Sim Sim Não Não 112

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UM DOCUMENTO “OBSCURO” Num artigo precedente (cf. Sim Sim Não Não Nº 110 – Julho/2002), expusemos e justificamos nosso juízo negativo sobre o documento emanado do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos. O dito juízo os neomodernistas o compartilham no essencial, conquanto para eles, diferentemente de nós, é motivo de satisfação jubilosa. O correspondente romano do National Catholic Reporter (16 de novembro de 2001) nos faz saber que «esta recente e obscura [‘obscure’] [sic] diretriz sobre a intercomunhão com os cristãos assírios» é para o jesuíta Robert Taft, «liturgista e especialista em cristandade oriental», «provavelmente a decisão mais significativa tomada pela Santa Sé nestes últimos cinqüenta anos». Mais “significativa”, pois, que a própria “reforma litúrgica” de Paulo VI. E por quê, se se pode saber? Porque este documento «nos faz superar uma teologia medieval de palavras mágicas». Naturalmente! Como não o iria ser! E isso porque aqui se trata das palavras com que Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu a Eucaristia e com as quais o sacerdote renova sobre o altar, in persona Christi, o sacrifício de Cristo. Palavras nas quais o Salvador mesmo, não a “teologia medieval”, indicou que radicava a virtude consecratória da missa (e, a exemplo Seu, a antiqüíssima e ininterrupta tradição católica, custodiada e defendida pela Igreja) (v. Concílio de Florença, Denz. 698). O jesuíta Taft segue dizendo que «o documento reconhece os enormes progressos feitos nos estudos sobre a evolução da prece eucarística. Quem quer que haja lido um livro sobre a liturgia nos últimos cinqüenta anos sabe que hoje se admite geralmente que a oração consecratória da eucaristia é toda [sic] a oração relativa às oferendas, não só uma fórmula verbal [sic] tirada [sic] do contexto». Ao que replicamos que quem quer que não se haja limitado a ler os livros dos “neoliturgistas”, isto é, dos neomodernistas que põem a perder a liturgia em razão de sua defeituosa teologia, sabe que a tradição constante e o magistério infalível da Igreja ensinam exatamente o contrário, como documentamos supra: «e esta foi sempre a fé da Igreja de Deus: que imediatamente depois da consagração está o verdadeiro corpo de

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UM DOCUMENTO “OBSCURO”

Num artigo precedente (cf. Sim Sim Não Não Nº 110 – Julho/2002), expusemos e justificamos nosso juízo negativo sobre o documento emanado do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos. O dito juízo os neomodernistas o compartilham no essencial, conquanto para eles, diferentemente de nós, é motivo de satisfação jubilosa.

O correspondente romano do National Catholic Reporter (16 de novembro de 2001) nos faz saber que «esta recente e obscura [‘obscure’] [sic] diretriz sobre a intercomunhão com os cristãos assírios» é para o jesuíta Robert Taft, «liturgista e especialista em cristandade oriental», «provavelmente a decisão mais significativa tomada pela Santa Sé nestes últimos cinqüenta anos».

Mais “significativa”, pois, que a própria “reforma litúrgica” de Paulo VI. E por quê, se se pode saber? Porque este documento «nos faz superar uma teologia medieval de palavras mágicas». Naturalmente! Como não o iria ser! E isso porque aqui se trata das palavras com que Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu a Eucaristia e com as quais o sacerdote renova sobre o altar, in persona Christi, o sacrifício de Cristo. Palavras nas quais o Salvador mesmo, não a “teologia medieval”, indicou que radicava a virtude consecratória da missa (e, a exemplo Seu, a antiqüíssima e ininterrupta tradição católica, custodiada e defendida pela Igreja) (v. Concílio de Florença, Denz. 698).

O jesuíta Taft segue dizendo que «o documento reconhece os enormes progressos feitos nos estudos sobre a evolução da prece eucarística. Quem quer que haja lido um livro sobre a liturgia nos últimos cinqüenta anos sabe que hoje se admite geralmente que a oração consecratória da eucaristia é toda [sic] a oração relativa às oferendas, não só uma fórmula verbal [sic] tirada [sic] do contexto».

Ao que replicamos que quem quer que não se haja limitado a ler os livros dos “neoliturgistas”, isto é, dos neomodernistas que põem a perder a liturgia em razão de sua defeituosa teologia, sabe que a tradição constante e o magistério infalível da Igreja ensinam exatamente o contrário, como documentamos supra: «e esta foi sempre a fé da Igreja de Deus: que imediatamente depois da consagração está o verdadeiro corpo de Nosso Senhor e seu verdadeiro sangue juntamente com sua alma e divindade sob a aparência do pão e do vinho; certamente o corpo, sob a aparência do pão; e o sangue, sob a aparência do vinho em virtude das palavras (ex vi verborum)...» (Concílio de Trento, Denz. nº 876).

Em qualquer caso, o raciocínio (se é que se lhe pode chamar assim) do jesuíta Taft não é concludente. A “neoliturgia”, diz, convém em admitir (contra a tradição divino-apostólica e o magistério infalível) que a fórmula consecratória da Eucaristia “é toda a oração sobre as oferendas, não só uma fórmula verbal tirada do contexto”. Razão por que, conquanto seja mais que claro que, conforme declara o Concílio de Trento (Denz. nº 942), o cânon se compõe não só «das palavras mesmas do Senhor», senão ademais «de tradições dos Apóstolos» e também «de piedosas instituições de santos Pontífices», é o cânon inteiro, ao que parece, o que tem virtude consecratória, não só as palavras do Senhor (“Este é o meu corpo”, “Este é o meu sangue”). Mas, perguntamos, que sucede se a “oração relativa às oferendas” não se conserva já “íntegra” porque desapareceu de seu “contexto” aquela “fórmula verbal” à que a Igreja atribuiu (por erro, segundo Taft) não só no Ocidente, mas antigamente também no Oriente, a força consecratória (não “tirando-a” do contexto, mas com independência dele)? Em tal caso, e segundo os termos mesmos das opiniões “neoliturgistas”, tampouco é eficaz a “oração consecratória da eucaristia”, visto que está mutilada. Isto, ao menos, é o que se infere logicamente. Mas se trata de algo que ultrapassa

o entendimento do jesuíta Taft, que exulta de júbilo por causa de um documento que não pode deixar de preocupar e entristecer a todo bom católico, e com maior razão se é ministro de Deus.

O documento, disse o jesuíta Taft, «exibe dois aspectos notáveis: 1) reflete confiança nos resultados dos estudos litúrgicos modernos: 2) rompe com o literalismo rígido de uma política muito recente no campo da liturgia e da linguagem».

