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ANA ROSA CLOCLET DA SILVA

UNCAMP

U NI VE RS ID AD E E ST AD UA L D E C AM P lN AS

Re i t o r

HERMANOTAYARES

C o or de n ad o r G e ra l d a U n iv e rs id a deF E RN A ND O G A LEMB ECK

P r o- R ei t or d e D e se n vo lv im e n to U n iv er si ta r io

L UtS C AR LO S G UE DE S P IN TO

Pro -Rei t or de Ext ensi io e CUINta

R O BE R TO T EI XE IR A ME N DE S

Pr6- Re i t o r de Gradu al'iio

ANGELO LUIZCORTELAZZO

P re - R e i to r d e P e, qu i sa

I VA N EM iL IO C H AMBO UL EY RON

Pro -Re it er de Pos-Graduacao

J OS E C LA uD IO G ER OM E L

~E DI TO RA D A U NiC AM P

CO NSTR U<;A O D A N Ar;AO E ESCRA VID AO N O

PEN SAMEN TO D E JOSE BONIFACIO'

1 7 . 8 3 - 1 8 2 3

D i r et o r E x ee u I i vo

L UI Z F ER NA ND O M IL AN EZ

Conselho Editorial

E LZ A C OT RIM S OA RE S - L UIZ F ER NA ND O M IL AN EZ

M IL TO N JO SE D E A LM EID A - R IC AR DO L UIZ C OL TR O A NT UN ES

S UE LI IR EN E R OD RIG UE S C OS TA

~~~CENTRO DE M E~RIA - UNIC AM P

Coordenadora

OLGA RODRIGUES DE MORAES VON S IMSON

Coordenador Associado

T M iA S J OZ S EFMA RT O N K A .R O LY S ZMR E CS A NY I

Coordenador de Pllblica~iiesJO SE R OB ER TO D O A MA RA L L AP A

Coordenador Cienrlfico

E TI EN NE G HI SL AI N S AM A IN

Coordenador Cientff ico Associado

C AR M EN L OC IA S OA RE S

Coordenadora do Grupo de Estudos RegionalsM AR IA L OC IA D ES OU ZA R AN GE L R IC CI

COLE~AOThMPO &MEM6RIA

12CAMPINAS

EDITORA DA UNICAMP

CENTRO DEMEM6RIA - UNICAMP

1999

~APESP

Conselho Cientffico

C AR LO S R OB ER TO L AM A RI -C As SI A D EN IS E G ON <;:A LV ES

E LIS A A NG OT TI K OS SO VlT CH - H EC TO R H ER NA N B RU IT - IR EN E M AR IA F ER RE IR A

B AR BO SA - LU CY $E KI - O LGA R OD RIG UES D E M O RA ES V ON S IM SO N

P AU LO C EL SO M IC EL I- W IL SO N S UZ lG AN

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Capitulo 3

A FASE NACIONAL

NA<;AO, IDENTIDADRNACIONAL E

o PROBLEMA DA' ESCRAVIDAO

Percorrida a trajet6ria polftico-intelectual de Jose Boni-

'facio ao longo de suafase europeia , l ies ta-nos agora compre-

ender de que modo seu projeto nacional, apresentado ao fi-

nal desta, moldar-se-ia a s condicoes da realidade brasileira,

apos 1819. Mais particularmente, procuraremos apreender

Q confronto que seu pensamento ira refletir entre uma for-

macae essencialmente liberal, manifesta em seu modelo de

'Nac;ao ideal, e uma real idade fundada em bases predomi-

nantemente conservadoras, isto e , bases polfticas e econo-

micas construfdas a partir do sistema colonial e que, portan-

to, preservar-se-ao portadoras de atributos estruturais e arti-culacoes tipicamente coloniais mesmo apos a crise e desfe-_ 0 deste sistema.

A atenciio afase nacional DaO implicata, contudo, a

desconsideracao dos traces de continuidade guardados pelo

pensamento andradino, relativamente a s ideias da fase ante-rior. De modo ge ra l, pod emos identificar a p erm a ne nc ia d oproprio eixo articulador de suas ideias polfticas, entre estas

dilas fases de sua vida, ou seja, 0 fato de refletirem, em tilti-

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Tempo &Mem:lb

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CONsmUCAo DA.NA<;Ao E ESC[lA~DAONO P,NIAMWIO DE Jost BmilFAclo: 1783.1823AN A RoSA CLOCLEI OA SILVA

rna inst~n~i~, uma tomada de consciencia em relacso ao pro-cesso historico par ele vivido entre finais do seculo XVIII e

inicio do XIX, par n6s entendido como a processo de crisedo Imperio Colonial portugues.

Era esta percepcao da crise, em grande medida com-

partilhada peJos demais reformistas da Academia Real dasCiencias de Lisboa, que norteava a s p ol it ic as e n ta o f orm ul a-

das, cujo objetivo ultimo estava na garantia da integridade

do Imperio portugues e da propria sobrevivencia da monar-

quia. Con forme vimos, estas politic as desembocariam, ap6s

1808, no projeto imperial concebido por Sousa Coutinho

d estin ad o a edificar urn "vasto Imperio" a partir do Brasil:

sustentado peJas potencialidades naturais desta parte do Rei-

no. Este era, por sua vez, 0projeto nacional compartiIhado

peIo Andrada ao final dafase europeia, vislumbrando, des-

de entao, uma Nacao em condicao nao colonial . Sua efeti-

vay~o .dependia, contudo, da p re se rv ac ao d a integridade doImpeno, tanto em termos da uniao luso-brasileira, quanto, e

fundamentalmente, da uniao entre as diversas partes da novasede da monarquia.'

A preocupacao com a integridade imperial- que pas-

saremos a denominar de principia da integraciio - revela-

se, assim, urn eixo central na cornpreensao do pensamento

andradino, principalrnente a partir de 1819, quando entao

convertia-se na c o nd i cao b a si ca para a concretizacao de seu

projeto nacional. Conforme procuraremos demonstrar, sera

a partir daquele principio que Jose Bonifacio ir a conceber etratar, em grande medida, os diversos elementos ~ politi -

cos, econ6micos e sociais - envolvidos na construcao da

Nacao, dentre os quais salientava a questao da formacao de

urna nova identidade nacional, da adesao ao modelo

monarqutco-consr l tuc tonat e do reconhecirnento externo da

autonomia poli tica, todos eles diretamente vinculados ao

problema da escravidao.

Para efeitos da elaboracao deste capitulo, delimitarnos

a analise do pensamento e atuacao do Andrada ao contexto

da independencia, situado basicamente no perfodo circuns-

crito pela Revolucao do Porto, triunfante desde seternbro de

1820, e 0ano de 1823, quando podemos apreender suas ideias

no momento subsequente a proc lamacao da Independenciae imediatamente anterior ao seu exilio.

Corn esta d elim ita ca o, n o e nta nto , n ao se deve perder

de vista a fato de que a independencia nacional tern sido

entendida no decorrer deste trabalho como urn "longo pro-

cesso de ruptura", expressivo da propria crise. e superacao

do Antigo Regime e que teria, no an a de 1808, urn marco

decisivo na "desagregacao do sistema colonial" e infcio da

"montagem do E s ta do n a ci o na l ", processo este que na o se

encerraria no ano de 1822.2

Tampouco a escolha do ana de 1820 significa que 80-

mente a partir desde momento as ideias liberals tenhamganhado uma adesao es tr a teg ica par parte da burguesia mer-

cantil portuguesa, no senti do de esta reaver sua vantajosa

pos ic ao po l tt i co -economica em relacao ao Brasil, a qual vi-nha sendo reivindicada desde 1808 e, fundarnentalmente, a

partir de 1815, quando a Brasilfoi elevado I t categoria de

Reino. Conforme nota Lyra, a Revolucao do Porto deve ser

entendida no contexto mais geral da "reelaboracao te6rica

dos principios de l iberdade e de soberania", que deveriam

respaldar a "definicao da condicao polftica do homem mo-

demo", bern como as novas formas de poder do Estado e da

"representacao dos seus cidadaos", 3

Neste sentido, inseria-se num quadro de transfonna-

coes politicas anteriores a 1820, asquais ganhariam folego a

partir de 1814, com 0 fim da dorninacao francesa sobre Por-

tugal. De forma mais restrita, podemos situar a Revolucao

do Porto no pr6prio "contexte da restauracao dos princfpios

de governo monarquico-constitucional na Franca", 0 qual,

segundo Lyra, passou a ser encarado pela burguesia portu-

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TaTp:) &Merr6k:J143

T6fIlXl 8 < Meo"r6b

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CONO II lI X ;A o O I l NN;k> e esc l1A \ i\OAo NO PENSAMENlO DE JOSE BONrFAclo: 1783-1823

A NA R OSA C IO CIEl D A Sit VA

guesa com o a form a de governo m ais segura para encam i-

n ha r a "r ec om p os ic ao d o E sta do Im p eria l" ."

M as, se os anos de 1820 e 1823 n ao d ev em s er to rn a-

d os , re sp ec tiv am e nte , c om o " po nto de : p artid a" e " po n~ o de

c he ga da " p ara e fe ito s d a c om p re en sao . d o p ro ce ss o d e inde-

p en de nc ia e c on stru ca o d o E sta do n ac io na l, a e sc olh a ~ es teper fodo, 0'q ual estarem os ch am ando do ,cont~xto c ia inde-

pendsncia , justifica-se pelo fa to d e q ue ~l as diferentes ele-

m en to s e nv olv id os n es te p ro ce ss o, a u s eja , a s d e o rd em e co -

n om i ca , p olftic a e s oc ia l, a pre se nta r- se -i am em s ua to ta lid a-

d e, s en do a in da 0perfodo n o q ua l s e p od e n otar a s tra ns fo r:

m a~6 es sign ifica tivas o co rridas no pe~sam ento " d e. Jo seB on ifa cio . Isto p orq ue , a p ers pe ctiv a d a m de pe nd en ~la c o-'locava em xequ e a pro je to im peria l por e le concebido ao

fin al d e s ua Ja se europeia. . A."

Ne s te s e nt id o , 0c o nt ex to d a i nd ep en de nc ia i rn pl ic ar ia

s e re pe ns ar ba sica m en te d ua s o rd en s d e q ue st~ es , a s, , !u ~isestiveram no centro das preo cu paco es de Jo se B onifacio ,

n es ta n ov a fa se . P rim eira me nte, a Revolucao d o P or to sig-

n if ic av a um a rnudanca no regim e de govem o sob 0q ual se

fundaria 0g r an d e Impe ri o luso-brasileiro: e s te r e gime deixa-

va de ser 0d a m o na rq u ia a bs olu ta , a in da q ue ilu stra da , e p as -

sava a ser 0 r eg ime mona rqu ico-con s ti t uciona l,

P o s te ri o rm e nte , a independencia polftica, em 1822,

re pr es en ta ria a p r6 pria q ue bra d a u nid ad e. e ntr e B ra sil e P or -

t u ga l e , c on se q tt en temen te , 0 fim do pro je to do grande Im -p erio fu nd ad o a p artir d aq ue la u nid ad e. C olo ca va -s e, a p ar-

tir de en tao , a necessidade de redefinicao das fronteirasterrito ria is d o Im pe rio . M a is q ue is so , a se pa ra ca o d a "g ra n-

d e fa milia lu sita na " im p lic aria a re de fin ic ao id eo 16 gic a d e

n o ss a i de nt id ad e n ac io n al . 0 ro mpim ento co m a "ascenden-

cia e uro pe ia " s ig nific av a a n ec es si~ ad e d e se c o~ stru ~ u m aid en tid ad e n um a n a~ iio q ue , e m erg md o d e u m a s itu ac ao c o-

lo nia l "c on tin ua ria a te r, n o s is te ma e sc ra vis ta , a s ba se s d e

s ua su ste nta ca o e co no m ica ", n ao p od en do , a ss im , id en tifi-

car-se com os co lonizados - negros e ind ios - os quais

deveriam ser m antid os em condicao de submissao na no va

o rd em em e rg en te . C on fo rm e be rn n ota M arq ue s d os S an to s,t ra ta v a- se " a go r a de inventar 0Brasil, nao a pe na s n o p la no

g eo -p olitic o, m as ta rnbe m n o p lan o s im b6 lic o, fo rja nd o a s

bases d a su a id en tidade", o nde a q uestao centra l passaria ase r a da propria constituicao de urn "povo brasileiro".?

_ D ado que ~stas sao basicam en te as duas ordens de ques-to es c om as q Ua ISJ os e B on ifa cio Iid ara n o co nte xte d a in de -p en de nc ia , o pta m os p or a na lis a-la s s ep ar ad am e nte . P ara ta n-

t o, d iv id im o s e st e capftulo em do is subitens, a s q u ais v er sa m ,

re sp ectiv am en te , s abre a s q ues to es d e o rd em p olftic a e a s d e

o ~d em s oc ia l p ar e le tr ata da s a p6 s 1819, Is so , p ore m , n ao s ig -n if ic a q ue e sta s q uy sto es a pa re ce ss em d is so cia da s e ntr e s i e ,tampouco, que ele assirn a s concebesse .

1.As questoes politicas no contexto da

independencia

Entender 0 pensam en to e atuacao d e J os e B o nifa ciono co ntex to da Independencia requer, antes de m ais nada , a

c on sid er a~ ao d a p r6 pr ia forma p el a q ua l ele se in seria na

s oc ie da de b ra sile ira d e e nta o. M a is e sp ec ific am e nte , re qu erq ue Ie ve m os em conta 0 fato de que, desde sua fase euro-peia, m as p rin cip al m en te a p artir d e 1820, 0A nd ra da c om -punha 0 c orp o d e estadistas l us o -b ra si le ir os e que, por tan to,era a partir do am bito do E stado qu e pensaria a Nacao.

Esta insercno p oI itic a im p lic a um a e sp ec ifi cid ad e c en -tra l d e s eu p en sam e nto , q ua l s eja , 0 fa to de q ue, co mo esta-

d is ta , su as id eia s e p re oc up a~ oe s n ao s e re du zia m s im p le s-

m e nt e a os in te re ss es d as c la ss es e g ru po s q ue c on fr on ta va m

no cenario po litico de entao , a inda q ue deles nao pu desse

p re sc in dir " A c re dita m os q u e 6 a p art ir d es ta e sp ec if ic id ad e

que se tom a possfvel c om pre en de r o s d ia lo go s e a rtic ula -

~ oe s tr av ad os e ntre 0 A nd rada e as represen tan tes do s di-14 4

lerrp:> & IVrerrr6b 14 5

r e m I X ) ~ Mem6ia

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C O NS TR I!I ;A O D A NA<;AO e e SC R AV lI >A o N O P EN SA M EN TO O f J~~ BON IFA c I o : 1783-1823MA ROSA Ciocirr DA SILVA

ferentes interesses envolvidos no processo em questao, de

modo a viabilizar 0projeto nacional por ele concebido.

Para tanto, interessa-nos destacar aqui dais nfveis des-

tes interesses, ja externados no espaco politico da Corte aepoca ern que Jose Bonifacio retornava de Portugal. Num

primeiro nfvel, incluem-se as interesses que agiarn como

"impulsos externos" ao processo da independencia nacio-nal. Dentre eles, situava-se a pressao exercida pela Inglater-

ra, interessada na integracao do mercado brasileiro como

Estado independente, bern como 0 impulso representado pela

pressao da burguesia portuguesa pela volta de D. Joao VI, a

qual, na tentativa de reverter 0 processo de emancipacao

polftica e economica que se processava no Brasil desde 1808 ,

acabaria pOT precipita-lo.?

No entanto, apesar de tais "pressoes externas" repre-

sentarem uma importante dimensao explicativa do processo

de independencia, este s6 ganha plena inteligibilidade quan-do buscamos compreende-lo a part ir das conexoes estabe-

lecidas, em detenninados momentos, entre os "impulsos"

de origem extern a e as diferentes forcas e interesses internos

ao conjunto da sociedade brasileira." Este, portanto, e 0 se-

gundo nivel que deve ser considerado na analise do proces-

so em questao. E aqui, a cornpreensao da dinamica e desfe-

cho dos acontecimentos em curso requer que se busque nao

somente a interacao entre "forcas extemas" e "internas", mas

as proprias articulacoes estabelecidas entre estas iiltimas, no

plano nacional.

Neste sentido, 0 per iodo iniciado em 1820 deve ser

abordado sob esta dupia perspectiva e, particularrnente, con-

siderando-se 0 impacto da Revolucao do Porto no contexto

interno, 0 qual contava corn uma determinada conformacao

de interesses e posturas politicas, que, embora ja viessem

sendo gestadas desde antes, seriam polarizadas e redefinidas

a partir deste momento.

Urna das primeiras formas pela qual 0movimento pro-

cessado em Portugal repercutiu no Brasi l foi atraves das di-

vergencias detonadas em nivel regional . Aqui, a Revolucao

do Porto reavivara antigas tendencias separatistas e liberais,

abafadas desde 1817, entre a s p r ov fnc i as do Norte e Nordes-

teoAs Juntas do Para e Bahia , inicialrnente, declararam uma

pronta adesaoao governo de Lisboa, gerando urn clima de

insubordinacao, que acabaria se estendendo por outras pro-

vincias da regiao.?

Esta postura das provincias nordestinas - que perdura-

ria ainda depois de 1 82 2 - explica-se, em grande medida, pela

situacao a qual elas t inham sido relegadas a partir da instalacao

da Corte no Rio de Janeiro. Segundo P ra do J r., a adesao a sCortes de Lisboa, principalmente ap6s a transferencia da sede

da monarquia para Portugal, significava para aquelas provfncias

simplesmente a substituicao, "no domfnio politico daN8¥oo", de

uma cidade por outra, ' 'tao est ranha como a anterior" .10 Alemdisso, a Revolucao ConstitucionaIista de 1820 veio libertar os

revolucionarios de 1817 que ainda se achavam presos, entre os

quais se encontrava "0 que havia em Pernambuco de social e

econornicamente mais representativo" .11

No espaco politico da Corte, por sua vez , as diferentes

posturas assumidas em relacao a Revolucao do Porto devern

ser entendidas a p ar ti r d os diferentes interesses de proprietarios,

os quais, segundo Salles Oliveira, podiam ser divididos, funda-

mentalmente, em dois grupos. U rn primeiro, "fonnado pelos

donos de engenho e fazendas mais abastadas da capitania, por

negociantes atacadistas e por rnembros da burguesia portugue-

sa ernigrada", favorecidos pe la s po lf ti cas de senvo lvida s duran-

te 0govemo joanino (principalmente pela pratica de concessao

de s e sma r ia s ), A t ra v es destas polfticas, eles teriam concentra-

do grande parcela de capitais e recursos do Estado, bem como

garantido amplas fatias do mercado, utilizando-se, para tanto,

de praticas mercantilistas.

146

Tempo&tv'em':ro14 7

Tempo &Mem6rb

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PE~ENTO DE Jos~ BONIFAcIO: 1783- 1823ONsmu c; kl D A N N : ; A o E UCRAV lOM> 00

. vez seria formado por ne-o segundo grup?, por S~~er ~ntes, em grande rnedi-

gociantes do sul d: ~ln~ • tegr~ao mercantil do Centro-da a partir das. polfticas e In "" 0_ e de "do-

' id d te 0 governo joaninSuI, desenvolvi as u~anaries de fazendas e negociantes es-nos de engenho, propnet d Guanabara e em Campos de

tabelecidos no R. e c o . " nClavtaOvamaela mercantilizacao da pro-. es" os quaIs u . _ ,Goitacaz , balh bern como pela ascensao a

ducao, da tedrrapeU~~i!a rev~~ndo-se" assim, os principaisesfera do po er .'. 12

d grupo a nt er io r.oponentes 0 .". ais grupos ressaltados por

Alem destes dois pnncip . formado pelos.. dia-se destacar ur n gropo .

Salles OlIve~ra. po 1 uais tambem objetivavam ampliarnegociantes ingleses, O S " vareio e de cabotagem, en-

o controle sabre 0 comerc lO_a do irimeiro grupo." Desta-

frentando, tambem, a o~o:~~ado por portugueses emigra-

cava-se, ainda, urn ~ru.p I ial os quais queriam ver res-dos ligados ao corne.rclo CO'~~egios e imunidades, revelan-

tabelecid~s seus anti!~~;~~fensores do absolutismo."do-se, assim, ~erdad tudo interessa perceber de que

Para efeitos de nosso es '" , , inham. . ' : f i rentes pos, cujos interesses ja v~

maneira estes di e gru d 1820 foram percebidos ed d r eados desde antes e, A • 15

sen 0 em 'fa' no contexto da independencia,tratados por Jose Boni ~10: rtante t racarmos as posturas

Dessa fo~a, embora seJ : l:'i~iormente a sua volta para 0

mais germs destes grup? ' . risticamente atraves de ter-.Brasil, evitaremos defin~~las~P~;:fia 16 Sera a pr6pria analise

mas consagrados pela,h~s:~~omo'de suas articulacoes comdo pensamento andradin • itira apreender a formaestes diversos gruP?S, que ~~~ ~~les se situava,

como ele os concebl~ e ~m, . C ; importancia de se destacar aI r e m nao diminui a .

sso, po 0 f orm ad o p elo s donos de engenho, propne-atuacs:

aodo grup . t do Reconcavo e Go it ac az es ,

t ar ios de fazendas e neg~clan r:~idos em tome da figura de

urna vez q u L e e S deus

m n ~ a m m:Sp'rincipais articuladores d a s m a-Goncalves 0, se

A .' 1A ROSA CUX lET OAS ILVA

nifesta<;oes que detonaram 0 que estaremos considerando

como a primeira ruptura polftica ocorrida no contexto da

independencia, qual seja, a oficializa«;ao da monarquia cons-titucional por D. Joao VI.

VincuIado aos liberais vintistas, e s re g ru po entendia avolta de D, Joao VI para Portugal, com a manuten9ao da ali-

anca com aqueles Iiberais de Lisboa, como urna estrategia

fundamental para despojarem de suas bases de sustenta~ao osgropos que controlavam 0mercado do Rio de Janeiro e que

concentravam em suas maos os cargos ptiblicos por e1es a 1 -

mejados. 17 Com este intento, portanto, promoveu as manifes-

ta~5es ocorridas nas pracas do Rossio e do Comercio, nos

dias 26 de fevereiro e 21 de abril de 1821, respectivamente.18

Na primeira destas manifest~5es, as tropas reunida, noRossio obrigaram 0 rei e os oficiais ajurarem previamente a

constitui~ao que seria elaborada em Lisboa.'? Na segunda, 0

grupo de Ledo agiria no sentido de transfonnar a Junta Eleito-

ral reunida n a P ra ca do Co rn er ci o em Assembleia Constituinte,

defendendo a ad~ao da constitui¥ao espanhola de 1812, en-quanto a portuguesa na~ fosse elaborada.20

Estas manifestaoroes, e particularmente a de 26 de fevereiro, me-

recem, por tanto, uma especial enfase, uma vez que 0juramenta

previo da const ituiorao marcava uma primeirs ruptura no plano

polftico, ou seja, 0 regime mon::irquico-constitucional tornava-se

oficia] para toda a Na~aa partuguesa. Neste sentido, sera irnpor.

tante a tenrar para a repercussao deste fato hist6ri co no pens a-menta de Jose Bonifacio, berncomo para 0modo como ele atuou

na definiyao desta nova situa9ao politica.

14 8

Tal1Xl & .Merr6ta

Conforms visto no capitulo anterior, a.forma de go-

verne ideal por ele concebida ao final dafase europeta era a

mona rq ui a i lu st ra da , n a q ua l 0 rei fosse assessorado por uma

Junta de Procuradores ou Conselheiros. Esta era vista como

a organiza~ao politica capaz de cferecer urn '''centro de fonya

149

Terrm&Mern6b

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e de unidade", necessario aos grandes projetos." No entanto

tratava-se de urn ideal de rnonarquia mais implicita que ex-plicitamente elaborado. ..

Par outro lado, seus primeiros escritos pertencentes ixfase

nacional revelam uma postura c1aramente favoravel a monar-quia constitucional. Assim, por exemplo, em suas I deia s sabr e

aorganiraoio politico doBrasil, redigidas por volta de 1821,0

Andrada propoe urn modele monarquico-constitucional para °Brasil, urna vez que, ja entao, concebia a monarquia absoluta

como "uma aristocraciaencobertae par iS50"carregada de "to-

dos as males do despotismo e da aristocracia't.v

Embora nao se possa apreender 0 exato momento de

inflexao na concepcao monarquica de Jose Bonifacio, duas

hipoteses podem ser aqui aven tadas , Um a d ela s aponta para a

possibilidade de 0 r nodelo monarqu ico -cons ti ruc iona l ja ser

par ele entendido como 0 regime ideal para a ed if ic a cao de

urn vasto Imperio a partir do Brasil , desde suafase europeia.Sua op in ia o f avo rav e l aos principios que teriam guiado a Re-

volucao Francesa, conforme tivemos a oportunidade d e an a li -

sar, bern como 0fato de tel'ele preseneiado 0infcio da reivin-

dicacao da burguesia portuguesa por aquela forma de gover-

no, em muito baseada na Constituicao francesa de 1814 e nas

ideias de Benjamin Constant, podem ser indicatives de uma

adesao precoce ao modele monarquico-cons t i tuc ional .

A16m disso, conforme ele anotava a partir das leituras

de De Pradt, desde

q ue u ma N a ca o c he ga a conhecer 0s eu p od er e a d e se j a r C o n s ti tu i-

9a a, 0unico r em e d io p ar a evitar revolucoes e qu e os Ministros se

conformem com a s i d ei a s do tempo e d aq u el es q u e podem destruir

o g o v er n 0 a tu al , T u do e st a em dar-Ihes uma Ccnstituicao, sejaesta

mais despotica que liberal, poueo imports entao."

fuse europeia, c omo deco r re n ci a do c om p ro m etim e nto p oli -tico que isto significaria, uma vez que ele estava inserido no

proprio corpo de reformistas Iuso-brasileiros, cuja funcao

era pensar as possiveis alternativas da sobrevivencia da

monarquia portuguesa, nos moldes entao vigentes, ou seja,os da monarquia absoluta, ainda que ilustrada.

Uma segunda hipotese sugere a possibilidade de taladesao a monarquia constitucional ter emergido somente por

volta de 1821 e,. mais precisamente, apos a partida de D.

Joao VI para Portugal, momen to em que a Revolucao do

Porto despertaria os animos de amp lo s setores da sociedadebrasileira-s- incluindo-se aqui 0grupo de negociantes e pro-

prietarios liderado por Ledo, os setores formados pelos ri-

cos comereiantes e proprie ta r ie s que dominavam 0mercado

do Centro-SuI, bern como a alta burocracia estatal - por

aquela nova forma de governo.

No entaoto, rnais importante que apreender0

momen-to da adesao de Jose Bonifacio a monarquia constitucional,

parece-nos ser a c omp re en sao do proprio significado que

esta nova forma de governo assumiu em termos do seu pro-

jeto nacional, Acreditamos que suas principais ideias a este

respeito se encontram nos documentos elaborados apos apartida de D. Joao VI, em 24 de abril de 1821.

A esta data, seguiu-se 0 reconhecimento das Cortes de

Lisboa do direito de participacao de representantes das pro-

vfncias do Brasil na elaboracao da Constituicao, dando-se inf-

cio ao processo de estabelecimento das Juntas Governativas

n es ta s d iv ers as p ro vin cia s e a e ]e i9 ao d os d ep u ta do s que de -veriam ser enviados as Cortes. Em junho de 1821, 0Andrada

era chamado para presidir a elei<;aopara 0 governo provis6rio

daprovincia de Sao P au lo , a primeira a reconhecer a autorida-

de do prfncipe regente e a nao voltar a se coligar aos interes-

ses lisboetas.

Embora sob 0 governo de Oeynhausen, a Junta de SaoPaulo ficou sob forte influencia de Jose Bonifacio, que par

Contudo podemos en te nde r a n ao- rn an if es ta c ao explf-

cita de sua preferencia por esta forma de governo durante a

150

T('. 'ffi jX)&I V ' i e r T b i : J

151

Terrp::>& Mem6 io

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C()tISIRIJ(;Ao DANw;N:> E ESCfWIIDAo NO P < N S A M E N T O DE J O S E BONIFAcIO: 1 783-1823 ANA ROSA CLOClH DA S ,L VA

esta epoca redigiu as mstrucoes aos seis deputados pa~listas

enviados as Cortes de Lisboa, Estas instrucoes constituem

urn importante documento para efeitos d~a~re~n~~o do pro-

jeto nac ional andradino, revelando as pnncipars pontos de

tensao" que e le r eve lava , ao se r confrontado corn as propos-

tas dos deputados portugueses.Estas instru~6es foram divididas de acordo com os

assuntos pertinentes a organizacao de todo 0"Imperio Lusi-

t an o ", s e gu in do -s e os assuntos relatives ao "Reino do Bra-sil" e, por fim, os referentes a "provincia de Sa o Paul~",24

Assim, urn prirneir~ item relativo aos ':_Neg6:!?s da _lJmao"referia-se a necessidade de manutencao da integridade e

indivisibilidade do Reino Unido [.. .] contra qualquer forca"25

extema que as pretender atacar ou separar ,Tratava-se do pr6prio p ri nc ip ia d a i nt eg ra (: a o, 0 qual

continuava aparecendo no pensamento andradino como 0

fundarnento basico do projeto imperial. Para tanto, propu-

nha 0estabelecimento de "Le is o r gan ic a s da Uniao" que as-

segurassem, "0 quanta possivel for, seus interesses r~=ipro-

cos", A ressalva a possibilidade de fundar-se a uruao ,em

interesses reciprocos, ou seja, a ideia de que estes sen am

assegurados "0 quanta possfvel fosse", ja indica uma trans-

formacao em rela~ao ao sentido original do "principio da

reciprocidade de interesses",Na verdade, a uniao passava agora a ser fundamentada

na ideia da "Igualdade de Direitos Politicos, e dos.Ci~is quan-

to a perroitir a diversidade dos costumes e t~IT1t6no,e das

circunstancias Estatisticas" ,26 conforme ficaria expresso no

segundo item das suas instruyoes. Isso revelava _uma~r~sfor-

m~ao fundamental no proprio embasarnento, Ideologl~o da

uniao luso-brasileira, 0qual deixava de se apolar na nocao de

que a uniao era "natural", de forma que aquilo que beneficias-

se a metr6pole tambem favoreceria a colonia; e passava a ser

fundamentada na ideia da p a ri da de de d ir ei to s, principal rei-

vindicacao dos deputados brasileiros nas Cortes de Lisboa.

Esta rnudanca no plano ideologico da concepcao da

N acao revela, portanto, 0impacto da nova forma de govemo,

instituida a partir dojuramento previo a Constituicao, nas ideiaspoliticas de Jose Bonifacio, Ou seja, revel a a pr6pria interacao

entre os acontecimentos hist6ricos em curso e seu projeto mais

abstrato de Nacao, fonnulado desde s f a s e e u ro p ei a.Assim, visando assegurar a "justica" e a "igualdade"

que deveriam fundamentar a uniao entre os dois Reinos 0

Andrada propunha que as deputados enviados a s Cortes ge-rais, "tanto do Reino de Portugal, como do Ultramar", f05-

sem "sempre em mimero igual, qualquer que seja para 0 fu-

turo a populacao dos Estados da Uniao"."

Alem disso - e aqui passava a tratar dos "Neg6cios

do Reino do Brasil" -, destacava a necessidade de se de-

c1arar as "atribuicoes e poderes" que passariam a competir

ao Brasil, "na categoria de Reino por si, e das Relacoes e

obrigacoes em que deve estarparacom 0Imperio Portugues"."Dentre as primeiras, estabelecia-se a conveniencia de 0novo

Reino contar com urn "Governo geral da uniao do Brasil,

organizado por ernanacao e delegacao dos Eleitores do Povo

e do Poder supremo Executivo", cujo representante deveria

ser 0 pr6prio "Principe Hereditario da Coroa", quando a

"Sede da Monarquia e das Cortes nao existir no Brasil". Este

governo teria poderes para "demarcar exatamente as raias

das Provlncias do Reina do Brasil nos l imites da America

Espanhola e Colonia de Caiena", assim como para fazer "a

demarcacao exata e natural entre as Provincias do Reino do

Brasil, para arredar disputas e contestacoes futuras tanto in-temas como externas" .29

Esta ultima medida, portanto, versava sobre aquilo que

entao entendia como a pr6pria condicao da preservacao da

integridade terri torial do Brasil, ou seja, a necessidade de

manter-se neste a C o ro a, au a R eg en cia, a fim de que fos-

sem salvaguardados os limites internos e externos do Reino.

Dessa forma, se a igualdade de direitos entre as duas partes

152

lerrpJ &f v ' I e m ' x I a

153

Tempo & W i e m 6 r i o

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CONSmll9\O OA NA<;Ao E ,SCflAIJIOAo NO PENSAM£mODE JOSE 8(» I I .A c l o : 1783-1823 ANA R rn A·C LO CLE T D A S ,L VA

do Imperio passava a figurar como a condicao da unidade

entre ambas, a presenca de uma sede do Executivo no Brasil

aparecia como a condicao de preservacao da sua integrida-

de. Tratavam-se, assim, de duas propostas norteadas pelo

mesmo princlpio da integracao.

Alem disso, e aqui Jose Bonifacio estaria ressaltando

a necessidade de atencao a s especificidades da realidade bra-·

sileira, propunha uma "Legislacao Civil particular", estabe-

lecida de acordo corn a "diversidade de circunstancias do

clima e estado da Povoacao, composta no Brasil de classes

de diversas cores, e pessoas umas livres e outras escravas"."

A ideia de que era preciso adaptar a Iegislacao as cir-

cunstancias especificas de cada sociedade ja havia apareci-

do em escritos anteriores e, conforrne vimos, sugeria uma

certa influencia do "relativismo cultural" de Montesquieu,

.segundo 0qual nao existiria solucao aplicavel universalmen-

te, mas "apenas tipos de solucoes"," as quais s6 poderiam

ser apreendidas a partir do exarne empfrico de cada situacao

concreta, de modo que, "somente por grande acaso, as leis

de uma nacao podem con vir a outra",32

Neste sentido, as instrucoes aos deputados paulistas,

ao apontarem esta preocupacao com a adaptacao da legisla-

<;aoas especificidades do Brasik revelam uma certa tentati-

va de adaptacao dos principios filosoficos, herd ados de sua

lase europeia, ao contexto politico nacional.

Adequar uma legislacao a realidade brasileira significa-

va, por sua vez, tratar de duas questoes centrais na garantia da

"prosperidade e conservacao do Reino do Brasil: "[, ..

Ja

catequizacao geral e progressi va dos Indios bravos" e "[...] iguais

cuidados da Legislatura sobre melhorar a sorte dos escravos,

favorecendo a sua emancipacao gradual e conversao de homens

imorais e brutes em Cidadaos ativos e virtuosos [...]".33

Estes dois assuntos, ou seja, ° problema do indio e do

escravo, serao retomados mais adiante, nao sendo objeto

. deste item. No entanto, vale ressaltar, mereceram uma espe-

cial enfase no pensamento andradino neste momenta da rup- '

tura corn ° modelo politico da Nagao (a monarquia absolu-

ta) uma vez que, conforme veremos, re lacionavam-se inti-

mamente nao apenas com a questao da integridade territorial

do Brasil, mas com aspr6prias ideias de "povo" e cidadania,

encerradas no princfpio constitucional de igualdade de to-

dos perante a lei. ..Alern destes dois assuntos, 0Andrada reivindicava uma

Iegislacao especffica para a realidade brasileira, base ado na

constatacao da necessidade de "[ . ., J uma nova legislacao

sobre as chamadas Sesmarias, que sem aumentar a Agricul-

tura, como se pretendia, antes tern estreitado e dificultado a

Povoacao progressiva e unida". 34 Aqui, portanto, as.grandes

ex t en so es d as sesmarias sem culti vo apareciam, por urn lado,

como urn problema de ordem economica, uma vez que obs-

tavam 0desenvolvimento da agricultura, a qual ocupava urn

papel central no pensamento econ~mico ~nd~ad~n~:.~o.r.ou-

tro lado, apareciam como urn obstaculo a propna civil iza-

gao do Pafs", pois mantinham as "povoacces espalhadas e. de oermei ,,35 Eisoladas, por causa dos imensos terrenos ~permelO. . I?

ambos os casos, significava urn obstaculo mterno a integn-dade do Brasil.

E interessante notar, assim, como os principais itens das

mstrucees elaboradas por Jose Bonifacio articulavam a~dife-

rentes ordens de questoes - polftica, economic a e SOCIal -

atraves de uma mesma preocupacao central com a preserva-

gao da integridade do Imperio luso-brasileiro.

A proposta de que houvesse uma sede do Poder Exe-

cutivo nos dais Reinos, bem como a de que em cada urn

deles funcionasse um Congresso com poderes de legislar

segundo suas especificidades, 0 qual estaria submetido a sCortes Gerais, foi urn dos principais pontos de confronto

entre os deputados brasile iros e os portugueses. Segundo

Tomaz, estes contrapunham, ao projeto de "inspiracao

federalista" apresentado pelos brasileiros, propostas extre-

154

Temp:> & Iv1err16b

155

Tan:x> 8 < Me r " n 5 c I : I

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CONSTTlUC;1IoDA , N A t : ; J D E ESCRA \' It IA oNO PEN5 .'MEN lO DE JosE BoN~AcIO: 1 7 8 3· 1 8 2 3 ANA Ro . . ' A 'Cl .OClEI DII SilVA

mamente centralizadoras," Temiam que a autonornia admi-

nistrativa do Reino do Brasil representasse urn risco no sen-

tido davliberdade absolute"."Por outro lado, 0projeto relativo a s relacoes comerciais

entre os dois Reinos, que, segundo Tomaz, os deputados por-

tugueses elaboraram com base na ideia da "reciprocidade de

interesses", revelava-se uma tentativa de restauracao dos an-

tigos privilegios monopolfsticos da antiga metropole sobre 0

mercado brasileiro, os quais eram entendidos pelos deputa-

dos portugueses como condicao para a propria regeneracao

do Reino de Portugal."As instrucoes aos deputados paulistas revelam, assim,

os principais pontos de conflito entre a concepcao de Impe-

rio que, naquele momento, era defendida pelos brasileiros

nas Cortes de Lisboa e os projetos de regeneracao do Reino

portugues, elaborados pelos liberais vintistas. Neste confron-

to, 0 ponto consensual era 0objetivo da uniao entre os dois

Reinos, a ideia de que todos eram portugueses."

Divergiam, contudo, no concemente a s bases sobre as

quais deveria assentar-se tal uniao. Se, por urn lado, os de-

putados portugueses entendiam a manutencao da unidade

dentro dos velhos moldes coloniais, condicionando sua via-

bilidade a manutencao da interdependencia economica e

polftica entre 05Reinos, por outro, os deputados brasileiros,

orientados em grande medida pelas instrucoes andradinas,

concebiam a unidade a partir dos novas princfpios constitu-

cionais, os quais deveriam assegurar uma paridade de direi-

tos entre as duas partes do Imperio.Neste sentido, 0 que Jose Bonifacio apresentava na-

quele momento era uma concepcao renovada dos fundamen-

tos ideo16gicos que embasavam 0 projeto de grande Impe-

rio, em contraposicao aos moldes coloniais, sob os quais as

liberais vintistas pretendiam executa-lo. Par isso, aquilo que

para ele significava uma imprescindivel "condicao de uniao" ,

para estes 61timos revelava-se "condicao de desuniao" .40

156

T E l I T l D J &M:!rr6'a

As ultimas deliberacoes de Lisboa, exigindo a volta deD. Pedro a Portugal, suprimindo os orgsos administrativos

sediados no Rio de Janeiro e criando governos provinciais

diretamente vinculados aquele Reino - as quais chegaram

ao Rio de Janeiro em dezembro de 1821- acirrariam ainda

rnais os a nim os d o Andrada. 0 principal motivo de sua rea-9 aO devia-se ao fato de as deliberacoes colocarem ern risco aunidade entre as provincias do Brasil e, conseguintemente, 0

projeto de grande Imperio par ele idealizado, AMm disso,

elas atentavam contra os interesses dos principais grupos so-

cioeconomicos situados nasprovincias quecompunbam a sededa Corte no Brasil, ouseja, Rio de Janeiro, Sao Paulo e MinasGerais." -,

Dessa forma, as deliberacoes lisboetas desencadearam areayao dos setores mais expressivos daquelas tres provfneias,

as quais se encarregaram de encaminhar uma serie de Repre-sentacoes ao prfncipe, pedindo para que este nao atendesse

a sordenacoes das Cortes, pennanecendo noBrasil. JoseBonifacio,que desdejunho de 1821ocupava 0cargo de vice-presidente e ta

Junta de Sa o Paulo, tamara a frente neste processo, sendo 0

principal mentor daquelas Representacoes.o argumento basico que entao utilizava afinnava que

as deliberacoes das Cortes atuavam no sentido de tirar-nos 0

"centro de forca e uniao", associaclo a figura de D. Pedro,

conforme demonstra a citacso abaixo: .

[As Cortes] the prescreveram la o Brasil] Governos Provinciais

organizados de tal maneira que s6 parecem destinados de prop6-

sito para enfraquecer-nos, dividir-nos em partidos, e desligar asProvfncias; a fim de melhor imperarem sobre cada uma I.... Or-den am que V.A.R. va qu a nt o a n te s para Portugal, deixando 0Reino

do Brasi l sem cent ro comum de governo, e uniao, e tomando-o

dependente de Lisboa em todas as suas relacoes, e neg6cios; qual

viI Colonia sem c o nt emp l ac a o, E s ta poHtica (...J e o m a io r insulto

que se podia fa ze r a s eu s H ab ita nt es ; e s ua e xe cu ca o [ ... ] sera 0

primei ro sinal de desuniao, e da disc6rdia , sera 0 princfpio das

de sg r ac a s i n ca l cu l av e is , q u e t e rn de arruinar a ambos osReinos, 42

157

Tempo & 1 v 1 e m 6 r I o

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CONsmUC;AO DA NAr;;Ao E ESCIlA IoIDAO NO PENSMIENIOOE JOSE BONIFAcIO: 1783·1823 ANA ROSA CLOCLU PAS,LVA

E im p orta nte n ota r q ue a v olta d e D. P ed ro p ara P or tu -

g al a pa re ce se mp re a sso cia da n ao a pe na s a " de su ni ao " q ue

g era ria e n tre a s p ro vfn cia s d o B ra sil - 0q ue d e ce rta fo rm a

v ia bi liz aria a s p re te ns 6e s r ec olo niz ad or as d as C o rt es - , m a s

a s " de sg ra ca s" q ue s uc ed eria m a os d ois R ei no s. I sto p or qu e,

a perda d e u rn "cen tro com urn d e forca e unidad e" im plica-

ria a perda do R eino do B rasil, v isto aq ui com o a parte m ais

rica d o Im pe rio , d a q ua l d ep en dia a p ro pria so bre viv en cia

da m onarquia Iusitana. 0 trecho aba ixo , ex trafdo de um a

d aq ue la s R ep re se nta co es , e lu cid a m e lh or e sta id eia :

[ . . . J qu e a Constituicao era 0P ac to S oc ia l e m q ue se expre ssavamed ec la ra va rn a s c o n di co es , p el as q u ai s u m a Na\{ao s e q u er c o ns ti tu i r

e m C o rp o Politico; e q ue 0 f im d e st a Constitui~aoe a bem g era I d e

todos os in div fd uo s, q ue d ev em e ntr ar n es te P ac to S oc ia l. C om o

p ois o us a a go ra u ma m era fra'tao da Gr an d e Na< ;a o P o rt u gu e sa ,

s em e sp er ar a c on clu sa o d es te s o le n e P a ct o N acional, atentar con-

tra 0 bem geral da pa r te p r inc ipal da m e sm a [ .. .] 4 ( ;

E , abor d ando 0 problem a d o de creto qu e estipu lav a a

su oo rd m ac ao d ir eta d as p ro vfn cia s a L is bo a, J os e B on ifa cio

af irmava:

Que egofsmo inaudito, que comportamento! Sua rn a polftica che-

ga a tanto que nao temern sacrificar a rna ior part e da Nac ;1:'io,e

toda a Augusta Familia de Braganca, aos acasos provaveis de se

renovarem as triste s circunstancias de 1807 [ " . J Que motives

ponderosos deveriam conduzi-lo a Portugal? [...] Sedam os inte-

