Silvia Cavalcante - Dissertacao Mestrado

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produção dos espaço em aguas

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  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

    Dissertao de Mestrado

    PRODUO DO ESPAO EM GUAS CLARAS/BRASLIA: uma leitura a partir da relao

    contraditria entre capital e trabalho na construo civil

    SLVIA SILVA CAVALCANTE LEITE

    Braslia-DF 2009

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    Dissertao de Mestrado

    PRODUO DO ESPAO EM GUAS CLARAS/BRASLIA: uma leitura a partir da relao

    contraditria entre capital e trabalho na construo civil

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia da Universidade de Braslia, como parte dos requisitos para obteno do grau de mestre em Geografia.

    rea de Concentrao: Gesto Ambiental e Territorial. Linha de Pesquisa: Urbanizao, Ambiente e Territrio.

    Orientadora: Profa. Dra. Lcia Cony Faria Cidade

    SLVIA SILVA CAVALCANTE LEITE

    Braslia-DF 2009

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    UNIVERSIDADE DE BRASLIA INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

    PRODUO DO ESPAO EM GUAS CLARAS/BRASLIA: uma leitura a partir da relao contraditria entre capital e trabalho na

    construo civil

    SLVIA SILVA CAVALCANTE LEITE

    Banca examinadora

    Profa. Dra. Lcia Cony Faria Cidade Orientadora Universidade de Braslia UnB / Departamento de Geografia GEA

    Prof. Dr. Benny Schvasberg - Examinador externo Universidade de Braslia UnB / Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

    - FAU

    Profa. Dra. Nelba Azevedo Penna Examinador interno Universidade de Braslia UnB / Departamento de Geografia GEA

    __________________________________________________________

    Profa. Ignez Costa Barbosa Ferreira Suplente Universidade de Braslia UnB / Departamento de Geografia - GEA

    Braslia-DF 2009

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    FICHA CATALOGRFICA

    REFERNCIA BIBLIOGRFICA LEITE, Slvia Silva Cavalcante. Produo do espao em guas Claras/Braslia: uma leitura a partir da relao contraditria entre capital e trabalho na construo civil. (Dissertao de Mestrado). Programa de Ps-Graduao em Geografia, Universidade de Braslia, 2009. 129p

    CESSO DE DIREITOS NOME DO AUTOR: Slvia Silva Cavalcante Leite.TTULO DA DISSERTAO: Produo do espao em guas Claras/Braslia: uma leitura a partir da relao contraditria entre capital e trabalho na construo civil. GRAU/ANO: Mestre/2009.

    concedida Universidade de Braslia permisso para reproduzir cpias desta dissertao e emprestar ou vender tais cpias somente para propsitos acadmicos e cientficos. O autor reserva outros direitos de publicao e nenhuma parte desta dissertao de mestrado poder ser reproduzida sem a autorizao por escrito do autor.

    _________________________________

    Slvia Silva Cavalcante Leite

    LEITE, SLVIA SILVA CAVALCANTE. Produo do espao em guas Claras/Braslia: uma leitura a partir da relao contraditria entre capital e trabalho na construo civil, 130 p., 297 mm, (UnB-IH-GEA, Mestrado, Geografia, 2009). Dissertao de Mestrado Universidade de Braslia. Departamento de Geografia.

    1. Produo do espao urbano

    3. Trabalhadores da construo

    5. Braslia

    I. UnB-IH-GEA

    2. Construo civil

    4. guas Claras

    II. Ttulo (srie)

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    Era ele que erguia casas Onde antes s havia cho.

    Como um pssaro sem asas Ele subia com as casas

    Que lhe brotavam da mo. Mas tudo desconhecia

    De sua grande misso: No sabia, por exemplo

    Que a casa de um homem um templo Um templo sem religio Como tampouco sabia

    Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravido.

    (...) Mas ele desconhecia

    Esse fato extraordinrio: Que o operrio faz a coisa

    E a coisa faz o operrio. De forma que, certo dia mesa, ao cortar o po

    O operrio foi tomado De uma sbita emoo

    Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa Garrafa, prato, faco

    Era ele quem os fazia Ele, um humilde operrio,

    Um operrio em construo. (...)

    (Trechos de Operrio em Construo, Vincius de Moraes).

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    Agradecimentos

    Agradeo a Deus, o meu Norte... minha famlia - em especial minha me e ao meu pai - que sempre esteve ao meu lado dando-me foras para continuar e entendendo as ausncias em

    tantos momentos. Ao Edney, meu noivo, por todo apoio e compreenso s ausncias e angstias

    que pareciam interminveis. Aos meus amigos que me proporcionaram momentos de pausa para conversa

    e distrao e, mesmo na minha ausncia se mantiveram prximos. Como possvel perceber, as ausncias foram recorrentes entre aqueles que

    fazem parte da vida minha vida pessoal, no sendo possvel expressar em palavras, na medida necessria, a minha gratido.

    Agradeo ainda aqueles que direta ou indiretamente me ajudaram na realizao desta dissertao. Sem eles, ela no teria se concretizado:

    professora Lcia Cony, minha orientadora, que assumiu esse papel aps um ano de mestrado, tendo contribudo sobremaneira para que a pesquisa se

    tornasse palpvel. Sua disponibilidade e rigor metodolgico foram importantes para que eu pudesse compreender e expressar minhas indagaes de

    pesquisa e dar encaminhamento ao trabalho. professora Nelba Penna e professora Ignez Barbosa, que atravs da

    disciplina Tpicos Especiais em Geografia, muito contriburam para a compreenso do saber e do fazer geografia.

    Ao professor Marcelo Mendona da UFG/Catalo, que atravs da disciplina Trabalho, Movimentos Sociais e Gesto do Territrio nas reas de Cerrado, me

    ajudou a reorientar minha anlise acerca da questo do trabalho no mbito da Geografia. Alm de ter mostrado os caminhos possveis de produzir

    conhecimento que transponha os muros da academia. A riqueza de conhecimento acadmico e de vida proporcionados por esses

    professores, infelizmente no esto expressos nesta dissertao na medida em que fui tendo acesso aos mesmos, tendo em vista algumas limitaes prprias

    e outras que se colocaram diante da realizao da pesquisa. No entanto, essas contribuies continuaro comigo, nesse processo contnuo de (re)construo

    do saber para a vida pessoal, acadmica e profissional. Agradeo ainda aos companheiros de curso pelo auxlio em momentos

    diversos de realizao do mestrado: Slvio Romeu, Sueli, Karla, Dulciene, Roberto, Daniel, Marcelo, Simone e tantos outros, que compartilharam comigo

    as aflies e que me ajudaram de alguma forma durante esta fase da minha vida.

    Devo um agradecimento especial aos alunos da graduao, Leonardo Rocha, Janana Mouro e Lucas Grislia, que poca do meu trabalho de campo

    estavam fazendo a disciplina Geografia Urbana, na qual realizei Estgio

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    Docente. Eles muito ajudaram na observao e aplicao dos questionrios juntos aos operrios da construo civil em guas Claras. Ao Leonardo mais

    uma vez agradeo por ter me ajudado em vrios outros momentos de realizao das atividades de campo.

    Ao CNPq pelo apoio financeiro realizao da pesquisa, elemento que foi essencial para o seu desenvolvimento.

    professora Marlia Peluso, que nos ltimos meses, como minha chefe, me liberou do trabalho vrias vezes para que eu pudesse concluir a dissertao.

    Ao Slvio Heleno, meu colega de trabalho, que compreendeu e me apoiou fazendo o seu e o meu trabalho, em vrios momentos, diante dessa fase de

    concluso da dissertao. Aos operrios da construo civil, que se dispuseram a conversar e a

    responder aos questionrios, sendo eles no menos importantes para a concretizao da minha dissertao e para a minha formao acadmica e

    pessoal.

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    Resumo

    O espao geogrfico prenhe de contradies, pois expressa e reproduz as contradies presentes na sociedade. No espao urbano, os termos de materializao das contradies se constituem no desenrolar das estratgias e prticas dominantes de reproduo do capital e de manuteno do capitalismo. No processo de (re)produo do espao urbano, orientado pela lgica do capital, temos ento o acirramento da contradio entre valor de uso e valor de troca, entre capital e trabalho, entre riqueza e pobreza. Coerente com essa lgica, o processo de (re)produo do espao urbano inclui a construo das bases materiais necessrias reproduo da vida e ao modelo de sociedade historicamente constitudo. Nesse processo, o trabalho se coloca como essencial e - na sociedade contempornea - tem na construo civil, em ltima instncia, um dos termos de comando do processo de trabalho e de realizao das contradies entre capital e trabalho na edificao das formas urbanas. Nessa perspectiva, nos voltamos anlise da produo do espao urbano, com enfoque sobre o papel desempenhado pela construo civil e, mais especificamente, forma como a classe operria se integra nesse processo, alm das repercusses socioespaciais da emanadas. De forma controversa, os operrios da construo civil so negados enquanto sujeitos no processo de produo do espao, sendo submetidos a forte explorao, ao passo que o produto de seu trabalho alimenta a acumulao de capital. A partir da problemtica exposta, o objetivo analisar o processo de produo do espao urbano a partir da relao entre capital e trabalho na construo civil. Considera-se, como recorte emprico, a Regio Administrativa de guas Claras, que se encontra em intenso processo de construo, orientado pela lgica de reproduo do capital imobilirio.

    Palavras-chaves: produo do espao urbano; construo civil; trabalhadores da construo; guas Claras, Braslia.

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    Abstract

    PRODUCTION OF SPACE IN GUAS CLARAS/BRASLIA: a reading from the contradictory relation between capital and work in the civil construction

    The geographical space is full of contradictions because it expresses and reproduces the contradictions present in the society. In the urban space, the terms of materialization of the contradictions constitute themselves in the unroll of the dominant strategies and practices of reproduction of the capital and the maintenance of the capitalism. In the process of (re)production of the urban space, guided by the capital logic, we have then the hardening of the contradiction between use value and exchange value, between capital and labor, between richness and poverty. Coherent with this logic, the process of (re)production of the urban space includes the construction of the material bases necessaries to the reproduction of life and to the model of society historically constituted. In this process, labor puts itself as essential and in the contemporary society it has in the civil construction, in last instance, one of the command terms of the labor process and the fulfillment of the contradictions between capital and labor in the edification of the urban shapes. In this perspective, we turn to the analysis of the production of urban space with focus in the role played by civil construction and, more specifically, beyond the social-spatial repercussions originating from it. In a controversial way, the workers of the civil construction are denied as subjects in the process of production of the space, being submitted to strong exploration, while the product of his/her labor has high capacity of capital accumulation. From the exposed problematic, we direct our analysis considering as empirical cut the Administrative Region of guas Claras that is under an intense construction process, guided by the logic of the reproduction of the property capital.