Se isso é certo, o cisma que se verifica de fato em relação ao magistério tradicional seguirá causando estragos no mundo católico, incluídos aqueles que o cisma aberto provocou em algumas liturgias das comunidades orientais separadas de Roma, às quais chegou a privar até da validez da Eucaristia. Por outro lado, pouco dista de uma missa inválida uma missa favorecedora da heresia e entregue já à “descentralização” e à “criatividade”, quer dizer, às fantasias de cada qual, pelo que poderiam cumprir-se ao pé da letra, se é que não se verificaram já em alguns lugares, as previsões do Cardeal Pacelli, que já percebia à sua volta o trabalho que efetuavam os “inovadores” para “desmantelar a sagrada capela”: «Dia virá em que os cristãos buscarão em vão nas igrejas a lâmpada vermelha onde Deus os espera» (Monsenhor Roche e P. Saint Germain, em Pie XlI devant l'Histoire, pp. 52-53).

A DESVENTURA DOS “PROFETAS DE BOA VENTURA”

Para os atuais falsos profetas de “boa ventura” parece que se está verificando o que a Sagrada Escritura diz dos falsos profetas: «Pretendem curar a desgraça de meu povo como coisa leve, dizendo: Paz, paz!, quando não há paz» (Jeremias 6, 14); «Quando dizem: ‘Paz e segurança’, então, de súbito lhes sobrevirá a ruína, como as dores do parto à grávida, e não escaparão» (I Tess. 5, 3).

Crêem os senhores que por isso caem em si? De modo algum! Vejamos, por exemplo, que escreve Fausto Bonini em Gente veneta, do 3-XI-2001, à guisa de comentário da carnificina de católicos praticada pela mourama na igreja de Bahawalpur, no Paquistão (1).

Depois de ter deplorado os diversos “conflitos religiosos” que ensangüentam vários países da Europa e da Ásia, Fausto procede ao diagnóstico de tanto mal: «Em demasiados casos não se aceitou ainda a modernidade [sic] com seus valores [sic]». Por isso passa a ilustrar a medicina da “modernidade” com seus valores: «Os Estados devem cimentar-se [não na lei evangélica do Príncipe da paz, mas], na laicidade e no pluralismo. Nisso devem conviver etnias diversas — precisa Fausto — línguas diversas, culturas, religiões [sic], idéias diferentes». Mas eis aqui a panacéia: «Os direitos humanos devem salvaguardar-se para todos, incluídas as mulheres e as minorias».

Em poucas palavras: o fundamento da paz social e internacional não deve ser já Cristo com seu Evangelho, mas a laicista “declaração dos direitos do homem”, essa mesma “declaração” que, repudiando a Cristandade, fundada nos direitos de Deus e, por conseguinte, na lei evangélica da caridade e da fraternidade cristã, pretendeu fundamentar as relações sociais e internacionais nos “direitos do homem”, e assim presenteou a Europa com a prática de uma série interminável de revoluções e de conflitos armados, como as duas guerras mundiais, a última com sua horrível seqüela de guerras civis.

Escreveu admiravelmente o padre Lacordaire (que conhecia por experiência própria a fascinação diabólica do liberalismo): Deus «nos deu o direito evangélico não na forma direta de direito, mas na de dever. Não nos disse: ‘Eis aí vossas liberdades!’, senão que

nos disse: ‘Eis aí vossas obrigações’. Esta diferença é capital... O direito é a face egoísta das relações [sociais], enquanto o dever é sua face generosa e altruísta; daí que a mesma diferença que medeia entre o céu e a terra, entre o altruísmo e o egoísmo, medeie outrossim entre o fundar uma sociedade no dever e o fundá-la no direito. Por isso o Evangelho não foi uma declaração dos direitos do homem, mas uma declaração de seus deveres» (Conferência 320ª).

Quer a Europa, outrora eleita por Deus para difundir o Evangelho do “Príncipe da paz”, continuar a propalar em seu lugar a “declaração dos direitos do homem”? Querem os ministros mesmos do “Príncipe da paz” seguir divulgando a declaração dos direitos do homem em lugar do Evangelho? A perturbação universal se incrementará na Europa e em todo o mundo, e precisamente “quando dizem: ‘Paz e segurança’, então, de súbito, lhes sobrevirá a ruína” (I Tess. cit.). A terceira parte do terceiro segredo de Fátima, revelada por um afortunado erro, não profetiza outra coisa.

(1) Nota do tradutor: O autor está mal informado: a mourama não matou católicos na igreja de Bahawalpur durante a guerra de Afeganistão, mas a protestantes, pois o atentado se produziu durante a hora de celebração dos ofícios protestantes (a igreja de Bahawalpur é uma igreja compartilhada por ambas as comunidades: católica e protestante).

AS “DIACONISAS”, QUER DIZER, O FEMINISMO NA IGREJA

Em Sim Sim Não Não Nº 107 – Abril/2002, p. 8, refutamos as declarações do bispo de Lausana e Friburgo relativas à «causa do diaconato feminino», que, no dizer daquele, havia que «fazer avançar» (a outra causa, em contrapartida, a do «sacerdócio feminino», o referido bispo a considerava «uma questão fechada por hora” [sic]. Mas o que são as coisas: caiu-nos nas mãos um material que faz ver às claras que sobre o assunto do diaconato temos motivo de pranto também na Itália, e até na mesmíssima Roma.

“Bisbilhotando”, mas onde?

A Estrela do Mar, periódico mensal passionista do Santuário de Santa Maria Goretti (Nettuno, Roma), Maio de 2000, publica um pequeno artigo intitulado «Bisbilhotando: O diaconato das mulheres: existiu e poderia restaurar-se».

Todo o contrário! Se, picados pela curiosidade, nos documentássemos, veríamos que o diaconato feminino não existiu jamais, razão por que nada há que restaurar, sempre que por diaconato se entenda, como faz o periódico passionista, o terceiro grau do sacramento da ordem, que é de instituição divina, como o primeiro grau (episcopado) e o segundo (sacerdócio), e sempre que se vá “bisbilhotar” não aos livros da “neoteologia”, mas os da teologia católica tout court.

O periódico passionista, em contrapartida, depois de ter amontoado algumas informações exatas sobre as antigas “diaconisas” com muitas errôneas, ou mutiladas e contraditórias, infere o seguinte: «Os investigadores se perguntam se o diaconato conferido às mulheres tinha valor sacramental. Conquanto constitua um anacronismo a aplicação aos textos antigos da categoria ‘sacramento’, elaborada pela escolástica medieval latina, há, contudo, boas razões para considerar que o diaconato feminino gozava de valor

sacramental [sic]. Tampouco parece que se dêem hoje motivos válidos para não restaurá-lo».

A voz da tradição

Sejamos sérios! Os textos antigos bastam por si sós, independentemente da “escolástica medieval latina”, para ensinar-nos que o “diaconato” feminino não teve jamais valor sacramental algum.