resses f ut ur os d e Sua Au gu st a F am i li a? E st es m e sm o s r eq u er em

im pe ri os am e nt e q ue v'A.R. c on se rv e p ar a a S e re nf ss ir na C a s a deBraganca 0 v as to , fe rti l, e g ra nd io so R ein a d o B ra sil ."

Aplicando pois a urgenc ia de urn tal Decre to a s circunstanciasatuais das diferentes Provfncias do Reino do Brasil, reconhece-

ram-no a vista inteiramente s up er flu o, p or e st ar em q ua se to da s

regidas por Governos, que 0Povo legalmente havia criado, usan-

d o d o s d ir ei to s ia li en av e i s , q u e l he s competem, como h om ens e

c om o c ld ad ao s l iv re s. 0 u so d es te s d ir ei to s 56 po d ia mo d if ic a r-

s e p el a p ub li ca ca o d e um a C o ns ti tu i~ li o, f ru to d a s ab ed o ri a e v on -ta de g er ai d os R ep re se nta nt es d e to da s a s P ro vfn cia s P or tu gu e-

s as , r eu ni da s e m C o rt es . Fundadas ne s te s d i r ei t os impre sc r it i ve i s

e inalienaveis, le git im a ra m a s C or te s d e L is bo a [ ... J os Governos

Provis6rios criados nas diversas Provfncias do Brasi l. E como

agora ousa 0 Decreto de 29 de Setembro anular a d o ut ri na

estabelecida no Decreto de 18 de Abri l?"

A lm eja v a- se , a ss im , c on v en ce r 0 p rin cip e re ge nte d ag ra v id a de d a s d el ib er ac oe s d as C o rt es d e L is bo a , r ea v iv a nd oa im ag em do B rasil com o su stentaculo da C oroa p ortug ue-sa , c om o s eu r efu gio p os sfv el, s em p re a ve nt ad o n os m om en -tos em que 0R ein o p ort ug ue s p ass av a p or a lg um a v ic iss itu -

de. U ma im agem que trazia subjacente a propria ideia de

fundar-se urn "vasto Im perio" a partir do B rasil e que re -

m on ta va a os p rim 6 rd io s d e n ossa colonizacao."

E i nt er es sa nt e n o ta r a in d a q ue , n e st as R e pr es en ta co es ,c on te st av a- se a s a tit ud es " irn po lftic as " d as C o rte s d e L is bo a

po r me i o do p r 6p r io endos samen to d a s i de i as c o ns ti tu c io n a li st a s,

b er n c omo d o p ro je to m o n ar qu ic o- co n st it uc io na l, r ev e la n do -

s e, d e ss a f orm a, a p r6 p ri a i nc oe re n ci a d o s l ib er ai s v in ti st as , o s

q u ai s, c on fo rm e b er n n ot a L y ra , f i ca v am v u ln e ra v ei s p e ra n te o s

a t aq u e s do s r epr es ent an t es b ra s il ei ro s ." A s s im , a fi rmav a -s e :

A o m esm o tem po em que eram e nviadas as R epresen-

t ac oe s a o p rfn cip e re ge nt e, 0 A ndrad a p ro curav a g~ nh ar aa de sa o d as d em ais p ro vfn cia s d o C en tro -S uI a o m ov im en to

p ela su a p erm an en cia . C om e ste in te nto , re dig iu u rn O flc ioa o g ov ern o p ro vi nc ia l d e M i na s G e ra is , p _: op on do ~m a " ali -

a nca o fe ns i va e d efe nsiv a co ntra o s m an do es e fa ccio so s d asC ortes e G overno d e Lisboa"," n o qu al acusav a-se as C or-

tes de "aviltar-nos e reduzir-nos ou tra vez a v is colonos e

e scra vo s" e c on vid av a a s d em ais "P ro vln cia s d o B ra sil p ara

to m are m ig ua l p arte n a sa nta ca usa d a n ossa b on ra e lib erd a-

158

Tempo&Mem6io

159

Tempo &Me r ' Y ' IM : l

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C ON sll lIK ;A o O A N Ar; AO E E SC AA 'I 1D Ao N O P 'E NS AM I;N TO D E J os s B ON "A clO : 1 7 8 3- 1 82 3A A ROSACLOClH DA S " - V A

de", reafirmando-se as condicoes da uniao com Portugal, ou

seja, os princfpios da igualdade e justica, Segundo ele,

se mp re fo mo s P ortu gu ese s, e q ue re mo s se r Irm ao s d os d a E ur o-

p a, m a s n li o s er s eu s e sc ra vo s. Ig ua ld ad e d e d ir ei to s e d e v en tu ra s

slio a unica b ase e m q ue d ev e a sse ntar 0 pacta social de toda a

Nag ao Lu s it a na , e nao entraremos em uniao alguma que nao seja

igual, recfproca, justa e decorosa/"

cumento com as Instrucoes e Representaciies elaboradas no

momento imediatamente posterior a instalacao da monar-

quia constitucional se converte nurn exercicio extremamen-

te interessante, na medida em que nos pennite apreender asprincipais transformacoes que 0 pensamento andradino te-

ria sofrido no decorrer desta ruptura polftica. Mais especifi-carnente, acreditamos ser possivel, atraves deste confronto,

acompanhar a propria evolucao na sua percepcao da crise

entao vigente, no perfodo circunscrito pela mudanca na for-

ma politica de governo e a efetiva separacao com Portugal,em seternbro de 1822.

Ap6s discorrer sobre ',0 longo perfodo de exploracao

colonial, segundo 0 qual os-portugueses queriam "que os

brasileiros pagassem ate 0 ar que respiravam, e a terra que

pisavam", a Andrada conclui que

Dessa forma, retomava a imagem da oposicao entre

colonia e metr6pole, a fim de obter uma coesao interna da

elite capaz de viabilizar a permanencia do principe. Tratava-

se daquilo que Novais identifica como uma atitude caracteris-

tica da camada dominante, a q ua l, ao assumir este nivel da

tensao, ocultava aquele que opunha senhores e escravos, cri-

ando a imagem da colonia como uma "unidade, fazendo COD-

fundir seus interesses com os da populacao", encaminhando,

"no nfvel ideo16gico" 0"projeto de nacao independente". Umaatitude respaldada na pr6pria condicao desta elite, "cuja cons-

ciencia de classe precisa conciliar a ruptura do pacto colonial

com a preservacao do escravismo", 0qual se constitui na sua

base de sustentacao."

Neste sentido, os tennos "escravos" ou "escravidao" apa-

reciarn nestes documentos expressando a condicao de desigual-

dade que se punha no plano extemo, da ex-colonia em relacao

a ex-metr6pole, ocultando a relacao de dominacao intema, do

senhor sobre 0escravo." A ideia de "pacto social", assentado

na igualdade de direitos entre os dois Reinos, servia ainda paraocultar as divergencies internas existentes no seio da propria

elite, reforcando a imagem d a co es a o.

As ideias contidas nestes documentos elaborados du-

rante 0 ano de 1821 seriam retomadas em varies momentos

por Jose Bonifacio, encontrando-se de forma sistematizada

no seu Manifesto de 6 de agosto de 1822, redigido as vespe-

ras da Independencia.? 0 confronto do conteiido deste do-

tais desgracas clamavam altamente por uma pronta reforma deGoverno, para 0qual 0habitavam [sic] 0acrescimo de luzes e os

seus inauferfveis direitos, como homens que fonnavam a porcflo

maier e mais rica da Nacao Portuguesa favorecidos pela Nature-

za na sua posicao geografica e central no meio do Globo [ ... J e

nas riquezas naturais do seu solo. 53

E interessante notar como nesta passagem sao exalta-

das as potenciaIidades naturais do Brasil, imagem esta que

estava presente nao apenas nas suas Representaciies ao prfn-

cipe regente, como nos documentos pertencentes afase eu-

ropeia e que remonta a propria "visao paradisiaca" do NovoMundo." No entanto, se anteriormente esta imagem havia

sido utilizada como fundamento para 0projeto de edificacao

de urn grande Imperio a partir do Brasil, conforme visto no

capitulo anterior, a partir da Revolucao do Porto, eia passava

tambern a embasar a necessidade da "reforma de Govemo",

uma vez que esta era entendida como urn direito dos habitan-

tes da "porcao maior e mais r ica da Nacao Portuguesa"."

160

T e r r e x > & ME : : m 5O C l161

TempO &IvIer r6ia

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ANA ROSAClOCl lT DA SILVA

Ern seguida, lose Bonifacio passa a descrever a atitu-

de de Portu~~) em relacao ao Brasil, ap6s 1820. Segundo

ele, ul? , ? O S fins ocultos" da "Regeneracao Polftica da Mo-narqura partuguesa

consistia em restabelecer astutamente 0v el ho S is te m a C o lo n ia l

sem 0 qual creu sempre Por tugal, e ainda hoje 0 ere, que na o

pode existir rico e poderoso. [Mas] "6 quase imposstvel conciliar

este plano absurdo e t iranico com as luzes e liberalismo que alta-

mente apregoava[m] 0Congresso Portuguesl'"

ideias l iberais eo antigo sistema coloniaL Esta cons tatacaosugere que 0Andrada p o ss uf a n a o somente uma percepcaoabrangente da gama de elementos envolvidos neste proces-

so, uma vez que 0concebia atraves da ideia de sistema, como

apresenta va uma interpretacao sobre a d i nam i ca h i st o ri ca dos

fenomenos vivenciados, a qual, naquele momento, aponta-

va para a superacao do sistema colonial."Dessa forma, constatando a incompatibilidade entre as

"luzes" eo "despotismo", discorria sobre as atitudes recolo-

nizadoras das Cortes. E interessante notar que, a partir deste

momento, seu discurso se desenvolve no sentido de apontar

a inexorabilidade da independencia politica do Brasil, dada

a tentativa das Cortes de destituf-lo de uma sede do Executi-

YO, cuja importancia em termos do seu projeto imperial 6 :justificada pelo fato de que "sem urn centro comum que de

regularidade e impulso a todos os movimentos da sua Ma-quina Social, deb aIde a natureza teria feito tudo 0 que dela

profusamente dependia, para 0 rapido desenvolvimento dassuas forcas e futura prosperidade [.. .]."60

Logo, conduzia seu argumento de modo a apontar a

naturalidade representada pela permanencia do Executivo

'n o Brasil, visto que esta seria a unica altemativa capaz de

dar sentido a s suas potencialidades naturais, ja ressaltadas

em outros momentos do texto.

Em seguida, ainda apoiando-se neste argumento , 0

Andrada critica 0 fate de as Cortes de Lisboa terem estabe-

lecido "0 assento da Monarquia em Portugal", sem consul-

tar "a vontade geral dos Portugueses de ambos os Hemisfe-

rios". Neste ponto, inverte 0 argumento utilizado pelos re-formistas da Academia Real das Ciencias de Lisboa, anterior-

mente a 1808, para embasarem a unidade luso-brasileira, au

seja, a ideia de que a uniao era "natural", uma vez que bene-

ficiava a colonia e a metr6pole: a esta ult ima, porque podia

.contar. com os recursos naturais da colonia, a qual, por sua

vez, dela dependia como centro dinamizador do conjunto,

Esta passagem nos indica a pr6pria concepcao andradina

acerca do processo hist6rico em curso. Sem adentrarmos na

discussao sobre as diferentes conotacoes que a historiografia

tern atribufdo a expressao "sistema colonial" e, damesma for-

ma, sem a intencao de imputarmos qualquer uma delas ao

?ens~me~to de I.os6Bonifacio, cabe-nos aqui atentar para as

implicacoes advindas do fato de a relacao entre Brasil e Por-

tugal ser par ele entendida atraves de urn enfoque sistemico.t"Isso porque a ideia de sistema, independentemente de

qualquer especificidade que a , \ l a possa ser atribufda, implica

uma concepcao do conjunto de elementos, entre os quais 6 pas-

sfvel encontrar ou definir alguma relacao, Neste sentido, pen-

~ar? pr~so decrisedo Imperio colonial por tugues a partir daIdem de SIstema sugere uma determinada abrangencia na per-

cepcao e tratamento dos diferentes elementos ai envolvidos e

sendo assim, 0que temos denominado ao longo deste traoalho

de tomada de consciencia da crise em ques tao par JoseBonifacio

na? nos parece ter se dado, a partir do que nos revela a citacao

acnna, de forma pontual e localizada, explicando, em boa me-

dida, sua preocupacao com as diferentes ordens de q u es to es -

politic as, economicas e sociais - envolvidas no processo da

cons t rucao daNac;:ao.8

Alem disso, 0 trecho supracitado chama a atencao para

a incompatibil idade entao identificada entre a difusao das

162

Terrpo &IIiIerr6i:J163

Terrp:l&Me I ' T 1 C OO

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C O N SI Il 1J I; AO O A N I; CA O E E S CR AV lD A o N O P E NS AM E N lO 0 . Joss Bo I> f I FA c IO : 1783-1823

ANI; ROSA elOClE! 01; SJLVI;

devido a sua posicao privilegiada no centro do comercio61

europeu. , . , ,Segundo a a r gumen tac ao de Jose Bonifacio,

como se essa minima par te do terri t6rio Portugues e a sua povo-

a~ao estacionaria e acanhada devesse ser 0centro politico e co-mercial da Na~ao inteira . Com efeito, se convem a Estado~e~p~-

lhados mas reunidos debaixo de um s6 Chefe, que 0 pnncipio

vital de seus movimentos e energia exista na parte mais central e

poderosa da grande Maquina Social.'para que 0 i~puIso se co-

munique a toda a per ifer ia com a mawr presteza e vlg~r , de cer to

o Brasil tinha 0 incontrastavel direito de ter dentro de 810 assento

do Poder Bxecutivo."

mornento ela era instrumentalizada para justificar a fixacaoda monarquia no Brasil e a construyao de um vasto Imperio

a partir deste, agora, ela passava a justificar a propriaautonomizayao poIitica.

Isto porque, segundo a argurnentacgn do Andrada,

sendo ° Brasil a parte mais rica do Imperio e Portugal pobree decadente, a sobrevivencra deste passava a depender da

conservac;ao daquele, entao ameac;ada pelo despotismo das

Cortes de Lisboa, que pretendiam tirar-lhe urn "centro co-

mum de Uniao" , Dessa forma, sendo impossivel que 0Bra-

sil "possajamais ter confianc;a nas contas de Lisboa vendo-

se a cada passo ludibriado, ja di lacerado por uma guerra ci-

vil cornecada por ess~ iniqua gente", a alternativa para a sua

preservac;ao e, portanto, para a salvac;ao da pr6pria monar-quia, passava a ser a irtdependencia.65

A retrospectiva da hist6ria da exploracao colonial c

desde quando ° Brasil "se apreseritara peJa vez prirneira [...Jaos olhos do venturoso Cabral", ate 0momento em que, da-

das a s t en ta t iv a s recolonizadoras das Cortes, v ia -s e ame a ca -do a "ser riscado para sempre do mimero das Nacoes e Po-vos livres, ficando outra vez reduzido ao antigo estado Co-

lonial, e de cornercio exclusivo" - conclui pela necessida-

de de sua independencia polft ica, vista como uma soluc;aonatura] e inevitavel, coerente com os interesses nao apenas

do s "Povos Brasileiros, mas igualrnente as de toda a Na-cao" , que urn dia D. Pedro viria a governar=

Percebe-se, ainda, que em agosto de 1822, data em

que Jose Bonifacio escrevia 0Manifesto a s nacoes amigas,a independencia politica em relacao a Portugal ainda naosignificava separac;ao, conforme ficaria expresso na seguin-te passagem:

Dessa forma, ressaltava a posicao "mais cen,tral e po-

derosa" do Brasi l, que entao passava a ser entendido como

naturalmente superior a Portugal e, porta~t~, c?~o devendo

ser a sede da monarquia. Em contraposicao a unagem doBrasil como Reino mais importante, 0Andrada retomava a

imagem da decadencia de Portugal, pois, segundo ele,

quem ignora igualmente que e quase impossfvel dar ~ova for~a,e

energia a Povos envelhecidos e defecados? Quem ignora hOJ.e

que os belos dias de Portugal estiio p~sados, e que s6 do ~rastl

pode esta pequena porcso daMonarquia es~e_r~rsegura .arr~mo enovas forcas para adquirir outra vez a sua vir il idade antiga. Mas

de cer to nao podera 0 Brasil prestar-lhe estes socorros de ~lcan~

~arem [se] esses insensatos deceparem-lhe as forcas, desuni-los e

a rr ui na -l o [ . .. ] Tal comportamento, alem de inepto e desonroso,

precipitaria 0Brasil em urn pelage insondavel de desgracas, eperdido 0Brasil esta perdida a Monarquia.P

Esta ' era uma imagem recorrente nos escritos andra-

.dinos, a qual, confonne vimos, ocupou gra~de p~r~~dos seus

a po nta me nto s d e D e P ra dt, d o q ua l eX ,trru aa id eia ~ e que"Portugal foi uma estrela errante que bnlhou por urn ~nst~n-

te e apagou-se para sempre".64 No entanto, se num pnmeiro

Mas P r ot es to ao mesmo tempo perante Deus e a face de todas as

Na~oes Amigas e Aliadas que nao Desejo cortar os laces de uniao

e fraternidade, que devem fazer de toda a Nac;ao Portuguesa urn

so Todo Politico bern organizado !67

16 4

Tempo & Merr6io 165

T e r l 1 I X > &Mern6ia

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C O NS IR lX ;A o V A N Ar :; Ao E ESCIlAVlOAO NO PENSAMENTO DE J OSE B o .\ J IF A c IO : 1783·1823

Por urn lado, esta declaracao pode ser entendida como

uma estrategia diplornatica utilizada pelo entao ministro do

Reina e Neg6cios Estrangeiros, para efeitos do reconheci-

mento por parte das potencias europeias - com as quais se

pretendia estabelecer relacoes de soberania - da nova si tu-

a<;aopolftica do Brasil."

Entretanto, quando confrontada com os documentospor ele redigidos em perfodos anteriores - fundamental-

mente as Instruciies aos deputados paulistas, as Representa-

(:oes ao prfncipe por ocasiao do "Fico" e 0 Oficio dirigido ao

governo de Minas Gerais -, demonstra uma certa continui-

dade no pensamento andradino, no que se refere a ideia de

edificar-se uma grande Nacao lusitana, com base numa mes-

rna identidade portuguesa.

Alem disso, 0 fato de convidar-se as "Nacoes Arnigas

[ . . . J a continuarern com 0Reina do Brasil as mesmas relacoes

de rrnituo interesse e arnizade", colocando-se, contudo, a res-

salva "enquanto durar 0cativeiro d'EI Rei Meu Augusto Pai",

sugere nao apenas um. carater previsorio da independencia,

como uma mesma pr ivacao de liberdade, para os "portugue-

ses' ' dos dois Reinos, sujeitos aos "facciosos das Cortes"."

Mas, se por ur n lado 0Manifesto de 6 de agosto nos

chama a a te nc ao p el o fato de ainda na o representar uma efe-

tiva ruptura polftica em relacao a Portugal, por outro, ele

enfatiza 0 problema das rupturas politicas internas ao Bra-

sil. Mais que isso, 0 que Jose Bonifacio aponta recorrente-

mente neste documento e a vulnerabilidade da integridade

brasil ica perante as atitudes recolonizadoras das Cortes, asquais se valiam da pr6pria existencia de divergencias inter-

nas para se imporem ao Brasil, 0que acabava por acirra-las.Um a prime ira "faccao" intern a, que, embora na o fosse

exp1icitamente mencionada pelo Andrada ern seu Manifesto

de 6 de agosto, apareceria com frequencia em outros docu-

mentos, compunha-se pelos individuos vinculados aos inte-

resses absolutistas e que, portanto, posicionavam-se contra a

Revo lu c ao l ib e ra l. " Dentre estes ind iv fduos , des tac avam-se

os rnembros da antiga nobreza por tuguesa" emigrados para 0

Brasil, bemcorno os proprietaries cujos interesses encontra-

vam-se intimamente atrelados ao co rner c io co lon ia l. "A estes indivfduos Jose Bonifacio denominava "chum-

bistas", "pes de churnbo", ou ainda, "corcundas" e, embora

representassem uma ameaca ao projeto de Nacao indepen-dente, nao pareciam ocupar, pelo menos ate a dissolucao da

Assembleia Consti tuinte, em novembro de 1823, urn papel

muito central nas suas preocupacoes relativamente as "fac-

((6es internas" , pois, segundo afirmava,

e m q ue se fu nd am o s ab so lu tista s d o B rasil p ara q uer er em p erju -

r as ? N a o p in ia o g er al , n ao , p o rq ue o s B r as il ei ro s s ao Am e ri ca no s;

na reacao d a s c la s se s p r iv i le g ia d as , nao, po rqu e as nao ha, senaode ricos e pobres, A nobreza e infatuacao {sic] passageira; 0Clero

q ue r g oz ar d o q ue te rn , e n in gu em I he d is pu ta [ ...] 0B r as il q u er s er

l iv re e t er n 0 e x er np lo e m t od o s o s n as ce nt es E s ta do s q u e 0rodeiam,Es te e e d eve ser 0 v ot o n a ci on a l. T u do 0m a is s ao p ue ri lid ad es e

. inconsequentes sa nd ic es d o o rg ulh o c eg o, e d o esn ip id o co rc un -

disrno."

Portanto nao vislumbrava fundamentos para os interes-

ses absolutistas na sociedade brasileira da epoca, 0que talvez

estivesse associado a sua propria visao do processo hist6rico

em curso, a qual, conforme demonstramos anteriormente,

parecia conceber a difusao das Luzes como algo irreversivel.

No entanto, em diversos momentos , estes interesses "absolu-

tistas" iriam manifestar-se no processo da [ndependencia,0

que relativiza esta sua aparente "despreocupayao" com a ame-

alta absolutista.A Bernarda de Francisco Inacio, ocorrida na Provin-

cia de Sao Paulo, em maio de 1822, reflete em parte este

confronto entre interesses absolutistas e ideais l ib er al s. Em -

bora este movimento expressasse basicamente uma disputa

entre a familia Andrada e os demais rnembros do Govemo

166Tempo & Merrr:)io

167

TerT"(JO & . Mem6ia

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CONSIRU< ;A o O I NN;Ao f ESC....VDAO N O rE NS IIM EN TO ~ J oM B ON FA clo : 1783-1823A w > . ROM ClOClET OA S,LVA

Provis6rio de Sao Paulo - Oeynhausen, Muller, Francisco

Inacio, Silva Telles, Costa Carvalho e outros - pela manu-

ten~ao do poder local, 0confronto dava-se a partir de interes-

ses polftico-economicos fundados em principios divergentes."

Segundo Contier, os ideais do "partido andradista" fun-

davam-se na nao-aceitacao dos principios norteadores do Es-

tado absolutista, notadamente a manutencao do exclusivo

metropolitano colonial e na concomitante adesao aos princf-

pios reformista-liberais da Constituinte portuguesa." Por ou-

tro lado, os "bemardistas", nome atribufdo aos demais mem-

bros do govemo provlsorio, que disputavam 0poder local com

os Andrada, constituiam-se de "negociantes portugueses acos-

tumados ao comercio, segundo as premissas mercantilistas

[ . . . J apoiados por intelectuais a governar pelos princfpios do

Antigo Regime"."Esta bernarda levou a exclusao dos Andrada do gover-

no local e foi urn dos mati vas pelo qual Jose Bonifacio demi-

t iu-se do cargo de ministro, em outubro de 1822.77Portanto,ainda que este motim deva ser explicado muito mais ern ter-

mos de uma disputa pelo mandonismo local, que par diver-

gencias ideologicas entre "recolonizadores" e "Iiherais" , ele

reflete esta dimensao, revelando 0quanto os interesses vincu-

lados ao "despotismo" ainda encontravam adeptos no interior

da elite, principalmente quando tratava-se de interesses eco-

nomicos.Estes interesses foram, conforme ressalta Rodrigues,

uma das causas principais da dissolucao da Assembleia Cons-

tituinte de 1823 .78 Esta_envolveu disputas de cunho polftico-

econemico entre brasileiros e portugueses, implicando 0 exi-lio de Jose Bonifacio, 0 qual, em suas "Netas" escritas na

Franca, imputava a causa da dissolucao a s artimanhas dos se-

tores ligados aos interesses absolutistas. Segundo ele,

migos quando em perigc" [ .. .J os corcundas e ehumbaticos para-Iisaram tudo, e envenenaram as paix6es, espalharam as suspeitas

e os 6dlOS por to~a a parte; e ~s males da inepcia ameacam a

rufna da Monarquia e do Imperio. Seus funestos resul tados naoprometem 0 futuro !BO

o Imperador subiu ao lugar em que se acha pelos pa triotas; se os

abandonar e fizer inimigos, por mais que se escude com chumbistas

e corcundas, corre grande ri sco - Estes riltimos sao camaleoes

sem carater, instrumentos do poder enquanto e for te , e seus ini-

Com reI~ao a s "faccoes" cujos interesses articulavam-s~ c,om os ideais Iiberais vintistas, podemos perceber duas es-

p e C : :1es de amea9a.il integridade nacional, as quais apareciammtt_mamente relacionadas na visao de Jose Bonifacio. A pri-

metra delas expressava-se nas tentativas recolonizadoras da-

queles "liberais", aos quais denominava "Demagogos Lisbo-nenses", "despotas", au ainda, "facciosos das Cortes". A se-

gunda referia-se a s _divergencias internas, suscitadas em grandemedida pela atuacao da s Cortes de Lisboa."

No prirneiro caso, a integridade territorial via-se amea-cada pelo fato de que, na tentativa de reverter 0processo de

emancipac;ao politico-economica que 0Brasil vinha alcan-

cando desde 1808,\08 deputados portugueses estabeleciam"Governos Provincials anarquicos, e independentes uns dosoutros, mas sujeitos a Portugal", bern como pretendiam res-

tabelec~r "0 ~o~er~io exclusivo'',» 0que acabava por acir-rar as divergencies ~nternas, fazendo suscitar urn outro tipo

de ameaca a mtegndade brasflica: as "ideias anarquicas e

rcpubhcanas"," sentidas tanto em nivel regional , quanta noproprio espaco politico da Corte.

Referindo-se ao primeiro nfvel, 0 Andrada citava 0

exemplo do que vinha ocorrendo naprovincia da Bahia, onde

a norneacao do hrigadeiro portugues Ignacio Luiz Madeira

para 0 comando das armas, em infcios de 1822 suscitou aconflito entre 0 que ficou conhecido como 0 "partido brasi-leiro" e 0 "partido portugues". 0 primeiro, bastante hetero-

geneo, contava com a pres~nc;a de varies individuos que pro-

punham a ruptura republicana, 0 que justifica 0 exemplomencionado." Segundo ele,

[. . ,] quais foram a s utilidades que daf vieram a Bahia? 0 va o e

ridfculo nome de Provincia de Portugal; eo pior e [sic] os males da

16 8

Tempo &Mern6rb

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GOO:mruc;:Ao DA NA!;Ao E ESCRAVlDAoNO PE~JSl<MWfOos JOSEBO NrfAeto: 1783-1823 ANA ROSACWClfT DA SILVA

guerra civil e da anarquia em que hoje se acha submergida par

culpa do seu primeiro Governo, vendido aos Dernagogos Lisbo-

nenses, e de alguns outros homens deslumbrados com ideias anar-

quicas e republicanas [...] Bern via 0Congresso que despedacava a

arquitenrra majestosa do Imperio Brasileiro: que ia separar e por

em continua luta suas partes; aniquilar suas forcas, e ate converter

as Provfncias em outras tantas Republicas inimigas."

ta de Procuradores Gerais, ou Representantes, legalmente nome-

ados pelos eleitores de Par6quia, juntos em cada Cornarca; para

que nesta Corte, e perante V.A.R_ 0 aconselhem, e advoguem a

causa das suas respectivas Provtncias."

No esp3.9opolitico da Corte, por sua vez, a "ameaca

republicana" era representada peia atuacao do grupo liderado

por Goncalves Ledo. Se, num primeiro momento, as diver-

gencias centravam-se, basicamente, em torno da questao da

permanencia ou nao da Coroa no Brasil, conforme aponta-

mos anteriorrnente, ap6s 0"Fico", elas seriam deslocadas.para

o debate acerca da definicao politica da Na~ao.86

Aqui, deacordo com a analisede Salles Oliveira, 0gru-

po reunido em torno de Ledo mobilizou 0proces~o de reivin-

dicacao pela convocacao de uma Assembleia Legislativa eleitapelo povo, a qual era entendida, segundo a autora, como a

condicao necessaria para 0 "ajustamento do mercado interno

e da multiplicidade de interesses contradit6rios presentes no

interior da sociedade"." Ou seja, conceoia-se a Assembleia

Constituinte como garantia da pretendida unidade doBrasil."

No entanto esta proposta colidia diretamente com as

ideias do Andrada, 0 qual, imediatamente ap6s sua eleicao

para 0Ministerio, em fevereiro de 1822, decretara a convoca-

c,;aode urn Conselho de Procuradores dasProvincias, que, "sem

deixar de ser urn esboco de assernbleia geral, teria apenas fun-

coes de consulta e proposicao, seria urn Conselho de Estado

eleito e temporario" .89

Ja nas Representaciies enviadas ao principe regente, em

1821, justificava a necessidade deste ato, argumentando que,

omotivo pelo qual 0futuro ministro defendia aconvo-

cacao da Junta de Procuradores, em contraposicao a de uma

Assembleia Legislativa, ficaria expresso na seguinte nota:

Conhecendo as disposicoes do lmperador e as desordens das

Assembleias Constituintes, lembrei-me de criar dos procurado-

res gerais urn Conselho de Estado, que servissem de mediadores

entre a povo e 0 Soberano, ate que 0 Brasil l ivre de inimigos e

faccoes pudesse constituir-se sem baionetas,"

As referencias as "disposicoes" deD. Pedro, bern como

as "desordens das Assernbleias Constituintes", sugerem que

sua opiniao sobre estas iiltimas em muito baseava-se nas

impressoes colhidas a partir da experiencia revolucionaria

francesa. Isto, tanto no que diz respeito aos desdobramentos

da abertura dos Estados Gerais em junho de 1789 - que

acabou convertendo-se em Assembleia Constituinte e deto-

nando a sublevacao das massas - quanto no concernente

ao Golpe do 18de Brumario, marcando 0 infcio do imperia-

lismo napole6nico, contra 0 qual 0 proprio Jose Bonifacio

havia lutado.Alem disso, justificaria sua oposicao a . convocacao de

uma Assembleia Consti tuinte pelo fato de acreditar que os

"brasileiros" nao estavam preparados para este tipo de parti-

cipacao politica, pois, segundo ele,

[ . • . J para reunir todas as Provfncias deste Reino em urn centro

c om u m d e u ni ao , e d e in te re ss es r ec fp ro co s, c on vo ca ra uma Jun-

os Brasileiros querem ter liberdade, mas liberdade individual, e

nao a que tinham as Republicas antigas, que era [ .. .] a publica ou

polit ica. Nao estao em estado de fazerem sacriffcios continuos,

pessoais, para figurarem nas Assembleias e na Administracao; as-

s irn, temo muito que a nosso edi ffcio social nl io acabe em poueo

tempo, logo que afrouxe 0entusiasmo momen taneo que 0gerou."

170

lemp:l&~

171

Tempo &Marr6io

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ANA ROSA CLOClH OASilVA

Aqui, 0Andrada parecia basear-se na mesma nocao de

liberdade utilizada pelos filosofos franceses do s e cu l o XVT I I,

fonnuladores das ideias que ernbasararn a Revolucao de 1789,

Segundo Hanna Arendt, estes homens ernpregavarn 0

tentes, sem que fosse preciso recorrer com amargos sacriffcios ao

ideal Republicano, que a experiencia de seus vizinhos lhes apre-

s en ta va a na rq ui co e violento."

tenno liberdade com uma nova e ate e n ra o q u as e desconhecidaenfase na liberdade publica, urn indicio de que eles entendiam Ji -

berdade como algo muito diferente da livre vontade e do livre pen-

samento que os fil6sofos haviam conhecido e examinado desde

Agostinho."

Em outra nota, apontava ainda para uma segunda di-

mensae do problema:

Para eles, prossegue Arendt,

Se em toda parte 0 trono tern necessidade de rodear-se de esplen-

dor e de ganhar coracoes pela sua liberalidade e rnagnificencia,

rnuito mais 0 tern 0do Brasil, cercado de Repiiblicas e povoado

por homens que nao conhecem outras distincfies sociais, que ser

brancos e ter dinheiro."

a liberdade s6 podia existir em.piiblico: era uma realidade terrena,

, tangivel, algo criado pelos homens para ser desfrutado por e le s, e

nao urn dom ou uma capacidade, era 0 espaco publico ou a p ra c a

publica que a Antigiiidade havia conhecido como a area em que a

liberdade aparece e se torna visfvel para todOS.94

Portanto, alem da ameaca polftica extema a integridadeterritorial do pafs, vislurnbrava 0fato de os habitantes do Bra-

sil nao conhecerem qualquer outro distintivo social que naoOS de naturezamaterial e etnica,ou seja, as de serem "bran-

cos" e terem "dinheiro", nao haven do, assim, qualquer senti-

menta de identidade nacional que os unisse naturalmente."

Retomaremos a questao de como Jose Bonifacio con-

cebia 0problema da falta deuma identidade nacional entre os

brasileiros no pr6ximo item. No entanto ja aqui vale destacar

a forma como ela aparecia associada a necessidade de manu-

tencao de ur n poder central forte, conforme registrado em um ade suas "Notas'':

Dessa forma, possuindo estas opinioes em relacao aorganizacao polftica da Nayao, Jose Bonifacio ass_?ciaria a

atuacao do grupo de Ledo a ameaca republicana." Aqui, eirnportante chamar a atencao para 0 significado que 0 regi- .

me republicano assumia no seu pensamento.

Primeiramente, deve-se notar que a ideia de Republi-

ca aparecia sempre associada a experiencia revolucionaria

das ex-colonias espanholas e, dessa forma, representava a

ameaca da desintegracao territorial. Se pensarrnos que °Brasil, a epoca da independencia, consti tufa-se na unica

monarquia de urn continente republicano, entenderemos a

preocupacao do Andrada em manter aqui urn poder central

forte, que evitasse 0 esfacelamento do territ6rio nacional.

Segundo ele proprio afirmava,

o iinico sentimento geral dos Brasileiros e 0amor da Indepen-

dencia, isto e , 0desejo de sacudir 0desprezo individual, com que

sao tratados pelos Portugueses. Como Colonos e Americanostinha[mJ toda a disposicao inata de serem Republicanos [...] para

combater esta disposicao s6 havia urn meio, que era fazer depen-

der [,.,J a Independencia da Realeza Constitucional, 99

o Imperio constitucional era 0mais analogo aos seus costumes, e

com a liberdade que este firmava e garant ia todos ficavam con-

Dessa forma, sua enfase na arneaca republicana justi-

fica-se, nao apenas pelo faro de 0Brasil encontrar-se rodea-

do de Repiiblicas, mas, sobretudo, pelo fato de tal modelo

adequar-se a s supostas propensoes naturais dos brasileiros,

172

T6'fTlJO&~173

Tempo & lv\er ' r6o

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CONSTRtx;AO OA NACAO £ ,SCIlAVIDAo NO P1'NSAMENIOD[ J O S E BON I FA ci o ; 1 78 3 - 1823

ainda que estes buscassem a independencia como forma de

se livrarem do "desprezo individual" e nao por urn senti-

mento nacionaL

Alern disso, aparece aqui uma ideia recorrente no pen-

samento andradino: a de associar os americanos, em geral, e

os brasileiros, em particular, ao sentimento de liberdade.

Tanto na sua opiniao sabre 0nao-embasamento das propos-tas absolutistas, quanta na citacao acima, sobre a propensao

natural a Republica, esta ideia e colocada, sugerindo uma

forte influencia dos exernplos hist6ricos de sua epoca - 0

processo de libertacao das colonias arnericanas e espanho-

las - bern como da tradicional crenca na America como

forca libertaria e regeneradora, desenvolvida desde a epoca

dos descobrimentos, mas enfatizada, a partir do seculo XVIII,

gracas aos movimentos independentistas e antiescravistas,

conforme veremos.'?" .

Par ultimo, e importante destacar que a ameaca repu-

blicana aparecia associada a um outro inimigo intemp a inte-gridade do Brasil: a escravidao. 0 risco de uma sublevacao

geral dos escravos, a exemplo da Revolucao de Sao Domin-

gos, emergia como inimigo potencial comum aos olhos da

elite brasileira e, neste sentido, acabava promovendo uma

coesao interna das diferentes "faccoes", perante a ameaca

recolonizadora das Cortes de Lisboa. Estas eram acusadas de

estar promovendo uma "guerra civil" no Brasil e 0 risco do

desmembramento aparecia associado a uma conspiracao dos

escravos. Jose Bonifacio expressaria esta ideia, falando sobre

a situacao do Brasil as vesperas da independencia, 0qual, se-

gundo ele, via-se ameacado "por uma guerra civil comecada

por essa infqua gente, e a te [ .. .] com as cenas horrorosas do

Haiti, que nossos furiosos inimigos muito desejarn reviver". 101

E importante notal' que esta representacao farmada a

respeito das atitudes das Cortes em muito fundava-se na for-

ma como estas utilizavam-se do marcado regionalismo dos

deputados brasileiros para impor sua dominacao, ou seja, para

que estes "viessem a ter em Lisboa 0 centro que faltara no

Brasil".I02 Urn exernplo disso era ° que 0 proprio Andrada

denorninava como a "rnaquiavelica' proposta das Cortes de

que se "concedesse ao Brasil dois au mais centres" do PoderExecutivo, "e ate que se correspondessem diretamente com

Portugal as Provincias que assim 0 desejassem't.I'"

Por outro lado, 0 envio de tropas portuguesas a Bahia,em 1822, suscitava nao apenas a reacao dos homens brancos

livres, reunidos em torno do "partido brasileiro", mas de ne-

gros Iivres e libertos, assim como de escravos que fugiam para

unir-se a s tropas brasileiras, constituindo aquilo que ficou

conhecido como 0 "partido negro", 104 temido pela possibili-

dade de que sua atua9ao atingisse as senzalas, unindo-sc a. . b lO S 0

uma sublevacao dos escravos contra a nnnona ranca,

fato de tal partido ter se coligado por diversas vezes aos repu-

blicanos, segundo Reis, fazia com que ambos fossem fre-

quenternente associados.P?

No e nt an to , e importante notar, a associacao entre Re-publica e sublevacao dos escravos dispensava, em grande

medida, a c o ns ta ta cao emp ir ic a do que vinha ocorrendo na

Bahia. Os proprios ideais republicanos revelavam-se amea-

cadores para a mentalidade da elite escravista, uma vez que

implicavam a n098.0de "igualdade de todos peran~e a_lei"107.

ur n exemplo concreto do significado desta associacao podia

se r buscado na Revolucao de Sao Domingos.Y Neste senti-

do os ideais republicanos casavam-se com os interesses dos

esc ravos , assirn como da mult idao de homens livres pobres

_ rendeiros, foreiros, posseiros, jornaleiros - marginaliza-

dos das relacoes de mercado. '?" Esta associacao aparece ex-

plicitamente numa das notas andradinas, segundo a qual

o partido des Corcundas poueo mal pode fazer, porque ~uas~o~-

t rmas saO H ia r id fc ul as e d ep re cia ve is q ue n em o u sam impn rm -

l as . M a s a s d o s U l tr a- L ib er ai s sao ta o congenia is com o s desejos

e i nt er es se s d a plebe, e da grande multidiio de viciosos, q u e t od os

174

TffI lpo&~

175

Ternpo&~

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C O NS TR utr AO D A N AQ I. O E E SC ilA \I lD Ao N O P ,N SA ME II 10 D E Jos£ BON IFA c iO : 1783-1823A lI A R OS A C lO ClE ! D A S I LV A

o s e sfo rc os d o Governa, e d os h om en s s db io s, v ir tu os os e padfi-

co s devem reunir-se contra eles, e contra os seus Peri6dicos, con-

. tra as suas tr am as t en eb ro sa s e infemais.110

Nes te s ent id o , p r omov ia - se 0 c on se ns o d os d ife re nt es

s et or es d a e li te em t or no d o p ro je to m o n ar qu ic o- co ns ti tu ci o-

nal, a qual p assa va a se r v isto co mo iinica v ia ca pa z d e enca-

m i nh ar a r up tu ra p o li ti ca externa, mantendo a situacao d e d o-

minacao intcrna.!" Como d ec or re nc ia , a m o na rq ui a constitu-

c io na l, a o c on ve rte r-s e n um i nst ru m en to d e unificacao d a e li -

te e e vi ta r a desintegracao t er ri to r ia l d o B r a si l, v i ab il iz a va 0

p r6 pr io p ro je to d e edificacao d e u rn " Im p erio Brasilico", 11 3

fo rt al ec id o n o d ec or re r d es te processo.' I: A citacao a s eg u ir

s in te ti za , em g ra nd e m e d id a, 0s ig ni fi ca do d a mo n ar qu ia c on s-

t it u ci on a l p a ra J o se Bon if ac io :

E im po rt an te a te nt ar p ar a 0s ign if ic a do d e st a an ti n om i a

"plebe-viciosos" I " hom e ns s ab io s, v ir tu os o~ e p ac if ic ,o s" , E la

n os r ev el a 0 fa to d e q ue a te nta tiv a d e re av rv ar-sc a im ag em

da opo si l_ ;a oen tr e e x -me t r6 po le e ex - c o lo n ia , c o nc ebendo e st a

U ltim a co mo u ma un id ade , embor a tenha sido urn d os a sp ec -

to s ideo l6g ico s enfatizados p or Jo se B on ifa cio n o p ro ce ss o

d e e nca min ham en to d o se u p ro je to n acio na l, n ao e ra su fici-

e n te p a ra eoncretiza-lo, v is to q ue , a in da q ue ta l im a gem COD-

g re ga ss e a s d if er en te s " fa cl _;o es " d a s oc ie ?a de b ~a ~i le ir a em

torno da p ro po sta i nd ep en de ntis ta , a s vias polfticas pelas

quais este processo pod eria se dar eram m uitas e nao esta-

yarn f ixadas a pr ior i. 1 1 1 .

D ess a fo rm a , re co rria -se a o nfvel i nt er ne d as c on tr ad i-r ;: oe se n ge nd ra da s p el o s is tem a, e x pr es sa s n a p ol ar id ad e " pl e-

b e';/" sa bi os ", a ss im c omo a r ep r es en t ac ;a o po li ti ca d a ameaca

d e su bte va ca o d es e scra vo s, co nfo nn e a po nta do . E sta im a-

g em , p orta nto , cu mp ria u ma d up la fu nca o. P er ur n l ad o , s er -

v ia p ara u nir o s d ife re nte s se to re s d a e lite n acio ~a l co ntra _0

in im ig o e xte rn o co mu m, o u se ja, a s C orte s d e L isb oa , e ~t~ o

v ista s co mo a s re sp on sa ve is p or u ma e min en te g ue rra civ il,

a s soc i ada a s ub le va ca o d o s e sc ra v os . P o r o u tr o, a r ep re se nt a-

9ao da ameaca d a "p leb e" r es .s al ta v a 0 i n im igo po~ !t ic o i n~e r-

n o, r ep re se nta do p elo s g en en cam en te c ham ad os r ep ub li ca -n os". "d em ag og os" o u "d em ocra ta s", o s q ua is, se gu rtd o 0

Andr ad a, r ev e la vam p ro po st as " co ng e ni ta s" a os i nt er es se s d a

"p le be ". p od en do a in da se re m a sso cia do s a o p er ig o .d a s ub le -

v ru ;a o d os e sc ra vo s. E sta re pr es en ta 9a o d a am ea ~a l.n te :na, .e

em e sp ec ia l e st a u lt im a , a ca ba va a rr ef ec en do o s p r o pn o s i de al s

r ev ol uc iommo s d o s g ru p os " re pu hl ic an os ".

