Silvio Luis de Camargo Saiki

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC-SP

    Silvio Lus de Camargo Saiki

    A alquota tributria como norma de competncia e de segurana jurdica

    MESTRADO EM DIREITO

    SO PAULO

    2008

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC-SP

    Silvio Lus de Camargo Saiki

    A alquota tributria como norma de competncia e de segurana jurdica

    Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de mestre em Direito, sob a orientao do Prof. Dr. Roque Antonio Carrazza

    SO PAULO

    2008

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    Banca Examinadora

    _________________________________

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    Dedicatria

    Aos meus pais, que nunca mediram esfo ros para me dar amor e educao.

    s minhas amadas Maria Alice, companheira em todos os momentos, e Maria Fernanda, filha angelical, que me fazem feliz e eternamente apaixonado.

    Aos demais membros de minha famlia, tanto da Saiki quanto da Damasceno, que sempre me deram o prazer de um convvio intenso, cheio de

    carinho e de alegria.

    Aos meus sobrinhos e sobrinhas que me tratam com o amor sincero da infncia.

    Aos meus amigos e amigas que complementam a minha

    famlia.

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    Agradecimentos

    Fazer um agradecimento no fcil porque sempre corremos o risco de nos esquecermos de algum. Ocasionalmente, esse risco s existe quando somos ajudados por muitos.

    Essa a minha situao e, por isso, para no cometer esse tipo de injustia, quero agradecer, desde j, a todos que concorreram de algum modo, direto ou indireto, para que Eu ultrapassasse algumas barreiras e chegasse at aqui.

    De forma direta, no posso deixar de agradecer Dra. Maria Leonor Leite Vieira e Dra. Carolina Romanini Miguel, que me incentivaram, de modo especial, a ingressar no

    Mestrado da PUC/SP.

    Do mesmo modo, devo agradecimentos ao Dr. Paulo de Barros Carvalho por ter me aprovado no processo seletivo e me dado a oportunidade de integrar o corpo discente do Curso de Ps-Graduao da PUC/SP e ter desfrutado da sua convivncia em sala de

    aula e, s vezes, at mesmo, fora dela.

    Comisso de Bolsas do Programa de Estudos Ps-Graduados em Direito da PUC/SP e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPq, igualmente os meus agradecimentos pela grandiosa colaborao para o desenvolvimento

    dos meus estudos.

    Professora Elosa Galesso pelo seu entusiasmo e incentivo, singularmente em matria de linguagem e estilo.

    Especialmente ao Dr. Roque Antonio Carrazza, meu orientador, que me recebeu,

    desde o primeiro contato, com muita gentileza e ateno, dedicando muito do seu tempo para ouvir as minhas idias. Com a dedicao de seu tempo e conhecimento ao meu estudo deixou evidente sua vocao de Mestre dos mestres.

    Por fim, agradeo a Deus por ter permitido que Eu vivesse essa experincia perto de pessoas to boas.

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    Resumo

    Tomando o Direito como um conjunto de normas sistematizadas (coordenao e subordinao) e resguardando a importncia do processo comunicacional para a sua anlise, tentamos imprimir rigor cientfico para destacar a composio do direito positivo pelos planos de expresso (sistema dos enunciados legais) e de contedo (sistema das normas jurdicas).

    A partir do estudo acerca da produo das normas jurdicas, passamos a analisar a importncia das normas de competncia tributria e da regra-matriz de incidncia, notadamente no que atina aos limites constitucionais para que as alquotas sejam introduzidas no sistema do direito positivo. Nesse mister, verificamos que as normas de competncia tributria estabelecem o arqutipo da atividade tributria, despertando interesse sobre a forma como a instituio do tributo deve ser observada pelo legislador infraconstitucional na fixao das alquotas tributrias e visando a atestar serem essas

    normas mais um critrio de segurana jurdica existente no sistema jurdico tributrio. Destacadamente, alm da identificao de normas constitucionais delimitadoras da

    competncia tributria, procuramos demonstrar que as normas de competncia relativas s alquotas no so critrios quantitativos da regra-matriz de incidncia e que, por isso,

    influenciam sobremaneira a produo de enunciados no exerccio da competncia impositiva do Estado.

    Isso nos possibilitou a verificao emprica dos critrios de fixao das alquotas pelos diversos entes polticos tributantes e para as diversas espcies de tributos, podendo

    evidenciar em quais hipteses constitucionais o legislador ordinrio est adstrito ou no observncia de limites competenciais na fixao de alquotas em respeito segurana jurdica dos sujeitos passivos da obrigao tributria.

    No nos aprofundamos nos limites ditos formais por dizerem respeito ao rgo e ao procedimento para a produo de normas tributrias, assunto que entendemos fugir nossa proposta dissertativa.

    Palavras-Chave: alquota, fixao, critrio quantitativo, competncia e segurana jurdica.

    Silvio Lus de Camargo Saiki A alquota tributria como norma de competncia e de segurana jurdica

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    Summary

    Taking the law as a set of systematized norms (coordination and subordination) and considering the relevance of the communicational process for its analysis, we tried to bring scientific rigor to call the attention to the composition of positive law by the plans of expression (system of legal statements) and of content (system of rules of law).

    Starting by the study upon the production of the rules of law, we analyzed the relevance of the norms of tax ability and matrix rule of incidence, focusing on the constitutional limits for aliquots to be part of the system of positive law. In this sense, we realized that the norms of tax ability establish a model for tax activities, calling the

    attention upon the way the setting of the tribute should be observed by the infra-constitutional legislator while fixing the tax aliquots and aiming to set these norms as another criteria of legal security in the Brazilian Tax System.

    Beyond the identification of the constitutional norms that set the limits of tax

    ability, we tried to demonstrate that the norms of tax ability regarding the aliquots are not quantitative criteria to the matrix rule of incidence and that, therefore, influence the production of enunciates in the exercise of state imposed competency.

    All previously stated made it possible to empirically verify the criteria of aliquots

    setting by the different political tax actors and for the different types of tributes, making it possible to see in which constitutional hypothesis the ordinary legislator is attached or not to observing the competency limits in aliquots setting regarding the legal security of the players that do have the tax obligation.

    We did not deepen the study in the so called formal limits as they developed according to the agency and the procedure for the production of tax norms, since we understood that as off limits to our original study proposal.

    Key-words: aliquot, setting, quantitative criteria, competency and legal security

    Silvio Lus de Camargo Saiki

    The tax aliquot as competency and legal security norm

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    Sumrio

    1. Delimitao do objeto ............................................................................................. 12 2. Metodologia adotada ............................................................................................... 13 3. Desenvolvimento do trabalho .................................................................................. 14 Ttulo I Noes propeduticas para a manipulao do direito .................................. 16 Captulo 1 - Conceito de Direito .................................................................................... 16 4. Orientao sociologista ou realista .......................................................................... 16 5. Teorias jusnaturalistas ............................................................................................. 17 6. Teorias com influncias positivistas ........................................................................ 18 7. Opo conceitual .................................................................................................... 19 Captulo 2 - A concretizao do direito ......................................................................... 20 8. Aspecto lingstico das relaes intersubjetivas ...................................................... 20 9. A verdade da realidade como linguagem ................................................................. 24 10. O processo comunicacional do direito ..................................................................... 26 11. Os planos lingsticos do direito enunciado e norma ............................................ 32

    11.1. Produto positivado texto legal enunciado ..................................................... 32 11.2. Produto regulador norma jurdica ................................................................ 35

    12. Texto e contexto sistemas normativos .................................................................. 37 12.1. Sistema dos enunciados legais ........................................................................ 41 12.2. Sistema das normas ........................................................................................ 42

    13. A Interpretao no direito ....................................................................................... 44 14. Definio e Classificao no Direito ....................................................................... 47

    14.1. Classificao da norma jurdica ...................................................................... 49 14.1.1. Classificao pelo evento/fato do antecedente da norma .............................. 50 14.1.2. Classificao pela relao jurdica do conseqente da norma ....................... 51 14.1.3. Classificao da norma pelo carter da conduta regulada ............................. 53 14.1.4. Classificao pelo carter coativo da norma................................................. 55

    15. A validade da norma no direito ............................................................................... 57 16. A validade do enunciado legal ................................................................................ 60 Captulo 3 - O sistema jurdico-tributrio brasileiro.................................................... 62 17. Sistema jurdico nacional ........................................................................................ 62 18. Sistema constitucional-tributrio brasileiro ............................................................. 66 19. O federalismo e o sistema tributrio brasileiro......................................................... 69

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    20. Federalismo e tributao ......................................................................................... 72 21. Competncia norma do sistema jurdico positivo .................................................. 75 22. Tributo norma do sistema jurdico positivo ........................................................... 78 23. Princpios jurdicos constitucionais ......................................................................... 82

    23.1. Princpio norma do sistema jurdico positivo ............................................... 83 23.2. Princpios, regras e aplicao no direito positivo ............................................ 87 23.3. Princpios constitucionais e estrutura da norma de competncia tributria ...... 93 23.4. Segurana jurdica sobrenorma do sistema jurdico positivo......................... 97

    Captulo 4 Estrutura da norma de exao tributria ................................................ 99 24. O tributo norma de conduta e, no, de competncia .............................................. 99

    24.1. Regra-matriz de incidncia tributria ............................................................ 100 24.1.1. Critrios do antecedente da regra-matriz .................................................... 102 24.1.1.1. Critrio material ..................................................................................... 102 24.1.1.2. Critrio espacial...................................................................................... 103 24.1.1.3. Critrio temporal .................................................................................... 104 24.1.2. Critrios do conseqente da regra-matriz ................................................... 105 24.1.2.1. Introduo relao jurdica e ao objeto do conseqente normativo ....... 105 24.1.2.2. Critrio pessoal....................................................................................... 106 24.1.2.3. Critrio quantitativo consideraes gerais ............................................ 109 24.1.2.3.1. Base de clculo .................................................................................... 109 24.1.2.3.2. Alquota consideraes gerais ........................................................... 110

    25. Classificao dos tributos e competncia tributria ................................................ 111 25.1. Espcies tributrias....................................................................................... 111 25.2. Arqutipo competencial................................................................................ 115

    Ttulo II Argumentao acerca da alquota como norma de competncia e de segurana jurdica no sistema do direito positivo .............................................. 118