O mesmo São Paulo, citado pelo jornal passionista, ao mesmo tempo que recomenda aos romanos a “diaconisa” Febe (Rom 16, l), escreve aos coríntios: «Como em todas as igrejas dos Santos [isto é, dos cristãos], as mulheres calem-se nas assembléias, porque não cabe a elas falar, mas viver submissas, como diz a Lei. Se querem aprender algo, que em casa perguntem a seus maridos, porque não é decoroso para a mulher falar na igreja” (I Cor 14, 34-36). E posteriormente escreve a Timóteo: «A mulher aprenda em silêncio, com plena submissão. Não consinto que a mulher ensine nem domine o marido, senão que se mantenha em silêncio» (I Tim 2, 11-12). Assim, São Paulo, primeira testemunha da existência das “diaconisas”, é também o primeiro a proibir-lhes categoricamente as funções exercidas pelos diáconos, os quais possuem o primeiro grau do sacramento da ordem.

Ademais, todos os textos antigos estão em sintonia com São Paulo ao sustentar que o ministério das “diaconisas”, de instituição humana, é essencialmente distinto do diaconato masculino, instituído por Deus:

Tertuliano atesta, por exemplo: «Não se permite às mulheres que falem na igreja», e previne: «nem que se arroguem o direito de ensinar, de oferecer sacrifícios, de exercer tarefas masculinas, e ainda menos os ministérios sacerdotais» (De Vir. Velandis, cap. 9).

Ainda mais explícitas a respeito são as Constitutiones Apostolorum: «A diaconisa nem benze nem faz nada do que fazem os sacerdotes ou os diáconos, senão que tão-só cuida das portas e serve o sacerdote, por motivos de decência, durante o batismo das mulheres». Com efeito, o batismo era então de pessoas adultas em geral, e se fazia por imersão, após ungir-se todo o corpo do batizando. Por isso Santo Epifânio, depois de sublinhar que se as mulheres houvessem sido chamadas a exercer o sacerdócio, este teria sido conferido primeiramente à Virgem Maria, prossegue: «A ordem das diaconisas, supondo-se que exista na Igreja, não se instituiu, contudo, para exercer as funções sacerdotais, nem para nenhum outro ministério desse gênero. As diaconisas estão destinadas a salvaguardar a decência que se requer em atenção ao sexo feminino», e segue especificando, claramente, os casos que exigem a assistência das “diaconisas” para que o corpo da mulher «não se exponha aos olhares dos homens que executam as cerimônias sagradas» (Haer. LXXIX, 3, citado em Dictionnaire de Théologie Catholique, verbete Diaconesses, col. 695).

Santo Tomás de Aquino, representante máximo da “escolástica medieval latina”, atém-se, pois, com sua costumeira fidelidade e precisão, à tradição da Igreja quando afirma que a existência das “diaconisas” nada prova em favor da validade do sacramento da ordem conferido a uma mulher (Suma Teológica, Supl. q. 39, a. 1): o diaconato feminino não teve nunca de fato valor sacramental algum.

Ocorrências heréticas

Só entre os hereges (Santo Epifânio recorda aos coliridianos) houve tentativas de “sacerdócio feminino” e de “diaconato feminino”, que Tertuliano denuncia como uma usurpação intolerável das funções próprias dos diáconos ordenados (De praescriptis XLI, PL t. II, col 56). Na Igreja católica, em contrapartida, todo o abuso se cortou pela raiz e prontamente, com a maior energia. No decreto de Graciano se conserva a seguinte decretal, atribuída pelo pseudo-Isidoro ao Papa São Sotero (165-174):

«Sotero, Papa, a todos os bispos da Itália:Chegou aos ouvidos desta sede apostólica que há entre vós mulheres consagradas a

Deus ou religiosas que ousam tocar os vasos sagrados e as santas palas que cobrem o cálice, e que também defumam com incenso em torno do altar. A nenhum homem prudente cabe dúvida de que tais práticas são abusivas e dignas de ser reprimidas. Portanto, queremos, em uso da autoridade desta Santa Sé, que tais abusos se expurguem quanto antes, e, por receio de que tamanha peste se difunda mais ainda, mandamos que a proscrevam de todas as províncias» (c. Sacratas, dist. XXIII; v. Dict. de Th. Cath., verbete Diaconesses, col 688).

Há que repisar que as mulheres cristãs não se queixaram nunca de sua exclusão das ordens sagradas, pois sabem sobejamente que tal exclusão é uma lei divina, não humana, e que não dificulta em nada seu progresso no caminho da perfeição cristã. Hoje, em contrapartida, fala-se da autoridade como de um “serviço”, venha ou não ao caso, mas se aspira a esse “serviço” com a mesma ambição desmedida com que se desejam as honrarias.

O testemunho das seitas orientais

As mesmas seitas cismáticas orientais testificam em favor da tradição católica, e até o fazem as seitas heréticas, como os monofisitas e os nestorianos, que, conquanto tenham ampliado um tanto as funções das “diaconisas”, contudo se mantiveram firmes em proibir-lhes a participação nas funções do altar, reservadas aos diáconos, porque eram ministras não do altar — dizia São Tiago de Edessa —, senão das mulheres enfermas (Dict. de Th. Cath., verbete cit., col. 690).

Por último, a abolição do “diaconato feminino” quando sua função principal perdeu toda a razão de ser ao deixarem de praticar-se os batismos dos adultos por imersão (cf. Sacrae Theologiae Summa / De Sacramentis, B.A.C., Madri), a supressão das “diaconisas”, repita-se, demonstra claramente que o “diaconato feminino” não teve jamais “valor sacramental” na Igreja, ao passo que evidencia que os “investigadores” que hoje se interrogam a respeito, a única coisa que investigaram na vida foi... seu próprio cérebro ou a “neoteologia”.

Uma razão validíssima

O jornal passionista conclui assim, depois de desejar a “restauração” do diaconato feminino: «Tampouco parece que se dêem hoje motivos para não restaurá-lo». Mas o certo é que, à parte qualquer outra consideração, há uma razão para não restaurá-lo, e muitíssimo válida, por certo: enquanto antigamente se mantinha, com uma solicitude repleta de zelo, a distinção entre o diaconato masculino, de instituição divina e de primeiro grau do sacramento da ordem, e o “diaconato” feminino, de instituição humana e falto de todo o valor sacramental, hoje, em contrapartida, se alimenta sua confusão com qualquer meio (o

artigozinho do jornal passionista o prova), de modo que, após as “diaconisas”, logo se abriria caminho também às “sacerdotisas”.

Os diáconos, as diaconisas e o Cardeal Ratzinger

Por conseguinte, bem se pode compreender nosso doloroso estupor ao ler algumas declarações do Cardeal Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Fé, feitas à Croix, publicadas em 28 de dezembro de 2001.

