mas o que eacute

possiacutevel (FISHER ALBUQUERQUE 2002) Iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos se relacionam principalmente a questotildees de gecircnero e hierarquia em que haacute

priorizaccedilatildeo dos homens em detrimento de mulheres e tambeacutem das crianccedilas (CARLONI

1981 WOORTMANN 1985 WHEELER 1991 LUO et al 2001 FISHER

ALBUQUERQUE 2002 OLIVEIRA VELA 2008 NDIKU et al 2011) Quando a falta de

alimentos atinge as crianccedilas jaacute se tem um grau de inseguranccedila alimentar grave (SEGALL-

CORREcircA 2007) pois diante da falta de alimentos a mulher prioriza os filhos sendo a mais

prejudicada

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar a melhor parte

do que preparam para os maridos em especial quando estes levam a refeiccedilatildeo para o trabalho

Seria quase uma necessidade dele de levar um alimento melhor no intuito de mostrar aos

colegas que a famiacutelia natildeo vive em situaccedilatildeo precaacuteria (ROMANELLI 2006) Aleacutem disso para

o trabalhador que tem que levar suas refeiccedilotildees de casa tambeacutem natildeo pode haver falta da carne

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pois isso significaria fracasso em seu trabalho e como chefe de casa Dentre os alimentos

tradicionais a carne constitui um criteacuterio para designar o estabelecimento do niacutevel de vida de

uma populaccedilatildeo Os que natildeo comem carne se natildeo for por questotildees de sauacutede pessoais ou

religiosas eacute porque satildeo de baixa renda pois a carne possui elevado custo em comparaccedilatildeo com

outros alimentos mas mesmo assim dificilmente abrem matildeo da carne por ela significar o

status social e forccedila (REINHARDT 2000) Outro motivo que pode ser responsaacutevel pelo fato

do homem receber maiores e melhores quantidades de alimentos estaacute no fato deste ser quase

sempre o responsaacutevel exclusivo pelo sustento da famiacutelia Nesta loacutegica se ele natildeo estaacute bem

alimentado natildeo teraacute condiccedilotildees para trabalhar e consequentemente faltaraacute alimento para toda

famiacutelia As mulheres crianccedilas idosos e adultos natildeo produtivos por natildeo contribuiacuterem para o

sustento consumiriam o que sobrasse (WHEELER 1991) Entatildeo a tendecircncia de priorizaccedilatildeo

do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de ser uma questatildeo sociocultural eacute tambeacutem fruto da

necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana

As situaccedilotildees de iniquidades na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos podem ser

visualizadas no Brasil e no mundo As causas para estas no entanto satildeo diversas

Preferecircncias relacionadas com questotildees de gecircnero (com maior proporccedilatildeo e melhor qualidade

de ingestatildeo de nutrientes para os homens) diferenccedilas na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos entre faixas etaacuterias (com favorecimento de adultos) diferenccedilas na adequaccedilatildeo

caloacuterica de homens mulheres e crianccedilas (com melhor adequaccedilatildeo para os homens) e

priorizaccedilatildeo dos indiviacuteduos que manteacutem economicamente a famiacutelia satildeo algumas situaccedilotildees

comuns que exemplificam essas diferenccedilas (CARLONI 1981 NELSON 1986

CHAUDHURY 1988 LUO et al 2001 FISHER ALBUQUERQUE 2002

RATHNAYAKE WEERAHEWA 2002 NDIKU et al 2011)

Independente de quais sejam os motivos o fato eacute que em muitos grupos sociais

mulheres e crianccedilas satildeo desfavorecidas durante a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

ficando mais vulneraacuteveis a problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo (CARLONI 1981 LUO et al

2001 VIJAYARAGHAVAN PRAKASAM LAXMAIAH 2002 NDIKU et al 2011) As

implicaccedilotildees destes problemas entretanto ultrapassam os aspectos bioloacutegicos e expressam

situaccedilotildees subjetivas dos indiviacuteduos moldadas pelos aspectos socioculturais

Aleacutem das influecircncias socioculturais na alimentaccedilatildeo eacute preciso destacar que natildeo eacute a sua

suposta falta de conhecimento dos menos favorecidos que impede o consumo de uma

alimentaccedilatildeo adequada (ROMANELLI 2006) Tambeacutem natildeo eacute suficiente um acreacutescimo na

33

disponibilidade intrafamiliar de alimentos entre a populaccedilatildeo pobre sem promover uma

equidade nesta distribuiccedilatildeo dentro do domiciacutelio (CARLONI 1981) Natildeo basta ter

conhecimento sobre alimentaccedilatildeo se este natildeo estiver associado a uma praacutetica cotidiana de

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos que atenda as necessidades de cada membro nem

tampouco eacute possiacutevel promover praacuteticas saudaacuteveis quando natildeo haacute condiccedilotildees de acesso e

disponibilidade adequadas

Diante de todas as situaccedilotildees apresentadas fica evidente a importacircncia do ambiente

familiar na construccedilatildeo dos haacutebitos alimentares Por isso a orientaccedilatildeo educacional a

transmissatildeo de informaccedilatildeo nutricional e a mudanccedila de crenccedilas relativas agrave alimentaccedilatildeo devem

ser direcionadas agrave famiacutelia (ROSSI MOREIRA RAUEN 2008) Pelo fato de a mulher estaacute na

porta de entrada do processo de alimentaccedilatildeo e definir o que vai agrave mesa eacute nela que devem

focar as accedilotildees de Seguranccedila Alimentar e Nutricional do grupo familiar (OLIVEIRA VELA

2008)

14 Confluecircncias da Seguranccedila Alimentar e Nutricional com os aspectos histoacutericos e

socioculturais na Zona da Mata de Pernambuco

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas ainda eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar Em Pernambuco ela tem sua origem

desde a eacutepoca colonial se destacando desde o seacuteculo XVI Uma das caracteriacutesticas desta

agricultura eacute que ela foi estruturada no sistema plantation baseada no uso intensivo de matildeo

de obra escrava monocultura atingindo grandes extensotildees de terra e produccedilatildeo voltada para a

exportaccedilatildeo ao mercado mundial (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) Esse modelo dificulta

a garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e traz diversos problemas para as famiacutelias

que ali habitam Acumulaccedilatildeo de riquezas baixa diversidade produtiva exploraccedilatildeo da matildeo-de-

obra e estruturas de construccedilatildeo e valorizaccedilatildeo da terra satildeo apenas algumas das causas de

iniquidades sociais Na Zona da Mata Pernambucana satildeo encontradas as maiores taxas

estaduais de urbanizaccedilatildeo densidade demograacutefica e concentraccedilatildeo de serviccedilos entretanto as

cidades que ainda tem significativa parcela de sua economia baseada na monocultura da cana-

de-accediluacutecar satildeo rodeadas de populaccedilatildeo miseraacutevel vivendo em condiccedilotildees subumanas com

muitos problemas de nutriccedilatildeo e elevadas incidecircncia de doenccedilas (CAVALCANTI et al 2002)

Uma crise que se prolonga haacute bastante tempo na Zona da Mata Pernambucana envolve

atividades sucroalcooleiras e estatildeo diretamente relacionadas com a praacutetica da monocultura

Falta uma dinacircmica econocircmica suficiente em outros segmentos da economia para

34

contrabalancear os percalccedilos desta atividade Restriccedilotildees de ordem natural decorrentes da

degradaccedilatildeo de solos e condiccedilotildees de relevo dificultam a elevaccedilatildeo da produtividade da cana-de-

accediluacutecar via mecanizaccedilatildeo fato que aponta para a urgecircncia em se buscar novas opccedilotildees

produtivas que ofereccedilam oportunidades competitivas com a atividade tradicional

(CAVALCANTI et al 2002) A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

venha afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos No entanto o acesso aos alimentos eacute

mais difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo

O trabalho do corte de cana ainda comum na Zona da Mata Pernambucana eacute realizado

quase que exclusivamente por homens devido ao seu vigor fiacutesico e maior produtividade

Estes diariamente enfrentam altas jornadas de trabalho intenso tendo esta atividade como sua

uacutenica fonte de renda A maioria deles nunca conseguiu outro trabalho assalariado e poucos

realizam alguma atividade secundaacuteria para complementar a renda (CAMPOS RAPOSO

MAIA 2007) Uma caracteriacutestica da economia local reside na sazonalidade do emprego rural

na atividade econocircmica predominante que eacute a lavoura de cana-de-accediluacutecar com liberaccedilatildeo de

matildeo de obra na entressafra No periacuteodo chuvoso quando cessa a produccedilatildeo accedilucareira apenas

uma pequena fraccedilatildeo dos trabalhadores permanece realizando tratos culturais que estatildeo sendo

substituiacutedos por processos mecanizados (plantio e adubaccedilatildeo) ou por processos quiacutemicos Os