    Captulo 5 Alquota definio e caractersticas ..................................................... 118 26. Breves comentrios acerca do tema perseguido ..................................................... 118 27. Aspecto quantitativista da alquota..................................................................... 121 28. Relao jurdico-tributria e alquota..................................................................... 127 29. Obrigao tributria e alquota .............................................................................. 129

    29.1. Objeto-prestao um aspecto da obrigao tributria ................................. 129 29.2. Objeto material outro aspecto da obrigao tributria ................................. 131 29.3. Influncia da alquota sobre a obrigao tributria ....................................... 132

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    29.4. Funo da alquota ....................................................................................... 133 Captulo 6 - Alquota e os princpios constitucionais tributrios ............................... 137 30. Princpios que influem na fixao das alquotas .................................................... 138

    30.1. Princpio da legalidade ................................................................................. 138 30.2. Tipicidade ou funo material da legalidade................................................. 140 30.3. Vinculabilidade ao princpio da legalidade ................................................... 142 30.4. Irretroatividade da lei tributria e alquota ................................................... 148 30.5. Princpio da anterioridade e alquota ............................................................ 151 30.6. Princpio da igualdade.................................................................................. 157 30.7. Princpio da igualdade e progressividade da alquota .................................... 162 30.8. Capacidade contributiva e alquota .............................................................. 164 30.8.1. Noes gerais ..................................................................................... 164 30.8.2. Capacidade contributiva subjetiva e progressividade ........................... 167 30.8.3. Capacidade contributiva objetiva e progressividade ............................ 168 30.9. Seletividade e alquota ................................................................................. 170 30.10. No-confisco e alquota ............................................................................. 173 30.11. Princpio da no-diferenciao tributria, em razo da procedncia ou

    destino ......................................................................................................... 175 Captulo 7 - Alquota e regras de competncia tributria .......................................... 178 31. A alquota mais um critrio conformador da competncia tributria ................... 178 32. A norma de competncia da alquota e as espcies tributrias................................ 182

    32.1. Contribuies Sociais, de Interveno no Domnio Econmico e de Interesse das Categorias Profissionais ou Econmicas .................................. 184

    32.2. A norma de competncia da alquota mnima para as Contribuies Sociais dos servidores pblicos .................................................................... 185

    32.3. A norma de competncia da alquota para as contribuies interventivas ...... 187 32.4. A norma de competncia da alquota para as contribuies sociais ............... 189 32.5. A norma de competncia da alquota para os impostos regulatrios (II

    IE IPI IOF) ............................................................................................. 192 32.6 A norma de competncia da alquota para o Imposto sobre a Renda - IR ...... 194 32.7. A norma de competncia da alquota para o Imposto sobre Produtos

    Industrializados IPI ................................................................................... 200 32.8. A norma de competncia da alquota para o Imposto sobre Propriedade

    Territorial Rural ITR ................................................................................. 202 32.9. A norma de competncia da alquota mnima para o IOF sobre o Ouro ........ 204

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    32.10. A norma de competncia da alquota mxima para o ITCMD .................... 205 32.11. As diversas normas de competncia das alquotas do ICMS ....................... 208 32.12. A norma de competncia da alquota para o IPVA ..................................... 214 32.13. A norma de competncia das alquotas para o IPTU .................................. 217 32.14. A norma de competncia das alquotas do ISS ........................................... 219

    33. O termo alquota em outros dispositivos constitucionais .................................... 223 33.1 Imposto sobre Venda a Varejo de Combustveis IVVC (art. 34, 7, do

    ADCT) ........................................................................................................ 223 33.2 Contribuio Provisria sobre Movimentao Financeira CPMF

    artigos 74 e 75 do ADCT ............................................................................. 223 33.3 Contribuio para a Seguridade Social - art. 56 do ADCT ............................ 226 33.4 Fundo Social de Emergncia - artigo 72 do ADCT ....................................... 227 33.5 Fundo de Combate e Erradicao da Pobreza ............................................... 229 33.5.1 Fundo Federal - Adicional sobre a CPMF .................................................. 230 33.5.2 Fundo Federal - Adicional sobre o IPI ....................................................... 232 33.5.3 Fundos Estaduais e Distrital Adicional sobre o ICMS ............................. 233 33.5.4 Fundos Municipais e Distrital - Adicional sobre o ISS ............................... 234

    34. Destinatrio das normas constitucionais relativas s alquotas ............................... 235 35. Limitao do poder de tributar e alquota .............................................................. 238 Captulo 8 Alquota como garantia de segurana jurdica em matria

    tributria ............................................................................................................. 241 36. Norma de competncia legislativo-tributria como segurana jurdica ................... 241 37. Exerccio regular da competncia tributria do Estado como segurana jurdica .... 244 Concluso ..................................................................................................................... 248 Ttulo I Noes propeduticas para a manipulao do Direito ..................................... 248 Ttulo II Argumentao acerca da alquota como norma de competncia e de

    segurana jurdica no sistema do direito positivo ................................................... 261 Referncias bibliogrficas ............................................................................................ 277

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    Introduo

    1. Delimitao do objeto O estudo jurdico desafio intelectual de grande vulto. Exige-se o domnio de um

    emaranhado de conceitos, definies, sistemas e valores existentes no universo

    comunicacional que infinito e, por isso, exige de qualquer estudioso a necessidade de delimitar o objeto estudado, demarcando rigorosamente os institutos com ele (objeto) relacionados.

    Nessa seara, importante destacar que o presente trabalho cuida do estudo do

    Direito, com nfase no modo analtico de aspecto jurdico especfico que ao longo dos tempos no tem sido objeto de estudos aprofundados. Trata-se da anlise dos critrios constitucionais da proposio-hiptese e do conseqente-tese da norma de competncia tributria e da regra matriz de incidncia, no que dizem respeito aos seletores das alquotas

    tributrias, capazes de influir no exerccio da competncia legislativo-tributria dos entes polticos tributantes.

    Em especial, embora intuitiva dos estudiosos do Direito, no se v um detalhamento analtico acerca da indispensabilidade de o legislador infraconstitucional

    estar adstrito aos limites materiais da norma de competncia no que atinam fixao das alquotas tributrias.

    O tema por inteiro relevante, na medida em que, para a hiptese analisada, h a possibilidade de propormos respostas s questes inerentes introduo de enunciados

    relativos definio, estrutura, fixao e utilizao das alquotas tributrias pelo legislador infraconstitucional e evidenciar a segurana jurdica do sujeito passivo da obrigao tributria relativamente a esses predicados.

    A obrigao tributria sofrer, conforme o caso, conseqncias a ponto de irradiar efeitos equivocados quanto ao montante do tributo a ser pago pelo sujeito passivo, se os critrios constitucionais da norma de competncia na instituio de regras-matrizes de incidncia no forem rigorosamente observados. Esclarea-se que a adoo da alquota tributria poder (dever) ser maior ou menor conforme os critrios de imputao dentica que, eventualmente, forem identificados nas normas de competncia institudas pela

    Constituio Federal.

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    2. Metodologia adotada

    Diante dessa relevncia, um estudo cientfico a respeito das alquotas tributrias exige revelar os meios para manipular o Direito, passando-se pelos seus principais instrumentos conceituais de anlise, para registrar a metodologia cientfica.

    A tentativa foi a de empregar mtodo investigativo, especificamente no campo da

    Dogmtica Jurdica, na esteira do que asseverava Hans Kelsen, para quem o objeto da cincia jurdica o Direito,1 esforando-nos para operarmos nos limites de uma Cincia Jurdica Strictu Sensu.2

    Com esse intento, vigiamos as nossas investigaes para no adentrarmos naquelas tidas zetticas que, para Trcio Sampaio Ferraz Jnior, seriam aquelas que tm o Direito como um objeto de estudo no mbito da Sociologia, da Antropologia, da Psicologia, da Histria, da Filosofia, da Cincia Poltica, etc., no sendo, como assevera o autor, nenhuma delas jurdica, mas to somente complementares aos juristas, para auxili-los na investigao estrita da Cincia Jurdica.3

    Assim, voltamo-nos s advertncias de Karl Larenz para nos manter na retentiva de que os cortes metodolgicos do presente trabalho foram incisivos a favor da Dogmtica Jurdica, que pauta sua investigao na delimitao balizada pela sua orientao aos

    princpios fundamentais do ordenamento jurdico vigente.4 Para alm disso, mister foi demarcar a existncia de critrios na Constituio

    Federal, especificamente em relao s alquotas tributrias, focando-se as suas normas de estrutura (competncia), tidas como arqutipos tributrios para a instituio de regras-matrizes de incidncia tributria.

    com este esprito que o rigor cientfico propiciar a convico da existncia de seletores constitucionais prefixadores das alquotas tributrias e, ainda, esmiuar as

    1 Teoria Pura do Direito. 2006, p. 79

    2 Esclarea-se que o termo Cincia ser tratado, na esteira do aludido por Eurico Marcos Diniz de Santi,

    como o conjunto de proposies descritivas, passveis de verificao emprica, acerca de um objeto suficientemente demarcado, que, no nosso caso, so os enunciados de direito positivo (Lanamento Tributrio. 2 ed. 2001, p. 50) 3 Introduo ao Estudo do Direito. 2003, pgs. 44-47

    4 Metodologia e Cincia do Direito. 2005, p. 269

  • 14

    diversas espcies de tributos discriminadas na Constituio Federal, para demonstrar as respectivas normas de competncia relativas s alquotas.

    O impulso investigativo nos conduz a uma meticulosa delimitao da competncia legislativo-tributria no que diz respeito observncia dos critrios constitucionais prefixados para a introduo de enunciados prescritores de alquotas tributrias. Falamos

    da nuance dinmica5 do tributo, no plano normativo abstrato.

    Esse tipo de trabalho demonstra que o tema propicia uma investigao necessria e sem precedentes na doutrina brasileira porque no se fala a respeito dos critrios constitucionais definidores da competncia tributria a partir da alquota.

    3. Desenvolvimento do trabalho

    A ausncia de trabalhos que tratem da alquota como norma jurdico-tributria, as caractersticas de nosso sistema jurdico tributrio e a individualidade das nossas regras-matrizes de incidncia, nos afastam da doutrina estrangeira e nos limita o auxlio da

    nacional, cujas incurses s se daro para apoio terico de natureza subsidiria pela peculiaridade da tica do estudo proposto.

