SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS … · tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a...

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SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS BIDIMENSIONAIS EM CAMADAS LIMITES COM O USO DO MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL LAGRANGEANA Ricardo Carvalho de Almeida TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSI- DADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA CIVIL. Aprovada por: ____________________________________________ Prof. José Luis Drummond Alves, D.Sc. ____________________________________________ Dr. Clemente Augusto Souza Tanajura, Ph.D. ____________________________________________ Prof. Alvaro Luiz Gayoso de Azeredo Coutinho, D. Sc. ____________________________________________ Dr. Augusto Cesar Noronha Rodrigues Galeão, D. Sc. ____________________________________________ Dr. Haroldo Fraga de Campos Velho, D. Sc. RIO DE JANEIRO , RJ - BRASIL JUNHO DE 2005

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SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS BIDIMENSIONAIS EM

CAMADAS LIMITES COM O USO DO MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL

LAGRANGEANA

Ricardo Carvalho de Almeida

TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS

PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSI-

DADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS

NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS

EM ENGENHARIA CIVIL.

Aprovada por:

____________________________________________

Prof. José Luis Drummond Alves, D.Sc.

____________________________________________

Dr. Clemente Augusto Souza Tanajura, Ph.D.

____________________________________________

Prof. Alvaro Luiz Gayoso de Azeredo Coutinho, D. Sc.

____________________________________________

Dr. Augusto Cesar Noronha Rodrigues Galeão, D. Sc.

____________________________________________

Dr. Haroldo Fraga de Campos Velho, D. Sc.

RIO DE JANEIRO , RJ - BRASIL

JUNHO DE 2005

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ALMEIDA, RICARDO CARVALHO DE

Simulação Numérica de Escoamentos

Bidimensionais em Camadas Limites com

o Uso do Método da Média Amostral La-

grangeana [Rio de Janeiro] 2005

IX, 211 p., 29.7 cm (COPPE/UFRJ,

D.Sc., Engenharia Civil, 2005)

Tese - Universidade Federal do Rio de

Janeiro, COPPE

1. Média Amostral Lagrangeana

2. Turbulência

3. Camadas Limites

4. Simulação Numérica

5. Método Semi-Lagrangeano

6. Dinâmica dos Fluidos Computacional

I. COPPE/UFRJ II. Título (série)

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DEDICATÓRIA

À minha esposa, Simoni; aos meus filhos, Maristela, Marina e Heitor Ricardo;

e aos meus pais, Therezinha e Waldemar.

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AGRADECIMENTOS

Desejo agradecer, primeiramente, a Deus, pois tenho a certeza de que se consegui

concluir este trabalho com êxito, foi pela graça do Pai, que me conduziu, sustentou e

inspirou ao longo desta jornada.

Agradeço, também, aos meus pais, Therezinha e Waldemar, que foram os primeiros

a me ensinar o valor do estudo e da busca pelo conhecimento e aperfeiçoamento pessoal.

À minha esposa Simoni, e aos meus filhos, Maristela, Marina e Heitor Ricardo,

agradeço pela tolerância, nos momentos em que não pude dar-lhes a atenção que mere-

cem, por estar envolvido neste trabalho, e pelo contínuo carinho e estímulo que recebi,

que muito me ajudaram a perseverar.

Ao Prof. José Alves, agradeço pela orientação, companheirismo e confiança durante

todo o meu curso de Doutorado. Ao Dr. Clemente, meu co-orientador, e Prof. Alvaro, Dr.

Galeão e Dr. Haroldo, membros de minha banca, agradeço pelas sugestões e comentários

que muito contribuíram para o aprimoramento da versão final desta Tese.

Finalmente, agradeço ao Prof. Roger Terry Williams, da Naval Postgraduate School,

por me apresentar, em 1990, as idéias da análise de problemas de dinâmica dos fluidos no

referencial lagrangeano, que acabaram vindo a ter um papel fundamental neste trabalho

de pesquisa.

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Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários para

a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.)

SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS BIDIMENSIONAIS EM

CAMADAS LIMITES COM O USO DO MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL

LAGRANGEANA

Ricardo Carvalho de Almeida

Junho/2005

Orientadores: José Luis Drummond Alves

Clemente Augusto Souza Tanajura

Programa: Engenharia Civil

Este trabalho apresenta o método da Média Amostral Lagrangeana (MAL) para o

tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de

escoamentos em camadas limites. O método baseia-se na hipótese de que os movimen-

tos nas pequenas escalas são responsáveis pela uniformização de propriedades físicas em

porções infinitesimais de fluido por um processo de mistura, representado matematica-

mente por um operador linear de média. Ao se aplicar a MAL às equações de Navier-

Stokes para um fluido incompressível, no referencial lagrangeano, observou-se que a

forma funcional das equações não se alterou, mantendo o número de incógnitas igual

ao das equações disponíveis. Evitou-se, assim, o problema de fechamento, e o número

de graus de liberdade do problema foi reduzido. As equações agregadas resultantes são

solucionadas numericamente com o emprego do método semi-lagrangeano. Para vali-

dação do método MAL foram realizadas simulações bidimensionais dos seguintes escoa-

mentos: ao longo de uma placa plana em baixos números de Reynolds; em uma esteira

turbulenta; em um jato turbulento; em uma camada de mistura turbulenta; e em um canal

turbulento, emReτ= 237,Reτ= 409 eReτ= 517. As simulações foram comparadas a

resultados analíticos e experimentais, e verificou-se que as principais características dos

escoamentos foram adequadamente reproduzidas. O método MAL mostrou-se capaz de

simular condições de escoamento em transição; a presença de cascata de energia inversa;

e escoamento na presença de gradiente de pressão adverso. Todas as simulações foram

numericamente estáveis e tiveram um baixo custo computacional. A simplicidade na

implementação e os bons resultados obtidos sugerem que o método MAL pode ser com-

petitivo com outros métodos aplicados atualmente na solução numérica de problemas de

camada limite.

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Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements

for the degree of Doctor of Science (D.Sc.)

NUMERICAL SIMULATION OF TWO-DIMENSIONAL BOUNDARY LAYER

FLOWS WITH THE USE OF THE LAGRANGIAN SAMPLE MEAN METHOD

Ricardo Carvalho de Almeida

June/2005

Advisors: José Luis Drummond Alves

Clemente Augusto Souza Tanajura

Department: Civil Engineering

This work introduces the Lagrangian Sample Mean (LSM) method for the treatment

of the Navier-Stokes equations in order to solve boundary layer flow problems numeri-

cally. The method is based on the hypothesis that the small scale motions are responsible

for the homogenization of the physical properties in infinitesimal fluid parcels, by means

of a mixing process. Such a process is mathematically expressed as a linear averaging

operator. When the LSM is applied to the Navier-Stokes equations for an incompressible

fluid in the lagrangian frame of reference the functional form of the resulting equations

is the same of the original ones, and the number of unknowns remains the same of the

available equations. Therefore, the number of degrees of freedom of the problem is re-

duced without the occurrence of the closure problem. The resulting system of equations

is solved numerically by using the semi-lagrangian method. In order to validate the LSM

method, two-dimensional simulations of the following flows were made: along a flat

plate at low Reynolds numbers; in a turbulent wake; in a turbulent jet; in a mixing layer;

and in a channel atReτ= 237,Reτ= 409 andReτ= 517. The simulations were com-

pared to analytical and experimental results and it was verified that the main features of

the flows were properly replicated. The LSM method was able to simulate the transi-

tion to turbulence; the occurrence of inverse energy cascade; and flow in the presence

of an adverse pressure gradient. All simulations were numerically stable and had a low

computational cost. Also, the implementation of the method was very simple. The good

results of the study suggest that the LSM method can be competitive with other methods

presently applied to obtain numerical solutions of boundary layer problems.

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Sumário

1 INTRODUÇÃO 1

2 O MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL LAGRANGEANA 15

2.1 Conceituação do Método . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2.2 Definição e Propriedades da Média Amostral Lagrangeana . . . . . . . . 18

2.3 Aplicação da Média Amostral Lagrangeana às Equações de N-S . . . . . 21

2.4 Aplicação do Conceito de Média Amostral às Equações de N-S no Refe-

rencial Euleriano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

3 O MÉTODO SEMI-LAGRANGEANO (S-L) 27

3.1 Descrição do Método S-L . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

3.2 Propriedades do Método S-L . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

3.2.1 Estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

3.2.2 Acurácia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

3.3 Aplicações do Método S-L . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

4 IMPLEMENTAÇÃO NUMÉRICA DO MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL

LAGRANGEANA 38

4.1 Discretização das Equações de N-S Agregadas . . . . . . . . . . . . . . . 39

4.2 Algoritmo para a Solução Numérica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

5 O PROBLEMA DO ESCOAMENTO AO LONGO DE UMA PLACA PLANA

E NA ESTEIRA ADJACENTE 42

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5.1 O Problema do Escoamento ao Longo da Placa Plana . . . . . . . . . . . 42

5.2 O Problema do Escoamento na Esteira Distante . . . . . . . . . . . . . . 48

5.3 Solução Numérica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

5.3.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno . . . . . . . . . 54

5.3.2 Simulações Numéricas e Resultados para a Placa Plana . . . . . . 57

5.3.2.1 Experimento PLACA 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

5.3.2.2 Experimento PLACA 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

5.3.3 Simulação Numérica e Resultados para a Esteira . . . . . . . . . 76

6 O PROBLEMA DO ESCOAMENTO EM UM JATO 90

6.1 Apresentação do problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

6.2 Solução Numérica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94

6.2.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno . . . . . . . . . 94

6.2.2 Simulação Numérica e Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . 96

7 O PROBLEMA DO ESCOAMENTO EM UMA CAMADA DE MISTURA 112

7.1 Apresentação do problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112

7.2 Solução Numérica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

7.2.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno . . . . . . . . . 115

7.2.2 Simulações Numéricas e Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . 117

8 O PROBLEMA DO ESCOAMENTO EM UM CANAL 131

8.1 Apresentação do problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

8.2 Solução Numérica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136

8.2.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno . . . . . . . . . 136

8.2.2 Simulações Numéricas e Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . 138

8.2.2.1 Experimento CANAL 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . 138

8.2.2.2 Experimentos CANAL 2 e CANAL 3 . . . . . . . . . . 153

9 CONCLUSÃO 166

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A CONCEITOS, DEFINIÇÕES E EQUAÇÕES BÁSICAS SOBRE ESCOA-

MENTOS EM CAMADAS LIMITES 174

A.1 As Equações de Navier-Stokes (N-S) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174

A.2 Médias das Equações de N-S . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177

A.3 As Equações da Camada Limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

A.4 Escalas Turbulentas de Kolmogorov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186

A.5 Representação do Espectro Unidimensional da Turbulência . . . . . . . . 187

A.6 Turbulência Bidimensional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191

A.7 A Hipótese de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195

A.8 Medidas da Camada Limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196

A.8.1 Espessura da camada limite e espessura de deslocamento . . . . . 196

A.8.2 Espessura de quantidade de movimento . . . . . . . . . . . . . . 196

A.8.3 Espessura de energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197

A.9 A Lei da Parede . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198

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Capítulo 1

INTRODUÇÃO

Na natureza, a maioria dos escoamentos de fluidos são turbulentos. Os escoamentos la-

minares fazem parte da exceção na dinâmica dos fluidos, e não da regra [1]. Embora a

turbulência esteja presente com frequência nas experiências do mundo real, e seja ob-

jeto de intensa pesquisa científica, não existe nem mesmo unanimidade em sua definição.

De acordo com Tennekes e Lumley [1], tudo o que se pode fazer no sentido de definir

a turbulência é listar algumas das características principais dos escoamentos turbulen-

tos, a saber: irregularidade, difusividade, associação a números de Reynolds elevados,

tridimensionalidade das flutuações de vorticidade, dissipação, validade da hipótese do

contínuo, e ser caracterizada pelas propriedades do escoamento, não pelas propriedades

físicas do fluido. Para Kundu [2] as principais características dos escoamentos turbu-

lentos são as seguintes: aleatoriedade, não-linearidade, difusividade, vorticidade e dissi-

pação. Silveira Neto [3], por sua vez, apresenta as seguintes características como as mais

importantes da turbulência: alta difusividade, rotacionalidade e tridimensionalidade, dis-

sipação, validade da hipótese do contínuo, imprevisibilidade e associação a altos números

de Reynolds, com um largo espectro de energia.

As três referências citadas acima ilustram a complexidade do assunto. Devido a tal

complexidade, a turbulência (e a transição à turbulência, um tópico a ela correlato) tem

sido um assunto dentre os mais intensamente pesquisados no último século [3]. Apesar

desse esforço, não existe ainda uma abordagem geral para a solução de problemas de

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escoamentos turbulentos. Devido a essa falta de generalidade, o sucesso nas tentativas

de solucionar esses problemas possui grande dependência na inspiração envolvida em se

adotar uma determinada hipótese [1], ou seja, ainda há uma grande dose de subjetividade

no tratamento do problema.

Embora a dinâmica dos fluidos seja uma disciplina das ciências exatas, algumas das

maiores contribuições teóricas nesse campo dependeram da intuição física incomum de

alguns cientistas [2]. A habilidade em se identificar as características mais importantes

do problema da turbulência vem sendo continuamente colocada à prova, em virtude das

equações de Navier-Stokes, que governam o movimento dos fluidos newtonianos vis-

cosos, possuírem soluções analíticas apenas para alguns poucos casos triviais. Apesar

dessas equações terem sido formuladas há mais de um século, não foi descoberta ainda

uma forma universal de solução analítica exata de um problema de dinâmica dos fluidos

a partir delas, para condições de contorno apropriadas ao problema. Do interesse em

se resolver o problema numericamente, surgiu a Dinâmica dos Fluidos Computacional

(DFC), que trata da análise numérica dos escoamentos [4].

A utilização de simulações numéricas para a solução de problemas de escoamentos

turbulentos tem uma dificuldade inerente, conhecida comoproblema de fechamento[5].

Este problema decorre do fato do número de incógnitas presentes no sistema que descreve

os escoamentos turbulentos ser maior que o número de equações, e está associado à

característica de não linearidade da turbulência. Ele permanece ainda hoje, como um

problema da física clássica não solucionado.

O problema do fechamento surge a partir do momento em que as equações de Navier-

Stokes são decompostas, de forma a se expressar o comportamento médio do escoa-

mento separadamente de suas flutuações. As novas incógnitas que surgem, que estão

relacionadas às flutuações, precisam, de alguma forma, ser expressas em termos de va-

riáveis para as quais existam equações, de maneira a tornar o número de equações igual

ao de incógnitas. A este procedimento chama-semodelagem da turbulência1.

1O modelo turbulentoutilizado para representar os termos referentes às flutuações é também conhecidocomoesquema de fechamento turbulento. A comunidade científica dos fluidos geofísicos, por sua vez, uti-liza mais comumente o termoparametrização da turbulência. Neste trabalho estes termos serão utilizados

2

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A modelagem da turbulência é uma aproximação da natureza, na qual a equação

que descreve o comportamento real de uma variável é substituída por uma aproximação,

construída artificialmente. Novamente, a intuição física tem papel fundamental no de-

senvolvimento de um modelo turbulento, pois envolve a interpretação humana e a cria-

tividade do pesquisador [5].

De acordo com Wilcox [6], a modelagem da turbulência é colocada juntamente com

a geração de grades (ou malhas) e o desenvolvimento de algoritmos como os três ele-

mentos chaves da DFC. Aquele autor considera que dos três elementos, a modelagem

da turbulência é o que atingiu menor precisão, devido ao fato de seu objetivo ser o de

representar de forma aproximada um fenômeno extremamente complicado. O mesmo

autor considera que “um modelo ideal deve introduzir o mínimo em complexidade, en-

quanto captura a essência física relevante”. Por outro lado, como a turbulência é carac-

terizada como sendo um fenômeno inerentemente tridimensional e variável no tempo,

uma enorme quantidade de informações é necessária para uma completa descrição de um

escoamento turbulento. Assim, é esperado que quanto mais complexo seja o problema

a ser resolvido, mais sofisticado (ou menos simples) deverá ser o método de solução a

ser adotado. Logo, o requisito de simplicidade do modelo de turbulência será relativo à

complexidade do problema a ser solucionado.

A abordagem numérica da DFC tem demonstrado ao longo do tempo ser mais poderosa

que as soluções analíticas aproximadas do passado. A DFC tem permitido o cálculo de-

talhado de características essenciais dos escoamentos, contribuindo não apenas para a

solução de problemas práticos de engenharia e geociências, mas também para um melhor

entendimento da física da turbulência. É destacado por Cebeci e Cousteix [4] que existe

um contínuo interesse por métodos que permitam o aumento na acurácia da solução de

formas mais completas das equações de conservação que regem a dinâmica dos fluidos.

A solução numérica de problemas de escoamentos turbulentos pode ser definida, em

termos científicos gerais, comosimulação, no qual o comportamento característico de

um certo sistema, que é um fluido real, é obtido por meio de um outro sistema, no

indistintamente.

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caso um programa de computador, que tenta caracterizar esse comportamento [7]. O

estado do fluido, por sua vez, pode ser representado em uma grande variedade de for-

mas. Utilizando como exemplo a massa de gás contida em um cilindro rígido, podemos

representar o seu estado em uma forma altamente agregada, por meio da especificação

de sua temperatura e pressão. Nesta situação teríamos apenas dois graus de liberdade

no sistema. Poderíamos também utilizar uma representação essencialmente não agre-

gada do sistema, por meio da especificação da posição e quantidade de movimento de

cada molécula de gás. Neste caso haveria, efetivamente, um número infinito de graus de

liberdade na descrição do sistema.

Os escoamentos normalmente encontrados na natureza envolvem um grande número

de graus de liberdade, refletido, por exemplo, pelo número de Reynolds. Essa carac-

terística torna ainda inexequível a simulação direta exata desses sistemas em sua forma

altamente desagregada. Para contornar essa dificuldade, recorre-se ao uso de equações

descrevendo sistemas ligeiramente mais agregados, reduzindo-se o número de graus de

liberdade. Os esquemas de fechamento turbulento buscam obter as equações que si-

mularão de forma aproximada o comportamento de um fluido real.

De maneira geral, os modelos de fechamento turbulento são baseados em propriedades

estatísticas do escoamento e são expressos por relações matemáticas entre os momentos

estatísticos de diferentes variáveis características do escoamento. Quanto mais alta a

ordem dos momentos estatísticos envolvidos no modelo turbulento mais elevada será a

ordem do fechamento. É normalmente aceito que as equações para as variáveis estatísti-

cas de mais baixas ordens (médias de quantidade de movimento ou de fluxos) tornam-se

mais acuradas à medida que se utilizam parametrizações de mais altas ordens. Entre-

tanto, torna-se extremamente difícil obter momentos estatísticos de ordem muito elevada

em escoamentos reais, em virtude de limitações de precisão nas medições, que fazem

com que erros e ruídos atinjam níveis próximos aos dos sinais de interesse [5]. Um outro

aspecto a ser observado é que quanto mais elevada a ordem do esquema de fechamento

turbulento adotado, maior será o número de coeficientes empíricos a serem utilizados e de

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grandezas a serem computadas, com o consequente aumento de incertezas e dificuldades

relacionadas à solução das equações [8]. Ainda analisando os esquemas de fechamento

de ordem mais alta, Kraus e Businger [9] citam que tais esquemas podem produzir simu-

lações realísticas em problemas de camada limite planetária em situações especiais, mas

ao custo de perda de generalidade e pouca clareza da natureza física das aproximações

adotadas.

A impossibilidade de serem obtidas soluções analíticas para as equações de Navier-

Stokes em situações geralmente observadas na natureza tornou necessária a utilização de

métodos numéricos para a solução de problemas de escoamentos turbulentos, tanto para

atender a aplicações práticas, quanto para gerar dados e informações que permitissem

o aprimoramento teórico do assunto. Os esquemas de fechamento turbulento utilizados

nesses métodos envolvem uma grande subjetividade, por dependerem da intuição física

dos cientistas que os desenvolveram, e não podem ser considerados como de aplicação

generalizada, além de demandarem um esforço computacional considerável para seu pro-

cessamento.

As primeiras teorias semi-empíricas sobre esse assunto tentaram estabelecer relações

para o fechamento turbulento tratando de forma análoga a troca (ou transferência) de

quantidade de movimento em escoamentos laminares e turbulentos. Boussinesq [10],

citado por Deschamps [11], introduziu o conceito deviscosidade turbulenta, posteri-

ormente generalizado por Kolmogorov [12], citado por Deschamps [11], com base na

premissa de que as tensões de Reynolds agem no fluido de forma análoga às tensões

viscosas. A partir daí, surgiram modelos cujo objetivo era expressar a viscosidade turbu-

lenta.

Nos modelos algébricos de comprimento de misturaa viscosidade turbulenta é ex-

pressa em termos de um comprimento de mistura, que é definido como a distância transver-

sal ao escoamento percorrida por uma partícula antes de perder a identidade. Essa

hipótese, idealizada por Prandtl [13], citado por Deschamps [11], possui diversas res-

trições, sendo a principal delas o fato de moléculas e estruturas turbulentas (vórtices)

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serem fundamentalmente diferentes [6]. Portanto, a analogia na qual o modelo se ba-

seia não possui consistência física. Outro problema é a necessidade de se empregarem

coeficientes e correções empíricas para cada tipo de escoamento que esteja sendo simu-

lado, carecendo, portanto, de falta de generalidade na aplicação. Sobre essas restrições,

Niller e Kraus [8] comentam que, embora os modelos algébricos baseados na hipótese

do comprimento de mistura sejam largamente utilizados, eles possuem fundamentação

física precária. Tennekes e Lumley [1] são mais incisivos em sua crítica a esses mo-

delos e consideram que a teoria do comprimento de mistura é “inútil porque não pode

prever nada substancial; ela é frequentemente causa de confusão, pois não podem haver

duas versões dela que concordem entre si”. Wilcox [6], por sua vez, considera que esses

modelos podem ser utilizados apenas na simulação de escoamentos para os quais eles

estejam bem calibrados, uma vez que dependem do emprego de coeficientes empíricos

específicos para cada tipo de escoamento.

Uma outra abordagem baseada no conceito de viscosidade turbulenta é a dosmodelos

de uma equação não algébricos, que utilizam a equação do transporte de energia cinética

turbulentak. Uma premissa básica desses modelos, estabelecida por Prandtl [14], citado

por Wilcox [6], é a existência de uma condição de equilíbrio local nos escoamentos turbu-

lentos, onde a produção e a dissipação de energia cinética turbulenta estão praticamente

balanceadas.