A pergunta do entrevistador se referia aos trabalhos da Comissão Teológica Internacional relativos ao diaconato: «Chegou [a dita Comissão] a alguma conclusão, sobretudo com respeito ao diaconato feminino?». Resposta do Cardeal Ratzinger: «A questão das diaconisas não era o tema principal de nossos trabalhos; era-o, antes, a figura do diácono como tal, que hoje se realiza de maneiras tão díspares, que é custoso apreender sua essência [o cardeal prefere dizer: seu “noyau”: seu núcleo]. Daí a necessidade de aprofundamento para situar melhor este ministério no âmbito eclesial».

Até aqui nos alegramos de que o Cardeal Ratzinger comece a dar-se conta, ao menos, do desconcerto e mal-estar que suscitaram e seguem suscitando os “diáconos casados”.

Com respeito ao “aprofundamento para situar melhor este ministério no âmbito eclesial”, esperemos que o “aprofundamento” faça o Cardeal Ratzinger descobrir que este ministério teve sua sistematização no âmbito eclesial desde os primeiros séculos da Igreja, quando se viam os diáconos, integrantes do “clero superior”, em companhia dos bispos e dos padres, compartilhar com estes não só alguma de suas funções, mas também as obrigações que devem distinguir o clero da massa dos fiéis e torná-lo digno de sua função. A primeira de tais obrigações era o celibato: os diáconos apareciam nisto unidos sempre aos bispos e aos sacerdotes na codificação progressiva da disciplina celibatária e, antes ainda, na prática voluntária do celibato, logo tradicional na Igreja. Com efeito, da superioridade da continência sobre o matrimônio, inculcada pelo Evangelho, era fácil inferir, e assim se fez em seguida, a conveniência do celibato para os ministros de Deus, seja qual for sua categoria (cf. Fliché e Martin, Storia della Chiesa, SAIE: Turim, vol. 21, pp. 552 ss). Seria preciso que chegassem nossos tempos de decadência doutrinal e moral, e sobretudo o espírito antitradicional da “neoteologia”, para catapultar ao palco eclesial os “diáconos casados”.

«Neste contexto — prossegue o Cardeal Ratzinger — é que surge o problema das diaconisas. Constituíram uma realidade na Igreja primitiva, mas a interpretação dos fatos históricos não é fácil [sic]: contudo, reina o ‘consenso’ no pensar que nunca as consideraram mero equivalente feminino dos diáconos, senão que gozaram de realidade própria. Sendo a questão dos diáconos bastante complexa de per si, mais difícil ainda é definir a possibilidade ou não de tal ministério feminino... De qualquer modo, os fatos históricos por si sós não podem dar a última palavra a respeito disso, cabendo esta ao juízo do magistério, ajudado pelo Espírito Santo».

Depois da documentação exibida por nós, a declaração segundo a qual “a interpretação dos fatos históricos (relativos às diaconisas) não é fácil” soa tão extraordinária, que faz suspeitar que se estão obscurecendo os dados históricos (que não são meros “fatos”, senão, ademais, interpretações inequívocas do fato histórico das “diaconisas”), só porque pugnam com uma tese inconfessada que se quer sustentar ou favorecer a despeito dos ditos “fatos históricos”. Quanto à “última palavra” que, frente aos

“fatos históricos por si sós”, se reivindica para o “juízo do magistério, ajudado pelo Espírito Santo”, precisemos o seguinte: nem “os fatos históricos por si sós” valem algo sem “juízo do magistério”, nem o “juízo do magistério” por si só vale algo sem fatos históricos; mas, sobretudo, nada vale algo sem se levar em conta o juízo que ao longo de tantos séculos a Igreja emitiu já sobre os mencionados fatos históricos. Um magistério que prescinda em seu “juízo” da tradição e apele tão-somente à “ajuda do Espírito Santo” já não é o magistério católico: é um “magistério” de tipo “carismático”, “iluminado”, que nunca gozou do direito de cidadania na Igreja católica: algo que o cardeal Prefeito da Congregação para a Fé deveria saber melhor que nós.

Romualdus

ECUMENISMO E “LIBERDADE RELIGIOSA”: ALGO “NOVO” EM LUTA COM O “ANTIGO”

O fato

O teólogo da Casa Pontifícia, Georges Cottier, disse em uma entrevista a Avvenire (19 de janeiro de 2002) que por trás da rejeição da reforma litúrgica de Paulo VI «se esconde muito mais: a rejeição do Concílio, do ecumenismo, do principio da liberdade religiosa». Não seremos nós quem lhe contradirá; antes, ao contrário, confessamos que identificou muito bem os dois pontos em que se centra a resistência ao Concílio: ecumenismo e “liberdade religiosa”. Acrescentemos que estes dois pontos poderiam reduzir-se a um só, dado que o novo e falso conceito de “liberdade religiosa” se elaborou com vistas ao ecumenismo. Em todo o caso, ecumenismo e “liberdade religiosa” constituem os dois maiores pontos de ruptura com a doutrina tradicional da Igreja, e não seria difícil demonstrar que com eles se conecta qualquer outra “novidade” que vá contra o “antigo” presente nos textos do Concílio, assim como tampouco seria difícil provar que qualquer “novidade” que vá contra a doutrina da Igreja constitui uma corrupção inaceitável dela.

Desenvolvimentos e corrupções doutrinais

O Vaticano I declara:«E, com efeito, a doutrina da fé que Deus revelou não foi proposta como um

achado filosófico que deva ser aperfeiçoado pelo engenho humano, mas sim entregue à Esposa de Cristo como um depósito divino, para ser fielmente guardada e infalivelmente declarada» (Denzinger nº 1800). Por isso não se dá nunca nada substancial e absolutamente novo na doutrina da Igreja. O “novo” que aparece nela em virtude do desenvolvimento ou explicitação doutrinal não passa de uma novidade acidental e relativa. Assim, por exemplo, quando a Igreja fazia rezar pelos fiéis defuntos, já ensinava implicitamente o dogma do purgatório; e, quando desta prática litúrgica se inferiu o dogma do purgatório, deu-se a passagem do ensinamento implícito ao explícito, mas não houve nenhuma “novidade” em sentido próprio. Diga-se o mesmo do primado, implícito na prática do recurso a Roma, ou do dogma da Imaculada Conceição, implícito na maternidade divina de Maria, etc.

A Igreja, com efeito, exerce seu magistério de vários modos:— de maneira explícita (mediante documentos do magistério, teólogos “aprovados”, catequese, pregação etc.);— de maneira implícita (mediante a prática, particularmente a litúrgica, e as leis disciplinares).— de maneira tácita, por fim, mediante os documentos ou “monumentos” da tradição (1), nos quais o magistério da Igreja tomou corpo, por assim dizer, no curso dos séculos: livros litúrgicos, normas disciplinares, instituições, ordens religiosas, igrejas e monumentos, devoções, práticas de caridade, obras de zelo ou de piedade, vida dos Santos canonizados, civilização, costumes, língua e arte dos povos cristãos (2), etc.