Acusam-me alguns, que plantei a Monarquia - sim, porque vi

q ue n ao podia ser de outro modo entao; porque observara que as

costumes eo carate)' do povo eram eminentemente aristocraticos;

porque era precise interessar as antigas famflias e os homens r i-

;cos, que detes tavam ou temiam os demagogos; porque Portugal

~a Monar~uic~, e os _b:as ileiros cram macacos imitadores, SemaMonarqUla nao haveria urn centro de forca e uniao, e sem esta

na o se poderia resistir a s cortes de Portugal, e adquirir a Indepen-

dencia Nacional.!"

2. As questoes sociais no contexto da

independencia

S e a te a go sto d e 182 2 Jo se B on ifa cio co nce bia a in de -p en de nc ia p olftic a d o B ra sil a p art ir d a m a nu te nc ao d a u ni da -

d e c om P or tu ga l, p re se rv an do -s e, p or ta nto , a "G ra nd e F am i-

l ia L u si t an a " , 116 a ru ptu ra e ntre o s d ois R ein os, o co rrid a e mfin ais d aq ue le a no , im p lic ari a r ep en sa r- se a p ro pri a i de ia d e

Im pe ri o. I st o, n a o a pe na s em t en no s g eo p ol ft ic os , m a s, e ss en -

c ia lm e nt e, e m te rm o s d a n ov a n ac io na lid ad e a s er fu nd ad a,

E sta q ue sta o co lo ca va -se n a m ed id a e m q ue a se pa ra -

C ;a op olftic a e nt re o s d ois R ein os s ig ni fic av a a im p os si bili -

dade dese c o nt in u ar engl o bando S e l l S h a b i t a n t ~ ~n um a m es-

176

Tempo&1v'm16! 'o

17 7

T e m P O &Mern6I :J

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C ONSlR\K;AO DA ",,<;Ao E ESCIlA\I1DAo~O PfNSAMENTODEJost BONIfAclo: 1783- 1823

~a nacionaJjd'_ld~.p<?rtug_l:l.~~~:este senti do, rompia-se com

o colonizador e, portanto, com a identidade lusa e, ao mes-

mo tempo, nao havia uma identidade nacional, dado que a

sociedade brasileira definia-se pela heterogeneidade, Nem

era possivel, por outro lado, identif icar-se a ex-colono com

os colonizados, represent ados aqui pelos indios e negros,

uma vez que estes deveriam ser mantidos em condicao des ub rn is sa o. D a f, portanto, a necessidade de p en sar-s e a pr6-

~ria formacao de urn "povo br~~nico", entendido como con-

dicao essencial para a construcao da jovern Nacao,

Neste item, analisarernos as ideias andradinas concer -

nentes a esta questao, buscando, particularmente, entender

os terrnos segundo os quais este contexto interno - marca-

do pela heterogeneidade populacional - representava urn

obstaculo a implernentacao de seu projeto nacional, ou seja,

ode edificacao de urn grande Imperio do Brasi l, sob os mol-

des da monarquia constitucional.

Para tanto, organizamos nossa analise de acordo com

as ideias de Jose Bonifacio sobre os principais elementos

definidores desta heterogeneidade, os quais desde cedo me-

receram sua atencao: 0 indio e 0 negro. E importante notal'

que a presenca destes dois elementos na sociedade brasilei-

ra revelava-se urn problema para a concretizacao do seu

modelo de Nacao, mesmo antes de 1822, uma vez que

fragilizavam a propria integridade territorial do Brasil, con-

forme veremos. Assim, numa de suas correspondencias ao

conde de Funchal , embaixador portugues em Londres e in-

dicado para substituir D . Rodrigo de Souza Coutinho apossua morte em 1812, °Andradaja demonstrava algumas des-

tas preocupacoes de ordem social, con forme se Ie a seguir:

mar a liberdade de lhe enviar por escrito as ideias que me tern

ocorrido sabre novas leis regulati vas da escravatura inimiga poll-

ti ca e amoral mai s cruel que te rn essa nova China , se com a tem-

po e jeito n ao se p ro cu ra r c ura r esse cancro , adeus urn dia d o

B ra sil, 0 o utr o q ue m e (e m m e re ci do m u it a m e di ta ca o e des ve la ,

sao os pobres Indios, assim gentios como domesticos; para que a

raca desgracada desta misera gente na n desapareca de todo, em ais qu e tem po qu e 0Governo pense seriamente nisto: a povoa-

93.0 do pais a religiao e a humanidade bradam h a muito tempo

pol' urn sistema sabio, l igado e duradouro.' \7

[.. .] a amalgamacao muito diffcil sent a liga de tanto metal hete-

rogeneo, como brancos, mulatos, pretos livres e escravos, Indios,

etc., etc . em urn corpo solido e pol ftico. Se agora ja pudesse to-

Pe rc e be -s e , a s sim , que tanto a :e~~sep.~ '!-. Q . n e g r O . l 9gF1-

t~.d~i!}<i_i_() sao apQm~4asconi9_Q_ b.§!~~!()~~~oJ:l1,?ge neiz3.9~oda pO'p,=!-layao.ontudo, enquanto a preocupacao com ° Indioaparece vinculada, em grande medida, a funesta sorte que para

.e le se desvendava - ameacado de extincao pela falta de tra-

tamento adequado -, a preocupacao corn 0negro associava-

se diretamente a questao da escravidao, al2?~a ~S'_!ll...2J:!!lla

a!U_ea9~._~0esapa~I_!l_e.lltQd~_p~6pria_N~9~o.. Dessa forma, ·os tratamentos dirigidos a s questoes do

Indio e do negro sma li za v am mo t iv a co e s e implicacoes dife-rentes, ainda que relacionadas a questao central de se garantir

a integridade brasflica. No caso do indio, tratava-se de cuidar

do elemento nativo, 0 qual se encontrava apartado da socie-

dade brasileira. 0 negro, par sua vez, const ituia-se no ele-mento "externo" a esta sociedade, cujo tratamento remetia aquestao mais ampla da escravidao,

Na verdade, podemos dizer que a propria presenca donegro na sociedade brasileira decorria da especificidade do

escravismo colonial, sobre cujas bases esta sociedade fundou-se: 0 fato de estar este inserido nos quadros mais gerais do

processo de acumulacao de capital nas e co n om i as e ur op ei as

e, neste sentido, encontrar no trafico de africanos uma fonte

adicional de lucro na d in amizacao deste processo.

Dessa forma , oprob lema ~g ._~ .eg~?esvendava uma dasprincipais ambigiiidades do projeto nacional de Jose Bonifacio,

_.,,- - . . . . . _,---, .... _,

17 8

T emp:J & ! V ' e m : ' .: I i a179

Tempo &Mem6ri:J

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C O N S I R I Jo : ;A oDA NM;Ao ~ £ SC A AV lI lA O N O P 9 JS AM E NT O D E Joss B O N~ A cIO : 1 7 B 3 - 1 B 23

ANA ~OSA CLOC ET DA SILVA

o u s eja , 0 fa to d e re co nh ee er n a e sc r~ vid ao ,l!m o b~ ~~ ulo ahomogeneiz~ao_I' ()pW_jlCi9lJ_aldo pais e, s,l~~~tanea.!l2~!lte,perceber sua impo rt a nc ia ~~.t~I?Jl,?~4~__$1.).s.tentabdidadeg~ ;'C9-nomia riacioiiaLEesie plano ma is g er al da relacao entre .escra-vidao e construcao daNaya o q u e d ev e s er r et id o p ar a e ~e lt os dacom preensao do p ens~e~ to de nosso pe!son agem e e por re-

conhecennos tal especificidade n a q ~e sta o d o, n~gro, n o p ro -c es so d e f orm ac ao da i d en ti d ad e n a ci on a l b ra si le ir a , q u e o p ta -m a s p o r a na li sa -l a s ep ar ad am en te d a q ue st ao i nd fg en a ,

B on ifa cio so bre a n ece ssid ad e d e v alo riza ca o d os co stu me slocais e das peculiaridades da realidade brasileira, c om o fic ae xp re ss o n as n ota s a s eg uir :

Os anexins e proverbios de uma nacao sao descricoes iaconicas

dos seus costumes e modos de pensar:0

modo der ir, de mofar, deconversar e uma pintura dos tracos mais verdadeiros do carater

nacional para quem tern olhos e judicativa.tw

Ou, ainda:

2.1. 0 indio no projeto nacional deJ o se Bon if ac io o brasi leiro que possui uma terra virgem debaixo de urn ceu ami-

go, recebeu das maos da benigna natureza todo 0 fisico da felici-

dade, e s6 deve procurar forma-Io em bases morais de uma boa

Constitulcao que perpetue nossos bons cos tumes [ , ..J Amemos

pois no~s~s USOs .t : costum.es, ainda que a Europa se r ia de n6s.121

E im po rt an te e sc la re ce r, d es de l og o, q u e 0objet i,vo des-te su bite m n ao e analisar a q uestao indigena no B r~ il d e fi-

n ais d o s ec ulo XVI I I e in fcio s d o X IX , te nta nd o a ssim co rn -

p re en de r s ua articulacao co m nossa fO?D~~~ nac~ona1. Esteprocedimcnto n ao s om e n te u lt ra pa ss an a 0 dimenSlOnarn~nt .o

d es te tra ha lh o, c om o fu giri a c om p le ta m en te ,a os s eu s o bje ti-

vo s . Des sa f o rma , r es tr ing~~ .2! .! !Q_§_§_aJ il l@i~~ ~_~~p:.~~n-sa o d a m an eira p ela qu a(~ -~ ~sta o d o in dio e ~a tr~ ~~ a_ l?o rJ os e :a an ifa clo , a p ar tir d e u m a p ers pe cti va mars aIl1Q!~,__gue

;;ta a da propr iacons t rucao da N !l9ao. ,- U rn prim eiro pon to a ser destacado , para efeitos da

co nte xtu aliza ca o d o p en sa me nto a nd ra din o, e o fa to d e q ue af orm ac ao d o E st ad o n ac io n al b ra si le ir o c oi nc id iu ~ < ;,ma em e r-

g en ci a d o m o vim e nto Romant ico . ! " N este se ntid o, u rn .~ os

tem as p resentes no pro cesso d e fo~~ ao d e n oss~ conscien-c ia n ac io na l s eria a b us ca d o c on he cim e nto d a r ea lid ad e lo ca l,

b er n c om o a v alo riz ac ao d as p op ul aco es a bo ri gin es. 11 9 Trata-

v a -s e, em s uma, d a p r op r ia b u sc a _~~_? _IE :~~d el 1~_ i~ r u! .eac ion~o q ue , n um p als s em p as s a d o m e ai ev al, c on ve ~I a-s e n a re ab i-

lita cso d a im ag em d o in dio co mo sfm bo lo n acio na l.- . . - - - - E - - d e ii tr o - d e s ta p er sp e ct iv a r om a n ti ca , o u a in d a p re -r o-

m antic a, que podem os entender algu mas op inio es de Jose

le oT 9 I ' T 1 J O & Mem6Ib

N o e nta nto , se e m ce rto se nti d o p od em os a sso cia r su apreocupacao co m 0 indio a um a i n fl u enc ia roman ti ca , e impor-t an te a te nt ar p ar a ° fa to d e q ue s eu p en sam en to re fle ti a, fu n-

damentalmente, as i nf lu enc ia s h e rd ad as dafase europeia, ou :::-

s eja , d a p r6 pr ia i lu st ra ca o p o rt ug ue sa . N e st e s en ti do , n ao b us - ~ ' .

cava 0 I nd io p ro cu ra nd o e x al ta -I o em s eu e st ad o " se lv at ic o" ,

m a s s im p ro cu ra nd o in te gra -lo a civilizacao.P? fu nc ao e sta

que era atribu ida ao proprio Estad o, 0 qual passava a ter

u rn ca ra te r ci v iIiza t6 rio n a v isa o a nd ra din a, se gu nd o a q ua l'

°Governo do Brasil tern a sagrada obrigacao de instruir, emanci-p ar , e fa ze r d os i nd io s e Brasileiros um a nagao h om o ge ne a e igual-mente' feliz [".JI23 .

Cabe- nos , po rt an t o, d e sv end a r 0s ig n ifi ca do a tr ib ui do ae sta id ei a d e " civ iliz ar ' o s i n di os . E m s eu s Apontamentos para

a c iv il izG ft io d os i nd io s bravos,IM e sc rito s em 1 82 3 e e nc am i-

nhados a A s se rn bl ei a C o ns ti tu in te , J os e B o ni fa ci o e x pr es sa -

v a a s eg uin te id ei a a r es pe ito d a q ue sta o i nd ig en a:

18 1

Tanpo&Mem6ia

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CONsmLX;Ao DA NA<;:Ao , 8SCAAV'DAO NO PENSAMENTO O! JOSE BONIFAc,o: I 783-1823ii". ROSA CI oem r~ . " ' . \ 1 . 0

Tenho pois mostrado pela razao e pela exper iencia, que apesar de

serem os indios bravos uma rar ;a de hornens inconsiderada, pre-

guicosa e em grande parte desagradecida e desumana para

conosco, que reputam seus inimigos, sao contudo capazes de ci-

vilizaciio, logo que se adotam meios proprios, e que ha constan-

cia e zelo verdadeiro na sua execucao.!"

a epoca da indcpendencia. Aqui, 0 estadista e homem .d~le-

tras inida seu parecer sabre a questao ressaltando as dificul-dades na catequizacao e civilizacao dos indios, tanto no quediz respeito a "natureza e estado em que se acham", quanta

no que se refere ao "modo com que sucessivamente portugue-

ses e brasileiros os temos tratado e continuamos a tratar".12SNo entanto, apesar destas dificuldades, concIui que "nao faltaaos Indios bravos, a lume da razao"!" e que, portanto, "s~oc~es de civilizacao" .130

-'Mas;--conrormeaestacado na citacao acima, eram ainda

necessaries "meios pr6prios" para se galgar este objetivo. Es-

tes, por sua vez, relacionavam-se, em grande medida, a propriaforma como 0Andrada concebia a natureza do homem em es-tado selvagem, confonne registram alguns de seus "Aponta-

mentes" e "Notas" redigidos, provavelmente, antes de 1823:

Desta citacao, despontam duas ideias centrais na com-.preensao de seu pens amen to sobre os indios, bern como do

tratamento que para estes propunha. Primeiramente, afirrna-

se que os indios sao "capazes de civilizacao" - 0que justifi-

cava sua integracao a sociedade brasileira, desde que adotados"meios proprios" - 0que, segundo Cunha, nao era uma ideia

consensualrnente compartilhada por estadistas e intelectuais,

em finais do seculo XVIll e meados do XIX. Par esta epoca,

travou-se urn intenso debate sobre 0 usa da "brandura" ou

"violencia" no tratamento do indigena, discutindo-se se a so-

lur;aoadotada deveria ser a exterminacao dos "fndios bravos",

"'desinfestando" os sertoes - solucao propicia aos colanos- ou secumpre civiliza-Ios e incluf-los na sociedade polftica

- solucao ern geral propugnada por estadistas e que supunha

sua possfvel integracao como mao-de-obra I"

o criteria empregado para a adocao de uma destas so-lucoes era 0 da questao da "humanidade" ou nao dos indios.

Neste debate, segundo Cunha, a "perfectibilidade", ou scja, a

capacidade do homem, guiado pela razao, de dornesticar-se e

alcar-se acima da sua propria natureza, era entendida como a

marco distintivo entre a homem e os demais seres. Neste as-

sunto, segundo a autora, travar-se-ia uma polemica entre 0

naturalista VonMartius, 0qual alegava a nao-humanidade dos

indios, e letrados brasileiros, dentre os quais se incluia JoseBonifacio, defendendo a posicao contraria.F'

Dessa forma, as adeptos desta segunda posicao acredi-

tavam que os fndios eram capazes de civilizacao p.orque)_~.e.n-

do dotados de razao, conseguiam aperfeicoar-se. Tal ideia,

ainda que nao exposta exatamente nestes termos, encontra-se

nos Apontamentos sabre as indios, elaborados pelo Andrada

[ ... ] n a o s e d ev e concluir qu e s ej a impo s si ve l converter estes barba-

ro s e m h om en s civilizados: rnudadas as circunstancias, mudam-se

os costumes. [Alem disso.] 0homem primitive nem e mau natural-mente; e urn aut&mato, cujas molas podem ser postas em a~aopelo

exemplo, educaeao e beneffcios, 131 Nao ha carater algurn indelevel,

tudo se altera e modifica com jufzo e constfulcia.l32

Desta concepcao da natureza dos indios, derivava sua

proposta acerca dos "meios corretos" para .os ~rop6sitos desua catequizacao e civilizacao: Aqui, urn pnmeiro ponto que

nos chama a atencso e 0fate de tal metodo pau ta r -se , em grande

medida, em principios eticos, Neste sentido, a~s~ d; a~ontaras dificuldades a civillzacao impostas pelos propnos I nd io s ~

sao "povos vagabundos e dados a continuas guerras e rou:bos"; sern "freio religioso e civil"; "entregues naturalmente.a

p re gu ic a" - , r ec on he ce co m _<::erta~f~~eos erros ~o coloni-zador no seu trafalne-nto. Segundo Jose Bonifacio,

por causa nos s a rec rescem iguai s difi culdades, e vern a.~e:sr ne do s c on tin uo s e a rr eig ad os em q ue o s te rn p ost o o s canveirosantigos; 0 desprezo com qu e geralmente os t ratamos, 0 roubo

182

Terrpo&Mern6ia183

Ten:x> & MemOr ia

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CONSI I luc ; :Ao OA AA<;Ao !E SC I! A\ >1 0A o N O P EN SA ME NT O D E JOSE BONIFAc io: 1783·1823 ANA ROSAClOCLET DA SilVA

cont inuo das suas melhores te rras, os se rvices a que as suje ita -

mas, pagando-lhes pequenos on nenhumjornais, alimentando-os

mal, enganando-os nos contratos de compra e venda que com

eles fazemos, etirando-os anos e anos de suas famflias e rocas

para as services de Estado e dos par ticulates; e por f im enxer tan-

do-Ihes todos as nossos vfcios e molestias, sem lhes comunicar-

mos nossas virtudes e talentos.I"

aqui , do fate de aqueles padres, aoinves de procurarem inte-

grar 0 indio a sociedade, adotarem uma polftica de isola- : - ,

men to das aldeias. Segundo ele,

refli tamos igualmente no que fize ram os jesuft as nas suas mis-

so es d o Paraguai do Brasil , e ma is t eriam fe ito se 0 seu sistema

naa fo ra d e as se pa ra r da comunicacao do s bran cos e de os go-vernar po r uma teocracia absurda e interessada.!"

Com base nesta constatacao, portanto, propugnava

metodos brandos na catequizacao e civil izacao dos indios,

baseando-se, predominantemente, em dois tipos de politicasem rel~ao a eles adotadas: aquela empregada pel os jesuitas

e a adotada pelo governo dos Estados Unidos.

No que se refere ao metoda util izado pelos primeiros,

emitia a seguinte opiniao:

A f ac il id ad e d e o s d om es ti ca r e ra t ao c on he ci da p el os m i ss io n ar io s

[ .. .] Os jesuf tas conheceram que co m presentes , promessas e ra -r o es c la r as , s6s e e xp en did as p or h om en s p ra tico s n a su a Ifn gu a,

podiam fazer d o s i nd io s b ar ba ro s 0 que deles quisessem. Com a

evangelho em uma mao, e com presentes, paciencia e born modo

na.outra, tudo deles conseguiam [.. .] 1 3 precise pois imitar e aper-

fe ieoa r as metodos de que usaram as je suft as; des, por meio de

. \brandura e beneffcios, aidearam infinidades de Indios bravos. B4

Percebe-se, assim, que havia uma diferenca bast ante

evidente entre "catequizar"I"domesticar" os indios e "civiliza-

los". Na verdade, a catequizacao aparecia no pensamento

andradino fundamentalmente como um meio para se obter 0

fim ultimo, que era a incorporacao do Indio a sociedade brasi-

leira. Daf a pretender fixar brancos e mulatos nas aldeias, a

fim deassimila-los ao resto da populacao, 137 confonne a ' pro-posta abaixo:

Defendia, assim, uma administracao religiosa na cate-

quiza~ao ealdeamento dos fn4_ios;--propondo a,criacao de

urn "colegio de missionaries", no qual estes se instruissem

"na lingua gera1 Guarani [ ... ]enos usos e costumes dos mes-mos Indies bravos". reconhecendo que "foi ignorancia eras-

sa, para na o direr brutalidade, querer domesticar e civilizaros indios a forca de armas, e com soldados e oficiais pela

maior parte sem jufzo, prudencia e moralidade.!"

No entanto havia uma ~posiyao crucialdoAndrgda

em rel~ao ao metoda jesuftico, a qual decorria dos pr6prios

objetivos que o s g ui av am na questao indigena. Tratava-se,

Favorece r p~r todos as meios possfveis os matrimonies entre os

Indios, brancos au mulatos , que enta o se deverao e st ab el ec er n as

aldeias, havendo cuidado porem para evitar que pelo seu tratoe

mail s costumes nao arrufnem as mesmos fndios. [Alem disso.]

s er a m u it o conveniente qu e por m ei os i nd ir eto s s e procure intro-

duzir para caciques das nacoes ainda nao aldeadas alguns brasi-

Jeiros de born jufzo e comportamento, qu e saibam corresponder

aos f ins polit icos desta escolha e nomeacao. 138

Esta incorporacao, por sua vez, deveria ocorrer de

modo a atender aos prop6si tos mais gerais da preocupacao

que movia Jose Bonifacio naquele momento, ou seja, a da

construcao da Nacao. Comecamos, dessa forma, a desven-

dar 0significado mais especffico entao imputado a expressao"civilizacao dos Indios". Neste ponto, duas questoes primor-

diais ganhavam enfase. A primeira relacionava-sea preocu- .

I?'!:'i~9-or n a integracao do territ6rio nacional, a qual era obs- :

t~~a. e~ grande parte, pela presenca dos fndio-s bravos. A -

184

Ta'llXl 8< Me ! ' I ' t n : : l

185

Temp) & Mern6t : l

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CONsmUQ\o DA NAt;;Ao E ESC~AVID.iiONO PEi'lSAMEmo0, 10;( BON1FACIQ: 1783- 1823ANA ROSA C lOCl El OAS ILVA

.segunda ligava-se a forma peJa qual 0 Indio deveria ser inte-

grade no s_:ioda sociedade, 0que nos rernete para a questaoda formacao de urn mercado de trabalho livre,

, ' A primeira questao irnplicava a forrnulacao de urna

politics de terras e, neste assunto, Jose Bonifacio valia-se do

exe~~Io da polftica empregada pelos Estados Unidos da

Amenca. Reconhecendo que os indios eram os "legftirnossenhores" da terra, "pais Deus lh'as deu", ele recomendava

~ue esta n~o lhes fosse "esbulhada", mas sirn compradas,como praticam os Estados Unidos" 139

, . E important:, nota!'.que, na su~ visao, apresenca dos

lE:~.IOS en; e~tado selyat1~.o~:r~presentava ur n d_os:princi-pal? obstaculos ao desenvolvimento da economia nacional.

Isto porque, c~nforme elepropiio 'expl"ic;;lvaern-seu-proJeto

?ar~ a fundacao de urna Academia Agricola no Brasil, osIndios obstavam a agricultura, bern como 0desenvolvime~1~

to do comercio interior do pais, entendidos como as duas

principais fontes de riqueza nacional. Segundo ele,

diferentes povoacoes formam aquela s~ciabilidade energetica e

indissoluvel, da qual procedem, como da rnais pura fonte, a forca

e 0 esplendor do Estado, 142

, ,

[".J e necessar io que a academia estenda as suas vistas e as suas

meditacoes sobre a his toria geral do pals [ .. .J notando com muita

particularidade as nar;oes americanas civilizadas, semi-barbaras

ou_inteiramente selvagens, que habitarn as tetras e rnatos que pes-

su~mos. e apo.n~a?do com igual individuacao os meios mais pro-

pnos para a civil izacao delas, e para 0 t rato e cornercio que com

as mesrnas poderemos fazer. Estes meios formam 0mais solido

f irmamento da agr icul tura publica au do Estado [ .. . ] . 1 4 0

Para tanto, seria preciso desenvolvernos indios a "ideia

de propriedade" e 0desejo de "distincoes e.vaidades sociais,

que sao asmolas poderosas que poem em atividade 0homemcivilizado" .143 Dessa forma, desvenda-se 0 sentido que em-

prestava a ideia de "civilizacao" dos indios: c!v~li~a.-los,~igpi-i

ficava integra-los a sociedade, por meio do sell.desenvolvi-'

menta como e l i t e ' - e - c o n 6 ' m i c o ~ -A"fomla especffica pela qual

esta integracao deveria se dar constitufa-se na poli tica de'

aldeamento por ele proposta, a qual tinha como fundamento

basico a reuniao e sedentarizacao dos Indios, submetendo-os

as leis e ao trabalhor"

- Neste sentido, 0projeto andradino de catequizacao e

aldeamento do indigena revela urn gradativo de polfticas,

que v a ~ desde as que visam "dornesticar" os indios bravosatraves de "brandura" e "justica", ate aquelas que atendiam,

finalmente, ao objetivo central deste processo de "civiliza-

9ao", que era a integracao do indio a sociedade brasileira,

como forca de trabalho. E assim, portanto, que os ultimos

itens dos "Apcntamentos' prop6em o.estabelecimento de

contratos de trabalho entre osI n d i o s aldeados e a populacaoque··os demandasse, 'berrlcomo-a:-·siii"i.ttiilza<;ao quando as

"necessidades piiblicas" 0 exiglssem.""

E aqui, vale notar, tratava-se de i~t~gra.-lo.~a socieda-de como forca de trabalho livre, 0que explica a oposicaode

J o s 6 Bonifacio a praticadc venda e escravlzacao da mao-de-obra indigena, para a qual atentou assim que retornara de

Portugal, durante a viagem mineraI6gica empreendida pela

provincia de Sao Paulo, em 1820:

lt" I N~~te senti~o, ~ pOlitica.de te~Tasera acompanhada por

uma politica econorruca que visava mtegrar 0 territorio nacio-na l basicamente atraves do desenvolvimento da agricultura e

comercio, 0qual, por sua ve z, a par e ci a como atendendo, ainda,

a u rn a missao c iv i li z at o ri a . 141 Segundo °Andrada, era preciso

[ . .. J facilitar 0 cornercio interne, sem 0 qual nem floresce 0 exter-

no nem os povos se civi lizam, nao cresce a agricultura , nem asDurante os dois dias em que descansamos em Itu , soubemos que

as habitantes desta Vila preparavamuma expedicao ou bandeira

186

Tempo & Mem6ra18 7

Terrp::> & fVan:'ri:l

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Commu ;Ao DA NA< ;AoIi E S CA AI i1 D AO N O P iN S AM E N TO D E J 05 ' B o NI FA cI O : 1783-1823

p ar a ir c om p ra r I nd io s C aia p6 s [ .. - J C o nt ud o e st a p ob re gente esta

p r on ta a r e un i r- se em po v oa c oe s, s u je it an d o -s e a s n o ss as Le is , l o goq ue o s v am os bu sc ar, e q ue lh es d em os m orad a. V iv em ag ora e m

paz co nosco , e desejam qu e se aum ente 0 trafic o q ue c om eles

faz em o s h abita nte s d as V ila s d e Itu e P orto -F eliz. 0 G ov em o d e-

v ia fa vo re ce r is to , a in da q ue n o p ri nc ip ia p er de ss e, e vit an do c on -

t ud o, q ue o s p ai s vendesse[m] o u tr oc as se m o s fil ho s p ar m a ch a-

d os , fa ca s e o ut ra s q uin qu il ha ria s, [ pa ra q ue ] n ao se m u da sse e m

e sc ra vi dd o , m a s s im em um a e sp ec ie d e d om e st ic id ad e t em p or ar ia .

A s or te d aq ue le s in dio s [... ] merece n os sa a te n~ ao , p ar a q ue n ao

a ju nte mo s a o tr afi co v er go nh oso e d es um an o d os desgracados fi-

l ho s d 'A f r ic a , 0a in d a m a is h or rf ve l o s infelizes i nd io s d e q u e usur-

i.p~ os.as terras, e qu e sao B Yres n ao 86 co nfo nn e a raz ao , m as. t am b em p el as L e is . 146

tiea [.. . J Se 0D esp oti sm o fo i in se ns fv el a tu do , a ss im the con vi -n ha s er p or u ti li da de p r6 pr ia : q ue ri a q ue fo ss em o s u rn p ov o m es -- ,;

c la d oe h e te ro gSne o , sem nacionaiidade, e sem i rm a nd ad e, p ar a:

O lc :1 h? r ~o s e sc ra vi za r. G r ac as a os C e us , e it n os sa p os ic ao g eo -grafica, J a so rn os u m p ov o liv re e in dep en den te [ ... ] M as co mo

podera haver uma < ?o ns ti tu iy ao li be ra l e d ur ad ou ra e m u rn pais

co ntm ua me nte h abita do p ar u ma m ultid ao im en sa d e e scra vo sb ru ta is e inimigos?J49

2.2. Escravidao e N ' a v a o no pensamento de

Jose Bonifacio

_ A citacao acima, extrafda logo do inicio da Representa-fao s ab r e a e sc ra v at ur a , elaborada por Jose Bonifacio em 1823

para, ser enviada a Assernbleia Constituinte, esclarece a pers-

pecnva segundo a qual 0 tema da escravidao era por ele abor-

~do: 150 :r~tava-se de inserir a escravidao na pauta das discus-

soes polfticas .daquele momento, na medida em que ela se .:

confrontava ctiretarnente com os princfpios liberais, sob osquais se pretendia edificar ajovem Nacao.

A forma como este documento refere-se a relacao en-

tre,despotismo e escravidao, mostrando que esta atendia aosobjetivos daquele, revela 0 quanta a ruptura com a institui-~ao escravista significava urn ultimo e fundamental passo a

ser dado na conquista da nossa afirmacao como Nagao inde-

~endente. Est~ n:cessidade impunha-se na medida em que 0

fim da escravidao representava a superacao de urn ultimo

vinculo que nos atava a condicao colonial, pais viabilizaria \ ' ..

t~t<?a formacao d~ uI?a nacionalidade brasileira, quanta 0 :".

t~!:.~!~O~a dependencia extema pela forca do trabalho, en- ,tao s~pnda p~Io trafico africano, 0 qual irnplicaria a corn- ~

pleta internalizacao do processo de acumulacao do capital.

Entender os term os pelos quais este confronto entre,esc~avidao e execucao do projeto de Nacao liberal era per- , - ,Cebld? e tratado por Jose Bonifacio const itui-se no objetivo .deste Item. Para tanto, procuramos perseguir a propria logi- -

ca de sua argumentacao, tal qual ela se encontra desenvolvi-

da na~epresentaf~o de 182~. ~sto. porern, nao significa que

a.anahs~ se restr~nJ~a ~ste uruco documento, ainda que elesrstemanzs as pnncrpars reflexoes do Andrada sobre 0 temaem que st ao .

Percebe-se, dessa forma, que a politica indigenista de JoseBonifacio articulava-se a sua preocupacao mais ampla com apropria superadioda escraviddo . 14 7Esta relayao e demonstradapela cita9ao a seguir , extraida do projeto para a fundacao de

uma Academia de Agricultura no Br as i l, no qual afirmava:

O s in dio s, fa la mo s s om en te d aq ue le s q ue a br ac ar am a n os sa s an ta

r el ig ia o, q ue s e a ld ea ra m e p re sta ra m h um il de v as sa ia ge m a os se -

n ho re s r ei s d e P o rt ug al [ ., ,] s er ia m n e st e mement o b e rn c a pa z es . de

, to rn ar in dte is e s b ra ce s a fr ic an os , q ue p od em a nn ar -se c on tr a n 6s ,

como e m ta nto s o utro s lu gare s e , m istu rad os c om o s br an co s p ar

m e io d e l ei s j us ta s b er n r ef le ti da s, d ev er ia m t er f or m ad o b a muitos

. anos ur n B st ad o f lo re sc en te , r ic o e d e g ra nd es forcas, 148

Assim, impoe-se anecessidade de se compreender 0modo

como a e sc rav idao era pensada e tratada por Jose Bonifacio,

te nd o em vista sua p re oc up ac ao m a is g era l com a c ons tr u ca oda Nacao b ra si le ir a. E s te sera nosso pr6ximo passo.

Legis ladores , na o temais o s u rr os d o s 6r di do i nte re ss e; c um p re

p ro gr ed ir s em p av o r na c ar re ir a d aju st ic a e d a r eg en er ac ao p olt -

18 8

T empo & W e m t ': d a189

Temp::.&~

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COf 4S IR l IC ;A o DA > < A ! ; A o E ESC"" -. .ol io NO PENSllME"O DE JOS; B O N IF A c 1 0 : I 7 B 3 - 1823ANA ROSAC~oc ln DA SILVA

Compreender argumentos antiescravistas af expostos

requer, par sua vez, que nao percamos de vista o _ fato de que,

embora utiIizando-se de fontes bastante diversificadas para

atacar a escravidao, 0motus impulsionador de Jose Bonifacio

era a preocupacao com a construcao da Nacao. Tratava-se

daquilo que Carvalho identifica como sendo a "razao nacio-

nal' - "argumentos baseados em concepcoes diversas dosinteresses do Pais" - em contraposicao a "razao colonial",

isto e , aos interesses do Estado metropolitano portugues, com

base nos quais sejustificava a escravidao, no perfodo anterior __a independencia." 1

Dessa forma, tanto os argumentos de cunho etico e

religioso quanto os de ordem filosofica-" eram por ele em-

pregados como instrumentos para se atender a uma razao

polftica, que demandava 0fim escravidao. E tendo em vista

.esta dimensao do seu pensamento, portanto, que seguiremos

na analise da Representacao sobre a escravatura,

2.2.1. Escravidao: urn crime contra a razao

e a humanidade

e, particularmente, pela crenca consolidada pOI'Santo Agos-

tinho, segundo a qual a instituicao era entendida como uma

consequencia do pecado e, dessa forma, submeter-se a ela

corn resignacao convertia-se na t inica forma de se alcancar aliberdade numa outra vida. J55 '

Dessa forma, foi preciso que houvesse uma transfer-

macae na percepcao moral do homern, para que a relacao seinvertesse, au seja, para que a escravidao passasse a ser en-

carada como a fonte do peeado e, mais ainda, como 0 pr6-

prio pecado. Esta transformacao, segundo Davis, ocorreu em

meados do seculo XVIII, mais precisamente nos anos de 1760

e 1770, os quais teriam marc ado a emergencia de uma opi-

niao internacional convencida de que "a escravidao do Novo

Mundo simbolizava todas as forcas que ameaeavam 0 ver-

dadeiro destine do homem". Tal opiniao encontrava sua mais

perfeita expressao na atuacao antiescravista da Sociedade

dos Amigos (Society of Friends), fonnada pelos qua~rs, os

quais encaminharam a luta pela abolicao do trafico para ascolonias mglesas, em 1807, e pela abolicao da escravidao

nas mesrnas col6nias, ocorrida em 1833.156

A enfase do Andrada na escravidao como represen-

tando urn pecado sugere que, embora nao fosse movido pela

etica quaker, esta servia como importante fonte inspiradora

de sua argumentacao.P? Dirigia seu ataque aqueles que, in-

ternamente, endossavarn os argumentos que durante muito

tempo foram ,uHli~~q_Q~.p,e.! I?~P~~E~e reljgiQ_~Q_~,omi-

nadores da discussao sobre 0 tema, os quais, conforme res-

sal ta Carvalho, tentaram compatibi lizar crist ianismo e es-

cravidao em nome das necessidades da sociedade colonial" ... -.... .

e do Estado portngues.!"

- Alguns desses argumentos sao por ele reproduzidos,

conforms indica 0 trecho a seguir destacado:

Comecemos pois esta g!'ande"o!?.!.~pela ex:piar;ao de nossos cri-

mes e pee ados :-re lhos. Sim, nao se trat a sornente de sermos jus-

tos, devemos tam bern ser penitentes; devernos mostrar a face de

Deus e dos outros homens que nos , arrependemos de tudo que

nesta parte temos obrado hit seculos contra a justice e contra a

religiao, que nos bradam acordes que nao facamos aos outros 0

que queremos que nao nos facarn a n6s.153

A citacao acima nos reporta aos argumentos morais e

religiosos, a partir dos quais Jose Bonifacio inicia seu ata-

que a escravidao. A ideia de que esta era urn "pecado", do

qual era preciso libertar-se, nem sempre foi posta nestes ter-

mos. Conforme analisado por Davis, 154 durante muito tem-

po a escravidao foi sancionada pela propria filosofia cristaPara lavar-se pais das acusacoes que merecia lancou sempre m ao

e a inda agora lanca de mil motives capciosos, com que pretende

190

Tempo & 1v\em6ia.191

TffTIjX) &Mern:ft:l

. .

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CO N S m !l l; A o 0 ,1 . N A <; A O E E O C I lA V ID A ON O f 'I N W Il E Nl O D e J O SE B O N lf Ac 1 0: 1 7 8: 3· 1 8 23ANA ROSA C lOCLET DA SILVA

faz er a su a a po lo gia: d iz q ue e u rn a to d e c ar id ad e tr az er e sc ra vo s

d a A fr ic a. p or qu e a ss im e sc ap am e ss es d esg ra ca do s d e s er em VI-

t im as d e d es p6 tic os R eg ul os : d iz i gu alm en te q ue , se n a o v i es sem

esses escrav os ficariam privad os da luz d o E van gelho [ ... J diz

qu e esses infelizes m udam de urn c lima e pafs ardente e horrfve l

para DUtro doce , fertiI e am eno; diz, por fim , que devendo os

c ri m in o so s e p ri si on ei ro s d e g ue rr a s er em m o rt os i m ed ia ta m en tep elo s b ar ba ro s c os tu m es e urn favor que lhes faz, conservar a

v id a. a in da q ue se ja e m c ar iv ei ro .!"

E , d es cr ev en do a s a tr oc id ad es d otr afic o d e a fri ca no sconclu i: '

E tem po po is, e m ais q ue tem po, que acabem os com urn trafico

H io barbaro e carniceiro; e tempo t a ; n b 6 r r i 'que vamos ' a c a b i i : r ; d og ra du alm en te a te o s u ltim os v estfg io s d a e scra vid ao e ntre 0'6 s

para que venham os ~ fonn a:r'em 'poucas g eraco es u ma N a9i1~h om o ge ne a, s em 0 q ue n un ca sere mo s v erd ad eiram en te liv res efelizes.!"

E , em se gu id a, s ao d es ba nc ad os , n os . se gu in te s te rm o s:Se, por urn Iado , a escravidao era apon tada com o urn

I:e c~ ~o , p or o utro , Jo se B on ifa cio p ro cu ra va re ssa lta r se us

e feitos sobre a d egrad acao m oral da sociedad e brasileira .S eg un do e le ,o m en s p er ve rs os e i ns en sa to s! T od as e ss as r az oe s a po nta da s v a-

le ria m a lg um a c ou sa , s e v 6s ffi ss ei s b us ca r n eg ro s a A fr ic a p ar a

lh es d ar l ib er da de n o B ra sil [ ... ] m a s p er du ra r a e sc ra vi da o, fa ze r

e ss es d es gr ac ad os m a is i nfe li ze s d o q ue s er ia m, s e a lg un s fo ss em

m o rto s p ela e sp ad a d a i nj us ti ca [ ...} e de certo u rn a te nt ad o m a ni -

festo co ntra as L eis e ternas da Justica e da Religiao, E por que

c on ti nu ar am e c on ti nu ar n a s er e sc ra vo s o s f il ho s d es se s a fr ic an o s?

[ . • • J Fala pois contra v6 s ajustica e a Religiao.160

[ . .• J n 6s ti ra ni za m os o s e sc ra vo s, e o s r ed uz im o s a b ru to s a nim a is ,

e eles no s inoculam toda sua imora l idade e todos os seus vfcios ·r'

E na verdade, Senhores.se a"~oralidade e ajustica social de qual-q ue r p ov o s e f un da m, p ar te n as s ua s i ns ti tu ic oe s R eli gi os as e P el f-

tieas, e p ar te n a F il os ofi a, p ar a d iz er a ss im , d om es tic a d e c ad a fa -

mflia, q ue q ua dr o p od e a pr es en ta r 0 B ra si l, q u an d o a c on si de ra -

m as d eb aix o d este s d ois p on to s d e v ista? [ ... J 0n os s a C lerc , e m

m u it a p ar te i gn or an te e c or ro m pi do , e o p rir ne ir o q ue s e serve de

e sc ra vo s [ ... ] A s fa m fli as n ao r sm e du ca ca o, n em a p od em te rc om

o trafico de escravo s, nada as pode h abituar a co nhecer e am ar a

V irtu de , e a R elig ia o [... ] E en tao , S en ho res, co mo p od e g re la r a

j us ti ca e a v ir tu de , e fi or es ce re m o s b on s c os tu m es e nt re 06S?163

N es ta a rg um e nt ac ao d e c un ho m o ra l e r elig io so u til iz a-d a p e lo A n d ra d a, 0 " pe ca do d a e sc ra vid ao " a pa re cia n ao a pe -

n as co mo u rn v incu lo que nos atava a v el ha m e tr6 po le , c on -

form e a pon tam os anteriorm ente , m as com o u ma culpa atri-

bufda a o colo nizado r, um a ve z q ue, tend o sid o 0B ra sil u m a

co lo nia .n ao p od ia d ecid ir so bre e sta q ue sta o, se nd o e le n ie s-

m o v ft im a d aq ue la i ns ti tu ic ao , N o e nt an to c on tin ua r m a nt en -d o- a m e sm o a po s a i nd ep en de nc ia s ig nific av a a ss um ir a qu ela

c ul pa , s en do e ste 0p e ri go p a ra 0q ua l a Ie rta va . E d iz ia m a is :

C om e fe it o, S e nh or es , N a S a . o n en hum a t al ve z pecou mais c~ll:.tra

a hum anidade do que a Portuguesa d e q ue fa zfa mo s o utro ra p ar-

t e .' Ahdou ' s e m p r e d ev as ta nd o n li o s 6 a s ten-as d a A f ri ca e da Asia ,

como d isse C am ees, m as ig ualm en te a s d o n osso P afS .16 1

A enfase na d iversidade cu ltu ra l entre os povos, se-g un do P ete r G ay , a co mp an ho u 0 p r 6p r io d e senvol v imen t o

d a fil os ofia d o se cu lo xvm. S eg un do e sta , 0conhec imento

deixava de se~ cntend ido com o algo pu ram en te abstrato ,

p ass~ do a se r d ed uzid o d as p ro pria s o bse rv aco es e mp frica s

dos f116so f08 .164 C on fo rm e ja a po nta mo s e m o utro s m om en -

to s d es te tr ab alh o: M ? nt ~s qu ~e ~ fo i u rn d os p rin cip ais e xp o-e nte s d esta te nd en cia tiloseflce, pa uta da p ela Iogica do

19 2

Terrp:l & t I / I 2 r r ' 6 ' a193

TerT'pO&~

CONSTRU9\O DANM;Ao , ESCRAIo10AO NO "ENSAMENIODE Jose BONIFAcIO: 1783· 1823

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ANA ROSAClocm DASILVA

relativisrno cultural, segundo a qual as leis da natureza, ape~

sar de se apiicarern a'todos os homens, encontrariarn diferen-tes express5es de acordo com as causas ffsicas -- como eli-rna, solo; tamanho do p afs - e tambem com as "causas rno-

rais", como os costumes e a religiao.!"

Portanto era com b as e n as causas ffsicas e rnorais que asleis de uma sociedade deveriam ser deduzidas. Deste racioci-

nio, Montesquieu elaborou os chamados principios das tres for-."mas de govemos, segundo os quais 0principio das republicas

eraentendido como sendo a "virtude", 0das monarquias, a "hon-

ra" e 0do despotisrno, 0"medo".166Dai 0 fi16sofo concluia que

aescravidao s o fazia sentido em governos desp6ticos, uma vez

que, nestes, qualquer urn era escravo."? . ,.

Percebe-se assim que, de acordo com este racrocimo

relativista, que con forme visto influenciou fortemente JoseBonifacio, a coexistencia entre eseravidao e regime de gover-

.!~.~ - • " "

' no liberal revelava urn antagomsmo entre os costumes so-. "bre os quais se fundava a realidade social e as "leis positivas"

que pretensamente fundariam aNacao liberal. Este confronto

fica mais bern explicitado em uma das "Notas" do Andrada,

na qual registrava a seguinte opiniao sobre a relacao entre

escravidao, carater dos brasileiros e sociedade liberal:

do trafico de escravos. Cabia, portanto, compatibilizar asleis e os costumes, pais concebia como "va e f ii t il a maximade que as Leis fazem tudo e que cumpre tratar mais das coi-

sas que dos homens".'?"

E interessante notar como esta percepcao da relacaoentre as leis e os costumes se aproxima, de certa forma, das

ideias de Montesquieu sobre este mesmo assunto, ainda que

em Jose Bonifacio a abolicao do trafico pela via legal apare-

cesse como urn primeiro passo no seI?-tidoda modific~9ao

dos costumes de um a sociedade escravista. No seu Livro

X IX tratando dos "m eio s n atu ra is d e mudar os costumes e,. ..as maneiras de uma nacao", aquele fil6sofo afirmava:

Dissemos que as leis eram inst itu icoes particulares e exatas do

.Iegislador e os costumes e asmaneiras, insti tuicoes da naeao em

geral. Disso decorre que, quando se quer modificar os costumes e

a s m a n ei ra s, n a o e com l ei s q u e s e d ev e mo d if ic a- lo s: i st o p ar ec e-

r ia m u lt o t ir an ic o; e melhor modifica- los por outros costumes e

outras maneiras. 171

Os Brasileiros adquirem urn gosto para a escravidao polftica,e

uma baixeza de senti rnentos de seu viver com os escravos, cujo

