SILVEIRA, Daniel Barile Da. Max Weber e Hans Kelsen

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 27: 171-179 NOV. 2006

    RESUMO

    Rev. Sociol. Polt., Curitiba, 27, p. 171-179, nov. 2006

    Daniel Barile da Silveira

    MAX WEBER E HANS KELSEN:

    A SOCIOLOGIA E A DOGMTICA JURDICAS1

    Recebido em 20 de dezembro de 2005Aprovado em 4 de abril de 2006

    Max Weber e Hans Kelsen so dois autores clssicos considerados de extrema importncia na elaborao

    de alguns dos mais clebres conceitos utilizados nas searas das Cincias Sociais e do Direito, respectivamente.

    Entretanto, quando se unem tais campos do conhecimento, representados pela Sociologia do Direito,

    inmeras confuses terminolgicas e relativas ao objeto e ao mtodo de estudo so perpetradas, dificultando

    que o rigor cientfico seja atingido com profcua preciso. Nesse sentido, o presente trabalho visa a

    estabelecer as distines mais prementes entre a Sociologia Jurdica e a Cincia Jurdica ou Dogmtica,

    tratadas sob a perspectiva da anlise dos pensamentos weberianos e kelsenianos.

    PALAVRAS-CHAVE:Max Weber;Hans Kelsen;Sociologia Jurdica;Cincia do Direito;Dogmtica Jurdica.

    I. INTRODUO

    O presente trabalho presta-se a analisar os con-ceitos referentes Sociologia do Direito e Cin-cia do Direito ou Dogmtica Jurdica, sob o pon-to de vista de seus maiores expoentes, quais seja,Max weber e Hans Kelsen, respectivamente. Emuma primeira anlise, buscar-se- situ-los histo-ricamente, alm de demonstrar as suas relaes

    de proximidade e a interface que estabeleciam emrelao s teorias jurdicas e sociolgicas vigen-tes no momento da produo de suas obras. Emum segundo momento, far-se- uma anlise maisaprofundada do pensamento de Weber sobre asrelaes travadas entre Sociologia e Cincia doDireito, argumentao que complementada emum terceiro bloco, em que se visa demonstrarcomo tais concepes so tratadas por Kelsen.Por fim, buscar-se- estabelecer uma sntese detais idias, no intuito de propor um prismainterpretativo e um olhar analtico sobre as rela-

    es travadas entre a Sociologia e Dogmtica ju-rdicas, abrindo um novo espao para futurasperquiries.

    Sem dvida nenhuma, Max Weber e HansKelsen representam dois dos mais importantes

    clssicos para o entendimento do fenmeno jur-dico moderno. Desde o incio do sculo XX suasrespectivas obras foram incessantemente estuda-das, revistas e comentadas em ctedras de todomundo, engendrando novas interpretaes e clas-sificaes das mais diversas possveis, por ondequer que suas teorias exercessem influncia. En-quanto o primeiro atinha-se aos bancos da Socio-logia, da Cincia Poltica, ou melhor, das CinciasSociais como um todo, alm de produzir impor-tantes transformaes no currculo acadmico dasescolas de Economia, o segundo gerava, de igualmodo, severo impacto nas Humanidades, em es-pecial na seara do Direito. Enquanto Weber repre-senta um dos mais altos expoentes da SociologiaJurdica, Kelsen, por sua vez, solidificou-se comoa mais expressiva referncia no mbito daDogmtica Jurdica.

    A relao intelectual entre Weber e Kelsen bastante fluida. Tal proximidade pode ser consta-

    tada na medida em que, alm de serem autorescontemporneos e professores da Universidade deHeildelberg, suas teorias tiveram inmeros segui-dores na Alemanha e seus estudos foramparadigmas de interpretao em diversos plosintelectuais na Europa ps-vitoriana. Segundo re-latam os comentadores, nos anos de 1911 a 1913,poca em que Weber desenvolveu sua Sociologiado Direito, Kelsen publica (em 1911) sua primeiragrande obra intitulada Hautptprobleme derRechtstaatslehre. Na primeira edio de seu livro,conforme assinala-nos Norberto Bobbio (1998, p.

    1Artigo integrante do trabalho de iniciao cientfica, de-senvolvido frente Fundao de Amparo Pesquisa doEstado de So Paulo (Fapesp) e intitulado O Direito comoordenamento normativo coativo: uma anlise sobre aracionalidade na Sociologia Jurdica de Max Weber.

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    255-256), Kelsen j citava Weber, indicando aacurada leitura do pensamento weberiano que na-quele momento j despontava e consolidava-se naAlemanha do incio do sculo passado. Posterior-mente, quando a obra pstumaEconomia e soci-edade lanada em carter definitivo, Kelsen sub-mete-a a algumas apreciaes crticas, tendo in-clusive publicado alguns artigos em que julga apostura terica weberiana2. Por fim, na obra Teo-ria geral do Direito e do Estado, o autor vienensetece algumas consideraes a respeito da Socio-logia Jurdica de Weber, contestando algunsposicionamentos assumidos pelo pensador, cujosdesdobramentos veremos mais adiante.