    Key-words: production of the urban space; civil construction; construction workers; guas Claras; Braslia.

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    Lista de Mapas e Fotos

    Mapa 1: Hierarquia Viria e Setorizao Regio Administrativa de guas Claras.................................................................................................................79

    Mapa 2: Distribuio da Renda Domiciliar Mensal segundo as Regies Administrativas - Distrito Federal 2004.............................................................86

    Fotos 1 e 2 Edifcios em construo na rea central de guas Claras..........82 Fotos 3 e 4 Propaganda e estande de venda de Imveis..................................84

    Foto 5 Propaganda de venda de imveis em prdio residencial com servios.............................................................................................................85

    Foto 6 Operrios trabalhando em canteiro de obras de guas Claras...........91 Foto 7 e 8 Trabalhadores de empresas prestadoras de servio especializado em canteiro de obras de guas Claras............................................................103 Foto 9 e 10 Trabalho de risco na construo civil........................................109

    VIA

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    Lista de Grficos e Tabelas

    Tabela 1- Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal e nos ramos de atividade no trabalho principal no Brasil 1999 (em %).......................................................................................................................49 Tabela 2 - Assalariados que trabalharam mais do que a jornada legal, por setor da economia Regies Metropolitanas e Distrito Federal - 2004-2007 (em %).......................................................................................................................50 Tabela 3 Rendimentos dos Ocupados na Construo Civil segundo Principais Ocupaes Regies Metropolitanas e Distrito Federal - 1998/99..............................................................................................................51

    Tabela 4 - Idade Mdia, Mdia de Anos de Estudo e Taxa de Analfabetismo dos Ocupados na Construo Civil Regies Metropolitanas e Distrito Federal -1998/99..............................................................................................................52

    Tabela 5 - Ocupados na Construo Civil, segundo Condio de Migrao, Regies Metropolitanas e Distrito Federal -1998/99..............................................................................................................53

    Tabela 6 - Desempregados com Experincia anterior e que tiveram a Construo Civil como ltimo Trabalho e por Tempo Mdio de Procura por Novo Trabalho.....................................................................................................54

    Tabela 7 - Estimativa do nmero de pessoas ocupadas e sua distribuio segundo setor de atividade econmica no Distrito Federal e por Grupos de Regies Administrativas 1994...................................................................................................................75

    Grfico 1 Taxa de rotatividade por setor de atividade no Brasil em 2007(%).............................................................................................................55

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    Lista de Quadros

    Quadro 1 Faixa etria......................................................................................92 Quadro 2 Estado Civil.....................................................................................92 Quadro 3 Escolaridade....................................................................................93 Quadro 4 Local de moradia............................................................................95 Quadro 5 Tempo de moradia na cidade onde vive atualmente. ....................96 Quadro 6 Local de Nascimento.......................................................................97 Quadro 7 Motivo de vinda para o DF ou Entorno de Braslia ........................97 Quadro 8 - Motivo para residir na cidade atual .................................................98 Quadro 9 Tipo de moradia.........................................................................................99 Quadro 10 Principais Problemas da Cidade de Residncia.........................100 Quadro 11 Tempo de Trabalho na Construo Civil.....................................101 Quadro 12 Tipo de Atividade da Ocupao Anterior.....................................102 Quadro 13 - Tipo de Vnculo de Trabalho........................................................104 Quadro 14 - Contrato de Trabalho com a Construtora....................................104 Quadro 15 Tempo de trabalho na empresa..................................................104 Quadro 16 Funo exercida no canteiro de obras........................................105 Quadro 17 Horas trabalhadas por dia...........................................................106 Quadro 18 Principais problemas enfrentados no canteiro............................107 Quadro 19 - Disponibilizao de EPIs aos operrios......................................110 Quadro 20 - Realizao de treinamentos e/ou curso de capacitao pela empresa...........................................................................................................110 Quadro 21 Rendimento Mensal.....................................................................111 Quadro 22 Filiao ao Sindicato da Categoria..............................................112 Quadro 23 Participao nas reunies do sindicato por motivo de no participao......................................................................................................112 Quadro 24 Tipo de transporte utilizado para ir e voltar do trabalho..............113 Quadro 25 Tempo mdio gasto no dia no percurso casa/trabalho e vice-versa por local de moradia.........................................................................................114

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    Lista de Siglas e Abreviaturas

    APA - rea de Preservao Ambiental AUB - Aglomerado Urbano de Braslia BNH - Banco Nacional de Habitao CEI - Campanha de Erradicao de Invases CLT - Consolidao das Leis Trabalhistas COHAB - Companhia Estadual de Habitao DF - Distrito Federal DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Servio FII - Fundos de Investimento Imobilirio FMI - Fundo Monetrio Internacional GDF - Governo do Distrito Federal GEB - Guarda Especial de Braslia IAP - Instituto de Aposentadorias e Penses IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica JK - Juscelino Kubistchek Novacap - Companhia Urbanizadora da Nova Capital PDOT - Plano Diretor de Ordenamento do Territrio PEA - Populao Economicamente Ativa PEOT - Plano de Estruturao e Ordenamento Territorial Pergeb - Programa Especial da Regio Geoeconmica de Braslia PIB - Produto Interno Bruto Planidro - Plano Diretor de guas e Esgotos PND - Plano Nacional de Desenvolvimento Polocentro - Programa de Desenvolvimento dos Cerrados RA - Regio Administrativa RD - Renda Diferencial RD-I - Renda Diferencial - I

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    RD-II - Renda Diferencial II SBPE - Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo SFH - Sistema Financeiro de Habitao Sudeco - Superintendncia de Desenvolvimento da Regio Centro-Oeste Terracap - Companhia Imobiliria do Distrito Federal CBD - Central Business District CF - Constituio Federal RM - Regio Metropolitana PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego MDE Memorial Descritivo PDL - Plano Diretor Local EPI - Equipamento de Proteo Individual SM Salrio Mnimo STICMB - Sindicato dos Trabalhadores da Indstria da Construo e do Mobilirio

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    SUMRIO ________________________________________

    Agradecimentos..................................................................................................vi Resumo.............................................................................................................viii Abstract...............................................................................................................ix Lista de Mapas e Fotos........................................................................................x Lista de Grficos e Tabelas.................................................................................xi Lista de Quadros................................................................................................xii Lista de Siglas...................................................................................................xiii

    INTRODUO ..................................................................................................................01 1. A (re)produo do espao urbano.........................................................................07

    1.1. A produo do espao................................................................................................07 1.2. O espao urbano e a (re)produo do capital.................................................... 09 1.3. O papel do trabalho na produo do espao.....................................................15

    2. Industrializao, acumulao de capital e urbanizao no Brasil .........19

    2.1. Condicionantes .................................................................................................21 2.1.1. O processo de urbanizao e industrializao no Brasil .........................21 2.1.2. Da transio do Modelo de Acumulao Fordista ao Modelo de

    Acumulao Flexvel no Brasil .................................................................28

    3. A construo civil e o trabalho operrio na produo do espao urbano no Brasil..........................................................................................................34

    3.1. A Construo e o trabalho no Brasil: Uma breve leitura sobre o processo de mercantilizao e proletarizao na construo urbana.......................34

    3.2. A Construo civil e o trabalho operrio na sociedade urbana contempornea ...............................................................................................43

    4. Braslia: da construo consolidao do espao contraditrio..................................................................................................................59

    4.1. Produo do espao urbano em Braslia na fase de Implementao (1956 a 1969).................................................................................................................60

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    4.2. Produo do espao urbano em Braslia na fase de Consolidao (1970 a 1985)............................................................................................................................657

    4.3. Produo do espao urbano em Braslia na fase de Expanso (1986 a 2009)......................................................................................................................70

    5. A produo do espao urbano em guas Claras..............................................78

    6. Condies de trabalho e de vida dos operrios da construo civil de guas Claras: Anlise emprica.....................................................................89

    6.1. Procedimentos metodolgicos....................................................................89 6.2. Descrio e anlise dos resultados............................................................91

    CONSIDERAES FINAIS................................................................................117

    Referncias Bibliogrficas..........................................................................................123

    Anexos..................................................................................................................131

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    INTRODUO

    O espao geogrfico prenhe de contradies, pois expressa e reproduz as contradies sociais. No espao urbano, os termos de materializao das contradies se constituem no desenrolar das estratgias e prticas dominantes de reproduo do capital (em diferentes escalas espaciais) e de manuteno do capitalismo. Com a reestruturao do sistema capitalista, nas ltimas dcadas, temos com o fortalecimento das estratgias de produo do espao urbano como meio de acumulao, o acirramento da contradio entre valor de uso e valor de troca, entre capital e trabalho, entre riqueza e pobreza.

    Nessa lgica, como parte do movimento de produo da cidade enquanto mercadoria, a construo civil assume papel de destaque e, por meio de suas atividades e produtos, que se incluem na lgica da produo imobiliria, contribui para acentuar as contradies socioespaciais nas cidades. Nesse sentido, nos voltamos anlise da produo do espao, com enfoque sobre o papel desempenhado pela construo civil e, mais especificamente, forma como a classe operria se integra nesse processo e s repercusses socioespaciais da emanadas.

    A dinmica atual de produo imobiliria tem investido fortemente na construo de reas habitacionais verticalizadas, que reproduzem alguns elementos do espao urbano de forma privativa, cujo pblico alvo a classe mdia e alta. Capazes de gerar acumulao extraordinria para diferentes grupos de interesse, esses empreendimentos so realizados, em contrapartida, com alto grau de explorao da classe trabalhadora. Expresso disso o fato da fora de trabalho da construo civil ser um dos extratos sujeitos s piores condies de trabalho e de vida na sociedade urbana.