Esses modelos representaram um avanço em relação aos modelos algébricos. Entre-

tanto, ainda baseavam-se no conceito de comprimento de mistura, e dependiam da pres-

crição antecipada do valor dessa grandeza. Deschamps [11] observa que, com exceção

de escoamentos em geometrias simples, é bastante difícil a implementação desses mode-

los. Para Wilcox [6], o sucesso desses modelos é comparável ao dos modelos algébricos,

assim como as deficiências, sendo uma delas a falta de generalidade para aplicação.

Visando eliminar a dependência na prescrição antecipada do comprimento de mistura,

foram desenvolvidos osmodelos de duas equações, que baseiam-se na utilização de uma

equação para a obtenção de uma velocidade característica, e outra para a determinação

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de uma escala de comprimento. Tendo-se definido essas duas grandezas, obtém-se a

viscosidade turbulenta.

Os modelos de duas equações têm como base a equação da energia cinética turbu-

lenta para a obtenção da velocidade característica. A escala de comprimento, por sua

vez, pode ser obtida adotando-se diferentes estratégias. Wilcox [6] cita, por exemplo,

as seguintes abordagens: Kolmogorov [12], que utilizou uma equação para a chamada

razão de dissipação específicaω ; Chou [15], que propôs o emprego de uma equação

para adissipação da energia cinéticaε ; e Zeierman e Wolfshtein [16], que introduziram

uma equação de transporte para o produto dek e de uma grandeza chamadatempo de

dissipação da turbulênciaτ .

Wilcox [6] destaca que uma das principais fontes de incerteza nos modelos de duas

equações está na segunda equação de transporte, que complementa a equação dek, e

que não é claro nem mesmo qual a segunda grandeza mais apropriada para a aplicação

de um modelo desse tipo. O mesmo autor também observa que, como os modelos de

duas equações se baseiam na hipótese do equlíbrio local, deve-se esperar que eles sofram

da mesma falta de generalidade dos modelos de uma equação, e que sua aplicação a

escoamentos turbulentos que não estejam em equlíbrio deverá produzir resultados de

pouca acurácia.

Entre os modelos de duas equações, omodelok− ε é aquele que, ao longo do tempo,

tem recebido maior atenção, tanto para aplicações práticas quanto para pesquisa. O prin-

cipal trabalho sobre ele é da autoria de Jones e Launder [17], citados por Wilcox [6] e

Deschamps [11].

Wilcox [6] observa que todos os modelos de duas equações utilizam coeficientes de

fechamento empíricos, quando da substituição das incógnitas que incluem correlações

duplas ou triplas de flutuações de grandezas por expressões algébricas. Essas expressões,

por sua vez, baseiam-se em propriedades conhecidas da turbulência e do escoamento

médio. O mesmo autor cita que, devido à fundamentação teórica da turbulência não ser

suficientemente completa para permitir a obtenção desses coeficientes de forma exata, os

7

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modelos são desenvolvidos com base, principalmente, em análise dimensional, cabendo

ao pesquisador escolher os tipos de escoamentos que serão utilizados para a determinação

dos coeficientes de fechamento (próximos a paredes, camadas de mistura, esteiras, etc.), e

tentar, empiricamente, obter as relações mais gerais possíveis. Em resumo, a escolha dos

escoamentos para a determinação dos coeficientes de fechamento é fortemente subjetiva,

e baseia-se na intuição física de quem está desenvolvendo o modelo. Essa característica

implica, portanto, em falta de generalidade também nos modelos de duas equações. Por

exemplo, Deschamps [11] cita que o modelok − ε apresenta deficiências significativas

nas seguintes situações: escoamentos na presença de curvatura das linhas de corrente;

escoamentos sob a ação de gradientes de pressão adversos; escoamentos em regiões de

separação; e em jatos. De acordo com aquele autor, os erros do modelo têm como origens

o emprego de uma relação de viscosidade turbulenta análoga à aplicada a um escoamento

laminar, e a pouca fundamentação física na equação de transporte deε.

Ao longo do tempo tem havido o desenvolvimento de variações nos modelos de duas

equações. Wilcox [6] avalia que, apesar desses modelos serem mais gerais que outros

menos complexos, eles são deficientes em algumas aplicações, e as deficiências estão

fundamentalmente relacionadas à utilização da hipótese da viscosidade turbulenta de

Boussinesq.

Buscando evitar o emprego da hipótese de Boussinesq, foram desenvolvidos osmode-

los de transporte de tensões de Reynolds, que visam obter diretamente equações de trans-

porte para essas tensões. Para Wilcox [6], esses modelos permitem maior generalidade

de aplicação, ao custo de um esforço considerável no estabelecimento de aproximações

para o fechamento das equações. Os trabalhos de Chou [15] e de Rotta [18], citados

por Wilcox, foram os primeiros a propôr o fechamento das equações de transporte das

tensões de Reynolds. Nesses modelos, a necessidade de fechamento leva à utilização de

numerosos coeficientes empíricos, demandando um elevado esforço de intuição física e

engenhosidade para obtê-los [6].

Apesar dessas dificuldades, os modelos de transporte de tensões de Reynolds repre-

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sentaram um importante avanço em relação aos modelos de duas equações, especialmente

nos casos onde esses últimos são mais deficientes (curvatura de linhas de corrente, es-

coamentos tridimensionais e fluidos em rotação, por exemplo). Entretanto, eles ainda

apresentam limitações relacionadas ao emprego de equações oriundas dos modelos de

duas equações, que adotam a hipótese da viscosidade turbulenta.

Os modelos baseados na viscosidade turbulenta e os modelos de tensões de Reynolds

buscam a solução das equações de Navier-Stokes médias. Esse procedimento conduz ao

problema de fechamento, pois torna necessário o emprego de aproximações para eliminar

as incógnitas adicionais que surgem quando se obtém as equações médias. A situação

ideal seria a possibilidade de se obter uma descrição completa, no espaço e no tempo, dos

valores das variáveis (pressão e componentes de velocidade) a partir de soluções numéri-

cas das equações de Navier-Stokes, sem o uso de modelagem. O método empregado para

a obtenção dessas soluções é chamado desimulação numérica direta(SND).

Os escoamentos turbulentos abrangem uma ampla faixa de escalas espaciais e tem-

porais para serem computadas com o uso da SND, implicando em uma elevada demanda

computacional. Por essa razão, Moin e Mahesh [19] observam que a SND deve ser enca-

rada como uma ferramenta de pesquisa, e não como um método de solução das equações

de Navier-Stokes em problemas práticos, por meio da “força bruta”.

Para Kantha e Clayson [20], o que destaca a SND em relação aos demais métodos

numéricos é a não utilização de aproximações com modelos para a solução das equações

de Navier-Stokes, sendo, portanto, um cálculo exato.

Para Wilcox [6], os principais aspectos a serem avaliados para a utilização da SND

estão relacionados à acurácia numérica, à especificação das condições de contorno e à

otimização dos recursos computacionais. No que se refere a esse último item, Pope

[21] avaliou a distribuição do esforço computacional ao longo das escalas espaciais na

simulação de um escoamento com o uso da SND. Ele concluiu que 99.98 % desse esforço

é empregado em modos que possuem números de onda na região da dissipação viscosa

do espectro de energia, e que apenas 0.02 % do esforço de processamento é utilizado

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nos modos que representam os movimentos de grandes escalas, onde residem os vórtices

turbulentos que contêm a maior parte da energia, e na subregião inercial. O mesmo

autor destaca que são utilizadas várias técnicas para aumentar a eficiência computacional

da SND. Entretanto, essas modificações afastam as simulações das condições impostas

pelas equações de Navier-Stokes originais, logo, não podem ser classificadas como SND,

e sim como modelagem da turbulência.

Devido ao elevado custo computacional, Kantha e Clayson [20] consideram que a

pesquisa da turbulência com base na SND enquadra-se em uma categoria que demanda

capacidade de processamento computacional além de teraflops.

Mesmo com as limitações relativas à elevada demanda computacional, a SND tem

tido um papel importante na pesquisa da turbulência. Com o emprego desse método tem

sido possível se obter informações sobre quantidades que são praticamente imensuráveis,

tais como correlações que envolvem flutuações de pressão [6], e um nível de descrição

e acurácia incomparáveis na simulação de escoamentos turbulentos [21]. Para Moin e

Mahesh [19], a maior virtude da SND é a possibilidade de controle que pode ser exercido

sobre o escoamento objeto de estudo. O alto custo computacional, entretanto, torna a

SND restrita aos grupos de pesquisa que tenham à disposição recursos computacionais

de altíssimo nível. Mesmo assim, as simulações ficam ainda limitadas a condições de

números de Reynolds relativamente baixos.

Do exposto anteriormente, pode-se identificar dois conceitos distintos na abordagem

do problema de simulação numérica de escoamentos turbulentos: os métodos que uti-

lizam as equações médias de Reynolds, que retiram todos os detalhes dos processos

turbulentos, pois eles passam a ser representados em função dos valores médios; e a

SND, que se baseia na resolução explícita de todas as escalas do escomento. No primeiro

caso, a demanda computacional é relativamente baixa, enquanto que a SND exige capaci-

dade de processamento extremamente elevada. Asimulação de grandes escalas(SGE)

coloca-se como um método intermediário entre os dois conceitos citados, pois as maiores

estruturas turbulentas, que contêm a maior parte da energia, são resolvidas diretamente,

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enquanto que apenas as menores estruturas são modeladas.

A SGE baseia-se na premissa de que os movimentos nas menores escalas tendem a

ser mais homogêneos e isotrópicos, consequentemente, menos afetados pelas condições

de contorno. Assim, pode-se esperar que a modelagem destas escalas tenha um caráter

universal, ou seja, uma menor dependência do tipo de escoamento que está sendo simu-

lado [22]. A adoção dessa estratégia permite, portanto, simular escoamentos em números

de Reynolds relativamente altos, a um custo computacional aceitável. Entretanto, Silveira

Neto [22] observa que, apesar da SGE ser mais eficiente que a SND do ponto de vista

computacional, ela também demanda grades refinadas.

A principal distinção da SGE em relação à SND está no conceito de filtragem, pela

qual se obtém a separação de escalas. Uma variável submetida à filtragem será composta

de duas partes: a filtrada, referente às grandes escalas, resolvida diretamente durante

a simulação; e a denominadasubgrade( ou submalha), não resolvida pela grade, que

necessita ser modelada.

No processo de filtragem das equações de Navier-Stokes surgem termos não lineares,

que contêm grandezas para as quais não há equações explícitas e que necessitam, por-

tanto, ser modelados. Entre esses termos há o chamado tensor detensões de Reynolds

subgradeRij. Smagorinsky [23], citado por Wilcox [6], foi o primeiro a propor um

modelo paraRij , onde as tensões de Reynolds subgrade são aproximadas na forma de

um processo de difusão por gradiente, fazendo analogia ao movimento molecular. O

modelo resultante contém um termo de viscosidade turbulenta, sendo que a equação que

representa o termoRij modelado é análoga a um modelo de comprimento de mistura

[6]. Como citado anteriormente, as hipóteses de viscosidade turbulenta e de compri-

mento de mistura não possuem uma base física consistente. Uma vez que o modelo de

Smagorinsky baseia-se nesses dois conceitos, é de se esperar que ele também sofra de

inconsistência física. Apesar disso, os modelos de tensões de Reynolds subgrade podem

ser calibrados para cada tipo de escoamento, ajustando-se o valor do chamadocoeficiente

de SmagorinskyCs, semelhante ao que é feito com os modelos de viscosidade turbulenta.

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Para Wilcox [6], apesar das limitações, o modelo de Smagorinsky obteve algum

sucesso na simulação de escoamentos turbulentos. Silveira Neto [22] considera que as

principais deficiências do modelo de Smagorinsky se manifestam na simulação de escoa-

mentos em transição do regime laminar para o turbulento, e próximo a fronteiras sólidas,

nos quais o uso de um valor constante para o coeficiente de Smagorinsky não produz

bons resultados. Visando superar essas dificuldades, foi desenvolvida a técnica demode-

lagem subgrade dinâmica, onde o coeficienteCs é uma função que varia no espaço e no

tempo. Ressalte-se o fato de que neste método é adotada a hipótese de Boussinesq [22],

que possui várias limitações, já apresentadas.

Em sua análise sobre a técnica de modelagem subgrade dinâmica, Wilcox [6] destaca

que as suas principais deficiências se apresentam quando ocorrem situações onde a vis-

cosidade turbulenta assume valores negativos, implicando em transferência de energia

cinética das escalas subgrade para as maiores escalas. Esta situação, na qual existe uma

cascata de energia inversa, é observada na realidade, e é referenciada na literatura inter-

nacional comobackscatter. A consequência desse fenômeno no modelo de Smagorinsky

é uma instabilidade numérica que leva à perda completa de energia cinética na escala

subgrade, comprometendo a acurácia das simulações. Para minimizar esse problema

foram propostas algumas técnicas numéricas artificiais, que limitam a cascata inversa de

energia.

Uma outra dificuldade do método SGE relaciona-se ao tratamento de regiões próxi-

mas a fronteiras sólidas. Para que seja possível a simulação de escoamentos em altos

números de Reynolds a um custo computacional aceitável, torna-se necessário reduzir a

resolução da grade na região próxima à superfície sólida. Logo, os efeitos dissipativos

das escalas não resolvidas nessa região terão que ser modelados por meio de funções em-

píricas, em um procedimento similar ao adotado em modelos de viscosidade turbulenta.

Cabe citar que, na avaliação de Silveira Neto [22], todos os modelos subgrade exis-

tentes apresentam deficiências quando aplicados a escoamentos em transição; na proxi-

midade de fronteiras sólidas; e na presença de cascata de energia inversa. O mesmo autor

12

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observa que alguns desses problemas vêm sendo solucionados. No entanto, as situações

de viscosidade turbulenta negativa ainda permanecem como um problema a resolver.

Muito embora possua algumas deficiências, a SGE vem contribuindo de forma signi-

ficativa para o desenvolvimento teórico na área da turbulência, pois permite a obtenção de

dados e informações sobre escoamentos em altos números de Reynolds que não podem

ser obtidas por meio da SND.

O objetivo deste trabalho é propor uma nova abordagem no tratamento das equações

de Navier-Stokes para a simulação numérica de escoamentos subsônicos de fluidos vis-

cosos newtonianos, aplicável tanto a regimes laminares quanto turbulentos. O método

denominadoMédia Amostral Lagrangeana(MAL) decorre da interpretação física da

turbulência como sendo responsável pela uniformização das propriedades do fluido nas

menores escalas. O método pretende ser de aplicação generalizada, em virtude de não

depender da utilização de parametrizações ou esquemas de fechamento, não recorrendo,

portanto, ao uso de coeficientes empíricos. Uma outra característica relevante é a eficiên-

cia computacional, em virtude das propriedades de estabilidade do esquema numérico

semi-lagrangeano, que é empregado na solução das equações obtidas por meio do método

proposto.

Os problemas a serem abordados serão tratados em duas dimensões apenas. Não se

pretende que os escoamentos em camadas limites reais sejam reproduzidos exatamente

pelas simulações. Entretanto, espera-se que muitas de suas principais características pos-

sam ser replicadas adequadamente nos experimentos numéricos.

No capítulo 2, será introduzido o conceito de Média Amostral Lagrangeana e sua

aplicação nas equações de Navier-Stokes em duas dimensões. O capítulo 3 apresen-

tará as principais características do método semi-lagrangeano, que será aplicado para a

solução das equações obtidas no capítulo anterior. No capítulo 4 serão apresentadas as

equações discretas a serem empregadas nas simulações numéricas dos diferentes escoa-

mentos que serão analisados para a validação do método proposto. Esses escoamentos

foram selecionados por serem problemas clássicos na mecânica dos fluidos, fartamente

13

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documentados na literatura, e serão descritos e caracterizados pelas respectivas condições

de contorno nos capítulos subsequentes. O capítulo 5 será dedicado aos problemas de es-

coamento em baixos números de Reynolds ao longo de uma placa plana, e na região da

esteira adjacente. O capítulo 6 abordará o problema do escoamento em um jato. O capí-

tulo 7 tratará do escoamento em uma camada de mistura, e o capítulo 8 será dedicado

ao escoamento em um canal. A conclusão do trabalho será apresentada no capítulo 9.

No apêndice A serão apresentados, de forma sumária, conceitos, definições e equações

básicas sobre escoamentos em camadas limites, que serão referenciadas ao longo do tra-

balho.

14

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Capítulo 2

O MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL

LAGRANGEANA

Na introdução foram citados, de forma sumária, os principais métodos e modelos uti-

lizados na simulação numérica de escoamentos em camadas limites. Do apresentado,

pode-se avaliar que as abordagens são muito variadas e possuem características bastante

distintas. De acordo com Pope [21], uma vez que os problemas relativos a escoamentos

em camadas limites variam muito em complexidade geométrica e nos processos físicos

envolvidos, requerendo diferentes níveis de descrição, acurácia e esforço computacional,

é interessante que estejam à disposição diferentes formas de abordar esses problemas.

Na opinião desse autor “[...] cada abordagem tem o seu lugar: nenhuma delas suplanta

todas as outras”. Ele destaca também a sinergia que existe entre os diferentes métodos,

os quais podem contribuir uns com os outros, e conclui avaliando que para alguns pro-

blemas de escoamentos turbulentos existem métodos com acurácia adequada a um custo

computacional aceitável, enquanto para muitos outros ainda se requer um desenvolvi-

mento significativo.

O método da Média Amostral Lagrangeana (MAL), a ser introduzido neste capítulo,

pretende prestar uma contribuição a esse desenvolvimento, para aplicação à simulação

numérica de escoamentos de fluidos newtonianos incompressíveis.

15

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2.1 Conceituação do Método

O método MAL foi motivado, inicialmente, pelateoria da turbulência transilientede

Stull [5], para a camada limite atmosférica. Essa teoria considera que os maiores vórtices

transportam fluido por distâncias finitas, antes que os menores vórtices possam causar

a mistura das propriedades do fluido. Em sua aplicação discreta, visando a simulação

numérica de um escoamento, considera-se que o espaço é dividido em volumes regulares

de iguais dimensões, e que os pontos de grade estão no centro de cada volume, represen-

tando as condições médias dentro do volume. Cada ponto (representando os diferentes

volumes) é influenciado por vórtices de diferentes escalas, e a interação desses vórtices

provoca a transferência de propriedades (quantidade de movimento, temperatura, umi-

dade, concentração de um traçador passivo, etc.) entre os diferentes volumes, por meio

de mistura. Essa transferência de propriedades por mistura, por sua vez, tende a uni-

formizar as propriedades dentro dos volumes. As interações turbulentas entre vórtices

de diferentes escalas presentes no fluido são representadas pelos termos de correlação

de flutuações, os quais são modelados como elementos de uma matriz, chamadamatriz

transiliente.

Partindo-se dessa idéia, pode-se pensar, de forma simplificada, que os principais re-

sultados da ação da turbulência são o transporte de propriedades pelas maiores escalas e

a uniformização das propriedades dentro do fluido, por meio de um processo de mistura

executado pelos vórtices nas menores escalas do escoamento. Há dificuldade, entre-

tanto, em se associar os termos de correlação a esses processos de transporte e mistura.

Devemos então, buscar uma forma de representar esse comportamento sem que haja o

aparecimento de novas incógnitas no sistema de equações.

Se enfocarmos as menores escalas, podemos pensar que as diferentes partículas de

fluido interagindo estão continuamente transferindo propriedades entre si. Além disso,

pode-se imaginar que de cada interação instantânea das partículas, porções infinitesi-

mais de fluido terão suas propriedades uniformizadas por um processo de mistura. O

resultado dessa uniformização é que cada porção infinitesimal de fluido assumirá um

16

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valor médio da propriedade em questão, calculado a partir dos valores da propriedade

que cada partícula tivesse individualmente antes da interação. A mais simples forma de

representar uma média como uma operação linear é por meio da média aritmética. Vale

lembrar que ao se utilizar uma média como o resultado da interação de várias partículas

de fluido, podemos representar todas as partículas participantes da interação por apenas

uma, em virtude de, ao final da interação, todas possuírem o mesmo valor da propriedade

submetida à uniformização. Logo, o número de graus de liberdade necessário para repre-

sentar o sistema, após um intervalo de tempo infinitesimal no qual ocorrem as interações,

poderá ser reduzido.

Analisemos agora as dificuldades relacionadas à natureza não-linear das equações de

N-S. No caso de escoamentos de fluidos incompressíveis viscosos newtonianos, os ter-

mos advectivos nas equações do movimento são os responsáveis pelas não-linearidades.

Esses termos são originados a partir da utilização do referencial euleriano, em lugar do

lagrangeano, expresso pela equação (A.5). É possível, entretanto, retornar ao referencial

lagrangeano, de forma a que as não-linearidades estejam representadas apenas de forma

implícita nas equações de N-S.

Assim, a proposta do método MAL é a de efetuar uma agregação do sistema que re-

presenta o escoamento no referencial lagrangeano, buscando expressar a uniformização

de propriedades físicas de porções infinitesimais de fluido, resultante das interações nas

menores escalas, por meio de um operador linear.

Uma distinção conceitual pode ser estabelecida: os métodos baseados nas equações

de Reynolds e SGE enfocam os mecanismos que determinamcomoocorre a turbulência,

o que depende fortemente da intuição de quem desenvolve o modelo, contando, por-

tanto, com uma boa dose de subjetividade; o método MAL, por outro lado, enfatiza um

efeitocausado pela turbulência, que se manifesta na mistura (ou uniformização) das pro-

priedades dentro do fluido. Como tal efeito é facilmente observável, essa abordagem tem

um caráter objetivo, pois independe de interpretação pelo observador.

Deve-se notar que pelo fato do método enfocar as interações nas menores escalas, não

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está sendo excluída a possibilidade de que hajam interações também nas maiores escalas.

2.2 Definição e Propriedades da Média Amostral Lagran-

geana

Considere uma porção de fluido arbitrariamente pequena, que se desloca seguindo uma

linha de corrente do escoamento, e contém um número finiton de partículas consti-

tuintes. Para esse fluido é válida a hipótese do contínuo, de forma que a porção de

fluido seja suficientemente maior que o caminho médio das moléculas entre colisões. Ao

mesmo tempo, a porção de fluido é suficientemente pequena para que se possa definir um

ponto nela que, do ponto de vista estatístico, possa ser representativo de toda a porção

de fluido. Esse ponto assumirá os valores médios das propriedades das partículas em sua

vizinhança, que estejam contidas no limite da porção de fluido [24].