    A discusso entre Sociologia Jurdica eDogmtica Jurdica trazida por Weber no seio de

    Economia e sociedaderemonta, em realidade, celeuma engendrada por dois antecessores seus,Herman Kantorowicz e Eugen Erlich, precurso-res da chamada Escola do Direito Livre e doMovimento Sociolgico do Direito, at entocom relativa influncia nas academias jurdicasalems3. Pregavam estes dois autores, em suma ebasicamente, a idia de que a lei no poderia criarefetivamente o Direito, visto que tal tarefa era des-tinada ao rgo vivo, ao elemento subjetivo doDireito, o juiz (giurisprudenzia). Deste modo,qualquer cincia que fosse vlida deveria pautar-

    se nos acontecimentos da realidade, nos elemen-tos empiricamente constatveis. Com tais formu-laes, criticavam severamente a cincia jurdicados juristas que somente se atinham s leis for-malmente criadas pelo legislador. Alm do mais,tais pensadores reivindicavam a funo judicialcomo a verdadeira fonte de Direito, visto que setratava de efetivamente aplicar uma norma abs-trata ao mundo ftico, funo esta materializadorado Direito e que alcanava, portanto, fins prti-cos. Propunham, assim, a livre criao do Direitopor parte do magistrado, alm de defenderem aidia de que a Sociologia do Direito seria a nica everdadeira cincia de estudo do Direito, por ser anica que se voltava a atingir ao escopo do pr-prio Direito, que a transformao do mundo

    ftico.

    II. A POSTURA WEBERIANA

    Max Weber, por sua vez, assumiu postura di-ferenciada frente a seus predecessores e, em ver-dade, encerrou posies mais coerentes ante aconcepo do carter autnomo das cincias, jamplamente aceito pelos pensadores na poca.Criticou Kantorowicz e Erlich porque ambos ten-taram reduzir a Cincia do Direito a uma discipli-na sociolgica, portanto, investindo suas teoriasde carter valorativo, tese incompatvel com aneutralidade axiolgica pregada por Weber em seusensaios metodolgicos. Segundo entendia, a Ci-ncia Jurdica ou Dogmtica Jurdica e a Sociolo-gia do Direito no poderiam jamais ser justapos-tas, uma vez que ambas ocupam lugares distin-

    tos, isoladamente considerados (WEBER, 1999,v. I, p. 109ss.). Tal discusso engendrada por seusantecessores e que posteriormente retomadapor Kelsen, s que de maneira inversa, tendo aDogmtica Jurdica certa prevalncia sobre aSociologia Jurdica4 basicamente era pertinentea problemas de ordem metodolgica e no pode-riam ultrapassar esta esfera, como o estabeleci-mento de primazia de uma pela outra e vice-ver-sa. necessrio ressaltar que Weber evita cairem uma postura sociologista, como fizeramKantorowicz e Erlich, promovendo adequadamente

    a distino entre ambos os conceitos e seus res-pectivos mbitos de validade.

    Emprestando as concepes de Jellinek5 devalidade ideal (a validade de uma norma frenteao conjunto de outras normas) e validadeemprica (a validade de uma norma frente a umgrupo de pessoas que se orienta perante essa nor-ma ou com relao a um grupo de normas), Weber

    2 Especialmente Kelsen (1921), cujas referncias encon-tram-se tambm em Bobbio (1998, p. 255-256) e Dulce(1989, p. 71).

    3 Para maiores informaes, ver Lvy-Bruhl (1997, p. 99).Rica condensao traz-nos Diniz (1998, p. 66-68). Tam-

    bm vemos boas referncias em Reale (2000, cap. XXXI).

    4 Referimo-nos aqui ao fato da proposio de Kelsen queafirmava necessria dependncia da Sociologia Jurdica

    perante a Cincia Jurdica, visto que para delimitar o queviria a ser Direito, a primeira utilizava-se de conceitoselaborados pela segunda. Veremos mais adiante tal posiode maneira detalhada.

    5 Excelente demonstrao do jurista italiano NorbertoBobbio sobre a influncia da obra de Jellinek na SociologiaJurdica de Max Weber, mormente no que tange s liestomadas por emprstimo na tarefa de distinguir entre Soci-ologia do Direito e Dogmtica Jurdica. Ver Bobbio (1998,

    p. 260-263). Tambm encontramos uma boa referncia emDulce (1989,p. 62-65), e tambm em um pequeno ensaiosobre o conceito sociolgico de Direito em Max Weber emKrawietz (1994, p. 7-26).