Pode suceder que, por diversas circunstâncias (heresias, ofuscamento de uma verdade ensinada só implícita ou tacitamente, etc.), se dê a passagem do magistério implícito ao explícito, ou se faça necessário o retorno ao ensinamento explícito de uma verdade que a Igreja se havia limitado a propor tacitamente por um tempo (3).

Um exemplo do retorno do magistério tácito ao explícito se deu, por exemplo, em relação à Tradição, quando a Igreja definiu a noção exata daquela no Concílio de Trento, contra os protestantes, noção que se havia limitado a propor tacitamente no período escolástico.

Assim, pois, toda a explicitação da doutrina não é mais que «uma maneira de afirmar com mais clareza, com mais precisão, com mais certeza, com mais insistência as verdades reveladas que sempre se creram, ao menos implicitamente» (4). Razão por que, apesar do desenvolvimento doutrinal de vinte séculos, Pio XII podia escrever que a Igreja «cumpre o mandato que tem de conservar sempre puras e íntegras as verdades reveladas, e as transmite sem contaminações, sem acréscimos, sem diminuições» (5). Todo o “novo” que seja irredutível ao “antigo” não é um desenvolvimento, mas uma corrupção da doutrina católica.

As “novidades” do Vaticano II

Com o Vaticano II houve uma irrupção de algo “novo” na Igreja. E isto é já de per si uma novidade sem correspondência na história do progresso doutrinal, sempre lento, gradual, ponderado. Trata-se de algo “novo” que, a partir do Concílio e em nome deste, se infiltrou em todas as maneiras em que se expressa o magistério ordinário:

— modo explícito: “novas” doutrinas, “novas” catequeses, “novas” interpretações ou “releituras” dos Padres da Igreja e até da Escritura Sagrada;— modo implícito: “nova”, ou melhor, “novas” liturgias, “nova” disciplina (se é que a podemos chamar assim), “novas” práticas, e a verdadeira Igreja de Jesus Cristo considerada do mesmo modo que as seitas heréticas e/ou cismáticas, que o hebraísmo e que as religiões falsas;— modo tácito: a todos os documentos do magistério precedente se desconsidera na medida do possível, destruindo-os ou sepultando-os no esquecimento, enquanto uma “doutrina” nova de alto a baixo vai tomando corpo e fazendo-se sensível ante nossos olhos em “monumentos” inteiramente novos.

Diante de tamanha irrupção de “novidades”, aos católicos lhes cabe o dever perante Deus, e por conseguinte o direito irrenunciável perante os homens, de perguntar-se se estas

“novidades” são desenvolvimentos ou corrupções doutrinais, «se a Igreja de hoje — para dizê-lo com o Cardeal Ratzinger — é realmente a de ontem, ou se a mudaram por outra sem fazê-lo saber» (6).

O contraste com o “antigo”: índice de corrupção doutrinal

Em tais circunstâncias, os católicos não estão desprovidos em absoluto de um critério objetivo para poder distinguir o desenvolvimento legítimo das corrupções doutrinais.

O critério, acessível a todos, ensinam-no os Padres da Igreja, a unanimidade dos teólogos realmente católicos (quer dizer, que “conhecem as regras da fé” e as respeitam), a prática e o próprio magistério da Igreja.

São Vicente de Lérins escreve em seu Commonitorium (século V), ideado precisamente para encontrar «uma regra certa» que permitisse aos católicos distinguir a verdade do erro em tempos em que «a astúcia dos novos hereges exige uma vigilância e uma atenção cada vez maiores»: «Mas se objetará: Não se dará, segundo isso, progresso algum da Religião na Igreja de Cristo? Dê-se em boa hora, e grande. Quem haverá tão mesquinho para com os homens e tão aborrecível a Deus que trate de impedi-lo? Mas de tal maneira, que seja verdadeiro progresso da fé, não uma alteração dela. A saber, é próprio do progresso que cada coisa se amplifique em si mesma; e o próprio da alteração é que algo passe de ser uma coisa a ser outra» (XXIII, 1-3). Depois, comentando a exortação de São Paulo a Timóteo (I Tim 6, 20: «Ó Timóteo, guarda o depósito, evitando as profanas novidades de palavras»), São Vicente de Lérins explica: «Profanas novidades de palavras. De palavras, a saber: as novidades de dogmas, de matérias, de sentenças que são contrárias à antigüidade e ao passado...».(XXIV, 3-4) (7).

Aí está, pois, a regra: se no âmbito da Igreja desponta algo “novo” contrário ao antigo não é uma verdade tirada de seu tesouro, mas a cizânia do erro semeada pelo inimicus homo (Mt 13, 24-3O) (8). Não cabe dúvida quanto a tal coisa. «Ao antigo é que há que ater-se: se a novidade é profana, a antigüidade é sagrada»; é a novidade a que deve cessar «de fazer recair suspeitas sobre a antigüidade e de formular acusações contra ela»; é a novidade a que há de deixar de «molestar e perseguir a antigüidade», enquanto a fé antiga não deve cessar «de opor-se à novidade com todas as suas forças» (9).

Entre os teólogos realmente católicos nos apraz citar aqui o Cardeal Newman, porque os modernistas tergiversam com respeito a ele injustamente.

Entre os critérios que pormenoriza para distinguir um desenvolvimento legítimo da corrupção doutrinal, o Cardeal Newman põe «a tendência dos desenvolvimentos posteriores em conservar a doutrina possuída precedentemente»; assim, pois, quando o “novo” tenda, em contrapartida, a excluir o “antigo”, estamos sem dúvida ante uma corrupção doutrinal (10). Trata-se, em essência, do cânon leriniano.

No mesmo critério aparece inspirada a prática da Igreja nos Concílios dogmáticos consagrados a distinguir a verdade católica da heresia.

Já determinou o segundo Concílio de Nicéia (787), ao condenar o conciliábulo dos iconoclastas (Constantinopla, 753), que a coerência doutrinal com a tradição constitui uma das condições da ecumenicidade de um Concílio: «Como poderia ser por sua vez o Sétimo [Concílio] aquele que não concorda com os seis santos Concílios ecumênicos que lhe precederam? [...] Seria como se alinhássemos seis moedas de ouro e lhes acrescentássemos

depois um vintém: não se poderia chamar sétima à última, e isso em razão da diversidade de sua matéria...» (11).

«Como poderia [...] pretender ser o Sétimo o que não segue os seis Concílios que lhe precederam?... Vós, que haveis violado as tradições daqueles seis [Concílios precedentes], como haveis podido chamar sétimo ao vosso?»: assim o santo abade Estêvão havia reprovado aos iconoclastas, 25 anos antes, sua ruptura com a tradição, razão por que o mataram a pauladas (12).