Considere também que em um instantet se obtenha uma amostra, sem reposição,

dos valores de uma propriedadeq de um númeroN de partículas contidas no fluido, que

ocupam as posições−→ri em torno da posição−→x representativa da porção de fluido, com

n� N . Cada valor medido será:

qi = q(−→ri , t) (2.1)

Nessas condições, cada valorqi pode ser considerado como uma variável aleatória inde-

pendente, com a mesma distribuição de probabilidade. Consequentemente, a amostra de

valores obtidos constitui umaamostra aleatóriae descreverá uma coleção de observações

tomadas da mesma população [25].

A média amostral< q > (−→x , t) dos valoresqi é o estimador não-tendencioso de

menor variância (minimum variance unbiased estimator) da média populacional da pro-

priedadeq na porção de fluido que ocupa a posição−→x no instantet [25]. Ela é definida

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como:

< q > (−→x , t) ≡

N∑i=1

qi

N(2.2)

Uma vez que a média está sendo tomada em uma porção de fluido que se desloca

ao longo de uma linha de corrente, ou seja, no referencial lagrangeano,< q > (−→x , t)

será chamada deMédia Amostral Lagrangeana(MAL). Um ponto a ressaltar é que a

substituição de um grande número de partículas componentes da porção de fluido por

uma apenas, representativa dela, aumentou o nível de agregação do sistema, reduzindo o

número de graus de liberdade necessários para sua descrição. A interpretação física do

conceito da MAL é que ela representa a uniformização de uma propriedade da porção

de fluido, pela interação das suas diversas partículas componentes. Após as interações,

a porção de fluido assume o valor médio da propriedade, calculado a partir dos valores

individuais que cada partícula de fluido possuía antes das interações.

Seguindo Sagaut [26], serão analisadas algumas propriedades fundamentais da MAL:

1. Conservação de constantes:

Sejaqi = a; a = constante

< a >=

N∑i=1

qi

N=

N∑i=1

a

N=Na

N= a ⇒ < a >= a (2.3)

2. Linearidade:

Sejamψi = ψ(−→ri , t) eφi = φ(−→ri , t)

< ψ + φ >=

N∑i=1

(ψi + φi)

N=

N∑i=1

ψi

N+

N∑i=1

φi

N=< ψ > + < φ >

< aφ >=

N∑i=1

(aφi)

N=

aN∑i=1

φi

N= a < φ >

(2.4)

3. Comutação com a derivada parcial em relação ao espaço:

19

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Defina-se a derivada parcial da funçãoq em relação as como∂q/∂s; s = xi .

⟨∂q

∂s

⟩=

N∑i=1

∂qi∂s

N

Aplicando as propriedades das derivadas:

1

N

N∑i=1

∂qi∂s

=1

N

∂s(N∑i=1

qi) =∂

∂s

(1

N

N∑i=1

qi

)=∂ < q >

∂s(2.5)

Consequentemente:

⟨∂2q

∂s2

⟩=

⟨∂

∂s

(∂q

∂s

)⟩=

∂s

⟨∂q

∂s

⟩=

∂s

(∂ < q >

∂s

)=∂2 < q >

∂s2(2.6)

4. Comutação com a derivada total:

Defina-se a derivada total da funçãoq como [27]:

Dq

Dt= lim

δt→0

q(t+ δt)− q(t)

δt

Aplicando-se a MAL à derivada total temos :

⟨Dq

Dt

⟩=

1

N

N∑i=1

limδt→0

qi(t+ δt)− qi(t)

δt

Das propriedades dos limites [28]:

1N

∑Ni=1 limδt→0

qi(t+δt)−qi(t)δt

= 1N

limδt→0∑Ni=1

qi(t+δt)−qi(t)δt

= limδt→01N

∑Ni=1

qi(t+δt)−qi(t)δt

= limδt→01N

(∑N

i=1qi(t+δt)−

∑N

i=1qi(t)

δt

)= limδt→0

1N

∑N

i=1qi(t+δt)− 1

N

∑N

i=1qi(t)

δt= limδt→0

<q>(t+δt)−<q>(t)δt

=D < q >

Dt(2.7)

A propriedade 4 é extremamente importante, pois ela mostra que ao se permanecer no

20

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referencial lagrangeano, a MAL produz agregação do sistema sem o surgimento de novas

incógnitas, devido à linearidade da operação de obtenção de média naquele referencial.

Observe que na análise das propriedades da MAL não se lançou mão da hipótese

ergótica, nem da obrigatoriedade de existência de um hiato espectral.

2.3 Aplicação da Média Amostral Lagrangeana às Equa-

ções de N-S

As equações de N-S para um fluido newtoniano incompressível, sem a presença de outras

forças externas, no referencial lagrangeano são as seguintes:

Equação da continuidade

∂u

∂x+∂v

∂y+∂w

∂z= 0 (2.8)

Componentex da equação da quantidade de movimento

Du

Dt+

1

ρ

∂p

∂x− ν 52 u = 0 (2.9)

Componentey da equação da quantidade de movimento

Dv

Dt+

1

ρ

∂p

∂y− ν 52 v = 0 (2.10)

Componentez da equação da quantidade de movimento

Dw

Dt+

1

ρ

∂p

∂z− ν 52 w = 0 (2.11)

onde:

52 ≡ ∂2

∂x2+

∂2

∂y2+

∂2

∂z2

Aplicando-se a MAL às equações (2.8) a (2.11) e empregando as propriedades de-

21

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duzidas no subitem 2.2 temos:

⟨∂u

∂x+∂v

∂y+∂w

∂z

⟩=∂ < u >

∂x+∂ < v >

∂y+∂ < w >

∂z= 0 (2.12)

⟨Du

Dt+

1

ρ

∂p

∂x− ν 52 u

⟩=D < u >

Dt+

1

ρ

∂ < p >

∂x− ν52 < u >= 0 (2.13)

⟨Dv

Dt+

1

ρ

∂p

∂y− ν 52 v

⟩=D < v >

Dt+

1

ρ

∂ < p >

∂y− ν52 < v >= 0 (2.14)

⟨Dw

Dt+

1

ρ

∂p

∂z− ν 52 w

⟩=D < w >

Dt+

1

ρ

∂ < p >

∂z− ν52 < w >= 0 (2.15)

As equações (2.12) a (2.15) serão chamadasequações de N-S lagrangeanas agre-

gadas. Pode-se observar que elas têm a mesma forma funcional das equações de N-S.

Note-se que na conceituação da MAL não se estabeleceu distinção quanto ao escoamento

ser turbulento ou não, nem foi estabelecida qualquer premissa de existência de equilíbrio

local. Além disso, não se estabeleceu a forma com que se processa a interação entre as

diversas estruturas componentes do escoamento, ou seja, não se fez analogia com inte-

rações moleculares, como ocorre na hipótese da viscosidade turbulenta. As premissas

se restringiram à validade da hipótese do contínuo; à obrigatoriedade de permanência no

referencial lagrangeano e que instantaneamente o resultado das interações nas menores

escalas pode ser representado por uma média amostral tomada em uma porção de fluido

infinitesimal. Devido à idéia de uniformização de propriedades, fica implícita a existên-

cia de isotropia e homogeneidade após as interações entre as partículas. Entretanto, essas

condições ficam limitadas à escala de comprimento característica da porção de fluido in-

finitesimal. Também não foi necessária a decomposição em uma parte média (ou filtrada)

e uma flutuação (ou resíduo), tendo sido apenas definido um sistema mais agregado que

deverá ser representativo do sistema completamente desagregado após interações das es-

truturas.

Assim, caso as hipóteses adotadas na obtenção das equações de N-S lagrangeanas

agregadas estejam corretas, será possível se prever os valores das variáveis agregadas no

tempo e no espaço diretamente, tendo sido reduzido o número de graus de liberdade do

22

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escoamento. Ao mesmo tempo, como o número de incógnitas é o mesmo do número de

equações disponíveis, não ocorre o problema de fechamento no método MAL. Conse-

quentemente, não será necessário o emprego de aproximações por modelos de turbulên-

cia, uma vez que no referencial lagrangeano não surgem termos não lineares explícitos no

processo de obtenção da média amostral. Logo, todos os processos, turbulentos ou não,

que possam vir a uniformizar as propriedades do fluido por meio de mistura, já terão sido

considerados na obtenção da média. Esta é determinada no interior da porção de fluido,

ao longo do deslocamento infinitesimal, seguindo as linhas de corrente. Uma vez que

o estado agregado foi obtido por meio de uma média estatística, implicitamente ocorreu

uma filtragem espaço-temporal nos movimentos do escoamento. Como não há termos

referentes a resíduos ou perturbações, as equações agregadas pressupõem, portanto, que

os movimentos do sistema agregado já incorporam os efeitos das escalas filtradas.

É importante esclarecer, que o método da média amostral lagrangeana aqui proposto

não possui qualquer semelhança, além do nome, com o método damédia lagrangeana

das equações de N-S-α (Lagrangean-averaged Navier-Stokes [LANS-α] equations) de

Mohseni e Kosovic [29], entre outros autores. A principal diferença entre eles é que o

método LANS-α utiliza as equações de N-S no referencial euleriano, com representação

explícita dos termos não lineares.

Finalmente, para se manter consistência com as hipóteses adotadas na obtenção das

equações agregadas é necessário que a solução numérica do sistema seja realizada no

referencial lagrangeano. Para tal, será empregado o métodosemi–lagrangeano, que será

abordado no próximo capítulo.

2.4 Aplicação do Conceito de Média Amostral às Equações

de N-S no Referencial Euleriano

Na equações de N-S lagrangeanas agregadas as interações não-lineares entre as partículas

de fluido não são expressas de forma explícita. No entanto, é interessante analisar o

23

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conceito de média amostral no mais familiar referencial euleriano, de modo a que ele

seja melhor compreendido.

Inicialmente, será obtida uma expressão para a aplicação da média amostral para o

produto não-linear de duas funçõesψ eφ,

〈ψφ〉 =1

N

N∑i=1

ψiφi (2.16)

onde os índices são iguais por se tratar do valor das propriedadesψ e φ de uma mesma

partículai da porção de fluido.

Considere-se agora o seguinte produto:

〈ψ〉 〈φ〉 =1

N

N∑i=1

ψi1

N

N∑j=1

φj =1

N2

N∑i=1

N∑j=1

ψiφj =

=1

N2

N∑k=1

ψkφk +1

N2

N∑i=1

N∑j=1,j 6=i

ψiφj (2.17)

Utilizando a expressão (2.16) em (2.17) obtém-se:

〈ψ〉 〈φ〉 =1

N〈ψφ〉+

1

N2

N∑i=1

N∑j=1

(1− δij)ψiφj (2.18)

ondeδij é o delta de Kronecker [24].

Finalmente, a partir da expressão (2.18) pode-se escrever:

〈ψφ〉 = N 〈ψ〉 〈φ〉 − 1

N

N∑i=1

N∑j=1

(1− δij)ψiφj (2.19)

Considere-se agora, por exemplo, a equação da componentex da quantidade de movi-

mento (A.2) porém em duas dimensões apenas (x-y),

∂u

∂t+ u

∂u

∂x+ v

∂u

∂y= −1

ρ

∂p

∂x+ ν∇2u (2.20)

O conceito de média amostral será aplicado em um determinado instante a uma

24

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porção de fluido infinitesimal, onde a posição−→x fixa no espaço é representativa da porção

de fluido. Como na equação (2.1), cada valor medido na porção de fluido será:

qi = q(−→ri , t)

onde−→ri são as posições que as partículasi ocupam em torno da posição fixa no espaço

−→x . A média amostral〈q〉 (−→x , t)será obtida como na expressão (2.2),

< q > (−→x , t) ≡

N∑i=1

qi

N(2.21)

Aplicando-se a média amostral à equação (2.20) temos:

⟨∂u

∂t

⟩+

⟨u∂u

∂x

⟩+

⟨v∂u

∂y

⟩=

⟨−1

ρ

∂p

∂x

⟩+⟨ν∇2u

⟩(2.22)

Utilizando-se as propriedades das expressões (2.3) a (2.6), e a expressão (2.19) temos

o seguinte: ⟨∂u

∂t

⟩=∂ 〈u〉∂t

(2.23)

⟨u∂u

∂x

⟩= N 〈u〉 ∂ 〈u〉

∂x− 1

N

N∑i=1

N∑j=1

(1− δij)ui∂uj∂x

(2.24)

⟨v∂u

∂y

⟩= N 〈v〉 ∂ 〈u〉

∂y− 1

N

N∑i=1

N∑j=1

(1− δij) vi∂uj∂y

(2.25)

⟨−1

ρ

∂p

∂x

⟩= −1

ρ

∂ 〈p〉∂x

(2.26)

⟨ν∇2u

⟩= ν∇2 〈u〉 (2.27)

Levando os resultados (2.23) a (2.27) à expressão (2.22) e rearranjando os termos

obtém-se:

25

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∂ 〈u〉∂t

+N

(〈u〉 ∂ 〈u〉

∂x+ 〈v〉 ∂ 〈u〉

∂y

)=

= −1

ρ

∂ 〈p〉∂x

+ ν∇2 〈u〉+1

N

N∑i=1

N∑j=1

[(1− δij)

(ui∂uj∂x

+ vi∂uj∂y

)](2.28)

O lado esquerdo da equação (2.28) e os dois primeiros termos do lado direito estão

expressos em função das médias das variáveis (exceto pelo fator de multiplicaçãoN) às

quais foi aplicado o operador de média amostral. Surgiu um novo termo do lado direi-

to da equação, que representa as interações não-lineares dasN partículas amostradas da

porção de fluido. Essas interações representam o processo de uniformização (ou mistura)

de propriedades (no caso, quantidade de movimento) que se realiza pelo transporte ad-

vectivo em um determinado ponto da porção de fluido por uma partícula animada de uma

velocidade, de maneira geral, diferente daquela onde realiza a advecção.

Note que foram excluídos os termos de interações de partículas consigo mesmas

(auto-advecção;i=j ), que estão incorporadas no lado esquerdo da equação; e que em-

bora o operador de média amostral seja linear, ao se adotar o referencial euleriano a

equação resultante é não-linear.

Observe também que no referencial euleriano não há equações para os termos de

interações não-lineares. Seria necessário, portanto, o emprego de aproximações desses

termos por meio de algum modelo. Por outro lado, no referencial lagrangeano, os ter-

mos de interações não-lineares estão implícitos e, após a aplicação da média amostral,

a equação de quantidade de movimento permanece linear, sem incógnitas adicionais.

Portanto, embora a aplicação da MAL não produza termos de interações não-lineares

de forma explícita, fisicamente eles ainda estarão atuando nas partículas de fluido, sem

violar as equações de Navier-Stokes.

26

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Capítulo 3

O MÉTODO SEMI-LAGRANGEANO

(S-L)

O método semi-lagrangeano (SL) foi inicialmente aplicado na solução numérica de pro-

blemas de previsão meteorológica baseados na equação da conservação da vorticidade:

Dt= 0 (3.1)

ondeη é a vorticidade absoluta, definida comoη ≡ ζ+f , comζ sendo a vorticidade rela-

tiva ef a vorticidade planetária. Uma vez que a equação (3.1) expressa que a vorticidade

absoluta é conservada seguindo o escoamento, é interessante se utilizar um procedimento

baseado na idéia de se acompanhar o movimento das partículas de fluido, com o uso do

referencial lagrangeano. Winn-Nielsen [30], citado por Sawyer [31], foi o primeiro a

propor um método para se integrar a equação (3.1) em coordenadas lagrangeanas. Um

sério problema observado com esse método era a rápida distorção de um campo inicial-

mente uniforme, fazendo com que algumas áreas do domínio apresentassem uma grande

concentração de elementos de fluido, enquanto outras mostravam pouca presença desses

elementos, comprometendo a representatividade da solução e dificultando o cálculo das

derivadas espaciais.

Visando aprimorar esse método, Sawyer [31] propôs que os elementos de fluido que

27

Page 37: SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS … · tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de ... Embora a dinâmica dos fluidos seja uma

seriam acompanhados seguindo o escoamento iriam sendo alterados ao longo da inte-

gração, eliminando aqueles que se deslocassem para fora do domínio e incluindo novos

elementos para manter uma completa representação no domínio. Devido a essa ca-

racterística de mudança dos elementos de fluido ao longo da integração, o método foi

chamado desemi-lagrangeano.No estudo ficou demonstrado que a utilização do refe-

rencial lagrangeano permitia o aumento da eficiência computacional, pois foram utiliza-

dos passos de tempo muito maiores que aqueles limitados pelo critério CFL na solução

numérica de problemas advectivos no referencial euleriano.

Nos dois trabalhos descritos acima calculava-se a posição futura dos elementos de

fluido. Robert [32] introduziu uma variação no método semi-lagrangeano de Sawyer,

pela qual as posições futuras das partículas de fluido coincidiam com os pontos de grade,

e determinava-se a sua trajetória a partir de uma posição no instante passado. Com essa

mudança podiam ser combinadas as vantagens de se obter uma resolução regular no

domínio, característica dos métodos eulerianos, e aumentar a eficiência computacional,

devido às características de estabilidade numérica dos métodos lagrangeanos.

A seguir, será descrito de forma sucinta o método semi-lagrangeano, e serão apresen-

tadas suas principais características e algumas aplicações de interesse.

3.1 Descrição do Método S-L

O esquema de três níveis de tempo semi-lagrangeano consiste no cálculo da derivada total

de uma variável dependente genéricaq(~r(t), t), seguindo a trajetória de uma partícula de

fluido, utilizando a aproximação:

Dq

Dt=q(~r(t+ ∆t), t+ ∆t)− q(~r(t−∆t), t−∆t)

2∆t(3.2)

28

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onde~r(t) representa o vetor posição da partícula de fluido no instantet. Por simplicidade,

restrinja-se o problema a duas dimensões,x ey. Nesse caso, o vetor posição será:

~r(t) = x(t)~i+ y(t)~j (3.3)

A localização da partícula no instante da previsãot + ∆t é escolhida de forma a

coincidir com um ponto de grade. Defina-se os deslocamentos da partícula ao longo das

direçõesx e y durante um passo de tempo∆t comoa e b, respectivamente. Se a posição

do ponto de grade é representada como:

~r(t+ ∆t) = (xi, yj) (3.4)

a aproximação da equação (3.2) pode ser escrita como:

Dq

Dt=q(xi, yj, t+ ∆t)− q(xi − 2a, yj − 2b, t−∆t)

2∆t(3.5)

Os deslocamentosa eb podem ser calculados iterativamente utilizando:

an+1 = ∆t.u(xi − an, yj − bn, t)

bn+1 = ∆t.v(xi − an, yj − bn, t)(3.6)

onde o expoenten representa an-ésimaiteração eu ev representam as velocidades hori-

zontal e vertical, respectivamente. As estimativas iniciais dea e b no processo iterativo

são definidas como:

a0 = ∆t.u(xi, yj, t)

b0 = ∆t.v(xi, yj, t)(3.7)

Em Pudykiewicz e Staniforth [33], pode ser encontrado que a condição necessária

para a convergência do procedimento iterativo descrito nas equações (3.6) é:

∆t.max

(∣∣∣∣∣∂u∂x∣∣∣∣∣ ,∣∣∣∣∣∂u∂y

∣∣∣∣∣ ,∣∣∣∣∣∂v∂x

∣∣∣∣∣ ,∣∣∣∣∣∂v∂y

∣∣∣∣∣)< 1 (3.8)

29

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Kuo e Williams [34] observam que não são necessárias mais de três iterações para se

obter convergência. Robert [32] comparou o emprego de duas e quatro iterações em seu

modelo atmosférico de equações primitivas e não foram observadas diferenças significa-

tivas nos resultados obtidos.

Para se obter o valor da variávelq no instantet-∆t é necessário o emprego de um

esquema de interpolação espacial pois, de forma geral, o ponto de partida não coincidirá

com um ponto de grade. Esse tópico será abordado no próximo item.

Além do esquema de três níveis de tempo apresentado, podem ser utilizados esque-

mas de dois níveis de tempo. MacDonald e Bates [35] propuseram um esquema baseado

no uso da velocidade da partícula em um instantet+ ∆t/2, da seguinte forma:

Dq

Dt=q(xi, yj, t+ ∆t)− q(xi − a, yj − b, t)

∆t(3.9)

com:

an+1 = ∆t.u∗(xi − an

2, yj − bn

2, t+ ∆t

2)

bn+1 = ∆t.v∗(xi − an

2, yj − bn

2, t+ ∆t

2)

(3.10)

Como os valores da velocidade não são conhecidos no instantet + ∆t/2, emprega-

se uma extrapolação, utilizando os valores deu e v nos instantest e t − ∆t, com as

expressões:

u∗(~r(t+ ∆t2

), t+ ∆t2

) = 32u(~r(t), t)− 1

2u(~r(t−∆t), t−∆t)

v∗(~r(t+ ∆t2

), t+ ∆t2

) = 32v(~r(t), t)− 1

2v(~r(t−∆t), t−∆t)

(3.11)

sendo o procedimento executado com apenas uma iteração.

A seguir serão abordadas algumas propriedades de diferentes formulações do método

S-L.

30

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3.2 Propriedades do Método S-L

3.2.1 Estabilidade

Durran [36] apresenta detalhadamente a análise de estabilidade do esquema de dois níveis

de tempo S-L aplicado à equação da advecção e conclui que o método é incondicional-

mente estável. Tal condição ocorre desde que a interpolação para se determinar o valor

da variávelq na posição de partida da partícula utilize valores conhecidos da função em

pontos de grade em torno daquela posição, ou seja, não se empreguem extrapolações no

espaço. Robert [32] demonstrou que os esquemas de três níveis de tempo são também in-

condicionalmente estáveis. Entretanto, no processo iterativo para determinação do ponto

de partida da trajetória da partícula deve ser observada a condição expressa pela equação

(3.8).

Com relação à instabilidade não-linear causada poraliasing, Mesinger e Arakawa

[37] em sua análise do problema em modelos numéricos atmosféricos, citam que uma

forma de se evitar tal instabilidade é “[...] utilizar uma formulação lagrangeana dos ter-

mos advectivos ao invés da formulação euleriana”. Durran [36] , por sua vez, cita que

uma das vantagens dos esquemas S-L é o de evitar a principal fonte de instabilidade

não-linear nos problemas de propagação de ondas geofísicas, pois os termos advectivos

não-lineares das equações do movimento são eliminados ao se adotar o referencial la-

grangeano.

No que se refere à aplicação do método S-L a escoamentos governados pelas equações

de N-S, Pironneau [38], citado por Xiu e Karniadakis [39], demonstrou a estabilidade

não-linear do método S-L quando aplicado àquele tipo de problema.