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    trata de evidenciar essas duas perspectivas demodo a esclarecer suas lgicas internas e operarsua distino fundamental entre a Dogmtica e aSociologia jurdicas. Nosso autor j inicia o cap-tulo Economia e as ordens socias de sua Eco-nomia e sociedadedeixando evidente sua inten-o: Quando se fala de Direito, ordem jurdi-ca e norma jurdica, deve-se observar muitorigorosamente a diferena entre os pontos de vis-ta jurdico e sociolgico. Quanto ao primeiro, cabeperguntar o que idealmente se entende por direito.Isto , que significado, ou seja, que sentidonormativo, deveria corresponder, de modologicamente correto, a um complexo verbal quese apresenta como norma jurdica. Quanto ao l-timo, ao contrrio, cabe perguntar o que de fatoocorre, dado que existe aprobabilidadede as pes-soas participantes nas aes da comunidade es-pecialmente aquelas em cujas mos est uma por-o socialmente relevante de influncia efetivasobre essas aes , consideraremsubjetivamen-tedeterminadas ordens como vlidas e assim astratarem, orientando, portanto, por elas suas con-dutas (WEBER, 1999, v. I, p. 209; grifos no ori-ginal).

    Depreende-se desta passagem que Weber re-duz a tenso entre Dogmtica Jurdica e Sociolo-gia do Direito a um cariz estritamente

    metodolgico. Ele considera que quando tratamosda primeira cincia servimo-nos do mtodo lgi-co-normativo, ao passo que na segunda utiliza-seo mtodo emprico-causal, este tpico da Socio-logia. O mtodo lgico-normativo possui a finali-dade de verificar no interior de um cosmos deregras abstratas suas regras de validade, reali-zando uma verificao de compatibilidade lgicadas normas em um ordenamento. Esta operao,portanto, situa-se no plano ideal, ou seja, no pen-samento racional, no plano das idias. J o mto-do emprico-causal investiga o comportamento dos

    indivduosfrente a um sistema de regras, avalian-

    do a potencialidade de suas condutas subsumiremaquelas disposies, ou ainda, orientarem-se se-gundo o contedo da norma, ainda que no cum-prindo o disposto nela.

    A Dogmtico-jurdica para Weber possui umapeculiaridade especial: ela situa-se na esfera dodever-ser (Sollen), porquanto lida com a formade melhor regular (prescrever) condutas eorganiz-las sistemtica e logicamente, de modoa criar um sistema isento de contradies e exigvelperante seus destinatrios. Como ele prprio nos

    ensina a Dogmtico-jurdica: [...] prope-se atarefa de investigar o sentido correto de normascujo contedo apresenta-se como uma ordem quepretende ser determinante para o comportamentode um crculo de pessoas de alguma forma defi-nido, isto , de investigar as situaes efetivassujeitas a essa ordem e o modo como isso ocor-re (ibidem).

    Assim entendido, a Dogmtica Jurdica inves-tiga as hipteses em que uma norma ser consi-derada proibida, permitida, concessiva, explicativa,integrativa, dentre outros tipos, de sorte a impor-se como uma ordemqueles a ela sujeitos. Paraesse fim,continua Weber, assim procede: par-tindo da vigncia emprica indubitvel daquelasnormas, procura classific-las de modo a encaix-

    las em um sistema sem contradio lgica inter-na. Este sistema a ordem jurdica no sentidojurdico da palavra (ibidem).

    Por outro lado, entende-se por Sociologia Ju-rdica na obra weberiana o estudo do comporta-mento dos indivduos frente s normas vigentes e determinao do grau em que se verifica a ori-entao dos homens por esse conjunto de leis (or-dem legtima). A tarefa sociolgica na seara doDireito atm-se a investigar, no plano da realida-de, do acontecer ftico, o que sucede no com-portamento das pessoas que se submetem a um

    ordenamento e de que maneira verifica-se sua ori-entao segundo esta ordem legtima. Como beminterpreta e assinala Julien Freund (2000, p. 178),a Sociologia Jurdica [...] tem por objeto com-preender o comportamento significativo dos mem-bros de um grupamento quanto s leis em vigor edeterminar o sentido da crena em sua validadeou na ordem que elas estabeleceram. Procura,pois, apreender at que ponto as regras de direitoso observadas, e como os indivduos orientamde acordo com elas a sua conduta.

    Vislumbra-se que a preocupao de Weber emsituar esses limites especficos, destina-se a nopermitir a confuso entre aqueles assuntos refe-rentes aos aspectos normativos e aqueles situa-dos no acontecer social (empricos). Tal tarefadecorre da diferenciao quanto s regras do ser(Sein) e do dever-ser (Sollen), de tradiokantiana, na qual o comportamento humano ori-entado conforme a norma atuar este que se si-tua no plano do ser, da realidade ftica deincumbncia de estudo da Sociologia Jurdica; aopasso que as regras jurdicas, a forma de sua cri-

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    ao, seu contedo a ser prescrito, sua organiza-o em um sistema lgico interno, isento de con-tradies, seriam da alada da Dogmtica Jurdi-ca, visto que se situam na esfera do dever-ser.Fica evidente tal considerao quando nos repor-tamos ao prprio Weber, quando assevera compropriedade: [...] a ordem jurdica ideal da teoriado direito [leia-se aqui Dogmtica Jurdica] notem diretamente nada a ver com o cosmos dasaes [...] efetivas [objeto da Sociologia Jurdi-ca], uma vez que ambos se encontram em planosdiferentes: a primeira, no plano ideal de vignciapretendida; o segundo, no dos acontecimentosreais (WEBER, 1999, v. I, p. 209)6.