coracao e espfrito sempre cheiram a vileza da sua condicao: estes

entes aviltados e fracos afogam aos meus patrfcios, no seu berco,

os sentirnenros de virtude e liberdade civil que a natureza houve-

ra inspirado.P!

Embora os argumentos moral-religiosos e filos6ficos

apare9arn sempre associados no discurso andradino - 0que

talvez nao pudesse ser diferente, uma vez que, confonne ?o!a

Davis, a "era da Razao tambem era uma era de eompaixaopara com a humanidade aflita"1~2- , procuraremos ~gora

fixar a analise naquele segundo npo de argumento, a fl~ depercebermos de que mane ira nos~o personagem apropnava-

se das ideias legadas pela filosofia das Luzes, no seu ataque

a escravidao. Segundo ele,

Dessa forma, a incompatibilidade entre escravidao e aNacao liberal que se visava construir era desvendada, de

acordo com a citacao acima, nas suas pr6prias "causas mo-

l rais".169Eliminar a contradicao, por sua vez, implicava trans-

formar os costumes dos brasileiros em relacao a instituicao,o que, na visao andradina, deveria ser iniciado pela abolicao

a sociedade civil tern por base p rim ei ra a ju st ic a, e por fim princi-

p al a fe licid ad e d os h om en s; m as q ue ju stica te rn u ~ h om em p ara

roubar a l iberdade de outro hom em , e 0 que e pior , dos filhos

deste homem, e dos filhos destes filhos? Mas di rac talvez que se

favorecerdes a liberdade dos escravos sera atacar a propriedade.

Nao vos iludais, Senhores, a propriedade foi sancionada para 0

195

Tempo & M e r l ' l C x t l

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CONS11 l \J I ;Ao tlA N A 1; AD . . E SC Il AI AD A O N O P EN S _. oJ .I IN T O D E Josa B O Ni fA c IO ; 1 78 3- 18 23

ANA ROSAC LOCET DA SilVA

bern de todos, equal e a bern que ti ra 0 escravo de perder todos

os s eu s d i re it o s natura is, e se tomar de pessoa a cou.sa, na frase

dos lurisconsultos? N ao e pois a direito d a fo rc a, p ot s que ~ ho -

m em n ao p od en do ser co usa, n ao p od e ser objeto de propneda-_ , . is d -defende. Se a lei deve defender a pr_?pti_~d.ade,nuito mats eve "____-

der a - i i b e r d a c l e pessoal des hOIll~ns" q u e nao p,o~e s~r proprieda-

d~ de ninguem, sem atacar as direi tos d~ Providencia, que fez os

h-; ;m~~sIivres , e nao escravos; sem atacar a ordem mor~l das 50-

iedades que e a execucao de todos os deveres prescntos peJa

~ature:Z:, pela Religiao e pela sa Politica: ora, a exeCUI;ao,de t~das

estas obrigacoes e 0que cons ti tu i a virtude, e toda !,egl~la~aoe

todo Govemo (qualquer que seja sua forma) que na o a trver par

base e como a estatua de Nabucodonosor, que uma pedra des-, ' J ' [ ] mprendida da montanha a dembou pe os pes .. , ,

Nesta citacao 0 Andrada utiIiza-se amplamente de"princfpios iluministas para atacar a escravidao, expondo uma

olemica central daquele mornento: o fato de 0 e~cravo ser~onsiderado propriedade e, portanto, o reconhec~mento dodireito da sua liberdade significar urn atentado ao igualmen-

te inviolavel direito da propriedade,. . '.Para demonstrar a insustentabilidade deste dilema, ~o

qual a elite escravista valeu-se durante todo seculo X J ? C ~ ~lm

dejustificar a escravidao, Jose Bonifacio recorre aos pnnClplO~

da liberdade e propriedade, buscando ~preender em que m~didaeste Ultimo adquire vaIidade. Reafirma, 0argumento uti-

lizado por Montesquieu, e posterionnent~ recuperado de for-

a ainda mais radical por Rousseau, da invalidade de qu~-r:er contrato de autovenda, 174 uma vez que, seg':lndo este til-

· · ~ ' · t i q " · fi16sofio 0 "homem nasce livre" e essa "liberdade co-mo 1 , " 175 D d "amum e consequencia da natureza do homem , a < : . queforca nao fa z 0direito", qualquer poder nela assente nao 'po~e

ser considerado como "legitime". P . _ ? ~ ~ ! < ? '~nulo e 0 direito

da escravidao, nao s6".P'QE_~~!.li~gitiwo.a~P? f s:r absurdo.e

n~dasig-nificar. As J>.alay"ra~"§f[q),'(qaq_~4! !e l tQ.~f j .Q.Qontr_aPi -"I .--- - " 176t6rias, excluem-se mutuam~nte .

196

Tempo & M 8 m : ' :r i :: l

No CO_12c~mentepropriedade, Rousseau contestava sua

cxisrencia "ern estado natural", eonc1uindo que SUainstitui-

fao se dava com 0 "contrato social", a partir do qual os ho-

mens passariam a ter s u as a co e s guiadas pela "justica" e "mora-lidade".I77

Estes argumentos, portanto, revelavam-se irnportantessuportes na dernonstrat;ao de que 0 escravo, sendo "hornem"

e nao "cousa", nao podia ser propriedade e que esta s6 se jus-

tificava na medida em que atendesse ao bern de todos _ aos

fins do "contrato social", diria Rousseau- _ 0 que nao ocor-

ria, devido ao faro de 0 escravo nao tirar nenhum bern ao per-der "todos os seus direitos naturais" ,178

Se, por urn Iado, dernonstrava-se a falta de fundamen-

tos da propriedade escrava na filosofia do s ec ul o XV ID , por

outro, revelava-se a sua incompatibilidade com 0 fim ultimo

da sociedade civil: a felicidade publica. Esta, segundo Arendt,

no sentido empregado pelos revolucionarios norte-ameriea-nos do seculo XVllr, consistia oa J?ossibiIidade do exercicio

da liberdade em publico, au seja, "consistia em haver partici-

pac;aona gest~g.publ.ica" e "as atividades ligadas a esta gestao

na o constitufarn urn onus , mas davam aqueles que as exerciam

em publico urn sentimento de felicidade que nao usufruiarn emnenhum outro lugar''. 179

No entanto a forma como a ideia de "felicidade de to-

dos" aparece no pensamento andradino na o denota este mes-

rno significado. A felicidade, na sua visao, apareee como uma

decorrencia da garantiada liberdade civil, ou ainda, dos direi- _

tos de "vida, I iberdade e propriedade",iso muito mais que do

acesso do cidadao a esfera publica, Assim, questionava 0

motivo pelo qual as leis consideravam os escravos como "ob-

j_~~o~de legislacao penal" e nao de "protecao civil",181mas,

em momento a I g U n 1 . , referia-se " a extensao dos direitos politi-cos aos escravos, OU mesmo a os cidadaos em geraI. 182

De qualquer maneira, interessa-nos destacar 0entrave que

a escravtdao, ao atacara liberdade- entendida aqui como Ii-

197

Terr,po & M e m 6 r i o

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C O NS lI lI .I <; AO O A N AG A O E ESCAAVloAo r oo P E ~E N T O DE J o se B O N IF A ci o: 1783-1823h>A ROSA eLOCLET 0/1 SILVA

berdade publica'" -, representava ao aleanee da felicidade

geral, uma vez que negava aos individuos a garantia dos direi-

tos civis fundamentais para a construcao de uma sociedade li-

beral, elirninando, emsuma, a pr6pria base desta ultima: a exis-

tencia do cidadao, indivfduo plena em direitas e deveres.P'

A felicidade, par sua vez, tal qual entendida pela filo-

sofia iluminista, nao representava urn estado universal, fixo

e imutavel, a ser atingida. Canforme nota Davis, 0 que 0

seculo xvrn assistiu foi a urna "mudanca no significado da

historia", de uma "ideia de natureza como fixa e de uma

completa cadeia do ser, para a ideia de um process a criativo

levando a perfei<;ao".18SAssim, a saciedade era vista como

percorrendo varies estagios de evolucao, nao havendo uma

verdade imutavel, que correspondesse a felicidade absoluta,mas apenas graus de felicidade, ou, ainda, verdades relati-

vas. Caberia aos fil6sofos, tal qual estes concebiam sua mis-

sao, perceber asmudancas necessarias em cada momenta e,

par meio da aplicacao da razao, conduzir a sociedade por

estes estagios evolutivos.!"Tratava-se, assim, da ideia de que 0hornem era natu-

ralmente perfectfvel, que tenderia naturalrnente ao progres-

so, num processo guiado pela raziio. Jose Bonifacio expri-

me esta ideia, ao criticar os "apologistas" da escravidao, que

se defendiam com base nos exemplos dos gregos e roma-

nos. Segundo ele, "entre os Gregos e Romanos nao estavarn

ainda bern desenvolvidos os principios eternos do Direito

natural, e os divinos preceitos da Religiao" ,187

No entanto, se, por urn lado, a constatacao da existen-

cia de uma heterogeneidade populacional no interior de uma

sociedade sugeria diferentes capacidades de aperfeicoamento

dos seus habitantes - 0que par si s6 representaria urn obs-

taculo na evolucao da sociedade civil-, por outro, a exis-

tencia da escravidao significava urn entrave definitivo aque-

Ie aperfeicoamento. Isto porque a escravidao desti tuia os

individuos de qualquer razao e, portanto, da propria condi-

9ao humana.!" Segundo Rousseau,

renunciar a liberdade e renunciar a qualidade de homem, aos di-

reitos da humanidade, e ate aos pr6prios deveres, Nao ha recom-

pensa posstvel para quem a tudo renuncia. Tal remincia nao se

compadece com a natureza do homem, e destituir-se voluntaria-

mente de toda e qualquer liberdade equivale a excluir a moralidadede suas a~oes.lg9

Dessa forma, se os escravos eram reduzidos a "brutos

animais", pela propria condicao de sua natureza, a existen-

cia da escravidao nao representava apenas um obstaculo paraa constituicao da sociedade civil, nos moldes pretendidos

pelo Andrada. EI~ representava, a~~.?_?_~~.~?.'_.ll~ame~9aconcreta elatente a propria ardem social vigente. Entender

emque termos esta ameaca se colocava, sera portanto nosso

proximo passo.

2.2.2. Escravidao: uma ameaca concreta

e imediata a Nacao

De suas leituras deDe Pradt, as quais ja mencionamos

no capitulo anterior, Jose Bonif&cio extraiu a seguinte ideia:

Querer Iazer escravos, e portanto que estes sej~ mansos comocordeiros e urn absurdo terminal. 0 homem deseja [ser] sempre

livre; 0 contrario e por os homens em combate perpetuo entre aNatureza e 0Estado. A escravidao s6se mantem com ferros e por

ferros; mas pode tal estado durar? _

Eis aqui 0 cfrculo de horrores e~ que gira a ques~o s?bre a es-cravidao; uma questao digna do inferno. Como s~ra crfvel q~e .0

escravo renuncie jamais aos direitos que the d a a Natureza; due.l-tos mais antigos e sagrados que osgrilhoes que the puzer~. Diz

Montesquieu que e impassive! que n6s suponhemos q~e os Pre-

tos sao homens, porque se serem [sic] de certo n6s 0nao somos,

nem se quer Cristiios. 190

198

Tempo &Mem.'xia

199Ter rpo & lVIaTixio

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COI'lSIIn.o:;Ao DA NACAo E ESCAA~DAoNO P£NWAENIO DEJoss 80NifAclo: 1783·1823ANA ROSA C lOCl Fr OAS ILVA

o trecho aI!.'?! '!ct.<?~onta para a.contradi9ao entre e,s-

cravidao e os direitos naturais dos indlviduos, bU § ~ . ! l _ ' : ' l . < ? _ ~ l _

e s s € n c i a das revolt~s ctQ$.escravo~_:Conforme ja analisamos

anterIomieni~-:-~i~'alertava para esta temida possibilidade e

atuava no sentido de conseguir uma coesao interna em torno

do projeto monarquico-const i tuclonal , entendido como ca-

pa z de barrar tal am eaca . .Este medo da sublevacao dos catrvos encontrava seu fun-

damento hist6rico ria revolta de Sao Domingos, ocorrida na

Ultima dec ada do seculo xvm , a qual nao somente "acarreto~

transtomos fatais para muitos senhores de escra vo~, ~~asfarm-

lias e propriedades", 191 como significou u~~ posslblbda~e de

ruptura polftica com a metr?pol: e :onse~u~nte f~;ma9ao de

urn Estado independente, ate entao nao verificada . .

A representacao daquele perigo, conforme visto anten-

onnente, aparecia com freqtiencia nos escrit~s ~drad.inos, 193

sendo associ ado ao fato de a sociedade brasileira contar urn

grande rnimero de escravos em relacao a minoria br:m ca, _ o J~ e

reforyavao"haitianismo" daelite.P' Ja em 1813, Jc:se ~omfaclodemonstrava esta preocupacao, numa correspondencia ao con-

de de Funchal , na qual se referia ao Rio de Janeiro como uma

"Nova Guine",195

Neste sentido, ao recuperar a imagem do "escravo inimi-

go", naRepres en ta~ iio sabre a es crava tu ra , reforcava sua argu-

me nt ac ao p el o t im do t r afico afr icano, uma vez que este repre-

sentaria a interrupcao de urn fluxo continuo de ne~ros par~ 0

Brasil e, dessa forma, reduziria 0risco da sublevacao da maio-ria escrava contra a rninoria branca,

peso insuporrave] da injustica, que os candena a uma vileza erniseria sem fim.

Este cornercio de carne humana e pois urn cancro que rei as en-tranhas do Brasil [.. .] . 1 9 6

1 3 interessante atentar para a nota de rodape que 0

Andrada agregou a esta citacao, Nesta, reforcava sua argu-

mentacao baseando-se no mais recente trabalho de De Pradt,

intitulado Congres de Panama, no qual sao destacados os

efeitos perniciosos do tnifico africano para a America. A

nota diz 0 seguinte:

M . de Pradt, no seu Congres de P an am a - recentemente publica-

do, it cerca do trafico da escravatura, diz... Le mot traite de negres

ne sgnifie plus aujourd'hui que ceci. A qui restera I 'Amerique? aI'Afrique ou bien a I'Amerique? - Anie-ponios aqui e s t a autOnda-de p o r serde grande peso; omitindo todavia 0 que particularmente

diz do Brasil, por isso que desejamos nao vulgarizar muito entre

n6s tao triste verdade: basta que aqueles que tam 0 Ierne do Estado

a conhecam para saberem aplicar 0 remedio, M. de Pradt [.. .] sen-

tira conosco ser imprudenCe acordar 0 leao que dorme. M. dePradt

continua: - Toute cargaison de negres transportee en Amerique,

equivaut a une cargaison depoudre destinee a embras~r Iepays, oubien a celle d'animaux prets ala devorer [.. .J Por isso pedimos ao

Governo denossa Patria seja atento ao que esta escrito no Congresde Panama . 197

Como se a escravidao perpetua nao fosse urn crime contra 0 di-rei to natural, e contra as leis do Evangelho, como disse. As leis

civis , que consentem estes crimes, sao nao s6 :u!padas de todas

asmiserias, que sofre esta porcao da nossa espe~le, e de todas ~s

mortes e delitos que cometem os escravos, mas igualrnente 0 sao

detodos os horrores, que em poucos anos deve[mJ produz~r uma

multidao imensa de homens desesperados, que ja VaGsentindo 0

E s ta c it ac ao r eg is tr a a in d a a p r eo cu p ac ao do Andrada em

fundamentar suas reflexoes em trabalhos recentes, de veiculacao

internacional. Particularmente, ela destaca sua recorrencia a sobras de De Pradt , das quais extraia algumas das ideias centrais

de seu julgamento sobre a e sc ra vi da o e outros elementos art i -

cu l ados a sua visao da crise do sistema colonial. 19 8

1 3 importante destacar que, em bora Jose Bonifacio cha-

masse a atencao para 0 "perigo domestico" da escravidao,

no sentido de esta re'prese_~t~r".':!l!l~_~meaC(a.I~~~_Qt~-~~g_l}_-

r~n9~.9.? .s~~hor, 0 que ele visJ!I:!l_!~ravan~ql!~l~.memento

201-

TElIl1pJ & t v1 ef rK ro -

~ ROSA CLOCLH OA S ILVA

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~r~ ~Ui[O mais 0 perigo representado pelo escravo como urn

i ::~~OdaPNU~lz~,!!,~e).·~.'I_d:.~mo~~.~.~~_tacul2..Qarc:l,.~onsti-__r· __.. ~91 l~ '~os rno _.es.d~s~Jados. _

, No plano interno, conforme ternos ressaltado este

obstaculo eX'pressav~-~e no fato de a escravidao sola;ar as

b~~es da sociedade CIVIl,. tanto nos seus efeitos marais eju-

rfdicos - uma vez que 0escravo nao era cidadao - quanto

pelo fato de ~~s_t~__ formacao de uma econornia de livre~~_:~ad~, 0que sera visto rnais adiante. Alem d i s s o , a ~xis-

1 tencia de uma p~pu~axao ffsicae civilrnente heterogenea;~a:--ravaa constrtu19ao de uma nacionalidade, colocando e-m

nsco a t propria integridade territorial do Imperio.

No plano externo, p.orsua vez, a escravidao represen-

tav~,un:a ~ea:~a, n~medida em que irnpedia a formacao de

.um ex erc!to brioso e um a "m arinha f!orescente", colocan-do:_m posicao vulneravel a soberania nacional.!" A organi-

z~9ao ~as forcas armadas e, principalmente, da marinha na-

clonal lIIpunha-se, entao, como uma das prernencias da jo-

vern N.ayao, mesmo porque a volta de D. Joao VI para Por-tugal fizera-se acompanhar pelos "POllCOS navies de guerra

da velha esquadra portuguesa aqui existentes".200

Alem d~fato de nao contar com os navies deguerra, 0

corpo da. mann?a. era formado, a epoca da independencia,

po r membros dissidentes da rnarinha portuguesa, 0 que co-

locava e~ q ue sta o ~ propri~ "animo patriotico" com 0qual

defendenam 0Brasil, principalments se levarrnos em conta

o fato de que uma das principais ameacas externas a inde-pendencia era, naquele momenta, a de Portugal. .

A necessidade de se formar lima marinha e urn exerci-

to nacionais via-se a~ra~ada ainda pela presenca de tropasportuguesas n~s provincias do Norte do pais - principal-

mente na Bahia ~.~.0 que, associado a existencia das "fac-

coes' in~rnas, reforcava 0 risco da desintegracar, territorial

do Brasil. Concorria tambem para esta necessidade duas

outras forcas externas: a ameaca republicana, representada

pelos paises da America Latina, e tarnbem pelos Estados

Unidos, e a absolutista, constituida pelos pafses membrosda Santa Alianca.s? ' Conforme 0 proprio Andrada alertaria

ap6s sua demissao do Ministerio, em outubrode 1823:

S6 um habil e energetico Ministro [serial capaz de paralisar os parti-

dos, e vigiar os pianos e asnicias secretas dos Governos Republica-

nos da America , por um a parte, e os da Santa Alianca, d a D u tr a.~tn

Dessa forma, a f or m ac ao d as f or ca s a rm a da s constitufa-i

se n um a co nd ic ao b as ic a p ?C a a m a n i l t e n 9 a o d i i " m t e g i l d a C t e in-.t e r T I a do ! m p 6 r i " 6 e p ara a garantia da sua s obe ra n ia e x tema , N o

entanto a presenca do escravo r ev e la v a- se u rn o b st ac u lo neste .

sentido, uma vez que 0 cativo nao era incorporad.o (ao menos

oficialmente) a s f or ca s a rmad as , alern de representar, ele pro-

prio, uma ameaca intema, que requeria a existencia destas for-

9as. Este, portanto, seria urn dos motivos pelo quaI 0Andrada

opunha-se a escravidao, conforme demonstrado na sua Repre-

sentacdo, da qual extraimos a seguinte passagem:

[,.,J e rn pe na i- vo s [s ic ] e m a cr esc en ta r a su a p ov oa ca o li vr e, d es -

truindo de urn golpe 0 peconhento cancro que r6i, e que enfra-

quece a su a foria miJitar, forca ta o necessar ia nas atuais circuns-ta nc ia s, q ~e n ao poctetirar d e u r il :_ ,? il h a. ~d e e se ra v os [ .. .] . 2 0 3

Alem de representar uma am ea ca i nt er na a constitui-...~?d~.Na9ao e de impedir a f<?i~?~~<i~as_.or!(~ armadas,deixando 0 Brasil suscetfvel aos ataques externos, a presen-

ca da escravidao implicava ainda urn outro problema de or-

dem imediata, qual seja, a questao do reconhecimento inter-n atio na l d a independencia.

Neste ponto, a Inglaterra assumia u rn p ap el e ss en ci al ,

uma vez que, sendo simpatica a causa do Brasil , serviria de

mediadora nas negociacoes com Portugal para efeitos do re-

conhecimento da nova condicao do Brasil, 0qual era entendi-

202

Tem!X)&~203

T E i m P O &Men iJ r I :J

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C O N SI 1l UC A o D A rw ;Ao E E S CA AV IO A o N O P E NS AM E N TO D E J os e B O Ni fA cI o; 1783·1823 ANA ROSA ClOCIET DA SIlVA

do com o um a con dicao necessar ia para que ou tros paises fi-

zessem 0m e sm o , i nc lu si ve a p r6 p ri a I ng la te rr a.F "

o seu apo io ao B rasil dev ia-se , em grande m edida, a

d ua s o rd en s d e fa to re s. U rn p ri me ir o r efle tia in te re ss es e ss en -

cia lm ente econom icos, ex pressos aqu i n a sua tentativa de

m an ter as v an tag en s ad qu ir id as p elo tra tad o d e 1810.205 Nes-

tc ponto, 0 B r as il s ab cr ia cxr1r')r:lr os intcvcsscs h l : : ' ,q i , : :O.5,utilizando-sc para tanto da cstrategia de A.pO:1t;},'0:': i'i~c):s que

aquela potencia c or ri a e m r et ar da r 0 reco nh ecim en to , d ad a a

concorrencia francesa e n or te -a m er ic an a, s eu s d o is p ri nc ip ai s

r iv a is n a e sf er a comercial.s" Urn s eg un do fa to r q ue interessa-v a a In gla te rr a n o r ec on he cim en to d a in de pe nd en cia d o B ra silrefer ia-se ao fato d e se r este 0unico pills a m anter a rnonar-

qu ia , e sob 0mo de lo i ng le s, n um c on ti ne nt e r ep ub li ca no .? "

N o entan to , se no plano econom ico e po litico a inde-p en de nc ia d o B ra sil in te re ss av a a In gla te rr a, a e xis te nc ia d a

e sc ra vi da o r ep re se nt av a u rn f or te o bs ta cu lo a o r ec on h ec im e nt o

Ingles. Su a pressao pela abolicao do trafico d e afr ican os v i~

n ha o co rren do d esd e 1808 , u rn an o d ep ois d a p ro ibicao d estetrafico para a s c o lon ia s i ng le sa s .

T al p re ss ao a ntie sc ra vis ta d av a-s e, e m g ra nd e m ed id a,

p el a a tu ac ao dq_~.Jl~r~, o s q ua is , c on fo rm e v is to a nte rio r-

m e nte , e ra m im p uls io na do s p ar u m a s en sib ilid ad e h um an ita -

r ia q ue c re sc en te me nte e nte nd ia a esc rav idao d o N ov o Mun-d o co mo 0p eca do , d o q ual a h um an id ad e p recisav a liber tar-

se . N o entan to ela nao se dava apenas por sen tim entos filan-

t r6 p ic os . R e pr es en ta va o s i nt er es se s economicos de grupos e

c la ss es v in cu la do s a o c ap ita lis m o in du str ia l e me rg en te , c ujan. d inflm ica an tagonizava com a escrav id ao , na m edida em que

e sta r ep re se nta va u rn e ntr av e a e xp an sa o d o m e rc ad o consu-m i do r, n ec es sa ri o a o e sc oa m en to da s me r ca d or ia s p r od u zi da s

. n o fu nb ito d as e co no m ia s e ur op eia s.

A le m d is so , e p os siv el id en tific ar u rn p ar tic ula r m o tiv e

pelo qual a pressao inglesa pelo fim do trafico de afr icanos

para 0 B ra sil a ur ne nta ra , a p ar tir d e 1 80 7, R efer im o-n os ao

fa to d e q ue a a bo lic ao d aq ue le tr afic o p ar a a s c olo nie s b rita ni-

cas d o C aribe, o co rr id a n aq uele an a, lev av a 0g ov em o In gle s

a p re ve r u m a c on se qtte nte d im in uic ao d a m a o-d e-o br a d is po -

n iv el e 0e nc ar ec im en to d a p ro du ca o.d o a ciic ar , p rin cip al p ro -d ut o d aq ue la s c o1 6n ia s. Tal fa te acarretar ia u ma p erd a co m-

p etitiv a em relacao ao acu car b rasile iro n os m ercad os eu ro -

p eu s, c as o 0 Brasil c ont in u as se c ont an do co m a abu nd an te(~fr!":~l de r ; IJo-de· -·~· : '\ .~ ' l' a-:~:-':~rav~_,L\t;{;;n-;;~~"). rc·~·t;"'tqto~scria lc -

v~~-;'~·:~~·(2.11/.")[~~;:,~2~~<~·(;·;~~.;~;}ih"0 ~~~:f;.S0~·Cf"~(~~:~'''(~(~-\V~~l~~-o(_~',~~

'filo em pes de igualdade com a das Antilhas inglesas.P"

C om o d ec or re nc ia d es te s d iv er so s m o tiv os , a In gla te rr a

im po ria a abo licao d o trafico co mo co nd icao p ara 0 reconhe-

c im en to d a in de pe nd en cia d o B ra sil. R es po nd en do a e sta p re s-s ao , J os e B o ni fa ci o escrevia a B ran t ~ rep re sen tan te brasi-

le iro em Londres - em 24 de fevereiro de 1823:

A press a com que pelo ultimo Paquete escrevi a V. Sa. [...J tendomotivado 0 meu i nvo lun t ar io s i le nc io sobre 0 importante objeto

do Comercio da Escravatura, e conhecendo quanto V. S a . neces-

sita se r i lustrado sobre asvistas do Governo a este respeito; a fimde regular as suas negociacoes com 0 Ministro Britanico, apres-

so-me em comunicar a V. Sa. que S.M.I. Esta intimamente Con-

vencido nao s6 da injustice de semelhante Comercio, mas ainda

da pemiciosa influencia que e1etern sobre a civilizaeao e prospe-

ridade do Imperio; mas nao Podendo 0 Mesmo Augusto Senhor

tomar medidas algumas decisivas a este respeito, estando a As-

sernbleia Legislativa pr6xima a instalar-se, Manda-me que asse-

gure a V. Sa. [...J que os seus sent imentos sao os mais liberais

possfveis, e que nutre asmais fundadas esperancas dos sentimen-

tos que igualmente animam aAssembleia, demaneira que se COD-

seguira a abolicao gradual do Trafico de Escravos [...] 2 0 9

E st a in sis te nte p re ss ao in gle sa , d ur an te to do 0pe r iododa s negociacoes diplomaticas da independencia brasile ira ,

su gere q ue a p r6 pr ia iniciativa do ministro d o I m pe ri o e Es-trangeiros de enviar a Repr es en tad io s obr e a e sc r ava tu r a aA ssem bleia C ons titu in te de 1823 fora , em grande m edida,

m otiv ad a p or aq uela p ressao d e o rd em ex tem a. A fo rm a co mo

20 4

Tempo&Mntro

20 5

Tempo &M€mJ r i a

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ele"ini~i~ sua Represeruacdo demonstra a relevancia da in-

tluen~Ia inglesa rara efeitos da elaboracao de seu projeto.

Insefl~do a questao da escravidao no contexte do debate in-temacionai sobre 0 t ema , alertava:

Q~an~o verdadeiros Cristaos e Filantropos levantararn a voz pela

pnrnerra vez em IngJaterra contra 0trafico de escravos Africanos

houve muita gente interesseira ou preocupada, que gritou ser irn-passive! ou impolftica semelhante aboligao porque as Colonias

B r it an ic a s n a o po d iam e sc u sa r u r n t al c om er c io sem urna total des-

t ru ic ao : t od av ia p as so u 0 B ill, e nao se arruinaram as colonias,

Hoje emdia que Wilberforces e Buxtons trovejam de novo noPar-

lamento a favor da ernancipacao progressiva dos escravos, agitam-

se ?utr,avez os inimigos da hurnanidade como outrora: mas espero

d.a]UstI9ae generosidade do povo Ingles, que se conseguira a ernan-

cipacao, como ja se conseguiu a abolicao de tiioinfame trafico, E

par que os Brasileiros somente continuarao a ser surdos aos gritos

da razao e da Religiao cris ta , e direi mais , da honra e brio Nacio-

nal? Pais somas a unica Na9ao de sangue Europeu, que ainda co-

mercia clara e publicamente em escravos Africanos.s'"

Por Dutro Iado, revela a i a in te nc ao de convencer t am-

bern os ingleses - apelando para a "justica e generosidade"

daquele povo - de que a emancipacao seria alcancada, assim

como a abol ic a o do trafico, uma vez que os brasileiros nao

teriam nenhum interesse em continuar s en do a tinica nacao a

compartilhar deste trafico, que ia contra a "razao, a religiso e a

honra e brio nacional", Dessa forma, procurava mostrar aos in-

gleses q ue a a bo li ca o t ambem a pa re ci a como i nev it ave l p el a o ti -ca dos brasileiros, tratando-se apenas de uma questao de tempo.

Ma s d en u nc ia r a e sc ra v id ao como urn crime contra a ra -

zao e a humanidade e como uma ameaca imediata, em nfvel

interne e externo, a constituicao c ia N~iio I1liQ.l?~tava .p.ara\~

convencer a eli te nacional das incompatibilidades entre 0pro- ,.

je ~ o< i~ ~ : 9 n . i t r u 9 i o de U J 1 1 Estado liberal e a existencia da [nsti- itlli9aO escravista. Para alem disso, era preciso provar que a es-

cravidao ia contra os interesses economicos desta mesma elite,

revelando-se, assim, sua inutilidade. E 0que veremos a seguir.

Perce.bemos que esta citacao atende a urn duplo objeti-

VO, expressrvo da propria dinamica das argumentacces aven-

tadas durante as negociacoes diplornaticas com a Inglaterra.

~or ~m .l~do, ela chama a atencao do s brasileiros para a

inevitabilidade da abolicao do trafico de africanos diante da

pressao inglesa, valendo-se p ar a is so do exemplo hist6rico

deste mesmo processo nas colonies britaaicas,

Sugeria, assim, a ideia de que, diante do s riscos repre-

sentados pela atuacao antiescravista inglesa, 0Andrada apres-

sava-se em convencer os brasileiros que seria mais aconse-lh ~ v e~ uma. atitude em r el a < ;:a o . a qu~st§:o que p a r i i ~ s ~ delespropnos, Nisto, compartilhava da preocupacao de Brant, se-

gundo 0 qual, "se 0B rasil h a de convir por forca em curto

periodo",?a questao do trafico, "rnelhor era convirja par von-

t ad e, e r et ir an d o a lg um p ro v ei to 'V "

2.2.3. Escravidao: urna iustituicao imitil

e ant iecon6mica

Entender a fala andradina acerca da inutilidade da es-

cravidao nos remete, novamente, a fi losofia iluminista. Para

tanto, devemos considerar que seus fundamentos nem sem-

pre foram os mesrnos e a s suas mudancas corresponderam

transformacoes na pr6pria argumentacao antiescravista,

Assim, conforme destaca Peter Gay. se a filosofia ilu-

m i ni st a d o i nf ci o d o s ec ulo XV II I v al ia -s e, f un dam en ta lm e n-

te, de elementos morais que buscavam nas leis da naturezaas principios formadores da essencia humana e da socie-

d ad e, a partir da segunda metade daquele seculo 4_e_s~}1yol-

ver -se- ia uma arg.uP1ent~c;.ag.y!ilit~,sta,_~_'!i2~p~n9(pi.~s erambuscados nao apenas nas leis naturais, mastambem na utili-

dade?"

20 6

Tempo&~

207

Terrp:>&1VeT61o

CON5lllIJ<;:.oIoOA ;w;;J.o ~ ESCRAIIIMO NO P~sAMENTO DE Jos~ 80NIFAclo; 1783·1823

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Aqui, revelava-se a inerente tensao que perrneava aquela

filosofia: 0 fato de ser ela fundada nos direitos naturais e, ao

mesmo tempo, visar 0 alcance do bem-estar colet ivo, 0 que

levava ao permanente confli to entre 0 indivfduo e a socieda-

de. Neste confronto, os proprios pensadores iluministas aca-

bavamjust if icando as diferencas sociais entre os homens, em

nome da utilidade para 0 conjunto da sociedade, 0 que dava

margem para 0endossamento da escravidao.t"

Portanto, a partir da segunda rnetade do seculo XVIII, a

mudanca de tom do Iluminismo acabou proven do seus filoso-

fos de novas armas e, ao mesmo tempo, de urna nova tarefa

no comb ate aquela instituicao: ~ra~~.a:~p~p"~~ __e pro-

var que ela ia contra os direitos naturais, mas tambern que era

; i n l i t i i . i i ' 4 ' S i g n i f l c a v a Iine~sidad;·de-concmara;:reTtos·natu-rais ~-utilidade publica, a qual Rousseau responderia argu-

mentando que, desde que a fonte das leis naturais era encon-

trada na propria natureza humana, nas suas necessidades ffsi-

cas e espirituais, os ditames de tal lei nunc a poderiam ser in-consistentes com a utilidade publica. A ! . ! l i m > - - . & ~ _ Q . f i: m . . r l a es-

cravidao trazia p r essoes t empora r ie s de r e aj ust amento corne r-

,ciai;no longo praZo,.a~_n§.o p o c i l a f~har ~ P . 1promover 0_res-

'cimento da ind(istJj~,.poPi.ira9ao e felicidade.i"

E tomando por b a s e este tom utilitarista da filosofia

iluminista que podemos, portanto, entender alguns dos ar-

gumentos utilizados por Jose Bonifacio, no comb ate a es-

cravidao. Uma primeira ideia que ele contesta na sua Repre-

sentacdo e a da sua necessidade, devido a suposta indolen-

cia dos brasileiros. Segundo ele,

Aqui , portanto, invertia a tese de que a escravidao e umadecorrencia da "indolencia" dos brasileiros, mostrando que, na

verdade, e a sua existencia que possibilita tal cornportamento.

Ou seja, aponta uma consequencia da escravidao para 0 bern

publico - 0 fato de barrar a "civilizacao" e a "industria" - a

partir de urn c fei to moral par el a provocado - a "indolencia"dos brasileiros, E, para provar seu argumento, utilizava::sea--e

exemplos historicos, conforrne a citacao seguinte:

Diz porern a cobica cega, que os escravos sao preciosos no Bra-

s il , porque a genre dele e frouxa e preguicosa. Mente, por certo.

A Provincia de S. Paulo, antes dacr iacao de engenhos de acucar,

tinha POllCOS escravos, e todavia crescia anualmente em povoa-

~ao e agricultura f._.] Os lavradores da india sao por ventura rnais

robustos do que ur n branco, urn mu la to , u r n cabra do Brasil? Na o

por certo, e todavia nao morre aque le povo de forne. E porque

eles nao tern escravos Africanos, de ixam as suas terras de ser

agricultadas, e 0 seu Pafs um dos mais r icos do Globo (.,,]?217

Fixava-se, ainda, na tese de que a escravidao obstavao desenvolvimento da industria, argumentando que,

para provar [".J que a escravidao deve obstar a nossa indus tr ia

bas ta lembrar que os senhores que possuem escravos vivern, em

grand f ss ima pa r te , na i ne rc ia p a is n a o s e v.ecmprecisados pela fome

o u po br ez a a a pe rf ei co a r s ua I n du st ri a ou r n el ho r ar s ua l av o ur a [ .. .]

As artes nao se melhoram: as maquinas que poupam braces pela

abundancia extrema de escravos nas povoacoes grandes sao des-

p re za d as , C a us a r ai v a o u r is o ver vinte e sc ra vo s o c up a do s em trans-

portar vinte sacos de acuca r que podiam conduz ir uma ou duas

carretas bern construtdas com dais bois ou duas bestas muares.s"

o luxe e a corrupcao nasceram entre n6s antes da civil izacao e da

i~d6stria;e q u - a f s e r a a causa principal de urn fenorneno tao es-

pantoso? A escravidao, Senhores, porque 0 homem que conta

com o~jornais de seus escravos vive n~ndol%ncia. e .a.,indoifn-c ia t ra z todos os vfcios apes si,2!6

E importante notar que sua tentativa de mostrar a in-

compatibilidade entre escravidao e desenvolvimento tecni-

co e buscada nao numa suposta incapacidade natural do ne-

gro, mas na propria irracionalidade do modo de producao

escravista. Esta ideia foi desenvolvida por John Millar, em

208

Tempo & M e m 6 I 1 a209

TemPJ &Merr6ia

CONSIQu<;AO DA NAl ;Ao E fSCRAIilDAo NO PENSAMEN10Di JOS[ BON i fA c io : 1 7 8 3· 1 8 23

AN" Ros" CLOCLfI OA SlLVA

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1771, segundo 0qual a escravidao era nao apenas "inconsis-

tente com os direitos naturais", mas contra a utiIidade piibli-

ca, na medida em que "cegaria 0homem para oprogresso".

Este filosofo, segundo Peter Gay, utilizava-se de urn efeito

psicologico que a escravidao supostamente geraria nos indi-

viduos - os quais passavam a considerar qualquer inova-

9a O como "medidas perigosas" - a fim de mostrar que ela

era incornpativel com a uti lidade. Assim, uma vez que estaresistencia psicol6gica fosse superada, tornar-se-ia evidente

que a escravidao era nao apenas "perniciosa", mas contraria

aos verdadeiros interesses do senhor.?"

Esta e , em certo sentido, a ideia que norteia a defesa

do Andrada acerca da nao-lucratividade da escravidao para

os senhores, sendo, portanto, contraria aos seus pr6prios in-

teresses, pois, conforme acreditava,

entemente .?" Par ult imo, a escravidao nao seria lucrativa

porque ela obstava a introducao de "inovacoes poupadorasde trabalho" e depreciava a "produtividade em geral".222

Em contraposicao, 0Andrada apresentava as vanta-

gens economicas que 0 firn da instttuicao escravista traria

para os senhores. Diz ele:

Eu dese jara , para seu bern, que os possuidores de grande escra-vatura conhecessem, que a proibicao do trafico de carne humana

o s fa ra mais r ic o s; p o rq u e seus e sc ra vo s a tu ai s v ir ao a te r e nta a

maior valor, e se rao par inte resse seu rna is bern trat ados; as se-

nhores promoverao en tao casamentos, e estes a populacao. Q eforros aumentando, para ganharem a vida, aforarao_.~q?~.n.as

P,Of96e§-de terras-descob-ertaSou]ap.~iiiS, qu~hoj~tiiida v~eni.223

a lavoura do Brasi l, fei ta por escravos bocais e preguicosos, nao

da os Iucros com que as homens ignorantes e fanat icos se i ludem,

Se calcularmos 0cus to anual da aquis icao do terreno, os capitaisempregados nos escravos que 0 devem cultivar, 0 valor dos ins-

trumentos rurais com que devem trabalhar cada urn des tes escra-

vas, sustento e ves tuar io , moles tias reais eafetadas , e seu curat i-

YO , as mortes numerosas, fi lhas do rnau trat amento e da deses-

peracso, as repentinas fugidas aos mates e quiiombos , clare f ica

que 0 lucro da sua lavoura deve ser mui pequeno no Brasi l, a inda

apesar da prodigiosa fert ilidade de suas te rras, como mostra a

experiencia .P"

Dessa forma, mesc1ava OS efeitos morais e psicologicos c ia

i ns t it u icao , co rn suas c ons equen ci as e con om i ca s, a pr es en ta n do

o mundo escravista como sendo guiado pela irracionalidade-pela "cobica" e pela "paixao" dos senhores -~OSl.~aO

aomundo da liberdade, guiado pela "razao".224o Andrada destacava, ainda, 0 fa to de a escravidao

nao gerar ° aumento da populacao, pois, segundo ele ,

Ainda aqui, Jose Bonifacio encontraria fundamentos

para sua argumentacao nos filosofos iluministas. Segundo

Millar, esta nao-lucratividade da escravidao devia-se a tresfatores. Primeiramente, "porque as escravos nunea tern sideencorajados a adquirir nem habilidade, nem disciplina" , po-

dendo ser destinados apenas aos trabalhos mais rudes. Em

segundo lugar, "porque os escravos sao transformados em

ressentidas bestas de carga", incapazes de trabalharem efici-

[ . • • J a introducao de novos Afr icanos no Brasi l nao aumenta a n05-

sa populacao [.. .)Para provar [esta] tese bastard ver com aten9ao 0

censo de cinco au seis anos passados, e ver-se-a que apesar de

entrarem no Brasi l, como ja disse, per to de quarenta mil escravos

anualmente, 0 aumento desta cla sse ISau nulo, au de mui ponca

manta: quase tudo morre au de miseri a, au de desesperacao, e to-

davia custaram imensos cabedais, que seperderam para sempre, e

. do dinhei ad22Sque nem sequer pagaram 0juro 0 n eiro empreg o.

A preocupacao com 0 tamanho da populacao do pais,

tal qual ela aparece no pensarnento andradino, deve ser enten-

dida tanto a partir da sua dimensao polftico-economica, quan-

to a parti r da forma pela qual a filosofia do seculo XVIII con-

cebia.esta questao.

210

terroo & Merr6tl211

TE l r f ' 4 X > & IVBTix'a

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CONSlRU t ;AO CA N M ;A o , E SC A AV IO A oN O P 'N ~O D E J os ~ B O N1 fA cI O: 1783'1823AAA ROSA C1OCL£1 OA SILVA

No que diz respeito a esta ult ima, Davis destaca que,

segundo os primeiros utilitaristas, era improvavel que umainstituicao fosse contraria ao interesse publico se ela enco-

rajasse 0 crescimento estavel da populacao, Neste ponto,

segundo ele, David Hume, em 1772, deu uma nova perspec-

tiva a questao~ue defendia a ideia segundo a quaI,

destrufdas pelo rnachado assassino do negro, ~ pelas chamas de-

vastad.oras da ignorancia [.,.] E pois evidente, que se a agricultu-

~~ s e fl~er com braces . livres d?(pequenos P£oprieUiiios,6u por

~ornalelros, P?~ necessidade e mteresse serao aproveitadas essas

terras, mormente nas vizinhancas das grandes povoacoes, ondese acha urn mercado certo [ .. .) 2 2 7

onde a taxa de escra~o.s sobre homens livre~J9r desproporcio-

n a l l i l e n t e i r a n d e , c ~ ~ o nas c o 1 6 l i ia : s 'a m e l lc a n a s ,o.resultado seria

a'insegtira:ri~a e sev~riikde'de' d'i~ap]i~aue retardaria 0 cresci-

r n ent o popu lac ion e l, A'i~pli~~iio,:;qu~·a instituicao significava

um tipo de aberracao economica, que se consumia, quanto mais

crescia.F"

E, para comprovar seu argumento, utilizava-se doexemplo dos Estados Unidos:

Quao pouco a escrav,idao concorre para a cultura e povoacao de

urn pa rs , se most~ [SIC] nos Estados Unidos da America, onde os

ES,tadosem que ha escravos, como as Carolinas, Virginia, Georgia,ate mesmo Kentucky e Tennesee estao rnuito atrasados.22S

Dessa forma, 0 fato de a escravidao nao gerar 0 au-

mento da populacao era demonstrativo da sua propria in-

compatibilidade com a utilidade publica.

No que se refere ao desenvolvimento economico da

Nacao, par s ua v ez , 0 problema do tamanho da populacaoapareciaintimamente relacionado ao do povoamento. JoseBonifacio ressaltava 0 fato de a escravidao barrar nao so-mente a industria, conforme destacado anteriormente, mas

a : propria ocupacao do pais, uma vez que a sua existenciaaparecia atrelada a do Iatiftindio. Aqui, a presenca de umaabundante mao-de-obra escrava, associada a disponibili-dade de terras, permitia que os senhores se utilizassem de

metodos extensivos de cultivo, definidos pela posse de gran-

des extensoes de terra, exploradas de forma nao mecaniza-da, e que, uma vez esgotadas, eram abandonadas, em fun-

93.0, da procura de riovas areas. Dessa formal. na o fixava 0trabalhador ao solo, barrando 0 povoamento do pafs, Se-gundo seu raciC icIiifo -,"-' - ' _. .

Se, por um,lado, 0 na?-a?mento populacional repre-'sentava ~m ,obstaculo ,econon::uco - pois nao permitia 0

avanco tecmc~ d,a agncultura e, tampouco, '0 desenvolvi-

~ento do comercl~ ~nterno229-, por outro, ele comprome-

t1~a s:guran~a polftica daNa~ao, tanto por dificu] tar a orga-ruzacao das forcas armadas, confonne visto anteriormente

quanto por na o permitir a formacao de urn todo "homoge-neo e compacto, que nao se esfarele ao pequeno toque dequalquer nova convulsao polftica",230 ./

. Estas seriam, portanto, as ideias que 0Andrada empre-