A estabilidade numérica do método S-L já foi demonstrada para problemas de escoa-

mentos atmosféricos em duas e três dimensões [40]. A possibilidade de se utilizar passos

de tempo mais longos, não limitados pelo critério CFL, aumenta significativamente a

eficiência do processamento, apesar do custo computacional imposto pelas interpolações

espaciais, que não existe nos métodos eulerianos. Esse ganho de eficiência pode ser

31

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ainda mais acentuado utilizando o método S-L associado ao algoritmo semi-implícito

[41]. Nesse algoritmo, os termos das equações do movimento que representam forçantes

de ondas, cujas velocidades de fase sejam mais altas que a velocidade de auto-advecção

de quantidade de movimento (tal como ondas de gravidade externas), são tratados im-

plicitamente.

Com relação ao uso de esquemas de dois níveis de tempo, Staniforth e Coté [40]

afirmam que esses esquemas são mais vantajosos que os de três níveis de tempo, princi-

palmente por serem mais eficientes, pois demandam um número menor de interpolações

no espaço. Além disso, o esquema de dois níveis de tempo não introduz um modo com-

putacional na simulação. Entretanto, o esquema de extrapolação das equações (3.11)

pode gerar problemas de instabilidade numérica, como os observados no estudo de Bates

et al. [42], onde houve o surgimento de ondas de gravidade espúrias em simulações de

um modelo numérico atmosférico baseado nas equações de água rasa. Na análise dos

autores, o problema foi ocasionado pela avaliação do termo não-linear na equação da

continuidade por meio de extrapolações, baseadas nas equações (3.11). De acordo com

Staniforth e Coté [40] o problema ocorre quando se empregam extrapolações temporais

nos termos que envolvem auto-advecção de quantidade de movimento, ou seja, a variável

transportada por advecção é a própria velocidade do escoamento. Esses autores citam

a existência de formas alternativas de se executar a extrapolação. Entretanto, nenhum

dos métodos citados é tão simples quanto o uso do esquema de três níveis de tempo, das

equações (3.5) a (3.7).

3.2.2 Acurácia

A acurácia do método S-L dependerá dos erros introduzidos em duas fases de sua im-

plementação: na determinação do ponto de partida da trajetória da partícula de fluido; e

na interpolação necessária para se obter o valor da função naquela posição que, de forma

geral, não coincidirá com um ponto de grade.

O esquema de três níveis de tempo associado à estimativa da posição de partida da

32

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partícula por iterações, das equações (3.5) a (3.7) possui acurácia de segunda ordem

O(∆t2). O esquema de dois níveis de tempo com extrapolação, das equações (3.9) a

(3.11) é também de segunda ordemO(∆t2), desde que sejam empregadas iterações para

se atingir convergência na aproximação.

Quanto às interpolações no espaço, recomenda-se que sejam utilizadas funções pelo

menos cúbicas, que possuem acurácia de terceira ordemO(∆x3). O uso de interpolações

de ordem mais baixa causa difusão excessiva das quantidades previstas [34]. Staniforth e

Coté [40] citam que, em modelos atmosféricos, é suficiente o uso de interpolações line-

ares para o cálculo dos deslocamentos das partículas, ao mesmo tempo que deve-se em-

pregar interpolações cúbicas para a determinação do valor da variávelq. Kuo e Williams

[34] recomendam o método desplinescúbicas, de terceira ordem, para as interpolações.

O método é descrito como sendo global, uma vez que o valor da função interpolada

em um determinado ponto depende dos valores em todos os outros pontos utilizados,

normalmente abrangendo todo o domínio em pelo menos uma dimensão. Pudykiewicz

e Staniforth [33] argumentam que, embora a interpolação porsplinescúbicas produza

bons resultados, ela não é necessariamente ótima, e em algumas aplicações o uso de um

interpolador local (no qual se utilizam apenas pontos de grade na vizinhança da posição

de interesse) pode ser mais conveniente. Esses métodos, além de serem mais econômi-

cos do ponto de vista computacional, são mais vantajosos em situações em que estejam

presentes gradientes locais acentuados, onde não se necessite impor um alto grau de con-

tinuidade na função de interpolação, minimizando o fenômeno de Gibbs.

Uma característica relevante do método S-L apontada por Kuo e Williams [34] é o

confinamento dos erros na vizinhança de regiões de gradiente acentuado. Tal fato não

ocorre em métodos eulerianos, que permitem a propagação de ruídos numéricos para

todo o domínio em situações onde a escala de comprimento dos gradientes acentuados se

aproxima da resolução espacial da grade. Essa característica foi comprovada por Almeida

[43] na simulação numérica de frontogênese atmosférica com o método S-L.

Finalmente, um aspecto interessante do método S-L é que, de maneira geral, os er-

33

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ros são menores quando o número de Courant for próximo a 1 [36, 34]. Nesse caso,

a posição da partícula fica próxima ao ponto de grade, minimizando os erros de inter-

polação. Para passos de tempo em que o número de Courant seja muito menor que 1,

os erros de interpolação predominam, pois serão necessárias mais interpolações para se

avançar a integração no tempo, gerando mais erros acumulativos. Para passos de tempo

muito longos, em que o número de Courant seja muito maior que 1, predominam os erros

de truncamento temporal das equações, devido ao aumento de∆t. Em problemas de ad-

vecção linear, os erros de truncamento espacial serão nulos quando o número de Courant

for inteiro pois, nesse caso, as posições das partículas coincidirão sempre com os pontos

de grade, tornando o erro de interpolação igual a zero.

3.3 Aplicações do Método S-L

Em virtude de haver sido desenvolvido originalmente para aplicação em modelagem

numérica atmosférica, o método S-L tem larga aplicação em previsão numérica de tempo.

O método tem demonstrado ser competitivo com métodos eulerianos em termos de acurá-

cia, com maior eficiência computacional, especialmente quando associado ao algoritmo

semi-implícito. O método S-L pode ser associado a discretizações em diferenças finitas,

elementos finitos e espectrais em alta resolução, obtendo-se em todos os casos uma alta

eficiência computacional sem prejuízo da acurácia.

Embora o método S-L produza dissipação devida às interpolações, especialmente em

integrações muito longas, ele tem se desempenhado bem no que se refere à conservação

de quantidades tais como energia cinética média e enstrofia, apesar de, formalmente, o

método não conservar tais quantidades [40]. Essa característica é particularmnte impor-

tante em modelagem numérica de circulação geral, para fim de análise e previsão de

clima.

Na análise de Durran [36], o método S-L é apropriado para simulações em que a

grade seja extremamente refinada com o intuito de se obter alta resolução espacial das

quantidades a serem previstas, ao mesmo tempo em que não haja interesse em representar

34

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com grande acurácia ondas cujas velocidades de fase sejam muito altas. Nesses casos,

o uso do método S-L associado ao algoritmo semi-implícito produzirá grande eficiência

computacional, comprometendo, porém, a resolução das ondas mais rápidas, tratadas

implicitamente.

Na aplicação em problemas de escoamentos governados pelas equações de N-S, o

método S-L tem sido empregado com o intuito principal de aumentar a eficiência com-

putacional. O trabalho de Xiu e Karniadakis [39], por exemplo, analisa aspectos de

eficiência e acurácia do método S-L associado ao método de elementos espectrais não

estruturados, enfocando a construção de um esquema estável, com acurácia de segunda

ordem no tempo. Xuet al. [44] empregaram o método S-L associado a elementos espec-

trais na simulação numérica direta (SND) de um escoamento turbulento incompressível

em um canal, porém com número de Reynolds relativamente baixo. O estudo visava

basicamente demonstrar a estabilidade numérica do método, utilizando passos de tempo

dez vezes mais longos que os requeridos para a mesma SND com o uso de um método

euleriano. Cabe ressaltar que, nesse último trabalho citado, foi adotado estritamente o

procedimento de SND, simplesmente com a substituição dos termos de variação local e

advectivo pela derivada total, pois visava-se apenas demonstrar a acurácia e eficiência

computacional do método S-L.

Neste trabalho, o método S-L será empregado para a solução das equações de N-S

agregadas 2.12 a 2.15, utilizando o método de diferenças finitas na discretização espa-

cial das equações. Cabe agora estabelecer a metodologia para a obtenção das médias

amostrais nas porções de fluido.

Stull [45] afirma que a utilização de um domínio espacial tridimensional, discretizado

em pontos de grade, implica em que cada ponto de grade irá representar um valor médio

de uma propriedade do volume de fluido que o circunda; enquanto Wilcox [6] cita que os

valores das propriedades do escoamento em pontos discretos em uma simulação numérica

representam valores médios.

Para um melhor entendimento desse conceito, consideremos, inicialmente, a análise

35

Page 45: SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS … · tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de ... Embora a dinâmica dos fluidos seja uma

apresentada por Sorbjan [46]. De acordo com esse autor, uma média volumétrica simples

sobre um dado volume é uma constante. A aplicação desse tipo de operador de média

produz uma função que é descontínua. Essa dificuldade pode ser evitada empregando-se

uma média móvel. De maneira geral, esse tipo de média pode ser expresso da seguinte

forma:

q(x) =∫ ∞

−∞q(ξ)Bh(x− ξ)dξ (3.12)

ondex é o comprimento,Bh é uma função de filtragem, eh é um comprimento de onda

característico do operador de média. O exemplo mais simples dessa função é definido

como

q(x) =1

2h

∫ x+h

x−hq(ξ)Bh(x− ξ)dξ (3.13)

comBh = 1 no intervalo(x− h, x+ h), e igual a zero fora desse intervalo. Nesse caso,

a expressão 3.13 será

q(x) =1

2h

∫ x+h

x−hq(ξ)dξ (3.14)

no intervalo considerado.

Wilcox [6], por sua vez, analisa a aproximação de diferenças finitas centradas para a

derivada primeira de uma variável contínuaq(x), em uma grade com espaçamentoh. A

partir da utilização da regra de Leibnitz [47] pode-se escrever

q(x+ h)− q(x− h)

2h=

d

dx

[1

2h

∫ x+h

x−hq(ξ)dξ

](3.15)

que mostra que a aproximação de diferenças finitas centradas pode ser interpretada como

um operador que produz a derivada do valor médio deq(x), e que filtra praticamente

todas as escalas menores que2h [46]. A partir da expressão 3.15 pode-se verificar que

essa interpretação também é válida para diferenças finitas laterais (para frente e para trás),

e para diferenças finitas assimétricas, com espaçamento de grade variável.

Com base no conceito acima, pode-se considerar que o valor médio produzido pela

aplicação do método de diferenças finitas para aproximação da derivada de uma pro-

36

Page 46: SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS … · tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de ... Embora a dinâmica dos fluidos seja uma

priedade do fluido, corresponde à média da propriedade referente a uma porção de fluido,

definida pelo espaçamento de grade. Essa média representará a média amostral definida

pela expressão 2.2, e os pontos de grade serão definidos como as posições representativas

dessas porções de fluido. Logo, os valores das propriedades das partículas de fluido que

produzem a MAL serão considerados como tendo sido amostrados aleatoriamente do vo-

lume (ou área) de fluido que circunda o ponto de grade, sendo o valor da média amostral

atribuído a esse ponto.

Uma vantagem do método S-L é a possibilidade de se associar a estabilidade numérica

da integração no referencial lagrangeano com a representação das propriedades do fluido

para os mesmos pontos de uma grade fixa no espaço, a cada passo de tempo. Dessa forma

pode-se acompanhar a evolução dessas propriedades como se fosse adotado o referencial

euleriano. Consequentemente, é possível obter a média temporalq(xi, yj) de uma vari-

ável q(xi, yj) em um ponto de grade(xi, yj), por meio da expressão A.14. Na análise

das simulações numéricas que serão posteriomente apresentadas, os valores de médias

temporais serão representados nos pontos fixos de uma grade regular, assim como serão

utilizadas séries de tempo de valores das variáveis obtidas também em pontos fixos, que

serão apropriadamente definidos nos respectivos experimentos.

37

Page 47: SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS … · tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de ... Embora a dinâmica dos fluidos seja uma

Capítulo 4

IMPLEMENTAÇÃO NUMÉRICA DO

MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL

LAGRANGEANA

Neste capítulo, será feita uma descrição geral do procedimento adotado na discretização

das equações que serão empregadas na implementação do método MAL para a simulação

de escoamento em camadas limites, utilizando o método S-L associado ao algoritmo

semi-implícito de Robert [32]. Nos capítulos posteriores, para cada tipo de escoamento

específico, serão apresentados quaisquer detalhes que não estejam nesta descrição geral

do procedimento numérico.

O tratamento implícito será adotado nos termos cuja forçante é o gradiente de pressão,

para evitar instabilidades numéricas que eventualmente surjam associadas a ondas de

pressão rápidas superpostas ao escoamento advectivo. Os termos referentes às forçantes

viscosas terão tratamento explícito, uma vez que a viscosidade é a principal forçante

da turbulência, devendo ser tratada de forma a sofrer o menor impacto possível pelo

método numérico adotado. O tratamento implícito, como citado anteriormente, afeta a

representação numérica de processos físicos que evoluam no tempo. As equações para

a solução pelo método S-L semi-implícito serão deduzidas utilizando como referência o

procedimento descrito por Almeida [43].

38

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O problema será tratado em duas dimensões (x e y). Como citado por Silveira Neto

[22], a turbulência é tridimensional e a representação bidimensional serve apenas como

uma aproximação. Entretanto, os problemas a serem simulados numericamente neste

trabalho possuem uma boa base de dados experimentais, que mostrou ser consistente

com resultados teóricos obtidos sob hipóteses bidimensionais.

Será adotada uma grade “A” de Arakawa [48], onde as variáveis de quantidade de

movimento (u e v) e de massa (p) são calculadas nos mesmos pontos de grade. A dis-

cretização temporal utilizará o esquema S-L de três níveis de tempo, das equações (3.5) a

(3.7), para as derivadas totais e para os termos de pressão. Nos termos de viscosidade será

empregado o esquema de Euler. As derivadas espaciais serão aproximadas por diferenças

finitas centradas no interior do domínio e laterais nas fronteiras.

Nas interpolações no interior do domínio são utilizados polinômios cúbicos emx ey,

separadamente, centrados sobre quatro pontos adjacentes nas respectivas direções. Nas

fronteiras externas são utilizadas interpolações lineares na direção transversal à fronteira

e cúbicas na direção longitudinal.

4.1 Discretização das Equações de N-S Agregadas

As equações de N-S agregadas (2.12) a (2.14) serão escritas omitindo a simbologia “< >”

da MAL, para simplificação:∂u

∂x+∂v

∂y= 0 (4.1)

Du

Dt= −1

ρ

∂p

∂x+ ν∇2u (4.2)

Dv

Dt= −1

ρ

∂p

∂y+ ν∇2v (4.3)

Definem-se as seguintes notações auxiliares:

F+ = F (x, y, t+ ∆t)

F− = F (x− 2a, y − 2b, t−∆t)(4.4)

39

Page 49: SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS … · tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de ... Embora a dinâmica dos fluidos seja uma

ondea eb são definidos pelas equações (3.6) e (3.7).

As equações são discretizadas com o tratamento implícito dos termos de gradiente de

pressão e explícito dos termos viscosos, da seguinte forma:

u+ − u−

2∆t= −1

ρ.1

2

(∂p

∂x

+

+∂p

∂x

−)+ ν∇2u− (4.5)

v+ − v−

2∆t= −1

ρ.1

2

(∂p

∂y

+

+∂p

∂y

−)+ ν∇2v− (4.6)

A equação da continuidade nos instantes (t−∆t) e (t+ ∆t) é escrita como:

∂u

∂x

−+∂v

∂y

−= 0 (4.7)

∂u

∂x

+

+∂v

∂y

+

= 0 (4.8)

Manipulando as equações (4.5) e (4.6) pode-se escrever:

u+ = u− − ∆t

ρ

(∂p

∂x

+

+∂p

∂x

−)+ 2∆tν∇2u− (4.9)

v+ = v− − ∆t

ρ

(∂p

∂y

+

+∂p

∂y

−)+ 2∆tν∇2v− (4.10)

Diferenciando as equações (4.9) e (4.10) em relação ax ey , respectivamente, temos:

∂u+

∂x=∂u−

∂x− ∆t

ρ

(∂2p

∂x2

+

+∂2p

∂x2

−)+ 2∆tν

∂x(∇2u−) (4.11)

∂v+

∂y=∂v−

∂y− ∆t

ρ

(∂2p

∂y2

+

+∂2p

∂y2

−)+ 2∆tν

∂y(∇2v−) (4.12)

Somando as equações (4.11) e (4.12) e aplicando as equações (4.7) e (4.8) obtém-se:

0 = −∆t

ρ

(∇2p+ +∇2p−

)+ 2∆tν

[∂

∂x(∇2u−) +

∂y(∇2v−)

](4.13)

40

Page 50: SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS … · tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de ... Embora a dinâmica dos fluidos seja uma

que, após algumas manipulações algébricas é escrita como:

∇2p+ = −∇2p− − 2ρν

[∂

∂x(∇2u−) +

∂y(∇2v−)

](4.14)

4.2 Algoritmo para a Solução Numérica

O algoritmo adotado para a solução numérica é o seguinte:

1. Estabelecer as condições iniciais para as variáveisu, v, ep;

2. Calcular o valor da função representada pelo lado direito da equação (4.14) em

todos os pontos de grade;

3. Avançar no tempo e determinar a posição de partida da partícula, aproximando

o seu deslocamento com a velocidade na posição da trajetória no instantet. Essa

aproximação é obtida com o processo iterativo das equações (3.6) e (3.7). O critério

de convergência adotado foi de interromper as iterações quando o erro relativo

do comprimento da trajetória calculado a partir de duas iterações sucessivas fosse

igual ou menor que 1 %;

4. Obter o valor interpolado da função representada pelo lado direito da equação

(4.14) na posição de partida da trajetória da partícula, para todos os pontos de

grade. Este procedimento proporciona maior eficiência computacional do que efe-

tuar o cálculo das derivadas nas posições das partículas de fluido, que aumentaria

significativamente o número de interpolações;

5. Resolver a equação elíptica (4.14), utilizando o método de relaxação sequencial

[49] .

6. Conhecidos os valores dep+, calcularu+ ev+ com as equações (4.9) e (4.10); e

7. Atualizar os valores das variáveis nos instantest − ∆t e t , avançar no tempo e

repetir a sequência a partir do passo 2 até atingir o tempo de integração desejado.

41

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Capítulo 5

O PROBLEMA DO ESCOAMENTO

AO LONGO DE UMA PLACA PLANA

E NA ESTEIRA ADJACENTE

5.1 O Problema do Escoamento ao Longo da Placa Plana

Na definição do método MAL não foi estabelecida nenhuma restrição quanto aos regimes

de escoamentos em que ele pode ser aplicado, ou seja, a hipótese é de que ele seja válido

para escoamentos tanto em altos quanto em baixos números de Reynolds (Re). Este item,

que usará como referência Schlichtinget al. [50], tratará do problema de escoamentos

em baixosReao longo de uma placa plana, visando a posterior validação do método na

simulação de escoamentos neste tipo de regime. Este problema é o exemplo mais simples

de aplicação das equações da camada limite, apresentadas no item A.3.

Considere uma placa onde a extremidade de entrada do escoamento esteja na posição

x = 0. A placa é semi-infinita e estende-se paralela ao eixox. Considere-se que o escoa-

mento é bidimensional emx ey, estacionário, paralelo ao eixox (ou seja, com ângulo de

incidência em relação à placa igual a zero), com a velocidade do escoamento livre (ou

externo)U constante, igual aU∞. O problema é ilustrado esquematicamente na figura

5.1.

42

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Figura 5.1: Representação esquemática do escoamento ao longo de uma placa plana.

Com U constante, a equação (A.45) torna-se∂p/∂x = 0. Com esse resultado as

equações da camada limite (A.42) e (A.43) tornam-se:

∂u

∂x+∂v

∂y= 0 (5.1)

u∂u

∂x+ v

∂u

∂y= ν

∂2u

∂y2(5.2)

com condições de contorno:

y = 0 : u = 0, v = 0;

y →∞ : u = U∞

(5.3)

Como o sistema não possui nenhuma escala de comprimento característica (pois a

placa é semi-infinita), pode-se esperar que os perfis de velocidadeu(y) a diferentes dis-

tâncias a partir da extremidade da placa serãosimilares(ou auto-similares). Nesse caso,

eles poderão ser mapeados uns sobre os outros por meio da escolha de fatores de norma-

lização adequados parau ey. Escolhe-se entãoU∞ para normalizaru, eδ(x), a espessura

da camada limite, para normalizary. Com essas escolhas, a lei de similaridade do perfil

43

Page 53: SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS … · tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de ... Embora a dinâmica dos fluidos seja uma

de velocidade pode ser escrita como:

u

U∞= ϕ(η) (5.4)

com

η ∼ y

δ(x)(5.5)

A funçãoϕ(η) deverá ser independente dex, para atender à hipótese de similaridade.

Com base em argumentos de análise dimensional, pode ser mostrado que a espessura

da camada limiteδ é relacionada à distânciax por meio da expressão:

δ(x) ∼√xν

U∞(5.6)

que indica queδ(x)aumenta à medida que o fluido escoa ao longo da placa, proporcional-

mente a√x.

A variável de similaridadeη é escolhida como:

η = y

√U∞2νx

(5.7)

O fator√

2 no denominador foi incorporado apenas por conveniência para simplificar

a forma da equação diferencial que será deduzida.

Neste ponto introduz-se a função de correnteψ(x, y) definida como:

u ≡ ∂ψ∂y

v ≡ −∂ψ∂x

(5.8)

A função de corrente permite que o sistema de equações emu e v possa ser reduzido

a apenas uma equação emψ em escoamentos não divergentes, como o caso em estudo.

Uma vez conhecidaψ(x, y), com o uso das equações (5.8) pode-se obter os valores deu

ev.

A função de correnteψ(x, y) também será normalizada, produzindo uma função de

44

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corrente adimensionalf(η), da seguinte forma:

f(η) =ψ√

2νxU∞(5.9)

Usando as definições (5.7) e (5.8) e lembrando queψ[x, η(x, y)], as componentes da

velocidade podem ser obtidas:

u =∂ψ

∂y=∂ψ

∂η

∂η

∂y= U∞

∂f(η)

∂η= U∞f

′(η) (5.10)

v = −∂ψ∂x

= −(∂ψ

∂x+∂ψ

∂η

∂η

∂x

)=

√νU∞2x

(ηf ′ − f) (5.11)

Levando os resultados das equações (5.10) e (5.11) à expressão (5.2), obtém-se uma

equação diferencial ordinária para a função de corrente normalizada:

f ′′′ + ff ′′ = 0 (5.12)

com condições de contorno:

η = 0 : f = 0, f ′ = 0

η =∞ : f ′ = 1(5.13)

A expressão (5.12) é conhecida comoequação de Blasius.Essa equação, por ser não-

linear, deve ser resolvida numericamente, e sua solução está documentada em diversas

referências. Neste trabalho serão utilizadas as soluções de Slater [51]. O perfil da com-

ponente longitudinal da velocidade normalizadaunorm = u/U∞ = f ′(η) é apresentado

na figura 5.2 .