    Um ponto bem peculiar necessrio no sedeixar obnubilar: a Sociologia Jurdica respon-

    svel por investigar o comportamento dos indiv-duos conforme um ordenamento jurdico posto(vigente)7, orientando-se por ele, para o cumprirou o burlar. Um estelionatrio, a fim de livrar-se

    do peso da lei, orienta-se segundo a norma com ofito de escapar-lhe. Ele visa aplicar a mxima dili-gncia em no ser descoberto, porque ao orien-tar-se conforme a norma percebe que aquele com-portamento reprovvel e sujeito sano. Aten-te-se, assim, para o fato de que a observncia ouno observncia normativa no requisito essen-cial para determinar o que e o que no tarefada Sociologia Jurdica investigar. Assim, basta aao do indivduo conforme a ordem prescrita paraque encontremos matria de anlise. Como Weberexplica: O fato de pessoas quaisquer se compor-tarem de determinada formaporquea consideramprescrita por normas jurdicas , sem dvida, umcomponente essencial da gnese real emprica, etambm da perdurao, de uma ordem jurdica(WEBER, 1999, v. I, p. 210; grifos no original). Ecomplementa sua idia em um outro trecho: Tam-bm desnecessrio [dizer] [...] que todos os quecompartilham a convico do carter normativode determinadas condutas vivam sempre de acor-do com isso. Isso tambm nunca ocorre [...]. ODireito para ns [segundo a tica da Sociolo-gia Jurdica] uma ordem com certas garantiasespecficas da probabilidade de sua vignciaemprica (ibidem; sem grifos no original).

    III. A POSTURA KELSENIANA

    Mas nem com tamanha clareza e discernimento

    Weber deixou de ser criticado. Hans Kelsen foium de seus principais contendedores, sem queem virtude disso tenha deixado de reconhecer aclarividncia do pensamento weberiano sobre adefinio da Sociologia Jurdica. O movimentopositivista na poca em que Weber produz suasobras j bastante acentuado e por diversas par-tes da Europa vo surgindo diferentes teorias que,de maneira comum, convergem para um pontocentral, consistente na idia de reduzir o Direito aum universo de normas jurdicas criadas e im-postas pelo Estado. O Pandectismo na Alemanha,

    representado por Bernhard Windscheid como seuexpoente mximo; a Escola da Exegese francesa,que influenciou diretamente na confeco do C-digo Napolenico; passando pela Escola Analticana Inglaterra, cuja premissa era fundada na ne-cessidade da codificao dos textos legais, prega-da principalmente por John Austin; at HansKelsen, j no incio do sculo XX, tem-se pratica-mente um sculo de surgimento e consolidaodo pensamento positivista/pr-positivista, repre-

    6 Segundo tambm nos demonstra Mara Jos FarinsDulce, Weber j havia apontado para tais tendncias quan-do da elaborao de um de seus ensaios metodolgicosintitulado Ueber einige Kategorien der verstehendenSoziologie ou Sobre algumas categorias da SociologiaCompreensiva (1913), no qual afirma: [...] la sociologia[...] no tiene que ver con la dilucidacin del contenido desentido objetivo, logicamente correcto, de preceptos ju-rdicos, sino con un actuar, respecto de cuyosdeterminantes y de cuyas resultantes revisten tambinimportancia, entre otras, las representaciones, que loshombres tengan acerca del sentido y del valor de deter-minados preceptos jurdicos(Weber apudDULCE, 1989,

    p. 66).

    7 Ressalte-se que este posto possui sentido mais am-plo: posto, no sentido de vigente, de observvel. No serestringe somente quele produzido pelo Estado. Insta con-signar que para Weber o Estado umadas fontes de produ-o jurdica, a que na modernidade consolidou-se como amais eficaz justamente por possuir como forma de repre-enso sua desobedincia, a violncia, legtimo monoplio

    estatal. As coletividades, tais como cls, tribos e outrosgrupos sociais tambm podem estabelecer regras que seropostas aos seus pares e, na medida em que houver determi-nadas pessoas especialmente incumbidas de aplicar essasnormas (aparato coativo), existir Direito e, portanto, exis-tir Direito posto. Destarte, afasta-se a honrosa e brilhantedistino do famoso jurista Eros Roberto Grau entre Di-reito posto (aquele produzido pelo Estado) e Direito

    pressuposto (aquele produto cultural, no protegido peloEstado, mas que emana do seio da coletividade), registradaaqui para fins de esclarecimento. Para maiores informa-es, verGrau (2000, cap. II).