Por último, o magistério infalível da Igreja fez sua a regra leriniana no Vaticano I, repetindo-a ao pé da letra na Constitutio de fide catholica, sessão III: «Cresça, pois, e muito e poderosamente se adiante em quilates, a inteligência, ciência e sabedoria de todos e de cada um, ora de cada homem particular, ora de toda a Igreja universal, das idades e dos séculos, mas somente em seu próprio gênero, quer dizer, no mesmo dogma, no mesmo sentido, na mesma sentença» (Denzinger nn.1800 e 1818).

Ecumenismo e “liberdade religiosa”: não progresso, mas corrupção doutrinal

Quando se iniciou o Vaticano II, a Igreja gozava da posse secular e indiscutida de doutrinas explícitas relativas:

— à verdadeira Igreja de Jesus Cristo e, por conseguinte, à posição das seitas heréticas e/ou cismáticas, do hebraísmo e das religiões falsas;— às relações Igreja/Estado e, em particular, à noção exata de “liberdade religiosa” e à tolerância dos cultos falsos (13).

Ademais, a Igreja gozava, na abertura do Vaticano II, de uma liturgia, expressão íntegra e inequívoca de fé católica.

A estes três campos (eclesiologia, relações Igreja/Estado, liturgia) invadiu-os o que de “novo” trazia o Concílio. Por desgraça, era algo “novo” contrário, ou melhor, em pugna com o antigo. Com efeito, se a Igreja ensina, como ensinou sempre até o Vaticano II, que a Igreja de Cristo é uma só, que fora dela não há salvação e que, portanto, as demais supostas “Igrejas” não são igrejas, mas seitas, «igrejas ilegítimas» (São Irineu), «sarmentos secos» (Santo Agostinho), e que os indivíduos particulares, se padecem de ignorância invencível, podem salvar-se só em virtude da pertença in voto à Igreja verdadeira, de modo algum desta doutrina constante pode inferir-se hoje, com o Vaticano II, que «as igrejas e comunidades separadas [...] de nenhuma maneira estão desprovidas de sentido e valor no mistério da salvação. Porque o Espírito de Cristo não recusa servir-se delas como meios de salvação» (14). Não pode inferir-se tal coisa porque a doutrina “nova” exclui a antiga abertamente e ofende as verdades reveladas que se contêm nela a título de conseqüências. Com efeito, a doutrina nova descobre que são legítimas as “igrejas ilegítimas”, que a seiva da graça divina corre pelos “sarmentos secos” e, em conseqüência, que a Igreja de Cristo já não é única nem constitui «a arca única de salvação» (Denzinger n. 1647). Depois, no pós-Concílio, em nome do decreto conciliar Nostra Aetate, se promoveu também as religiões não-cristãs à categoria de caminhos de salvação, pelo menos «extraordinários».

Mais ainda: se a Igreja ensina, como o fez sempre até o Vaticano II, que Nosso Senhor Jesus Cristo tem direito, por ser Deus, de reinar não só sobre os indivíduos mas também sobre as sociedades, e que, por conseguinte, só a Igreja Católica goza do direito natural e divino à assistência negativa e positiva do Estado, na qual se compreende

outrossim o dever de impedir o culto público das religiões falsas, a não ser que motivos de prudência política aconselhem sua tolerância, desta doutrina constante da Igreja não pode deduzir-se de maneira alguma, com o Vaticano II, que exista um “direito” da pessoa humana de que não se lhe impeça a profissão pública e associada de sua crença falsa ou até irreligiosa (15), nem que o mesmo “direito” caiba às seitas e às religiões falsas (16). Não se pode deduzir isso porque a doutrina “nova” exclui a antiga e não deixa imune a verdade revelada que esta compreende a título de conseqüência. Com efeito, no dizer da doutrina “nova”, a Igreja católica já não é a única igreja instituída por Deus e, por conseguinte, cessa o direito unicamente da Igreja católica à assistência do Estado, cessa o dever do Estado de impedir o culto público das religiões falsas e lho substitui pela obrigação de favorecê-las sem discriminação; e já nem há meio de falar em “tolerância”. Em suma, Nosso Senhor Jesus Cristo já não goza do direito de reinar sobre as sociedades; seus próprios ministros o destronaram.

O anterior pode bastar para provar que as “novidades” do Concílio não são progressos, mas corrupções doutrinais, e o confirma irrefutavelmente tudo o que a hierarquia vem fazendo no pós-Concílio em nome daquele, mas contrariamente à tradição católica: a primeira e segunda “reuniões de oração” de Assis, junto com as outras iniciativas ecumênicas, sempre vedadas pela Igreja; a liquidação dos Estados católicos que restavam, incluída a Itália, em razão das “novas” concordatas; a supressão das duas estrofes relativas à realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo no hino das primeiras e segundas vésperas de Cristo Rei etc. etc. Para quê continuar a enumeração? Basta pensar que o Cardeal Ratzinger chegou a declarar “perimée” (17), quer dizer superada, defunta, a doutrina católica sobre as relações Igreja/Estado (como se uma doutrina constante da Igreja pudesse negar-se sem negar também a infalibilidade desta).

Quanto à nova liturgia, de maneira alguma se pode considerar legítimo um Novus Ordo, do qual a posteridade deduzirá (fazendo uso do princípio acima mencionado segundo o qual “a lei da oração estabelece a lei da fé”) que a Igreja professou na última etapa do século XX uma fé mais protestante do que católica no tocante ao Santo Sacrifício da Missa.

Sim, o “teólogo da Casa Pontifícia” acertou em cheio: a resistência católica não luta tão-somente contra o rito de Paulo VI (que nasceu igualmente por motivos ecumênicos), mas também contra “o Concílio, o ecumenismo, a liberdade religiosa”, contra todo o “novo” que se quer acreditar como “desenvolvimento doutrinal”, segundo parece, ao passo que constitui uma corrupção evidente da doutrina à que a consciência católica está vinculada sub gravi.

Hirpinus

Notas:(1) Dictionnaire de Théologie Catholique, verbete Eglise, col. 2194.(2) V. J. M. Vacant, Le Magistère de l'Eglise et ses organes.(3) Franzelin, De Divina Traditione, tese XXIII.(4) Pio XII, Munificentissimus Deus.(5) Il Sabato, 30 de julho-5 de agosto de 1988.(6) Commonitorium, n. 1, 2, 23, 24.(7) Franzelin, De Divina Traditione, tese XXIV.(8) Commonitorium, n. 32.(9) H. Newman, Essay on the Development of Christiam Doctrine.