    Dessa carncia revelou-se a importncia do tema, abrindo porta para uma continuidade destes estudos ou, ao menos, para chamar a ateno dos juristas especializados para uma investigao permanente nesse sentido.

    Para a efetividade de tal desgnio, o presente estudo foi desenvolvido partindo-se inicialmente da necessidade de demarcar as proposies conceituais e revelar a forma como se pretende manipular o direito positivo para extrair argumentos e demonstrar o que se pretende. Diante disso, de forma sucinta, pareceu-nos indispensvel dissertar revelando o conceito de Direito adotado e demarcando a base de todas as premissas; em seguida, a) destacamos a importncia da linguagem no Direito, sem a qual nem Direito temos; b) registramos como se opera o direito positivo, os enunciados e as normas em geral; c) decorrncia disso, falamos da construo e aplicao das normas para manipular os

    5 Segundo Kelsen, A teoria da construo escalonada da ordem jurdica apreende o Direito no seu

    movimento, no processo, constantemente a renovar-se, da sua auto-criao. uma teoria dinmica do Direito, em contraposio a uma teoria esttica do Direito que procura conceber este apenas como ordem j criada, a sua validade, o seu domnio de validade, etc., sem ter em conta a sua criao. Teoria Pura do Direito, 2006, p. 309.

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    sistemas do direito; d) acerca da norma de competncia, fizemos uma anlise do seu antecedente/hiptese e do seu conseqente; e) esmiuamos os critrios da regra matriz de incidncia tributria para revelar como se do na aplicao do direito tributrio; f) em relao alquota, abrimos a anlise especfica do tema para uma exposio geral acerca das suas caractersticas e de sua definio; g) na seqncia da investigao, fizemos uma anlise da Carta Magna no que pertine ao emprego do termo alquota e identificao dos critrios constitucionais das diversas normas de competncia relacionadas ao termo; h) posteriormente apresentamos uma anlise da alquota em relao aos princpios constitucionais tributrios e a sua regra de prefixao como norma de estrutura capaz de

    influenciar a competncia do legislador infraconstitucional, para dar segurana jurdica ao contribuinte e estabilidade ao sistema jurdico; i) por fim, conclumos pela existncia de critrios constitucionais que estabelecem a competncia tributria mediante a prefixao constitucional das alquotas, de observncia obrigatria para o exerccio da atividade

    legislativo-tributria, no que atina introduo de enunciados normativos no sistema de direito positivo pelo rgo poltico tributante. Com essa concluso, conferimos ser a norma de competncia da alquota mais um instrumento de segurana jurdica do sujeito passivo da obrigao tributria e do Estado democrtico de direito.

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    Ttulo I Noes propeduticas para a manipulao do direito

    Captulo 1 - Conceito de Direito

    Este trabalho exige, de incio, uma delimitao, ainda que objetiva e sucinta, do conceito de Direito, o qual ser considerado para todos os fins que possam nortear as idias e argumentaes que adiante sero expressas.

    Pensando do mesmo modo que Trcio Sampaio, reconhecemos, sem pr em discusso, a pluridimensionalidade do objeto que chamamos direito, o que permite diversos ngulos de abordagem, ora separados, ora ligados por nexos meramente lgicos ou didticos, ora integrados em formas sintticas. Quem pretende realizar uma investigao ontolgica do direito corre, por isso, o risco de privilegiar aspectos deste fenmeno plural, na forma de sociologismo ou psicologismos ou formalismos ou moralismos, conforme a lio de Miguel Reale a respeito.6

    Assim, de forma direta, podemos relembrar que o modo de conceber o Direito tem

    sido diferente por diversas correntes filosficas. Diante de tamanha grandeza do Direito, so inmeros os fatores que contribuem para dificultar o alcance de um conceito universal do Direito, dentre eles a diversidade de perspectivas de enfoque a partir das quais se contempla o fenmeno jurdico. Pois bem, essas diferentes perspectivas de concepo do Direito deram ensejo ao estabelecimento, durante sculos, de polmicas entre aqueles que, de forma unilateral e reducionista, pretendem oferecer uma concepo geral do Direito em funo de algum de seus componentes.

    Apesar das dificuldades de integrao e comunicao dos povos e, conseqentemente, por serem muitas as doutrinas que se ocuparam e ocupam do tema em destaque de forma individual, podem elas ser reduzidas, para fim meramente propedutico, a trs grandes grupos.

    4. Orientao sociologista ou realista

    Denominamos como doutrinas de orientao sociologista ou realista aquelas que

    descrevem o Direito pelas aes humanas como fontes da sua criao, aplicao ou

    6 Teoria da Norma Jurdica. 2006, p. 5

  • 17

    eficcia. Em termos genricos, s para demarcar essa orientao, pode-se considerar I) a chamada Escola Histrica, que compreende o Direito a partir do nimo popular que se considera como a sua fora criadora; II) alm dessa corrente, tem-se tambm a Jurisprudncia de Interesses, que tem como corte epistemolgico os interesses sociais que inspiram o Direito e lhes d a respectiva garantia de sua eficcia; III) pode-se, ainda, incluir nessa orientao as denominadas Escolas do Direito Livre, o Realismo Americano e o Escandinavo, alm de outros com igual perfil, que advogam o Direito apenas pelo aspecto criador das sentenas judiciais.

    Em resumida sntese, tem-se que essas orientaes, sociologistas ou realistas, revelam seu ponto caracterizador na circunstncia de priorizarem o seu corte epistemolgico na eficcia social do Direito, a partir da sua vigncia social experimentada por meio de sua influncia nos comportamentos reais dos homens.

    Para ns, na esteira de Alfredo Augusto Becker, essas orientaes constituem o

    chamado "momento pr-jurdico",7 pelo que no nos filiamos a ela.

    5. Teorias jusnaturalistas As teorias jusnaturalistas tendem a vislumbrar o Direito a partir dos valores que

    possam ser considerados como base de fundamentao, legitimando-o para a sua

    consecuo finalstica. A partir dessa compreenso do Direito, o valor da justia passa a ser concebido em um sentido bem amplo do bem comum ou dos direitos humanos, constituindo, assim, o sentido pragmtico de toda regra jurdica e o fundamental parmetro de sua validade.

    Alguns aspectos mais modernos dessa escola mostram que, conforme a natureza das coisas, a realidade social passa a possuir fora normativa, constituindo uma fonte de Direito qual o direito positivo deve se amoldar. Trata-se de uma reao mais recente contra o positivismo, para um retorno s concepes jusnaturalistas.

    Esta corrente revela existir uma instituio jurdica que deriva no do direito positivo, mas, sim, dos fatos da natureza, dos costumes, tradies ou usos ou das relaes

    7 Teoria Geral do Direito Tributrio. 2007, p. 22

  • 18

    vitais, como se fosse uma espcie de tipo ideal de justia que se obtm mediante a tipificao e a idealizao da individualidade da relao vital que se considera.8

    6. Teorias com influncias positivistas

    As teorias que sofrem influncias positivistas concebem a idia de um Direito que se identifica com as normas jurdicas ou sistemas normativos, como regras prescritas sociedade pelo detentor do poder, que trata de imp-las, coativamente ao mbito social.

    Essa forma de expedir regras coativas e exigir que sejam cumpridas revela a caracterstica da perspectiva adotada para conceber o Direito e a forma de se aferir a sua validade. Assim, para essa corrente, uma norma ser jurdica se, e somente se, cumprir os requisitos procedimentais previstos no prprio sistema normativo para a produo de normas.

    Integram o Positivismo Jurdico, dentre outras, as Teorias do Cepticismo e do Realismo Emprico, o Positivismo Ideolgico, o Formalismo Jurdico e o Positivismo

    Metodolgico ou Conceitual.9

    No nos interessa, aqui, esmiuar os detalhes e/ou peculiaridades de cada uma das teorias integrantes aos trs grandes grupos aqui discriminados, mas sim destacar a concepo do Direito sob a tica geral das principais correntes que nos levam a alguma

    uniformidade. Assim, para o Positivismo Jurdico, o Direito, de modo genrico, comando arbitrrio, inteiramente relativo, privado de autoridade intrnseca.

    Para os adeptos dessa teoria, o Direito visto como conjunto de regras impostas pelo poder que exerce o monoplio da fora de uma determinada sociedade, por meio de sua organizao, formando um ordenamento.10 Esse Direito, com sua prpria existncia, independentemente do valor moral de suas regras, serve para a obteno de certos fins desejveis, como a ordem, a paz, a certeza e, em geral, a justia legal.

    Para essa corrente, o direito positivo, to-s pelo fato de ser positivo, isto , a emanao da vontade dominante, justo; ou seja, o critrio para julgar a justia ou

    8 Aftalin, Enrique R. Fernando Garcia Olano e Jos Vilanova. Introduccion al derecho, 1972, p. 163/191

    9 Para aprofundamento no tema, recomenda-se a leitura de Carlos Santiago Nino, Introduccin al Anlisis del

    Derecho. Coleccin Ariel Derecho. 8 ed. Barcelona: Astrea, 1997 10

    Norberto Bobbio, Teoria do Ordenamento Jurdico, 2006, p. 27

  • 19

    injustia das leis coincide perfeitamente com o que se adota para julgar sua validade ou invalidade. Pretende esse positivismo que os juzes assumam uma posio moralmente neutra e que se limitem a decidir segundo o direito positivo vigente.

    Por meio dessas premissas, essa corrente entende que o Direito est composto exclusiva ou predominantemente por preceitos legislativos, ou seja, por normas promulgadas explcita e deliberadamente por rgos centralizados. Por fim, essa corrente pressupe que a ordem jurdica um sistema auto-suficiente para prover a soluo unvoca para qualquer caso concebvel, resumindo-se o Direito ao conjunto das leis.

    7. Opo conceitual

    Diante dessa discusso filosfica acerca da ontologia do Direito que reconhecemos a dificuldade de conceitu-lo. Entretanto, queremos registrar que o presente trabalho ser desenvolvido com base num conceito em que o Direito ser visto como um sistema harmnico e hierarquizado de normas e preceitos jurdicos, tendentes a regular as relaes intersubjetivas.