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar convivem com uma estrutura econocircmica de insuficiente

dinamismo e reduzida diversidade produtiva Isto demanda especial intervenccedilatildeo do setor

puacuteblico para orientar as accedilotildees privadas necessaacuterias para ampliar o perfil produtivo

diversificar a economia aumentar o crescimento econocircmico e criar as condiccedilotildees para a sua

consecuccedilatildeo Aleacutem disso o setor puacuteblico deve intervir diretamente em termos de provimento

das necessidades sociais baacutesicas e criar capital necessaacuterio ao processo de desenvolvimento

sustentaacutevel da regiatildeo (CAVALCANTI et al 2002)

Na Zona da Mata Pernambucana situaccedilotildees diversas (educaccedilatildeo renda cultura) associadas

agrave monocultura da cana-de-accediluacutecar tem dificultado a realizaccedilatildeo do DHAA Para superar esta

situaccedilatildeo algumas famiacutelias principalmente durante a entressafra se utilizam de estrateacutegias

outra fonte de renda (pesca) programas governamentais ajuda financeira de parentes e

amigos e aposentadoria (CAMPOS RAPOSO MAIA 2007) A participaccedilatildeo em programas

de ajuda alimentar eacute citada como uma das principais estrateacutegias para enfrentar situaccedilotildees de

restriccedilatildeo no acesso de alimentos (VARGAS PENNY 2009) Entretanto o fato de a famiacutelia

receber cestas de alimentos e estar inserida em programas de distribuiccedilatildeo de renda natildeo

35

garante a Seguranccedila Alimentar e Nutricional principalmente quando se trata do consumo

adequado de micronutrientes (FAacuteVARO et al 2007) e de equidade na distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos Programas de merenda escolar tambeacutem podem natildeo ser suficientes

para manter as necessidades nutricionais das crianccedilas (SHARKEY et al 2012)

O estudo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional deve considerar que cada sociedade

possui peculiaridades construiacutedas atraveacutes de influecircncias histoacutericas e socioculturais que

refletem nas praacuteticas alimentares a exemplo da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Tambeacutem jaacute se sabe que questotildees culturais exercem influecircncia nas praacuteticas alimentares sendo

fundamental compreendecirc-las Por isso quando se tenta compreender as praacuteticas relacionadas

com alimentaccedilatildeo eacute importante buscar as percepccedilotildees da mulher visando construir estrateacutegias

de garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional e do DHAA mais eficientes e eficazes

36

2 CAMINHO METODOLOacuteGICO

21 Delineamento da Pesquisa

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida pelo fato de ser o meacutetodo mais adequado para responder ao

objetivo da pesquisa Neste tipo de metodologia o pesquisador busca o significado das coisas

que satildeo partilhados culturalmente e desta forma organizam um grupo social em torno de

representaccedilotildees e simbolismos (MINAYO 2010) Outra caracteriacutestica eacute que o sujeito eacute o

campo onde ocorreraacute a observaccedilatildeo e o pesquisador eacute o proacuteprio instrumento de pesquisa

usando diretamente seus oacutergatildeos do sentido para apreender os objetos em estudo (TURATO

2005)

O estudo descritivo pretende desvelar os fatos e fenocircmenos da realidade e estabelecer

relaccedilotildees entre eles e o exploratoacuterio busca investigar um objeto pouco conhecido identificando

e descobrindo aspectos importantes do mesmo (SANTOS 2009) Por trabalhar em niacutevel de

intensidade das relaccedilotildees sociais a abordagem qualitativa soacute deve ser empregada para a

compreensatildeo de fenocircmenos que possam ser entendidos mais pelo seu grau de complexidade

interna do que pela sua expressatildeo quantitativa (MINAYO 1993 2010) A escolha destes

tipos de estudo deve-se aos objetivos traccedilados para a pesquisa que consiste em desvelar os

significados da alimentaccedilatildeo em famiacutelias de mulheres da zona canavieira

22 Cenaacuterio do Estudo

O estudo foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado da Zona da Mata do

Estado de Pernambuco a partir de dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

Discriminaccedilatildeo na Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de

Trabalhadores Rurais no Nordeste do Brasilrdquo O municiacutepio de Gameleira possui um total de

27912 habitantes (301 residente na zona rural e 699 na zona urbana) com uma extensatildeo

territorial de 25596 kmsup2 com densidade demograacutefica de 10905 habkmsup2 (IBGE 2010) Neste

municiacutepio a cana-de-accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo

territorial com grande significacircncia econocircmica e cujo trabalho mesmo natildeo sendo escravo eacute

mal remunerado Em 2007 ano da pesquisa o cultivo desta lavoura ocupava 12000 hectares

com uma produccedilatildeo de 600000 toneladas rendimento meacutedio de 50000 quilogramas por

hectare e um valor de produccedilatildeo de R$ 22800000 00 A produccedilatildeo da mandioca (segundo

lugar em produccedilatildeo entre as lavouras temporaacuterias) ocupava apenas 100 hectares produzindo

37

1666 toneladas 16660 quilogramas por hectare e valor de produccedilatildeo de R$ 10000000

(IBGE 2007) Sendo assim devido a grande importacircncia da lavoura da cana-de-accediluacutecar neste

municiacutepio e na regiatildeo da Zona da Mata grande parte da populaccedilatildeo sobrevive de atividades

ligadas a este produto principalmente o corte

No ano de 2010 Gameleira apresentou um Iacutendice de Desenvolvimento Humano

Municipal) (IDHM) de 0602 valor que corresponde a um desenvolvimento meacutedio Este

iacutendice mostrou uma melhora consideraacutevel em relaccedilatildeo ao Censo de 2000 cujo IDHM foi de

0424 valor correspondente a desenvolvimento humano baixo (IBGE 2010)

23 Participantes do Estudo

O estudo foi composto por 17 mulheres companheiras de homens trabalhadores de

cana-de-accediluacutecar residentes na aacuterea rural do municiacutepio de Gameleira Zona da Mata Sul de

Pernambuco eram participantes da pesquisa intitulada lsquoVieacutes e Discriminaccedilatildeo Intrafamiliar de

Alimentos Estudo de uma Populaccedilatildeo de Trabalhadores no Nordeste do Brasilrdquo

As participantes foram selecionadas por meio de amostra intencional Este tipo de

amostragem busca selecionar sujeitos aptos a responder as questotildees do estudo de modo a

interagir com o objeto e objetivo do mesmo O dimensionamento dos sujeitos seguiu o criteacuterio

de saturaccedilatildeo amostral que abrange o surgimento da redundacircncia de informaccedilotildees coletadas

(repeticcedilatildeo de informaccedilotildees) pelos participantes A coleta das informaccedilotildees foi realizada por

pesquisadoras treinadas que observavam as informaccedilotildees que surgiam e respondiam as

questotildees do estudo Quando estas informaccedilotildees comeccedilavam a se repetir chegava-se a saturaccedilatildeo

da amostra e cessava-se a coleta (MINAYO 2010)

24 Coleta de Informaccedilotildees

A coleta de informaccedilotildees aconteceu de 26 de fevereiro a 15 de abril de 2007 periacuteodo

considerado de entressafra para o corte de cana-de-accediluacutecar escolhido por propiciar uma maior

instabilidade financeira retratando a situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional Esta fase

da pesquisa soacute foi iniciada apoacutes a conclusatildeo da parte quantitativa do estudo

A teacutecnica de coleta de informaccedilotildees foi agrave entrevista individual conduzida por um

roteiro semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees

norteadoras As perguntas fechadas abordaram caracteriacutesticas sociodemograacuteficas

escolaridade e questotildees referentes agrave sauacutede Para a realizaccedilatildeo da entrevista havia um

38

pesquisador treinado e este agendava com a mulher o melhor horaacuterio e local para realizaccedilatildeo

da entrevista sendo de preferecircncia no domiciacutelio e estando apenas o entrevistador e a

entrevistada para que natildeo houvesse constrangimento e interferecircncia de outras pessoas

As questotildees norteadoras foram O que a senhora entende por alimento O que

significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia Como a senhora divide e distribui os

alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se sente quando distribui os alimentos entre os

membros de sua famiacutelia

A entrevista individual com questotildees norteadoras possibilita que o participante tenha

liberdade e espontaneidade para contribuir com a investigaccedilatildeo pois se trata de um

diaacutelogoconversaccedilatildeo focado em um assunto Possuem a vantagem de ser flexiacutevel e possibilitar

adaptaccedilatildeo podendo ser ajustada ao indiviacuteduo e as circunstacircncias que se desejam estudar

(MINAYO 2008)

As entrevistas foram gravadas em MP3 transcritas na iacutentegra e digitadas no software

Microsoft Office Word 2007 pelos entrevistadores no mesmo dia em que foram realizadas