~~~a,~~ dem~nstrarao, de que a escravidao era uma instituicaol~util e anttec?noIIl1ca, contraria aos interesses ptiblicos e

pnv~dos. A~socI~ndo-os. aos demais argumentos que temosanalisado ate aqur, ele sena Ievado a seguinte conclusao:

Acabe-sepois ~euma vez 0 infame trafico da escravatura Africana;

m as co m is to na o es ta t udo feito: e tambem preciso cuidar s e r ia m e n -teem melhorar a sorte dos escravos existentes, e tais cuidados sa o ja

urn passo dado para a sua futura emancipaqiio?J'

se o s senhores d e t er ra n ao tiv es se m um a m u ltid ao d em a sia da de

e sc ra vo s, e le s m e sm o s a pro ve ita ria m te rra s ja a be rta s e liv re s d e

m a to s, q ue hoje ja zem a ba nd on ad as c om o maninhas. Nossas matas

p re cio sa s e m m ad eir as d e c on str uc ao civil e na utica n ao seriam

~abe-nos indagar, portanto, a respeito do tratamento

presc~~ta por .Jose Bonifacio para a "sorte dos escravos exis-

te nte s .o u, ain da, sabre 0s eu p ro je to d e cm an ci pa ca o. Mais

212

T e m p o & Me r r I : ' . r o :213

T em p o & M e r r - r 6 ' a

CONS IR t> : ; Ao ()A NACAo E ESCAAV,DAo NO P EN !W J : EN l O ot J O S E BO"' l iAcro: 1783-1823

A~A ROSA ClOCLf[ DASilVA

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.precisament~, ?evemos .apreender em que rnedida este pro-

J 7 to.respondia as necessidades especfficas da sociedade bra-

sileira daquele momento, para efeitos da construcao do Es-tado nacional. . .

2.2.4. 0 projeto emancipacionista

teor do seu projeto, principalmente se considerarmos a gran-

de proporcao de escravos em relacao a minoria branca e 0

conseqilente medo de uma revolta generalizada dos cativos

que esta situacao gerava.

Conforme ele pr6prio expressava ja nas suas Instru-

foes aos deputados paulistas, de 1821, era preciso cuidar da

Legislatura sobre a escravidao, "mas tudo com tal circuns-r

peccao que os miseraveis escravos n~oreclamemest;-"di-'

~erfOscorqtumulf~s ejilsu-ireJ~{i_e'S,q~ep~d~~·tr~~r cenasdesangue edeIi-orrores".234 .~- -

Assim, a arneaca latente representada pela presenca dos

"inimigos caseiros" demandava que 0 fim da escravidao se

fizesse de modo a manter 0 controle da elite brasileira sobre

esteprocesso, a que explica, em bo'~'medI(i~~ impossibilida-de de ° discurso antiescravista assumir urn tom radical.

Mas, alem disso, 0fate de 0Andrada estar inserido numa

sociedade escravista, na qual a debate sabre a escravidao as-

surnia uma dirnensao nacional , implicava a necessidade dear!i£':ll.ac;:aoom os interesses da elite economica. Esta, con-

forme vista noinicio deste capitulo, pretendia conciliar a rup-

tura com a situacao de dominacao externa - de Portugal so-

bre 0Brasil - com a manutencao da condicao de submissao

intema - dos escravos em relacao aos senhores.

Esta ambigua pretensao, por sua vez, encontrava na

monarquia consti tucional uma via de concretizacao, a que

explicava a convergencia da el ite para esta forma de gover-

no, nos momentos finais da independencia, Dessa forma,

depor contra a escravidao, neste contexto, significava amea-

car as pr6prias bases de sustentacao do modelo politico en-

tendido pelo Andrada como 0unico capaz de levar adiante 0

projeto de edificacao de urn grande Imperio. Conforme men-

cionamos anteriormente, ele pr6prio reconhecia que era pre-

ciso "interessar as antigas famflias e os homens ricos",235

para levar adiante tal projeto.

A citay~o/~ seguir, ~xtraida da Representactio, apontaalg~mas ~a~ ~delas centrais do projeto ernancipacionista de

Jose Bonifacio, ° qual se referia ao fim da escravidao nosseguintes termos:

Torno a dizer porem que eu nd o desejo vel' abolida de r ep en te a

escravidiit?_; tal acontecimento traria consigo grandes males. Para

elil_lan~iparescravos sern preju[zo da sociedade, cumpre faze-los

pnmerramente dignos cia liberdade: cumpre que sejamos forcados

pela razao e pela lei a converts- los gradualmente de vis escravos

em.~omen~·fiv~~s_eativos. Entf:ioos rnoradores de~te Imperio, de

crueis que sao em grande par te nes te ponto, se tornarao cristaos e

justos e ganharao muito pe lo andar do tempo, pondo em livre c ir-

culacao cabedais rnortos, que absorve[mJ 0 usa da escravatura:

I !vrando as suas famflias de exemplos domesticos de corrupcao ~

urania ; de inimigos seus e do Estado: que hoje nao te rn pat ria, e

que podem vir a ser nossos irmaos e compatriotas+"

A ideia de que a abolicao deveria ser gradual pode nos

parecer estranha, urna vez que, conforme defendera ate entao

a escravidao mostrava-se inerentemente antagonica com o

projeto de Na<;:aoiberal. Entretan to e preci so atentar aquipara

algumas especificidades da realidade brasilei:ra daquele mo-

mento, para se compreender sua proposta emancipacionista.

Primeiramente, deve-se considerar a fato de que Jose

Bonifacio estavadepondo contra a escravidao, a partir do pro-

prio seio de uma sociedade escravista.P! Esta singularidade

central de sua insercao social impunha serias l imitacoes ao

214

Tempo & r v 1 e r T 6 i : : l 215

Ter rp:> &/v1err'6b

C ON sm lX ;A D D A N Al;:A o E [SCI lAV1DAO N O P E NS AM E N TO D E J es t S O Nl fA cl o; 1783·1823

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ANA DA SrlVA

Em terceiro lugar, e preciso considerar que a socieda-

de brasileira, estruturada em bases tipicamente coloniais, ti-

nha na escravidao o fundamento de sua susten.ta~,i '!9..econo-

mica. Dessa forma, a emancipacao dos escravos deveria se

dar de forma gradual.a fim de,evitar ~Qr9pri~d~~~~.trutura9ao

da economia nacional . Mais que isso, era preciso garantir a

incorporacao do liberto ao mercado de trabalho livre, umavez que era a formacao deste que estava em questao, o que

deveria ser obtido atraves do periodo de aprendizagern pro-

porcionado pela emancipacao gradual, no qual as negros

fossem tomando-se "dignos da Iiberdade".

Tratava-se daquilo que Azevedo identifica como a

"pedagogia da transicao", ou seja, urn periodo no qual nao

apenas se procedesse a coacao ffsica dos ex-escravos e po-

bres ao trabalho, atraves de leis repressivas contra 0 6do,

como se fosse produzindo a pr6pria subjet ividade do traba-

lhador livre.236

Referindo-se ao comercio de escravos, JoseBonifacio expressava esta ideia, a medida que revelava os

tennos segundo os quais ele ja nao era rnais necessario:

[ . . . J c om erc io p ore m, q ue h oje e m d ia ja n ao e p re ci so p ar a a um e n-

to d a s ua a gr ic ult ur a e p ov oa ca o, u ma v ez q ue , p or s ab io s r eg ul a-

m e nt os , n ao s e c on sin ta a v ad ia ca o d os brancos, e o u tr o s cidadaos

m e sc la do s, e a do s fo rr os ; u m a v ez qu e o s m u ito s e sc ra vo s, q ue ja

t emo s , p o ss am , a a ba s d e u rn G o ve mo j us to , p ro p a g ar li vr e e n atu -

r alm e nte c om o ut ra s c la ss es , u m a v ez q ue p os sa rn b er n c ri ar e s us -

t en ta r s eu s fil ho s, t ra ta nd o- se e st a d es gr ac ad a r ac a A fr ic an a c or n

ma io r c r i st a ndade , at e p ar in te re ss e p ro pr io : u m a v ez q ue s e c uid e

e nfim n ae ma nc ip ac ao g ra du al d a e sc ra v at ur a, e s e c o n ve rt am B r u-t os i m or ai s e m c id ad ao s r it ei s, a ti vo s e m o ri ge ra do s. P?

nacao do indivfduo ao trabalho. Era uma maneira de com-patlbilizal~"a l i b e r ( E t d ~ c o m a"utilidade.238

Par ultimo, era preciso forjar a propria nacionalidade

do ex-escravo, no decorrer deste processo gradual de eman-

cipacao. Ou seja, era preciso, como afirma Jose Bonifacio,

i_~~~_tifica-loscom a "patria", tornando-os "nossos cornpa-

triotas", Esta seria uma das funcoes, senao a principal, dodefendido perlodo de transicao.

A estes argumentos que, em boa medida, explicarn a

concepcao emancipacionista do Andrada, podemos acrescer

ainda 0 fato de que, pelas suas pr6prias influencias filosofi-

cas, a opcfio gradual parecia-Ihe a mais adequada, Segundo

Davis, 0 ideal de urn equilfbrio social, a crenca na lenta evolu-

c;;aodas instituicoes, erarn todos parte da opiniao do seculo

XVIII. Os fiJ6sofos do Iluminismo concordavam em que be-

nevolencia e sensibil idade moral eram muito boas, mas nao

podiam permitir a ocorrencia de mudancas repentinas, "que

pudessem quebrar 0delicado ajustamento das forcas naturaise historicas", 2J9

Em uma de suas "Netas", Jose Bonifacio expressava

esta mesma nocao a respeito da forma como as reformas de-

veriam ocorrer Segundo ele,

nas reforrnas , deve haver muita prudencia: conhecer 0verdadeiro

e sta do d os tempos , a que estes sofrem que se reform e e 0 qu e

deve f icar do antigo. Nada s e d ev e fa ze r aos saltos, mas t ud o p ar

g ra us , c om o o br a a N at ur ez a.s "

Percebe-se, assim, que a ideia de incorporacao do ne-

gro na nova sociedade, assirn como era o caso dos indios,

nao se fazia scm detenninados pressupostos. A nocao de

cidadania aparecia aqui estreitamente vinculada a subordi-

Assim, pelo que foi vista no decorrer deste capitulo, se,

por. urn lade, a escravidao era inerentemente antag6nica ao

projeto de construcao de uma Nacao liberal- com ele con-

frontando tanto na sua concepcao filos6fica, marcadamente

influenciada pela filosofia do seculo XVIII, quanto na per-

cepcao dos seus aspectos politicos, econ6micos e sociais mais

concretos -, por outro, a sua rnanutencao temporaria revela-

216

Terrp::. &Mem6b217

Tempo&~

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va-se um a c?ndir;ao necessaria para a propria concretizar;aodaquele projeto, .

E sta era u ma d as, se nao a principal, tensoes q u e pe rmea -Yarn 0 pensament_:>~dradino e e a partir deIa que podemosapreender a relevancia que a questao da escravidao assumia

no rnornento da emergencia do Estado NacionaL .

NOTAS

ILyra iden ti f ica este "princfpio d a u n id a de " presente nas po i f ti cas reformistas

d esd e 1 79 8, a te nta nd o p ar a o s d lfe re nte s se ntid os, a u e nfa se s, q ue e ste (o i

assurnindo 1 ' 1 0 lo ng o d o p ro ce ss o d a in de pe nd en cia (M aria d e L ou rd es V .

L y ra , o p . cit., p. 224).

l Carlos G. Mota e Fernando A. Novais. A independencia politica do Brasil.

Sao Paulo: Moderna, 1986, p, 7.

. , M a ri a de Lourdes V . L yr a, o p. cit.. p. 168.

" Idem, pp . 170-171.

IA f on so M a rq u es dos Santos, "A i nv en "y ao d o B r as il : u rn p ro bl em a n ac io n at ",

in Revista de Hist6ria, 118. S ao P au lo : U SP , jan-jun., 1995, pp.3-4.

6 Segundo Novais, "a burocracia, vinculada 11dom lnacsc metropolitana" era 0

tinico s et or n a sociedade brasileira qu e desfrutava d e u rn c erto g ra u d e a uto -

n om ia e m relacao a s camadas dominantes, urna vez qu e os " ag en te s d o esta-

d o" d ep en dia m d a C oro a ( Fe rn an do A. Novais, "A e vo lu 9 li o d a sociedadeb ra si le ir a: a lg un s a sp ec to s d o p ro ce ss o h is t6 ri co d a f or ma gli o s oc ia l n o B ra -

s il ", i n Anais do Museu Pasdista. S il o P au lo : U S P, 1 97 9, t om o XXIX, p . 5 9 ).7 N a v erd ad e, a id eia d e q ue a ln de pe nd en cia n ac io na l te ria o be de cid o a " fo r-

g as e x te rn as d e p re ss ao " t er n s id o um a I nt er pr et ac ao corrente e m g ra nd e p ar -

te da historlografia brasileira sobre 0 t em a em q u es ta o . E s ta i nt er pr et ac fo ,

c on f or me p od em o s a pr ee nd er a tr av es d o t ra ba lh o d e S il va D ia s s ob re a r el a-

9liOentre ideologia liberal e construrfio do Estado d e Brasil, p ar te e m g ra nd e

m ed id a d a c on sra ta ea o d e q ue , c on tr aria me nte a o q ue te ria se p ro c e ss a d o n as oc ie da de n or te -a m er ic an a, n o p er fo do a nt er io r a 1 77 6, 0Br a si l n l io a s si s ti u

a um a " re v ol ug ao em pr es ar ia l q u e a fe ta ss e a e st ru tu ra d a s oc ie d ad e c o lo n ia l" ,

n em c on to u c om a fo rm ac ao d e in te re ss es e sse nc ia lm en te e ap lta lista s q ue

v is as se m a t nt eg ra ea o d o m er ca do n ac ic na l. D es sa f or ma , o s i de al s l ib er ai s

nao teriam em ergido "com o urn pro gra ma m od ern izado r d o con junto das

f or ca s s oc ia ls ", s en do a nte s v ei cu la do s p or u m a e li te i 1u st ra da , a q ua l " re se r-

vav a para si a m issa o paternalism de m odernizar e reform at 0 arcabouco

218

Tempo & f V t e r n 6 r i a219

T~&Mem;)1o

CONSTRlK;Ao DA NAc;Ao E ESC.....VlOAo NO PENSAMENlODE J05t BONfACIO: 1783-1823

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ANA R OS A CLOCtH DA S~VA

pol ft ico e administ ra tive do pal s, sem comprometer a continuidade soc ia l e

econamica da sociedade colonial" (Maria Odila L. da Silva Dias, "Ideologia

l iberal e construcao do Estado do B r as il ", i n Anais do Museu Paulista. Sao

Paulo: USP, 1980/1981, tomo XXX, pp . 211-212).