O perfil da componente transversal da velocidade normalizada, definida como:

vnorm =v

U∞

√U∞x

ν=ηf ′ − f√

2(5.14)

é apresentado na figura 5.3.

45

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Figura 5.2: Perfil da componente longitudinal da velocidadeunorm = uU∞

= f ′(η).

Pode-se observar que a componente longitudinal tende assintoticamente para a ve-

locidade do escoamento livre (f ′(η) = 1) e que a componente transversal não tende a

zero ao se aproximar do limite externo da camada limite (η →∞).

Um ponto importante a se destacar na solução de Blasius é a existência de uma singu-

laridade na extremidade da placa (x = 0). Nesse ponto a velocidade transversal torna-se

infinita.

Vale destacar que as definições de espessura da camada limite das expressões (A.64),

(A.66), (A.68) e (A.69) são obtidas com o uso dos resultados da solução numérica da

equação de Blasius introduzidos nas respectivas definições deδ1, δ2 e δ3.

A tensão de cizalhamento sobre a placa (η = 0) τw(x) é definida a partir da lei da

fricção de Newton:

τw(x) = µ

(∂u

∂y

)w

(5.15)

onde o índicew refere-se ao valor sobre a parede.

46

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Figura 5.3: Perfil da componente transversal da velocidadevnorm = vU∞

√U∞xν

= ηf ′−f√2.

A partir das equações (5.7), (5.10) e (5.15) pode-se obter a expressão:

τw(x) = µU∞

√U∞2νx

f ′′w (5.16)

ondef ′′w=0.4696, da solução numérica da equação de Blasius.

Logo, parax = 0, τw também será infinita. Dessa forma, verifica-se que a solução de

Blasius não é válida diretamente na extremidade da placa.

O arrasto por fricção (D) por unidade de largura em um lado de uma placa plana de

comprimentoL, para um escoamento onde seja válida a solução de Blasius, é definido

pela expressão:

D =∫ L

0τw(x)dx (5.17)

Levando a expressão (5.16) a (5.17) obtém-se o seguinte resultado:

D =1.328 ρ

2U2∞L√

Re(5.18)

47

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ondeRe = U∞L/ν.

Vários investigadores realizaram experimentos visando confirmar a solução teórica

de Blasius. Esses experimentos mostraram que a camada limite sofre grande influência

do formato da extremidade da placa, e da existência de fracos gradientes de pressão no es-

coamento externo. Nikuradse [52], citado por Schlichtinget al. [50], realizou experimen-

tos levando em consideração esses fatores, e obteve como resultados mais importantes: a

confirmação de que os perfis de velocidade em diferentes posições da placa, medidas a

partir da extremidade, são similares e; os formatos dos perfis de velocidade tiveram uma

boa concordância com a teoria, quando o escoamento permanecia em regime laminar.

Também foram realizados experimentos visando validar a solução teórica para a ten-

são de cizalhamento na parede. Os resultados obtidos mostraram que a solução teórica

representa muito bem os valores observados, desde que o escoamento permaneça em

regime laminar.

Pode-se definir umnúmero de Reynolds localRex, em função da posição na placa,

como:

Rex ≡U∞x

ν(5.19)

Schlichtinget al. [50] e Kundu [2] citam que a partir de um valor deRex crítico, em

torno de3× 105, as soluções de Blasius não são mais válidas, pois a partir desse valor o

escoamento sofre uma transição para o regime turbulento. Para valores deRex > 5×104

até o valor crítico, os resultados obtidos nas medições de perfis de velocidade e tensões de

cizalhamento comprovam a validade da solução de Blasius para as equações da camada

limite

5.2 O Problema do Escoamento na Esteira Distante

Em sua análise de escoamentos cizalhantes livres em regime laminar, Schlichtinget al.

[50] apresentam o estudo da esteira formada a juzante de corpos sólidos. Nele é obtida

uma solução analítica para o perfil de velocidade na região definida comoesteira distante,

48

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na qual odéficitde quantidade de movimento no centro da esteira é pequeno em relação

à velocidade do escoamento livre. Ao final do estudo, entretanto, os autores fazem a

seguinte observação:

“Na maioria dos casos práticos os escoamentos em esteiras são turbulentos,

uma vez que os perfis de velocidade na esteira possuem pontos de inflexão

sendo, portanto, particularmente instáveis. Consequentemente, a transição

para um escoamento turbulento ocorre em números de Reynolds relativa-

mente baixos[...]”.

Kundu [2], por sua vez, em seu estudo de escoamentos cizalhantes livres desenvolve uma

solução analítica para o perfil de velocidade no escoamento laminar bidimensional de um

jato. Ao final, o autor apresenta a seguinte observação:

“A solução para o jato laminar apresentada aqui não é facilmente observável,

uma vez que o escoamento facilmente evolui para a turbulência. O baixo

número crítico para a instabilidade de um jato ou esteira está associado à

existência de um ponto de inflexão no perfil de velocidade[...]”.

Com base nos comentários apresentados por esses autores, não parece apropriado apre-

sentar soluções analíticas aplicáveis a escoamentos laminares, que não podem ser facil-

mente obtidas na realidade e, consequentemente, não possuam uma base de dados ex-

perimentais significativa que possam vir a validar resultados de simulações numéricas.

Por essa razão, será apresentada a solução analítica para escoamentos turbulentos com a

formação de uma esteira plana, descrita por Pope [21].

Considere um escoamento estacionário, bidimensional e simétrico em relação ao eixo

x. A esteira plana é formada quando um escoamento uniforme, com velocidadeU∞ na

direçãox passa por um corpo. A figura 5.4 ilustra esquematicamente um escoamento

com a formação de uma esteira a juzante de um corpo sólido.

49

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Figura 5.4: Representação esquemática da formação de uma esteira a juzante de umcorpo sólido imerso em um escoamento uniforme.

A velocidade convectiva característica é a do escoamento livreU∞ e a diferença de

velocidade característica é definida como:

us(x) ≡ U∞ − u(x, 0) (5.20)

A meia-espessurada camada limitey1/2 é definida como:

u(x,±y1/2) = U∞ −1

2us(x) (5.21)

O comportamento esperado é que, à medida que se aumenta a distância do corpo, a

esteira se alargue (y1/2 aumente) e que odéficitde velocidade decaia (us/U∞ → 0).

Em virtude de haver duas velocidades características (us eU∞) e a razão entre elas

variar no espaço, o escoamento não pode ser exatamente auto-similar. Entretanto, ele se

torna assintoticamente auto-similar na esteira distante, ondeus/U∞ → 0. Em experi-

mentos, esse comportamento assintótico foi observado comus/U∞ ≤ 0.1.

50

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Definindoξ ≡ y/y1/2(x) como a coordenada normalizada na direção transversal ao

escoamento, odéficitde velocidadef(ξ)é definido como:

f(ξ) ≡ U∞ − u(x, y)

us(x)(5.22)

de forma que a velocidade média será:

u(x, y) = U∞ − us(x)f(ξ) (5.23)

Com base nessas definições temos:

f(0) = 1

f(±1) = 12

(5.24)

A razão de escoamento dedéficitde quantidade de movimento (por unidade de largura)

M(x) é definida como:

M(x) ≡∫ ∞

−∞ρu(U∞ − u)dy (5.25)

Empregando as definições deξ, juntamente com as expressões (5.20) a (5.23) em

(5.25), obtém-se a seguinte equação:

M(x) = ρU∞us(x)y1/2(x)∫ ∞

−∞

(1− us(x)

U∞f(ξ)

)f(ξ)dξ (5.26)

Pode-se provar queM(x) é conservado ao longo do escoamento sendo, portanto,

independente dex. Consequentemente, na esteira distante, ondeus/U∞ → 0, o produto

us(x)y1/2(x) será constante, uma vez quef(ξ) independe dex.

Aplicando a média temporal definida por (A.14) à equação da camada limite bidimen-

sional estacionária (A.43), juntamente com a condição (A.45) e as hipóteses da esteira

distante, a solução apresentada pelo autor para a funçãof(ξ) é a seguinte:

f(ξ) = exp(−0.693ξ2) (5.27)

51

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Figura 5.5: Perfil dedéficitde velocidade normalizado em uma esteira auto-similar.

Wygnanskiet al. [53] realizaram um estudo experimental sistemático de esteiras bidi-

mensionais turbulentas com pequenodéficitde velocidade para determinar a sua estrutura

e a universalidade da auto-similaridade nesse tipo de escoamento. Foi observado que a

solução da equação (5.27) superestima a velocidade média medida nas bordas externas

da esteira. Com base nos seus resultados experimentais os autores propuseram a seguinte

expressão paraf(ξ) como uma melhor representação do perfil de velocidade na esteira

distante:

f(ξ) = exp(−0.637ξ2 − 0.056ξ4) (5.28)

Na figura (5.5) é representada a funçãof(ξ) da equação (5.28).

Os autores também definiram os seguintes parâmetros de similaridade:

W0 =usU∞

(x− x0

Θ

) 12

(5.29)

∆0 = y1/2[(x− x0)Θ]−12 (5.30)

52

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ondeΘ é a espessura de quantidade de movimento, dada pela equação:

Θ ≡∫ ∞

−∞

u

U∞

(1− u

U∞

)dy (5.31)

ex0 é a chamadaorigem virtual.

A partir de suas definições, pode-se escrever o produto das quantidadesW0 e ∆0

como:

W0∆0 =usy1/2

U∞Θ(5.32)

U∞ e Θ são escalas de normalização de velocidade longitudinal e de distância verti-

cal, respectivamente, e o produtousy1/2 é independente dex na região da esteira distante.

Espera-se, portanto, que o produtoW0∆0 seja constante nessa região. Nos experimentos

de Wygnanskiet al. esse produto mostrou ser praticamente constante para todos os cor-

pos geradores de esteira empregados. Os experimentos foram realizados para valores de

ReΘ entre 650 e 3200, comReΘ definido como:

ReΘ =U∞Θ

ν(5.33)

Os valores deus/U∞ dos experimentos variaram entre 0.03 e 0.15 na região da esteira

distante.

No estudo, os autores concluíram que os perfis médios de velocidade para cada es-

teira, quando normalizados por suas próprias escalas de velocidade e comprimento (us e

y1/2) são auto-similares. Entretanto, quando as escalas de normalização adotadas foram

a espessura de quantidade de movimentoδ2 e a velocidade do escoamento livreU∞ os

perfis de velocidade não exibiram comportamento universal, mostrando dependência da

geometria do corpo utilizado para gerar a esteira.

53

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5.3 Solução Numérica1

5.3.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno

O domínio computacional das simulações reproduz uma placa plana imersa em um es-

coamento inicialmente uniforme, com ângulo de incidência igual a zero, como na figura

5.1. A placa está posicionada no centro do escoamento em relação ao eixoy, ou seja,

a distância entre a placa plana e as fronteiras superior e inferior do domínio são iguais.

A região da esteira fica a juzante da placa, sendo definida por uma extensão do domínio

computacional a partir da extremidade posterior da placa.

A grade é uniforme ao longo dos eixosx e y. Os espaçamentos de grade∆x e∆y são

diferentes, visando-se obter uma resolução mais alta na direçãoy, ou seja ,∆y � ∆x.

Esta relação foi adotada considerando que na direçãox o comprimento característico será

o comprimento da placaL, enquanto na direçãoy o comprimento característico será a es-

pessura da camada limiteδ, e é esperado queδ � L. Foi definida uma região pequena,

a montante, para permitir o ajustamento do escoamento à presença da placa. A fronteira

de entrada do escoamento, portanto, não coincide com a extremidade anterior da placa.

Nos experimentos, enfocando a análise das condições ao longo da placa, o domínio na

região a juzante, correspondente à esteira, foi reduzido, tendo uma extensão de cerca de

metade do comprimento da placa, para reduzir o número de pontos e grade e, conse-

quentemente, o tempo de processamento. Foi observado que essa parte do domínio não

influenciou o escoamento sobre a placa, indicando que o escoamento em um determi-

nado ponto era afetado apenas por processos a montante. Nos experimentos enfocando

a esteira, o domínio foi ajustado de forma a obter condições próximas das características

da esteira distante (us/U∞ → 0) próximo à fronteira de saída do escoamento.

As condições de contorno estabelecidas sobre a placa foram de não deslizamento

(u = 0) e impenetrabilidade (v = 0) do escoamento. É importante notar que as condições

1Embora os problemas da placa plana e da esteira tenham sido apresentados separadamente, por con-veniência, a implementação numérica será desenvolvida integrando os dois escoamentos em um domínioúnico.

54

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de não deslizamento e impenetrabilidade são prescritas em ambos os lados da placa, ou

seja, acima e abaixo de um ponto de grade, que é representativo da placa. Uma vez que

o ponto de grade é adimensional, a espessura da placa nas simulações será igual a zero.

Além disso, a rugosidade da placa também será zero, ou seja, a placa é absolutamente

lisa.

Na fronteira de entrada do escoamento foi estabelecido o valor da componente lon-

gitudinal da velocidade igual à velocidade do escoamento livre (u = U∞) constante e da

componente transversalv = 0 ao longo de toda essa fronteira, não sendo alterados ao

longo da integração.

Nas fronteiras superior e inferior a componente longitudinal da velocidade foi man-

tida constante igual aU∞ e a transversal igual a zero na condição inicial e ajustada ao

longo do processamento de acordo com a condição de contorno de gradiente de Mason

e Sykes [54], citados por Pielke [55], de forma a reduzir eventuais efeitos de reflexão

de ondas de volta para o interior do domínio. O esquema baseia-se na verificação da

existência de escoamento de saída nos pontos de grade das fronteiras pelas expressões:

vt+1i,jmax

= 1.5vti,jmax−1 − 0.5vti,jmax−3 (5.34)

vt+1i,jmin

= 1.5vti,jmin+1 − 0.5vti,jmin+3 (5.35)

onde i é o índice do ponto de grade na direçãox, jmax e jmin são os índices máximo

e mínimo dos pontos de grade na direçãoy, e t e t+1 são dois instantes consecutivos.

Caso o valor dev estabelecido por essas expressões indiquem escoamento para dentro do

domínio, o valor dev era ajustado para zero, de forma a impedir a reflexão.

Na fronteira de saída do escoamento, o valor da componenteu também foi obtido

com o emprego da condição de contorno de gradiente descrita acima, com a seguinte

expressão:

ut+1imax,j = 1.5utimax−1,j − 0.5utimax−3,j (5.36)

ondeimax é o índice máximo do pontos de grade na direçãox e j é o índice na direçãoy.

55

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O valor da componentev da velocidade foi arbitrado como sendo igual a zero na fronteira

de saída.

Com relação à pressão, ela é mantida constante ao longo de toda a fronteira externa

do domínio, com um valor de referência arbitráriopk igual a 1.0 Pa. Sobre a placa, o

valor da pressão não foi prescrito, e sim obtido da solução da equação elíptica (4.14),

aplicando como condição de contorno a equação:

∂p

∂y= 0 (5.37)

obtida da análise das equações da camada limite de Prandtl [50].

Na forma discreta, a pressão sobre a placa é imposta pelas linhas de pontos de grade

imediatamente adjacentes à superfície da placa. Com este procedimento, a pressão sobre

a placa foi deixada variar ao longo da integração, sem a necessidade de ser prescrita.

O emprego do método semi-lagrangeano exige o conhecimento da função do lado

direito da equação (4.14), fazendo necessário definir os valores de∇2u e∇2v em todos os

pontos de grade do domínio, para possibilitar as interpolações. Nas fronteiras externas os

valores das componentes dos laplacianos transversais às fronteiras foram arbitrados como

iguais a zero e as componentes ao longo da fronteira foram calculadas por diferenças

centradas. Sobre a placa, adotou-se a condição de compatibilidade na parede [50]:

∇2uw =1

µ

(∂p

∂x

)w

(5.38)

∇2vw =1

µ

(∂p

∂y

)w

= 0 (5.39)

onde o subscritow representa os valores sobre a placa. O resultado da equação (5.39) é

necessário para se manter consistência com a condição de contorno da equação (5.37).

Quanto às interpolações espaciais sobre a placa, são empregadas interpolações cúbi-

cas descentradas na direção transversal à placa, ao invés de lineares, a fim de evitar

atenuação excessiva das variáveis durante a integração, que poderia implicar em difusão

56

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Tabela 5.1: Parâmetros de configuração do experimento PLACA 1.

Parâmetro Valor

Comprimento da placa (L) 0.14 mAltura acima/abaixo da placa 0.01 m

Espaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.0014 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.0001 m

Número de pontos de grade na direção x (NX) 161Número de pontos de grade na direção y (NY) 201

Posiçãox do início da placa 0.014 mPasso de tempo (∆t) 0.0004 s

Velocidade do escoamento livre (U∞) 3.0 m/sViscosidade cinemática do fluido (ν) 1.004× 10−6m2/s

Densidade do fluido (ρ) 998.2kg/m3

Número de Reynolds (Re = UL/ν) 4.18×105

anormalmente alta na região da camada limite.

5.3.2 Simulações Numéricas e Resultados para a Placa Plana

5.3.2.1 Experimento PLACA 1

O primeiro experimento de simulação de escoamento ao longo de uma placa plana (PLACA

1) utilizou os parâmetros de configuração descritos na tabela 5.1. Os valores deν eρ cor-

respondem a água à temperatura de 293K, e foram obtidos em Schlichtinget al. [50].

Devido ao fato das condições na entrada do escoamento permanecerem constantes

ao longo de toda simulação, esperava-se que fosse obtido um estado estatisticamente

estacionário, durante o qual seriam obtidas médias em cada ponto de grade, que seriam

utilizadas para comparação com resultados consagrados, disponíveis nas referências. A

duração do experimento deveria ser adequada para garantir o estabelecimento do estado

estacionário, e foi definida, inicialmente, como sendo de pelo menos 20 vezes a escala de

tempo característica do escoamento sobre a placaTp, definida como:

Tp =L

U∞(5.40)

57

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A partir do instante 10Tp era iniciado o cálculo das médias temporais em cada ponto

de grade, por um período igual ou maior que 10Tp. A fim de verificar se o período de

média utilizado representava adequadamente um estado estatisticamente estacionário, foi

adotado o seguinte procedimento: o período de média foi dividido em dois subperíodos

Tp1 = Tp2. Para cada um deles foram obtidas as médias da componenteu da velocidade

para todos os pontos de grade do domínio, produzindou1(i, j) e u2(i, j). Esses valores

foram comparados à médiau(i, j) obtida para todo o período de média, por meio da

diferença relativaεu:

εu =

∣∣∣∣∣ u1(i, j)− u2(i, j)

u(i, j)

∣∣∣∣∣ (5.41)

em todos os pontos de grade. Caso o valor máximo deεu em todo o domínio fosse sufi-

cientemente pequeno, considerou-se que o período de média foi adequado para eliminar

qualquer tendência no escoamento, e que um regime estatisticamente estacionário foi

efetivamente atingido. Neste experimento o tempo total de simulação foi de 1s.

Além do procedimento descrito, foram também avaliadas a evolução daenergia cinética

média do domínio por unidade de massa KEm2, definida como:

KEm =12

∑NX,NYi=0,j=0 [u

2(i, j) + v2(i, j)]

NX.NY(5.42)

e aenstrofia média do domínio Em, definida como:

Em =12

∑NX,NYi=0,j=0 ζ

2(i, j)

NX.NY(5.43)

ondeζ(i, j) é avorticidade,expressa por:

ζ(i, j) =

(∂v

∂x− ∂u

∂y

)i,j

(5.44)

Essas quantidades devem se manter constantes em um escoamento estatisticamente

2Por simplificação, a grandezaKEm será referenciada ao longo do trabalho apenas comoenergiacinética média do domínio.

58

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estacionário [48]. Além disso, elas servem para diagnosticar a presença de instabilidade

não-linear, associada aaliasing. No caso de ocorrência desse tipo de instabilidade, a

enstrofia média tende a aumentar, devido à cascata de energia para os menores compri-

mentos de onda, que leva a um aumento na circulação dos vórtices nas menores escalas de

forma descontrolada, com um consequente aumento na energia cinética média, levando

eventualmente à “explosão” da simulação [37].

Na condição inicial (t = 0), o escoamento é totalmente uniforme, com velocidade

U∞. No primeiro passo de tempo (t = ∆t) é introduzida a placa no fluido, que leva à

desaceleração do escoamento. A figura 5.6 mostra as evoluções temporais da componente

longitudinal da velocidadeu em quatro pontos da grade sobre a placa, imediatamente

acima dela, localizados nas posiçõesx1 = L/4, x2 = L/2, x3 = 3L/4 e x4 = L, que

correspondem a números de Reynolds locaisRex1 = 1.05 × 105, Rex2 = 2.09 × 105,

Rex3 = 3.14× 105 eRex4 = 4.18× 105, respectivamente.

A partir do primeiro passo de tempo, há um rápido decréscimo no valor deu, e após

algumas oscilações é atingido um regime quase-estacionário. Como esperado, o valor de

u diminui à medida que nos afastamos da extremidade anterior da placa, devido ao efeito

do arrasto. O valor máximo da diferença relativaεu em todo o domínio foi de 0.0004 %.

Na figura 5.7 é representada a evolução temporal deKEm.Pode-se observar que após

uma queda acentuada, existe um ligeiro aumento, e após o instante t = 0.15 sKEm se

mantém aproximadamente constante.

Na figura 5.8 é representada a evolução temporal deEm. O gráfico é semelhante ao de

KEm, exceto que a oscilação após a redução acentuada no valor deEmnão é tão marcante

quanto à apresentada naquela grandeza. Pode-se observar que também foi atingido um

estado quase estacionário após o instantet = 0.2 s.

Com base no valor deεu e nos gráficos de evoluções temporais deu, KEmeEmpode-

se considerar que foi atingido o estado estatisticamente estacionário durante o período de

obtenção das médias temporais das variáveisu, v e p, entre os instantest = 0.4667 s e

t = 1.0 s.

59

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Figura 5.6: Evoluções temporais da componenteu em quatro pontos imediatamenteacima da placa no experimento PLACA 1, nas posiçõesx1 = L/4 (linha contínua fina),x2 = L/2 (linha tracejada fina),x3 = 3L/4 (linha contínua grossa) ex4 = L (linhatracejada grossa).