Posteriormente a pesquisadora responsaacutevel pela construccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo fez a revisatildeo e

validaccedilatildeo destas

25 Anaacutelise das Informaccedilotildees

No intuito de compreender o tema estudado foi necessaacuterio inicialmente realizar uma

pesquisa bibliograacutefica na base de dados do PUBMED e SCIELO dissertaccedilotildees teses e livros

relacionados com alimentaccedilatildeo haacutebitos alimentares Seguranccedila Alimentar e Nutricional

mulheres cultura pobreza populaccedilatildeo rural e pesquisa qualitativa para elaborar os

constructos que nortearam a anaacutelise dos dados A partir desta busca e considerando a

complexidade do tema identificou-se que era preciso compreender o contexto histoacuterico

econocircmico e sociocultural do Brasil e em especial do local estudado a Zona da Mata

Pernambucana para entender os haacutebitos alimentares das famiacutelias desta regiatildeo Foi preciso

ainda estudar os aspectos subjetivos da alimentaccedilatildeo que satildeo expressos fortemente por pessoas

que enfrentam situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional a exemplo dos sujeitos desta

pesquisa Esta fase do estudo que originou a elaboraccedilatildeo da referencial teoacuterico foi

imprescindiacutevel para a interpretaccedilatildeo dos dados

A partir desse embasamento teoacuterico as informaccedilotildees foram interpretadas de acordo com a

Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica buscando conhecer aquilo que estaacute por traacutes das palavras a

39

partir dos seus significados (BARDIN 2011) Esta por sua vez estaacute ancorada em constructos

que caracterizam o objeto do estudo tais como a Seguranccedila Alimentar e Nutricional e o

Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada e as influecircncias histoacutericas e socioculturais na

formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia brasileira

A Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetica seguiu as seguintes fases (BARDIN 2011)

1ordf Preacute-anaacutelise correspondeu agrave fase de organizaccedilatildeo do material a ser analisado Este foi

tambeacutem um periacuteodo de intuiccedilotildees cujo objetivo foi de operacionalizar e sistematizar as ideias

iniciais construindo um plano de anaacutelise aleacutem de estabelecer os primeiros contatos com os

documentos atraveacutes de uma leitura ldquoflutuanterdquo das informaccedilotildees coletadas

Em seguida foi realizada a ldquoconstituiccedilatildeo de um corpusrdquo para cada pergunta norteadora O

ldquocorpusrdquo eacute um conjunto de documentos que satildeo submetidos agrave anaacutelise (neste caso as falas das

mulheres) cuja constituiccedilatildeo se daacute por meio de algumas regras A regra da exaustividade

considera que todos os elementos do ldquocorpusrdquo devem estar presentes na anaacutelise Neste estudo

correspondeu a todos os aspectos levantados em cada pergunta norteadora A regra da

representatividade afirma que a anaacutelise pode ser numa amostra desde que esta seja

representativa Nesta pesquisa o grupo estudado (companheiras de trabalhadores de cana-de-

accediluacutecar) possuiacutea um universo homogecircneo natildeo sendo necessaacuterio entrevistar as mulheres de

todas as famiacutelias por isso foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo amostral A regra de

homogeneidade afirma que os documentos analisados devem ser homogecircneos (obedecer a

criteacuterios de escolha) e foi garantida nos criteacuterios de coleta das entrevistas A regra da

pertinecircncia eacute a que considera que o material deve ser adequado como fonte de informaccedilatildeo

Este procedimento foi realizado em cada uma das entrevistas observando os objetivos do

estudo Apoacutes a constituiccedilatildeo do ldquocorpusrdquo foi feita a definiccedilatildeo das Unidades de Registro ou

Nuacutecleos de Sentido (palavras-chaves ou frase que respondiam a pergunta condutora) e as

Unidades de Contexto (paraacutegrafo da entrevista onde se encontrava o nuacutecleo de sentido sendo

delimitada a compreensatildeo do mesmo)

2ordf Exploraccedilatildeo do material correspondeu agrave fase de codificaccedilatildeo para se alcanccedilar as

categorias temaacuteticas (os dados passaram de sua forma bruta para dados organizados) Para isto

foram necessaacuterias leituras exaustivas que permitiram uma descriccedilatildeo das caracteriacutesticas

pertinentes do conteuacutedo No primeiro momento a codificaccedilatildeo buscou encontrar os Nuacutecleos de

Sentido contidos nas Unidades de Contexto agrupando-os por semelhanccedila de significados

No segundo momento foi feita uma confrontaccedilatildeo da codificaccedilatildeo anterior com os Nuacutecleos de

40

Sentido e as Unidades de Contexto no intuito de estabelecer as subcategorias A partir de

todas as subcategorias formadas foi possiacutevel identificar a importacircncia de cada uma

observando a semelhanccedila semacircntica dessas sendo classificadas e agregadas definindo-se as

categorias temaacuteticas A organizaccedilatildeo do material foi realizada em colunas e o pesquisador

pocircde fazer anotaccedilotildees visando compreender as semelhanccedilas e contrastes do tema estudado

3ordf Tratamento dos resultados obtidos e Interpretaccedilatildeo dos depoimentos de posse dos

resultados foi possiacutevel propor inferecircncias e realizar interpretaccedilotildees segundo os objetivos

previstos Esta uacuteltima etapa foi o momento em que as categorias temaacuteticas encontradas foram

distribuiacutedas interpretadas e discutidas levando-se em consideraccedilatildeo os constructos do

referencial teoacuterico

As anaacutelises foram feitas no formato de grelhas utilizando o software Microsoft Office

Word 2007 Um exemplo estaacute no APEcircNCIDE A

26 Aspectos Eacuteticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da Universidade Federal de

Pernambuco (Ndeg 34105) com a finalidade de atender agraves normas regulamentares de pesquisas

envolvendo seres humanos - Resoluccedilatildeo 19696 do Conselho Nacional de Sauacutede (ANEXOA)

Apoacutes a aprovaccedilatildeo do referente comitecirc os dados foram coletados As participantes receberam

informaccedilotildees detalhadas sobre a finalidade e objetivos do estudo e eram questionadas se a

entrevista poderia ser gravada Caso aceitassem assinavam o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) mediante a garantia do sigilo e do anonimato (APEcircNDICE B)

27 Limitaccedilatildeo do estudo

A principal limitaccedilatildeo deste estudo estaacute no fato de se tratar de dados secundaacuterios uma

vez que os mesmos foram coletados em periacuteodo anterior ao mestrado por outros

pesquisadores Assim natildeo foi possiacutevel para a pesquisadora responsaacutevel por este estudo

interagir com as participantes e observar a realiade do local estudado

41

3 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

31 Significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de

trabalhadores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Introduccedilatildeo

A alimentaccedilatildeo adequada eacute um direito inerente a todas as pessoas de ter acesso regular

permanente e irrestrito a alimentos seguros e saudaacuteveis em quantidade e qualidade adequadas

e suficientes correspondentes agraves tradiccedilotildees culturais do seu povo e que garantam uma vida

digna nas dimensotildees fiacutesica e mental individual e coletiva sup1 por isso o seu acesso foi incluiacutedo

como direito previsto no artigo 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal sup2 Esta conquista representou um

avanccedilo na luta pela garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional ao trazer uma visatildeo

ampliada da alimentaccedilatildeo extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica ao considerar os aspectos

sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicos 13

Violaccedilotildees ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada (DHAA) ocorrem quando as

pessoas passam fome satildeo desnutridas perdem a sua cultura eou natildeo tecircm oportunidade de

desenvolver haacutebitos alimentares saudaacuteveis quando lhes satildeo negados o acesso e o usufruto a

suas terras tradicionais desempregadas ou submetidas a subemprego situaccedilotildees que as

expotildeem a inseguranccedila alimentar e nutricional 4

Um dos ambientes mais importantes da alimentaccedilatildeo eacute no contexto familiar Neste

local haacute uma praacutetica cotidiana de distribuiccedilatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia

visando a sua sobrevivecircncia Este costume eacute cercado por uma seacuterie de influecircncias histoacutericas e

socioculturais 56

A Seguranccedila Alimentar Intrafamiliar apenas eacute alcanccedilada quando todos os

membros tecircm acesso regular por meio socialmente aceitaacutevel ao consumo de alimentos em

quantidade suficiente e qualidade adequada 37

Caso contraacuterio torna-se difiacutecil garantir a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional dos indiviacuteduos quando haacute situaccedilotildees no acircmbito domiciliar

que dificultam a realizaccedilatildeo das praacuteticas alimentares saudaacuteveis

Na regiatildeo Nordeste em especial na Zona da Mata uma das principais atividades

econocircmicas eacute a monocultura da cana-de-accediluacutecar A falta uma dinacircmica econocircmica suficiente

para contrabalancear os entraves desta atividade que geram instabilidade financeira para as

famiacutelias da regiatildeo 8910

A condiccedilatildeo socioeconocircmica natildeo eacute o uacutenico determinante para indicar

que uma famiacutelia se encontra em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional e que esta