    Negado enquanto sujeito no processo de produo do espao urbano, o operrio da construo civil tem o seu ofcio e a sua condio de existncia definida, tanto pelos condicionantes histricos de formao da sociedade brasileira, dividida

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    entre privilegiados e explorados, quanto forma como se delineou a lgica capitalista de produo do espao. Sendo que o carter de desigualdade redefinido e redesenhado no tempo e no espao pelos agentes sociais, no jogo de foras e de interesses, que privilegiam alguns grupos em detrimento da maioria.

    Como parte do processo de formao de nossa sociedade, a urbanizao e a industrializao nacional se realizaram sob o impulso das necessidades de expanso do modelo de acumulao fordista. Nessa dinmica houve a associao e a acomodao de interesses entre os agentes capitalistas dos pases desenvolvidos e a elite nacional, o que significou a preservao das desigualdades socioespaciais nacionais. Orquestrada por agentes e processos semelhantes, a modernizao do campo veio acentuar a lgica dual de conformao do espao urbano brasileiro.

    Braslia nasce desse processo, logo reproduzindo as desigualdades socioespaciais da nao, que a princpio o discurso dominante camuflou. Do conflito entre interesses dominantes em escala local e as necessidades da populao pobre, dentre as quais as dos trabalhadores da construo civil, a cidade e o seu entorno foram se constituindo com forte carter segregador, que tende a se reproduzir at os dias atuais.

    Dando continuidade a esse processo, nos ltimos anos, tem-se o movimento de intensificao do papel da cidade e da produo do espao urbano para a acumulao do capital. Assim sendo, ao mesmo tempo em que essa lgica gera riquezas e renova as formas de domnio do espao por alguns, apontam para a intensificao da destituio do direito cidade para parte significativa da populao.

    Nesse movimento contraditrio de realizao do espao urbano em suas formas e estruturas, sabemos que o trabalho humano condio essencial. E a tambm a contradio est posta, tendo em vista o carter de intensa explorao do trabalho do operariado de base empregado na edificao urbana e, dialeticamente, os limites de apropriao desse espao pelos mesmos trabalhadores.

    No Brasil, nas ltimas dcadas, a adoo de estratgias como a articulao com o setor financeiro para captao de capitais (por agentes imobilirios), a adoo

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    de sistemas construtivos de maior produtividade (pela construo civil) e a flexibilizao das relaes de trabalho no setor tm sido desenvolvidas como parte da reformulao do setor imobilirio, num contexto de expanso do sistema financeiro e de reestruturao produtiva. Essa dinmica vem acentuar a capacidade de acumulao por um lado, e a explorao e precarizao da fora de trabalho por outro, fatores necessrio prpria acumulao.

    Em Braslia, algumas construtoras, de forma isolada ou em associao com empresas estrangeiras, tm seguido tendncias semelhantes. Um exemplo em que essas tendncias se mesclam a processos tradicionais est em guas Claras, uma das Regies Administrativas (RAs) da capital nacional, que se encontra em intenso processo de construo. Destinada populao abastada, a produo do espao vem sendo orientada pela lgica de realizao da cidade enquanto mercadoria (CARLOS, 2005).

    A partir dessa perspectiva, essa RA se constituiu como um forte atrativo para investimentos imobilirios, tendo por isso, assumido a posio de um dos maiores canteiros de obras do Brasil. Concomitantemente a isso, o trabalho nesses canteiros intenso e extenuante, vindo tona como facetas de um contedo complexo e contraditrio, que permeia a produo do espao strictu sensu.1 Logo, havendo a necessidade de desvel-lo em sua totalidade.

    Nessa perspectiva, temos como objetivo geral analisar o processo de produo do espao urbano a partir da relao entre capital e trabalho na construo civil. Buscando contribuir nesse sentido, e considerando como recorte espacial de anlise a Regio Administrativa (RA) de guas Claras, intimamente vinculada aos processos socioespaciais de Braslia, surgem ento algumas indagaes que do suporte pesquisa:

    1 Entendemos que a produo do espao resulta dos processos de produo e reproduo da

    sociedade. Esse movimento inclui entre outros fatores, a construo das formas geogrficas, esta entendida como produo do espao strictu sensu. Sendo a mesma, condio essencial para a (re)produo da sociedade.

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    1) Como a relao entre condicionantes estruturais e socioespaciais locais define a produo do espao urbano em Braslia?

    2) Qual o papel de agentes pblicos e privados na produo do espao em guas Claras?

    3) Como as estratgias de reproduo do capital imobilirio vo permear as condies de trabalho e de vida dos empregados da construo civil de guas Claras?

    Para atender ao objetivo geral e responder s questes de pesquisa preciso fazer uso de uma fundamentao terico-metodolgica, que tem o potencial de orientar a anlise e contribuir para a explicao da realidade estudada. Temos que a escolha do mtodo de investigao est relacionada aos preceitos filosficos e posicionamento poltico do autor.

    Logo, a partir da escolha do mtodo de investigao e das concepes tericas empregadas, realiza-se a apreenso da realidade sob determinada perspectiva. Entendemos que o conhecimento produzido nesse percurso relaciona-se a uma realidade complexa e em constante movimento, por isso no podendo ser apreendida de forma absoluta e definitiva.

    importante ressaltar ainda que, como fruto da relao entre sujeito e objeto, o conhecimento no neutro, est possudo de significados e relaes que sujeitos concretos criam em suas aes (CHIZZOTTI, 1995, p.79). Por isso, o conhecimento pode contribuir para desvelar a realidade, mas tambm pode servir para mascar-la e legitim-la.

    Nesse sentido, buscamos contribuir para o desvendamento dessa lgica, uma vez que no basta saber que ela existe, preciso apreender seu contedo e entender como ela funciona, quais so suas contradies. Isto importante para a no legitimao ideolgica da ordem vigente, embora por si s isso no seja o bastante. Com base nessas consideraes, buscamos responder s indagaes de pesquisa sob uma perspectiva dialtica, orientada principalmente pela utilizao da categoria produo do espao.

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    De acordo com Lukcs (apud OLIVEIRA Jr, 2008), a totalidade concreta a categoria fundamental da realidade, pois cria as bases necessrias para estabelecer uma verdadeira crtica da realidade e assim pensar sua transformao. possvel ento, atravs da totalidade concreta, transcender o observado imediatamente:

    onde se incluem as diversas formas como o espao se organiza, o seu (re)arranjo, que no fazem referncia concreta s relaes que o produziram, nele se estruturam e se reproduzem, reproduzindo os processos sociais compreendidos no movimento da totalidade social (OLIVEIRA, Idem, p. 32)

    Reconhecemos as dificuldades de apreenso da totalidade que envolve o processo de produo do espao a partir da articulao controversa entre agentes do capital imobilirio e trabalhadores da construo. Entretanto, acreditamos ser esse o caminho necessrio para um entendimento aprofundado dessa relao e de suas implicaes socioespaciais. A escolha de guas Claras como recorte espacial de anlise deve-se posio de destaque que a mesma vem assumindo na Capital Federal como exemplo da fora do capital na produo imobiliria, concomitante sua capacidade de explorao e de sujeio do operariado da construo aos ditames desse processo.

    Em guas Claras, o recorte espacial de anlise consiste de parte dessa RA que vem se consolidando como espao residencial verticalizado, localizado em seu centro. Essa escolha deve-se ao fato dessa localidade comportar uma intensa atuao de agentes imobilirios na realizao de empreendimentos de alta capacidade de acumulao de capital e, conseqentemente um grande nmero de trabalhadores recrutados para a mediao desse objetivo. Por isso, favorecendo a observao e anlise proposta. O estudo emprico foca na problemtica da inter-relao entre condies de trabalho e de vida dos operrios da construo civil de guas Claras.

    Como uma primeira condio de apoio pesquisa, utilizamo-nos de material bibliogrfico de bases terico-metodolgicas sobre a produo do espao urbano na sociedade capitalista e sobre o tema do trabalho, naquilo que se relaciona

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    produo do espao. Para o desenvolvimento da pesquisa, foram definidos os seguintes procedimentos, associados a cada questo de pesquisa.

    - A resposta primeira questo (que trata da relao entre condicionantes estruturais e socioespaciais locais na produo do espao urbano em Braslia), envolveu pesquisa bibliogrfica e consulta a dados secundrios sobre a urbanizao e industrializao nacional e outros, relacionados questo urbana e do trabalho, no mbito da produo do espao urbano na sociedade brasileira;

    - A segunda questo de pesquisa (que se refere ao papel de agentes pblicos e privados na produo do espao em guas Claras) foi tratada atravs de pesquisa bibliogrfica e documental para caracterizao e anlise da atuao dos agentes sociais da gesto e produo do espao urbano em Braslia;

    - A anlise referente terceira questo de pesquisa (que trata sobre como as estratgias de reproduo do capital imobilirio vo permear as condies de trabalho e de vida dos empregados da construo civil de guas Claras) se constituiu de pesquisa bibliogrfica, consulta a dados secundrios e pesquisa emprica em guas Claras, com foco nos trabalhadores da construo civil. Para isto, foi necessria a realizao de sadas de campo para a realizao de observao direta e aplicao de questionrios junto aos operrios da construo civil da RA.

    - Como um procedimento importante para a apresentao dos dados secundrios e empricos coletados em campo, tivemos a confeco e/ou reformulao de material grfico (mapas, tabelas e quadros) utilizado de acordo com a pertinncia entre os captulos 3 e 6 da dissertao.

    Para subsidiar a compreenso dos processos em anlise, segue o captulo terico.

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    1. A (RE)PRODUO DO ESPAO URBANO

    1.1 A produo do espao

    Considerando que na presente pesquisa importante apreendermos o contedo presente no processo de concretizao de elementos do espao geogrfico, adotaremos como categoria de anlise a produo do espao. Estudar o espao urbano a partir da sua produo permite um entendimento mais profundo sobre os elementos e processos que a se articulam e sobre como isso se realiza para (re)produzir um modelo de sociedade. Nesse sentido, o estudo passa pela apreenso da materializao das relaes sociais no espao. Adotado esse caminho de anlise, torna-se possvel desvelar as contradies que se constituem durante tais processos, e que servem prpria manuteno do sistema.