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Figura 5.7: Evolução temporal da energia cinética médiaKEmno experimento PLACA1.

Na figura 5.9 é representado o campo da média da componente longitudinal da veloci-

dadeu , na região desde a fronteira de entrada do escoamento até a extremidade posterior

da placa. Na direção vertical foi representada apenas a região da camada limite, onde há

variações importantes no valor deu. Essa região corresponde a cerca de 10 % da altura

total do domínio.

A isótaca mais externa ( 2.97 m/s) representa a região ondeu = 0.99U∞, ou seja,

corresponde à espessura da camada limiteδ99. Pode-se observar a configuração apro-

ximadamente simétrica em relação à placa. O gráfico mostra que, como esperado,δ99

aumenta à medida que nos deslocamos ao longo da placa, indicando crescimento da

camada limite.

Na figura 5.10 é apresentado o campo de média da componente transversal da ve-

locidadev ao longo da placa. Ao atingir a extremidade anterior da placa, na posição

x = 0.014 m, o escoamento bifurca. Entretanto, a partir da posiçãox = 0.05 m há uma

inversão no valor dev na região da camada limite (negativo na parte superior e positivo

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Figura 5.8: Evolução temporal da enstrofia médiaEmno experimento PLACA 1.

Figura 5.9: Campo de média da componente longitudinal da velocidadeu (m/s) para oexperimento PLACA 1.

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Figura 5.10: Campo de média da componente transversal da velocidadev (m/s) para oexperimento PLACA 1. As linhas contínuas representam valores positivos e as tracejadasvalores negativos. A linha branca tracejada indica a isótaca de 0.0 m/s.

na parte inferior da placa). Fora dessa região,v volta a inverter o sinal (positivo na parte

superior e negativo na parte inferior da placa). Na região próxima à extremidade anterior

da placa,v mostra oscilações de pequeno comprimento de onda, que se tornam menos

significativas à medida que nos afastamos dessa região .

Observou-se que em alguns experimentos, os valores de perturbação na pressão eram

extremamente pequenos para terem uma representação gráfica adequada. Por essa razão

foi definida a grandezaanomalia de pressão médiapa:

pa = p− pk (5.45)

ondepk é a pressão de referência. Dessa forma, conseguiu-se uma melhor representação

das variações espaciais no campo de pressão. Na figura 5.11, é apresentado o campo

de pa na parte superior da placa, detalhando a região desde a fronteira de entrada do

escoamento até a extremidade posterior da placa . Pode-se observar que o campo de

pressão começa a ser afetado em uma região a montante da extremidade anterior da placa

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Figura 5.11: Campo de anomalia de pressãomédiapa (Pa) para o experimento PLACA1. As linhas contínuas representam valores positivos e as tracejadas valores negativos. Alinha branca tracejada corresponde à anomalia de 0.0 Pa.

(x = 0.014 m) e que próxima a esta extremidade há a formação de um choque, com um

acentuado gradiente de pressão. Como citado no item 5.3.1, a pressão na placa não foi

prescrita com o objetivo de se controlar ou eliminar o choque apresentado, mas sim dei-

xada variar ao longo da integração. Após a região do choque, a amplitude da onda de

pressão diminui, tendendo assintoticamente a uma condição de pequena variação hori-

zontal. É interessante o fato do valor da anomalia de pressão no choque ser maior que

40.0 Pa, enquanto a pressão de referência é de apenas 1.0 Pa.

Para se ter uma melhor representação do campo de pressão sobre a placa, é apresen-

tada na figura 5.12 a distribuição da anomalia de pressão ao longo da primeira fila de

pontos de grade imediatamente acima da placa, que de acordo com a condição de con-

torno da equação (5.37) será igual à pressão sobre a placa. Pode-se notar o choque na

região anterior, evoluindo a partir da posiçãox = 0.07 m para uma condição de pressão

aproximadamente constante em relação ax.

No item 5.1, foi apresentada a equação de Blasius para um escoamento ao longo de

uma placa plana, cuja solução foi obtida sob a condição de∂p/∂x = 0. Nessa solução

os perfis de velocidade são auto-similares em relação ax. Para se verificar a capacidade

da simulação replicar essa característica do escoamento, foram calculados os valores

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Figura 5.12: Campo de anomalia de pressãopa (Pa) sobre a placa para o experimentoPLACA 1.

da componente longitudinal da velocidade normalizadaunorm = u/U∞ nas posições

x2, x3 e x4, pois estão na região onde o gradiente horizontal de pressão é aproximada-

mente nulo, em condições mais próximas às da hipótese de Blasius. Os perfis verticais

de unormsão apresentados na figura 5.13 . Pode-se observar que os perfis apresentam

um comportamento auto-similar, aproximadamente superpondo-se uns sobre os outros.

Entretanto, eles não coincidem com a solução da equação de Blasius. Isto pode ser

explicado pelo fato de não haver sido imposta artficialmente a condição de gradiente ho-

rizontal de pressão nulo sobre toda a placa, na qual se baseia a solução de Blasius. Cebeci

e Cousteix [4] ao analisarem o problema do estabelecimento de condições de contorno

para as equações da camada limite para a placa plana (5.1) e (5.2) afirmam que essas

equações, por serem parabólicas, comportam-se de forma semelhante à equação de con-

dução de calor, na qual uma pequena perturbação introduzida na camada limite difunde-

se instantaneamente ao longo da normal à parede (placa) e é transportada ao longo do

escoamento, seguindo as linhas de corrente na camada limite. Assim, condições de con-

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Figura 5.13: Perfis verticais da componente longitudinal da velocidade normaliza-daunormnas posiçõesx2 (losangos pretos),x3 (círculos brancos) ex4 (círculos pretos elinha tracejada), para o experimento PLACA 1. A linha contínua representa a solução deSlater [51] para a equação de Blasius.

torno são necessárias ao longo de uma linha normal à placa a montante do domínio, ao

longo da placa e da extremidade exterior do domínio. De acordo com esses autores, uma

perturbação introduzida ao longo dessas linhas influenciará o escoamento no domínio

de cálculo. Embora na implementação do método MAL para a solução do problema da

placa plana tenham sido utilizadas as equações de N-S agregadas (2.12) a (2.14), espera-

se que na região da camada limite, elas tenham um comportamento correspondente ao das

equações modificadas pelas aproximações da camada limite. Uma vez que não foi im-

posta a condição∂p/∂x = 0 ao longo de toda a placa, permitindo a formação do choque

de pressão, a simulação foi realizada em uma situação relativamente afastada da hipótese

de Blasius. Consequentemente, foi gerada uma perturbação na extemidade anterior da

placa que se propagou ao longo do escoamento. Dessa forma, a simulação não gerou um

perfil coincidente com a solução de Blasius. Entretanto, na região onde∂p/∂x ∼ 0 o

perfil deunormapresentou um comportamento auto-similar.

Na figura 5.14 são apresentados os perfis da solução numérica para a componente

66

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Figura 5.14: Perfis verticais da componente transversal da velocidade normalizadavnormnas posiçõesx2 (losangos pretos),x3 (círculos brancos) ex4 (círculos pretos e linhatracejada), para o experimento PLACA 1. A linha contínua representa a solução de Slater[51] para a equação de Blasius.

transversal da velocidade normalizadavnorm, nas posiçõesx2, x3 e x4 . Os perfis

mostram-se superpostos até o valor deη aproximadamente 2.5. A partir desse valor

eles ficam separados, mantendo a mesma inclinação. Os valores negativos entreη = 0.0

eη = 1.0 correspondem à região onde há inversão no sinal da componente vertical da ve-

locidade representado na figura 5.10. Essa região corresponde à base da camada limite.

Com o uso das equações (A.62) e da definição deη na expressão (5.7), o valor deδ99 em

coordenada vertical normalizada pode ser estimado comoη(δ99)∼ 3.53. Logo, aproxi-

madamente 1/3 da espessura da camada limite apresenta inversão no sinal da componente

tranversal da velocidade. A diferença da solução da simulação em relação à solução de

Blasius pode ser associada à perturbação no campo de pressão, analogamente ao exposto

para a componente longitudinalunorm.

A fim de se avaliar objetivamente o quanto o afastamento das hipóteses da solução de

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Blasius afeta as propriedades do escoamento simulado, calculou-se o valor docoeficiente

de arrasto por unidade de larguraCD, definido como[50]:

CD =D

ρ2U2∞L

(5.46)

onde o arrasto por fricçãoD é definido pela equação (5.17) e a tensão na paredeτw é

definida pela equação (5.15). O valor calculado foi comparado à solução semi-empírica

para o coeficiente de arrastoCDE apresentada em Schlichtinget al. [50]:

CDE =1.328√Re

(5.47)

A simulação numérica forneceu o valor deCD= 2.2853×10−3, enquanto a solução

semi-empírica obtida foiCDE= 2.0532×10−3, resultando numa diferença de 11.3 % da

primeira solução numérica em relação à segunda.

Uma outra forma de se avaliar objetivamente o resultado é pela comparação da estru-

tura vertical da componenteu. A partir da relação empírica da equação (A.62) pode-se

avaliar a espessura da camada limiteδ99 em função dex. Na figura 5.15, é representada a

evolução espacial deδ99 , obtida a partir da simulação numérica e por meio da expressão

(A.62) . Na extremidade posterior da placa, o valor empírico deδ99 = 1.082×10−3m,

enquanto o valor da simulação numérica foi deδ99 = 0.958×10−3m, que representa uma

diferença de 11.5 % da segunda solução em relação à primeira.

Como citado no item A.8, as medidas de espessura de deslocamentoδ1, espessura

de quantidade de movimentoδ2, e espessura de energiaδ3, sintetizam informações sobre

a estrutura transversal do campo de velocidade, em vista de envolverem a integração

de u ao longo da direção transversal à placa. Essas medidas de espessura podem ser

relacionadas empiricamente à espessura da camada limiteδ99 por meio das equações

(A.69).

Na figura 5.16, são representados os valores deδ1, δ2 eδ3, obtidos a partir das relações

empíricas das equações (A.69), considerando o valor deδ99 da simulação numérica. Na

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Figura 5.15: Evolução espacial da espessura da camada limiteδ99 (m) a partir da simu-lação numérica (círculos pretos) e da equação (A.62) (linha contínua), para o experimentoPLACA 1.

Figura 5.16: Valores empíricos de espessuras da camada limite (m) calculados a partirdas equações (A.69) (δ1- linha contínua fina,δ2 - linha contínua grossa eδ3- linha trace-jada); e calculados a partir dos perfis verticais deu produzidos pela simulação numérica( δ1- círculos pretos,δ2 - círculos brancos eδ3- losangos brancos), para o experimentoPLACA 1.

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Tabela 5.2: Parâmetros de configuração do experimento PLACA 2.

Parâmetro Valor

Comprimento da placa (L) 0.4 mAltura acima/abaixo da placa 0.05 m

Espaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.004 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.0005 m

Número de pontos de grade na direção x (NX) 161Número de pontos de grade na direção y (NY) 201

Posiçãox do início da placa 0.04 mPasso de tempo (∆t) 0.001 s

Velocidade do escoamento livre (U∞) 5.2 m/sViscosidade cinemática do fluido (ν) 15.3× 10−6m2/s

Densidade do fluido (ρ) 1.188kg/m3

Número de Reynolds (Re = UL/ν) 1.36×105

mesma figura são representados os valores deδ1, δ2 e δ3 calculados a partir dos per-

fis verticais deu produzidos pela simulação, por meio das equações (A.63) , (A.65) e

(A.67), respectivamente. Qualitativamente, pode-se considerar que houve uma razoável

concordância nas soluções empíricas e numéricas. Assim, embora tenha havido uma

diferença de cerca de 11 % no valor das soluções empírica e numérica deδ99 , a estrutura

do campo de velocidade simulado foi consistente com resultados experimentais.

Um aspecto relevante a ser avaliado é o custo computacional para a realização dos

experimentos numéricos. Para todas as simulações apresentadas neste trabalho foi uti-

lizado um PC com processador AMD Athlon XP 2000, com 1GB de memória RAM. O

experimento PLACA 1 utilizou 474.8 segundos de tempo de CPU para ser realizado.

5.3.2.2 Experimento PLACA 2

Visando verificar a flexibilidade e robustez do método na simulação de escoamentos em

diferentes condições, foi realizado um segundo experimento numérico simulando um

escoamento ao longo de uma placa plana (PLACA 2) utilizando os parâmetros de con-

figuração apresentados na tabela 5.2 . Os valores deν e ρ , obtidos em Schlichtinget

al. [50], simulam, dessa vez, o fluido do escoamento como sendo ar na temperatura de

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Figura 5.17: Mesmo que na figura 5.9, exceto que para o experimento PLACA 2.

293 K.

O tempo de escoamento simulado foi de 1.6 s, sendo as médias temporais das grandezas

obtidas nos pontos de grade a partir do instantet = 0.770 s até o final do experimento.

Os gráficos de evoluções deu em quatro pontos da grade imediatamente acima da

placa, nas posiçõesx1 = L/4 (Rex1 = 3.40 × 104), x2 = L/2 (Rex2 = 6.80 × 104),

x3 = 3L/4 (Rex3 = 1.02 × 105) e x4 = L/4 (Rex4 = 1.36 × 105) mostraram um

comportamento semelhante ao observado no experimento PLACA 1 e, por essa razão,

seus gráficos não serão apresentados. Da mesma forma serão omitidos os gráficos de

evolução temporal deKEm e Em, pois tiveram um aspecto análogo ao observado no

primeiro experimento.

Nesta simulação, o valor máximo obtido em todo o domínio para a diferença relativa

εu foi de 0.003 %. Com base nos resultados obtidos pode-se considerar que também

foi estabelecido um regime estatisticamente estacionário no experimento PLACA 2, no

período de obtenção das médias temporais.

Na figura 5.17 é representado o campo deu para o experimento PLACA 2, da en-

71

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Figura 5.18: Mesmo que na figura 5.10, exceto que para o experimento PLACA 2.

trada do escoamento até a extremidade posterior da placa, na região da camada limite,

que corresponde a cerca de 10 % da altura total do domínio. Observou-se a mesma quase

simetria em relação à placa plana que o experimento anterior. A isótaca de 5.148 m/s

corresponde à posição deδ99 e, como no experimento anterior, mostrou crescimento à

medida que nos afastamos do início da placa. Também observam-se ondulações de pe-

queno comprimento de onda próximo à extremidade anterior da placa.

O campo dev é representado na figura 5.18. Notam-se ondulações de pequena escala

nas proximidades da extremidade anterior da placa. Após essa região,v apresenta sinal

positivo acima da placa e negativo abaixo dela até a extremidade posterior.

O campo depa é representado na figura 5.19 para a região acima da placa, desde o

início do domínio até a posiçãox = 0.2 m, que corresponde aproximadamente ao meio

da placa. Esta representação foi escolhida para aumentar o detalhamento da região de

choque, próximo à posiçãox = 0.04 m, que corresponde ao início da placa. Após a

posiçãox = 0.2 m não há variações significativas no campo depa , por isso omitiu-se sua

representação. Na figura 5.20 , na qual é representado o perfil longitudinal depa sobre a

placa, observam-se dois mínimos locais depa , com valor de aproximadamente -0.12 Pa.

72

Page 82: SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS … · tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de ... Embora a dinâmica dos fluidos seja uma

Figura 5.19: Mesmo que na figura 5.11, exceto que para o experimento PLACA 2.

Figura 5.20: Mesmo que na figura 5.12, exceto que para o experimento PLACA 2.

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Figura 5.21: Mesmo que na figura 5.13, exceto que para o experimento PLACA 2.

O choque permaneceu relativamente confinado às proximidades da extremidade anterior

da placa, tal como no experimento anterior. Após o choque, o campo depa mostrou

pequenas variações ao longo da placa.

Na figura 5.21 são apresentados os perfis verticais deunormnas posiçõesx2, x3 e

x4. Neste experimento, eles também se apresentaram razoavelmente superpostos, indi-

cando a condição de auto-similaridade. Também não houve coincidência dos perfis da

simulação numérica com a solução de Blasius.

Os perfis verticais devnormsão representados na figura 5.22 . Esses perfis também

se mostraram auto-similares até o valor deη ∼ 2.2, tendendo a se separarem após este

valor. Note que os perfis mostraram-se bem próximos à solução de Blasius na região de

auto-similaridade. Considerando-se que as hipóteses de Blasius são válidas apenas para

a região da camada limite, que se estende até a posiçãoη ∼3.5, e que a transição para

o escoamento externo é suave, sem uma fronteira bem definida entre as duas regiões,

o fato dos perfis devnormse afastarem da situação de auto-similaridade à medida que

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Figura 5.22: Mesmo que na figura 5.14, exceto que para o experimento PLACA 2.

η aumenta não representa, necessariamente, inconsistência dos resultados da simulação

numérica com a solução de Blasius.

O valor deCD obtido da simulação numérica foi3.67 × 10−3, enquanto a solução

semi-empíricaCDE forneceu o valor3.60× 10−3. A diferença relativa neste caso foi de

1.91 %.

Com relação aδ99, a equação (A.62) fornece o valor para a extremidade final da placa

igual a5.42× 10−3m, enquanto a simulação numérica produziu o valor deδ99 na mesma

posição igual a5.0× 10−3m, o que representa uma diferença relativa de 7.8 %. Não será

representado o perfil longitudinal deδ99, por ser semelhante ao observado na figura 5.15.

As espessuras da camada limiteδ1, δ2 e δ3, calculadas pelas equações (A.69) com o

uso deδ99 produzido pela simulação numérica, e as calculadas com as equações (A.63) ,

(A.65) e (A.67), a partir dos perfis deu obtidos da simulação, são representadas na figura

5.23. Também nesse experimento, pode-se considerar que a representação da estrutura

vertical do campo deu da simulação numérica mostrou uma boa consistência com os

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Figura 5.23: Mesmo que na figura 5.16, exceto que para o experimento PLACA 2.

resultados semi-empíricos.

No que se refere ao esforço computacional empregado na simulação numérica, este

experimento utilizou 292.8 s de tempo de CPU para ser realizado.

5.3.3 Simulação Numérica e Resultados para a Esteira

A simulação de um escoamento na esteira a juzante de uma placa plana (ESTEIRA) uti-

lizou os parâmetros de configuração apresentados na tabela 5.3 . Os valores deν e ρ

utilizados caracterizam ar na temperatura de 293 K. O número de Reynolds foi calculado

em função das características da placa plana. Neste problema havia condições de tur-

bulência totalmente desenvolvida na extremidade posterior da placa plana, em vista de,

naquela posição,Reser maior que106[50].

A duração do escoamento simulado foi definida para garantir o estabelecimento de

um regime estatisticamente estacionário, tal como nas simulaçõs numéricas do escoa-

mento ao longo de uma placa plana. Foi empregada como referência a escala de tempo

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Tabela 5.3: Parâmetros de configuração do experimento ESTEIRA.

Parâmetro Valor

Comprimento da região da esteira (Le) 22.5 mComprimento da placa (L) 1.0 m

Altura do domínio 0.192 mEspaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.25 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.0012 m

Número de pontos de grade na direção x (NX) 101Número de pontos de grade na direção y (NY) 161

Passo de tempo (∆t) 0.001 sVelocidade do escoamento livre (U∞) 16.0 m/sViscosidade cinemática do fluido (ν) 15.3× 10−6m2/s

Densidade do fluido (ρ) 1.188kg/m3

Número de Reynolds (Re = UL/ν) 1.05×106

característica da esteiraTe = Le/U∞, ondeLe representa o comprimento da região da

esteira, que abrange desde a extremidade final da placa plana até o final do domínio.

Analogamente ao critério adotado nos experimentos da placa plana, analisaram-se os

seguintes parâmetros:

1. As evoluções temporais deu em cinco pontos de grade da esteira, localizados no

nível da placa plana, que corresponde ao eixo central da esteira. Eles estão dispos-

tos, longitudinalmente, nas posições correspondentes ax1 = L + ∆x, ou seja, o

primeiro ponto de grade após a extremidade posterior da placa;x2 = L + Le/4,

correspondente a 1/4 do comprimento da região da esteira após a extremidade final

da placa;x3 = L + Le/2, metade da região da esteira;x4 = L + 3Le/4, 3/4 da

região da esteira ex5 = L − 3∆x, o terceiro ponto de grade antes da fronteira de

saída do escoamento.

2. A evolução temporal da energia cinética média do domínioKEm.

3. A evolução temporal da enstrofia média do domínioEm.

4. O valor máximo da diferença relativaεu descrita no item 5.3.2.1. A duração

do escoamento simulado, entretanto, foi de 80 segundos, que correspondem a

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Figura 5.24: Evoluções temporais da componenteu em cinco pontos no eixo central daesteira, nas posiçõesx1 (linha contínua inferior) ax5 (linha contínua superior), no expe-rimento ESTEIRA.

54.2Te, e εu foi calculado utilizando como referência os períodosTe1, limitado

por 3.75s < t ≤ 41.88s , eTe2, limitado por41.88s < t < 80.0s .

Buscou-se verificar não apenas as condições adequadas para a obtenção das médias, mas

também se a simulação não apresentava sinais de instabilidade numérica, particularmente

a presença de efeitos dealiasing. Semelhante ao ocorrido nos experimentos da placa

plana, esperava-se o estabelecimento de um regime quase estacionário (ou estatistica-

mente estacionário).

Na figura 5.24 são apresentadas as evoluções temporais deu nas posiçõesx1 ax5, do

instante inicial atét = 20.0 s. Pode-se observar que imediatamente após a placa plana,u

cai rapidamente no início do escoamento, posteriormente passando a ter um comporta-

mento quase estacionário. Na posiçãox5 o valor deu é maior, em função do afastamento

da placa. Note que a perturbação provocada pela placa leva cerca de 2.0 s para atingir

a posiçãox5. Os gráficos apresentados sugerem que, aproximadamente, após o instante

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Figura 5.25: Evolução temporal da energia cinética médiaKEm no experimento ES-TEIRA.

t = 3.0 s o escoamento manteve um comportamento quase estacionário.

Na figura 5.25 é representada a evolução temporal deKEmpara o experimento ES-

TEIRA, durante todo o tempo de simulação, que foi limitado a 80.0 s. Observa-se uma

queda acentuada no valor deKEm no início da simulação, sem variações perceptíveis

após o instantet = 2.0 s, indicando o estabelecimento de um regime estatisticamente

estacionário.

Na figura 5.26 é apresentada a evolução temporal da enstrofia média do domínioEm

durante o experimento ESTEIRA. Há uma queda acentuada no valor deEmno início do

experimento, seguida de um aumento e posterior estabelecimento de um regime onde o

valor deEmé praticamente constante.