42

venha a afetar a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos O acesso aos alimentos torna-se mais

difiacutecil quando natildeo se tem dinheiro para compraacute-lo 311

No contexto familiar a mulher tem papel fundamental na alimentaccedilatildeo desde sua

aquisiccedilatildeo preparo e divisatildeo dos alimentos entre os membros da famiacutelia A alimentaccedilatildeo

culturalmente estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo Essa vinculaccedilatildeo acontece ao longo da

existecircncia humana devido agrave divisatildeo sexual do trabalho A mulher tem mais acesso que os

homens agraves informaccedilotildees acerca da alimentaccedilatildeo e tambeacutem atua como mediadora entre os

universos nos quais predominam diversas regras alimentares podendo ser agente

transformador de haacutebitos alimentares Em momentos de escassez de alimentos sua

responsabilidade aumenta e ela vivencia sentimentos diversos frente a esta situaccedilatildeo 12

Diante do papel da mulher na alimentaccedilatildeo o objetivo deste estudo eacute desvelar os

significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores

de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil

Caminho metodoloacutegico

O estudo foi do tipo descritivo e exploratoacuterio conduzido pela abordagem qualitativa

Esta abordagem foi escolhida por oferecer caminhos que buscam os significados das

vivecircncias que satildeo partilhadas culturalmente e desta forma organizam um grupo social em

torno de representaccedilotildees e simbolismos 13

O trabalho foi desenvolvido no municiacutepio de Gameleira-PE situado na Zona da Mata

do Estado de Pernambuco e utilizou os dados secundaacuterios da pesquisa intitulada ldquoVieacutes e

discriminaccedilatildeo na distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasilrdquo que foi composto de uma etapa quantitativa e

outra qualitativa Esta uacuteltima foi objeto deste artigo

No municiacutepio de Gameleira como em toda a Zona da Mata nordestina a cana-de-

accediluacutecar uma lavoura temporaacuteria eacute o produto que ocupa maior espaccedilo territorial com

significacircncia econocircmica mas cujo trabalho eacute mal remunerado Outra caracteriacutestica desta

atividade econocircmica eacute a sazonalidade com liberaccedilatildeo da matildeo de obra na entressafra

proporcionando um quadro de grande instabilidade financeira e de inseguranccedila alimentar e

nutricional 811

A amostra foi intencional e composta por 17 mulheres companheiras de trabalhadores

das lavouras de cana-de-accediluacutecar O seu dimensionamento foi realizado mediante o criteacuterio de

43

saturaccedilatildeo amostral que considera como limite de coleta a repeticcedilatildeo das falas ateacute o ponto de

natildeo surgir novas informaccedilotildees 1314

A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e abril de 2007 periacuteodo de entressafra para o

corte de cana-de-accediluacutecar por meio de entrevista individual conduzida por um roteiro

semiestruturado composto de perguntas fechadas (caracterizaccedilatildeo) e questotildees norteadoras O

que a senhora entende por alimento O que significa os alimentos para sua vida e da sua

famiacutelia Como a senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia Como a senhora se

sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua famiacutelia As entrevistas foram

realizadas no proacuteprio domiciacutelio das mulheres gravadas digitalmente e em seguida transcritas

na iacutentegra

As informaccedilotildees foram submetidas agrave Anaacutelise do Conteuacutedo Temaacutetico proposta por

Bardin (2011) 15

realizada por meio das seguintes fases inicialmente leitura flutuante de

todo o texto para conhecimento das informaccedilotildees em seguida fez-se a constituiccedilatildeo do corpus

momento de organizaccedilatildeo de todo o material analisado de posse do material foram

selecionadas as palavras ou frases que respondiam diretamente agraves questotildees norteadoras

(nuacutecleos de sentido e unidades de contexto) e agrupadas por semelhanccedila de significados para

composiccedilatildeo de subcategorias que por sua vez formaram a base para a construccedilatildeo das

categorias temaacuteticas

As categorias temaacuteticas foram interpretadas agrave luz dos constructos teoacutericos a

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 316

e o Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada 14

e as

influecircncias histoacutericas e socioculturais na formaccedilatildeo das praacuteticas alimentares da famiacutelia

brasileira 5121718

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa em Seres Humanos (CEP)

do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Pernambuco (Ndeg 34105) em

respeito aos preceitos definidos na Resoluccedilatildeo 19696 Para garantir o anonimato cada

participante recebeu um pseudocircnimo

Resultados

Atores do estudo

As mulheres do estudo donas de casa tinham idade entre 22 a 71 anos

predominantemente de cor parda frequentaram escola da rede puacuteblica e com ensino

44

fundamental incompleto A anaacutelise possibilitou o agrupamento dos significados da

distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos em quatro categorias temaacuteticas

Categoria I O alimento como essencial agrave vida

A alimentaccedilatildeo foi compreendida como fundamental para a sobrevivecircncia fonte de

conforto e robustez fiacutesica (sustacircncia) evitando assim que o indiviacuteduo sinta fraqueza e agonia

ldquo (pensando) Eu entendo de alimento que conforta daacute sustacircncia entatildeo se natildeo for o

alimento ningueacutem viverdquo (Camila)

ldquo Comida para sustentar a gente Dar fortidatildeo quando a gente natildeo come fica

fraco E sem comida morrerdquo (Renata)

ldquo se a gente natildeo come dar agonia mas quando a pessoa come a agonia passardquo

(Solange)

Aleacutem de ser importante para sobrevivecircncia a alimentaccedilatildeo foi expressa como uma

condiccedilatildeo para alcanccedilar a sauacutede crescimento e desenvolvimento do indiviacuteduo

ldquo O alimento daacute sauacutede quando come direito dar sauacutede Se natildeo for o alimento a

gente natildeo viverdquo (Vitoacuteria)

ldquo O alimento eacute tudo de bom para o crescimento o desenvolvimento Fortalece a

genterdquo (Fabiana)

As consequecircncias da falta de alimentos foram mencionadas como problemas que iriam

desde as carecircncias nutricionais ateacute a situaccedilatildeo extrema de fome Assim a alimentaccedilatildeo eacute uma

obrigaccedilatildeo em virtude de ser imprescindiacutevel agrave vida

ldquo O alimento no nosso corpo ajuda quando a gente natildeo come eacute ruim fica com

fome desnutrido e quando a gente come eacute outra coisa Aiacute eacute bom Eacute muito importante a

alimentaccedilatildeo porque sem ela a gente natildeo eacute nadardquo (Luciana)

ldquo a gente tem que se alimentar porque uma crianccedila que natildeo chega a se alimentar

pode ficar desnutridardquo (Margarida)

ldquo entendo do alimento eacute que a gente tem que comer para sobreviverrdquo (Fernanda)

O alimento foi considerado diferente em relaccedilatildeo agrave qualidade e as mulheres fizeram

uma distinccedilatildeo entre os que seriam bons e ruins agrave sauacutede De um lado estariam os alimentos

saudaacuteveis (fonte de nutrientes) e de outro os natildeo saudaacuteveis Para esta compreensatildeo

destacaram regras apreendidas e necessidade de condiccedilotildees econocircmicas favoraacuteveis

45

ldquo o alimento o mais saudaacutevel para mim eacute essas comidas eu natildeo gosto muito de

comer besteiras natildeo tipo biscoitos salgadinho Eu sou mais feijatildeo arroz macarratildeo e

cuscuz Essas comidas mais saudaacuteveis tem mais vitamina proteiacutena caacutelciordquo (Liliane)

ldquo de alimento dizem os meacutedicos que eacute bom comer bastante frutas verduras e

bastante aacutegua pra hidratar o corpo se estaacute bem alimentada eacute saudaacutevel Comer na hora

certa fazer as refeiccedilotildees na hora certardquo (Nataacutelia)

ldquo Alimentaccedilatildeo uma faz bem e outra faz mal O alimento eacute bom porque abastece a

gente O pobre natildeo vive sem alimentordquo (Patriacutecia)

ldquo todo alimento desde que a pessoa tenha condiccedilotildees (econocircmicas) eacute vaacutelido Soacute

seguir a regra seguir a alimentaccedilatildeo direitinho Natildeo comer comida oleosa Ovos natildeo pode

comer em quantidaderdquo (Silvana)

ldquo quando chega o inverno aiacute o dinheiro eacute pouco mesmo O que daacute para comprar a

gente compra se natildeo daacute aiacute fica faltandordquo(Renata)

Categoria II Sentimentos ambiacuteguos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio

A disponibilidade do alimento no domiciacutelio gerou tanto sentimentos de felicidade

quanto de tristeza Diante da escassez de alimentos foram observados sentimentos de

desespero conformismo atrelado ao divino mas tambeacutem desejo de mudanccedila e de que o

alimento nunca falte Jaacute a presenccedila dos alimentos foi expressa por todas as mulheres mediante

sentimentos positivos Eacute importante destacar ainda que em uma das falas a falta de alimentos

foi motivo de preocupaccedilatildeo natildeo apenas para a mulher mas tambeacutem para o companheiro (pai)

ldquo Quando tem o alimento na minha casa eu sinto a felicidade Quando o tempo estaacute

mais difiacutecil eu me sinto muito mal muito aperreadardquo (Camila)

ldquo Me sinto assim Deus me deu porque se tenho qualquer coisinha eacute porque Deus

quer Tenho que me conformar boto o que tiver eu boto e eles comem Eu natildeo vou brigar