    Notadamente reconhecemos como caracterstica estrutural do direito, como sistema positivado, a presena do fato, relao e norma (jurdicos) e, na seara de sua aplicao, o imperioso reconhecimento dos valores positivados.

    Reconhecemos, com isso, que o Direito, posto como sistema, uno, indivisvel, no podendo ser cindido, sob pena de ser descaracterizado como tal.11 Em face disso, falar-se em Direito Tributrio promover to somente uma aparente ciso, de natureza meramente didtica, visando a seu estudo como elemento do Direito e na tentativa de

    esgotar a anlise, at os limites de suas nuances. Eis o motivo de reconhecermos o Direito Tributrio como disciplina jurdica cujo conceito apropriado parece-nos ser o conjunto de normas atinentes a regular a criao, fiscalizao e arrecadao das prestaes de natureza tributria.12

    Assim, importa registrar que, para fins da Cincia do Direito, fixamos como objeto-formal, em sentido estrito, o direito positivo, entendido, neste trabalho, como o

    11 Consideramos para o fechamento sinttico do sistema o axioma da norma fundamental de Kelsen.

    12 Nesse sentido Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributrio. 2005, p. 16.

  • 20

    conjunto de normas jurdicas vlidas. Por essa forma, o presente estudo seguir uma investigao calcada nessas normas, vistas como unidades estruturais do direito positivo.

    Captulo 2 - A concretizao do direito

    8. Aspecto lingstico das relaes intersubjetivas

    A manifestao humana se d pela linguagem. Sem linguagem no h significado

    e, portanto, inexiste qualquer expresso humana. Por assim ser, reconhece-se no haver mundo sem linguagem.

    Os seres humanos j nascem com caractersticas que os fazem ser dependentes da linguagem. Por ser um ser social, o homem necessita da linguagem para se comunicar com

    os seus semelhantes, todos dotados de habilidades cerebrais e sensoriais capazes de produzir, mediante o uso da linguagem, a comunicao.

    A linguagem, ento, como um conjunto de signos,13 rege as relaes humanas e a intersubjetividade delas decorrente enseja um processo comunicacional munido de regras que carecem de inmeras frmulas aclaradoras e assecuritrias de sentido, em face da complexidade e grandiosidade das infinitas formas de comunicao.14

    Assim que se exige um idioma entre os interlocutores, uma base uniforme de emprego de signos, uma estrutura convencionada para a sua utilizao, visando obter

    sucesso no processo comunicacional. Esse processo no outra coisa seno um sistema comunicativo e se constitui, em regra, pela conhecida esquematizao de Romam Jakobson, que elegeu seis elementos vitais para o processo comunicacional verbal: remetente, destinatrio, mensagem, contexto, contacto e cdigo.15

    13 Carvalho, Paulo de Barros, citando E. Husserl. Direito Tributrio. Fundamentos jurdicos da incidncia.

    2005, p. 17. 14

    Sentido sinttico, semntico e pragmtico. 15

    H outras denominaes para se referir a esses elementos, como emissor (remetente), receptor (destinatrio), contedo (mensagem), referente (contexto), canal fsico (contacto) e lngua/idioma (cdigo). Lingstica e Comunicao, 2003, p. 123

  • 21

    Segundo Jakobson, por meio desses elementos que manipulamos as funes da linguagem16 e, com isso, conseguimos influir nas relaes intersubjetivas. Nesse sentido, com o uso das funes da linguagem, o homem consegue produzir resultados, orientando a mensagem na direo que pretende.

    Samira Chalhub ensina que as atribuies de sentido, as possibilidades de

    interpretao as mais plurais que se possam deduzir e observar na mensagem esto localizadas primeiramente na prpria direo intencional do fator da comunicao, o qual determina o perfil da mensagem, determina sua funo, a funo de linguagem que marca aquela informao.17

    Disso resulta que h uma infinidade de meios funcionais da linguagem que propiciam e que interferem nas relaes intersubjetivas humanas.

    Contudo, a linguagem no est restrita s mensagens verbais, como produto da fala do Homem, havendo outros meios de linguagem que tambm propiciam a

    comunicao - que infinita.

    O corpo fala, a fotografia flagra, a arquitetura recorta espaos, a pintura imprime, o teatro encena o verbal, o visual, o sonoro, a poesia forma especialmente indita de linguagem surpreende, a msica irradia sons, a escultura tateia, o cinema movimenta

    etc.. A linguagem participa de aspectos mais amplos que apenas o verbo.18

    Alm disso, a linguagem no s comunicao, pura e simples; processo sofisticado de expresso do pensamento humano. tambm processo de conhecimento, pois este no se limita s percepes sensoriais do indivduo humano.

    Por esse mtodo de conhecimento, o indivduo projeta de sua imaginao proposies sobre objetos percebidos no mundo fsico, e at metafsico, elucubrando

    16 Idem

    17 Funes da Linguagem. 2000, p. 6. 18

    Idem

  • 22

    significaes. Segundo Lourival Vilanova19 por meio da linguagem que se fixam as significaes e, por conseguinte, que se constri o conhecimento.

    Essa manifestao lingstica, humana, se d por meio da fala que distinto da lngua. Esta o processo sistmico social, como objeto de conveno dos signos adotados em uma dada comunidade (idioma). objeto cultural, eminentemente. A fala, por sua vez, ato de uso da lngua, psicofsico e individual. Constitui-se pela seleo discricionria da estrutura lingstica com o fim de exteriorizao de um discurso lingstico do indivduo.20

    A fala se materializa por meio de enunciados lingsticos, caracterizando a mensagem falada. Assim, o enunciado o plano de expresso da mensagem direcionada

    ao destinatrio, tendo como atributo ser o suporte fsico da mensagem pronunciada. O texto. Este integrante da relao sgnica, juntamente com o significado e a significao. Diante disso, evidencia-se que o enunciado no significado e nem significao.

    Diferentemente, o enunciado produzido pelo ser cognoscente propicia to somente a atribuio de significados s coisas, como estrutura lingstica que permite ser utilizada para predicar objetos. Assim, os significados enunciados por um indivduo sero experimentados por outro, que produzir a sua significao.

    inerente ao processo comunicacional que o receptor de uma mensagem, de um enunciado, tome contato com o significado de um fenmeno qualquer21 e produz a sua significao a respeito. Importante que a significao produzida pelo receptor de um enunciado nem sempre corresponde significao de outro indivduo qualquer que tenha

    contato com aquele mesmo enunciado. E, alm disso, comum que a significao produzida pelo destinatrio do enunciado seja diferente da significao pretendida pelo prprio emissor do enunciado. Isso se d pelo fato de que o processo de apreenso da mensagem, compreenso do enunciado, relativamente22 livre.

    19 Vilanova, Lourival. As estruturas lgicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 38.

    20 Fiorim, Jos Luiz. Linguagem e ideologia, 2000, pgs. 10 e 11.

    21 Objeto de apreenso sensvel em sentido amplo.

    22 Relativo porque em se tratando de interpretao sempre haver um limite em face, ao menos, da

    literalidade do texto.

  • 23

    Com a expedio de um enunciado, ingressamos no terreno da interpretao em que, muito embora, a fonte comunicativa possa ser a mesma (o mesmo enunciado), o intrprete, o destinatrio ou qualquer outro indivduo que se proponha a analisar aquela mesma fonte, no esto adstritos ao plano fsico do enunciado. Como dito, o enunciado serve para emitir uma mensagem, porm, a informao, como produto final do processo

    comunicacional, exige ainda mais. Exige a observncia do contexto em que foi inserido tal enunciado.

    Alf Ross delimita bem essa carncia do enunciado ao dizer que a comunicao, em relao tanto inteno do emissor quanto ao efeito produzido no receptor da

    mensagem enunciada, depende de seu contexto, tomado em seu sentido amplo, ou seja, a compreenso do enunciado depende totalmente da situao vital concreta em que a comunicao ocorre.23

    Para demonstrar essa necessidade contextual da comunicao, ROSS apresenta os

    seguintes enunciados exemplificativos: `Pedro, feche a porta!, `O rei est morto. e `Est chovendo. Formulando questes como `Qual Pedro e qual porta se refere?, `Que rei? e `Onde e em que momento est chovendo?, ele demonstra, ento, que a significao da mensagem enunciada varia muitssimo segundo as circunstncias da expresso.

    Assim, evidencia-se que a comunicao no est limitada ao plano de expresso do enunciado lingstico e s obter sucesso nas relaes intersubjetivas quando a informao for apreendida no contexto adequado. Evita-se, por essa forma, a afasia da linguagem conforme asseverou Roman Jakobson.24

    Importa destacar outro enfoque da linguagem; a multiplicidade de suas funes. Essa caracterstica oportuna para uma anlise pragmtica da linguagem, haja vista que esta tem como ncleo comunicativo a expedio de enunciados introdutores de mensagens tendentes a exercer influncia no comportamento dos seus destinatrios.

    23 Ross, Alf. Lgica de las normas, 1971, p. 14

    24 Lingstica e comunicao. 2003, p. 34.

  • 24

    A linguagem, quando colocada sob essa tica pragmtica, revela uma mensagem cujo contedo traz consigo a vontade do seu expedidor em alterar o comportamento do seu destinatrio, seja no sentido de convenc-lo a agir de algum modo, seja com a inteno de alterar-lhe os sentimentos, enfim, objetiva-se que o receptor sofra os seus efeitos e aja na direo funcional da mensagem enviada.

    Assim, o que se anota que, dependendo do nimo do emissor possvel classificar a linguagem conforme a funo preponderante cravada no processo comunicacional. Falamos em preponderante porque, segundo Samira Chalhub,25 as funes dialogam e a predominncia de um dos fatores determinar a predominncia de uma

    funo da linguagem. Em suma, sempre h mais de uma funo, embora predomine uma.

    As funes so vrias; h aquelas que visam descrever um objeto, outras que visam persuadir o destinatrio, visam fins meramente informativos, fins interrogativos, e tantas outras mais que interferem e constituem as relaes intersubjetivas.

    9. A verdade da realidade como linguagem

    Diz-se, com base na evoluo da filosofia da linguagem, que a realidade no mais buscada com base na essncia do objeto do conhecimento e sim por meio do significado que se atribui ao objeto.26

    Disso resulta que a filosofia atual busca o conhecimento por meio dos signos, em que no mais se analisa a imagem do objeto (no a essncia da imagem), mas sim o seu plano de expresso, como suporte fsico do objeto referido e estrato lingstico.

