Silêncio Da Parte Exequente Não Dá Ao Juiz Direito de Extinguir a Dívida

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Apelação Cível n. 2010.028396-6, de Lages Relator: Des. Gilberto Gomes de Oliveira EXECUÇÃO. ACORDO REALIZADO PELAS PARTES. INTIMADA, CAUSÍDICA POSTULOU INTIMAÇÃO PESSOAL DA EXEQUENTE PARA SE MANIFESTAR SOBRE A QUITAÇÃO. JUIZ QUE, DIANTE DO SILÊNCIO, EXTINGUE A EXECUÇÃO, PELO PAGAMENTO. PRESUNÇÃO DE QUITAÇÃO DECORRENTE DO SILÊNCIO. EFEITO QUE A LEI NÃO EMPRESTA. SENTENÇA CASSADA. PEDIDO DE FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS PREJUDICADO. O silêncio processual da parte que é intimada para falar acerca do cumprimento, ou não, da obrigação, não tem o condão de extingui-la, posto que a lei não lhe confere este efeito patrimonial. O silêncio somente produz efeito quando a lei assim o prevê ou quando das circunstâncias e os usos autorizarem, não assim quando a manifestação expressa seja imprescindível, como no caso de quitação. Interpretar-se o art. 111 do Código Civil, no sentido de reconhecer o pagamento no silêncio da parte, seria dar um passo largo demais, que a interpretação sistêmica do nosso conjunto de normas jurídicas, por certo, repudia. Se para a extinção da execução por inércia da parte é imprescindível a sua prévia intimação pessoal, assoma a maior relevo a intimação pessoal prévia quando se tratar de extinção pelo pagamento. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA, PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível 2010.028396-6, da comarca de Lages (Vara da Família), em que é apelante C. de O. M., e apelado L. F. M. M.: ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, à unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nesta, dar-lhe provimento a fim de cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à comarca de origem para dar andamento à execução, nos termos do voto do relator. Custas legais.

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Apelação Cível n. 2010.028396-6, de LagesRelator: Des. Gilberto Gomes de Oliveira

EXECUÇÃO. ACORDO REALIZADO PELAS PARTES.INTIMADA, CAUSÍDICA POSTULOU INTIMAÇÃO PESSOAL DAEXEQUENTE PARA SE MANIFESTAR SOBRE A QUITAÇÃO.JUIZ QUE, DIANTE DO SILÊNCIO, EXTINGUE A EXECUÇÃO,PELO PAGAMENTO. PRESUNÇÃO DE QUITAÇÃODECORRENTE DO SILÊNCIO. EFEITO QUE A LEI NÃOEMPRESTA. SENTENÇA CASSADA. PEDIDO DE FIXAÇÃO DEHONORÁRIOS PREJUDICADO.

O silêncio processual da parte que é intimada para falaracerca do cumprimento, ou não, da obrigação, não tem o condãode extingui-la, posto que a lei não lhe confere este efeitopatrimonial. O silêncio somente produz efeito quando a lei assimo prevê ou quando das circunstâncias e os usos autorizarem, nãoassim quando a manifestação expressa seja imprescindível,como no caso de quitação. Interpretar-se o art. 111 do CódigoCivil, no sentido de reconhecer o pagamento no silêncio da parte,seria dar um passo largo demais, que a interpretação sistêmicado nosso conjunto de normas jurídicas, por certo, repudia.

Se para a extinção da execução por inércia da parte éimprescindível a sua prévia intimação pessoal, assoma a maiorrelevo a intimação pessoal prévia quando se tratar de extinçãopelo pagamento.

RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA,PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº2010.028396-6, da comarca de Lages (Vara da Família), em que é apelante C. de O.M., e apelado L. F. M. M.:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, à unanimidade,conhecer em parte do recurso e, nesta, dar-lhe provimento a fim de cassar a sentençae determinar o retorno dos autos à comarca de origem para dar andamento àexecução, nos termos do voto do relator. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des.Nelson Schaefer Martins (Presidente) e Luiz Carlos Freyesleben

Florianópolis, 17 de novembro de 2011.

Gilberto Gomes de OliveiraRELATOR

RELATÓRIO

Perante o Juízo de Direito da Vara da Família da Comarca de Lages, C.

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de O. M., representada por sua mãe G. de O., ingressou com "ação de execução dealimentos" contra L. F. M. M., alegando, em apertada síntese, que o executado nãoestava honrando com a pensão alimentícia fixada em ação de alimentos.

Discorreu sobre o inadimplemento, postulando, por derradeiro, a citaçãodo executado para o pagamento das pensões atrasadas.

O executado apresentou justificativa às fls. 85/99.O feito teve seu regular processamento, com a intervenção do Ministério

Público, e sobreveio composição entre as partes às fls. 185/186.O juiz suspendeu o processo até a integral quitação do acordo (fl. 204).Intimada para se manifestar, a procuradora da exequente solicitou a

intimação pessoal da sua cliente, pois não tinha conseguido contato com ela (fls.217/218).

O sentenciante julgou extinta a demanda, cujo dispositivo restou assimvertido (fl. 219):

Ante o silêncio do credor, presume-se a quitação integral da dívida. Assim,julgo extinta por sentença a presente Execução na forma do art. 794, I c/c art. 795,ambos do CPC.

Sem custas.P.R.I. Após, arquive-se com baixa.Descontente, a parte exequente interpôs recurso de apelação (fls.