Eu natildeo vou reclamar a Deus porque natildeo tem a comida para dar aos meninos Tem que ficar

na minha Agradecer a Deus que tenho pouco e nos outros dias ele vai me dar mais quando

eu posso comer melhor quando natildeo posso eacute assim mesmordquo (Mariana)

ldquo Quando tem o alimento em casa eu fico feliz por ter meus filhos pedindo e eu ter

de onde tirar para dar a eles quando estaacute mais difiacutecil a cabeccedila comeccedila a esquentar

chega o momento de pedir e eu olhar para o armaacuterio e natildeo ter nada Aiacute tanto aumenta o meu

desespero como o do pai deles Na cabeccedila soacute peccedilo conforto a Deus que abra algum caminho

46

um trabalho que decirc pra sair algum alimento a gente grande daacute para se segurar mas eles

pequenos a gente fica pensandordquo (Fabiana)

ldquo espero que nunca falte que nunca falte o alimento para nossa casa No tempo

mais difiacutecil a gente natildeo acha bom sem eu desejo que nunca falterdquo (Paula)

Categoria III A disponibilidade de alimentos e as atribuiccedilotildees do homem e da mulher

interferindo na partilha

A quantidade de alimentos distribuiacuteda entre os membros da famiacutelia variava conforme a

disponibilidade no domiciacutelio Neste sentido se a quantidade presente era insuficiente para

todos os membros da famiacutelia a mulher economizava durante a partilha para que nenhum deles

ficasse sem a comida e se possiacutevel ainda sobrasse para uma refeiccedilatildeo futura

ldquo eu parto certinho cada um no seu pratinho para dar para durar os quinze dias

tem um fubaacute (pacote) eu sei aqui tem oito pessoas e um fubaacute natildeo estaacute com nada mas se soacute

tiver uma fubaacute eu vou partir para duas vezes se derrdquo (Paloma)

ldquo Se for macarratildeo se tiver cinco pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as

cinco Se tiver seis pessoas eu divido um pacote de macarratildeo para as seis Se for um quilo de

feijatildeo eu divido para hoje e amanhatilderdquo(Camila)

As mulheres entendiam que a alimentaccedilatildeo era de sua atribuiccedilatildeo e dessa maneira se

sentiam competentes quando realizavam as praacuteticas alimentares Para elas o homem era o

provedor financeiro da famiacutelia e o desperdiacutecio de alimentos teria que ser evitado para que seu

trabalho fosse valorizado natildeo desmerecendo o seu esforccedilo

ldquo E eu como a dona da casa matildee deveria colocar a comida dos filhos eu devia

colocar laacute todos os pratos colocar o arroz o feijatildeo em um canto a carne em outro ou

colocar tudordquo (Patriacutecia)

ldquo Eu sinto que o pai deles sua muito para ganhar o dinheiro para comprar comida

e se colocar aquele total e eles natildeo comerem vai ser um desperdiacutecio ele trabalhou em vatildeo

(Fabiana)

Categoria IV Iniquidades sociais no contexto da partilha dos alimentos

Em momentos de escassez de alimentos foi possiacutevel verificar iniquidades na

distribuiccedilatildeo de alimentos Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo da alimentaccedilatildeo dos filhos e do

47

homem em detrimento das mulheres Este uacuteltimo por trabalhar necessitaria de maiores

quantidades de alimentos

ldquo Agraves vezes ela (mulher) fica sem comer e daacute aos filhos pra natildeo os ver passando

fome a matildee de famiacutelia faz assim tenho prazer de encher a barriga do filho embora natildeo

tenha o que colocar na minha bocardquo (Mariana)

ldquo Eu divido porque eacute um soacute para oito bocas um soacute para trabalhar tem que ser

pouquinho e se natildeo der para tudinho eu ainda dou o meu e fico sem nadardquo (Ana)

ldquo jaacute ele (companheiro) no caso eu coloco uma quantidade maior porque ele

trabalha pega de 6 horas da manhatilde ateacute 6 horas da noite Coitado O mais cedo que ele chega

aqui eacute como ele chegou ontem agraves 3 horas da tarde Mas veja se ele natildeo levar comida

suficiente ele cai de fome E meu marido natildeo pode sentir fome natildeo porque ele adoece

(risos)rdquo (Silvana)

As mulheres distinguiam entre alimentaccedilatildeo de pobres e ricos ao ponto de alguns

alimentos saudaacuteveis tais como feijatildeo fubaacute e arroz natildeo serem considerados bons porque eram

de ldquopobrerdquo Diante de sua condiccedilatildeo a mulher pobre pensava na falta de alimentos e

comparava sua vida com a de pessoas ricas que natildeo passavam por tal privaccedilatildeo

ldquo pra cada um eu vou botando um pouco a gente tem que fazer assim porque a

gente eacute pobrerdquo (Camila)

ldquo eu como feijatildeo farinha fubaacute eacute comer de pobre Um arroz um macarratildeo um

pedacinho de charque uma mortadela eacute comida que a gente come Agraves vezes uma bolacha

um cafeacute um patildeo pode o pobre comer coisa boardquo (Mariana)

ldquo Eu fico alegre porque tem aquele pouquinho Falta mesmo dentro de casa

porque somos pobres Aiacute falta aiacute tem vez que se acaba assim dia de sexta-feira porque natildeo

faltam as coisas na casa do rico mas na casa do pobre sempre faltardquo (Neusa)

Discussatildeo

O significado de alimentaccedilatildeo para as mulheres deste estudo era centrado na sobrevivecircncia

e nos seus benefiacutecios para o corpo questotildees relacionadas ao aspecto bioloacutegico tais como

proporcionar crescimento desenvolvimento e sauacutede Neste sentido a compreensatildeo das

mulheres estava focada em uma das dimensotildees da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

deixando por vezes de considerar as implicaccedilotildees sociais econocircmicos culturais e psicoloacutegicas

13

48

A alimentaccedilatildeo sob o ponto de vista bioloacutegico deve satisfazer agraves necessidades nutricionais

dos indiviacuteduos 14

Este significado parece estar relacionado diretamente agrave precaacuteria condiccedilatildeo

de vida da populaccedilatildeo estudada na qual o atendimento agrave necessidade alimentar como

sobrevivecircncia foi prioritaacuterio diante dos demais aspectos da alimentaccedilatildeo ao ponto de ter sido

colocada como uma obrigaccedilatildeo de vida Esta tendecircncia de priorizaccedilatildeo dos aspectos bioloacutegicos

jaacute era observada desde o periacuteodo colonial do Brasil Naquela eacutepoca a incorporaccedilatildeo de novas

praacuteticas alimentares surgiu devido agrave necessidade de sobrevivecircncia do que aos fatores

socioculturais Ao chegar no Brasil os colonizadores portugueses foram obrigados a

modificar os seus haacutebitos alimentares adaptando-os agraves condiccedilotildees locais (geograacuteficas

climaacuteticas fauna flora) pois muitos alimentos europeus natildeo eram encontrados Sendo assim

houve a necessidade de incorporar haacutebitos indiacutegenas e posteriormente africanos com o

intuito de manter a vida 1819

A escassez de alimentos que atingia adultos e crianccedilas tambeacutem mencionada nas falas das

mulheres configurava-se em uma situaccedilatildeo de extrema inseguranccedila alimentar e nutricional

trazendo consequecircncias agrave sauacutede do indiviacuteduo como carecircncias nutricionais e talvez a morte

pela fome Diante da essencialidade da alimentaccedilatildeo para a vida a natildeo realizaccedilatildeo deste direito

significa negar o que haacute de mais baacutesico entre todos os direitos que eacute o Direito Humano agrave