O valor máximo deεu obtido no experimento ESTEIRA foi de 0.008 %. Com base

nos resultados apresentados acima, estima-se que entre os instantest = 3.75 s et = 80.0 s,

que limitaram o período de obtenção das médias temporais nos pontos de grade, prevale-

ceu um regime estatisticamente estacionário no escoamento. Os resultados mostram,

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Figura 5.26: Evolução temporal da enstrofia médiaEmno experimento ESTEIRA.

também, que não ocorreu instabilidade numérica durante o período de simulação.

Na figura 5.27 é representado o campo deu no experimento ESTEIRA, desde a ex-

tremidade posterior da placa plana, que corresponde ao início da região da esteira, até

a fronteira de saída do escoamento, que limita o domínio computacional na direçãox.

Na direção vertical limitou-se a representação à região onde há variações significativas

emu, que caracterizam a presença da esteira. Essa região corresponde a cerca de 20 %

da altura total do domínio. Pode-se notar o espalhamento da esteira, bem como o au-

mento no valor deu ao longo de seu eixo central, à medida que nos deslocamos na

direçãox. Esse comportamento era esperado, uma vez que a uma distância suficiente-

mente grande da placa deve ser estabelecido o regime que caracteriza aesteira distante,

comus/U∞ = (U∞ − u)/U∞ → 0.

Nota-se a quase simetria da esteira em relação ao eixo central. A isótaca de 15.84 m/s

corresponde a 0.99U∞ e serve como referência para definição do limite externo da região

da esteira.

Na figura 5.28 é representado o campo dev para o experimento ESTEIRA. Aqui

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Figura 5.27: Campo de média da componente longitudinal da velocidadeu (m/s) para oexperimento ESTEIRA.

Figura 5.28: Campo de média da componente transversal da velocidadev (m/s) para oexperimento ESTEIRA. As linhas contínuas representam valores positivos e as tracejadasvalores negativos. A linha branca contínua grossa corresponde à isótaca de 0.0 m/s.

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Figura 5.29: Campo de anomalia de pressãomédia pa (Pa) para o experimento ES-TEIRA. As linhas tracejadas representam valores negativos. A região em cor brancaindica anomalia igual a 0.0.

também limitou-se a extensão do gráfico à região onde estão presentes variações signi-

ficativas dev. No início da região da esteira observam-se ondulações de pequena escala

que se propagam na direção vertical. Até a posição aproximadax = 4.0 m há uma região

com velocidade vertical negativa acima do eixo central da esteira e positiva abaixo dele.

Mais a juzante o sinal dev inverte, mantendo-se positivo acima do eixo central da esteira

e negativo abaixo dele, até o final do domínio. Próximo à saída do escoamento há uma

pequena faixa de perturbação no campo dev devida à adoção da condição de contornov

= 0 na saída. Essas perturbações, entretanto, ficaram limitadas a essa pequena faixa no

final do domínio, não se propagando a montante.

Na figura 5.29 é apresentado o campo depa para o experimento ESTEIRA. Limitou-

se a representação à região do domínio onde há variações significativas nessa variável.

Após a extremidade final da placa, a anomalia de pressão média diminui, atingindo um

valor mínimo de−2.2 × 10−2Pa, na posição aproximada x= 2.8 m, posteriormente

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Figura 5.30: Perfil longitudinal deW0∆0 para o experimento ESTEIRA.

voltando a aumentar na direçãox. A partir da posiçãox = 3.1 m os valores mostram

variações de amplitude muito pequena em torno do valor 0.0, indicando que o gradiente

de pressão é praticamente nulo a partir daquela posição.

No item 5.2 foi apresentada a propriedade do produtoW0∆0 ser constante na região

da esteira distante. O perfil longitudinal deW0∆03 obtido no experimento ESTEIRA

é apresentado na figura 5.30 . Observa-se que no início da região da esteira há uma

acentuada queda no gráfico. A partir da posiçãox = 7.5 m o valor deW0∆0 passa a

variar lentamente emx, tornando-se praticamente constante a partir dex = 12.5 m. Esse

comportamento caracteriza a região de validade das hipóteses da esteira distante.

Foram selecionados quatro pontos nas proximidades do final do domínio computa-

cional para avaliar se a simulação reproduziu adequadamente as hipóteses da esteira

distante. Esses pontos estão localizados no eixo central da esteira, nas posições lon-

gitudinais correspondentes a 80 %, 85 %, 90 % e 95 % do comprimento da região da

3O valor da origem virtualx0, presente nas equações (5.29) e (5.30), foi arbitrado como sendo igual azero.

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esteira, que correspondem às coordenadasxe1 = 18.8 m,xe2= 19.975 m,xe3 = 21.150 m

e xe4 = 22.325 m. Nessas posições a razãous/U∞ variou de 14.7 % a 15.9 %, sendo

próximas ao valor máximo das condições dos experimentos realizados por Wygnanskiet

al. [53]. A distância que separaxe1 dexe4 é de 3.55 m. Wygnanskiet al. realizaram

medições em oito posições da esteira, cuja distância entre o primeiro e último pontos

estava em torno de 1.5 m. Pode-se, portanto, considerar que os pontos estavam sufi-

cientemente afastados no experimento ESTEIRA para a avaliação de condições de auto-

similaridade no escoamento.

O resultado apresentado na figura 5.30 indica que foram atingidas condições próxi-

mas daquelas características da esteira distante. Consequentemente, o perfil dedéficit

da componente longitudinal de velocidadef(ξ), definido pela equação (5.28), deve ser

auto-similar naquela região.

Na figura 5.31 são representados os perfis longitudinais def(ξ) nas posiçõesxe1 a

xe4, calculados a partir dos resultados do experimento ESTEIRA. Os perfis apresentam-

se praticamente superpostos, indicando a condição de auto-similaridade. Além disso eles

estão em boa concordância com a função empírica dedéficit de velocidade (equação

5.28) obtida experimentalmente.

Com relação ao esforço computacional, este experimento foi bem mais custoso que

os realizados para a placa plana, em virtude da maior duração do escoamento simulado,

devido à escala de tempo característica ser mais longa para a esteira que para a placa

plana, além de desejar obter séries de tempo das variáveis suficientemente longas para os

cálculos dos espectros de energia. Neste experimento foram empregados 8965 s (2.49 h)

de tempo de CPU para se realizar a simulação.

No método MAL considera-se que nas menores escalas do escoamento existe a uni-

formização das propriedades. Consequentemente, há uma filtragem nos pequenos com-

primentos de onda (ou altas frequências). É interessante analisar esse efeito de filtragem

no escoamento.

Na figura 5.32 é representada a evolução temporal da componenteu da velocidade no

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Figura 5.31: Perfis verticais dedéficit na componente longitudinal da velocidade nor-malizadosf(ξ) nas posiçõesxe1 (círculos pretos),xe2 (círculos brancos),xe3 (losangosvermelhos) exe4 (quadrados verdes) para o experimento ESTEIRA. A linha contínuaazul representa a função empírica obtida por Wygnanskiet al. [53], definida pela equação(5.28).

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Figura 5.32: Evolução temporal da componenteu na posiçãox3 = L + Le/2, na or-denada do eixo central da esteira.

pontox3, no eixo central da esteira. Pode-se observar que, embora de pequena amplitude

(na ordem de de10−4m/s), há flutuações de alta frequência, indicando que apesar da

filtragem na escala da grade, ainda existe representação de oscilações nas menores escalas

do escoamento. É importante avaliar se essas variações possuem algum significado físico

ou se são meramente aleatórias, decorrentes de outros efeitos, tais como truncamento

computacional. Para a análise dessas oscilações foram registradas séries temporais da

componenteu ao longo do período considerado como de regime quase estacionário (de

t = 3.75 s at = 80.0 s) em alguns pontos do domínio, para a obtenção dos espectros

de energia nesse pontos. O procedimento adotado foi dividir a série temporal em 50

segmentos iguais e calcular o espectro de energia para cada um deles. Posteriormente foi

obtida a média dos 50 espectros de energia.

Uma vez que os dados foram obtidos no domínio do tempo, para a interpretação dos

resultados adotou-se a hipótese de Taylor descrita no item A.7 do apêndice. Assim, os

resultados obtidos no domínio do tempo (frequência) serão interpretados como represen-

tativos do domínio do espaço (número de onda).

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Figura 5.33: Espectros de energia da componenteu nas posiçõesx2 = L + Le/4 (linhacontínua preta),x3 = L+ Le/2 (linha contínua azul), ex4 = L+ 3Le/4 (linha contínuavermelha), no eixo central da esteira. A linha tracejada verde indica a inclinação -3. Asunidades nos eixos de frequências e energias são arbitrárias.

Na figura 5.33 são representados os espectros de energia calculados a partir das séries

temporais da componenteu dos pontosx2 = L+Le/4, x3 = L+Le/2, ex4 = L+3Le/4,

posicionados na ordenada do eixo central da esteira. Pode-se observar que na região de

mais altas frequências (maiores números de onda, ou menores escalas) os gráficos são

bem semelhantes, e apresentam uma inclinação próxima de -3 em uma faixa de frequên-

cias de aproximadamente uma década. Esse resultado corresponde à subregião inercial

esperada para o espectro de energia da turbulência bidimensional apresentado no item A.6

do apêndice, e caracteriza a cascata direta de vorticidade, das maiores para as menores

escalas.

Foram também analisadas séries de tempo da componenteu da velocidade obtidas

em três pontos do domínio localizados na posiçãox4 = L + 3Le/4, que corresponde

a x = 19.375 m. Considerando-se a ordenada do eixo central da esteira como sendo

yc = 0.0 m, os pontos são posicionados transversalmente ao eixo central nas ordenadas

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Figura 5.34: Espectros de energia da componenteu nas posições(x4, y1) (linha contínuapreta),(x4, y2) (linha contínua azul), e(x4, y3) (linha contínua vermelha). As linha trace-jadas verdes indicam as inclinações -3 e -5/3, identificadas próximo às respectivas linhas.As unidades nos eixos de frequências e energia são arbitrárias.

y1 = 4.8×10−3m, y2 = 9.6×10−3m, ey3 = 14.4×10−3m. Na figura 5.34 são represen-

tados os espectros de energia obtidos das séries de tempo da componenteu nas posições

(x4, y1), (x4, y2) e (x4, y3) definidas anteriormente, adotando-se o mesmo procedimento

de média de 50 espectros, utilizado para a análise das séries de tempo dos pontos no

eixo central da esteira. Pode-se observar que nos pontosy1 e y2, mais próximos do

eixo central, contidos no interior da esteira, a região do espectro de menores frequências

(menores números de onda, ou maiores escalas) apresenta uma faixa abrangendo cerca

de meia década em que a inclinação do espectro é próxima a -5/3 que, conforme descrito

no item A.6 do apêndice, corresponde à cascata de inversa de energia turbulenta, onde

as menores estruturas turbulentas alimentam os movimentos nas maiores escalas. Nessas

posições, a região do espectro correspondente às menores escalas mostra uma faixa de

frequências muito estreita onde há cascata direta de vorticidade, com inclinação -3. Na

posiçãoy3, mais afastada do eixo central, localizada na vizinhança do limite exterior da

esteira, a região das maiores escalas já não apresenta inclinação próxima a -5/3. Entre-

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tanto, na região das menores escalas, observa-se uma faixa de frequências abrangendo

pouco menos que uma década, onde a inclinação é próxima a -3, indicando a cascata

direta de vorticidade.

Os resultados da análise dos espectros de energia indicam, portanto, que as oscilações

de alta frequência observadas no valor deu não são meramente aleatórias, e podem ser

associadas a processos de produção e transferência de energia turbulenta e vorticidade

nas diversas escalas do escoamento.

Dos espectros de energia obtidos da análise, pode-se supor que ao longo do eixo cen-

tral da esteira existe apenas a cascata direta de vorticidade, e que na posição da abscissa

x4 , na região interna da esteira (entre o eixo central e o limite exterior) a energia inje-

tada no escoamento é empregada na criação de vórtices de escalas relativamente maiores

que a escala característica de injeção, e que à medida que nos aproximamos do limite

exterior da esteira, existe apenas decaimento da energia turbulenta, pela cascata direta de

vorticidade para as menores escalas.

Vale ressaltar que a presença de cascata inversa de energia não causou qualquer tipo

de instabilidade numérica na simulação.

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Capítulo 6

O PROBLEMA DO ESCOAMENTO

EM UM JATO

6.1 Apresentação do problema

O jato plano ideal, na definição de Pope [21], é estatisticamente bidimensional. A direção

dominante do escoamento médio éx, a coordenada transversal éy, e as estatísticas são

independentes da coordenadaz. Existe também simetria em relação ao eixo central do

jato.

De acordo com Bradbury [56], os tipos mais simples de escoamentos turbulentos

cizalhantes são os do tipo auto-preservante, nos quais a estrutura da camada cizalhante é

similar em todas as posições do escoamento.

Kundu [2] apresenta a análise da auto-preservação em um jato plano. Aplicando

o princípio de conservação de quantidade de movimento em um volume de controle,

e considerando a existência de auto-similaridade no escoamento, obtém-se a seguinte

relação:

U20 δ = constante (6.1)

ondeU0(x) é a velocidade no eixo central do jato, eδ(x) é a espessura característica do

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escoamento. Prosseguindo na análise, empregando argumentos de análise dimensional,

o autor conclui que

δ ∝ x (6.2)

Consequentemente,

U0 ∝ x−12 (6.3)

Um ponto relevante nas hipóteses consideradas na análise é a existência deentranha-

mento, o processo pelo qual o fluido irrotacional que circunda o jato é conduzido para a

região turbulenta do escoamento. Este processo possibilita a conservação de quantidade

de movimento no escoamento.

Bradbury [56] cita que foram realizados vários estudos sobre jatos simétricos em

torno de um eixo, sendo injetados em uma atmosfera quiescente, em virtude de ser

condição para a auto-preservação do jato plano que a velocidade no eixo central do

jato seja muito maior que a velocidade do escoamento livre. Entretanto, essa condição

provoca níveis de turbulência excessivamente elevados, que prejudicam as medições.

Visando evitar esse problema, ele realizou um estudo sobre a estrutura do jato plano

injetando o fluido em um escoamento não estático, movendo-se a uma velocidade com-

parativamente baixa em relação ao jato. De acordo com aquele autor, esse escoamento

não possui auto-preservação exata, mas as diferenças em relação a essa condição são

desprezíveis, se for enfocada uma região suficientemente afastada do ponto de injeção do

jato.

Na figura 6.1 é representado esquematicamente o problema do jato plano turbulento,

como definido no estudo de Bradbury [56].UJ é a velocidade longitudinal na saída do

jato, U1 é a velocidade do escoamento livre,U0 é a média da diferença entre a veloci-

dade no eixo central do jato e o escoamento livre. Com essa definição, a componentex

(longitudinal) da velocidade média, representada poru, é definida como

u = U1 + U0f(η) (6.4)

91

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Figura 6.1: Representação esquemática do problema do jato plano turbulento.

A coordenada vertical (transversal) normalizadaη é definida como:

η =y

δ(6.5)

ondeδ é uma escala de comprimento característica da camada de cizalhamento. No caso

do jato plano, ela é definida como a meia espessuray1/2, a ordenada medida a partir do

eixo central do jato onde

u(x, y1/2) = U1 +1

2U0(x) (6.6)

A coordenada horizontal (longitudinal) é normalizada pela espessura inicial do jato

no ponto de injeção,h, e o número de Reynolds do jato plano é definido como

Re =UJh

ν(6.7)

Em seu estudo, Bradbury utilizou o valor deU1 = 0.16UJ , eRe = 3× 104.

No experimento foram obtidos perfis médios de velocidade que, quando normaliza-

92

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Figura 6.2: Perfis deu normalizada, das expressões 6.8 (linha vermelha contínua) e 6.9(linha azul tracejada).

dos, mostraram-se geometricamente similares na região turbulenta. A seguinte função

empírica foi ajustada aos perfis auto-similares deu normalizada:

f(η) = exp[−0.6749η2(1 + 0.0269η4)] (6.8)

O autor cita que seus resultados mostraram uma aproximação ligeiramente mais rápi-

da do escoamento livre que aquele obtido por Townsend [57], em seu estudo de esteiras

turbulentas planas, que obteve a seguinte função para o perfil deu normalizada:

f(η) = exp[−0.6619η2(1 + 0.0565η4)] (6.9)

As funções das expressões 6.8 e 6.9 são representadas na figura 6.2 .

No experimento de Bradbury também pôde ser observado o estabelecimento das

93

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condições de auto-preservação do escoamento, definidas pelas expressões 6.2 e 6.3, na

região dex/h variando de 20 até 70, onde se encontrava a última estação de medições.

Heskestad [58] e Gutmark e Wygnanski [59] realizaram experimentos semelhantes aos

de Bradbury, exceto que o jato foi injetado em uma atmosfera em repouso (U1 = 0), e

obtiveram resultados que confirmaram a auto-preservação do escoamento, até valores de

x/hem torno de 160 e 100, respectivamente.

6.2 Solução Numérica

6.2.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno

O domínio computacional simula uma câmara retangular na qual é injetado um jato na

ordenada correspondente ao nível do centro da câmara, na posiçãox correspondente à

fronteira lateral esquerda.

A grade é uniforme ao longo dos eixosx ey, respectivamente, sendo os espaçamentos

de grade∆x e ∆y diferentes, com∆y � ∆x buscando-se maior resolução na direção

transversal ao eixo do jato.

As condições do jato na simulação numérica basearam-se no estudo de Bradbury

[56], onde existe um escoamento livre não estático, com velocidadeU1, ao invés de uma

atmosfera sem movimento. Foi observado que a presença desse escoamento de fundo

permitia um melhor controle das oscilações de pequena escala no escoamento. O valor

deU1 foi ajustado de forma a atender a condição deU1 � U0.

Para representar a entrada do jato no domínio, foi prescrito o valor deu = UJ no

ponto de grade correspondente ao nível central do domínio, e nos dois pontos de grade

adjacentes o valor deu foi ajustado comou = (U1 + 3UJ)/4. Esses valores foram es-

tabelecidos com base no descrito por Schlichtinget al. [50], que cita em sua análise do

escoamento em um jato livre turbulento que, em um jato com um perfil inicial aproxi-

madamente parabólico a origem da contagem das distâncias na direçãox coincide com

o ponto de injeção do jato ( no caso, a fronteira esquerda), tornando desnecessária a

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definição de uma origem virtual. O autor destaca que afastado da origem, a forma do

perfil inicial do jato deixa de ser significativa. Os valores deu descritos anteriormente

para a definição do perfil do jato correspondem ao ajuste de uma parábola em cinco

pontos adjacentes da grade, com o valor deu no ponto central igual aUJ , e nos pontos

extremos iguais aU1 . Nos demais pontos de grade ao longo da fronteira lateral esquerda

o valor deu foi definido como igual aU1. O valor dev ao longo da fronteira esquerda foi

ajustado como igual a zero em todos os pontos de grade.

Nas fronteiras superior e inferior o valor deu foi definido como igual aU1. Quanto

à componentev, ela foi definida utilizando o procedimento de Masen e Sykes [54], des-

crito pelas expressões 5.34 e 5.35. Entretanto, o critério neste caso foi de permitir o

escoamento de fluido para o interior do domínio, pois era esperado que houvesse entra-

nhamento ao longo do jato, tornando necessário o suprimento de fluido da região que o

circunda. No caso das expressões produzirem valores que indicassem a saída de fluido

do domínio, a componentev seria ajustada para o valor zero.

Na fronteira de saída do escoamento era esperado que houvesse movimento de flu-

ido apenas no sentido de saída do domínio. Logo, quaisquer partículas de fluido que

chegassem à fronteira de saída estariam vindo do interior do domínio, e teriam o valor de

u e v conhecidos nos dois passos de tempo anteriores. Dessa forma, ao invés de se pres-

crever o valor deu e v nos pontos de grade da fronteira de saída, essas variáveis foram

previstas a cada passo de tempo, utilizando as equações 4.9 e 4.10, respectivamente.

O valor da pressão foi mantido constante ao longo de toda a fronteira do domínio,

com um valor de 1.0 Pa. Nos pontos do interior do domínio a pressão foi calculada a

cada passo de tempo.

Os valores das componentes transversais à fronteira de52u e52v foram arbitradas

como sendo iguais a zero, e as componentes ao longo das fronteiras foram calculadas por

diferenças finitas centradas.

As interpolações espaciais foram cúbicas, centradas no interior do domínio, e cúbicas

descentradas ao longo das fronteiras.

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Na condição inicial o valor dev foi definido como igual a zero em todos os pontos do

domínio, e o valor deu foi definido ao longo de todo o domínio com o mesmo valor da

fronteira lateral esquerda (entrada do jato). Ou seja, foi atribuído o valor deUJ em todos

os pontos do eixo central do domínio, o valor de(U1 + 3UJ/4) nos pontos superiores

e inferiores adjacentes ao eixo central, e o valor deU1 nos demais pontos do domínio.

Este procedimento reduziu o tempo de processamento, pois permitiu que o estado quase

estacionário fosse atingido mais rapidamente do que se a condição inicial fosse de atribuir

u = U1 em todos os pontos do domínio, se injetasse o jato na fronteira de entrada, e se

aguardasse a sua propagação até a fronteira de saída.

Note que na condição inicial não é introduzido nenhum tipo de turbulência no escoa-

mento, que é laminar em todo o domínio. Além disso, o perfil de velocidade no ponto de

injeção do jato permanece constante durante toda a simulação. Dessa forma, a turbulên-

cia eventualmente presente no escoamento terá sido produzida naturalmente ao longo da

simulação, sem haver sido artificialmente prescrita ou imposta.

6.2.2 Simulação Numérica e Resultados

A simulação de um escoamento em um jato livre (JATO) empregando o método MAL,

utilizou os parâmetros de configuração apresentados na tabela 6.1 . Os valores deν e

ρ caracterizam ar na temperatura de 293 K, e o número de Reynolds foi calculado em

função da velocidade de entrada do jato no domínio.

Adotou-seU1 = 0.1UJ , que é próximo à relação adotada por Bradbury [56] em seus

experimentos. Na parte final do domínio a relaçãoU0/U1 ficou em torno de 2.5, que

é um valor relativamente baixo para caracterizarU0 � U1. Entretanto, comparando-se

com o valor deU0/U1 = 1.7 obtido por Bradbury, pode-se considerar que as condições

da simulação numérica não foram muito distintas das adotadas nos experimentos em

laboratório.