225/226).C. de O. M., articulou nas suas razões (fls. 227/230), em síntese: a) que

as partes litigantes celebraram acordo; b) que a procuradora da exequente postulou aintimação pessoal da sua cliente para se manifestar sobre a quitação; c) que oMagistrado, de forma indevida, diante do silêncio, presumiu a quitação, extinguiu aação e determinou seu arquivamento; d) que não houve o cumprimento da obrigação;e) que deveria ter sido feita a intimação pessoal da exequente; f) que diante dosilêncio da parte a ação poderia ser extinta, no máximo, com base no art. 267, III, doCPC.

Pugnou, pois, pela cassação da sentença e a fixação de honoráriosadvocatícios.

Sem contrarrazões.Ascenderam os autos.Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr.

Aurino Alves de Souza (fls 249/252).É o relatório. Decido.

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VOTO

Trata-se de apelação cível em ação de execução, a qual foi extinta,reconhecendo o Magistrado o pagamento do débito, em face do silêncio da partecredora sobre o cumprimento da obrigação.

Não pode prevalecer a sentença.Segundo colho dos autos, as partes realizaram acordo às fls. 185/187. O

Magistrado suspendeu o feito (fl. 204) até o pagamento integral do débito e deixouconsignado que, após a efetiva entrega dos bens, o feito seria extinto. Intimada parase manifestar sobre o cumprimento da obrigação, a procuradora da exequentesolicitou a intimação pessoal da sua cliente, pois não tinha conseguido entrar emcontato com esta (fls. 217/218). O Magistrado, em seguida, extinguiu o feito com baseno art. 794, I, do Código de Ritos, reconhecendo, assim, o pagamento da obrigação(fl. 219).

Equivocado o pensamento do Magistrado.É que, no resumo de tudo, o silêncio das partes gerou, com a extinção

da ação executiva com fulcro no art. 794, I, do Código de Processo Civil, no plano dosfatos, o efeito de extinguir a obrigação do executado para com a exequente, podereste que o silêncio não possui.

Além disso, infere-se que a parte exequente sequer restou devidamenteintimada, pois a sua procuradora informou que não conseguiu manter contato comesta, pelo que postulou a sua intimação pessoal. No entanto, o pedido nem foianalisado pelo Magistrado que de plano extinguiu a ação.

O silêncio não é - nem nunca foi - uma forma de extinção da obrigação,em especial porque a quitação não se presume e, sim, deve ser provada nos autospara que a extinção da execução seja considerada escorreita. Desta forma, não sepode atribuir ao silêncio um efeito que a lei não prevê, ainda mais quando se tratar dedireito indisponível, como a obrigação de alimentos devidos à menor impúbere.

Obriga-nos a consultar o art. 111 do Código Civil cuja redação nos dá aentender que "o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos oautorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa".

Com efeito, disto não se trata o caso dos autos, pois a prova dopagamento depende de manifestação específica da parte contrária, não sendoaceitável presumir-se a quitação pelo mero silêncio do credor, porque assim nãoprevê a lei. Interpretar-se o art. 111 do Código Civil, no sentido de reconhecer opagamento no silêncio da parte, seria dar um passo largo demais, que a interpretaçãosistêmica do nosso conjunto de normas jurídicas, por certo, repudia.

Veja-se a doutrina:'O silêncio pode dar origem a um negócio jurídico, visto que indica

consentimento, sendo hábil para produzir efeitos jurídicos, quando certascircunstâncias ou os usos o autorizarem, não sendo necessária a manifestaçãoexpressa da vontade. Caso contrário, o silêncio não terá força de declaração volitiva.Se assim é, o órgão judicante deverá averiguar se o silêncio traduz, ou não, vontade.Logo, a parêmia 'quem cala consente', não tem juridicidade. O puro silêncio apenas

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terá valor jurídico se a lei o determinar, ou se acompanhado de certas circunstânciasou de usos e costumes do lugar., indicativos da possibilidade de manifestação davontade, e desde que não seja imprescindível a forma expressa para a efetivaçãonegocial'. (Regina Beatriz da Silva et. all. Código Civil Comentado, ed.Saraiva. p.110).

A jurisprudência consoa:1. Conquanto se afigure o crédito como direito patrimonial disponível, não

basta o silêncio do credor, diante de provocação judicial, para caracterizar a hipóteselegal de satisfação da obrigação, para efeito de extinção do processo de execução.2. Se para o abandono, que apenas conduz à extinção do processo, sem exame domérito, exige-se a intimação pessoal do próprio devedor, resta evidente que muitomaior deve ser a cautela para a extinção do processo, com fundamento no artigo794, inciso I, do Código de Processo Civil, sendo impossível atribuir ao silêncio, naexecução do saldo devedor, o efeito equivalente à disponibilidade do créditoeventualmente remanescente, que deve ser expressa e inequívoca para legitimar oreconhecimento da satisfação integral da obrigação, o que não ocorreu, no casoconcreto. (...) 4. Recurso especial desprovido. (REsp 844964-SP Recurso Especialnº 2006/0111418-1 rel. Min. Luiz Fux).

Diante do exposto, inescondível que a sentença reconhecendo aquitação da dívida de alimentos em virtude do silêncio da parte está equivocada,razão pela qual o apelo merece acolhimento. No tocante ao pedido de fixação dehonorários advocatícios, este resta prejudicado, posto que a ação continuará seucurso no juízo a quo e, assim, compete ao juiz de origem arbitrar oportunamente ovalor da verba alimentar devido à causídica. Desta feita, conheço do recurso em partee, nesta, dou-lhe provimento e casso a sentença a fim de determinar o retorno dosautos ao juízo de origem para o prosseguimento da ação.

É o voto.

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