(10) V. Peri, I Concili e le Chiese (Os Concílios e as igrejas), Roma, 1965, pp. 24-25; texto grego em Mansi, t. XIII.(11) Ibid., p. 33, n. 25.(12) V. Dictionnaire de théologie catholique, verbete Igreja, col. 2212 ss.(13) Les principes de la Théologie catholique, ed. Téqui, Paris, p. 427.(14) Unitatis Redintegratio, 3.(15) Dignitatis Humanae, n. 2.(16) Ibid., n. 4.(17) Vide Rapporto sulla Fede (Informe sobre a fé), p. 211.

SEMPER INFIDELES

Avvenire, 7 de abril de 2001, p. 11: destaque de dois livros editados pela editora Claudiana, que, como se sabe, é uma editora protestante. Mas ainda mais surpreendente é a resenha que faz Avvenire dos dois livros.

À correspondência cruzada desde o cárcere entre o “teólogo” protestante Dietrich Donhoeffer e seus familiares é retratada como «modelo de espiritualidade intensa» e de «profunda fé cristã»; os leitores concluirão disso que «dá no mesmo esta e aquela [a fé católica e a heresia protestante, ou melhor, a escória da heresia protestante, levando-se em conta de que Bonhoeffer é um dos protestantes liberais da “morte de Deus”]». Se esta não é uma escola de indiferentismo religioso, é sinal de que os Papas que a condenaram não sabiam o que era o indiferentismo.

O outro livro, De Jesus ao sacerdócio, de Herbert Haag, é apresentado como se segue:

«A crise do sacerdócio católico só acabará quando a igreja, eliminando a distinção entre sacerdotes e leigos, consagrados e não-consagrados, decidir confiar o cargo de guiar uma comunidade e celebrar a eucaristia a homens e mulheres, casados e não-casados». Claro que sim! Não faltaria mais nada!

Herbert Haag, para quem não o lembre ou não o saiba, é o “pornoteólogo” alemão, sacerdote e “exegeta” de que falamos longa e detidamente em SÌ SÌ NO NO de 15 de abril de 1982, pp. 2 ss. (ed. italiana). Basta recordar aqui que ele definiu a Humanae Vitae como uma «tentativa de regular, com decisões autoritárias e vinculantes da Igreja, o comportamento sexual dos cristãos adultos» (cristãos que se consideram isentos de obedecer à lei divina natural e positiva, e dos quais está cheio o inferno), e que afirmou, contra o celibato sacerdotal (perguntamo-nos não se Haag o respeitou sempre, mas se o amou alguma vez), que «quando o Papa João Paulo II assegura, em sua carta da Sexta-feira Santa de 1979, dirigida a todos os sacerdotes da Igreja, que o celibato sacerdotal se funda na ‘doutrina apostólica’, diz algo que não é verdade» (Du hast mich verzaubert).

Agora o “pornoteólogo” alemão, tornado ainda mais audaz pela impunidade que lhe garantem estes tempos desventurados, vem dizer-nos que, para pôr fim à crise do sacerdócio, “a igreja” (com minúscula, naturalmente) deve eliminar «a distinção entre sacerdotes e leigos» e confiar «o cargo de guiar uma comunidade e celebrar a eucaristia a homens e mulheres, casados e não-casados». O que significa, dito sem pudor, que a Igreja deveria demolir o que ela mesma é por vontade divina e abraçar a heresia de Lutero, já condenada no Concílio de Trento! E Avvenire, órgão oficioso do episcopado italiano, nada tem que objetar a respeito; muito pelo contrário: faz uma propaganda consciente dos delírios heréticos do “pornoteólogo” Hagg.

Altirpinia, semanário diocesano de Sant’Angelo dei Lombardi, 30 de novembro de 2001, informa a seus leitores que «O conselho pastoral da diocese de Milão decidiu [sic!], mediante uma moção ‘revolucionária’ votada por uma maioria esmagadora, que ‘se readmita à eucaristia os divorciados casados de novo’».

Gostaríamos de saber com que autoridade um “conselho pastoral” diocesano, de instituição humana, pode tomar decisões contra a doutrina da Igreja universal, de instituição divina, a qual, com magistério infalível, divinamente assistido, ensinou semper et ubique 1que a eucaristia é um «sacramento [...] que [...] exige o estado de graça em quem o recebe», estado que os chamados “divorciados casados de novo” não podem recuperar sem deixar o estado de pecado em que vivem.

O semanário “católico” faz referência igualmente à carta pastoral do cardeal Martini, na qual se diz que «os divorciados tornados a casar não estão excomungados nem são rejeitados. Vivem situações de sofrimento para as quais há que encontrar a maneira de dar um passo adiante, um passo além...».

Convém dizer que, como é o “Pastor”, assim também é seu “conselho pastoral”, e que:

1) Os referidos divorciados não estão “casados de novo” aos olhos de Deus, senão que são adúlteros, como sentencia Nosso Senhor Jesus Cristo com juízo inapelável: «...Aquele que repudia sua mulher e se casa com outra, comete adultério contra a primeira, assim como se a mulher repudia o marido e se casa com outro, comete adultério» (Mc 10, 11-12).2) É verdade que “não estão excomungados”, mas não é menos certo que são pecadores públicos, e que, conquanto não sejam “rejeitados” da caridade da Igreja, a qual não rejeita ninguém até a morte, especialmente os pecadores, essa mesma caridade, contudo, lhes adverte que seu estado de pecado os expõe ao risco de padecer um sofrimento a respeito do qual são menos que nada todas as “situações de sofrimento” da terra juntas.

O articulista de Altirpinia recorda depois que o bispo de Bolzano se encarrega de «dar uma mão aos divorciados» na Itália (para que se vão para inferno), e que segue “as pegadas” dos bispos alemães Karl Lehmann e Walter Kasper (hoje cardeais — ai! — mas ao mesmo tempo objeto de severa admoestação por parte de João Paulo II por causa dessas “pegadas” e de outras). Ao dito bispo, acrescentamos nós, há que agregar agora também o bispo de Sant’Angelo dei Lombardi, Salvatore Nunnari, o qual consente tais ocorrências escandalosas no semanário católico de sua diocese.

O artigo se fecha com o desejo de que a Igreja «em sua totalidade acolha este nobre [sic!] chamamento» em favor dos “divorciados casados de novo”, que reclamam «a mesma caridade demonstrada com Monsenhor Milingo [o qual, não obstante, deixou sua concubina] para que, ao fim de um caminho penitencial [sem arrependimento, porém, e sem conversão], também o católico divorciado que se casa outra vez [contra a lei divina] possa tornar ao sacramento da comunhão [sem separar-se de seu amásio ou amásia]».

Ora, sejamos francos! Aqui não se está querendo a Eucaristia, o que se está querendo é que o divórcio seja aprovado e bendito pela Igreja; e, para que “a Igreja em sua totalidade acolha este nobre chamamento”, lava-se o cérebro do povo cristão mediante semanários diocesanos. Vita Pastorale (11/ 2001) lamentava que nada menos que 81

1 Sempre e em toda parte.

dioceses da Itália careciam de um semanário católico. Mas diante do que acabamos de ver, vem muito a propósito dizer: Deo gratias! 2

A LOUCURA DO ECUMENISMO.