    Assim, por meio da filosofia da linguagem, analisando os signos lingsticos,

    tidos como plano de expresso (suporte fsico), passou-se a entender que realidade o significado atribudo ao objeto que permite chegar ao conhecimento, articulando proposies e construindo significaes. Por essa forma, para a moderna filosofia da linguagem e para a manipulao da linguagem pelo Direito, temos como ponto de partida

    25 Funes da Linguagem. 2000, p. 8.

    26 Oliveira. Manfredo Arajo. Reviravolta lingstico-pragmtica da filosofia contempornea, 2001, p. 13

  • 25

    indispensvel o conhecimento do signo.27 O ramo especulativo dos signos a Semitica, a qual se pode dizer teve sua origem nas obras de Charles S. Peirce, Ferdinand Saussure e dos membros fundadores do Neopositivismo Lgico do histrico crculo de Viena, notadamente de Charles Morris e Rudolf Carnap.28

    O signo deve ser entendido como a unidade de um sistema lingstico que

    relaciona o suporte fsico (plano de expresso), o significado e a significao como sua estrutura.29

    Por assim ser, podemos notar que a realidade no aquilo que vemos ou tocamos no mundo, no a imagem do mundo que temos aos olhos. O que vemos, e temos como

    realidade, um conjunto de proposies lingsticas formuladas em nosso crebro sobre as imagens do mundo fsico. Este, por sua vez, no pode ser esquecido ou ignorado, pois, se o conhecimento no fosse efeito da ao dos objetos sobre os rgos dos sentidos, no haveria explicao possvel para a existncia de sensaes.30

    Assim, os estmulos sensoriais humanos so a traduo de objetos do mundo fsico. Todavia, no se confunda a traduo de objetos com cpia. Goffredo Telles Jnior31 assevera que por muitos motivos no se pode pensar que uma imagem seja uma simples cpia de um objeto que ela visa reproduzir. Primeiramente ele afirma que toda cpia cpia de um objeto conhecido. No possvel copiar o que no se conhece. Em segundo lugar ele afirma que a imagem no pode ser cpia do objeto porque a imagem, embora traduo cerebral dele, no idntica ao seu objeto. A imagem infinitamente pobre... sempre, ou quase sempre, vaga, imprecisa, incerta e, s vezes, falsa.

    Com isso, conclui o citado autor que cada sensao possibilita uma significao, mas possibilita dentro de uma organizao, de uma estrutura. Segundo ele, as estruturas deu ao homem a possibilidade de reconhecer um objeto que jamais impressionou seus

    27 Charles W. Morris, fundamentos da teoria dos signos, 1976, p. 13

    28 Apud Santaella, Lcia. O que semitica. 23a reimpr. Ed. Brasiliense. So Paulo. 2006, p. 15/16 e 80/81

    29 John Lyons, Lingua(gem) e lingstica. Uma introduo, 1987, p. 29

    30 Telles Jnior, Goffredo. O Direito Quntico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurdica. 1985, p.211

    31 Idem, p. 271

  • 26

    rgos sensrios e do qual, portanto, nunca teve sensaes e percepes, nem guarda qualquer imagem.32

    Por essas linhas, podemos perceber que o conhecimento da realidade depende de um sistema de referncias. A idia de sistema referencial condio indispensvel para o conhecimento.

    Com efeito, o sistema de referncias que permite a aferio da verdade e esta s existir se for referida a um sistema de referncia. Em outras palavras, o conhecimento s verdade quando representar uma traduo cerebral da realidade.33

    Por assim ser, a realidade se apresenta para o Direito como um conhecimento

    revestido num estrato lingstico, e, por isso, asseverou Trcio Sampaio Ferraz Jnior que a realidade, o mundo real, no um dado, mas uma articulao lingstica mais ou menos uniforme num contexto existencial.34

    Por derradeiro, a idia de verdade e realidade est adstrita ao universo de um

    sistema referencial lingstico.

    10. O processo comunicacional do direito

    Em face do acima exposto, h que se reter na memria a existncia de uma linguagem constituidora da realidade social e outra linguagem constituidora da realidade

    jurdica. Esta ltima construda a partir da primeira, funcionando como um seletor de acontecimentos sociais os quais sero captados para ingresso nos domnios do Direito.

    Assim, com a dinmica social, v-se o Direito tentando acompanh-la para ver esgotados os valores da sociedade por meio da linguagem do Direito, de cunho dentico.

    O Direito, objeto cultural35 que , manifesta-se sempre em linguagem especfica. Desta forma, surge, assim, o direito positivo como uma camada de linguagem idiomtica,

    32 Ibidem , p. 271

    33 Ibidem, p. 291

    34 Introduo ao estudo do direito: tcnica, deciso, nominao. 2003, p. 270.

    35 Bem cultural visto na concepo integrativa do ser e do dever-ser, cuja dualidade existencial o suporte e o

    significado (valor) numa relao de implicao e polaridade a que se refere Miguel Reale (Introduo

  • 27

    empregada na funo prescritiva de condutas.36 Revestido dessa forma, a linguagem do Direito canalizada para uma funo prescritiva, voltada para expedio de ordens,37 comandos voltados ao comportamento das pessoas.

    Nesse diapaso, importante notar que o Direito, por meio da linguagem, no detm o poder de controlar as condutas humanas, mas to somente de motiv-las a um

    desiderato.

    Sendo o direito positivo um corpo de linguagem utilizado na funo prescritiva surgem, ento, importantes ferramentas de anlise para manipular e extrair o melhor conhecimento desse estrato lingstico, tais como a lgica dentica, que se encarrega de

    analisar as estruturas sintticas da linguagem jurdica; a semntica, que trata dos processos de significao e a pragmtica, que trata do modo como essa linguagem se opera.

    Melhor explicando, o direito positivo apresenta-se como um conjunto de enunciados lingsticos com predomnio da funo prescritiva da linguagem. Sobre essa

    camada de linguagem prescritiva do Direito que podemos imprimir conhecimento sob a tica: a) sinttica; b) semntica; e c) pragmtica.

    Esmiuando cada uma destas, vemos que a anlise sinttica da linguagem do direito positivo possibilita examinar as relaes entre os signos que a compem (relao entre eles).

    A anlise semntica da linguagem do direito positivo, por sua vez, permite verificar de que modo os signos se relacionam com os objetos, com os fatos e com as condutas a que eles se referem (objetos significados). 38 Esse tipo de anlise visa revelar as significaes contidas em seus comandos lingsticos, permitindo identificar os valores insculpidos pela sociedade, que esta pretende proteger no meio social.

    Filosofia, 2003, p. 7) e Paulo de Barros Carvalho (Direito Tributrio. Fundamentos jurdicos da incidncia tributria, 2005, p. 4) 36

    Carvalho, Paulo de Barros. A viso semitica na interpretao do direito, Revista da Associao dos Ps-Graduandos da PUC-SP, 2:5, 1997, p. 5. 37

    Robles, Gregrio. O Direito como Texto. Quatro estudos da teoria comunicacional do direito. Trad. de Roberto Barbosa Alves. So Paulo: Editora Manole, 2005, p. 79. 38

    Santi, Eurico Marcos Diniz de. Lanamento Tributrio. 2 Ed. 1999, p. 28.

  • 28

    Por fim, o estudo pragmtico da linguagem do Direito elucidar as relaes viventes entre os sujeitos emissores e receptores de mensagens jurdicas e as mensagens propriamente ditas. Por essa tica, pragmtica, v-se que o direito positivo objetiva alterar as condutas, orientando-as no sentido desejado.

    Segundo Paulo de Barros Carvalho, a busca do resultado desejado pelo direito positivo implica a influncia por todo tipo de estmulos, at mesmo a sano em ltimo caso.39

    Alm desse ngulo de viso, do direito positivo como camada de linguagem, vale voltar os olhos para o fato de que h outras linguagens e, em especial, linguagens que

    cuidam de explicar outras linguagens. Isso nos d a idia de um sobreplano de linguagens, da existncia de uma hierarquia de linguagens.

    Nesse sentido, o autor supracitado discorre acerca da denominada hierarquia da linguagem (linguagem-objeto e metalinguagem), teoria que parte da premissa de que onde houver uma linguagem existir sempre a possibilidade de falar-se a respeito dela. Importa reconhecer que h nveis de linguagem, de tal modo que aquela em que se fala chamada de linguagem-objeto, ao passo que a empregada para falar da linguagem-objeto denomina-se metalinguagem.40

    Dentre as diversas metalinguagens que h no universo comunicacional, destaca-se a que tm o direito positivo como linguagem-objeto, denominada de Cincia do Direito. Esta uma linguagem que se constitui em um corpo de proposies descritivas do sistema de prescries que compe o direito positivo.

    A respeito dessa relao hierrquica, existente entre direito positivo e Cincia do Direito,41 Lourival Vilanova aduzia que a linguagem da cincia jurdica inevitavelmente passa a ser linguagem sobre outra linguagem, tomando a linguagem do direito positivo como linguagem-objeto. (...) seu propsito exibir em linguagem apofntica a linguagem

    39 Curso de direito tributrio, 2005, p. 516 e Direito Tributrio. Fundamentos jurdicos da incidncia, 2005, p.

    15 40

    Carvalho, Paulo de Barros. Lngua e Linguagem - Signos Lingsticos - Funes, Formas e Tipos de Linguagem - Hierarquia de Linguagens. In: Apostila do Curso de Filosofia do Direito I - Lgica Jurdica. Programa de Ps-Graduao da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. 41

    Adotaremos Direito em letra maiscula para nos referirmos Cincia do Direito e em letras minsculas para o direito positivo.

  • 29

    dentica do direito positivo, recolhendo, pois, tanto normas quanto as condutas normativamente qualificadas.42

    Em face disso, podemos concluir que a linguagem da Cincia do Direito possibilita a expedio de proposies capazes de descrever os enunciados prescritivos do direito positivo. Com efeito, portanto, h que se distinguirem os planos da linguagem do

    direito positivo do plano da linguagem da Cincia do Direito, especialmente pela funo que cada uma desempenha no processo comunicacional do Direito.