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    sentando uma forte tendncia crescente nas uni-versidades e nos tribunais da poca8.

    Kelsen j havia tecido severas crticas aKantorowicz e Erlich, contestando o

    posicionamento desses autores quanto a afirma-rem ser a Sociologia do Direito a nica cinciacapaz de definir o fenmeno jurdico, o que redu-zia a Cincia do Direito a uma disciplina sociol-gica9. Assim, Kelsen entendia que a SociologiaJurdica no era uma cincia autnoma, visto que,necessariamente, para definir seu objeto, teria derecorrer a conceitos elaborados pela Cincia doDireito, fato este que encerrava uma substancialdependncia conceitual daquele campo de conhe-cimento para com esta cincia. E tal razo, dentrodo esquema analtico kelseniano, possui uma fe-

    cunda coerncia. Ao tratar o fenmeno jurdicocomo um sistema de normas vlidas, ou seja, leisque estariam em conformidade com aquelas quelhes seriam diretamente superiores, hierarquica-mente organizadas, at chegar ao preceito funda-mental Grundnorm:fundamento de validade detodo o sistema jurdico o pensador vienense re-duz o mbito do estudo da Cincia Jurdica nor-ma (ou ao conjunto delas), excluindo da CinciaJurdica os fenmenos sociais, polticos e psico-lgicos, os quais seriam objetos da Sociologia,Cincia Poltica e Psicologia, respectivamente.Era

    assim que conferia pureza Teoria do Direi-to10. De tal sorte, que as definies de norma,ordenamento jurdico, ordem jurdica eram deincumbncia da Dogmtica Jurdica , visto queestes eram seus objetos prprios. A Sociologia

    Jurdica, portanto, para Kelsen, no poderia ja-mais ser considerada como uma cincia autno-ma por lhe faltar conceitos prprios. Para funda-mentar suas teorias teria de recorrer Cincia doDireito (Dogmtica Jurdica) e dali extrair a defi-nio de norma, ordenamento e ordem jur-dica. Notria, para Kelsen, seria a dependnciada Sociologia Jurdica em relao Cincia doDireito, em que pese a interface conceitual entreambas. Em sua Teoria geral do Direito e do Esta-do, o autor vienense, tece alguns apontamentoss posturas weberianas, apesar de sobrelevar aastcia de Weber em definir o mbito de atuaoda Sociologia Jurdica: O valor de uma descriode Direito positivo em termos sociolgicos ain-da mais diminudo pelo fato de que a sociologias pode definir o fenmeno do Direito, do Direitopositivo de uma comunidade particular, recorren-do ao conceito de Direito tal como definido pelajurisprudncia normativa. O objeto da jurisprudn-cia sociolgica no so normas vlidas as quaisconstituem o objeto da jurisprudncia normativa mas a conduta humana. Que conduta humana?Apenas a conduta humana tal que, de um modoou de outro, est relacionada ao Direito. [...]At agora, a tentativa mais bem-sucedida de defi-nir o objeto de uma sociologia do Direito foi feitapor Max Weber. Ele escreve: Quando nos ocu-pamos com Direito, ordem jurdica, regra de

    Direito, devemos observar estritamente a distin-o entre um ponto de vista jurdico e um socio-lgico. A jurisprudncia pede as normas jurdicasidealmente vlidas. Ou seja: qual significadonormativo dever ser vinculado a uma sentenaque aparenta representar uma norma jurdica. Asociologia investiga o que efetivamente est acon-tecendo na sociedade porque existe certa possibi-lidade de que os seus membros acreditem na vali-dade de uma ordem e adaptem (orientieren) a suaconduta a essa ordem. Da, segundo essa defi-nio, o objeto de uma sociologia do Direito a

    conduta humana que o indivduo adaptou(orientiert) a uma ordem porque considera essaordem como vlida; e isso significa que o indi-vduo cuja conduta constitui o objeto da sociolo-gia do Direito considera a ordem da mesma ma-neira que a jurisprudncia considera o Direito. Paraser objeto de uma sociologia do Direito, a condu-ta humana deve ser determinada pela idia de umaordem vlida (KELSEN, 1998, p. 248; 253).

    Note-se a proximidade da idia divisria entreKelsen e Weber no que toca Dogmtica Jurdica

    8 Para maiores informaes ver Bittar e Almeida (2001,p. 316ss.).

    9 Norberto Bobbio traz-nos a severa crtica realizada porKelsen aos autores citados, em especial a Erlich, j anteci-

    pando o comentrio que posteriormente faria a Weber: On

    ne peut parler de sociologie du droit comme science dudroit parce quil nexiste quune seule science du droit, lascience normative du droit. La sociologie du droit nest pasune science autonome parce quelle est simplement une

    partie dune dfinition du droit qui drive du conceptnormatif du droit (BOBBIO, 1998, p. 257). [No se

    pode falar da Sociologia do Direito como Cincia do Direi-to porque no existe seno uma nica Cincia do Direito, aCincia normativa do Direito. A Sociologia do Direito no uma cincia autnoma porque ela simplesmente uma par-te de uma definio do Direito que deriva do conceitonormativo do Direito traduo livre do editor.]