Alimentaccedilatildeo Adequada garantido constitucionalmente no Brasil Quando as famiacutelias se

encontram em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar e nutricional eacute provaacutevel que todos os demais

direitos natildeo estejam sendo garantidos 12021

A importacircncia da alimentaccedilatildeo para a vida tambeacutem pocircde ser observada quando as

mulheres distinguiram alimentos saudaacuteveis de natildeo saudaacuteveis mostrando a preocupaccedilatildeo com a

qualidade da alimentaccedilatildeo para obtenccedilatildeo da sauacutede O conhecimento delas envolveram regras

que tecircm suas bases em fundamentos empiacutericos e cientiacuteficos e satildeo propagadas a toda a

populaccedilatildeo atraveacutes de geraccedilotildees Isto corrobora que natildeo eacute a falta de conhecimento da populaccedilatildeo

pobre que impede a realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo adequada mas sua condiccedilatildeo

socioeconocircmica 12

Houve uma tendecircncia agrave priorizaccedilatildeo de alimentos que ldquoenchem a barrigardquo

os quais satildeo mais baratos e em sua maioria compostos de carboidratos simples e gorduras

saturadas

Ainda na mesma loacutegica para a populaccedilatildeo pobre a escolha dos alimentos natildeo seria

baseada no seu valor nutricional mas no fato destes proporcionarem uma sensaccedilatildeo de

saciedade 1217

As diferenccedilas socioculturais fazem com que cada sociedade atribua

significados peculiares aos alimentos elencando aqueles que satildeo bons ou natildeo para o

consumo Historicamente no Brasil os alimentos vegetais eram entendidos como

49

complementares natildeo sendo priorizados na alimentaccedilatildeo Alguns alimentos baacutesicos por sua

vez como feijatildeo farinha e carnes consumidos desde os antepassados permaneceram na

alimentaccedilatildeo cotidiana como haacutebitos atuais 5 A farinha de mandioca que era inicialmente

acompanhado pelo feijatildeo foi substituiacuteda pelo arroz no seacuteculo XVIII formando o habitual

feijatildeo com arroz 22

Atualmente um novo padratildeo alimentar estaacute se delineando no Brasil com

prejuiacutezos dos produtos da dieta tradicional do povo A populaccedilatildeo rural e mais pobre tende a

seguir este padratildeo em virtude destes alimentos serem de baixo custo 1223

No local de realizaccedilatildeo da pesquisa a Zona da Mata Pernambucana a baixa condiccedilatildeo

socioeconocircmica afetou a alimentaccedilatildeo familiar uma vez que tornava mais difiacutecil agrave aquisiccedilatildeo

de alimentos Desde a eacutepoca colonial a regiatildeo tem suas bases econocircmicas na monocultura da

cana-de-accediluacutecar com falta de diversidade produtiva Esta situaccedilatildeo eacute agravada na entressafra

accedilucareira quando cessa a produccedilatildeo e grande parcela dos trabalhadores eacute dispensada ficando

desempregada Neste periacuteodo o incentivo agrave agricultura familiar em que os trabalhadores

conduzem o processo produtivo com ecircnfase na diversificaccedilatildeo poderia ser uma estrateacutegia de

complementaccedilatildeo do trabalho assalariado 24

A valorizaccedilatildeo da monocultura em detrimento de

outros produtos eacute uma praacutetica comum na histoacuteria do Brasil uma situaccedilatildeo que sempre trouxe

problemas agrave realizaccedilatildeo de uma alimentaccedilatildeo familiar de qualidade favorecendo a manutenccedilatildeo

das iniquidades sociais 18

Este modelo econocircmico dificulta a garantia da Seguranccedila

Alimentar e Nutricional trazendo problemas de sauacutede e nutriccedilatildeo para as famiacutelias que ali

habitam 8

Diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio as mulheres ficaram sensibilizadas e

vivenciaram sentimentos ambiacuteguos De um lado a felicidade quando o alimento estava

presente e do outro a tristeza quando o alimento estava ausente O mal estar social e

psicoloacutegico gerado pela falta de alimentos natildeo atingiu apenas as mulheres se estendia

tambeacutem aos homens De acordo com os trecircs niacuteveis de inseguranccedila alimentar (leve moderada

e grave) descrito na Escala Brasileira de Inseguranccedila Alimentar (EBIA) 20

eacute possiacutevel perceber

que as famiacutelias das mulheres entrevistadas vivenciaram inseguranccedila alimentar e nutricional

em todos os niacuteveis Na classificaccedilatildeo da EBIA eacute considerado desde a preocupaccedilatildeo de que

possa faltar o alimento (inseguranccedila leve) restriccedilatildeo quantitativa na alimentaccedilatildeo dos adultos e

da famiacutelia (inseguranccedila moderada) ateacute a deficiecircncia quantitativa e fome entre adultos e

crianccedilas da famiacutelia (inseguranccedila grave) A percepccedilatildeo da Seguranccedila Alimentar e Nutricional

para algumas famiacutelias estava centrada nas possibilidades diaacuterias e natildeo nas possiacuteveis

perspectivas a longo prazo Apenas a evidecircncia de sentimentos negativos pela falta de

alimento jaacute caracterizava um quadro de inseguranccedila alimentar e nutricional leve

50

As mulheres tambeacutem vivenciavam o sentimento de desespero diante da possibilidade da

ausecircncia do alimento para os filhos implicando em um niacutevel de inseguranccedila alimentar grave

Em uma das falas a mulher referiu que este sentimento tambeacutem era partilhado pelo

companheiro Para algumas mulheres esta situaccedilatildeo gerou um desejo de mudanccedila por

intermeacutedio do trabalho enquanto para outras um sentimento de conformismo e atribuiccedilatildeo agrave

vontade divina de sua condiccedilatildeo de vida Neste cenaacuterio a falta do alimento ultrapassou a

questatildeo bioloacutegica refletindo numa dimensatildeo psicoloacutegica social e cultural 25

Em uma casa

pode faltar quase tudo menos o alimento e mesmo quando os recursos financeiros satildeo

escassos a alimentaccedilatildeo precisa ser mantida 26

Neste contexto a partilha de alimentos na famiacutelia apareceu como uma das formas mais

importantes para se adaptar agrave escassez alimentar A mulher realizava a distribuiccedilatildeo

intrafamiliar de alimentos de acordo com a sua disponibilidade no domiciacutelio O objetivo era o

de alimentar a todos e ainda se possiacutevel que o alimento fosse economizado para as futuras

refeiccedilotildees Somado aos problemas econocircmicos que dificultavam o acesso agrave alimentaccedilatildeo

tinham-se as situaccedilotildees de iniquidade e discriminaccedilatildeo que afetavam a distribuiccedilatildeo intrafamiliar

de alimentos 31027

Nas falas de algumas mulheres ficou evidente a divisatildeo de atribuiccedilotildees de homens e

mulheres ele de provedor financeiro e ela de dona de casa que deveria cuidar do lar e dos

filhos Esta divisatildeo de trabalhos entre homens e mulheres faz com que estes assumam papeacuteis

desiguais Se por um lado o mercado de trabalho a esfera puacuteblica eacute designado historicamente

e socialmente ao homem a missatildeo e responsabilidade do trabalho reprodutivo na esfera

privada satildeo delegadas agrave mulher 2829

As origens dessa construccedilatildeo emergiram das relaccedilotildees

hieraacuterquicas patriarcalistas com desigualdades que reforccedilam a dominaccedilatildeo do homem sobre a

mulher existente ateacute hoje O que eacute atributo de cada sexo eacute adquirido socialmente por meio das

relaccedilotildees intrafamiliares e interpessoais e se reproduz de acordo com o que estaacute posto

culturalmente 29

Desde o iniacutecio da humanidade a alimentaccedilatildeo estaacute associada ao afeto e agrave proteccedilatildeo e o

seu preparo diretamente ligado agrave mulher Na divisatildeo de tarefas em geral cabe a ela preparar

as refeiccedilotildees atividade que por ser uma atribuiccedilatildeo domeacutestica muitas vezes eacute considerada

menos digna do que o trabalho do homem 121730

Nas praacuteticas alimentares eacute a mulher que

exerce sua autoridade e controle mas cujas condiccedilotildees satildeo determinadas dentro das

possibilidades do trabalho do homem Assim a definiccedilatildeo do que iraacute compor e como seraacute feita

a distribuiccedilatildeo dos alimentos vai depender das condiccedilotildees econocircmicas que o trabalho do

homem proporcione para aquisiccedilatildeo dos gecircneros alimentiacutecios 17

Esta situaccedilatildeo reflete as

51

representaccedilotildees que cercam a alimentaccedilatildeo na famiacutelia e que definem tambeacutem hierarquias no

domiciacutelio

No ambiente rural cenaacuterio deste estudo a responsabilidade da mulher era ainda maior

pois aleacutem de preparar e definir o cardaacutepio ela tinha a funccedilatildeo de distribuir o que seria

consumido pela famiacutelia determinando as quantidades a serem servidas entre os seus

membros Esta atribuiccedilatildeo estava fortemente relacionada agraves questotildees culturais de modo que a

mulher se julgava competente ou natildeo como administradora do lar mediante a realizaccedilatildeo da

praacutetica da distribuiccedilatildeo intrafamiliar de alimentos

Nas falas das mulheres foi possiacutevel perceber situaccedilotildees em que houve priorizaccedilatildeo da

alimentaccedilatildeo do companheiro ou dos filhos em detrimento da sua Isto foi uma praacutetica natural

mas que expressava uma situaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo que natildeo era adequada para a sauacutede delas