8 A lem d o fato de t ai s p re s so e s e x te r na s s 6 poderem ser entendidas a par ti r de

suas a r t icu lacoes com os diferentes interesses ernergentes no p l ano n a c io n a l,

acreditamos que e st e t ip o de interpretacao, que prioriza 0 primeiro nfvel ex-

plicati YO , merece ainda uma outra ressal va , concemente a pr6pria forma, como

e entendido ° c ar at er c ia cam ada dominante b r as i le i ra , B s r a e vista semprecomo portadora de interesses t ipicamente senhoriais e, ponanto, nao capita-

l is ta s, a que far ia com que qua lquer ruptura com sent ido l iberal fosse fei ta

por uma minor ia i lu s tr a da e culta do pafs, No entanto d ev e- se c ha m ar a a te n-

yao para a pr6pria especificidade da eli te nacional, quando confrontada com

a sociedade norte-americana. Segundo Novais, "0colono, ao mesmo tempo

que como possuidor de escravos assume um a feiyao senhorial , tern de per-

manentemente d ef ro nt ar -s e c om 0 mercado", s ej a para adqui ri r produtos

metropoli tanos, seja ainda para adquirir escravos, sendo, dessa forma, s imul-

taneamente "senhor e empresar io". I sto implica que os int eresses int ernes,

emjogo noproces so de const rucao doEstado nac iona l, nao devern se r enten-

didos apenas pela sua dimensao conse rvadora em relayao aos " impulses ex:

temos liberais", mas como interesses essencialmente mercantis e que, neste

sentido, se favoreciam com a rup tu re da cond icao colonial (Fer nando A.

Novai s, "A evolucao da sociedade brasil ei ra : a lguns aspec tos do processohist6rico da formaejo social no Brasi l", op, cit., pp. 58-59).

9 Sergio Buarque de Rolanda (o rg.), "A fundayao de um imperio liberal" , in

Hi s to r ia g e ra l da c i vi li t. a fl io b r a si le i ra . Sao Paulo: DlFEL.1982, torno II, vol .

1 , p . 1 57 .

10 Caio Prado Jr. , "Introducao" aojomal 0 Tamayo, 1823, Colecao Fac-similar

de Jomai s Ant igos. R io de Jane iro: Zel ie Va lverde , 1944, p . XlV.

11 Idem. A si tuacao a qua l f ica ram relegadas as provfncias do Nor te e Nordest e

deve se r compreendida , t ambem, a par tir do pr6pr io processo de f ixacao da

Corte no Rio de Janeiro. Aqui, as polft icas desenvolvidas durante 0 govemo

joanino favoreceram particularmente a regil io Centro-Sui e, a medida que ia

se dando 0 enrai zamento da Corte nes ta regiao, aumentava a sobreca rga de

despesas impostas a s provfncias nordestinas, as quais se viam crescentemen-

te afastadas do Bstado, aumentando as caraeterfst icas regionais de dispersao,

Este processo, segundo Silva Dias, expressava a pr6pria condicao assumidapelo Rio de Jane iro, ap6s 1808, qua l s ej a, a de "metr6pole int er iori zada" ,

que , a traves das reformas promovidas par D. Joao VI, apenas recrudesc iam

osprocessos de colonizacao das demais capit an ias do Reino (Maria Odi la da

Silva Dias, "A interiorizacao da metr6pole, 1808-1853", in Carlos Guilher-

me Mota, 1822: dimensoes. Sao Paulo : Perspec tiva , 1972, p . 173).

12 Refer imo-nos ao t raba lho de Sa ll es Olive ira j a c it ado no prime iro capftulo

deste l ivro. Vale notar que estes diferentes interesses emergiram, em grande

medica, a parti r das reformas ecoaomicas internas realizadas durante 0 go-

v e rn o j e an i ne , as quais , segundo L e nh a ro , v is av am promover a i n te g ra c ao

mercant il do Cent ro-Sul , bas ica rnente ent re a Corte e asprovfncias ao sul de

~inas Gerais , Est as pol ft icas, na medida em que se rv iam aos objet ivos ime-

dI~tos de garantir 0 abastecimento da capital , contribufam para lancar as pro-

pnas bases estrururais do Es ta d o n a c io n a l, Neste processo, ° E sta do n ao s e-

ria capaz de produzir 0 aparato polft ico-burocrat ico necessario para promo-

ver aquela ar ti cu lacao mercant il , sendo obr igado a valer -s e da ini cia tiva de

"setores empresariais nat ives", concedendo-lhes amplos favores pelos servi-yOSprestados, Os diferentes setores originados em decorrencia desta art icu-

la\=aomercantil iriam, segundo Lenharo, organizar-se politicarnente em nfvel

r~gi~nal, projetando-se no espaco da Corte, principalmente ap6s a indepen-

dencia (Alcir Lenharo, As tropas da moderaciio: 0abastecimento da Corte na

formaciio politica do Brasil: 1808-1842. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca,

1992,22 ed. , pp. 22-23 e 54).

I]Cec il ia H . L. de Salles Oliveira, A asnicia liberal, relacoes de mer cado e

projetos pol it icos no R io de Janeiro (1820-1824) . Tese de doutorado. Sao

Paulo: USP, 1986, pp. 108-109.

!4 ~arlos O. Mota, "Europeus no Brasi l a epoca da independencia: urn estudo",

InC~rlos O. Mota, 1822. ' dimensoes, op. cit ., p. 66. Segundo Salles Oliveira,

na disputa pelo control e do mercado e pela ascensao a esfera publica, estes

grupos encaminhari am, no f inal da decada de 1820, "projetos pol ft icos pro-

fundamente divergentes", mas que propunharn, com excecao dos "absolutis-tas", "0 reajustamento das relacoes" entre 0Reine de Portugal e do Brasil e a

construcao, neste, "de urn Imperio capaz deexpressar, polit icamente, a orga-

n izayao de uma nacaoindependente e dist in ta" (Ceef li a H . L. de Salles Oli-veira, op. cit., p. 121).

15 Embora baseando-nos na analise de Sal le s Ol ivei ra . para e fe itos de s itua r os

dife~entes interesses envolvidos no cenario polit ico da independencia, cabe

aqui ressalrar urn ponto que diferencia nossa abordagem da apresentada pela

a.ulora. Aqui, Salles 01i vei ra insere a burocrac ia esta ta l no mesmo grupo dos

ncos negociantes e proprietaries , formados pela nobreza portuguesa emigra-

da, entendendo 0confronto entre os diferentes grupos daquele memento como

sendo mot ivado por int eresses fundamentalmente mercanr is . No entanto,

conforme ja dest acamos anter iormente , a s idei as e a tuacao dos agentes do

Estado e, par ticula rmente , a sde Jose Boni facio, nso devem ser entendidas a

parti r de rnotivacoes puramente mercantis ou de ascendencia a cargos piibl i-

cos, uma vez que sua p reocupacao era com a propria constru cao da Nacao,

lsro, e claro, nao exclui 0 fato de que tambem compart ilhavam de interesses

econornicos e polfticos mais especfficos.!60· " d . .grupo rormac a por ncos negociantes, grandes proprieearios e a ltos buro-

crat as do govemo, ou seja , os indivfduos mais l argamente favorec idos com a

permanencia da Corte no Rio de Janeiro, formaria aquilo que foi consagrado

pela historiografia brasileira como 0 "setor conservador" ou "part ido brasi-

leiro" (articulado em torno de Jose Bonifacio), 0 qual, apos a partid a de D.

Joao VI para Portugal, incIinar-se-ia para a independencia. Ja 0grupo forma-

220

Ternp:I & t v 1 e m I ' : d a 221

T€fT\jXl & II/err6k:I

CcmSTR lx ;: AO DA N .I \< ;A o , E SC Il AV lDAO NO PEMAM, ,, TO 0( JOSE Bo.~"AcIO: 1783-1823A NA ROSA CLOCUI 01\ SILVA

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do pelos donos de engenho e de iavouras mercanus do Reconcavo e de Goi -

tacazes , os quais procuraram se aliar aos cornerciantes atacadistas , burocra-

l as e comerciantes varej is ta s da praea do R io de Janei ro , const itu iu ° queficou co.nhe,ci.d?,on:o 0"grupo J.iberal","setor dernocratico" ou.ainda, "grupo

revol~~lOnano , cujos pnncrpais membros erarn: Joaquim Goncalves Ledo,

Januano da Cu?ha Barbosa, 1056 Clemente Pereira, Luis Pereira da Nobrega

de S~uza Coutinho eManuel dos Santos Por tuga l (ve r estas definieoes em

Cecfl ia H. L. de Sal le s Olive ira, op. c it .; Car los G. Mota e Fernando A.No-

vais, A lndependencia polit ica do Brasi l, p, 30; Caio Prado Jr., "Introducao",

o Tamayo, 1823, Colecao Fac-s imil ar de Jornai s Antigos . Rio de Jane iro:Zelio Valverde, 1944, p. XII).

17 Se~u~do. Salles Ol i veira, este grupo encontrava-se diretamente !igado aos libe-

rals vmnstas de Portugal, gracas nao apenas aos vinculos mercantis e de paren-

tesc~, mas tam~em pelo~ contatos estabelecidos atraves da maconaria, A per-

man~nc.la do re i no Brasi l, rompendo com as Cortes de Lisboa, s ignificaria a

con!I~uldade do peder polit ico e econ6mico nas rnsos da nobreza emigrada,

dos neo~ negociantes da provincia do Rio e dos altos burocratas do governo.

Este projeto, emoora possuindo objetivos totalmenre diferentes, acabava coin-

cidindo com. 0 p~posto pel o s defensor es do ab so lu tisrno, para o s quais as .

Cortes eram ilegais e, para se evitar seus excesses revolucionanos, propunham

a volta de D . Joao VI, 0 qua l dever ia agi r com "cautel a" a f im de conte- las

(Cecilia H. L. de Salles Oliveira, op. cit, pp. 1 37 , 1 44 , 1 94 ).

IS Estas rnanifestacoes realizaram-se por meio de amplas articulacoes prornovi-

das entre eS. tegrupo e diferentes setores , destacando-se aqui os populares eas tropas, visando com bater as autoridades ptibl icas que estariam manifes-

tando-se contra urn suposto direi to do "povo" de escolher seus representan-

te s, bern como def in ir a forma de organizacao pol ft ica desej ada. .

19 Cecilia H . L. de Sall es Olive ira, op. c it ., p . 143.

20 A Convencao da Praca do Cornercio decorreu da convocacao dos eleitores

paroquiais, realizada pelo governe, supostamente sob 0pretexto de que "opi-

n as sem s ob re 0 programa e os componentes do novo ministerio", mas que,

segundo Buarque de Holanda, revelavarn urn certo intui to, por parte de con-

selheiros como Silvestre Pinheiro, de se obter "urna definicao contra a parti -

da do rei". Esta rnanffestacao seria tumultuada, uma vez que 0 povo, nas suas

reivindicacoes, fugiria ao controle dos pr6prios art iculadores da manifes ts-

r;ao, terrninando com a repressao por parte das tropas de Iinha e regimentos

de soldados portugueses , a qual foi apoiada peJo proprio grupo de Ledo (Ser-

gio Buarque de Holanda [org.], "A fundacao de urn imperio liberal", in His-

toria geral c ia civilizayiio brasileira, op. cit ., pp. 160-] 61).

11 "E!ogio acadernico da senhora D. Mar ia P rime ira" , in Edgard de Cerqueira

Falcao, Obras cientif icas , polit icos e sociais de Jose Bonifacio de Andrada e

Silva. Sao Paulo: Revista dos T ri bu na is , 1 9 65 , vol. II, pp. 67-68.

22 "Ideias de Jose Bonifac io sobre a organizacao pol ft ica do Bras il que r como

reino de Portugal quer como estado independence", in Obra po l it ic a de Jose

Bonifacio, op. cit., vol. 1, p. 10. Embora este documen to niio se encon tre

datado, podemos claramente perceber que e anterior as instrucoes elaboradas

por lose Boni facio no infcio de 1821, para serem levadas pelos deputados

paulistas a s Cortes de Lisboa. I sso porque van asdas id6ias que aparece rao

detalhadarnente formuladas nas instrucoes se encontram apenas esbocadas

nas "Ideias sobre a organizacao politiea do Brasil",

lJMuseu Paulista, Colecso Jose Bonifacio, doc. 89,

24 "Lembrancas" e "Apontamentos do governo p rov is o ri o p a ra os senhores deputa-

dos da Provincia de Sao Paulo" , in Obrapolitica de Jose Bonifacio, op , cit, p.17 .

IIIbidem.26 Ibidem.

1) Ibidem.

211 Idem, p . 19,

29 Ibidem. Jose Bonifacio propoe ainda 0 levantamento de uma "Cidade central

no interior do Brasil para assento da Cort e ou Regencia", a q u al f a vo r ec e ri a

nao apenas a p ov oa ca o d as r eg io es centrals do pais, como se t or na ri a u rn

centro de uniao entre as suas diversas provfncias, 0que se daria basicamente

atraves do desenvolvimento de estradas e navegagao, que favorecessem 0

cornercio (idem, p, 20).;0Ibidem.

)1 Peter Gay, The Enlightenment: an interpretat ion - The science offreedom.

Nova Iorque, L on dr es : W . W. Norton, 1969, p, 327,

32 Montesquieu, Do e s pi ru o das leis, Col~o Os Pensadores, Sao Paulo : Abr il

Cultural, 1985, pp. 25-26. Esta mesma i d ei a a p a re c er a num outro documentoandradino, elaborado po r volta de 1821, Tra ta- se de suas "Ideias sobre a orga-

nizacao polftica do Brasil, quer como reino unido aPortugal , quer como estado

independente", de ondese pode extrair 0 seguinte trecho: "l..J a s melhores

instituir;oes absolutamente nao sao as melhores relativarnente, Thdo e fllho dotempo e d as l uz es , O s homens sao e n te s s e ns fv e is , e d a s c ir c un s ta n ei a s, e nao

entes de razao ou id6ias de Platao" ("Id6ias de lose Bonifaclc sobre aorganiza-

Caopoli tica do Brasi! quer como reino de Portugal, quer como estado indepen-

dente", in Obra pol i ti ca de Jose Bonifr icto, op. c i t. , v o l, 1 , p , 13).

II"Lembrancas" e "Apontamentos dogovemo provis6rio para os senhores deputa-

dos daprovincia de Sao Paulo", inObra politica de lose Bonifacio, op. cit., p. 19 .J4 "Lernorancas" e "Apontamentos do govemo provis6rio para os senhores deputa-

dos da provfncia de Sao Paulo", in Obrapolitica de Jose Bonifacio, op, cit" p. 21.

" Idem, p. 21.

36 Fernando Tornaz, "Brasileiros nas Cortes const ituintes de1821-1822",

in

Carlos Guilherme Mota, 1822: dimensiies, op. c it ., p . 9 4.)1Maria de Lourdes V.L y ra , o p. cit ., p. 200,

38 Fernando Tornaz, op. cit ., p, 92.

)9 Idem, p. 89 .

40 Idem, p . 94.

41 Idem, p. 220. Asdeliberacoes das Cortes geraram, de modo geral , a oposieao

dos var ie s grupos envolv idos nes te processo. Para 0 grupo de Ledo , elas

222

T e m , c o &Mern6cb

223

TerTllO & v 1 e r n 6 i : J

CONSmL';.I.o DA NAGAO E ESCllAl'lDiIO NO PENS~.I'IIO Of JOSE BoNIFAc IO : 1783· 1 823

ANA ROSA CLOCl ET DA Si lVA

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r ep re se nt av am n ao a pe na s a im p os sib il id ad e d e o rg an iz ac ao ~ e u m a j un ta

g o ve rn at iv a q ue a te nd es se a os s eu s i nt er es se s, c om o , 0 f at o d e v I~ cu la re ?l a s

provfncias diretamente a L i s bo a r ep re se n ta va um a am ea ea a o p r oje t? d e m te -

g ra ~ao d o m erc ad o in te rn o, a q ual a cre dita vam d ev er ser p ~? mo ~d a ~ el~ s

" gr up os d e p ro pr ie ta ri es f lu mi ne ns es '' , P or o ut ro l ad o, a s d ~ li ~: r~ ~ oe s Sl~-

f ic av am a p ro pr ia a m ea ca r ec ol on iz ad or a, r ev og an do o s p ri vi le gi os a dq ll lr .l -

d os p el os r ic os c om er ci an t~ s e p ro pr ie ~o s d o C en tr ~-S uL . t: convergenciad es te s g ru po s c on tr a a s d el ib er ac de s l is bo et as a ca ba ri a s us cl ta n~ o 0 movr -

m en ta q ue c ulm in ou n o "F ic o" (M aria d e L ou rd es V . L yra, o p. Cll~,P: 201).42 " Re pr es en ta co es q ue a A ug us ta P res en ca d e S ua A ltez a R ea l 0 p nn cr pe r e-

g e nt e d o B r as il le v ar am 0 G ov ern o, S en ad o d a C §m ara ~ ~ C le ro d ~ S . P ~~ -10. ..". en viad a em 3 1 d e d ez em bro d e 1 82 1. in Obra polit ica de Jose Bonifa-

cio, op, c it., vo l. Il , pp . 53-55. , .4) " R ep re se nt ac oe s q ue a A ug us ta P rese nea d e S ua ~ Ite za R ea l 0 p rm c ip e r e-

g en te d o B ra si l l ev ar am 0G overno , Se~ a?~ da C a~ ara . e C le ro de S . P au-

l o . .. ", s .d . • i n Obrapolftica d e Jo s e Bon if a cIO , op . CIt., v ~ L I ~, p p . .61~6~; .44 S erg io B uarq ue d e H olan da (o rg .), "A fu nd ~~ ao d e u m Im pen o libe ral ,m

Hist6ria geral d a civil i zap l io bras ile i ra , op . CIt., p . 1 36 .

45 M aria de Lourdes V . Lyra, o p . c it., p . 202 . , .

46 " Re pr es en ta co es q ue a A ug us ta P re se nca d e S ua ~ Ite za R ea l 0 pnncipe re -

\ ' ,; :e nt e d o B ra si ll ev ar am 0 G ov em o, S en ad o. d a C am ara:.e C le ro d ~ S . P ~~ -' . 1 0 .. . ", env iada em 2 4 d e d ez em bro d e 1 82 1, InObra polit ica de Jose Bonifa-

cio, o p. c it., v ol , II , p . 6 8"

47 " Re pr es en ta eo es q ue a A ug us ta P rese nca d e S ua ~ lte za R ea l 0 p rf n ci pe r e-

g e nt e d o B r as il le v ar am 0 G o ve rn o, S en ad o, da C ~m ar a;.e C le ro d ~ S . P ~~ -10. . .", e nv ia da em 2 4 d e d ez em bro d e 1 82 1, InObra polit ica de Jose Bonifa-

cio, op, cit., vo l. II, p . 6 5. .

48 " Of fc io p ro po nd e a li an ea c on tr a a s C o rte s e 0 g ov em o d e L i sb oa , a o ~ ov er nop ro vin cial d e M in as G era is", e nv ia do em 2 4 d e d ez em bro d e 1 82 1, InObra

polit ica de JM e Bonifacio. o p. c it., v ol . II , p . 65.

49 Ibidem . . .soFernando A. N o va is , " A e vo lu ea o d a s oc ie da de b ra si le ir a: a lg un s a sp ec to s d o

p r o ee s s o h i st 6 ri e o da f or m ac ao s oc ia l n o B r as il ", ~ p '. c i t. , p p. 6 0- 61 . _ Se ~-

d o M a rq ue s d os S an to s, " a id eia d e N ac ao s e c ? nS ti tU l . n~ , ep re se nta ca o ~ a~ sp erf eita p ar a c um pr ir a ta re fa f un da me nt al d a id eo lo gia , p or ? cu lta r a d iv i-

s li o s oc ia l (A fo ns o M ar qu es d os S an to s, " A in ve nc ao d o B ra si l: u rn p ro ble -

m a n ac io na l" , in Revist« de Hist6ria, c it., p . 6 ). , .

51 C on tier id en tific a ale xia "e scrav o" c om o se nd o u tiliza da, n as d eca da ~ d e

1 82 0 e 1 83 0, p ara d en om in ar q ua 1q uer in div fd uo q ue v iv ess: n um regime

" de sp 6t ic o" . S eg un do e le , e st a d ef in ic ao " de ~ on st ra a ? c. ul ta r, :a o: s o b, a p er s-p ec ti va d a i de ol og ia d om i na nt e, d os a nt ag on is m os SOCialS e r e a J~ e~ l .s t en t e s

e ntre o s h orn en s liv re s e o s es crav os d uran te e sse m om e~ to h ls to nco : n a

m edida em que 0 h om em era q ualifica do d e e scra vo o u COls a, e m r ~l a~ ao ao pre ss so p or tu gu es a, e , n u m o utr e m o~ en to ~ is t6 riC o. 0h om ~m . d~ l xa .v a d e

se r escravo para se r l ivre, segundo o s p r in c fpi o s de um a C o n st it u ic a o l ib e ra l

( A rn a ld o D . C o n ti er , l m pr e ns a e ideologla em Siio Paulo. 1822·}842. Petro-

p ol is : V oz es , 1 97 9. p , 1 18 ).

j2 " Ma nif es to d e 6 d e a go sto d e 1 82 2. S ab re a s re la co es p olf tic as e c or ne rc ia is

com os governos e nacdes amigas", in Obra polit ica de Jose Bonifacio, op,

c tt., v ol, I , p p . 2 94 -3 04 . A o r ed ig ir e ste d oc um en to , d ir ig id o p ar D . P ed ro a sn a9 0e s a mig as , J os e B on if ac io e nc on tra va -s e n o c arg o d e m in is tro d o R ein o

e d os E st ra ng ei ro s, p ar a 0q ua l ti nh a s id e n om ea do l og o a p6 s a d ec la ra 9a o d e

D . P ed ro d e q ue fica ria n o B rasil, o co rrid a a 9 d e j an eiro d e 1 82 2.

53 " Ma nif es to d e 6 d e a go sto d e 1 82 2. S ob re a s re la co es p ol fti ca s e c or ne rc ia isc orn o s g ov er n o s e n ac oe s a mi ga s" , o p. c it., p . 2 96 .

54 E m s eu d is cu rs o f in al n a A ca de mia R ea l d as C ie nc ia s d e L is bo a, c on fo rm ev is to n o c ap it ul o a nt er io r, J os e B o ni fa ci o e nf at iz ar ia a s p ot en ci al id ad es n at u-

r ais d o B ra sil, n um a p as sa ge m m uito s em elh an te a e st a e xtr at da d o " Ma ni -

f es to d e 6 d e a go sto " C 'D isc ur so h is t6 ri co re cita do n a s es sa o p ub lic a d e 2 4

d eju nh o d e 1 81 9, p elo se cretario Jo se B on ifac io d e A nd rad a e S ilv a", inE d ga rd d e C er qu ei ra Falcao, op . cit. p . 4 7 3) .

55 D a do q ue J os e B o ni fa ci o e st av a f az en do , n es te d oc um e nt o, u m a r et ro sp ec ti -

v a d o p ro ce sso d e co lo niza ca o a te a an o d e 1 82 2, re fere-se a os p rin cip als

a co nt ec im e nt os o co rr id os n es te p er fo d o, 0 q ue n os p erm ite a pre en de r s uav is ao s ab re c ad a u rn d ele s.

56 "M a nif es to d e 6 d e a go sto d e 1 82 2. S ob re a s r el ac oe s p olf tic as e c orn erc ia is

c om o s g ov er no s e n a9 0e s a rn ig as ", o p, c it ., p . 2 96 (g rif o n os so ),

57 S eg un do N o va is , " si st em a c ol on ia l m e rc an ti li sr a" e x pr es sa " ur n t od o" e st ru -

tu ra do a p ar ti r d e t r e s p ec as f un da m en ta ls e i nt er de pe nd en te s: " a d om in ae ao

p ol It ic a d a m e tr 6p ol e s ob re a c ol en ia ", a q ua l r ev el av a- se 0 "pre-requisiro''para 0 f un ci on am e nt o d o s is te m a; "0 e xc lu si ve m etr op olita no ", q ue e ra 0

m ec an is mo d ir eto g ar an tid or d a a cu mu la ca o e xte ma d e c ap it al, e " a c om pu l-

s ilo d o tr ab alh o" te nd en te a o e sc ra vis mo , a q ua l c on st itu fa a s ua c on di ca o

b as i ca . N a d in am i ca d es te s is te m a, c uj o s en ti do e ra p ro m ov er a " ac um u la ca o

p nm in va d e c ap ita is n o c on ju nt o d as e co no mi as e ur op eia s" , a " su pr es sa o d e

u r n componen t e ja e n v ol v e a r ee st ru tn ra ca o d os d em a is n um n ov o c on te x te "

(Fernando A. N o va is , " A e vo lu ca o d a s oc ie da de b ra si le ir a: a lg un s a sp ec to s

d o p ro ce ss o h is t6 ric o d a f orm ac ao s oc ia l n o B ra sil" , o p, c it., p , 6 1) .

58 M a rq ue s d os S an to s. a na lis an do a to ma da d e c on sc ie nc ia d a c ris e d o s is te ma

c olo nia l p or p arte d os c olo no s, n o fin al d o sec ulo X VIII, a firm a q ue a p er-

c ep ca o d es ta a p ar ti r d o c on ju nt o " er a u m a tr ib ut o d o E st ad o c olo niz ad or, ja

qu e 0 c olo no p er ee bia a p arte , n ao 0 to do . V is lu mb ra va , q ua nd o m uit o, a s

p ro blem as d e su a c ap itan ia e q ua nd o c om eco u a p en sar e m Iibe rd ad e, p en -

s ou -a , i ni ci al m en te , c ir cu ns cr it a a o e sp ac o o nd e v iv ia e o n de e st av am a s s eu sin te re ss es d e p ro pr ie ta rio o u n eg oc ia nt e" (A fo ns o C . M ar qu es d os S an to s,

Id eo lo gia e p od er n o rasc un ho d a n ac ao , R io d e Ja neiro : a no s 1 79 0, T ese d ed ou to ra do . S ao P au lo : U S P, 1 98 2, p . 4 ).

59 E sta m esm a co nc ep cao d o p ro ce sso h isto ric o em c urs o, o u seja , a id eia d e

qu e 0 a bso lu tism o e ra a lg o s up erad o e d e q ue a d ifu sa o d as "lu ze s" e ra u rn

p ro ce ss o i rr ev er sf ve l, a pa re ce e m d oi s m im e ro s d o j or na l 0 Tamoyo, 0 qua l

c ircu to u d e ag osto a n ov em bro d e 1 82 3. serv in d o co mo p orta-v oz d os A n-

d ra da s, N a s es sa o d e " No tfc ia s e str an ge ir as ", d os d ia s 1 6 e 1 8 d e o utu br o d e

22 4

Tempo &M e m 6 0 C l22 5

TerI\OO &.Merr61a

MA ROSA CLOOI. H DAS ILVA

1823, l e -s e 0 seguinre trecho d e u rn a rt ig o e xt ra td o d o j or na l Constiiucional: e m L on dr es . E m t od as a s i ns tr uc oe s e nv ia da s a e st es r ep re se nt an te s, e nf at iz a-

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"Enquanto na Franca Consti tucianal se ouve renovar doutr inas que ninguern

ousaria sustentar nem ainda no ant igo regime, os progresses das luzes e da

Iiberdade se espalham em ambos os M un do s; e , s e fosse possrvel desterra-las

da v e lh a Eu r opa , elasestabeleceriarn 0 se u reino em na n o va Am e ri ca , cujas

im en sa s r eg ic es se ra o p ar e la s b ern c ed o f ertiliz ad as , e d on de e ste nd er ao 0

s eu d om fn io a o M u nd o i nt ei ro , t ri bu ta ri o d as s ua s a nt i g as c ol on ia s [ ... J assimas sem en tes fecun das d a liberdad e setran sp ortam de urn a o utre M undo , e

lancam profundas rafzes, que todos os braces do poder abso luto nao sao

c ap az es d e extirpar, E da In glarerra qu e as E stados U nid os ap ren deram a

libe rd ad e; s ao o s E sta do s U nid os q ue m a e ns in ou a F ra nc a, e a F ra nc a q ue ma tern en sinado a o utro s p ov os [ ... J A jud adas d as Iuze s da civilizacao e d o

e sp fr ito d o s ec ulo , a s lib erd ad es p ublic as , u nic as p ote nc ie s d 'o ra e m d ia nte

in ve nc fv eis , p od em v er re ta rd er p or a lg um te mp o 0 se n tr iu nf o, m as e sse

t ri un fo n ao e p o r i ss o m e no s i nf al fv el " (0 Tamoyo, 1823, Co l es : ao F a c -s im i-

Iar de Jorn ais A ntigo s. R io d e Janeiro : Z elie V alv erde . 1 944 , p . X II). E ste

a rtig o r ev ela , a ssim , n ao a pe na s a id eia d e q ue 0 p ro ce ss o e m c ur so e ra in e-

x or av el , c om o a p r6 pr ia p er ce pc ao d as c on ex oe s e st ab el ec id as e nt re a s i d ei as

e a co nt ec im e nt os h is to ri co s e m n fv el i nt er na ci on al . D ad o q ue 0 Tamayo era

t ri bu ta ri o d as id ei as d ef en di da s p el o s A n dr ad as , e be rn p ro va ve l q ue Jo se

B on if ac io r am be m c om p ar ti l h as se d es sa o pi ni ao , 0 q ue e xp lic a s ua v is ao d o

p ro ce ss o e m q ne st ao .

so "M anifesto de 6 de ago sto d e 1822. S o br e a s r ei a. ,: oe s p o lf ti ca s e c ome rc ia is

co m os g ove rn o s e nacces arnig as", op , cit., p . 298.

61 M aria d e L ou rdes L yra , o p. cit., p . 7 1.

6Z "M anifesto de 6 de ago sto d e 1822. S o br e a s r el ac oe s p o lf ti ca s e co rn e rc ia ls

com os governose n a~ 6e s a rn ig as ", o p. c it ., p . 3 02 .6) Ibidem.

6 " Ap on ta m en to s e xt ra fd os d as o br as Des colonies et de fa revolution actuellede l'Amerique, p ar M r : d e P ra dt , 2" v o l. , 8 v o ls ., P a ri s, 1 8 17 . .. " ( m an u sc ri to

cia C ol ec ao J cs e B on if ac io , M u se u P au li sta , d oc . no 89).0 t re ch o r ef er id o f oi

r eproduzido no Capi tu lo 2 .

6S " Ma nif esto d e 6 d e a go sto d e 1 82 2. S ab re a s re la co es p olttic as e c orn erc ia is

c om o s g ov ern os e n ao ;o es a mi g as " , o p. cit., p . 3 00 .

M I dem , p p . 2 9 4, 29 9 ,3 02 .

61 Id em , p . 3 03 .

63 Po r esta rn esm a epo ca, Jo se B on ifacio. n o cargo de m inistro do R eina e d os

E st ra ng ei ro s, e nv ia va r ep re se nt an te s b ra si le ir os p ar a o s p ri nc ip ai a p ar se s e u-

r op eu s c om o s q ua is 0B r as il m a nt ii ih ,i "i el a~ o es a rn ig a ve is , a f im d e e nc am i -

nhar 0 p ro ce ss o d e r ec on he ci rn en to d a i nd ep en de nc ia p ol ft ic a. 0 "Manifesto

d e 6 d e a go st o" s er ia e nv ia do a e st es r ep re se nt an te s, d en tr -e o s q ua is d es ta ca -

vam-se, ja p or e sta d ata , M an oe ! R od rig ue s G am eir o P es so a, e nc arre ga do

d os n eg oc io s d o R ein a d o B ra sil n a C or te d e P ar is; Jo rg e A ntO nio S ch ae ffe r,

env iado p ara V ien a; A nto nio M ano el C orrea d a C am ara, en viad o a B ueno s

A ir es d es d e m a io d e 1 82 2; F el is be rt o C al de ir a B ra nt , r ep re se nt an te d o B ra si l

v a- se a n e ce ss id ad e d e s e e s cl ar ec er a s C o rt es e st ra ng ei ra s a ce re a d o " es ta do d e

c oa ca o e c ativ elro " e m q ue s e e nc on tr av a D . J oa o V I e , c o ns eg uln te me nte , d a

"necessidade de corresponder-se S.AR. diretamente" com aquelas Cortes. No

c as o d a A u st ri a, e sp ec if tc am e nt e, a .q u al r ep re se nt av a a p ri nc ip a l r es is te n ci a a o

reconhecimento da iadependenc ia polftica do B r a si l, e n fa t iz a v a: "Mos tr a ra po isqu e 0 B r as il s im t er n p ro cl am a do a . s ua I nd ep en de nc ia P ol tti ca , m as n li o q ue r

separacao absoluta d e P or tu ga l; e p el o o on tr ar io S.AR. te rn p ro te sta do e m

to da s a s o ca sio es [ ... ] q ue d ese ja m an te r toda a G ra nd e Famflia Portuguesa

r eu nid a p olitic am en te d eba ix o d e u rn so C he fe , q ue o ra .e 0 S r. D . J oa c VI. 0

q ua l s e a eh a c at iv o e p ri si on ei ro e m L is bo a a m er ce d os f ac ei os os d as C or te s"( "I ns tr uo ;o es d e J os e B on if ac io a B ra nt , R io ~ 12 de agosto de 1822" e "Ins-

truc oes d e J ose B onifacio a S ch aeffer, R io - 2 1 de ago sto d e 1 82 2", inObra

politico de Jo s e Bon if a ci o , o p, c it., v ol, 1 , p p. 5 50 e 6 00) .

6) I de m, p . 3 01 .

70 0t er m o f ac ., :a o, t al q u al em pr eg ad o p el os f ed er al is ta s n o rt e- am e ri ca n os , s ig n i-

f ic av a " um a reuniao d e c id ad ao s, q ue r fo rm em a m aio ria o u a m in or ia d o to do ,

u ma v ez q ue s eja m u nid os e d irig id os p elo im pu ls e d e u ma p aix ao o u in te re ss e

c on rr ar io a os d ir ei to s d os o ut ro s c id ad so s, o u a o i nt er es se c on st an te e g er al da

sociedade" (0 Federalism, Co le y ao O s P e ns ad o re s, rI' 2 9. S ao P au lo : A bril

C ul tu ra l. 1 97 3) . D a f or ma c om o e ra e mp re ga da PD f J o se Bon if a ci o , r e fe r ia - se

t an to a os d if er en te s g ro po s e p ar ti do s i nt er ne s, e uj os i nt er es se s a m ea ca va m 0

p ro je to d a m on ar qu ia c on st it uc io na l, q ua nta a os g ru po s e xt er no s, r ep re se nta -

d os p ri nc ip al m en te p el os l ib er al s v in ti st as , q ue t am be m a me ac av am 0 projeto

d e g ra n de Im pe ri o.

7i B ua rq ue d e H ola nd a m en cio na a p ro life ra ca o d e tf tu lo s d e n ob re za n o B ra sil

d es de 1 80 8, a q ua l s of re ri a a o po si ca o d os l eg is la do re s de 1823 , s en do p ro ib i-

d a s p e la C o ns ti tu io ;a o . A p os a d is so lu ca o c ia Ass emb l ei a Con st lt u in t e, 0 Impe-

r ad or p as sa ri a a a gr ac ia r a mp lo s s et or es d a e li te c om n ov os t tt ul os , c om o f or ma

d e g an ha r a de pt os q ue d es se m s us te nt a9 ao a o s el l g o ve rn o ( Se rg io B u ar qu e d e

H ola nd a [o rg .] , " A h er an ca c olo nia l- S ua d es ag re ga ca o", in His t6 r ia geral do

civilizartw brasiieisa, o p, c it ., p . 2 9 ). S ao f re qu en te s a s c nt ic as d e J os e B on if a-

c io a e st a p o li ti ca , c on fo n ne 5e p od e le r n as s ua s c arta s a D ru mm on d d e M en e-

s es , e sc ri ta s d ur an te s eu e xf li o ( ve r " Ca rr as a nd ra di na s" , i n Annaes da Biblio-

t he ca d o R io d e J an ei ro . R io d e J an eiro : T yp . L eu zin ge r & F ilh oa , 1890, vol. .

X IV , p . 1 4).

n C a io P ra d o J r. , " In tr od u ca o '' , 0 Tamayo, 1823, o p. cit., p . X U. C aio P rado

destaca, e nt re e st es i nd iv fd uo s v in cu la do s a os i nt er es se s d o A nt ig o R eg im e, 0

m in is tr o T ho m az A nt 6n io V il la no va P or tu ga l e 0 c on d e d e P a lm e la ,

1l "A po n tam en to s s ab re p o lf ti ca " ( m an us cr it o p e rt en c en re a C ol ec so J os e B on i-

f ac io d o M u se u P au li st a, d oc . nQ 228). 0c on te ed o d o d oc ume n to permite iden-

t if ic a- lo c om o t en do s id e r ed ig id o d ur an te a f as e d e e xi li o d e J os e B on if ac io .

" A rn ald o D . C ou rie r, o p. c it., p . 2 23 .