    10 No podemos olvidar aqui a obra de Kelsen (2000).

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    e Sociologia do Direito. Enquanto uma preocu-pa-se com o exame das normas e suas relaeslgico-sistemticas, a outra atm-se ao campo deperquirio do comportamento do indivduo pe-rante essas normas. Esse o ponto mais coinci-dente entre os autores, no que concerne s suasconceituaes. Ao passo que a Sociologia Jurdi-ca ocupa-se das tarefas do ser (Sein), aDogmtica Jurdica est ligada ao teor prescritivo,do dever-ser (Sollen). Sem embargo, o principalenfoque diferenciador entre os estudiosos residena questo da total autonomia da Sociologia doDireito. Enquanto Weber ir afirmar que a Socio-logia Jurdica tem mtodo e objeto prprios: omtodo emprico-causal e como objeto o com-portamento humano perante a norma; Kelsen, ape-sar de concordar com o mbito desta ltima cate-goria (esfera do ser), insiste em afirmar que,para esse comportamento ser estudado, h a ne-cessidade de a Sociologia Jurdica recorrer aoconceito de norma (entenda-se norma,ordenamento jurdico, ordem jurdica) elabo-rado pela Cincia do Direito, o que afetaria termi-nantemente sua autonomia como cincia, visto queteria de valer-se de conceitos que esto fora dasua esfera de alcance.

    importante lembrar que, malgrado outrasdivergncias de menor relevncia, um outro pon-

    to fundamental de disparidade entre Kelsen eWeber funda-se no conceito de validade. O pri-meiro entende a validade como a existncia es-pecfica de normas (KELSEN, 1998, p. 43; 2000,p. 235), quando elas nascem de uma autoridadecompetente e perpetuam-se dentro doordenamento jurdico, observado o critrio de es-tarem em conformidade com a que lhes hierar-quicamente superior, e dotadas, portanto, deobrigatoriedade (critrio meramente formal).Weber j entende validade, quando a orientaodas aes sociais d-se em funo da norma jur-dica (ou de normas jurdicas) (WEBER, 1999, v.I, p. 210), portanto, quando os homens compor-tam-se pautando suas condutas perante a norma.A cont ra rio sensu, se os indivduosdesconsiderassem a regra legal e no pautassemsuas aes orientados por ela, indubitavelmenteela teria perdido sua validade. Cabe ressaltar, porfim, que esse comportamento segundo a normano induz necessariamente a ser em conformida-de com a norma (sinnimo de observncia), con-forme detalhado anteriormente.

    Norberto Bobbio aponta com extrema agude-za esse ponto de interseco entre Weber e Kelsen:[...] malgrado a diversidade do objeto de anlisesociolgica de Weber e jurdica de Kelsen, bemcomo malgrado a diferena de terminologia, Webere Kelsen concordam sobre um ponto de vista ex-tremamente importante, qual seja, a da distinodos pontos de vistas do socilogo e do jurista edas duas esferas do ser e do dever-ser, dos quaistratam as duas cincias [...] Kelsen considera quea distino necessria e que o critrio de distin-o proposto por Weber correto [...] (BOBBIO,1998, p. 263)11.

    Embora convergisse teoricamente com Weberno que toca necessidade de separao e do esta-belecimento desses critrios de diferenciao en-

    tre Sociologia do Direito e Dogmtica Jurdica,Hans Kelsen, em contrapartida, no poupou rspi-das crticas s propostas conceituais indicadas porWeber em sua Sociologia Jurdica. Segundo afir-ma, no se pode asseverar que so to somenteobjeto deste ramo de estudo aquelas aes dadasfrente a uma norma jurdica, orientadas por ela.Se assim fosse, as condutas delituosas cometidaspor uma pessoa que no se desse conta de queaquele comportamento era tpico, enquadradocomo fato criminoso, no estariam submetidas avaliao da Sociologia Jurdica, tendo por fun-

    damentao o fato de que o indivduo no se com-portou tendo como baliza a norma penal. Tal pon-to da argumentao merece maior fundamenta-o: A definio de Max Weber do objeto da ju-risprudncia sociolgica: a conduta humana adap-tada (orientiert) pelo indivduo atuante a uma or-dem que ele considera vlida, no inteiramentesatisfatria. De acordo com sua definio, umdelito que foi cometido sem que o delinqente ti-vesse qualquer conscincia da ordem jurdica noseria considerado um fenmeno relevante. Nesteaspecto, a sua definio do objeto da sociologia obviamente muito restrita. Uma sociologia do Di-

    11Traduo livre do autor, a partir do original em francs:[...] malgr la diversit de lobjet des analyses sociologiquede Weber et juridique de Kelsen, et mme malgr la diffrencede terminologie, Weber et Kelsen saccordent sur un pointtrs important, celui de la distinction des points de vue dusociologue et du juriste, e des deux sphres de ltre et dudevoir-tre, dont traitent les deux sciences. [...] Kelsenconsidre que la distinction est ncessaire, et que le critrede distinction propos par Weber est correct [...].