    Lefebvre (2008, pp. 38-39) aponta para a importncia da construo do conhecimento sobre o espao social no sentido de desvel-lo:

    (...) se h um sistema preciso descobri-lo e mostr-lo, ao invs de partir dele (...). Por que este prembulo? Porque possvel que o espao desempenhe um papel ou uma funo decisiva no estabelecimento de uma totalidade, de uma lgica, de um sistema, precisamente quando no se pode deduzi-lo desse sistema, dessa lgica, dessa totalidade. preciso, ao contrrio, mostrar sua funo nesta perspectiva (prtica e estratgica).

    Entende-se a partir da fala do autor, que a anlise que parte do prprio sistema j est fadada a legitim-lo, ao pressup-lo. Logo, est fadada a dar-lhe fora por velar os processos, as estratgias e prticas que se articulam para sua (re)produo.

    Entendendo que o espao produzido tem funes que se materializam a partir de estratgias e prticas, vem tona que o mesmo estruturado e planejado de

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    acordo com as foras polticas, econmicas e sociais que pressionam a sua formao. Portanto, os interesses dominantes em determinada poca e territrio iro prevalecer na sua produo (FERREIRA, mimeo, s/d).

    Logo, a produo do espao est intrinsecamente relacionada ao modo de produo dominante em determinada poca e lugar. No mbito do capitalismo, o espao urbano constitui-se ento como um dos condicionantes de reproduo desse sistema, por isso, este assume um papel determinante na configurao das cidades.

    Dessa forma, necessrio considerar como o modo de produo dominante orienta a produo do espao. No entanto, tal perspectiva no prescinde da anlise das especificidades da formao urbana estudada, tais como as prticas sociais que se materializam espacialmente na relao com o contexto social e histrico de sua produo.

    Corra (1989, p. 11), aponta que:

    (...) o espao urbano capitalista um produto social, resultado de aes acumuladas atravs do tempo, e engendradas por agentes (concretos) que produzem e consomem espao. (...) os agentes desse processo so: (a) os proprietrios dos meios de produo, sobretudo os grandes industriais; (b) os proprietrios fundirios; (c) os promotores imobilirios; (d) o Estado; e (e) os grupos sociais excludos.

    Estes seriam considerados agentes na produo do espao, tendo em vista que tm um papel definidor, de comando nesse processo, que se explica pelo poder econmico e poltico que possuem exceto para o caso dos grupos excludos. Para estes, as necessidades e os limites de sua satisfao, dados pela lgica do mercado, impem as condies de produo do espao para a reproduo da vida.

    Corra (1989, p. 12) chama ateno para o fato de que:

    a ao desses agentes serve ao propsito dominante da sociedade capitalista, que o da reproduo das relaes de produo,

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    implicando na continuidade do processo de acumulao e a tentativa de minimizar conflitos de classe.

    O espao tem um carter estratgico e crucial enquanto instrumento para viabilizao de tais propsitos, uma vez que o mesmo se constitui como resultado e condicionante de processos socioeconmicos e culturais. No por acaso que o espao condio eficaz e ativa da realizao concreta dos modos de produo e de seus momentos, como apontado por Santos (1986, p. 139).

    1.2 O espao urbano e a (re)produo do capital

    Haveria no mundo uma poro de espaos geogrficos. Seriam os espaos resultados estes so espacializados os lugares, o cho construdo. Para ns, mais importante do que eles a materialidade das relaes que esto nesses resultados e ao mesmo tempo vm e esto em vrios lugares. O que significa dizer que tudo o que se passa num lugar, no morre nele, no se esgota nele (SILVA, 1991, p. 8).

    Entendemos que para apreendermos o espao urbano e suas contradies necessrio descobrir qual a lgica que rege a sua formao. No mbito da paisagem urbana, a anlise do contedo e dos processos imbricados na construo de seus elementos e formas, e no caso em estudo, o contedo que as antecipa e as objetifica pode nos dizer muito a respeito da lgica que rege a (re)produo do modelo de sociedade num dado momento histrico.

    E com esse intuito torna-se necessrio considerar que a estruturao do espao urbano, de modo geral, e de suas formas de modo especfico, no se explicam coerentemente no nvel do imediato. Sua materialidade envolve, como explicitado por Campos (1988, pp. 112-113), o movimento dialtico entre a razo estrutural e o conjuntural, representado pela prtica dos agentes sociais diretamente

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    envolvidos com a formao do espao urbano, num processo de permanente vir-a-ser.

    Tomando isso como pressuposto, torna-se necessrio ao gegrafo desvendar a essncia da paisagem. O que se questiona aqui de que maneira, atravs e a partir da paisagem urbana, pode ser percebido o movimento inerente ao processo de (re)produo espacial e seu contedo, isto , como podemos entender a natureza da cidade. (CARLOS, 2005, pp. 36-37)

    Nessa perspectiva, como parte imprescindvel ao que vem a se constituir enquanto formas geogrficas est o trabalho, que ir assumir determinado carter de acordo com o desenvolvimento das foras produtivas. No caso, como formao espacial capitalista encerra em seu cerne a luta que travam o capital e o trabalho (MOREIRA, 1980, p. 14). A respeito dessa afirmao, o autor discorre mais detalhadamente dizendo:

    Primeiramente, porque atravs dos elementos extrados primeira natureza o que se garante no a converso da dispensa primitiva em meios de sobrevivncia dos homens, mas a produo, sob a forma de matrias-primas brutas, de capital circulante. Em segundo lugar, porque atravs da gerao de condies de reproduo o que se gera no so aquelas condies de continuidade sem as quais os homens no repetem com regularidade a produo dos meios de sobrevivncia, mas capital fixo. Em terceiro lugar, porque atravs do uso desses meios de produo o que se est gerando no so meios de sobrevivncia dos homens, mas mercadorias, veculos de transformao da mais-valia extrada daqueles que a produziram, em lucros. Em quarto lugar, por fim, porque atravs da reinverso da mais-valia expropriada em nova fase do processo de reproduo o que se produzir no ser o desenvolvimento econmico-social, mas a acumulao do capital (MOREIRA, Idem, p. 14).

    Entende-se ento, que o espao produzido, como por exemplo, uma rea residencial, se concretiza trazendo em seu cerne contradies sociais que se explicam pela natureza do trabalho sob as injunes do capitalismo. Como resultado dessa lgica contraditria, o espao socialmente produzido apropriado enquanto mercadoria, acessvel de forma restrita e diferenciada a parcelas da sociedade.

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    Nesse sentido, atravs das garantias propriedade privada e dos limites que esta impe apropriao igualitria do espao socialmente produzido, tem-se ento no meio urbano a materializao das desigualdades socioespaciais. s populaes de baixo poder aquisitivo geralmente esto destinados os espaos precariamente estruturados, que concentram toda a ordem de problemas, enquanto que para as classes abastadas so oferecidos, enquanto mercadoria, espaos residenciais com alto padro de infra-estrutura e equipamentos urbanos, alm de atributos de valor simblico que motivam o seu consumo.

    Coerente com essa dinmica, a consolidao do espao urbano enquanto mercadoria vem se ampliando e se fortalecendo, tendo em vista as novas possibilidades e estratgias oferecidas pela atual fase do capitalismo (global e flexvel).

    Segundo Lefebvre (2008, pp. 47-48):

    A cidade tradicional tinha, entre outras, essa funo de consumo, complementar produo. Mas a situao mudou: o modo de produo capitalista deve defender-se num front muito mais amplo, mais diversificado e mais complexo, a saber: a re-produo das relaes de produo. Essa re-produo das relaes de produo no coincide mais com a reproduo dos meios de produo; ela se efetua atravs da cotidianidade, atravs dos lazeres e da cultura, atravs da escola e da universidade, atravs das extenses e proliferaes da cidade antiga, ou seja, atravs do espao inteiro.

    Concorda-se com a fala do autor, uma vez que esse espao inteiro apropriado pelo capital tem como finalidade ltima a re-produo das relaes de produo. Entende-se que nesse caminho as diferentes dimenses da vida e os espaos que a se concretizam so capturados, e conseqentemente lhes so conferidos um carter de mercadoria, contribuindo assim para a (re)produo do sistema como um todo. As dimenses e elementos que constituem a reproduo da vida para alm do trabalho so capturados e submetidos s relaes de venda e compra.

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    Temos como exemplo dessa lgica, a atuao dos agentes imobilirios na produo de empreendimentos residenciais urbanos para a populao abastada, que em suma no esto preocupados com o bem-estar necessrio a reproduo da vida, com o direito cidade. Ao contrrio, tem como objetivo atender aos interesses dominantes e restritos de ampliao da acumulao de capital por meio das condies reais ou potenciais do espao urbano.

    As possibilidades oferecidas no espao urbano para a acumulao de capital por meio do espao construdo podem ser melhor compreendidas por meio da teoria da renda fundiria. Os fundamentos tericos para o entendimento do processo de valorizao do solo urbano e de sua realizao enquanto mercadoria esto assentados na discusso da renda da terra, empreendida por David Ricardo e posteriormente revista por Karl Marx. Essa teoria est voltada para a anlise do campo, no entanto, tendo sofrido adaptaes para o entendimento de sua lgica na cidade, conforme expresso por Carlos (2005)2.

    Um dos pontos polmicos da teoria est no entendimento de que a terra no possui valor por no ser fruto do trabalho. Mas, em decorrncia do prprio desenvolvimento do modo de produo capitalista a terra passou a configura-se como mercadoria. Nesse sentido, Carlos (2005) ento escreve:

    o solo urbano passa a ser definido em funo das articulaes com a totalidade do espao; e seu processo de apropriao (atravs da terra matria) marcar o fato de que o que realmente est sendo apropriado o trabalho geral da sociedade contido na totalidade do espao geogrfico: apropriar-se de um lugar construdo na cidade (CARLOS, Idem, p. 53).