11 Idem, p, 236.

16 Ibidem.

2 2 6

t e m p : ) &Mem6rio227

Ter rpo &I v ' I 9 r n 6 t : . l

ANA r 10SA CLOClH PA SI lVA

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77 D . P ed ro in te rv eio n esta d eva ssa a fav or d os A nd ra das, n~ me an do M artim

F ra ncisc o, qu e h av ia sid e d ep osto d o vice-governo de ~ ao Pau lo , p~ra 0

C on se lh o do G ov em o. A eresce nte a pro xim ac ao do p rm ctp e e m rela yao a o

grupo de L edo ,- 0q ua l d es tit uf ra J os e B on ifa cio d o c ar go d e g ra o-m es tr e

da m ac on aria n om ea nd o- e e m s eu lu ga r e e nc am in ha nd o 0 p ro ce ss o d e s ua

a cl am a ya o a l 'm p er ad or - be rn como 0d ec re to p or e le e xp ed id o, m a nd an do

c es sa r a d ev as sa a be rt a c on tr a a s b em a rd is ta s, f or am f at or es q u. e l ev ar ~I _U .o

A nd ra da a demitir-se do ministeno, e m o utu bro d e 1821 (Octavio Tarq lh~lo

d e S o us a , Historia dosfundador:es d o imperio. R io d e J an ei ro : J os e Olympic,

1972, vol. 1, p. 160). . ~··b I78 S eg un do Jo se H on 6rio R od rig ue s, as c au sas d a d !ss? lw ;:ao tern sid o a tn u -

d as a f at or es p olf tic os , n ao s e d e st ac an do o s e co no mtc os : N ? e nta nto : s eg un -

d o e le , u ma d as p rin cip als m otiv ay eie s d a dissolucao t en a s id o 0 p ro J et ~ q ~ e

p ro p un h a a e x ti n« ;i io d o j t 1 1 Z 0 dos d e fu n to s e a u se n te s. Esta pr o posta, atmgia

o s in te re ss es e co no rn ic os d os p ortu gu es es , " te nt an do t ra va r a re me ss a d e c a-

p itais pa ra P ortu gal e liberan do p ara u so brasile ir~ rec urs?s d e au se ntes e

d ef un to s e m g ra nd e p art e p ort ug ue se s (J os e H on 6n o R od ng ue s. A Assem-

bllia Constitulnt« de 1 82 3. P etro po lis : V oz es , 1 97 4, p . 199). .79 "N ot as " ( m an u sc ri to p e rt en c en te a C o le yi io J os e B o ni fa ci o d o M u se u P au li s-

ta, doc . nil 233). .. . d Mso"Netas p o lf ti ca s" ( m an u sc ri to p e rt en c en te a Co ie y ll o J o se B o n if ac io 0 Il-

se u Paulista, doc. n~1.512). . .

31 ''M an ifesto de 6 d e a go sto d e 1 82 2. S obre as r el ac o es p oH ti ca s e c om er cl ~ sco m o s g ov ern os e nacees amigas", o p. c it ., p p. 297, 3?2 e 303. E ~ re la ~a o

a e sta s d ua s "f acy5 e s" b § si ca s, OU seja, os e le m en to s b ga do s a os I nt e~ es s~ s

do A ntig o R eg im e e o s q ue ad eriram !l. Revo luy a o d o P or to , J os e B or ufiic lo

s iu ra va -s e d a s eg ui nt e f or ma , D u m a rt ig o d o j or na l 0 Tamayo, d e 9 d e ~ u tu -

b ro d e 1 82 3: "C on fe ss o p ois p era nt e 0C eu e a T erra [ ... J q ue n un ca fu i n em

serei Realista puro [colonlalista], n em A ri st oc ra ta p ur o, n em J ?e m oc ra ta , e

p o r i ss o nunca q uiz n em q ue ro em tem po alg um alistar-me debaixo de.Estan-

d er te s d e p ap el d ou ra do , e le nt ejo ula s d o D es po tis m? R ea l, n ~m d eb aix o ? as

Bande i ras esfarrapadas d a s uj a e c a6 ti ca D e mo cr ac ta . Meu sistema_polf?co

n un ca fo i n em se ra e ste: m as serei 0q ue q ui ze re m, c on ta nto q u~ n ao s eja 0

q ue ele s sao : Corcundas, ou Descamizadas-" Neste artigo, assmava so b 0

p~e1!1d8n imode J o a o C l a ro , 0mesmo usado e m a lg um a s d as s ua s c ~r re sp on -

d @:n cia sco m D rum mo nd de M en eses, da tad as d a su a fase do ex fl~ o (0T~-

moyo , J 8 23 , C ol e~ iio F ac -s im ila r d e J orn ai s A ntig os , R io d e J an ei ro ; Z elieV alv er de , 1 94 4, p . 8 8.)

S ' l. l dem , pp . 297 e 299.

83 Idem, p. 297. d84A n orn ea ~i1 o d o c oro ne l M a de ir a p ar a 0 c om an do d as a rm as , s ub me t~ n 0-0

diretamente a s Co rt es d e L i sb oa , r ep re s en ta v a um retrocesso ~ a ~ e la tl v~ a u-

tonomia polftica q ue o s ba ian os v in ham o bten do d esd e a cn scao da junta

prov is6 ria da B ah ia , em 10 de fevereiro de 1821, na q~a l 0 c om an do d as

a rm a s h av ia s id o d ad o a u rn b ra si le ir o. D e ss a fonna , a a ti tu de d as C orte s d e

n om ea r u rn p o rt ug u es p ar a 0 c ar go , a br ir ia u rn p er fo do d e r iv al id ad es e nt re 0

c h am a d o " p ar ti do brasi leiro" e 0 "partido portugues", q ue d es em bo ca ria n o

co nflito en tre as tro pas n acio nais e p ortu gu esas a 1 9 d e fev ereiro d e 1 82 2,

levando a retirada do s milltares b r as i le i ro s p a r a 0Reconcavo e a ocupacao de

S a lv a do r p e lo s p o rt ug u es e s. 0a ci rr am e nt o e nt re e st es i il ti mo s e a p op ul ac ao

baiana acabaria implicando um a progressiva emigracao desta para 0Recon-

c av o. A ss im , h ou ve u m a p ol ar iz ac ao d o c on fl it o, c on ce nt ra nd o- se e m S al va -

d or a s fo rc es p or tu gu es as e n o R ec on ca vo a s f or ca s n ac io na is . E st as u ltim as ,

p ar su a ve z, sitiariam a s tro pas p ortu gu esas e, a 2 d e j ulh o d e 1 82 3, "e ntra -

ram triu nf an te s e m S alv ad or, a te e nta o ocupada p e Ja s f or ca s adversarias"

( Jo ao J os e R ei s, Negociaciio e conflito. A resistsncianegra n o B r as il escra-

vista. S ao P au lo : C om pa nh ia d as L etr as , 1 98 9, p p. 7 9-8 8) .

is " Ma ni fe sto d e 6 d e a go st o d e 1 82 2. S ob re a s re la co es p olfti ca s e c orn erc ia is

co m os governos e nacoes amigas" , op. c it ., pp. 297-298.

86 S erg io B uarq ue d e H olan da (o rg .), "A fu nd aca o de u rn im pe rio libe ra l", in

H i st or ia g e ra l da dv il iz a fGO bra si le i ra , op . cit, p. 171.

81 Cecilia H. L. d e S al le s O li ve ir a, o p. cit., p. 27t.

88 S e gu n do S a ll es O l iv e ir a, 0 q ue d e fato 0 g ro po d e L ed o objetivava er a obter,

a tra ve s d o s is te ma d e e le iy oe s d ir eta s, u ma m aio ria d e r ep re se nta nte s n a A s-

sembleia Constituinte, projeto e s te q u e seria frustrado quando , apesar d e c on -

s eg uir em c on ve nc er D . P ed ro a c on vo ca r a A ss em ble ia , J os e B on if ac io e sta -

b ele ce ria u m s is te ma in dire to d e e le ic de s ( Ce cf lia H . L . d e S alle s O liv eir a,

op .cit., p.

326).

89 S erg io B uarq ue d e H ola nd a (o rg.), "A fu nd ac ao d e u rn im pe rio liberal", in

Hist6ria gera l da civilizaruo brasileira, o p . c it ., p. 170.!IO " Re pr es en ra ce es q ue ~ A ug us ta P re se nc e d e S ua A lte za R ea l 0 p rf n ci pe r e-

g en te d o B ra si l l ev ar am 0 G overno , Senado da C am ara , e C lero de S . P au-

10...", s .d ., i n Obrapolitica de Jose Boni/acio, op . cit., vol . Il, p. 66.

91 " Jo se B o ni fa ci o ( N et as I nt im a s) ", s .d ., i n Obra polttica de Jo s e Bon i fa c io , op .

c it ., v o l. II, p. l l S,

92 "Apontamentos sobre polftica" (m anus c ri t o p e rt e n ce n t e a Colecso J os e B o-

n ifa cio d o M u se u P au lis ta , d oc . n n228.0 conteudc d o d ocu men to n os p er-

mite atribuf-lo a f as e d o e x .f 1i o) .

93 H a nn a A r en dt , Da re vo l u cdo . S a o P a ul o: Atka, 1990, p. 99 .

94 Ibidem . .

9l E importante aqui relativizar esta divergencia de opinioes e interesses entre 0

grupo de Ledo e 0 d e J os e Bonifacio. Confo rme analisa Sa l le s O l iv e i ra , 0embate polftico e nt re e st es d ai s grupos seria marcado po r varies momentos

d e a pr ox im a ca o e nt re e le s, a in da q ue p or m o ti ve s d if er en te s. A ss im , p or e x em -

plo, J o se B o n if ac io apoiaria a convocacao da Assembleia, no m om enta em

q ue e sta ja e ra ln ev it av el, c on ce be nd o- a, p or em , c om o u ma f orm a d e f or ta le -

ce r 0 p ode r d e D. Pedro, ao p asso qu e 0 g rup o d e L ed o visava, c om i sto ,

v ia bi li za r a l ig ay ao e nt re a s d if er en te s p ro vf nc ia s, e m t or no d e s eu s r ep re se n-

t am es , u ma v ez q ue , p ara e le s, 0 p od er d a C o ns ti tu in te s er ia s ob er an o e i nd e-

p en de nte d a a uto ri da de d o p rfn cip e. A le m d is so , a mb os o s g ru po s te nd eria m

228

Terrpo& Merr6b

229

T e r T 1 ) : X > & Mer r 6 ia

CONSm\J<;Ao OA NA~Ao E E. C RAV1DAo NO PfNSAMEN O DE J O SEBON i fA C IO : 1 7 83 - 1 8 23 ANA ROSA C lOClET DA SILVA

a se aproximar d a f ig ura d e D . P ed ro c om o fo rm a d e viabilizarem seus inte- p ol ft ic a e s oc ia l d a s oc ie da de b ra si le ir a, t al q ua l e la s e a pr es en ta va n o fi na l d o

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resses especfficos, 0 qu e fazia com qu e 0 Poder Executivo fosse fortaleeido

ao lo ng o d o p ro ce sso d a independencia, Ur n o utr o p on to q ue identificava 0

g ru po d e L ed o co m 0 d e J os e B o ni fa ci o e qu e ambos, at e meados de 1822,

d efe nd er ia m a independencia, sem c o nt ud o f al ar em s ep ar ac ao d e P or tu ga l

(ver a qu i "M an if es to d e 1 0 de sgosto de 1822", redigido por Ledo e dirigido

a o s " po v os d o B ra si l" , o nd e a pa re ce m p r at ic ar ne n te a s mesmas i d ei a s c o n ti -

da s n o " Ma nife sto d e 6 d e a go sto ", d e J os e B on ifa cio ). P or u ltim o , S alle s

O li ve ir a c ha m a a a te nr ;: ao p ar a 0 fa to d e q ue am bo s as g ru po s d izia m-s e d e-

f ens o r e s da monarquia constitucional, ainda q u e J o se Bo n if ac io atribufsse ao

g ru po d e L ed o a p ec ha d e re pu bl ic an os ( Ce cfl ia H . L. d e S al le s O l iv ei ra , o p.cit., pp . 333, 362).

96 "Ap on tam e nt o s s o br e p o lf ti ca " (m a nu s cr it o p e rt en c en te a C ole ca o J os e B o-

n ifa cio d o M u se u P au lis ta , d oc . n " 228, s.d.),

'Y/ "Notas pro domo" (manuscri.to reunido na Colecao J o s e Bon if a ci o d o M u se u

P au li st a, nS 2 41 ). O u tr as i nf or ma co es c on ti da s n o d o cume n to DO S permitem

inferir q u e s u a r e da r; :a o p e r te n ce a fase d e e x fl io . E interessante notar que a

preocupacao d e J os e B o ni fa ci o c om r e! ay ao 1 1 ameaca representada p el a p ro -

x imidade d o s p ar se s republicanos d a Am e ri ca L a ti na refletia-se, e m g ra nd e

m e di da , n as suas correspondencias diplomaticas c om e s te s p ar se s , Iiepoca da

independencia. Num a c ar ta a Correa da Cama ra , r e pr es e nt an t e b ra s il ei ro em

B ue no s A ir es , d es de m aio de 1822, 0 m i ni st ro d os Estrangeiros propunha

urna liga entre os pafses latino-americanos, contra as potencias europeias e,

ao mesmo t emp o , p ro c ur a va alertar e s te s p a rs e s p a ra 0 risco qu e correriam,

caso resolvessem atentar contra 0B ra si l. S eg un d o e le , "procurara por meios

indiretos a dq ui ri r p ar tid o n o G ov em o d e B ue no s A ire s [ ... ] P a ra atral-los V.

Mce . n a o s e e sq u ec e ra de exaltar em s u as co nve r sa c c es a g ra nd ez a e r ec ur so s

do Br a s il , 0 i nt er es se q u e a s n ay oe s c om e rc ia nt es d a E u ro pa tern em apoia-lo,

e a preponderancia d e q ue ele vai j og a r s o br e os outros Estados da America ,

sendo po r iS50 d e m u it a ccnveaiencia a os p o v a s limftrofes 0 o bt er em a s ua

poderosa al i an c a; V. M ce . lh es dernonstrara qu e IS i m po ss fv el s er 0 Brasil

r ec ol on iz ad o, m a s s e f or a c rf ve l q u e s e v is se r et al ha do p or i nt er na s d iv is oe s,

este e x em p lo s er ia fa ta l a o r es to d a A m eri ca , e o s E s ta d o s qu e a co r npo em se

a rr ep en de ri ar n d eb al de p or na o 0 terem c oa dj uv ad o; p or em , q ue u ma ve z

c on so li da da a reuniao e independencia d o B r as il , entao a E u ro pa perdera de

u ma v ez to da a esperanca de restabelecer 0antigo d omf ni o s ob re s ua s c ol on ia s

[ .. .] V . M c e, [ .. .J lhes expora as ut i l idades c a lc u la v ei s q u e p od em r es ul ta r d e

f az er em um a c on fe de ra ca o o u t ra ta do o fe ns iv o c om 0 B r as il , p a ra s e o p or e rn

co m os out ros G ov ern os d a Ame r ic a E s pa n ho la a o s c e re b ri n o s m an ejo s d a

polftica e ur op eia [ . .T C 'A tiv id ad e c om o m in is tr o d os Estrangeiros", Jose

B on ifa cio a C or re a d a C am ar a, 30 d e m a io de 1822, in O br a p ol it ic a d e Jose

Bonifacio, op . cit., v oL 1, p p. 621-622).

9S No conce rnen t e a d i sc u ss a o a r e sp e it o d o c a ra te r d is pe r si ve d a s o ci ed a de b ra s i-

l ei ra , C aio P ra do J r. i de ntific a s ua s mires n a n os sa fo rm ac ao c olo nia l. E m

Formadio do Brasil contemporiineo, 0 a ut or p ro cu ra e nt en de r a v id a m a te ri al ,

perfodo c ol on ia l, a p ar ti r d o q u e e le i de nt ifi ca c om o s en do 0 "sentido cia colo-

nlzacao", au seja, 0 fato d e t er t id o u r n c a ni te re s se n ci alm en t e m e r ca n ti l, v o lt a-

d a p ar a a te nd er a o c or ne rc io e um p eu , v ia bi li za nd o a a cu m ul ac ao d e c ap it al n a

E u ro pa . C om o decorreneia deste processo , nossa formacao poiftica, econnmi-

ca e s o c ia l t e ri a u r n s en t i d o exogeno , 0 qu e rebateria na propria f al ta d e organi-

c id a de d a s o ci ed a de brasileira, f or m ad a p ar a a te nd er a os o bje ti vo s d o capital

mercan tiL Es t a c olo niz ac so te ri a g er ad o u m a popular;:ao h ete ro ge ne a, s em e du -

c ac a o e c ome rc io e se m q u al qu e r " ne x o mo r al ". N e s te contexte, a escravidao

a p ar ec ia c omo 0principal l ac o u n if ic a do r d o nucl eo c la , impl ic ando 0"carater

p ri m ar io " d a s r el ac oe s s oc ia is d a f r e su lt an te s , um a v e z q u e e s ta s na o formavam

uma supere s tru t ura cultural e mo ra l, m a s assentavam-se a pe na s n o s vfnculos

ma t er ia is d o t rab al ho. De ss a forma, a s oc ie da de q ue a qu i s e f or m a d ur an te 0

p e rf od o d a c o lo n iz ac a o d e fi n ir -s e -i a a n te s p e la d i sp e rs ao , p e la s f or c as d e sa g re -

g at iv as , a s q u ai s, s eg un do P ra do J r. , tarnbem seriam foreas d e " me rc ia ", q ue

p er mi tia m q ue a s s im ple s b as es m ate ria ls , b er n c om o 0 p ap el a gre ga do r d o

Estado metropolitano, as contrariassem e fundassem a sociedade brasileira (Caio

Prado Jr., Formar ; ii o d o B r asi l c ont empor ane o . S a o P a ul o: B r as il ie n se , 1 9 69 ,

9 " e d ., p p. 1 9- 32 e 3 41 -3 56 ).

99 "Ne ta s " ( r na nu sc r it o pertencente 11Cole cao J os e B o ni fa ci o d o M u se u Paulis-

t a, d o c. nO 246). 0 co nteu do d esta s n ot as n os p erm it e a tr ib uf -l as 1 1e po ca em

q ue J os e B on ifa cio ja s e encontrava no exflio.

1 00S eg un do D a vi s, n o t e m po d o s d es co br im e nt os , o s e ur op eu s t in ha m p ro je ta do

antigas visoes de l ibertacao e perfei< ; i io em e sp a co s v az io s d o N ov o M u nd o."Esta longa tradicao, baseada numa mistura de f on te s b f bl i ca s e classicas,ajudou os a m er ic an os a formarem um a auto-imagern d e N ov o A dlio d o O es-

te , u r n s er n ao i nc utid o d os m ed os e s up er sr ic oe s d a c iv ili za ~o m od em a, u rn

i n oc e nt e h a bi ta n do u rn p a ra fs o t er re s tr e. " Ta l c re nc a t om ou v ar ia s fo rm as e ,

n o s ec ulo XV III , p as so u a s er us ad a c on tr a a e s cr a vi d ao , T r a ta v a -s e , em suma,

d a pr6 pria v isa o p ara disfa ca d o N ov o M un do , a q ual, c on fo nn e v im os n o

capftulo an t er i or , p e rmeava 0 p ro je to d e g ra nd e Im pe ri o fu nd ad o a p ar ti r d o

B ra si l ( D av id B ri on D a vi s, The problem of slavery in Western culture. Lon-

d re s: P en g ui n B o ok s, 1970, pp . 18.21).101 "M an if es to d e 6 d e A go sto d e 1822. Sobre as relacoes poltticas e comerciais

co m o s g ov er no s e n ac oe s a m ig as ", op . cit., pp . 300 -301.

1 0 1 . Sergio Buarque de Ho la n da ( or g. ), "A fu nd a~ ao d e ur n imp e ri o l i be r a l" , In

Historia geral do. civilhayao brasileira; op . cit., p. 175.

100"Man i fe s to de 6 d e ag osto d e 1822 , S ob re a s r e la c o es po l ft ic a s e comerciais

co m o s go v e rn o s e n a~ 5e s a m ig as ", o p. c it ., p . 3 00 .

1 1 ) 4 Joao Jose Reis, Neg o ci ar ii o e c on fl it o. A resistencia n eg ra n o B ra si l e sc ra v is ta ;

op . c i t. , p. 82 .

105 I de m, p . 90 .

1C6lbidem.

1 0 1M a r ia d e L o u rd e s Lyra, o p. c it ., p . 206.

230

T e m r : o & IVIern&ia

231

lerTllXl &Merrt .x ia

C oN S1 1l \X ;A O D A N AC AO E E SC AA VlD AO N O F '1 :N SA ME NI O D E J OS { B o F Ac IO : 1783-1823

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I~ A rela~ao entre os discursos em nom e da ig ualdade e liberdade q ue eram

p ro nu nc ia do s n a Assembleia francesa a e po ca d a Revolucao e a Revolts de

S ao D om in go s o ao p as sa ri a d es pe rc eb id a p el a e li te b ra si le ir a (c. L. James,

The blackjacobins. Toussaint l 'ouverture and the San Domingo Revolution.

N ov a [ or qu e: V in ta ge B oo ks , 1 98 9, p . 1 16 ).109 S eg u nd o S al le s O li ve ir a, a v ei cu la ~a .o d a ideia de uma r evo lt a gene ra l iz ada

d os e sc ra vo s " co in cid iu c om a v is ib il ld ad e d os c on fli to s q ue e nt re me av am a s

rel~~s de m er ca do ". N es se s en ti d o . " a oposicao e s cr av o -s e nh o r o c ul ta v a 0

t em o r d e u m a s ub le va C j: 30 d a m u lt id ao de h orn en s liv re s" (C ec flia H . L d e

S al le s O li ve ir a, o p. c it ., pp. 298-299).110 "Netas" (m a nu s cr it o d e J o se Bo n if ac io , s.d.,C o le ya o J os e B o ni fa ci o d o M u se u

P au li st a, d o c. n G 2 35 ). A e x pr es sa o "m ul ti da o d e v ic io so s" c on ti da n a c it ay ao

a eim a su gere u ma re fe ren da a os esc ra vo s. N o e nta nto es ta c itac ao n ao n os

d a e lem e nt os suficientes para tal associacao. Bsta questiio devera ser rnais

b ern e xp lo ra da n o m o me nta e m q ue n os d et iv er rn os n os a sp ec to s d a e sc ra vi -

d ao , t ra ta do s p or J os e B o ni fa ci o. A r na ld a C o nt ie r, a n a li s an d o a lg un s t er m os

em preg ad os pelo s pe ri6 dic os pau listan os d a d ec ad a d e 183 0, id en tific a a

an t inomia "p ovo" f' e sc r avo s , plebe". A qu i, a "lexia 'pic b e' e ra empregada a

fi m d e q ua li fi ea r 'g en te r na '. A b aix a 'p le be ' e ra c on sti tu fd a d e h orn en s [ ... ]

'incorrigiveis, e q ua si piores de que os maos escravos [...J ' A ' soberania'

dependia po rta nto d o 'P ov o' o u 'N a~ lio ' (lexias e mp re ga da s c om o sinoni-mas) , pols r es ul ta va d a simbiose da 'livre vontade ' e da 'forca' de 'todos os

cidadaos' que i n teg r avam0

'Povo" ( Arn al da D . Conder, op . cit., p . 2 1 5) .IIIS eg un d o N o va is , " a h is t6 ri a da c ri se e s up er a~ ~o d o A n ti go S is te m a C o lo ni al ,

o e nc am i nh am e nt o p oU ti co atraves da independencia, a pr es en ta u rn l eq ue d e

a lte rn at iv as , d es de a r ev olu ea o d os e sc ra vo s e m S t. D om in gu es a te a s f o rm as

em q ue s e pre se rv a 0 e sc ra vism o, c om o n o B ras il en os E sta do s U nid os "

( Fe rn an do A . N o va is , " A e vo lu C j: il od a s oc ie da de b ra si le ir a: a lg un s a sp ec to s

d o p ro ce ss o h is t6 ric o d a fo rm a r; ao s oc ia l n o B ra sil ", o p, c it, p , 6 0) .

112 S eg un do S ilv a D ia s, a representacao da ameaea e s cr av a t er ia feito c om q ue o s

p r 6pr i os r epub l ic ano s aderissem, n a c on ju ntu ra d e 1 822, ao pro je to d a mo-n ar qu ia e on stit nc io na l, " co mo u rn m a l n ec es sa rio " ( Ma ri a O di la L. d a S il va

D ia s, " Id eo lo gi a li be ra l e c on str uc ao d o B sta do d o B ra sil ", o p. c it ., p . 2 18 ).

113 J os e B o ni fi ic io e x pr es sa e st a ideia, ou seja, a d o " Im p er ia Brasflico", uti vre ein de pe nd en te d e P or tu ga l e A lg ar ve ", e m varies d e s eu s d oc um e nt os redlgi-

dos no an o de 1822, a in d a q u e a qu i n li o s e fa la ss e e x pl ic it am e nt e e m s ep ar a-

y ao (v er "Correspondencias diplomaticas d e J os e B on ifa cio c om C al de iraB ran t", in E dg ard d e Cerqueira Falcao , op. cit" p. 310).

114 M ar ia d e L ou rd es L yr a, o p. eit., p. 223.m" Jo se B o ni fa ci o ( 'N o ta s Intimas')", in Obra polltica de Jose Bonifacio, op .

cit., vol. II, p. 1t9.116 "M an ife st o d e 6 d e a go sto d e 1 82 2. S ob re a s r el a- ro es politicas e come r c ia i s

co m os governos e n a~ oe s a mi g a s" , o p . c it ., p . 301.117 " C or re sp on de nc ia s d e J os e B o ni fa ci o ( 18 10 ·1 82 0) ", i n Revista de Historia,

separata na 5 5. S lio P au lo , 1 96 3, p p. 2 26 -2 27 . E i mp or ta nte n ota r q ue , d e

a co rd o c om a c it a~ ao a ci m a, a q ue st ao d a h et er og en ei da de populacional er a

t ra ta d a p o r Bo n if ac io rarnbern a p ar tir d o p rin cfp io d a in te gra ca o. O u s eja ,

"homogeneizar", n a su a visao, s ig n if ic a va am a ig am ar , ou s eja , i nt eg ra r u rn

to do "h etero ge ne o" s ob u ma m es ma id en tid ad e e n ao e xc lu ir as elem en to s

dfspares desta sociedade, Esta ideia sera retornada p o st er io rm en te , q u an d o

n os d etiv er rn os n a a na li se m ai s e sp ec ffi ca d as i de ia s a nd ra din as s ob re a e s-

c ra vi da o, a q ua l, c om o t am b er n f ic a i nd ic ad o n a c it a~ 1i o a c im a , r ev el av a- se

u m a d as c au sa s p rin cip als d es ta h ete ro ge ne id ad e e , p o rta nto , d o r is co d e d e-

sintegracao,

118 S eg un do A n to nio C an did o, " a R om an tis mo n o B ra sil foi e pi s6 d io d o g ra nd eprocesso de tom ada de consciencia nacional, constituindo urn a sp ec to d o

movirnento de independencia" ( An to n io C a n di da , Formacao da l i teratura

brasileira. S ao P au lo : M ar ti ns , 1 97 5, 5~ed., v ol. 1 , p. 303).119 I de m, p . 72.

120 Octavio Tarquinio d e S o u za , 0 pensamento vivo de Jose Bonifacio. S aa P a u-

l o: M a rt in s, 1 94 4 , p. 108.121 Idem, p. !20 .

rzz S e gu nd o A n to ni o C a nd id o , p ar a h or ne ns c om o J os e B on ifa cio , a s I nd io s se-

r ia m o bje to d e e sp ec ul ac oe s " te nd en te s a i nc or po ra -l es a v ida c i v il iz ada, ti-

r an d o- os d o estado d e n a tu r ez a par meio de u ma graduacao m ais a u m en os

s ab ia e c om pl ic ad a d e a pr en diz ag em " ( id em , p . 2 4 1) ..123 " A po nt am e nt os . .. " ( m an us cr it o d a C o le ~i io J os e B o ni fa ci o d o M u se u Paulis-

ta , d oc. n o272, s.d.).

124 N o s ec ulo X IX , s eg un do C un ha , o s in dio s e ra m d iv id id os e m d ua s c ate go ria s:

o s "brav os" e o s "d om estico s" o u " ma nso s", O s p rim eiro s e ng lo bav am o s

g e ne ri cam e nt e c h am a d o s botocudos e su a reputacao era a de uma "Indoma-

v el fe ro cid ad e" . O s s eg un do s e ng lo ba va m p rin cip alm e nte o s tu pi s e g ua m-

nis, "ja v ir tu al me nt e e x ti nt os o u supostamente assimilados" ( M an ue la C a r-

n ei ro d a C un ha , " Po lfti ea in dig en is ta n o s ec ulo X IX ", i n Historia dos indios

no Bra s il . S ao P a ul o: C om pa nh ia das Letras, 1992, p. 136).Its "Apontarnentos p ara a civilizacao dos fn dio s b ra vo s d o Im pe ri o d o B ra sil" , in

Obra politico de Jose Bonifacio, o p. c it., v ol. 2 , p . 7 6 (g rifo s nossos),

126 M an ue la C ar ne iro d a C un ha . "Polftica indigenista n o se cu lo X IX ", in Histo-

r ia dos indios no Bras il . S ao P a ul o: C o rn pa nh ia das Letras, 1992, p. 134.S eg un d o C u nh a, 0 perfodo de D. Joao VI n o B r as il seria m a rc ad o p or p ol ft i-

ca s q ue ia m n o se ntid o d e e xte nn in ar o s In dio s, A qu i, n ao a pen as teria m an -

d ad o d es en ca de ar u ma g ue rra o f en s iv a c on tr a o s " ge ne ric am e nte c ha ma do s

B otocudos", a fim d e que fosse Iiberado para a colonizacao t er ri t6 r io s d o

E sp fr ito S an to e P ara na , c om o in au gu ra ra u ma " in ed ita fra nq ue za n o c om ba -

te a os Indios" ( idem, p. 136).m Idem, p. 134. .

n s " A po nta m en to s p ar a a c iv ili zu ya o d os I nd io s b ra vo s d o I mp er io d o B ra sil ", in

Ob ra p o li ti ca d e J o se Bo ni fa ci o. op . c it., v el, 2 , p . 7 3 .12') Id em , p. 7 5.

130 Id em , p . 7 6 .

232

Ter rp:> & tv1em6b

23 3

Temr:o &.Mem: 'xb

CONsr l lU! ;Ao DA N/ lCAo E ESCIlAVIOAoNO PfNSAAlffllO o e J o si BONifAcio: 1783-1823

A NA R OS A C IO Ct ET D A S IL VA

IJI Idem, pp. 74-75.

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132 "i~dios; considera90es sobre como devem ser tratados pelo Estado" ( _

I3J ,~nto da Coierrao Jose ~o~i. f~CiOdo Museu Paulista, doc. no 197, s .d.ranus

Aponta~e.ntos para a clvll!zar;i io dos Indios bravos do Imperio.do Brasi l" .Obra poituca de Jose Bonifacio. op. cit . vol 2 p 73 1 ,In

1M Idem, p . 75. ' .,. .

us J~em, ? 77 . Seg~ln.do Cunha, a disputa entre a utiliz8I;ao de urna administra.

cao leiga au religiosa dos Indio s era secu lar, tendo prosseguido dura t

seculo XX. "A soIU9~o!ina~ peia qual 0 Imperio final mente opta no cha~:d~

Regulam~nto das Mlsso.es e n?m_inal~ente a ~a adminis trarrao leiga", ainda

q~e, amblgua:ne~te, muitos rnrssionario« contllluassem exercendo cargos de136 .~ Iretores dos Indios (M.a~~ela ~amei ro da Cunha, op. c it. , p . 140).

Aponta~~ntos para ~ Clvl~l:a?aO dos indios bravos do Imperio do Brasi l", in

Obra politica d~Jo~eBonifacIO, op . cit., vol. 2, p. 75. Ainda em uma de suas

no;as, ~~seBomfacIO expressaria a seguinte opiniao sobre 0 metodo dos je-

s ;l lt .as: OsJesu{t~s t inham par. fi~ fazer dos Indios frades e pupilos obedien-

tfssirnos . Bram despotas Comjust ica, porem afugentavam tudo 0 que podia

dar aos ne6fi tos ide ia s dadignidade do hornem e dacul tura int el ec tual" ("P _

sam:ntos. e_~otas" , in Octavio Tarquin io de Sousa , 0 pensamento v jyOe;eJ o se B o n if a CI O , op. c it ., p . 118).

)37 ~e~ndo Cunha, a "polftica oflcial de se estabelecerem estr anhos entre os

Indios data da epoca pombaJi ria em meados do seculo XVIII' .. ". ..' . . era uma tenta-tiva de aSSlml!ar f<f~lcae so.el~lmente os fndios ao res to da populacao, criando

uma populacso hvr .e brasil ei ra , subs trate de uma na c ao viavel. Queria-se

que~rar com 18S0 0 Is?lamento em que os jesuftas mantinham suas missfies

us ,~...J (Manuela Carnelf??~ Cu_nha, op. cit ., p. 143).

Aponta~~ntos para ~ClvrJ.l~a~aodo s fndios bravos do Imperio do Brasi l", inOhra polit ica de Jose BonifaCIO, op. cit ., vol . 2 , p. 76.

139 Idem, p . 76.

140 "N idd deeessr a e e uma Academia de Agricultura no Brasil" in Ob l- .

d J. ' B ifi-' , r a p o u tca14 1 e ose on! aCID, op. c it ., vol . I I, p. 37.

Conf<orme vis to no capitulo anter ior, a ide ia de que 0 co rn e rc i o " c iv i li z a e

suavlz~ ~scostUl~es barba~os" era defendida por Montesquieu (Montesquieu,

Do esptruo das leis. CoJer;ao Os Pen sa do re s . Sao Paulo: Abril Cultural 1985p.283). ' ,

142 "Neces sidade de uma Academia de Agr icul ture no Brasi l" in Ob ['I

d J -B ifi" , rapo Ileae ose ant aCIO, op. ci t. , vel . I I, p . 38.

143 "Aponramentos para a civi li zacao dos Indios bravos do Imper io do Bras il " inObra polit ica de Jose Bonifacio op, cit. vol 2 p 74' '

J44 ,t . , • ~ •

Segundo Cunha, a p ratica do aldeamen to era bastante an tiga, iniciada emme~d~s do secul .~ XV~. Ela permitia que nao so se t ir a ss em ou co n fi n as s em

os ~ndlOSem regtoes disputadas por frentes pastoris ou agricolas , mas que os

Ievassem pa~a onde s e a ch a va que sen am r n ai s u t ei s (Manuela Carneiro daCunha, op, CIL, p. 144).

14 , "Apontamentos para a civilizacao dos Indios bravo s do Imperio do Brasil" .Ob I,· d e J . , .rn

ra po tttca e OSe Bonifacio, op, cit., vol. 2, p. 74.

14~ "Viagem mineral6gica na provfncia de S[o Paulo po r Jose Boni facio de An-

drada e Silva e Martim Francisco Ribeir o de Andr ada" , in Edgard de Cer-

queira Falcao, op. cit ., vol . III, pp. 524-525.

1~1 E interessante notar que 0 fato de Jose Bonifacio estar interessado em i nc or -

porar 0 fndio como forca de t raba lho l ivre faz ia com que ele manifes ta sse

uma certa preccupacao em relacao aos efeitos psicol6gicos que a p r es e nc a da

escravidao poderia ter sobre seu projeto. Dessa forma, uma das medidas po r

de proposta em seus "Apontamentos" era a introducao do "arado e de outros

ins trumentos nis ticos europeus" para 0 trabalho dos Indios, a fim de "que

dest e modo lhes f iquem mais suaves o s t ra b a lh o s da agricoltura, e se nao

julguern aviltados e igualados aos negros, puxando pela enxada" ("Aponta-

memos para a c iv il izar rao dos Indios bravos do Imper io do Brasi l" , i n Obra

politica de Jose Bonifacio, op. c it ., vol . 2 , p . 79) .

148 "Necessidade de uma Academia de Agricul tura no Brasi l" , i n Obra politico

de Jose Bonifacio, op , cit ., vol . II, p. 38.

149 "Representacao 11Assembleia Geral Const ituinte e Legis lativa do Imperio do

Brasil sabre a escrava tu ra" , por Jose Bonifacio de Andrada e Silva, deputado

it dita assernbleia pela provincia de S .Paulo , in Obra polhica de Iose Bonifa-

cio, op. cit ., vol . 2, p. 90.

150 A R ep r es en ta c ii o s ab r e a e sc ra v at ur a foi redig ida por Jose Bonifac io com a

finalidade de ser apresentada a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa

do Bras il , reunida em 1823. No entanto, disso, houve a dissolucao da As-:

sembleia, em novembro de 1823. De s sa forma, 0 texto $6 s e ri a pu bl ic a do emPar is, no ano de J 825.

151 Jose Mur ilo de Carvalho , "Esc ravidao e razao nac iona l" , i n Da dos . R ev ls ta

. de Cienc ias Soc ia ls, 3. Rio de Janeiro: Insti tuto Univers itario de Pesquisas

do Rio de Janeiro , 1988, vo l, 31, p . 2 87 ,

m Num estudo comparative entre as fontes ideoJ6gicas do abolicionismo brasi-

leiro e norte-americana, Azevedo ressalta, entre o u tr a s d i fe r en e a s, 0 fato de

ter s ido este ult imo inspirado per argumentos essencialmente rel igiosos, ba-

seado em p r in c fp i os imu ta v e is , ao passo que 0 primeiro foj marcadamente

secular, uti lizando-se dos princfpios i luministas (Celia M. M. de Azevedo.

"On hell and paradise: aboli tionism in the United States and Bras il. A com-

parat ive perspecdva", Tese de douturado. Nova Iorque: Columbia Univers i-

ty, maio, 1993.

ISJ "Representacao 11Assembleia Geral Const ituinte e Legis lativa do Imperio do-

Brasi l sobre a eseravatura" , in Obra politica de Jose Bonifacio, op. cit ., voL

2, pp. 90-91.

154 David Br ion Davis, op. cit., p. 320. Ver ainda capftulos de 3 a 10, em que

Davis mostra como a e sc ra v id ao f oi s en d o tratada pelos filosofos e religio-

sos, desde P la ta o e Arist6teles, ate Locke e Hobbes.