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    reito que investiga as causas da criminalidade tam-bm levar em considerao delitos que foramcometidos sem que o delinqente adaptasse(orientieren) a sua conduta ordem jurdica. Todoato que, de um ponto de vista jurdico, um de-lito tambm um fenmeno que pertence aodomnio da sociologia do Direito, na medida emque existe uma possibilidade de que os rgos dasociedade reagiro contra ele, executando a san-o estabelecida pela ordem jurdica. Ele umobjeto da sociologia do Direito mesmo se o delin-qente cometeu o delito sem pensar no Direito. Aconduta humana pertence ao domnio da sociolo-gia do Direito no por ser orientada ordemjurdica, mas por ser determinada por uma normajurdica como condio ou conseqncia. Apenaspor ser determinada pela ordem jurdica que pres-supomos como vlida que a conduta humanaconstitui um fenmeno jurdico.

    A conduta humana assim qualificada objetoda jurisprudncia normativa; mas tambm obje-to da sociologia do Direito na medida em que efe-tivamente ocorreu ou provavelmente ocorrer.Esta parece ser a nica maneira satisfatria de tra-ar um limite entre a sociologia do Direito e a so-ciologia geral. Esta definio, assim como a for-mulao de Max Weber, demonstram claramenteque a jurisprudncia sociolgica pressupe o con-

    ceito jurdico de Direito, o conceito de Direitodefinido pela jurisprudncia normativa (KELSEN,1998, p. 257-258).

    No entendimento de Kelsen, como vemos notexto, a nica cincia capaz de definir o que viriaa ser direito seria a Cincia do Direito, sendo aSociologia Jurdica diretamente dependente destapara a sua formulao. Deste modo, o autorvienense negava a dualidade de ramos do conhe-cimento que determinassem objetos relacionadosao estudo do Direito, a saber, a Sociologia Jurdi-ca e a Dogmtica Jurdica, visto que a nica cin-

    cia que poderia fornecer um conceito de Direitoseria a Cincia Jurdica, por meio da Dogmtica.

    Em que pese a argumentao do autor vienense,podemos traar inmeras concluses com base anos afastarmos mais dessa posio e nos aproxi-marmos do esquema analtico weberiano.

    IV. CONCLUSO

    O mrito maior de Weber, ao que parece, foi ode distinguir o mbito de atuao de cada um des-ses ramos do conhecimento, a saber, a Dogmtica

    Jurdica e a Sociologia do Direito. Tambm seprestou, na mesma medida, a elucidar quais asmetodologias a lgico-normativa e a emprico-causal de que ambas as cincias valiam-se paraentender seus objetos especficos. Assim, vislum-bra-se que Weber indubitavelmente no negou ocarter cientfico a nenhuma das duas cincias.Em realidade, cada uma analisa o Direito sob pris-mas diferentes e de forma alguma excludentes.Pelo contrrio, enquanto a Dogmtica Jurdicaestabelece a melhor forma possvel de se elaborare organizar normas, dentro de um sistema coe-rente e isento de contradies e, acima de tudo,exigvel, a Sociologia do Direito atua do outro lado,verificando se aquelas normas efetivamente estosendo seguidas e em que grau pelos seus destina-trios. E nisto esta servir de auxlio quela naelaborao de normas cada vez mais eficientes eque cumpram o fim almejado pelo legislador12.

    Quando Kelsen afirma que a Sociologia doDireito serve-se de conceitos elaborados pela Ci-ncia Jurdica, negando seu carter cientfico,acaba por limitar demasiadamente o universo dofenmeno jurdico a uma viso muito restrita darealidade. O que ocorre, em verdade, que a So-ciologia Jurdica utiliza as interpretaesDogmtico-jurdicas como um meio heurstico deanlise dos fatores empiricamente constatveis.

    Trata-se de um recurso instrumental de estudodas interconexes causais dos comportamentosdos indivduos perante o sistema normativo. evidente, entretanto, que sem um ordenamentojurdico ideal prvio, o desenvolvimento das aesconcretas seria impraticvel. No obstante, aindaque a Sociologia Jurdica empregue alguns enten-dimentos formulados pela Dogmtica Jurdica, emnada isto interfere quanto a lhe conferir autono-mia e capacidade de formular seus prprios con-ceitos e interpretaes. No intuito de elaborar umsistema jurdico fechado, isento de interfern-

    12 Max Rheinstein estabelece, a ttulo exemplificativo, asgrandes preocupaes de Kelsen e Weber no trato do fen-meno jurdico. Enquanto o primeiro inquieta-se em estabe-lecer o carter distintivo dos conceitos que so regras deconduta e de outros conceitos, o modo em que aquelesconceitos so referidos ao conceito de Estado, e em queordem entre si relacionam-se os conceitos derivados da lei;o segundo atm-se a perquirir por que os povos tm oconceito de lei, como e por que mudam as leis, como seconstitui seu contedo, e de que modo influem nos com-

    portamentos sociais (DULCE, 1989,p. 135).