    Portanto, atravs do trabalho social, terra urbana sero acrescidas as condies materiais necessrias reproduo da sociedade, sejam elas as

    2 Existe um intenso debate acadmico sobre a pertinncia da adaptao dessa teoria para o espao

    urbano, o qual no ser tratado aqui, uma vez que foge aos propsitos da presente pesquisa. So apresentados apenas os princpios gerais de formao do valor da terra urbana, uma vez que o entendimento dessa lgica est na base do entendimento do processo de fragmentao e segregao urbana.

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    edificaes com fins produtivos, com fins de moradia ou com outros objetivos que atendam s necessidades socialmente constitudas. Esse produto do trabalho, por no prescindir do solo como base de sua construo, estar a ele articulado sendo-lhes conferido um valor expresso monetariamente3.

    O valor do solo urbano ser estabelecido a partir da inter-relao entre as condies particulares que este apresenta, assim como daquelas materializadas pelo trabalho social no espao geogrfico em sua totalidade ou, ainda, pelas suas potencialidades futuras. No entanto, as contradies esto a imanentes tendo em vista que a apropriao dos produtos urbanos socialmente construdos ser mediada pela propriedade privada, como mercadoria.

    Quanto aos tipos de rendas fundirias, Marx distinguiu trs, que se diferenciam entre si segundo o processo de formao. As mesmas esto apresentadas a seguir com base em Topalov (1979) e em Gonzales (1985):

    a) Renda Absoluta: resulta da diferena entre o preo da produo social de uma certa mercadoria num determinado setor de produo e o preo regulador do mercado (TOPALOV, 1979);

    b) Renda Diferencial: resulta da desigualdade de produtividade do trabalho segundo as unidades de produo desde que esta desigualdade tenha por origem condies no reprodutveis pelo capital (TOPALOV, 1979, p. 66). Ou seja, esse excedente gerado a partir da diferena entre preo de produo individual e o preo de produo social de certa mercadoria. Gonzales (1985) destaca dois tipos de Renda Diferencial (RD): A Renda Diferencial - I (RD-I), que provm da situao dos terrenos edificveis e de suas condies materiais e tcnicas de construo; e a Renda Diferencial II (RD-II) gerada atravs do zoneamento urbano. Esta est atrelada aos outros elementos urbanos do espao circundante, que iro valorizar o terreno;

    3 Ao contrrio dos produtos imveis edificados na terra urbana, no solo rural os bens produzidos se libertam fisicamente do solo, para ir ao mercado, e o solo fica disponvel para uma nova produo. (GONZALES, 1985, p. 101)

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    c) Renda de Monoplio: resulta das condies de raridade do solo, de suas qualidades extraordinrias que permitem obteno de preos de monoplio por aqueles que detm tais terrenos. Para as variaes do preo concorrem a oferta e a procura e o valor de uso, condies prvias do valor mercantil. (GONZALES, 1985, p. 104)

    Em suma, diferentes estudos apontam que a Renda Fundiria Urbana se constitui como fator central na configurao estratificada e segregada das cidades, que expressa a Diviso Social do Espao Urbano (GONZALES, 1985). Isto porque os proprietrios de terras, os agentes da produo e da distribuio dos imveis urbanos iro atuar no sentido de auferirem uma maior medida possvel dessas Rendas, segundo as condies de sua realizao, o que ir se refletir no preo dos terrenos e imveis oferecidos no mercado. Em contrapartida, boa parte da populao no possui poder aquisitivo suficiente para adquiri-los, sobrando-lhes os espaos piores qualificados de infra-estrutura, equipamentos urbanos e, principalmente, aqueles no interessantes a reproduo do capital em determinado momento.

    Entre as estratgias para a maximizao dos lucros nesse setor, observa-se, a articulao entre mercados de capitais4 e o mercado imobilirio, que na contemporaneidade aumentam a capacidade de acumulao atravs dos espaos geogrficos socialmente produzidos.

    A apropriao pelos agentes imobilirios das possibilidades oferecidas pelos atributos do capitalismo, na fase de acumulao flexvel - para a produo de novos empreendimentos nas cidades - se articulam ao tradicional papel do trabalho como meio de extrao de mais-valia, a partir do qual o espao produzido, ou em vias de

    4 Atravs de Fundos de Investimento Imobilirio (FII) (Lei 8.668, de 1993) capta-se recursos financeiros junto a bolsas de valores para a realizao de investimentos imobilirios. A operao consiste, de modo geral, em lanar cotas que se configuram em valores mobilirios no mercado de capitais, as quais so adquiridas por investidores (fundos de penso, investidores estrangeiros, pessoas fsicas) que participam da distribuio dos resultados atravs da venda dessas cotas. Portanto, os FIIs aparecem como uma estratgia comum entre o mercado de capitais e o setor imobilirio para a dinamizao de ambos, na medida em que desenvolvida uma integrao do mercado imobilirio ao mercado de valores mobilirios, isto , financeiros (VOLOCHKO, 2005).

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    construo, ter sua valorizao maximizada ao ingressar no mercado financeiro como cotas de aes.

    E nesse longo e acelerado percurso, porque favorecido pelo meio-tcnico-cientifco-informacional (SANTOS, 2008), tem-se ento, uma intensificao da alienao do homem em relao ao produto de seu trabalho. A esse respeito Santos (2007, p. 29) discorre:

    medida que a cooperao estende sua escala espacial, o homem produtor sabe cada vez menos quem o criador de novos espaos, quem o pensador, o planificador, o beneficirio. A intensificao das relaes comerciais, induzindo orientao da produo para a venda, ao mesmo tempo um fator de alienao regional e de alienao do homem. Como j no produz para prover s suas necessidades mais imediatas, num mundo onde a monetarizao se generalizou, o homem se v condenado a ser mercadoria, um valor de troca no mercado de trabalho.

    A cada dia so criadas ou recriadas estratgias e prticas, no mundo, em prol da reproduo do capital. Embora, alienados em relao natureza e aos processos a imbricados, o indivduo tem um papel crucial nessa dinmica, enquanto produtor cativo do espao. Logo, uma das condies essenciais para a reproduo do capital e do sistema capitalista a manuteno da submisso do trabalhador.

    1.3 O papel do trabalho na produo do espao5

    Qual seria o papel reservado classe trabalhadora na produo do espao urbano nos termos do modelo capitalista de sociedade? Discorremos brevemente, numa perspectiva geogrfica, sobre as relaes que se estabelecem entre capital e

    5 Nos primrdios da histria, a relao do homem com a natureza foi se transformando de uma relao passiva em uma relao de domnio e transformao dos elementos da natureza por meio do trabalho (CARLOS, 2005). Ou seja, o trabalho se apresenta ento como elemento fundante do espao geogrfico, a partir do momento em que o homem passou a modificar a natureza.

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    trabalho no interior do processo de produo do espao, e como esta se estrutura para atender reproduo da sociedade capitalista.

    A esse respeito, Silva (1991, pp. 18-19) chama ateno, apontando que o processo produtivo constitudo de relaes em que os fatos esto s avessas porque o agente indireto [detentor dos meios de produo] aparece como o agente real; e o agente direto [trabalhador] negado. (...) O resultado de sua produo lhe estranho. Ou seja, o trabalho realizado para produzir espao na sociedade capitalista possui um carter alienado.

    Logo, entende-se que a alienao do trabalhador em relao ao produto final do seu trabalho busca fortalecer a passividade, e limitar a ao desse ser ao nvel do imediato, criando obstculos conscincia da totalidade e dessa forma, enfraquecendo a possibilidade de enfrentamento ordem vigente.

    Antunes (2001) argumenta que o estranhamento faz parte da essncia do trabalho.

    Quer pelo exerccio laborativo manual, quer pelo imaterial, ambos, entretanto, controlados pelo sistema de metabolismo societal do capital, o estranhamento (Entfremung) do trabalho encontra-se, em sua essncia, preservado (ANTUNES, Idem, p. 130, grifos do autor).

    Mendona (2004) escreve sobre os fundamentos histricos da alienao e estranhamento dos trabalhadores, que:

    A destruio da auto-suficincia e suas implicaes objetivas e subjetivas possibilitaram o surgimento da escravido assalariada, que se tornou o elemento fundante para garantir eficincia e flexibilidade extrao do trabalho excedente. O processo de transio da ordem feudal para o capitalismo significou o fim da dominao forada, pois a relao contratual que se estabeleceu era totalmente livre. Esse fato se expressa na subjetividade dos trabalhadores que no perceberam as imposies do capital, em funo do estranhamento e da alienao constitudas como co-partcipes do processo produtivo. (MENDONA, Idem, p. 72)

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    J Antunes (2001) chama ateno para a forma como o capital, na contemporaneidade, vem buscando envolver cada vez mais intensamente a subjetividade operria. Atravs de representao ideolgica, valorativa e simblica o capital introduz no interior do processo produtivo um discurso com intuito de fazer com que o trabalhador abrace a causa da empresa, pensando no que melhor para ela. Todavia, esse exerccio da atividade subjetiva est constrangido em ltima instncia pela lgica da forma/mercadoria e sua realizao (ANTUNES, 2001, p. 128). Ou seja, est orientado para as necessidades do mercado e da empresa.

    Nessa fase do capital, caracterizada pelo desemprego estrutural, pela reduo e precarizao das condies de trabalho, evidencia-se a existncia de uma materialidade adversa aos trabalhadores, um solo social que constrange ainda mais o afloramento de uma subjetividade autntica. Mltiplas fetichizaes e reificaes poluem e permeiam o mundo do trabalho, com repercusses enormes na vida fora do trabalho, na esfera da reproduo societal, onde o consumo de mercadorias, materiais ou imateriais, tambm est em enorme medida estruturado pelo capital (ANTUNES, 2001, p. 131).