«Reverendo Padre:Fiquei um tanto perplexa ante o ecumenismo “de base”, lendo a declaração do

pastor metodista Valdo Berrecchi, o qual, no artigo intitulado Os sinos de Santa Teresa emitem sons de amizade, publicado no diário católico Avvenire de 20/01/2001, afirma textualmente: ‘Creio que ecumenismo não significa formar uma só igreja, mas caminhar juntos conservando nossas valiosas diferenças’. Na mesma página, poucas linhas mais abaixo, leio que o Santo Padre, por sua vez, renunciou a encerrar a semana de oração pela unidade dos cristãos com a celebração de uma Santa Missa, para não comprometer os difíceis equilíbrios com as demais confissões…, quer dizer, mediante aquela valiosíssima “diferença” que precisamente nos distingue como católicos: ‘É Jesus Cristo Eucarístico, presente sobre o altar do Sacrifício e no Sacrário, que distingue os católicos de todos os demais’. (R. H. Benson).

No mesmo artigo, o padre carmelita Fr. Andrea Panont, enumera com entusiasmo aqueles valores que crê reconhecer em outras “igrejas”. O valor do jejum nos ortodoxos, o da evangelização nos valdenses, a importância de viver a Palavra nos luteranos. Mas surge espontaneamente uma pergunta: E o católico, Fr. Andrea, não foi capaz de encontrar por sua vez algum valor que propor, ou calou por respeito e humildade?

Não faltou um simpático pároco que me esclareceu sobre o verdadeiro significado dessa semana de oração: errôneo é orar para que os irmãos separados voltem ao seio desta única e verdadeira Igreja, cada um pode ficar na confissão ou heresia à qual pertença, desde que se encontre e dialogue com as demais. Coerentemente, seu desejo consistiria em eliminar do Credo, que recitamos cada domingo, a frase: ‘Creio na Igreja, Una, Católica e Apostólica’. Vistas as premissas, essa frase representa sem dúvida alguma um freio para o caminho ecumênico».

Carta assinada.

INTRODUÇÃO DA ENCÍCLICA PASCENDI

A missão, que nos foi divinamente confiada, de apascentar o rebanho do Senhor, entre os principais deveres impostos por Cristo, conta o de guardar com todo o desvelo o depósito da fé transmitida aos Santos, repudiando as profanas novidades de palavras e as oposições de uma ciência enganadora. E, na verdade, esta providência do Supremo Pastor foi em todo o tempo necessária à Igreja Católica; porquanto, devido ao inimigo do gênero humano nunca faltaram homens de perverso dizer (At 20,30), vaníloquos e sedutores (Tit 1,10), que caídos eles em erro arrastam os mais ao erro (2 Tim 3,13). Contudo, há mister confessar que nestes últimos tempos cresceu sobremaneira o número dos inimigos da Cruz de Cristo, os quais, com artifícios de todo ardilosos, se esforçam por baldar a virtude vivificante da

2 Graças a Deus!

Igreja e solapar pelos alicerces, se dado lhes fosse, o mesmo reino de Jesus Cristo. Por isto já não Nos é lícito calar para não parecer faltarmos ao Nosso santíssimo dever, e para que se Nos não acuse de descuido de nossa obrigação, a benignidade de que, na esperança de melhores disposições, até agora usamos. E o que exige que sem demora falemos, é antes de tudo que os fautores do erro já não devem ser procurados entre inimigos declarados; mas, o que é muito para sentir e recear, se ocultam no próprio seio da Igreja, tornando-se destarte tanto mais nocivos quanto menos percebidos. Aludimos, Veneráveis Irmãos, a muitos membros do laicato católico e também, coisa ainda mais para lastimar, a não poucos do clero que, fingindo amor à Igreja e sem nenhum sólido conhecimento de filosofia e teologia, mas, embebidos antes das teorias envenenadas dos inimigos da Igreja, blasonam, postergando todo o comedimento, de reformadores da mesma Igreja; e cerrando ousadamente fileiras se atiram sobre tudo o que há de mais santo na obra de Cristo, sem pouparem sequer a mesma Pessoa do divino Redentor que, com audácia sacrílega, rebaixam à craveira de um puro e simples homem. Pasmem, embora homens de tal casta, que Nós os ponhamos no número dos inimigos da Igreja; não poderá porém, pasmar com razão quem quer que, postas de lado as intenções de que só Deus é juiz, se aplique a examinar as doutrinas e o modo de falar e de agir de que lançam eles mão. Não se afastará, portanto, da verdade quem os tiver como os mais perigosos inimigos da Igreja. Estes, em verdade, como dissemos, não já fora, mas dentro da Igreja, tramam seus perniciosos conselhos; e por isto, é por assim dizer nas próprias veias e entranhas dela que se acha o perigo, tanto mais ruinoso quanto mais intimamente eles a conhecem. Além de que, não sobre as ramagens e os brotos, mas sobre as mesmas raízes que são a Fé e suas fibras mais vitais, é que meneiam eles o machado. Batida pois esta raiz da imortalidade, continuam a derramar o vírus por toda a árvore, de sorte que coisa alguma poupam da verdade católica, nenhuma verdade há que não intentem contaminar. E ainda vão mais longe; pois pondo em obra o sem número de seus maléficos ardis, não há quem os vença em manhas e astúcias: porquanto, fazem promiscuamente o papel ora de racionalistas, ora de católicos, e isto com tal dissimulação que arrastam sem dificuldade ao erro qualquer incauto; e sendo ousados como os que mais o são, não há conseqüências de que se amedrontem e que não aceitem com obstinação e sem escrúpulos. (...) Poderíamos talvez ainda deixar isto desapercebido se tratasse somente deles; trata-se porém das garantias do nome católico. Há, pois, mister quebrar o silêncio, que ora seria culpável, para tornar bem conhecidas à Igreja esses homens tão mal disfarçados. E visto que os modernistas (tal é o nome com que vulgarmente e com razão são chamados) com astuciosíssimo engano costumam apresentar suas doutrinas não coordenadas e juntas como um todo, mas dispersas e como separadas umas das outras, a fim de serem tidos por duvidosos e incertos, ao passo que de fato estão firmes e constantes, convém, Veneráveis Irmãos, primeiro exibirmos aqui as mesmas doutrinas em um só quadro, e mostrar-lhes o nexo com que formam entre si um só corpo, para depois indagarmos as causas dos erros e prescrevermos os remédios para debelar-lhes os efeitos perniciosos.

“Ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista”, pois o Socialismo “concebe a sociedade de modo

completamente avesso à verdade cristã”Papa Pio XI