    As proposies do direito positivo se revestem de uma linguagem prescritiva, ordenativa, de condutas; j as proposies da Cincia do Direito apresentam-se como linguagem descritiva, denotativa ou referencial. Essa diferena na funo da linguagem se faz no plano de sentido pragmtico.

    Alm dessa cunhagem diferencial de funo da linguagem do direito positivo e da Cincia do Direito, possvel distingui-las tambm no plano sinttico, de natureza lgica.

    Como dito acima, a Cincia do Direito se expressa por proposies descritivas e, por essa forma, so experimentadas pelos valores de verdade ou de falsidade da Lgica Apofntica.43 Formalizando, podemos dizer que so frmulas do tipo A B e que, por isso, experimentam o sucesso da verdade ou falsidade da proposio.

    Diferentemente, a linguagem prescritiva do direito positivo testada pelos valores vlido ou no-vlido, prprios da Lgica Dentica.44 Vale notar que no so os comportamentos humanos a experimentarem o sucesso da validade ou invalidade dessa linguagem; as proposies desta linguagem objetivam to somente modificar os comportamentos sem, entretanto, exp-los a teste.

    Isso significa to somente que o comportamento humano, contrrio a uma

    prescrio normativa, no afeta o seu valor de verdade/falsidade, pois, em termos cientficos, a norma jurdica vlida ou invlida.45

    42 Vilanova, Lourival. Norma jurdica Proposio Jurdica (Significao semitica). RDP 61/12, p. 12

    43 Idem

    44 Ibidem

    45 Trataremos sobre validade da norma em subttulo prprio.

  • 30

    Destaque-se, como fez Lourival Vilanova,46 que o ilcito no invalida a proposio normativa correlata, sob pena de ruir o respectivo sistema de normas. Para este consagrado jusfilsofo, a proposio que recolhe o caso concreto discrepante do tipo normativo proposio descritiva de um estado-de-coisas (de conduta que, de fato, descumpre o juridicamente estatudo); todavia tal proposio descritiva no pode invalidar proposio dentica ou prescritiva..

    Por derradeiro, o ngulo semntico tambm oferece uma distino no plano das linguagens do direito positivo e da Cincia do Direito.47 Esse plano estreita o intervalo interpretativo entre as linguagens do direito positivo e da linguagem social, haja vista estar voltado ao sentido das condutas intersubjetivas no seu contexto social. No que atina Cincia do Direito, o uso da linguagem, na funo semntica, propicia a formulao de proposies cujo objetivo proporcionar uma melhor compreenso das ordens e dos valores emanados pelos textos do direito positivo (textos legais).

    Insta salientar, que tal discurso tem natureza eminentemente descritiva, fala de seu objeto, o direito positivo, que, por sua vez, tambm se apresenta como um estrato de linguagem, porm de cunho prescritivo.

    A Cincia do Direito deve ser entendida como o conjunto de proposies descritivas a respeito de um determinado sistema de direito positivo, cuja finalidade investigar, interpretar e descrever o feixe de normas jurdicas que tem como objetivo ordenar as relaes intersubjetivas.

    Igualmente, trata-se de linguagem de sobrenvel (pois descreve um objeto que, por sua vez, tambm est vertido em linguagem), de natureza descritiva (sendo a verdade e a falsidade seus valores prevalentes), cuja base emprica sero os textos legais que veiculam as normas do direito positivo, os quais so depurados mediante a substituio de termos imprecisos por outros, buscando sempre que possvel a univocidade dos vocbulos lingsticos.

    46 Vilanova, Lourival. 1997, p. 106.

    47 Carvalho, Paulo de Barros. A viso Semitica na Interpretao do Direito, 1997, p.6.

  • 31

    De qualquer maneira, a linguagem da Cincia do Direito sempre ser empregada de modo a assegurar um processo de elucidao com a apresentao do sentido de eventuais termos ambguos ou vagos empregados na linguagem.

    Para a afirmao de conceitos, importa anotar que empregamos o termo cincia como o conjunto de proposies descritivas, passveis de verificao emprica, acerca de um objeto suficientemente demarcado: no caso, os enunciados de direito positivo.48

    Segundo Paulo de Barros Carvalho, para isolar o Direito necessrio promover um corte no domnio heterogneo da linguagem que recobre todo o espao da vida social, provocando, com isso, o aparecimento de um subdomnio homogneo em que se situa a

    linguagem prescritiva. Nesta camada de linguagem, realiza-se outro talho selecionando o outro subdomnio formado pela linguagem prescritiva do direito positivo, com o qual se identificam os enunciados prescritivos que exibem a caracterstica da juridicidade.49

    Neste particular, observe-se que a juridicidade de um enunciado prescritivo qualquer no poder ser atestada pelo exame do seu prprio corpo de enunciado. Isto ocorre porque a diferena existente entre um enunciado prescritivo jurdico e outro enunciado qualquer , justamente, o sistema de enunciados em que o primeiro est inserido.

    A compreenso de juridicidade desloca o predicado ser-jurdico dos enunciados prescritivos para o conjunto em que estes enunciados esto contidos, do mesmo modo como Norberto Bobbio deslocou a questo de ser jurdica a norma pertencente a um ordenamento jurdico. Segundo este jusfilsofo, o problema da definio do Direito se torna um problema de definio de um ordenamento normativo e, conseqentemente, diferenciao entre este tipo de ordenamento normativo e um outro, no o de definio de um tipo de normas.50

    Em razo disso, na esteira de Bobbio, devemos inferir que para identificar um enunciado prescritivo jurdico bastar constatar que ele pertence linguagem do direito positivo. Conclui-se, portanto, intil ser qualquer esforo para demarcar o direito positivo

    48 Santi, Eurico Marcos Diniz de. Lanamento Tributrio. 1999, p. 50

    49 Direito Tributrio. Fundamentos jurdicos da incidncia tributria. 2005, p. 4

    50 Teoria do Ordenamento Jurdico. 2006, p. 28

  • 32

    indo diretamente aos enunciados que o compe, o que s ser possvel pela considerao de todo o conjunto de enunciados.

    11. Os planos lingsticos do direito enunciado e norma

    Diante dos aspectos da linguagem acima comentados, podemos reafirmar que o direito positivo aparecer sempre como fato comunicacional, cuja expresso se d em planos distintos, aparecendo primeiramente como produto legislado,51 na feio de enunciado legal e, em segundo plano, como produto regulador, na estrutura de uma norma jurdica.

    Vale notar que o plano dos enunciados legais um plano de expresso textual do

    direito positivo e encontra-se como pressuposto do plano normativo, das normas jurdicas. Assim, necessrio evidenciar que o direito positivo se manifesta pelos planos de expresso e de contedo, revelando-se a importncia em se ter discernimento acerca da diferena semntica entre enunciados e normas jurdicas para a manipulao do Direito.52

    A proposta deste captulo vem no sentido epistemolgico, pois se tenta demarcar os pressupostos que serviram de instrumentos para a manipulao do direito positivo, como adiante tentaremos demonstrar.

    11.1. Produto positivado texto legal enunciado

    Ao reconhecermos na linguagem o nico meio de se construir a expresso dos objetos do mundo fsico, levando-se em conta o seu suporte fsico, o significado e a significao, entusiasmadamente a tomamos como ferramenta eficiente para o isolamento do direito no universo lingstico para dele conhecer o seu contedo.

    Trata-se de um isolamento gnosiolgico, em que podemos restringir a nossa anlise ao estrato de linguagem do direito positivo, como discurso produzido pela

    51 Sentido amplo de produto introduzido no sistema do direito positivo

    52 Carvalho, Paulo de Barros. Direito Tributrio. Fundamentos jurdicos da incidncia tributria. 2005, p.

    59/61.

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    linguagem do legislador.53 Com isso, vemos a importncia de destacarmos o estrato de linguagem, como objeto significado, produzido pelo legislador (sentido amplo), e como plano de expresso do direito positivo, ou seja, somente como texto legal produzido.

    Queremos enfocar que a produo e a introduo de enunciados legais, como objeto do direito, nos possibilitam o acesso, num primeiro momento, to somente ao produto legislado, ao texto legal especificamente.

    Assim, o direito positivo o conjunto de enunciados prescritivos produzidos pela autoridade competente, como pressuposto das normas jurdicas reguladoras das condutas humanas. Com efeito, no pode ser considerada uma proposio da Cincia do Direito,

    pois se trata de um texto legal, visto suas caractersticas lingsticas serem incompatveis com o discurso cientfico.

    Temos, nesse estrato lingstico, um texto de natureza prescritiva, cujos valores vigentes so os da lgica dentica54 (vlido e no-vlido), tendo como escopo influenciar as relaes intersubjetivas ocorridas entre os indivduos do lugar no qual propaga seus efeitos.

    O produto positivado, portanto, como texto de direito, em hiptese alguma, pode ser confundido com as proposies da Cincia do Direito, j que se trata de corpos de linguagem diversos, com discursos dspares e incompatveis e com funes semnticas e pragmticas diferentes.

    Nesse universo lingstico, identificamos o texto legal como o objeto emprico da Cincia do Direito. sobre esse texto que o operador do direito debrua-se com o intuito de interpret-lo e descrev-lo de modo a poder extrair de seu interior as normas que nortearo o comportamento dos indivduos em suas relaes intersubjetivas.

    53 Em sentido amplo para amparar toda e qualquer autoridade competente para introduzir enunciados legais

    no sistema do direito positivo, assim abrange os parlamentares que introduzem leis (em sentido amplo), os magistrados que expedem sentenas/acrdos, as autoridades administrativas que procedem autuaes e at mesmo os particulares quando celebram contratos. 54

    Vilanova, Lourival. Estruturas lgicas e o sistema do direito positivo. 1997, p. 106.

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    O produto positivado documento normativo e, bem nesse sentido, vem lio de Trek Moyss Moussallem, para quem a Constituio Federal, emenda constitucional, lei complementar, lei ordinria, decreto, portaria, instruo normativa, sentena, acrdo, ato administrativo, contrato, etc., so invlucros compostos por enunciados, que no vm a ser as normas.55

    Como se percebe, o produto legislado o plano de expresso do direito positivo e esse corpo lingstico que possibilita a estimulao de mensagens denticas. Nessa linha, inevitvel no destacar que o legislador56 no cria normas, no produz significaes normativas. Ele se limita a introduzir enunciados legais no sistema do direito positivo.