    Observa-se, nesse novo contexto, o afloramento de uma subjetividade no interior dos setores produtivos e nas empresas que, no entanto esto submetidas aos interesses de reproduo do capital. Assim, a participao e o envolvimento do trabalhador nas diferentes etapas do processo, da concepo produo, estratgia que tende a se expandir, esto constrangidas pela lgica do capital. Nesse sentido, Antunes (2001, p. 130) ento discorre:

    Os benefcios aparentemente obtidos pelos trabalhadores no processo de trabalho so largamente compensados pelo capital, uma vez que a necessidade de pensar, agir e propor dos trabalhadores deve levar sempre em conta prioritariamente os objetivos intrnsecos da empresa, que aparecem muitas vezes mascarados pela necessidade de atender aos desejos do mercado consumidor. Mas, sendo o consumo parte estruturante do sistema produtivo do capital, evidente que defender o consumidor e sua satisfao condio necessria para preservar a prpria empresa. Mais complexificada, a aparncia de maior liberdade no espao produtivo tem como contrapartida o fato de que as personificaes do trabalho devem se converter ainda mais em personificaes do capital. (grifos do autor)

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    Logo, observa-se na lgica contempornea de funcionamento do capitalismo o avano qualitativo do capital, no qual a submisso do homem aos ditames da acumulao se intensifica e se expande, renovando-se as estratgias de extrao de mais-valia e de explorao do trabalhador. Renovam-se ainda, as estratgias de alienao e ocultao em relao aos interesses e processo de produo dos bens mveis e imveis. Por essa lgica a alienao e a submisso reproduo do capital extrapolam o ambiente de trabalho, em funo deste, atravs de outras dimenses que perpassam o cotidiano, impedindo a compreenso da realidade em sua totalidade.

    A partir das bases terico-metodolgicas apresentadas, partimos ento para a leitura sobre o processo de desenvolvimento urbano no Brasil no ltimo sculo, tendo em vista o carter condicionante do mesmo sobre os processos socioespaciais locais.

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    2. INDUSTRIALIZAO, ACUMULAO DE CAPITAL E URBANIZAO NO BRASIL

    No capitalismo, a produo do espao tem se realizado como forma de incrementar a acumulao, sendo desconstrudo e reconfigurado a fim de abrir caminho para uma maior acumulao num estgio ulterior, como destacado por Harvey (2004). Considerando que o espao urbano assumiu importncia mpar no conjunto social a partir da revoluo industrial, tem-se, desde ento, uma apropriao da forma urbana e uma transformao de suas funes e atributos em prol da racionalidade estatal e econmica.

    Em pases de economia perifrica como o Brasil, cujas desigualdades sociais possuem razes histricas, a orientao capitalista de produo do espao urbano se articula dialeticamente com essas desigualdades, intensificando as contradies socioespaciais no territrio.

    Castells (2006) contribui para a anlise do processo de urbanizao em regies subdesenvolvidas, destacando que a explicao do subdesenvolvimento no prescinde da anlise dialtica do desenvolvimento/subdesenvolvimento. Nessa perspectiva, a autor enfatiza que a condio de pas explorado, subdesenvolvido - que resulta da forma como este se integra no sistema capitalista - se estabelece em funo de relaes assimtricas com as formaes sociais dominantes.

    O essencial do ponto de vista analtico, no a subordinao poltica dos pases subdesenvolvidos s metrpoles imperialistas (o que apenas conseqncia de uma dependncia estrutural), mas a expresso desta dependncia na organizao interna das sociedades em questo e, mais concretamente, na articulao do sistema de produo e das relaes de classes. (CASTELLS, 2006, p. 82)

    O mais importante disso tudo seria ento, conforme Castells (2006) aponta a necessidade de se entender os processos que vo orientar a urbanizao nos

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    pases dependentes, como o caso dos pases latino-americanos, a partir da relao entre industrializao dominante e urbanizao dependente.

    No desvinculadas desses processos, temos uma questo que se encontra na essncia do fenmeno urbano em economias perifricas, que consiste na intensa explorao de seu proletariado6. Considerado como uma das expresses mais significativas dessa dinmica est a explorao dos trabalhadores de base da construo civil, responsveis pela materializao das formas urbanas7.

    Esta se consubstancia atravs da relao capital-trabalho presente no processo de construo de infra-estruturas e de toda ordem de edificaes que compe as cidades. Esse carter de superexplorao encontrada na referida relao tem sido direcionado pelos agentes dominantes envolvidos nas atividades de produo imobiliria com o propsito de favorecer a acumulao, apresentando ento como um construto social.

    Veremos, mais adiante, que no histrico de construo e continuidade da produo do espao em Braslia essa problemtica da explorao do trabalho marcante, explicando em parte sua configurao espacial. Mas, para compreendermos como se processou e vem se constituindo a produo do espao na capital do Brasil, importante chamar ateno para a relao entre os condicionantes estruturais e as especificidades socioespaciais da sociedade brasileira. Nessa perspectiva, o presente captulo consiste na anlise da relao entre condicionantes estruturais e formao scio-espacial8 nacional, a partir da dcada de 30.

    6 No Brasil, como ressaltado por Ferreira (2005), essa explorao fica clara, por exemplo, na forma

    como o modelo industrial fordista foi institudo no pas. Enquanto nos pases centrais melhorias do poder de consumo da classe trabalhadora foram implementadas como ponto de sustentao da prpria expanso do capitalismo industrial, aqui prevaleceram os baixos salrios como condio de nossa (grifo do autor) industrializao. 7 Discorreremos no captulo seguinte sobre a forma como se constituiu na sociedade brasileira a

    diviso e organizao do trabalho da construo civil. 8 Santos (1979, 1986) desenvolveu a categoria Formao Scio-Econmica e Espacial ou, para

    abreviar, como o prprio autor nos fala, Formao Scio-espacial. Esta foi desenvolvida a partir da

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    2.1. Condicionantes

    2.1.1 O processo de urbanizao e industrializao no Brasil

    O processo de urbanizao e industrializao nacional comeou a emergir de forma mais deliberada a partir de 19309, quando os interesses urbano-industriais conquistaram a hegemonia na poltica econmica, conforme ressaltado por Maricato (2003).

    No entanto, diferentemente do que ocorrera na Europa e nos Estados Unidos, a industrializao nacional no foi desencadeada com base em rupturas com a ordem social anterior, cuja maior expresso teria sido a reforma agrria. No Brasil, houve a acomodao de interesses, beneficiando a manuteno da estrutura socioespacial interessante elite nacional, concomitantemente manuteno das desigualdades sociais histricas.

    Impulsionado pelos condicionantes socioespaciais de ento, as indstrias e a infra-estrutura necessria a sua acomodao foram implantadas e/ou melhoradas nas cidades maiores e melhor estruturadas da regio Sudeste - por serem mais viveis e favorveis ao desempenho econmico. Como apontado por Ferreira (2003, p.106), as condies do ambiente construdo, acumuladas ao longo do tempo, localizavam-se pontualmente em determinados lugares, principalmente na faixa litornea.

    categoria Formao Econmica e Social de Marx, a respeito da qual o autor se posiciona criticamente no aspecto em que desconsidera o papel do espao nas formaes sociais.

    9 A economia cafeeira (sculo XIX) foi a grande dinamizadora do centro-sul do pas, integrando essa parte do territrio e favorecendo a construo de infra-estrutura e sistema de engenharia necessrios fluidez da produo. nesse recorte espao-temporal que tambm vo se consolidar, sob os influxos do comrcio internacional, formas capitalistas de produo, trabalho, intercmbio e consumo, de acordo com Santos (1979). Ou seja, nessa fase o trabalho escravo passa a ser progressivamente substitudo pelo trabalho assalariado, a Lei de Terras (1850) instituda etc. Em suma, desenvolveram-se os condicionantes socioespaciais que deram bases ao processo de industrializao e urbanizao nacional e formao do proletariado urbano. No captulo seguinte discorreremos sobre esse perodo, focando o processo de estruturao do mercado de construo urbana de forma mais detalhada.

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    A consolidao do modelo de acumulao fordista dependia, entre outros aspectos, da formao de um mercado consumidor e de mo-de-obra abundante, logo os fluxos migratrios campo-cidade foram funcionais ao processo de desenvolvimento em curso. No entanto, esses fluxos s se intensificaram nos anos 50 e 60 como conseqncia da acentuao desse processo e da modernizao conservadora. Ainda assim, temos nesse perodo a disseminao pelo territrio das idias de valorizao do meio urbano e de incentivo ao consumo, condizentes com a generalizao de novas necessidades, como demonstrado por Ferreira (2003, p. 106):

    Tratava-se de disseminar no territrio o desenvolvimento de um processo social que implicava a formao de um mercado interno para os produtos da nascente indstria nacional substitutiva de importaes, integrando a sociedade no consumo de massa e o territrio numa nova diviso regional do trabalho.

    Em suma, as polticas que nortearam o processo de industrializao brasileira, com carter desenvolvimentista-nacionalista, se desenvolveram durante as fases em que Vargas esteve no poder. Nesse contexto,

    a emergncia na Europa do Estado do Bem-Estar Social d mpeto tentativa, no Brasil, de construo de uma nao com um Estado forte e um mercado de consumo interno mais significativo. O Estado passou ento a intervir diretamente na promoo da industrializao, atravs de subsdios indstria de bens de capital, do ao, do petrleo, construo de rodovias, etc (FERREIRA, 2005, p. 11).

    Diante da crescente industrializao e urbanizao, as migraes campo-cidade incrementaram os problemas de proviso habitacional para a massa operria presente nos principais centros urbanos de ento. No entanto, a lgica populista imperou na orientao das polticas sociais, conforme escrito por Ferreira (2005, p. 11):

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    o perodo Vargas ficou marcado por introduzir pela primeira vez polticas habitacionais pblicas, reconhecendo (ou cedendo s presses para reconhecer) que o mercado privado no tinha como atender demanda por moradia e anunciando que o Estado assumiria tal funo. Mas, como era caracterstico do populismo, retirou-se do mercado privado a responsabilidade pela questo habitacional, sem que houvesse, entretanto, uma poltica pblica de flego, que realmente respondesse demanda que se criava.

    Entre as polticas habitacionais desse governo foram criados os Institutos de Aposentadorias e Penses (IAPs) e a Fundao da Casa Popular, responsveis pela produo estatal de moradias subsidiadas (BONDUKI, 1994). Por meio das IAPs, por exemplo, foram produzidas 140 mil moradias entre 1937 e 1964, como afirma Ferreira (2005). Isso demonstraria, segundo Maricato (apud FERREIRA, 2005, p. 11), muita publicidade para uma resposta modesta dos programas pblicos de habitao.