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    MAX WEBER E HANS KELSEN: A SOCIOLOGIA E A DOGMTICA JURDICAS

    cias externas ao Direito, Kelsen, mediante oindiscriminado emprego de posicionamentosreducionistas, comete impropriedadesconducentes a confinar o fenmeno do Direitoem um prisma unvoco e limitado.

    A idia bsica da Sociologia Jurdica, seu ob-jeto por excelncia, reside na anlise das aesdos homens, verificando se, com efeito, a condu-ta deles submete-se norma ou no, se afasta-sedela ou aproxima-se. Entretanto, h que se ressal-tar que no se parte de uma relao da norma paracom os indivduos, mas ao contrrio. Weber, in-clusive, levanta a hiptese exagerada, mas no fic-tcia, de que uma sociedade poder reorganizar-se segundo preceitos socialistas sem que, no en-tanto, com isso se altere um artigo de lei. O que

    importa para a Sociologia Jurdica basicamente a verificao do comportamento dos indivduossegundo determina o sistema jurdico, estabele-cendo grau, teor, alcance e meios pelos quais oshomens seguem ou simplesmente ignoram os pre-ceitos ideais normativos. Estabelecer tais distin-es fundamental para a Sociologia Jurdica. Hde se citar, a ttulo de exemplo, que comum apopulao muitas vezes orientar suas aes se-gundo um hbito ou costume ato este original-mente criado por ou em conformidade com pres-cries legais (a proibio do casamento de filhos

    com pais, o dever de fidelidade conjugal na cons-tncia do matrimnio, a aposio de uma assina-tura em um cheque etc.) sem que, de forma algu-ma, possua conhecimento da vigncia ou mesmoda existncia da norma que gerou este hbito ouque com ele se compatibilize. No se pode a afir-mar que hiptese de observncia lei, a no serno sentido postulado por Kelsen (subsuno for-mal). Torna-se evidente que a pessoa no se ori-entou segundo a norma, mas segundo um costu-me ou uso vigente. E para a Sociologia Jurdicaessa diferena gritante.

    Segundo Kantorowicz, a Dogmtica sem aSociologia est vazia. A Sociologia sem aDogmtica est cega (Kantorowicz apudDUL-

    CE, 1989, p. 73; traduo do autor). So duasformas distintas de encarar-se o fenmeno doDireito que se complementam entre si. E quanto aesse aspecto, Weber foi um pioneiro e ao mesmotempo um democrata de academia (que nos per-doem o uso imprprio do mote). Em seu ntimo,cria ser possvel existirem tantas cincias quantospontos de vista especficos para o exame de umproblema. Em funo disso, no h por que pen-sar que j esgotamos todas as possibilidades. Porsua posio alheada diversidade cientfica, refu-tava impetuosamente as teses de tericos, especi-alistas ou filsofos que intentassem reduzir a rea-lidade ou um fenmeno a uma perspectiva ape-nas. Tal era o teor das crticas com que sempreatacava Augusto Comte e sua tese dahierarquizao das cincias sob a gide doPositivismo, para no falarmos de tantos outrosautores.

    Em razo de as cincias serem autnomas,pelos seus prprios fundamentos intrnsecos, ne-nhuma jamais poderia servir de base ou modelo outra. impensvel conceber a prevalncia daSociologia Jurdica em relao Cincia do Direi-to como pensavam Kantorowicz e Erlich e, demaneira contrria, a primazia da segunda para coma primeira, como entendia Hans Kelsen. ADogmtica Jurdica uma cincia normativa por

    excelncia (dever-ser), que em nada se confun-de com a Sociologia do Direito, cinciainterpretativa e descritiva do comportamento so-cial (ser), relacionado a um ordenamento jur-dico vigente. A pedra de toque elucidada por Weberfoi justamente a coerncia e o discernimento ana-ltico em separar cada uma dessas cincias ereleg-las aos seus respectivos campos de valida-de, preservando suas autonomias e suas lgicasinternas. Cada uma dessas cincias enfoca e in-terpreta o Direito sob pontos de vista diferentes,ambas dotadas de harmonia e coerncia analti-cas.

    apenas assim que podemos situar em Weberas nossas diretivas mais veementes.

    Daniel Barile da Silveira([email protected]) mestrando em Direito do Estado pelaUniversidade de Braslia (UnB), membro do Conselho Nacional de Ps-Graduao em Direito (Conpedi)e pesquisador credenciado pela Coordenao para Aperfeioamento de Pessoal em Nvel Superior (Ca-pes).

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