    Assim tambm agem os magistrados e os Tribunais em relao s sentenas e acrdos, bem como as autoridades administrativas, na lavratura de autos de infrao e imposio de multa, e, at mesmo, os particulares em relao celebrao de contratos; todos eles expedem enunciados que viabilizam a produo de significados necessrios para a

    construo de normas jurdicas.

    Obviamente que o processo de construo da significao dentica no decorre exclusivamente do plano de expresso, dos enunciados. Esse o primeiro dado para impulsionar o processo;57 h tantos outros relevantes, sem os quais no se chegar com

    rigor significao do dentico, tais como: valores, circunstncias histricas, polticas, ideologias e tantas outras circunstncias que interferem no processo de produo do sentido jurdico de determinada norma. So inerentes ao processo de significao as associaes de sentidos, pois, visa-se a buscar o contexto em que a norma poder ser

    construda.

    Assim, para o direito, no pode haver texto sem contexto.58

    55 Moussallem, Trek Moyss. As fontes do direito tributrio. 2006, p. 166

    56 Sentido amplo, abrangendo toda autoridade competente para expedir enunciados legais.

    57 Paulo de Barros Carvalho diz que o texto ponto de partida para a formao das significaes e, ao mesmo

    tempo, para a referncia aos entes significados, perfazendo aquela estrutura tridica ou trilateral que prpria das unidades sgnicas. Fundamentos jurdicos da incidncia tributria, 2005, p. 17. 58

    Carvalho, Paulo de Barros. Fundamentos jurdicos da incidncia tributria, 2005, p. 18.

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    11.2. Produto regulador norma jurdica

    Entendemos como produto regulador a entidade originada em decorrncia do

    processo de construo de uma significao dentica completa, que tem como pressuposto a existncia de enunciados legais. a norma jurdica, dotada de comando normativo regulador das relaes intersubjetivas.

    A norma jurdica a significao que obtemos por meio da leitura e interpretao dos textos de direito positivo. ato cognitivo, produzido dentro da mente do intrprete, resultado da percepo sensorial do mundo exterior e selecionado pelos sentidos. , exatamente, o objeto emprico da Cincia do Direito.

    Quanto sua estrutura, pode-se afirmar que a norma jurdica possui estrutura dual,59 ou seja, composta por duas partes distintas denominadas de hiptese60 e conseqente. A hiptese, de natureza descritiva, reproduz uma situao do mundo fenomnico que, ao se verificar, acarretar o nascimento de uma relao jurdica cuja prescrio encontra-se no conseqente da norma.61

    Nas palavras de Lourival Vilanova, a proposio normativa, mostra estrutura implicacional: se se d um fato F, recolhido numa proposio p, um sujeito se coloca em relao dentica com outro sujeito.62

    Por assim ser, a norma jurdica possuir sentido dentico completo quando for formada, a partir do direito positivo, pela descrio de um evento, como uma hiptese, a qual servir de pressuposto a desencadear uma conseqncia, representada, por sua vez, por uma proposio relacional prescritiva de uma conduta proibida, permitida ou obrigada

    (uma conduta modalizada).

    59 No nos referimos teoria da estrutura dual da norma como sendo norma primria (preceito primrio) e

    norma secundria (norma sancionadora) a que se refere Lourival Vilanova em As estruturas lgicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 111. Trata-se da estrutura dual interna da norma. 60

    Adotaremos o termo hiptese para fazer referncia ao pressuposto das normas abstratas e o termos antecedente para as normas concretas. 61

    Clber Giardino j defendia essa estrutura em meados de 1980, em Introduo teoria das redues tributrias, RDT, 13-14, pgs. 224/236. 62

    Vilanova, Lourival. Estruturas lgicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 112

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    Vale notar que a estrutura formal da norma nada diz sobre fatos ou comportamentos; insta destacar que servir necessidade de atestar que a um fato pressupe a existncia de outro. Isso s nos ajudar a entender que a norma, sob essa perspectiva, deve conter elementos mnimos para a constituio de uma relao jurdica.

    O preenchimento do contedo da hiptese e do conseqente normativo depender

    de interpretao do texto do direito positivo, em que haver que se identificar o evento descrito e as correspondentes relaes que dele (evento) irradiam.

    Assim, os elementos normativos so construdos pelo intrprete do direito positivo a partir de seu contato com a textualidade dos enunciados introduzidos no sistema

    jurdico.63 O percurso do intrprete pelo texto do direito positivo que o estimular produo de um juzo acerca do que est nele e ao seu redor incrustado, explcita ou implicitamente. a presena da sincronia entre texto e contexto proporcionando a formulao de uma proposio dentica, cuja mensagem e informao acerca de determinado comportamento se constituem no contedo material da norma jurdica. Assim, saber se o comportamento permitido, proibido ou obrigatrio.

    Paulo de Barros Carvalho assevera, nesse sentido, que a norma jurdica a significao que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo. Trata-se de algo

    que se produz em nossa mente, como resultado da percepo do mundo exterior, captado pelos sentidos. Vejo os smbolos lingsticos marcados no papel, bem como ouo a mensagem sonora que me dirigida pelo emissor da ordem. Esse ato de apreenso sensorial propicia outro, no qual associo idias ou noes para formar um juzo, que se apresenta, finalmente, como proposio.64 Como corolrio, a norma jurdica a significao dos enunciados prescritivos do direito positivo e de seu contexto.

    No universo de enunciados e normas no vemos correspondncia quantitativa entre uns e outras. Com certeza, encontraremos uma quantidade de enunciados totalmente diversa da de normas, assim podemos encontrar um nmero maior de normas do que de

    enunciados ou, at mesmo, maior de enunciados em relao s normas.

    63 Sobre sistema jurdico aduziremos na seqncia.

    64 Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributrio. 2005, p.8.

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    Isso se deve pelo fato de que tratamos de universos distintos, de planos lingsticos distintos. Esses planos indicam que a construo das normas decorrem da interpretao do plano de expresso dos enunciados e, portanto, podemos ter v.g. para alguns enunciados uma nica norma ou, do contrrio, um nico enunciado possibilitar algumas normas (se bem que mais incomum no direito positivo brasileiro).

    Outro aspecto relevante da norma jurdica que, no seu plano abstrato,65 podemos antever uma relao implicacional da proposio-hiptese, como elemento descritivo de um evento hipottico, com a proposio-tese, a qual prescreve critrios necessrios

    constituio de uma relao jurdica qualquer entre sujeitos de direitos e deveres e, por isso, predicamos de conseqente normativo.

    O que vale notar nesse cenrio que os elementos proposicionais da norma jurdica (hiptese e tese) fornecem critrios para a constituio de fatos jurdicos e das respectivas relaes jurdicas que deles se desencadearam, regulando-as.

    Em remate, no conseqente da norma jurdica, mais precisamente nos critrios da relao jurdica prescrita, que encontramos um dever-ser modalizado pelos imperativos permitido, proibido e obrigatrio, regulando as relaes intersubjetivas.

    12. Texto e contexto sistemas normativos

    Em uma conformao da linguagem na busca de sentido, no podemos admitir a hiptese de existir texto sem contexto.66 O texto instncia fsica com o qual o homem toma contato para a produo de significaes. Essas significaes, no entanto, no decorrem pura e simplesmente desse contato fsico; so, na verdade, o resultado de idias,

    noes, sensaes experimentadas juntamente com o contato fsico do texto.

    65 Abstrato no sentido de no existir ainda uma relao jurdica concreta, efetivamente amoldada quela

    hiptese por ato de aplicao do direito. 66

    Expresso utilizada por Paulo de Barros Carvalho em Direito Tributrio. Fundamentos jurdicos da incidncia tributria, 2005, p. 18

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    Como assevera Paulo de Barros Carvalho, o texto o ponto de partida para a formao das significaes e, ao mesmo tempo, para a referncia aos entes significados, perfazendo aquela estrutura tridica ou trilateral que prpria das unidades sgnicas.67

    Por assim ser, o texto ganha conotao relacional, agregando sua instncia fsica uma poro de tantas outras instncias textuais que acabam por gerar associaes e, por

    conseqncia, possibilitar as significaes.

    Essas associaes no pertencem mais ao domnio do texto e, sim, do contexto, e nesse sentido que Paulo de Barros Carvalho afirma que surge logo uma distino que h de ser feita: texto em sentido estrito e texto em acepo ampla. Strictu sensu, texto se

    restringe ao plano dos enunciados como suportes de significaes, de carter eminentemente fsico, expresso na seqncia material do eixo sintagmtico. Mas no h texto sem contexto, pois a compreenso da mensagem pressupe necessariamente uma srie de associaes que poderamos referir como lingsticas e extralingsticas.68

    Em relao a isso, assevera Alf Ross que o o processo de comunicao (ou mais brevemente, `a comunicao) depende de algo mais que de fatores lingsticos. Sabe-se que a comunicao, em relao tanto inteno do emissor quanto ao efeito produzido no receptor, depende de seu contexto, tomado em seu sentido amplo, isto , depende da total

    situao vital concreta em que a comunicao ocorre.69

    Decorrente dessas manifestaes que podemos vislumbrar que, sem ingressarmos na sua estrutura contextual, o enunciado lingstico (texto) por si s, em sua instncia eminentemente fsico-material, no possui significao.

    Com efeito, a significao decorre da idia de texto e contexto e, tendo em vista isso, somos levados a pensar na unidade do discurso lingstico, visando buscar a sua

    67 Carvalho, Paulo de Barros. Fundamentos jurdicos da incidncia tributria, 2005, p. 17

    68 Idem, p. 18.

    69 O original consta assim: El proceso de comunicacin (o ms brevemente, `la comunicacin) depende de

    algo ms que de factores lingsticos. Como es sabido, la comunicacin, em relacin tanto la intencin del emisor como al efecto producido em el receptor, depende de su contexto, tomado en un sentido amplio, esto es, depende de La situacin vital concreta en la situacn ocurre.. ROSS, Alf. Logica de las normas, 1971, p. 14.

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    uniformidade e entender como o direito regula as relaes intersubjetivas por meio das normas.