    Vargas instituiu ainda a Lei do Inquilinato, que congelaria os aluguis em 1942, reduzindo o interesse privado na produo de casas para aluguel e conseqentemente, aumentando a carncia de habitaes nos centros urbanos. Dada a pouca eficcia da atuao do Estado no suprimento da demanda da populao pobre por moradia e os interesses estritamente privados do mercado imobilirio, restou a essa populao a ocupao e loteamento da periferia, desprovida de infra-estrutura e equipamentos urbanos.

    No que diz respeito integrao nacional - um dos requisitos do modelo de desenvolvimento em curso -, temos na dcada de 40 o incio da ocupao da regio Centro-Oeste de forma institucional, porm descontnua, com a criao da Fundao Brasil Central. Esta tinha como objetivo formular um amplo programa de desenvolvimento e colonizao, visando conquistar novos horizontes na regio central do Brasil. No entanto, nesse momento as aes foram mnimas e localizadas, compostas basicamente de servios assistenciais populao local e de incio implantao de transporte rodovirio e areo na regio.

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    O Estado atuou em todas as frentes, desde a ampliao de infra-estrutura para instalao de indstrias e circulao de mercadorias at a produo de uma fora de trabalho em novos padres (ALGEBAILE, 2005). Neste quesito estabeleceu um sistema de regulao das relaes de trabalho, que privilegiava o meio urbano. Tendo em vista que a principal base de sustentao do governo eram as massas populares urbanas, a instituio das leis trabalhistas e a normatizao e controle do sindicalismo permearam dialeticamente os interesses conflitantes entre capital e trabalho.

    Nesse contexto, produzir-se-ia, a, o que veio a ser chamado por Santos (apud ALGEBAILE, 2005, p. 82) de cidadania regulada. A se expressaria ento as contradies das medidas do governo, uma vez que os servios e benefcios sociais no se pautavam na igualdade e na universalidade de oferta. O ingresso no mercado de trabalho funcionava como um filtro. Isso porque a condio de cidado s era conferida s pessoas empregadas em ocupaes reconhecidas e definidas em lei; e porque os servios e benefcios eram diferenciados conforme o lugar ocupado por cada profisso dentro da hierarquia ocupacional vigente.

    No governo Dutra e em seguida, no segundo governo de Vargas, as presses e interesses do capital estrangeiro comearam a se fortalecer no mbito da industrializao nacional, porm no sem conflitos. Caio Prado (apud MARICATO, 2000) entende que, mesmo com o constrangimento da manuteno das desigualdades regionais, a Era Vargas deu importantes passos para a construo autnoma da nao, o que veio a ser interrompido, diante do novo arranjo de foras poltico-econmicas.

    ento no governo de Juscelino Kubitschek, atravs do Plano de Metas, que o processo de industrializao entra definitivamente nessa nova fase. Maricato (2000, p. 22) destaca que:

    O pas passa a produzir bens durveis e at mesmo bens de produo. (...) com essa nova dependncia o centro das decises no mais interno ao pas e nem tem o mercado nacional como seu epicentro. A dependncia se aprofunda, bem como a insero subalterna do pas na diviso internacional do trabalho.

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    O processo de urbanizao se expande intensamente pelo territrio nacional, ampliando a integrao nacional via infra-estrutura de transportes e comunicao. Imbricado ao processo de urbanizao e industrializao ocorreram a expanso da classe mdia, do trabalho assalariado e do mercado interno (MARICATO, 1995).

    A partir desse momento, graas ao fenomenal impulso promovido pela chegada das multinacionais, a industrializao brasileira sofreu uma inflexo significativa, garantindo o milagre econmico e a ascenso do pas, em pouco mais de uma dcada, condio de oitava economia do mundo. Mas esse modelo de intenso crescimento sofria de um duplo problema: por um lado, estabelecia um padro congnito de atraso tecnolgico, pois as indstrias traziam para c tecnologias j obsoletas em seus pases de origem, e por outro lado estava condicionado a um padro de alta concentrao da renda, j que se baseava na manuteno de uma mo-de-obra de baixo custo, necessariamente sub-assalariada (FERREIRA, 2005, p. 12).

    Mais tarde, principalmente a partir de 1970, a urbanizao brasileira se intensificou, ligada modernizao de base cientfico-tecnolgica informacional que atingiu o campo e a cidade, como destaca Ferreira (2003). O emprego das novas tecnologias no campo proporcionou a modernizao agrcola e o desenvolvimento de atividades em padres industriais, concomitante expulso macia de populao das reas rurais modernizadas para as cidades.

    Assim, o campo e a cidade se aproximam como partes de um meio tecnolgico-cientfico e informacional que historicamente se distingue como o momento em que o espao construdo e reconstrudo com crescente contedo de cincia e de informao, no qual a informao o motor fundamental do processo social e o territrio equipado para facilitar a sua circulao (Santos apud FERREIRA, 2003, p. 109)

    Tal processo conhecido como modernizao conservadora foi considerado como tal porque embora tenha gerado crescimento econmico para o pas, se deu com base na manuteno da concentrao fundiria, fortalecendo as desigualdades

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    sociais.10 A relao contraditria entre crescimento econmico e acirramento das desigualdades socioespaciais desencadeou o surgimento de movimentos sociais no campo e na cidade em busca de reformas estruturais. Diante do cenrio de crise social e econmica a resposta poltica veio com a Ditadura Militar, que para Buarque (1993) foi a base poltica responsvel pela construo da sociedade da apartao no Brasil.

    Em 1964, foram criados o Sistema Financeiro de Habitao (SFH) e o Banco Nacional de Habitao (BNH). Maricato (1995) escreve que ambos foram estratgicos para a estruturao e consolidao do mercado imobilirio urbano capitalista. Sobre o assunto a autora ento discorre:

    O investimento de uma vultosa poupana, parte compulsria (FGTS) e parte voluntria (SBPE) no financiamento habitao, saneamento bsico e infraestrutura urbanos, mudou a face das cidades brasileiras, financiando a verticalizao das reas residenciais mais centrais; contribuindo para o aumento especulativo do solo; dinamizando a promoo e a construo de imveis (o mercado imobilirio atinge um novo patamar e uma nova escala); diversificando a indstria de materiais de construo; subsidiando apartamentos para as classes mdias urbanas; patrocinando a formao e consolidao de grandes empresas nacionais de edificao e mesmo de construo pesada, nas faranicas obras de saneamento bsico (MARICATO, 1995, p. 22).

    O discurso oficial apresentou esses instrumentos como destinados construo de habitaes para os setores de baixa renda. Entretanto, eles privilegiaram o atendimento da demanda de habitaes pela classe mdia, alm de privilegiar interesses privados e polticos clientelistas. Para Fagnani (2006), o SFH foi formulado como parte dos objetivos de modernizao conservadora dos mecanismos de financiamento da economia e do setor pblico, tendo como atribuio especfica o financiamento sustentado do setor imobilirio e, mais especificamente, da indstria da construo civil.

    10 BECKER & EGLER (1993, p. 199), afirmam que a modernizao conservadora foi em si limitada, privilegiando grupos sociais, setores de atividades e lugares selecionados.

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    Botega (2007) destaca que a partir de 1967, quando a construo civil foi substituda em sua funo de acelerador da economia pela indstria de bens de consumo durvel, especialmente a indstria automobilstica, o BNH reorientou seus investimentos para as camadas sociais com maior poder aquisitivo. Logo, deixou de lado de forma mais explcita a construo de habitaes para as classes populares, apesar de ser essa a principal afetada pelo dficit habitacional.

    Temos como resultado do processo de industrializao e urbanizao, num primeiro momento, que as desigualdades regionais se fortaleceram. Como a regio Sudeste acumulava vantagens locacionais, esta passou a ser dinamizadora do sistema econmico, como nos fala Ferreira (2003). Os fortes desequilbrios regionais e valores urbanos disseminados no territrio alimentaram um intenso fluxo migratrio para centros urbanos e industriais, com destaque para So Paulo e Rio de Janeiro.

    A concentrao espacial da produo e conseqentemente da populao desencadeou a formao de regies metropolitanas. Ferreira (Idem) destaca que em 1970 as metrpoles nacionais, Rio de Janeiro e So Paulo, eram responsveis por 51,8% do PIB brasileiro e comportava 28,5% da populao urbana.

    O crescimento da populao urbana11 e o fortalecimento da lgica capitalista de produo do espao, posteriormente imbricado modernizao conservadora, resultaram na complexificao e intensificao dos problemas urbanos, dentre eles a segregao socioespacial. As camadas populares so empurradas para as reas perifricas e tem na autoconstruo a soluo para a demanda por habitao. Para Damiani (1999, p. 56), a expanso das periferias, enquanto cidades clandestinas, configuraram-se como uma concesso necessria falta de direitos cidade.

    Em sntese, como explicitado por Ferreira (2003, p.108):

    As reas desvalorizadas e deficitrias em infra-estrutura tornaram-se local de moradia dos pobres. Criando as desigualdades internas no

    11 Vale lembrar que mais determinante - no processo migratrio do campo para as cidades - que a

    atrao exercida pelos centros urbanos foram as limitadas possibilidades de sobrevivncia no campo, resultante da concentrao fundiria, seguida pela introduo de tecnologias de produo agrcola, poupadoras de mo-de-obra.

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    espao das cidades. As solues para as demandas insatisfeitas e o atendimento das camadas pobres veio com a informalidade da habitao, do comrcio e especialmente dos servios (...) soluo para as contradies geradas pelo modelo urbano.

    Essa realidade pode ser explicada tanto pelo aprofundamento das relaes de mercado como mediao de acesso terra urbana e ao espao construdo, quanto pelo fato da relao capital/trabalho em pases de economia perifrica se pautarem - em variados setores da economia - em baixos salrios e intensa explorao da classe trabalhadora. Entendemos que esses fatores, articulados aos condicionantes histricos em exposio, delinearam a matriz da urbanizao brasileira.

    2.1.2 Da transio do Modelo de Acumulao Fordista ao Modelo de Acumulao Flexvel no Brasil

    Novas bases de sustentao do sistema capitalista se articulam a partir da dcada de 1970, tendo na redefinio da relao capital-trabalho um dos elementos desse processo. No mbito estrutural, esse perodo consistiu da transio de um momento de avanos sociais e crescimento econmico proporcionados pelo modelo de acumulao fordista-keynesiano para o momento de sua crise12.