Em populaccedilotildees de baixa renda eacute comum a conduta feminina de reservar uma grande ou a

melhor parte dos alimentos que preparam para os maridos Os homens em geral recebiam

maiores quantidades de alimentos que poderia ser justificaacuteveis pelas suas maiores

necessidades nutricionais Por outro lado mesmo possuindo necessidades nutricionais

menores mulheres e crianccedilas necessitam consumir alimentos em quantidade suficiente para

atender suas demandas bioloacutegicas Um dos motivos que poderia explicar maior quantidade de

alimentos recebida pelo homem estaria no fato deste ser quase sempre o responsaacutevel

exclusivo pelo sustento da famiacutelia Se ele natildeo se alimentasse bem natildeo teria condiccedilotildees para

trabalhar e consequentemente faltaria alimento para toda a famiacutelia A tendecircncia de

priorizaccedilatildeo do homem na alimentaccedilatildeo aleacutem de uma questatildeo sociocultural seria tambeacutem fruto

da necessidade de sobrevivecircncia da espeacutecie humana 1227

A praacutetica alimentar se relaciona ainda com a construccedilatildeo da identidade social do

indiviacuteduo Neste estudo algumas falas expressaram distinccedilatildeo entre alimentaccedilatildeo realizada por

indiviacuteduos pobres e ricos Por este acircmbito percebe-se que a comida era utilizada como uma

categoria mediante a qual os pobres pensavam sua relaccedilatildeo com os ldquoricosrdquo ou pessoas que natildeo

enfrentavam escassez alimentar A alimentaccedilatildeo tambeacutem atribui status social aos indiviacuteduos

estabelecendo fronteiras entre as classes socioeconocircmicas 1231

A alimentaccedilatildeo colocada como

hierarquizaccedilatildeo social decorre desde o descobrimento do Brasil Nesta eacutepoca a influecircncia

eacutetnica jaacute estabelecia um quadro de desigualdades e conflitos quando o portuguecircs branco

colonizador instaurou a hierarquia com a escravidatildeo inicialmente do iacutendio e posteriormente

do negro que refletiram em praacuteticas alimentares distintas em cada grupo social 1822

52

Consideraccedilotildees finais

As vivecircncias das mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar em relaccedilatildeo agrave

alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar fizeram emergir significados pautados nos

aspectos bioloacutegicos psicoloacutegicos histoacutericos e socioculturais A importacircncia dos alimentos

para a existecircncia humana enfatiza os seus aspectos bioloacutegicos enquanto que a priorizaccedilatildeo do

homem e das crianccedilas na partilha de alimentos e as iniquidades sociais com distinccedilatildeo de

alimentos entre ricos e pobres perpassam pelas questotildees histoacutericas e socioculturais Os

sentimentos dicotocircmicos diante da disponibilidade de alimentos no domiciacutelio por sua vez

refletem uma dimensatildeo psicoloacutegica da alimentaccedilatildeo Todos estes significados se relacionam a

diferentes situaccedilotildees de inseguranccedila alimentar e nutricional desta populaccedilatildeo

Faz-se necessaacuterio monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave

violaccedilatildeo do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo das famiacutelias dos

agricultores de cana-de-accediluacutecar do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e

Nutricional Dessa forma eacute fundamental desenvolver poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que

proporcionem alternativas econocircmicas principalmente no periacuteodo da entressafra da cana-de-

accediluacutecar que venham a proporcionar uma melhoria da sua sauacutede nutriccedilatildeo e alimentaccedilatildeo

Referecircncias

1 Brasil Decreto Nordm 7272 de 25 de agosto de 2010 Regulamenta a Lei Nordm 11346 de

15 de setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional ndash SISAN com vistas a assegurar o direito humano agrave alimentaccedilatildeo adequada

institui a Poliacutetica Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional ndash PNSAN

estabelece os paracircmetros para a elaboraccedilatildeo do Plano Nacional de Seguranccedila Alimentar

e Nutricional e daacute outras providecircncias Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2010 26 ago

2 Brasil Constituiccedilatildeo (1988) Emenda constitucional nordm 64 de 4 de fevereiro de 2010

Altera a art 6ordm da Constituiccedilatildeo Federal para introduzir a alimentaccedilatildeo como direito

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6 Arsenault JE Yakes EA Islam MM Hossain MB Ahmed T Hotz C Lewis B

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7 Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de Seguranccedila

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10 Cavalcanti DS Vasconcelos PN Muniz VM Santos NFS Osoacuterio MM Consumo de

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alimentar e estado nutricional de crianccedilas de Gameleira zona da mata do Nordeste

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12 Romanelli G O significado da alimentaccedilatildeo na famiacutelia uma visatildeo antropoloacutegica

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13 Minayo MCS O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em Sauacutede Satildeo Paulo

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14 Minayo MCS Ciecircncia Teacutecnica e Arte O desafio da pesquisa social In Minayo

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Petroacutepolis Vozes 2009 p 48

15 Bardin L Anaacutelise de Conteuacutedo Lisboa Ediccedilotildees 70 2011 p 121-133 145-148

54

16 Brasil Conselho Nacional de Seguranccedila Alimentar e Nutricional II Conferecircncia de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional [documento final] Conselho Nacional de

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2004

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15Out2014)

17 Woortmann K A Comida a Famiacutelia e a Construccedilatildeo do Gecircnero feminino Revista de

Ciecircncias Sociais 1986 29 103-130

18 Freyre G Casa-grande amp senzala formaccedilatildeo da famiacutelia brasileira sob o regime da

economia patriarcal Satildeo Paulo Global 2003 p 64-497

19 Santos CFM Motta LT Gonccedilalves JH Estrateacutegias e adaptabilidade alimentares na

Ameacuterica portuguesa do seacuteculo XVIII alguns casos monccediloeiros Diaacutelogos

DHIPPHUEM 2010 14 273-286

20 Segall-Correcirca AM Inseguranccedila alimentar medida a partir da percepccedilatildeo das pessoas

Estudos Avanccedilados 2007 21 143154

21 Oliveira JS Lira PIC Osoacuterio MM Sequeira LAS Costa EC Gonccedilalves FCLSP Filho

MB Anemia hipovitaminose A e inseguranccedila alimentar em crianccedilas de municiacutepios de

Baixo Iacutendice de Desenvolvimento Humano do Nordeste do Brasil Rev Bras

Epidemiol 2010 13 651-664

22 Maciel ME Uma cozinha agrave brasileira Estudos Histoacutericos 2004 33 25-39

23 Levy RB Claro RM Mondini L Sichieri R Monteiro CA Distribuiccedilatildeo regional e

socioeconocircmica da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil em 2008-2009

Rev Sauacutede Puacuteblica 2012 46 6-15

24 Brasil Lei nordm 11326 de 24 de julho de 2006 Estabelece as diretrizes para a

formulaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos

Familiares Rurais Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 2006 24 jul

25 Sampaio MFA Kepple AW Segall-Correcirca AM Oliveira JTA Maranha LK Marin-

Leon L Bergamasco SMPP Perez-Escamilla R (In) Seguranccedila Alimentar

experiecircncia de grupos focais com populaccedilotildees rurais do estado de Satildeo Paulo Rev

Seguranccedila Alimentar e Nutricional 2006 13 64-77

26 Freitas MCS Uma abordagem fenomenoloacutegica da fome Rev Nutr 2002 15 53-69

27 Ndiku M Jaceldo-Siegl K Singh P Sabateacute J Gender inequality in food intake and

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55

28 Colling AM Gecircnero e histoacuteria Um diaacutelogo possiacutevel Contexto e Educaccedilatildeo 2004

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29 Santana AM de Mulher mantenedorahomem chefe de famiacutelia uma questatildeo de gecircnero

e poder Itabaina GEPIADDE 2010 4 71-87

30 Oliveira NRF Vela HAG Escolhas alimentares decisotildees culturais a mulher define o

que vai pra mesa Fazendo gecircnero ndash Corpo violecircncia e poder 2008

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31 Poulain J Proenccedila RPC O espaccedilo social alimentar um instrumento para o estudo dos

modelos alimentares Rev Nutr Campinas 2003 16 245-256

56

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao teacutermino deste estudo buscando desvelar os significados dos alimentos e de sua

distribuiccedilatildeo intrafamiliar para mulheres de trabalhadores de cana-de-accediluacutecar foi possiacutevel

reafirmar a importacircncia do ambiente familiar nas praacuteticas alimentares e da mulher como

figura central neste processo O ambiente familiar se mostrou um terreno feacutertil quando se

deseja estudar a alimentaccedilatildeo pois nele satildeo realizadas praacuteticas cotidianas que visam atender a

dimensatildeo individual e tambeacutem coletiva (demandas nutricionais e representaccedilotildees sociais) e as

mulheres por sua vez continuam como figura central em diversos processos da alimentaccedilatildeo

com destaque para o preparo e a distribuiccedilatildeo atribuiccedilotildees que lhes satildeo delegadas haacute seacuteculos

pela sociedade

As metodologias de pesquisa e anaacutelise dos dados foram adequadas para atender o

objetivo do estudo ampliando a compreensatildeo sobre alimentaccedilatildeo e sua distribuiccedilatildeo

intrafamiliar principalmente no que se refere agraves vivecircncias e sentimentos das mulheres

estudadas Esta eacute uma das vantagens da metodologia qualitativa que permite entender

fenocircmenos expressos mais por sua complexidade interna do que por sua expressatildeo

quantitativa

Durante a anaacutelise dos dados foi visto que as mulheres priorizaram o aspecto bioloacutegico

da alimentaccedilatildeo provavelmente na tentativa de mostrar a importacircncia desta para a vida

humana sendo inaceitaacutevel a sua falta Elas natildeo estavam cientes de que a alimentaccedilatildeo eacute um

direito garantido constitucional e por vezes declaravam situaccedilotildees de conformismo diante da

inseguranccedila alimentar e nutricional Neste sentido considerando a necessidade e por que natildeo

dizer obrigatoriedade de alimentar-se a natildeo realizaccedilatildeo deste direito por estas famiacutelias

representou uma violaccedilatildeo ao Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada

As iniquidades sociais ali vivenciadas se relacionavam diretamente com as condiccedilotildees

econocircmicas precaacuterias da regiatildeo em grande parte devido ao predomiacutenio histoacuterico da

monocultura da cana-de-accediluacutecar que contribui para a manutenccedilatildeo das desigualdades sociais ao

longo dos seacuteculos O relato de algumas mulheres de que eram necessaacuterias condiccedilotildees

econocircmicas favoraacuteveis para se ter uma alimentaccedilatildeo adequada mostra explicitamente que estas

refletiam nas praacuteticas alimentares das famiacutelias incluindo a distribuiccedilatildeo intrafamiliar de

alimentos

Os aspectos culturais tambeacutem exerciam forte influecircncia durante a partilha de alimentos

destas famiacutelias resultando em iniquidades na distribuiccedilatildeo de alimentos entre os membros As

principais causas destas iniquidades se relacionavam agraves atribuiccedilotildees de homens e mulheres

57

Tambeacutem eram presentes regras baseadas em conhecimentos adquiridos atraveacutes das geraccedilotildees e

que faziam com que determinados alimentos fossem mais consumidos com priorizaccedilatildeo

daqueles que proporcionavam maior saciedade independente de seu valor nutricional Assim

foi reforccedilada a importacircncia de compreender a histoacuteria e cultura de uma regiatildeo quando se

pretende promover estrateacutegias eficientes e eficazes de garantia da Seguranccedila Alimentar e

Nutricional

Sentimentos de tristeza e preocupaccedilatildeo foram amplamente explicitados agrave medida que a

alimentaccedilatildeo era incerta por outro lado a presenccedila do alimento surgia como algo positivo e

motivo de felicidade Por isso surge ainda a necessidade de compreender a dimensatildeo

subjetiva da alimentaccedilatildeo uma vez que os indiviacuteduos devem ser vistos em sua totalidade

extrapolando a dimensatildeo bioloacutegica Neste sentido as accedilotildees governamentais devem visar

extinguir natildeo apenas a inseguranccedila alimentar moderada ou grave em que jaacute haacute a falta de

alimentos na famiacutelia mas tambeacutem seu grau mais leve caracterizado pela incerteza da

alimentaccedilatildeo num futuro proacuteximo

Assim eacute necessaacuterio criar poliacuteticas puacuteblicas intersetoriais que promovam alternativas

econocircmicas principalmente nos periacuteodos de entressafra no intuito de que os habitantes locais

obtenham melhores condiccedilotildees de sauacutede alimentaccedilatildeo e nutriccedilatildeo As estrateacutegias devem ser

estruturais uma vez que os problemas satildeo recorrentes e carecem de intervenccedilotildees mais

complexas Aleacutem disso monitorar e avaliar grupos populacionais mais vulneraacuteveis agrave violaccedilatildeo

do Direito Humano agrave Alimentaccedilatildeo Adequada a exemplo dos agricultores de cana-de-accediluacutecar

do Nordeste do Brasil garantindo a sua Seguranccedila Alimentar e Nutricional no niacutevel familiar e

individual

Os dados aqui encontrados podem ser utilizados na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de

garantia da Seguranccedila Alimentar e Nutricional para os habitantes desta regiatildeo Espera-se

ainda que em populaccedilotildees marginalizadas que vivem em precaacuterias condiccedilotildees socioeconocircmicas

os significados dos alimentos e de sua distribuiccedilatildeo intrafamiliar sejam semelhantes aos da

Zona da Mata Pernambucana Considerando as diferentes influecircncias histoacutericas sociais e

culturais nas regiotildees do Brasil seria necessaacuterio pesquisar e analisar em que satildeo convergentes

ou divergentes das informaccedilotildees encontradas nesta pesquisa mediante novos estudos

58

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64

APEcircNDICE A ndash Roteiro da Entrevista

ROTEIRO DA ENTREVISTA

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Nome___________________________________________________ Data ____________

Nordm roteiro____ Horaacuterio de iniacutecio da entrevista_______h Teacutermino da entrevista _______h

Entrevistada Mulher do trabalhador canavieiro

1 Idade __ __ (anos)

2 Cor (auto referida) ( ) branca ( ) negra ( ) parda ( ) outra _____________________

3 Frequentou escola (especificar entre puacuteblica ou privada) ( ) sim _________ ( ) natildeo

4 Escolaridade especificar

a) Educaccedilatildeo infantil ___________________________________________________

b) Ensino fundamental I________________________________________________

c) Ensino fundamental II_______________________________________________

d) Ensino meacutedio______________________________________________________

5 Trabalha atualmente (se sim especificar) ( ) sim ____________________ ( ) natildeo

Questotildees norteadoras

1 O que agrave senhora entende por alimento

2 O que significa os alimentos para sua vida e da sua famiacutelia

3 Como agrave senhora divide e distribui os alimentos na sua famiacutelia

4 Como agrave senhora se sente quando distribui os alimentos entre os membros de sua

famiacutelia

Projeto Distribuiccedilatildeo Intrafamiliar de Alimentos estudo de uma populaccedilatildeo de

trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil

65

APEcircNDICE B ndash Grelhas

66

67

68

69

70

71

ANEXO A ndash Parecer do Comitecirc de Eacutetica

72

APEcircNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

DEPARTAMENTO DE NUTRICcedilAtildeO

NOME DA PESQUISA DISTRIBUICcedilAtildeO INTRAFAMILIAR DE ALIMENTOS ESTUDO DE

UMA POPULACcedilAtildeO DE TRABALHADORES RURAIS NO NORDESTE DO BRASIL

LOCAL DO ESTUDO AacuteREA RURAL DO MUNICIacutePIO DE GAMELEIRA

PESQUISADOR Mocircnica Maria Osoacuterio e Cristianne Martins F Fidelis

Endereccedilo Departamento de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal de Pernambuco

Av Prof Moraes Rego SN Recife-PE CEP 50670-901 fone2126 8471

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Solicitamos ao senhor (a senhora) a sua participaccedilatildeo na amostra desta pesquisa O objetivo eacute avaliar o consumo alimentar e o estado nutricional de todos os membros da famiacutelia Haveraacute um pesquisador durante 3 dias na sua casa para a pesagem dos alimentos consumidos por cada membro da famiacutelia Aleacutem disso haveraacute a mediccedilatildeo de peso e altura a coleta de sangue para exame laboratorial e entrevista sobre as condiccedilotildees de vida e de sauacutede da famiacutelia com registro de informaccedilotildees em nossos formulaacuterios

Um(a) outro(a) pesquisador(a) passaraacute na casa do senhor(a) vaacuterias vezes para conduzir entrevistas e ter conversas informais com a pessoa responsaacutevel pela preparaccedilatildeo dos alimentos para conhecer mais a fundo as praacuteticas alimentares dentro da casa

Esperamos com esta pesquisa entender melhor a nutriccedilatildeo desta populaccedilatildeo Natildeo existiraacute risco nenhum com sua participaccedilatildeo na pesquisa

O nome do Sr(a) natildeo apareceraacute em nenhum momento do estudo e as entrevistas seratildeo conduzidas em privacidade tambeacutem para evitar incocircmodo A famiacutelia beneficiar-se-aacute com informaccedilotildees do seu estado de sauacutede e com as devidas orientaccedilotildees em casos necessitados de tratamento

A participaccedilatildeo do Sr(a) eacute muito importante mas eacute voluntaacuteria podendo recusar-se a participar ou suspender a participaccedilatildeo a qualquer momento da pesquisa e todas as suas duacutevidas seratildeo respondidas

Li e entendi todas as informaccedilotildees deste estudo assim como todas as minhas duacutevidas foram esclarecidas

e respondidas satisfatoriamente Dou livremente meu consentimento para participar na sub-amostra ateacute

decisatildeo ao contraacuterio

Recife ____ de _________________________de 2007

Nome do Pesquisador _______________________ Assinatura do pesquisador_________________________

Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ______________________

Nuacutemero de identificaccedilatildeo do entrevistado __________

Nome da testemunha______________________ Assinatura da testemunha __________________________

Nome da testemunha _______________________ Assinatura da testemunha __________________________

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