    Ainda na esteira de Paulo de Barros Carvalho, vale lembrar que como significaes construdas a partir dos enunciados prescritivos, as normas jurdicas existem num universo de discurso que o sistema de direito posto.70

    Assim, em termos cientficos, podemos aduzir que a idia de sistema que nos trar um discurso jurdico coerente e uniforme. No entanto, acerca do termo sistema, cumpre-nos destacar, de incio, que h grande instabilidade semntica no seu emprego e, em face disso, h tambm infindveis discusses filosficas e cientficas71 sobre a forma

    sistematizada para se chegar ao conhecimento. Por envolver questo da ontologia, no vamos manifestar um juzo a esse respeito. Partiremos da adeso ao conceito de sistema como um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referncia determinada.72

    Registre-se tambm a importncia da classificao de sistema feita por Hans Kelsen em que fala acerca dos sistemas dinmicos73 (em que as normas so deduzidas umas das outras por sucessivas delegaes de poder) e estticos (em que as normas se interligam no que se refere ao seu contedo). Assim tambm enriquecedora a classificao feita por Marcelo Neves, sobre a qual aderimos idia de sistema proposicional, nomoemprico descritivo (para enunciados da Cincia do Direito) ou prescritivo (para enunciados do direito positivo).74

    Vale observar que o direito positivo, como discurso jurdico (texto e contexto), passa a ser visto como um ordenamento de enunciados e de normas. Nesse sentido, Trcio Sampaio Ferraz Jnior certifica que, no direito contemporneo, a dogmtica tende a ver o

    70 Fundamentos jurdicos da incidncia tributria, 2005, p. 41

    71 Bobbio, Norberto. Teoria do ordenamento jurdico, 2006, p. 71

    72 Fundamentos jurdicos da incidncia tributria, 2005, p. 43

    73 Teoria Pura do Direito, 2006, p. 219.

    74 Teoria da inconstitucionalidade das leis. Saraiva, 1988, p. 4.

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    ordenamento jurdico como um conjunto sistemtico e, por isso, segundo ele, quem fala em ordenamento pensa, logo, em sistema.75

    Em consonncia com o conceito de sistema acima colacionado, Norberto Bobbio, ao estudar a coerncia do ordenamento jurdico, formulou a seguinte idia: Entendemos por sistema uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem.76

    Conquanto esteja aberta a discusso ontolgica sobre sistema, fiquemos aqui com a idia fundamental de um conjunto de elementos relacionados uniformemente entre si, em face de uma mesma referncia e segundo uma estrutura nica.

    Em termos paradigmticos, mas enfocando o sistema das lnguas, Jos Luiz Fiorin afirma que o sistema um conjunto de elementos com uma organizao interna, ou seja, com uma estrutura.77

    Assim, destaca-se que a estrutura do sistema escalonada, caracterizando-se

    como um conjunto de regras que estabelecem as diferentes relaes internas de coordenao (horizontalidade) e de subordinao78 (verticalidade) entre os elementos do conjunto.

    Com fulcro nessas premissas, podemos afirmar que um conjunto qualquer de normas, agrupadas sem critrio, no se encaixa no conceito de sistema. Ser, no mximo, um conjunto de normas (um simples repertrio no dizer de Trcio Sampaio Ferraz Jnior),79 mas jamais um sistema hierrquico de normas.

    Em remate desse tema, importa destacar que, ao sistema jurdico, predicam-se foros de unidade mediante corte metodolgico, com o apoio do axioma da norma hipottica fundamental de Kelsen,80 para a qual todas as normas jurdicas convergem em

    75 Introduo ao estudo do direito, 2003, p. 176.

    76 Teoria do ordenamento jurdico, 2006, p. 71

    77 Fiorin, Jos Luiz. Linguagem e ideologia. 7 ed. So Paulo: Ed. tica. 2000, p. 11.

    78 Segundo Trcio Sampaio, hierarquia um conjunto de relaes, estabelecidas conforme regras de

    subordinao e de coordenao. Introduo ao estudo do direito, 2003, p. 175 79

    Introduo ao estudo do direito, 2003, p. 175. 80

    Teoria Pura do Direito, 2006, p.217

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    face da fora hierrquica existente entre elas. Por derradeiro, a homogeneidade do sistema atestada pela multiplicidade de normas de mesma ndole81 dentro do sistema.

    12.1. Sistema dos enunciados legais

    O texto jurdico prescritivo no pode ser confundido com o sistema do direito positivo. Paulo de Barros Carvalho destaca muito bem acerca da distino que deve haver

    entre sistema dos enunciados legais e sistema do direito positivo. Para ele, o primeiro est no plano das literalidades textuais, da morfologia e sintaxe gramaticais. mero suporte fsico que possibilita to somente anlise vernacular do texto jurdico, sem entrar no plano de contedo do direito.

    Trata-se de uma ciso, de cunho estritamente metodolgico, para segregar, analiticamente, o suporte fsico (texto) do contedo (norma) dos enunciados prescritivos do direito positivo.

    , qui, obra de interesse acadmico para enfatizar que o texto normativo o nico e exclusivo dado objetivo para os integrantes da comunidade comunicacional. Essa objetivao, por meio do texto legal, ganha foros de importncia, na medida em que, num ordenamento jurdico escrito, a ausncia de suporte fsico implica a ausncia de norma jurdica e, conseqentemente, a falta de regulamentao das relaes intersubjetivas no previstas.

    Segregando a estrutura textual dos enunciados jurdicos, pode-se, num primeiro momento, fazer a anlise morfolgica das unidades lingsticas e detectar a existncia de um conjunto, sintaticamente finito, cujos elementos mantm uma estrutura sistmica. o que assevera Paulo de Barros Carvalho, ao afirmar que os textos jurdico-positivos, nessa dimenso de anlise, vo constituir conjuntos finitos de enunciados prescritivos, racionalmente organizados na forma de sistema.82

    Com essas breves palavras, queremos destacar que no se opera o direito to somente com a manipulao do texto jurdico, com a sua base material (mero suporte

    81 Direito Tributrio. Fundamentos jurdicos da incidncia tributria, 2005, p. 48

    82 Idem, p. 66

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    fsico). instintivo, mas bom que se registre, que o contato com o texto nos leva imediatamente ao plano do contedo do enunciado, porm, na seara cientfica, mister se faz ressalvar que uma coisa anlise do plano de expresso e outra coisa a anlise do plano de contedo do enunciado do direito positivo. So sistemas discursivos distintos.

    O sistema da literalidade textual permite ao exegeta transitar pelos domnios da

    lngua (idiomtica) e ingressar na anlise morfolgica e sinttica da estrutura enunciada, podendo avaliar o sentido (sinttico) das construes frsicas. relevante tal experincia, na medida em que permite uma avaliao prvia do sistema textual que d base para a construo das significaes de todo o sistema jurdico positivo, permitindo antever deficincias morfolgicas e sintticas e ignor-las ou corrigi-las para o ingresso no plano de contedo dos enunciados prescritivos do direito positivo.

    Como vimos, nessa plataforma lingstica que o legislador (sentido amplo) introduz alteraes e faz repercutir, em todo o sistema jurdico positivo os efeitos da sua mudana que, embora textual, altera o contedo das significaes dos enunciados legais.

    12.2. Sistema das normas

    Ingressando agora no plano de contedo dos enunciados jurdicos, vamos nos ater ao limite substancial da significao, isto , proposio extrada do enunciado. Isso nos

    d uma idia de que enunciado aqui entendido como a base material, articuladamente produzida pelas regras idiomticas, e a substncia do seu contedo como uma proposio de sentido. Portanto, enunciado e proposio sero tidos como de instncias materiais distintas.

    Diante dessa evoluo, podemos notar que o jurista ingressa em outro sistema, em um sistema de significaes jurdicas em que ele poder identificar a regulao das relaes humanas (intersubjetividades).

    Contudo, esse ingresso, por si s, ainda limitado. Conquanto o jurista se depare com o contedo dos enunciados prescritivos, enxerga-o de forma isolada, retirando

    pequenas pores de significao do dentico.

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    Agindo assim, o intrprete ter mero contato com a significao do plano bsico do enunciado prescritivo, como unidade do sistema do direito positivo. Nesse angusto espao construir significaes tambm isoladas que no revelaro o verdadeiro teor do dentico normativo do sistema positivado. No ir construir normas jurdicas.

    Nesse sentido, veja-se como o exemplo citado por Paulo de Barros Carvalho elucidativo: A lngua portuguesa o idioma oficial da Repblica Federativa do Brasil. 83

    . Como podemos notar, o disposto no artigo 13 da Constituio Federal, embora seja um enunciado prescritivo, no revela em seu corpo e contedo o mnimo do dentico (o dever-ser normativo), permanecendo como uma simples frase prescritiva (mera unidade enunciada). Disso resulta que, se ficssemos limitados a esse domnio, teramos a seguinte dvida: Est bem que o idioma oficial do Brasil, mas e da, o que isso significa? Significa que, somente com esse estrato lingstico, compreenderamos que o idioma oficial do Brasil e pronto.

    Por assim ser, o sistema do direito positivo exige mais do intrprete para que ele atinja o patamar das normas jurdicas. Reclama a aglutinao e o confronto de enunciados prescritivos, fazendo com que o intrprete articule e transite pelos enunciados soltos 84 por todo o conjunto sistmico.

    por meio dessa atividade que se revela a existncia de um sistema do direito positivo, em que as unidades se caracterizam como um sistema de normas, diversamente do sistema de enunciados.85 Assim que podemos afirmar que as normas jurdicas so elementos do direito positivo.86

    Importa destacar, ainda, que nesse plano sistmico que encontramos os fatos jurdicos, as relaes jurdicas, as hipteses e conseqncias jurdicas, todos como elementos integrantes das normas jurdicas. Por isso, no podemos admitir a hiptese de

    83 Ibidem, p. 72

    84 Enunciados prescritivos soltos no sentido de unidades sistmicas isoladas, integrantes de um mesmo

    conjunto. 85

    No sentido anteriormente comentado, ou seja, como mera plataforma fsica (suporte fsico). 86

    Lourival Vilanova assevera que um sistema de normas jurdicas sistema emprico. Estruturas lgicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 247

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    encontrarmos desgarrados do sistema do direito positivo por comporem a estrutura das normas jurdicas.

    de se ver, ento, que