    Em face do esgotamento do fordismo-keynesianismo, foram reformuladas as bases de sustentao do capitalismo, no qual se insere o renascimento da ideologia liberal (sob a alcunha de neoliberalismo) e a intensificao da globalizao. Em sntese, a premissa era de que o Estado deveria abandonar as intervenes que limitavam o livre jogo do mercado, estimulando em contrapartida investimentos nos novos setores abertos pela revoluo tecnolgica. A interferncia do Estado,

    12 Essa consistiu de crises em vrios setores de atividades, sinais da crise estrutural do modelo

    fordista de acumulao: a crise do petrleo, a elevao das taxas de juros do dlar americano e conseqente crise da dvida externa na Amrica Latina, recesso mundial entre 1980 e 1982 e colapso do mercado financeiro internacional.

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    segundo os tericos neoliberais, retardava a realocao de capitais at ento investidos em setores econmicos produtivos estagnados.

    Ameaados no campo da produo, os Estados Unidos reagiram reafirmando sua hegemonia por meio das finanas. Nesse processo, mantm-se o equilbrio de poder e de interesses no seio da burguesia, conforme exposto por Harvey (2004). Como suporte do modelo de acumulao flexvel, temos13: a reduo do papel do Estado, enquanto promotor de polticas sociais e regulador do mercado de trabalho; processos de flexibilizao econmica e produtiva; desconcentrao e facilidade de mobilidade geogrfica da produo, os quais refletem diretamente nas relaes de trabalho no mundo.

    Antunes (2001, p. 115) escreve que:

    A conformao mais complexificada da classe trabalhadora assume, no contexto do capitalismo atual, uma dimenso decisiva, dada pelo carter transnacionalizado (grifo do autor) do capital e de seu sistema produtivo. Sua configurao local, regional e nacional se amplia em laos e conexes na cadeia produtiva, que cada vez mais internacionalizada. Isso porque as formas singulares e particulares de trabalho so subsumidas pelo trabalho social, geral e abstrato que expressa no mbito do capitalismo mundial, realizando-se a. Da mesma maneira que as mais diferentes formas singulares e particulares do capital so levadas a subsumir-se ao capital em geral, que se expressa no mbito mundial, algo semelhante ocorre com as mais diversas formas e significados do trabalho [Ianni (1996) apud ANTUNES (Idem)].

    Entretanto, enquanto a conformao do capital encontra-se cada vez mais internacionalizada, a ao de enfrentamento coletivo dos trabalhadores no se situa nesse patamar, restringindo-se no mximo a uma solidariedade nacionalmente delimitada. Diante dessas novas condies, Harvey (2004) explica que houve o

    13

    Temos no Consenso de Washington, documento elaborado em 1989 por representantes do mercado financeiro internacional, como Fundo Monetrio Internacional (FMI) e Banco Mundial, recomendaes a serem adotadas pelos pases, como por exemplo: abertura comercial e financeira, privatizaes, aumento das taxas de juros, reforma tributria, administrativa e da previdncia social, (GUIMARES, 2003).

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    enfraquecimento do poder coletivo de presso dos trabalhadores, alm de um aumento da explorao da classe trabalhadora resultando na precarizao das condies de trabalho e na expanso do desemprego crnico.

    Como parte das estratgias de reproduo do modelo de acumulao capitalista, hoje, so disseminados valores individualistas e de competitividade entre trabalhadores, que debilitam a capacidade de mobilizao coletiva. Essa lgica pe no indivduo a responsabilidade exclusiva de xito ou fracasso profissional, escamoteando em contrapartida os reais fatores e processos que repercutem sobre as formas de insero no mundo do trabalho.

    Num ambiente global altamente competitivo, os investimentos produtivos buscaram cada vez mais a reduo dos custos com o trabalho em contraposio ao aumento da acumulao do capital. Para atender a essa lgica, observa-se a crescente equalizao para baixo da taxa diferencial de explorao, segundo Mszaros (2003, p. 27), o que significa um aumento do patrimnio lquido das grandes empresas capitalistas em decorrncia dos baixos salrios, o que varia de acordo com os pases onde se encontram instaladas. Um dos resultados mais visveis dessas prticas a intensificao das desigualdades socioespaciais entre diferentes regies do mundo.

    Resultantes das assimetrias advindas das relaes espaciais de troca, as prprias condies geogrficas desiguais so favorveis acumulao do capital (HARVEY, 2004). Logo, a riqueza e o bem-estar de agentes e territrios particulares aumentam s custas da explorao de outros territrios e de sua populao trabalhadora.

    Voltando ao Brasil, temos que a dcada de 1970 foi marcada por governos autoritrios, nos quais tomaram forma a modernizao conservadora e o milagre brasileiro, que em suma significou crescimento econmico dialeticamente vinculado ao aprofundamento das desigualdades sociais no campo e nas cidades. Todavia, com os choques sofridos em decorrncia da crise internacional que comeou a se alastrar, observou-se a partir do final dessa dcada a estagnao da economia nacional, com fortes repercusses sociais.

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    Na dcada de 1980, o BNH extinto em decorrncia da crise econmica, acrescido de problemas de gesto fraudulenta. Logo, a poltica urbana e habitacional dessa fase caracterizou-se por uma forte confuso institucional provocada por constantes reformulaes nos rgos responsveis pelas polticas habitacionais. Como conseqncia desta confuso, tivemos o fortalecimento de programas alternativos do SFH14, ao mesmo tempo em que se observava o enfraquecimento das Companhias Estaduais de Habitao (COHABs), sob a alegao de reduzir os dficits de estados e municpios com a Unio (BOTEGA, 2007).

    Dado o aprofundamento e conformao da crise no Brasil, a dcada de 1980 ficou conhecida como a dcada perdida, assinalada pelo esgotamento do modelo de substituio de importaes. Com a crise do fordismo, contraram-se os investimentos externos por partes dos pases centrais nos pases em desenvolvimento, como o Brasil, o que vinha sendo verificado desde 1930 (MELO, 1995). Alm disso, nesse perodo temos o processo de transio da ditadura militar para o regime democrtico e o incio da abertura da economia, sob o paradigma neoliberal.

    No bojo da abertura poltica e da elaborao da nova Constituio, ganhou fora um movimento de reforma urbana de carter progressista. Em sntese, esse movimento teve como objetivo primrio reduzir os nveis de injustia social no meio urbano e promover uma maior democratizao do planejamento e da gesto das cidades (SOUZA, 2004, p. 158). Todavia, durante os debates e votao no Congresso Nacional, ocorreu o esvaziamento de parte das propostas de reforma urbana elaboradas pelo Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU). Logo, apesar da mobilizao social, a articulao entre poderes polticos e econmicos, na busca da manuteno do status quo, vieram de encontro aos interesses coletivos.

    Observa-se que as orientaes gerais do modelo de acumulao flexvel se fortaleceram no contexto nacional a partir da dcada de 1990, com maior ou menor intensidade, de acordo com orientaes poltico-ideolgicas dos dirigentes da nao.

    14 Um exemplo foi o Programa Nacional de Mutires Comunitrios voltado a famlias com renda inferior a trs salrios mnimos, que entretanto, chegou ao fim sem atingir as metas propostas, como frisado por Botega (2007).

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    O governo de Fernando Collor de Mello foi um marco do emprego das orientaes neoliberais na poltica econmica brasileira, aprofundando em contrapartida os problemas sociais. Esses problemas prosseguiram ao longo dos governos seguintes, apesar de serem observados alguns avanos sociais, empreendidos, por exemplo, atravs da: estabilizao econmica empreendida a partir do Plano Real, no governo de Fernando Henrique Cardoso - FHC; e da ampliao de polticas sociais pelo governo do presidente Luiz Incio Lula da Silva.

    De modo geral as ms condies de vida entre a populao pobre foram reforadas diante do movimento geral de reduo das polticas sociais e da atuao do capital em setores como educao e sade. Maricato (2000) destaca que, nas dcadas de 1980 e 1990 no Brasil, como em quase todo o mundo, verificou-se o aumento do desemprego, das relaes informais de trabalho, da pobreza nas reas urbanas e da violncia. A ilegalidade nas formas de moradia das classes populares se expandiu diante das vulnerabilidades impostas pelo mercado de trabalho.

    As crises financeiras observadas nos ltimos anos tambm tm imposto grandes perdas aos trabalhadores, uma vez que so tomadas medidas de reduo de postos de trabalho e outras para reduzir custos, que atingem diretamente a mo-de-obra. Em contrapartida, o Estado busca implementar polticas de emprego e renda para amenizar as conseqncias sociais desses momentos, que entretanto no so suficientes, tendo em vista a sobreposio da situao atual com as desigualdades socioespaciais preexistentes.

    A subordinao da produo do espao aos interesses de reproduo do capital vem reforando esse quadro, tendo em vista que as classes populares no se enquadram no padro de consumo requerido pela lgica capitalista. Observa-se ento, a intensificao da fragmentao urbana, decorrentes da auto-segregao dos grupos sociais de mdia a alta renda, por meio de condomnios horizontais e verticais fechados, concomitantemente segregao imposta s camadas populares.

    A discusso mostra que no Brasil, os modelos de acumulao foram implementados com forte carter perifrico e subordinado aos interesses das

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    economias dominantes, expressando-se na conformao dual da sociedade urbana. O prximo captulo volta-se para um exame retrospectivo das condies de emergncia, crescimento e consolidao da construo civil no Brasil, com enfoque na relao entre capital e trabalho.

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    3. A CONSTRUO CIVIL E O TRABALHO OPERRIO NA PRODUO DO ESPAO URBANO NO BRASIL

    3.1 A construo e o trabalho no Brasil: Uma breve leitura sobre o processo de mercantilizao e proletarizao na construo urbana

    Entendemos que, no Brasil, a gnese do trabalho livre e da propriedade privada da terra demarca o processo de reorientao da produo do espao sob a perspectiva do mercado, impulsionado pela economia poltica internacional. Considerando o foco na relao entre capital e trabalho na produo do espao, importa-nos neste momento entender como essa relao passa a se configurar diante das condies socioeconmicas nacionais15, que precedem e perpassam o processo de ur