155 Segundo Davis , durante muitos anos, a t eol ogi a crista servia para acomodar

as contradicoes inerentes a escravidao humana, uma vel . que perante Deus

234

Tempo &I Y I E ' . m : t o 23 5

Tempo &Met'l'6i:: l

C ON smucAo DA NN ;I\o E ESCRA'AOAo N O P EN SA M EN TO D E J os ' B O NI FA cI O: 1783- J 82 3 ANA ROSA Cl OClEl DA S lVA

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to do s e ra m v is to s c om o s er vo s, d e fo rm a q ue o s v erd ad eiro s s erv os s 6 p od e-

ria m alm ejar a liberdad e nu ma ou tra v ida e, p ara m erecs-la, pregava-se 0

d ev er d e s erv ire m a os se us s en ho re s c om o a o p ro pr io D eu s ( Th om as B en de r

[org.], T he a ntis la ve ry d eb ate : c ap it alis m a nd a bo litio ni sm a s a p ro ble m in

h is tor ica l in terpreta t ion . Los A n ge le s: U n iv er si ty o f C al if or ni a P re ss , 1 99 2,

p.21) ..

156 ~ bi de It ;l .I mb uf do s d e u m a s en si bi li da de h um a ni ta ri a q ue c re sc en te m en te e n-

t en di a a e sc ra vi da o c om o 0p ec ad o d o q ua l o s h om en s d ev eria m lib erta r-s e, e

in te rlig ad os p or m eio d e u ma re de in te ma cio na l f or ma da p rin cip alm en te p e-

l as i ns ti tu i9 0e s r el ig io sa s, em bo ra t am b em a br an g es se 0 am bi to d a s r el ac o esc om er cia is , a a tu ay ao d os quakers fo i se nd o e nc am in ba da d e u ma s im ple s

o po sic ao a o tra fic o d e e sc ra vo s p ara u ma to ta l e ma nc ip ac ao g ra du al d este s,

N o e n ta nt o, n lI o e r am m o vi do s a p en a s p o r s en ti m en to s f il an tr 6p ic o s: i ns er iam -

s e n o c on te xt e m a is a m pl e d as t ra ns fo rm a eo es h is to ri ea s q ue m a rc ar am a p ro -

p ri a e m er ge nc ia d e u m a m en ta li da de capitalista e , n e st e s en ti do , 0 surgimento

d e um a o p in is o a n ti es cr av is ta i nt em a ci on a l r ef le ti u a s " ne ce ss id a de s i de ol 6g i-

c as d e v arie s g ru po s e c la ss es " ( Th om as B en de r [o rg .], o p. c it., p . 1 9) .

151 S e p en sa rm os n o a bo lic io nism o c om o u rn m ov im en to in te rn ac io na lm en te

a rt ic ul ad o, c om o s ug er e A ze ve do , p od er em o s m e lh or c or np re en de r a d if us aod e d ete rm in ad as id eia s e a rg um en to s, a in da q ue e ste s f os se m a da pta do s, e m

g ra nd e m ed id a, a c on te xto s e r ea lid ad es e sp ec ff lc as (C elia M . M . d e A ze ve -

do, On hell and parad ise, op , c it.), .

158 C arv alh o d esta ca o s p rin cip ais r elig io so s e p ad re s q ue d is cu tir am e sta q ue s-

ta o. a p artir d o s ec ulo X VII . S er ia m e le s: 0 j es uf ta A nt on io V ie ir a, 0 q ua l s ev al ia d a r el ac ao e nt re e sc ra vi da o e p ec ad o p ar a j us ti fi ca r a e sc ra vi da o a fr ic a-

na ; 0 t ar nb em j es uf ta J or ge B en ci , q ue c om p ar ti lh av a d a m es m a a rg um en ta -

9 aO d e V i ei ra ; 0 p ad re s ec ula r M an ue l R ib eiro d a R oc ha , q ue p ro po e 0 resga-

te , s eg uid o d o p en ho r, s us te nto , c or re ca o in str uc ao e , p or fim , Iib erta ca o d o

escravo; 0 j es uf ta J oa o A n dr eo ni ( An to ni l) , q ue c ol oc a 0 e sc ra vo c om o fu n-

damental a s ob re vi ve nc ia d a s oc ie da de c ol on ia l; 0 bispo Jo se Joaq uim d a

C un ha A ze re do C ou ti nh o, 0q ua l a rg ur ne nt a s eg un do o s p ri nc fp io s d a f il os o-

fia ilu min is ta , d em on str an do a n ec ess id ad e d a e sc ra vid ao (J ose M ur ilo d e

C ar va lh o, " Bs cr av id ao e r az ao n ac io na l" , i n Dodo s . R e vi st a d e C ie nc ia s S o-

dais, o p . c it ., p p . 2 9 0- 29 6 ).

159 "Representacao a A ss em b le ia O e ra l C o ns ti tu ln te e L eg is la ti va d o I mp er io d o

B ra si l s ob re a e sc ra va tu ra ", i n Obra po l £t i ca de Jo s e Bon i fa c i o, o p. c it ., v ol .

2,p.92.

lro Ibidem.161 Id em , p . 9 1 . G eo rg e B an cr of t, u m d os f il6 so fo s in se rid o n a d is cu ss ao s ob re a s

e xp lic ac oe s p ar a a p ers is te nc ia d a e sc ra vid ao n o s ec ulo X IX , a fir ma va q ue

e st a f or m a de e xc re sc en ci a h av ia s id e i mp os ta n a Am er ic a p or e ur op eu s, c uj a

a va re za e br uta lid ad e tin ha m sid o e stim ula da s p elo c on ta to c om a A fric a.

A s s im , s nbl in h a va 0conflito entre escravidao e 0v er da de ir o s en ti do d o Novo

M und o. P or esta v islio, a culp a d a escrav idao re cata co ntra um a E uro pa ja

pec ado ra e a parecia ate m esm o com o parte d e urn pla no p ro vid en cial p ara a

reden9iio da raca humana P orta nto , a in da q ue CQm o b je ti vo s e , p ro v av e l-

m e nt e, p or m o ti ve s d if er en te s, a i de ia d e J os e B on if ac io d e i mp ut ar 0pecado

d a e sc ra v id ii o a P o rt ug a l n li o e st av a d es co n ec ta da d o s a rg u rn e nt os f il os 6f ic o s

p rc d uz id o s e n tr e finars do secu lo X VIII e in icio do X IX (ver D avid Brion

D a vi s, o p. cit., pp . 37-39).

16l "Representacao a A ss em bl ei a G er al C on st it ui nt e e L eg is la ti va d o I mp er io d o

Brasil sabre a escravatura", in Obra po l it ic a de Jo s e Bon i fa c i o, op , cit., vol.

2, p . 91 .

163 Id em , p . 93 . E i nt er es sa nt e n ot ar a qu i 0 confron to entre a ideia de que os

escravo s ino cu lavam -n os seu s "vfcios" e a d e q ue, em rela cao ao s Ind io s,

e ra mo s n 6s q ue m o s d eg ra da va c om n os so s " vf cio s e m ole stia s" ,1 < 1 4 P et er G a y, o p. c it ., p p. 3 19 ·3 22 .

,.s Id em , p . 3 27 . S eg un do M on te sq uie u, " de ve m a s l eis se r re la tiv es a o f fs ic o d o

p af s, a o c li ma f ri o, q ue nt e o u t em p er ad o; a q ua li da de d o s ol o, a s u a s i tu a c ao ,

ao seu ta man ho : ao g ene ro d e v id a d os po vos, ag ricu ltores, caca do res ou

p as to re s; d ev em r el ac io na r- se c om 0 g ra u d e lib erd ad e q ue a c on stitu ic ao

p od e p er mi ti r; c om a r el ig ia o d os h ab it an te s, s ua s i nc li na co es , r iq ue za s, mi-

m er o, c or ne rc io , c os tu m es , m a ne ir as . P os su em e la s, e nf im , r el ac oe s e nt re s i e

com a su a o rig em , co m os d estgn lo s d o le gislad or e com a o rd em d as co isas

s o br e a s q u ai s s li o e la s e st ab el ec id a s, 1 3 p re ci so c on si de ra -l as e m t od os e ss es

a s pe c to s " (Mon te s q ui e u, 0 e s pt ri to d a s leis, Colecao Pensamento Polit ico.

B ra sflia : U nB , 1 98 2. p . 4 5).

166 I de m , p p. 5 8- 64 .

1(,' P ete r G ay , o p, c it., p . 4 12 .

168 " Pe ns am en to s e N ota s", in O cta vio T arq uf nio d e S ou sa , 0pensamento vivod e J o se B o ni fa ci o, o p. c it., p . 1 10.

I~~Q ua nd o n os r ef er im o s a o c o n fr on to t eo ri co e nt re e sc ra vi da o e s oc ie da de l ib e-

r al, n ao s ig nific a q ue , n a p ra tic a e r ne sm o n a te or ia , a c on cilia ca o e ntre a m-

b as f os se i mp os sf ve l. A q ui , v al e n ot ar q ue a C o ns ti tu ic ao n or te -a m er ic an a,

fu nd ad a s ob p rin cf pio s lib era is, sa nc io no u a in stitu ic ao e sc ra vis ta , a q ua l

co ntinu ou pred om inan do n os estad os sulistas ate .m ead os do seculo X IX .

I st o, p or em , n ao i nv al id a 0 fa to d e q ue e sta te nh a re pre se nta do u ma te ns ao

p erm an en te n o p en sa me nto d os e sta dis ta s n orte -a me ric an os e q ue , m ais ta r-

d e, tiv es se s id o u rn d os p rin cip als p on te s a d ep or fa vo ra ve lm en te a os a bo li-

c io nis ta s (v er C elia M . M . d e A ze ve do , O n h ell a nd p ara dis e, o p. c it., p . 3 4).

170 " Pe ns am en to s e N eta s" , in O cta vio T arq uf nio d e S ou sa , 0pensamento vivo

de J o s e B o n if ac io , o p. cit., p. H 6. B xp ressan do esta m esm a p re ocu pac ao

s ob re a i nc on si st en ci a d as l ei s, J os e B o ni fa ci o e sc re vi a, q ua nd o j a n o e xf li o:

" Diz em q ue ha lib erd ad e te 6r ic a n a C arta [ a C on stitu ie ao o uto rg ad a p ar D .P ed ro I] , m as hii e sc ra vid ao d ur a n a pratica, Q ue 'v as to c am po p ar a m ed ita r

sa bre a in eflc ac ia d as L eis e a im pe rfe ic ao d as in stitu ic oe s h um an as !" ( ibi-

d em ). A q ul , e p ro va ve l q ue 0 A nd ra da e st iv es se r ef er in do -s e, m a is p ar ti cu -

larmente, a a dm in is tr ac ao a ut or it ar ia d e D . P ed ro , 0 q ue nao inv alid a a con -

t ra di ca o e nt re a Cons ti tu ic ao l ib er al e a e x is te nc ia d a e sc ra v id a o n eg ra , a qual

t am be m e ra p ar e le a ss in al ad a,

17 1 Montesquieu, 0 e sp lr it o d as le is , o p. c it ., p p. 3 36 -3 37 .

172 D av id B rio n D av is. o p. cit., p . 4 43 .

236

Tempo &Meo"6Ia23 7

Tempo& Mem:t ia

. ,

C O NS IR lI <; :A O D A NAi;Ao E E'CJ?AVlO.Ao NO I 'ENSAM'NTOD E J OS f BON I FAC IO; 1 76 3~ 1B23

ANA ROSACWCLET DA S'~VA

I1l "R re t - ~A bl '". ep. sen acao '" ssern era Ge r a l Con s ti tu i n te e Legislativa do I mp er io d oB ra si l s ab re a e sc ra va tu ra ", i n Obra pollt ica de Jose Baniidcia op cit pp c ad a i nt er es se p ri va do e p ar ci al . A q ui , 0 escravo, p e la n a tu re ~ a d c : su a c ~ nd i-

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95-96 .. . '-I' • • ".'

174 D av id B rio n D av is , o p. c it., p, 445.

115 J e a n- J a cq u es Rou s se a u , Do cont r at o s o ci a l, Co le ~ ao O s P e ns ad o re s. S a o P a ul o:A br il C ul tu ra l, 1 97 8, 2Aed., pp, 22-23.

116 I dem , p p . . 2 6 -2 9 .

rn Idem, p. 36.

178 Conforme t iv em o s a o po rt un id ad e d e d es ta ca r n o capftulo a nt er io r, J os e B o -

n if ac io c om p ar ti lh av a d a ideia d e q ue a p ro pr ie da de i ns ti tu fa -s e c om a socie-

d a de c iv il , 0 qu e sugere a influencia d e R ou ss ea u e m seu p en sa m en to . N oentanto, vale notar, e p ro v ii ve l q u e esta influencia tenha side Iimitada, na

rnedida em q u e a s i de ia s r o us se a un ia n as r ev e la v am - se d em as ia d am e n te cadi-

c ais se co mp ara das a o p en sam en to an drad in o. D e ac ord o co m 0 q ue te mos

n ot ad o a o l on go d es te t ra ba lh o, M o nt es qu ie u p ar ec e t er s id o u rn a i nf lu en ci abern mais presente em suas ideias.

17!l Ha n na A r en d t. Da re vo l uf ii o . S ao P au lo : A ti ca , 1 99 0, p. 95 .

180 Arendt constata q ue , n o d ec orre r do processo r ev o lu c iom lr io n o s E s ta d os

Unidos, a ideia d e f eI ic id ad e p ub li ca f oi s en do d es vi ad a p ar a a i de ia d e d ir ei -t os c iv is , o u, a in da , d e b em -e st ar i nd iv id ua l ( id em , p . 1 07 ).

181 "Representa9!10 a A ss em bI ei a G e ra l C o ns ti tu in te e Legislanva d o I mp eri o d o

B ra si l s ab re a e sc ra va tu ra ", i n Obra polit ica de Jose Boni facio , o p. c it ., v el ,2, p. 97.

18~ N um a rtig o n ao a ss in ad o d o j o rn al 0 Tamoyo, da tado de 23 de ou tubro de

1823, l e- se a s eg ui nt e o pi ni ao s ob re a d if er en ci ar ;. ao e nt re o s d ir ei to s c iv is e

p ol ft ic os : " Ag or a 0 q ue e a va ne ar s em p ro va , e d ar c om o c er ro q ue u rn C id a-

d a o a g re g ad o a n ov a P atr ia d ev a g oz ar d e tu do d e q ue g oz am o s in dfg en as :

isto eo q ue n enh urn p olftico ad mire ; e co m raza o, p orq ue am or d e P atria , e

c o nh e ci rn e nt os l oc a is , q u e h a bi li te m 1: 1 c er ta s f un 90 es d e g ov er no , n ao c re s-

cern co mo os p ep in os. N em m esm o o s ind fge na s de u rn P afz , a pe sar d e su -

p or ta re rn to do s o s e nc arg os s oc ia is , p artic ip am d e to do s o s b en s; n ao e poiss ~ pe rf lu a a d is ? n9 ii o e n tr e d ir ei to s c iv is , e d ir ei to s p o lf ti co s " (0Tamayo , op .

CIt., p . 1 15 ). A in da q ue n ao t en ha s id o p os sf ve l i de nt if ic ar 0 a r ti c ul i sj a , p e r -

c eb e- se q ue s e t ra ta d e u rn d eb at e i ni ci ad o e m m :i rn er os a nr er io re s d o j o rn al ,

e m q ue s e p ro cu ra d ef en de r a p os ic ao d os A n dr ad as n a q ue st ao d a i nc or po ra -

r ;. a o de po r tu gu e se s 11s o c ie d a de b r as i le i ra . E b er n p ro va ve l q ue J os e B o ni ft i-

c io c om p ar ti lh as se d a o pi ni ao a ci rn a s ob re d ir ei to s civis e p ol ft ic os , s e n aof os se e le p r6 p ri o 0 articulisra anonimo.: "."

18) Em o ut ro m o me nt o d es te c ap it ul o, j li m e nc io na m os 0 c o nc e uo d e l ib e rd a de

d e J o se B o n if ac io , 0 q u al s e r ef er ia a l ib er da de p ub li ca , d e s e f az er 0 q ue a s

le is p er rm tis se m e n ao 0 q ue c ad a i nd iv fd uo a lm e ja ss e, t al q ua l e m pr eg ad o

p el os f iI 6s of os i lu m in is ta s ( ve r H a nn a A re nd t, o p. c it ., p . 9 9) .

184 S eg un do D av is , u rn a d as p ri nc ip ais c on tr ib ui9 0e s d e M on te sq uie u p ar a a

a rg um en ta r; :i 'i o a n t ie sc ra v is ta f o i a i de ia d e " be rn p u bl ic o ", c om o d is ti nt iv o d e

rrao, estava aquem d o a lc an ce d a lei civil e , po r ta n to , da obn.gaya? cfvica, a

qu e implicava qu e ele n a o p u de ss e servir ao b er n g er al ( Da vid B no n D aV IS ,o p . c i t. , p. 440).

185 Idem, p, 323,

185 P et er G a y, o p. cit., pp, 322-323. . . .. .

187 "Representacao it A ss em bl ei a G er al C on st it ul nt e e L eg is la ti ve d o I mp er io d o

B ra si l s ob re a e sc ra va ru ra ", i n Obra polit ica de Jo s e Bon i fa c i o, op . c i t. , p. ?2 .'ss E importanre le mbr ar q ue , n o s ec u lo XV I II , a r az ii o p as so u a s er e nt en di da

como 0a tr ib ut o h um a ne p or e xc el en ci a, a m a ro a d is ti nt iv a e nt re o s h om e ns eo s d er na is s er es ,

'~9 J ea n- Ja cq ue s R o us se au , o p. c it ., p . 2 7.

19() " Ap on ta m en to s e x tr af do s d as o br as De s colonies et 1 e La revol,~tion actue!le

de l 'Ame r iq u e , p ar M r. d e Pradt , 2a vol ., 8 vols, P ~s " 1 81 7." ( ma nu s~ ntod e J os e B o ni fa c io . p e rt en c en te a C o 1e ya o J os e B o ni fa ci o d o M u se u P au li st a,

d oc . nQ89). A r ne nc so a Montesqu ieu , certamente f oi u ti li za da p or J os e B o -n if ac io n o s en ti do d e d em o ns tr ar 0 rid fc ulo d a e sc ra vid io , d a m es ma fo rm a

qu e 0 f il 6s of o p r et en d eu f az e -l o, I s~ o porque, confo rme j.~pud emo s . ~e rc e b er

p e la a n a li s e do pensa rn ent o andr adi no, a s n egros .er~ :I~~S como h .o~en~co mo n os" e o s e scrav istas co mo nu nea te ndo sid o civ iliz ad os e cn stao s

("Representa~iio a A s se m bl ei a G e ra l C on st ~~ in te e L e~ is la ti ~a ~ o I m pe ?od o B ra sil s obr e a e sc ra va tu ra ", in Obra poluica de Jo s e Bon if d ew , op . CIt.,

pp, 91 e 95), . , , .,.191 C elia M . M . d e A ze ve do , Onda n e gr a, m e d o b ra nc o: 0n eg ro n o I ln a gm a : -I O

d as e lite s - s ec u lo X IX. R io de Jane iro : paz e T erra, 1987, p , 35. A qu i, aa ur or a a na li sa a ,p re se nc e d e u rn i ma gi na ri o d a e li te p er pa ss ad o p e~ o medo da

r ev olta d os e sc ra vo s, c en tr an do a a na lis e n a se gu nd a m eta de d o ~ ec ulo X IX .

N o e nta nt o i de nt ific a s ua p re se ny aja n o p er io do d a in de pe nd en cia , a q ua l s e

d eu n o c on te xt e i nt er na ci on al m a rc ad o p el as t en so es g er ad as p el a R ev ol uc ao

de Sao D om ingos. . .

192 S ob re a R ev ol uc ao d e S ao D om in go s.v er C . L . R. James . Th e black}aco~ms:

toussaint t'o u ve rt ur e a nd t he S an D o m in go R ev ol ut io n, N o va I or qu e: V in ta -

ge Books, 1989. .

19J V e r s u as " Le m br an ca s" e " Ap on ta m en to s . .. p ar a a s d ep ut ad os d a p ro vi nc I, a

d e S ao P au lo " e 0 "M an if es to d e 6 d e a go sto ", in O br a p ol it ic a d e J os e BOni-

facio, vols. 1 e 2. .

194 "H ai ti an ism o ", s eg u nd o S il v a D i as , f oi c om o s e c o nv e n. cl O no u c h am a r 0 m~o

d a e li te d e u m a r ev ol ta d e e sc ra vo s, s en do , c on fo rm e J a a po nt am o s a nt en ~~ ~

m en te , " ur n fa to r d ec is iv e n o p ro ce ss o d e c on stru ca o d o E sta do n o B ra sil

( M ar ia O d il a L . d a S il va D ia s, " Id eo lo gi a liberal e c on st ru ca o d o E sta do d o

B ra sil " in Anais do Museu Paulista, o p. c it ., p . 2 16 ).

195 " Co rr es po nd en ci as d e J os e B on if ac io ( 18 10 -1 82 0) ", i n Revista de H i st o ri c.

op. cit ., p . 226, . . . .. . dI'lli "Representacao a A s sem bl ei a G e ra l CO~ s. tl tu m te e ~ e gl s~ a ?~ a d o l ~ pe n o 0

B ra si l s ob re a e sc ra va tu ra ", i n Obrapo l lt ic a de Jose Boni f ii c io, op , CIt., p . 9 6.

23 8

T€IT1po & M e r n 6 J I : : i 239

lerrp::l &!\IIa'ri6b

CONsmur;ko DA NA<;AOE ESCllAWlAo NO PEN..........,rO DE J OS! BONIFAcio; 1 7 8 3- 1 8 2 3 ANA ROSAClOClH DASILVA

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197 Ibidem. B s ta n o ta provavelmente foi acresclda pelo Andrada na sua fa se d o

exflio, quando entao publicou a Representacao, pols 0 t raba lho de De Pradt

af mencionado data de 1825.

191 Nao pretendemos sugerir , com isso, que Jose Bonifacio tenha necessariamen-

t e ext ra fdo suas ideias das l ei turas de De Pradt , E le pode per fe it amente te r

encontrado nest e autor urn respaldo para a lgumas ide ias que ja vinha e labo-

rando. De qua lquer forma , asobras de De Pradt tornam-se referenda irnpor-

tante p ar a a c omp re en sa o do pensamento andradino, principal mente se con-

siderarmos 0fat a de est e autor t er s ededicado a esc rever sabre as princ ipai sacontecimentos his t6ricos do perfodo em questao, tomando-se urn especia-

!is ta nos assuntos referentesa America Latina (ver Sergio Buarque de Holan-

da [org.] , " Imagens do Brasi l noVelho Mundo", inH i st or ia g e ra l d a civiliza-

~lio brasileira, op. cit., p. 53).199 "Representecao a A s sem bl ei a G e ra l Constituinte e Legislative do Imper io do

Brasi l sobre a e sc ra v at ur a" , i n Ob ra p ol it ic a d e Jo s e Bon i fa c io , op, cit., p. 104.

200 Juvenal Greenhalgh, "Jose Bonifacio e a Marinha nacional", in Revista doI ns ti su t o H i st ar ic a e G e og r af ic o B r as il ei ro . Rio de Janeiro: Departamento de

Imprensa Nae iona l, 1964, vol . 260, p , 221.

201 Segundo J . H. Rodr igues, " tudo que se decidiu entre 0 Tra tado da Santa

Alianca, aos 26 de setembro de 1815, e 0Congresso de Verona, em 1822,

tern interesse para 6 Brasi l em face d a d ec is ao d as p ote nc ie s e ur op ei as R us -

s ia, Austria . Prussia e Franca de susteotarem 0 legitirnismo, defenderem 0

s ta tu s q u o, c om ba te re m a revolu~ao, intervirem nos neg6cios internes dasout ras na90es e nao admit irem 0 reconhecimento da independencia lat ino-

americana". A s sim , " [ . .. ] entre hes i tacoes , d tve rgencias , desconfiancas, a Santa

Alianca nasceu simbolizando urna epoca de ultraconservadorisrno, de panico

diante das revolucoes l iberais, de descarado Intervencionismc na vida inter-

na das outras nay5es, de iiquidayao do p r oc e ss o r e vo l uc i on a ri c , iniciado com

a Revolucao Francesa" (Jose H . Rodrigues, lndependencia: revoludia e c on -

tra-revoluciia: Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975, vol. 5, pp. 3 e 23).

202 "Notas poUticas" (manuscrito pertencente a Cole9~0 Jose Bonifacio do Mu-

seu Pauli st a, doc . n il 1 .512, s .d .) , 0 contendo do docurnento revela que foi

escri to depois da dissoluylio da Assembleia Const ituinte, em 1823.

203 "Representacao a Assembleia Geral Const ituinte e Legis lative do Imperio do

Brasil sobre a esc rava tura", in O b ra p ol it ic a d e Jose Bonifacio, op , cit., p.

103. Jose Bonifacio , no tempo em que amou como rn inistr o, desprendeu

grande esforco no sentido de organizar a Marinha nacional, Em suas corres-pondencias com Caldeira Brant , representante brasi leiro em L o nd re s, e n co n-

t ram - se v a ri a s r e fe r en c ia s a comprade "fragatas i ng le sa s" - que na o se teria

concretizado por falta de r e cu r so s f in a n ce i ro s do Brasil -, bern como ao

ineentivo a imigragiio de estrangeiros para serem incorporados it forea militar

("Representayao brasi leira em Londres", in Edgard de Cerqueira Falcao, op.

cit, vo l. 2. pp . 308 e 311 ).

204 Embora mostrando-se favoravel a independencia do Brasi l, a lnglaterra espe-

rava 0 pioneirismo po rtugues no reconhedmento da nova condicso de sua

antiga colonia. Esta poift ica l igava-se a pos icao de Por tuga l como "ve lho

aliado da Inglaterra", a qual George Canning, secretario ingles das Relacoes

Exter iores, n lio queri a ver rompida (Sergio Buarque de Holanda [org.] , "0

reconhecimento do Imperio", in H i st or ia g e ra l d a c iv il iz a ci io b r as il ei ra , op ,

cit., pp, 332 e 338).

,as A decisao de manter 0 Tra tado de 1810 se ria del iberadarnente tomada pelo

Brasi l, como forma de atrair 0apoio da Inglaterra, ao reconhecimento inter-

nacional da independencia (idem, p. 341).

l{x; J a nas instrucoes de lose Bonifacio a Caldeira Brant , percebia-se 0 usa destachantagem cornerc ia l. 0 a rt igo 17dest as inst rueoes recomenda que "[ .. .J in-s inuara dextramente ao Minis tro Bri tanico como mais urn incentivo ao pron-

to r econhecimento da nossa Independencla: - que a Po tencia que f or a pr i-

mei ra em reconhece-l a colhe ra de cer to as mai s dec id idas vantagens [ ..,J-Que convira muito ll . Inglaterra tamar 0 passo ~ Franca e aos Es ta d o s Un i do s ,

pois e mui provave l que est as duas Potenc ias se r ival izem em vir concert ar

conosco novas e ma is e st re it as a li an ca s c or ne rc ia is e p o lf ti ca s a bern da pros-

per idade do seu corne rc io" ("Representa~ao brasi le ira em Londres ", in Ed-

gard de Cerqueira Falcao, op, cit., vol . 2 , p . 304).

207 Sergio Buarque de Holanda (org. ), "0 reconheci rnento do Imper io", in Histo-

r i a g e r al da c i vi li z acdo b r a si le i ra ; o p . c it ., p . 347. Nas negociacoes entre Brant

e Canning, este argumento polit ico seria fortemente explorado, em beneffcio

do reconhecimento da independencia. Aqui, lembrava-se 0 rninistro Ingles

das vantagens que a Ingla te rra t irar ia do "est abelecimento de urn governomonarqulco-constitucional, que 0 Brasil p r es t av a p r ocu ra ndo sufocar a in-fluencia democratica e subjugar as facyoes revolucionarias nos vizinhos" (Jose

H. Rodr igues. op. c it ., p . 114).

20 0 Idem, p. 344. .

20 0 "Representac jio brasi le ira em Londres ", in Edgard de Cerqueira Falcao , op.

c it ., vel . 2 , p. 316.210 "Representacao a Assembleia Oeral Const ituinte e Legis lativa do Imperio do

Brasil sobre a escravatura", in Ob ra p o li ti ca d e J o se B o n if ac io , op. cit, p. 90 .

21t Jose H. Rodrigues, op. cit, p. 116.

212 Peter Gay, op. cit" p. 416.

zu A forma como Voltaire conceitua 0 verbete "Igualdade", em seu Dicionario

filos6fico, nos ser ve como exernp lo desta "duplicidade" que permeava as

princfpios i luministas, A ideia de igualdade, t al qua l apa rece em Vol ta ire,

revela-seextremamente

a rb it ra ri a, c o lo ca nd o -s e m u lt o m a isno plano deuma

situacao virtual para 0 conjunto da sociedade, que no p lano da realidade

concreta ou possfvel de se r a lcancada . Segundo e le , " to do h or ne m n as ce com

forte inclinacao para 0 domfnio , a riqueza, o s prazeres e sob retudo par a a

indolencia. Todo homern por tanto quere ria est ar de posse do dinhe iro e das

mulheres au das filhas des outros, ser-Ihes senhor, sujei ta-los a todos os seus

capri chos e nada fazer ou pete menos so fazer cousas multo agradaveis. Ve-

desque com estas excelentes disposicoes e lao diffcil aos hornens ser iguais

quanto adois pregadores ou professores de teologia nao se invejarem, Tal como

240

Tempo & M e m : ' : O : l

ANA RosA C lOClET OAS'LVA

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e , i r npos s fve l 0 g en ero h um an e su bsistir, a m en os q ue h aja in fin id ad e d~ ho -

m en s iite is q ue n ad a p ossu arn . P orq ue , cla ro e q ue u rn h om em sa tisfe ito . '.a o

d ei xa ra s ua te rr a p ar a vi r Iavrar a vossa, E se tiv erd es n ece ssid ad e d e u m p ar d e

s ap ato s, n ao s er a u rn re fe re nd ar io q ue v o- le f ar a, I gu ald ad e e p ois a co usa m ais

n atu ra l e a o rn esm o te mp o a . r n ai s q u im e r ic a " (Vo lt a ir e , Dicionar io f i loso f ico ,

C o Ie ~a o O s P en sa do re s, Sa o Paulo: N ov a C ultu ra l, 1988 , v ol. I, p . 133 ).

" 1 1 4 S eg un do B ri on Davis, 0 profundo respeito de Montesquieu pelas necessida-

d es especfficas de cada socied ade, ou seja , a id eia de que as leis gerais qu e

r eg em t od a a n at ur ez a d ev ia m s er a ju st ad as d e a co rd o c om a s e s pe cif ic id ad es

f fs ic as e m o ra is d e c ar la lo ca l, f az ia s ua f ilo so fi a f le xf ve l 0 s uf ic ie nt e p ar a q ue

p ud esse se r a plica da a fa vo r d a e scra v id ao . D essa fo rm a, o s fil6 so fp s d ev i a m

provar que a escravidao era contraria ao "bern publico" e, portanto, 11 lei

n a tu ra l. A q ui , 0poder s ob er an o d ev e ri a o bs er va r a ambos -utilidade pdbli-

ca e direitos narurais dos indivfduos, ou , ainda, expediente e princfpio - ,

tomando uma a~o positiva, no sentldo d e e l im i n ar 0 mal (D av id B rio n D a-

v is , o p. cit., p. 438).

lIS D avid B rion D avis, o p. cit., ,p o 450.

216 " Re pr es en ta ea o 1 1A ss em ble ia G er al C on st itu in te e Legislative do Im perio do

Brasil sobre a escravatura", in Obra politica de Jo s e Bon i fa c io , op. cit., p.93.m Ibidem.

:m Idem, p. 94 .

119 P ete r G ay, o p. cit., p. 417.

U(I "Representacao a Assembleia Geral Constituinre e Legislativa do Imperio doBrasil s ob re a e sc ra va tu ra ", i n Obra politica de Jo s e Bon i fa c io , op . cit., p. 94 .

121 A este segundo Ia to r , Mi l la r c ia a segu in te ~xplicayao: "Nenhuma conclusao

parece mais c e ri a q u e esta, qu e os homens comumente exercerao rnais ativi-

d ad e q ua nta eles trabalham para seus beneffc ios proprios. qu e qnanto eles

sa o c om p eli do s a t ra ba lh ar a pe na s p ara 0 be ne ffcio d e o utro , A in tro du ea o d a

liberdade tern, p ort an to , u m a i nf aJ fv el t en de nc ia a t or na r o s h ab it an te s de om

p af s m ai s i nd us tr io so s" ( P. Gay, o p. c it ., p . 4 18 ).

m Idem, p. 4 17. S egun do Peter G ay, os argu mentos de M i lla r teriam ganh o um

amarramento fin al co m A da m S mith . Este denunciaria 0 maror custo da es-

cra vid iio e m re la r;:iio a o tra ba lh o liv re e o fa to d e se c e sta u m ca so p artic ula r

d e "desp otism o", n a m edida em que ia contra 0 liHe flUXQ d o t ra ba lh o . Sm it h

utillzava-se d e u rn a rg um e nt o economico/psicologico, u ma v ez q ue bu sca va

as co nse qtie ncia s e co no mica s d a e scra vid ao n as pr6prias caracterfsticas da

n atu re za h um an a. S eg un do e re , "u ma p esso a q ue n ao p od e a dq uirir p ro prie -dade, na o te rn o ut ro i nt er es se q ue c om er r nu it o, e r ra ba lh ar 0 m f ni m o p o ss f-

ve!. Q ua lq ue r tra ba lh o q ue e le faca ale m do q ue e s uf ic ie nte p ar a a dq ui rir s ua

m anu ten cao, p ode lhe ser ex to rq uido ap enas pela v io len cia, e n ao pelo seu

p r o pr i o i nt er e ss e " ( p et er Gay , op . c it ., p . 419) .

123 "Representacao a Assernbleia Geral Constituinte e Legislativa do Imperio do

B ra sil so bre a e scra va ru ra ", in Ob ra p o li ti ca d e J o se B o n if ac io , o p. c it. , p p.

94-95.

U< J o s e Mu r i lo de Carvalho, o p. c it ., p . 299.l25 "R ep re se nt ac ao 1 1A ss em bl ei a G er al C on st itu in te e L eg is la ti v a do Im pe rio d o

Brasil s a br e a e s cr a va t ur a ", in Ob ra p o ll si ca d e J o se B o n if ac io , o p . cit., p . 9 4.

B interessante atentar, aqui, para 0 fato de qu e Jose Bonifacio alterna, cons-

ta nte me nte , a rg um en to s q ue v isa m m ostra r a e scra vid ao co mo In co mp attv el

c om a u tllid ad e p ub lica , co m argumentos q ue v is am a po nta -I a como incom-

parfvel co m o s in te re ss es p ri va do s d os senhores e , r n ai s particulannente, com

seus inreresseseconnmicos.

~16David B rio n D av is, o p. cit., p. 460.2,) Idem, p. 95.

2 2 1 < "Apontarnentos sabre as sesmarias d o B ra si l" (rnanuscrito pertencente ao

Institute H is t6 ric o e Geografico Brasileiro, doc . n" 19 , lata n o 192, s.d.).

J.))l ver sobre os obstaculos "ffsicos" e "sociais" ao desenvolvimento da agricul-

tura e comercio em sua "Necessidade de urna A ca de mia d e Agricultura no

Brasil", in Obra polttlca d e J o se Bonifacio, o p, e it., v ol, 2, pp. 35-48.

2lO "Representacao it Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Imperio do

B ra si l s ob re a e sc ra v at ur a" , in Obra. p o lt ti c a de Jo s e Bon i /a do , op . cit., p. 91.

.."lJ1 I dem, p. 97 .

:)3) I bi dem ( gr if os nOS5Qs).

l.lJ S eg u nd o A ze v ed o : 0 f at e d e 0 a bo lt ci on is m o b ra si le ir o t er em er gi do d o i nt er io r

d e u ma s oc ie da de e sc ra vi sta , c on tr er ta me nt e a o a bo li ci on ls mo norte-america-

no , marcou um a p r o fu nd a d i fe r en c a e n tr e estes dais mo v im e n to s. 0 medo de

um a revolta de escravos, bern como 0 comprornetimento com os interesses dae lit e e sc ra vis ta , d a q ua l, e m grande m ed id a, f az ia m p ar te , r ev ela ra m- se f at or es

im p or ta nt es n a c om pr ee ns ao d o t eo rd os d is cu rs os d es te s abolidonistas (Celia

M . M . de Azevedo, On hell and paradise, op. c it ., p . 5 0) .

ZI < 'Lembrancas" e "Apontamentos ...", in Obra pol {( ica de Jo s e Bon i ja c io , op .

cit., vol. 2, p. 19 .11l " J o se B o ni fa ci o ( N et as fnt imas)", in Ob ra p o lu ic a d e J o s e B o n if ac io , op . cit.,

vol. 2, p. 119.l.16 C elia M . M . de A zeve do, On da n e gr a, m e do b ra n co : 0n eg r o n o i m ag in a ri o

d as elites - secu lo X IX , op . cit., pp , 47-52.m "Representacso a Assernbleia Gera l C o ns nr ul nt e e L e gi sl at iv a do Im pe rio d o

Brasil s o br e a e s c ra v a tu r a ", in Ob ra p o lu ic a d e J o se B a n i/ ci ci o, op. cit., p. 96 .

No artigo 24 do seu p r oj et o d e emanc lp a ca o , Jose B on if ac io p ro pu nh a: " Pa ra

q ue n ao fa lte rn bra ce s n ece ssa rie s 11a gricu lru ra e industria, p ora o G ov ern o

em execucao ativa a s l ei s policiais contra os vadios e mendigos, mormentesend o estes hom en s de co r" ( idem, p . 1 01 ).

))8 C o nf or ms r es s a lt a Az eved o , a ideia de mcorporacso do ex-escravo na socie-

d ad e b ra si le ir a f oi p ra ti cam en te consensual e n tr e o s a bo li ct on is ta s b ra si le i-

ro s, d tv ers am en te d o a bo ll ci on is rn o n or te -a me rt ca no q ue , ate 1 8 30 , d e fe n di a

p ia no s d e m an da r a s n eg ro s d e v olta p ara a A frica , o u, a in da , d e co lo nlz are m

a re as in ab it ad as d os E st nd os U ni do s (Celia M. M . de Azevedo, On hell an d

p ar ad is e, o p. cit., p p . 2 I 7 -2 24 ).

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Tempo &Mem)Oo

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T€ITPO &MEmCtio

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CONSlIlIJ<;AO DA NAr;N:>E ESCIlAVIlA,o f<O PENSAMI3fIIOof Jost BONifAcIo; 1783-1823

219 David Brion Davis , op. cit ., p. 430. Aqui, ate mesmo os mais radicais anties-

cravistas , segundo Davis , terniam a emancipacao imediata e buscavam urn

esquema que pudesse transformar 0 escravo em trabalhador livre.

240 Octavio Tarqufnio de Sousa, 0 pensamento vivo de Jose Bonifacio, op. cit,

p.115.

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