A duração do escoamento foi estabelecida em 30 s, de forma a garantir o estabeleci-

mento de um estado quase estacionário, bem como permitir o registro de séries de tempo

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Tabela 6.1: Parâmetros de configuração do experimento JATO.

Parâmetro Valor

Comprimento do domínio (LJ ) 5.0 mAltura do domínio 0.16 m

Espaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.1 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.001 m

Número de pontos de grade na direçãox (NX) 51Número de pontos de grade na direçãoy (NY) 161

Velocidade do escoamento livre (U1) 1.0 m/sVelocidade na saída do jato (UJ ) 10.0 m/s

Espessura do jato (h) 0.004 mPasso de tempo 1.44× 10−4s

Viscosidade cinemática do fluido (ν) 15.3× 10−6m2/sDensidade do fluido (ρ) 1.188Kg/m3

Número de Reynolds (UJh/ν) 2.61× 103

das componentes de velocidade adequadamente longas para a análise dos espectros de e-

nergia do escoamento. Definido-se a escala de tempo característica do escoamento como

TJ = LJ/UJ (0.5 s) , foi definido para o início da média o instanteT1 = 15TJ (7.5 s),

e o instante de término da simulação comoT2 = 60TJ (30.0 s). O comportamento do

escoamento no intervalo de tempo considerado para a obtenção das médias foi analisado

adotando-se um procedimento semelhante ao dos experimentos anteriores, enfocando as

evoluções temporais das seguintes variáveis:u em três pontos do eixo central do jato;

energia cinética média do domínioKEm; e enstrofia média do domínioEm; além da

verificação do valor médio da diferença relativaεu, descrita no item 5.3.2.1, utilizando

como referência os períodosTe1, limitado por 7.5 s <t ≤ 18.75 s, eTe2, limitado por

18.75 s <t < 30.0 s.

Na figura 6.3 são representadas as evoluções temporais deu nos pontos de grade lo-

calizados no eixo central do jato, nas posiçõesx1 = LJ/4, x2 = LJ/2, ex3 = 3LJ/4,

ao longo de todo o tempo de simulação. No início da simulação o valor deu cai rapida-

mente nos três pontos e logo após volta a aumentar, tendendo, posteriormente, a manter

um valor quase constante até o fim da simulação .

Na figura 6.4 é apresentada a evolução temporal da energia cinética média do domínio

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Figura 6.3: Evoluções temporais da componenteu em três pontos no eixo central daesteira, nas posiçõesx1 (linha contínua inferior) ax3 (linha contínua superior), no expe-rimento JATO.

Figura 6.4: Evolução temporal da energia cinética média do domínioKEm no experi-mento JATO.

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Figura 6.5: Evolução temporal da enstrofia média do domínioEm no experimento JATO.

KEm durante todo o período de simulação. Observa-se que no início da simulação há

uma rápida queda no valor deKEm, que posteriormente volta a aumentar, atingindo

um regime quase estacionário a partir do instantet = 4.0 s. Esse comportamento pode

ser interpretado como a redução de velocidade no eixo central logo após o início da

simulação, seguida do espalhamento do jato, que gradualmente acelera o escoamento em

torno do eixo central, até ser atingido um estado de equilíbrio.

A evolução temporal da enstrofia média do domínioEm é apresentada na figura 6.5.

Observa-se uma acentuada queda no início da simulação e, posteriomente, o comporta-

mento passa a ser quase estacionário, a partir do instante t = 3 s, aproximadamente. Essa

variação pode ser atribuída à redução do gradiente de velocidade existente ao longo do

eixo central do jato na condição inicial, por difusão turbulenta de quantidade de movi-

mento, relacionada ao espalhamento do jato.

Os gráficos de evolução deKEm e Em indicam que não houve a ocorrência de

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Figura 6.6: Campo de média da componente longitudinal da velocidadeu (m/s) para oexperimento JATO.

instabilidade não-linear durante a simulação.

O valor máximo deεu obtido no experimento JATO foi de 0.0009 %, indicando que

em todos os pontos do domínio a variação deu foi muito pequena durante o período de

obtenção das médias.

Com base nesses resultados, considerou-se que entre os instantest = 7.5 s et = 30.0 s

prevaleceu um regime quase estacionário no escoamento.

Na figura 6.6 é representado o campo deu obtido no experimento JATO. Considerando-

se a isótaca de 1.0 m/s, que corresponde à velocidade do escoamento livreU1, como re-

ferência para definição do limite do jato, pode-se verificar a quase simetria em relação ao

eixo central, com o espalhamento do jato ao longo do domínio. A velocidade no centro

do jato cai rapidamente no início do escoamento, atingindo um valor de 4.0 m/s próximo

à posiçãox = 2.0 m. A partir deste pontou varia mais lentamente ao longo da direçãox,

pois é esperado que haja uma variação deU0 proporcional ax−12 .

Na figura 6.7 é representado o campo dev para o experimento JATO. O gráfico foi

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Figura 6.7: Campo de média da componente transversal da velocidadev (m/s) para oexperimento JATO. As linhas contínuas representam valores positivos e as tracejadasvalores negativos. A linha branca tracejada corresponde à isótaca de 0.0 m/s.

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limitado na direção transversal à região onde ocorrem as variações mais significativas no

valor dessa variável. Note que o campo é quase simétrico em torno do eixo central do

jato. Ao longo da fronteira lateral esquerda (início do escoamento) observam-se duas

regiões de movimento convergente de fluido em direção ao eixo. Ao longo de todo o

escoamento, em torno do eixo central do jato, há escoamento descendente acima do eixo

e ascendente abaixo dele, com valores absolutos máximos próximo à abscissax = 0.6 m,

indicando a presença de entranhamento de fluido em toda a região adjacente ao eixo. Fora

da faixa de entranhamento,v é positiva na parte superior e negativa na parte inferior do

domínio. Esse comportamento dev é distinto do obtido nos experimentos de Bradbury

[56] e Gutmark e Wygnanski [59], nos quais o entranhamento ocorria na periferia do

jato. Essa diferença pode estar associada ao estabelecimento das condições de contorno

na fronteira superior e inferior, que permitem a livre entrada de fluido no domínio, o que

ocorre principalmente próximo à fronteira de entrada. O fluido que converge na direção

transversal é rapidamente advectado ao longo do eixo central, contribuindo para que o

entranhamento ocorra próximo a essa região, fazendo com que haja a conservação de

quantidade de movimento sem a necessidade de entranhamento pela periferia do jato.

Na figura 6.8 é representado o campo de anomalia média de pressãopa obtido no

experimento JATO, limitando-se o gráfico na direção transversal à região onde há vari-

ações relevantes. Observa-se que a quase simetria em torno do eixo central não é tão bem

caracterizada quanto nos campos deu e v, no entanto ela é, em termos gerais, bastante

razoável. No ponto de entrada do jato a anomalia de pressão é negativa, estendendo-se

até, aproximadamente,x = 1.0 m. Nas áreas adjacentes à região de anomalia negativa na

entrada do jato, há dois máximos locais (anomalia positiva). Na direçãox há um grada-

tivo aumento da pressão em todo o domínio. É importante destacar que no desenvolvi-

mento de Kundu [2] para obter a relação de conservação de quantidade de movimento em

um volume de controle em um jato, assume-se que a componente da força de gradiente

de pressão ao longo do eixox é nula. Uma vez que essa condição não foi imposta na

simulação numérica, pode haver algumas diferenças nos resultados obtidos em relação

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Figura 6.8: Campo de anomalia de pressãomédiapa (Pa) para o experimento JATO. Aslinhas tracejadas representam valores negativos. A linha tracejada branca indica anomaliaigual a 0.0

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Figura 6.9: Perfil longitudinal deU20 y1/2no experimento JATO.

ao previsto analiticamente. Na figura observa-se, também, que a variação longitudinal

de pressão mais acentuada ocorre próximo à posiçãox = 2.0 m, e que a partir daquela

posição a variação depa ocorre mais lentamente ao longo do escoamento.

No item 6.1 foi citado que a auto-similaridade do escoamento em um jato plano im-

plica na conservação do produtoU20 δ. Na figura 6.9 é apresentado o perfil longitudinal

deU20 δ (lembrando-se que, pela expressão 6.6,δ foi definida como sendo igual ay1/2)

obtido no experimento JATO. Nota-se que o valor da grandeza não é constante ao longo

da direçãox. A partir da posiçãox = 1.0 m o produto varia de 0.075, até 0.095 no final

do domínio. Considerando-se como valor de referência 0.085 (aproximadamente o valor

médio ao longo do perfil longitudinal) a variação foi de 0.02 (23.5 %).

Outras duas propriedades do escoamento auto-similar em um jato turbulento são as

relações de proporcionalidadeU0 ∝ x−12 , e y1/2 ∝ x. Na figura 6.10 é representado o

perfil longitudinal deU0 obtido no experimento JATO. O perfil modificado para a forma

1/U20 pode ser visto na figura 6.11 , onde a linha vermelha permite identificar a região

onde se observa a a relação de proporcionalidadeU0 ∝ x−12 , aproximadamente entre as

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Figura 6.10: Perfil longitudinal deU0 do experimento JATO.

Figura 6.11: Perfil longitudinal de1/U20 do experimento JATO. A linha vermelha indica

o ajuste de uma função linear entre as posiçõesx = 3.3 m ex = 5.0 m.

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Figura 6.12: Perfil longitudinal dey1/2 do experimento JATO. A linha vermelha indica oajuste de uma função linear entre as posiçõesx =3.3 m ex = 5.0 m.

posiçõesx = 3.3 m ex = 5.0 m. A variação longitudinal dey1/2 é apresentada na figura

6.12 . A linha vermelha destaca a relação de proprocionalidadey1/2 ∝ x , aproxima-

damente entre as posiçõesx = 3.3 m ex = 5.0 m. Pode-se considerar que as relações

de proporcionalidade obtidas analiticamente foram razoavelmente reproduzidas em uma

parte considerável do jato turbulento simulado numericamente.

Cabe agora avaliar se as condições de auto-similaridade do escoamento puderam ser

adequadamente replicadas pela simulação numérica. Para tal foram selecionadas cinco

posições ao longo do eixo central do jato, nas abscissasxj1 = 3.7 m,xj2 = 4.0 m,xj3

= 4.2 m, xj4 = 4.5 m, exj5 = 4.7 m, para verificação dos perfis transversais deu ,

abrangendo cerca de 20 % do domínio computacional. Apenas como referência, no tra-

balho de Bradbury[56] as estações de medição inicial e final estavam afastadas de 0.5 m

ao longo da direçãox.

Na figura 6.13 são representados os perfis de média da componente longitudinal da

velocidade normalizadaf(η) obtidos no experimento JATO, juntamente com os perfis

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Figura 6.13: Perfis transversais da média da componente longitudinal da velocidade nor-malizadaf(η) nas posiçõesxj1 (losangos pretos),xj2 (quadrados laranjas),xj3 (triângu-los verdes),xj4 (círculos pretos), exj5 (triângulos azuis), para o experimento JATO. Aslinhas tracejada azul e contínua vermelha representam as funções empíricas obtidas porBradbury [56] (equação 6.8) e Townsend [57] (equação 6.9), respectivamente.

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Figura 6.14: Evolução temporal da componenteu na posiçãox2 = LJ/2, no eixo centraldo jato.

das expressões 6.8 e 6.9, obtidos experimentalmente. Entreη = -0.5 eη = +0.5 os per-

fis da simulação são ligeiramente mais estreitos que os obtidos experimentalmente. A

partir dessas posições até os limites de representação (η = ±2.0) os perfis da simulação

mostram-se bem próximos à função obtida por Bradbury [56]. Também pode-se notar

que há uma boa superposição dos perfis, indicando que foi adequadamente reproduzida

a propriedade de auto-similaridade do escoamento.

Nas figuras 6.14 e 6.15 são representadas as evoluções temporais deu e v, respec-

tivamente, na posiçãox2 = LJ/2, sobre o eixo central do jato, no intervalo de tempo

de obtenção das médias. Em ambas figuras pode-se observar flutuações de alta fre-

quência nessas variáveis. Será feita a análise do espectro de energia dessas variáveis,

empregando-se a hipótese de Taylor (item A.7), visando verificar se existe uma interpre-

tação física para essas flutuações. Adotou-se o procedimento de dividir a série temporal

em 50 segmentos, calcular os espectros de energia de cada série individual, e posterior-

mente obter a média dos 50 espectros produzidos para representar o espectro de energia

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Figura 6.15: Evolução temporal da componentev na posiçãox2 = LJ/2, no eixo centraldo jato.

no ponto específico.

Na figura 6.16 são representados os espectros de energia da componente de veloci-

dadeu, baseados nas séries de tempo registradas nas abscissasx1 = LJ/4, x2 = LJ/2, e

x3 = 3LJ/4, sobre o eixo central do jato. Apesar de apresentar algumas irregularidades

na região de mais altas frequências (menores escalas), em uma faixa de frequências pouco

menor que uma década os espectros têm uma inclinação próxima a -3 na representação

log-log, que é característica da cascata direta de vorticidade em escoamentos turbulentos

bidimensionais (item A.6). A semelhança nos espectros indica que há homogeneidade

longitudinal na componentex da turbulência ao longo do eixo central do jato.

Na figura 6.17 são representados os espectros de energia da componentev da veloci-

dade nas mesmas posiçõesx1, x2, ex3 citadas acima, no eixo central do jato. Observa-se

que estes espectros apresentam bem menos irregularidades que os da componenteu. Na

região das menores escalas há uma faixa de frequências de pouco menos de uma década

onde se observa uma inclinação do espectro próxima a -3, também indicando a cascata

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Figura 6.16: Espectros de energia da componenteu nas posiçõesx1 = LJ/4 (linha con-tínua preta),x2 = LJ/2 (linha contínua azul), ex3 = 3LJ/4 (linha contínua vermelha),no eixo central do jato. A linha tracejada verde indica a inclinação -3. As unidades noseixos de frequências e energias são arbitrárias.

Figura 6.17: Mesmo que na figura 6.16, exceto que para a componentev.

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direta de vorticidade. Os espectros deu e v permitem supor, portanto, que a turbulência

é basicamente em decaimento no escoamento, em razão de ser observada apenas cascata

direta de vorticidade.

A semelhança dos espectros também indica que há homogeneidade na componente

transversal da turbulência ao longo eixo central do jato. Entretanto, na região de mais

altas frequências os espectros deu e v são razoavelmente diferentes, sugerindo que a

turbulência não é isotrópica nas menores escalas do escoamento no eixo central do jato.

Quanto ao esforço computacional, neste experimento foram utilizados 16473 s (4.58 h)

de tempo de CPU para a execução da simulação.

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Capítulo 7

O PROBLEMA DO ESCOAMENTO

EM UMA CAMADA DE MISTURA

7.1 Apresentação do problema

Uma camada de mistura plana é um escoamento que se forma entre duas correntes uni-

formes, quase paralelas, de velocidades diferentes,Uh eUl, (Ul ≤ Uh)[21]. Semelhan-

te ao jato plano, a direção dominante do escoamento éx, a coordenada transversal do

escoamento éy, e as estatísticas são independentes da coordenadaz. Na figura 7.1 é

representado, esquematicamente, o problema da camada de mistura plana.

Na camada de mistura estão presentes duas velocidades,Uh eUl. Consequentemente,

o escoamento depende do parâmetro adimensionalUl/Uh. Duas velocidades caracterís-

ticas podem ser definidas: a velocidade convectiva característica

Uc =1

2(Uh + Ul) (7.1)

e a diferença de velocidade característica

Us = Uh − Ul (7.2)

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Figura 7.1: Representação esquemática do problema da camada de mistura plana turbu-lenta.

Note que todas as velocidades mencionadas (Uh, Ul, Uc eUs) são constantes.

A espessura característica do escoamentoδ(x) pode ser definida de várias formas

diferentes, com base no perfil da média da componente longitudinal da velocidadeu(x, y).

Serão adotadas aqui as definições descritas por Pope [21].

Considerando0 < α < 1, pode-se definir uma posição transversalyα(x), medida

a partir da fronteira entre as correntes com velocidadesUl e Uh (y = y0), da seguinte

forma:

u(x, yα(x)) = Ul + α(Uh − Ul) (7.3)

A partir dessa expressão, define-se a espessura característica da camada de mistura

como

δ(x) = y0.9(x)− y0.1(x) (7.4)

Pode-se definir também a posição lateral de referênciayr(x) como

yr(x) =1

2[y0.9(x) + y0.1(x)] (7.5)

113

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A coordenada transversal normalizadaξ é então definida como

ξ =[y − yr(x)]

δ(x)(7.6)

e a média da componente longitudinal da velocidade normalizada é definida como

f(ξ) =(u− Uc)

Us(7.7)

Wygnanski e Fiedler [60] realizaram experimentos com uma camada de mistura tur-

bulenta bidimensional, ondeUl = 0 m/s eUh = 12 m/s. Foi utilizado um gerador

de turbulência (trip wire) a montante da região de mistura, visando reduzir a distância

necessária para a transição do escoamento para o regime turbulento. No experimento

pôde ser observado que a partir de uma certa distância do início do escoamento os perfis

deu normalizada eram auto-similares, e que a espessura da camada de mistura tinha um

crescimento linear em relação à direçãox. Foi observado também que o escoamento se

espalhou mais rapidamente para o lado quiescente da região de mistura (Ul = 0) que

para o lado de alta velocidade (Uh). Pope [21] destaca que no experimento o escoa-

mento mostrou-se assimétrico em relação ay0, e em relação aξ= 0. Ele também afirma

que o crescimento linear da camada de mistura é consequência da auto-similaridade do

escoamento.

Champagneet al. [61] realizaram experimentos com uma camada de mistura, com

Ul = 0 m/s eUh = 8 m/s, também empregando um gerador de turbulência a montante

da região de mistura. No experimento, a escala de comprimento de Kolmogorovη foi

avaliada como tendo um valor em torno de 0.1 mm na região central do escoamento. Os

resultados mostraram que os perfis normalizados deu tinham um comportamento auto-

similar a partir de uma certa distância do início do escoamento, e também foi observado

o crescimento linear da camada de mistura ao longo da direçãox.

Um ponto relevante abordado por esses autores é que não existe uma função universal

de auto-preservação para camadas de mistura, embora cada uma, individualmente, seja

114

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auto-preservante.

Pope [21] descreve um caso especial das camadas de mistura, que é o do limite

Us/Uc → 0, que corresponde aUl/Uh → 1. Essa condição produz a chamadacamada de

mistura temporal, que é estatisticamente simétrica em relação ay = y0 e independente

da coordenadax.

Rogers e Moser [62] realizaram uma simulação numérica direta (SND) de uma ca-

mada de mistura temporal, e observaram tanto o crescimento linear da espessura da ca-

mada de mistura quanto a auto-similiaridade dos perfis deu normalizados, ambas pro-

priedades em relação ao tempo. Os perfis deu normalizados mostravam-se simétricos

em relação aξ = 0.

Pope [21] observa que é difícil realizar experimentos em condições que se aproximem

do limiteUl/Uh → 1, que corresponde à camada de mistura temporal. Bell e Mehta [63]

realizaram experimentos com uma camada de mistura comUl/Uh = 0.6. O estudo

mostrou que as condições iniciais afetam a taxa de crescimento da camada de mistura

no espaço. Mais especificamente, a presença do gerador de turbulência no início do

escoamento fez com que a camada de mistura crescesse mais lentamente que no caso em

que o gerador de turbulência não foi empregado. Os autores também observaram a auto-

similaridade dos perfis deu normalizada, que mostraram-se aproximadamente simétricos

em relação aξ = 0.

Uma outra característica importante das camadas de mistura, apontada por Pope [21],

é a presença de entranhamento, onde fluido mais lento (Ul) é arrastado para região de

maior velocidade (Uh).

7.2 Solução Numérica

7.2.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno

Nos experimentos de simulação de camadas de mistura com o emprego do método MAL

o domínio computacional simula uma câmara retangular, na qual são injetadas duas cor-

115

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rentes paralelas, com velocidadesUl e Uh , cada uma abrangendo metade da altura do

domínio, na condição inicial.

A grade é uniforme ao longo dos eixosx ey, respectivamente, sendo os espaçamentos

∆x e∆y diferentes, com∆y � ∆x, buscando-se maior resolução na direção transversal

ao escoamento.

Para representar a entrada das correntes no domínio, na fronteira lateral esquerda

foram definidos os valores deu = Ul nos pontos de grade da base até o nível central do

domínio, eu = Uh do nível central até o topo do domínio. O valor da componentev foi

definido como sendo igual a zero na fronteira lateral esquerda. Esses valores deu e v,

que definem um escoamento laminar na entrada do domínio, foram mantidos constantes

durante toda a simulação. Logo, a presença de flutuações de alta frequência nas variáveis

no interior do domínio terão sido produzidas naturalmente ao longo da simulação, sem

haverem sido artificialmente impostas ou prescritas.

Nas fronteiras inferior e superior o valor deu foi prescrito como sendoUl e Uh ,

respectivamente, e o valor dev foi ajustado como igual a zero. Dessa forma, visava-se

atender nessas fronteiras a definição do escoamento em uma camada de mistura como

sendo paralelo à direçãox.

Na fronteira de saída a condição de contorno adotada foi a mesma da simulação do

jato plano, ou seja, os valores deu e v foram previstos a cada passo de tempo, utilizando

as equações 4.9 e 4.10, respectivamente.

Os valores das componentes transversais à fronteira de52u e52v foram arbitradas

como sendo iguais a zero, e as componentes ao longo das fronteiras foram calculadas por

diferenças finitas centradas.

As interpolações espaciais foram cúbicas centradas no interior do domínio, e cúbicas

descentradas ao longo das fronteiras.

Um dos objetivos dos experimentos foi avaliar se a simulação numérica pelo método

MAL se mantinha estável em diferentes condições do campo de pressão. Para tal, o

valor da pressão nas fronteiras foi ajustado de forma a reproduzir situações em que a

116

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Tabela 7.1: Parâmetros de configuração do experimento CAMADA 1.

Parâmetro Valor

Comprimento do domínio (Lc) 2.5 mAltura do domínio 0.16 m

Espaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.05 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.001 m

Número de pontos de grade na direçãox (NX) 51Número de pontos de grade na direçãoy (NY) 161

Velocidade da corrente inferior (Ul) 1.0 m/sVelocidade da corrente superior (Uh) 10.0 m/s

Passo de tempo 1.53×10−4 sViscosidade cinemática do fluido (ν) 15.3×10−6 m2/s

Densidade do fluido (ρ) 1.188 kg/m3

componente longitudinal da força de gradiente de pressão (f.g.p.) de fundo (background)

era oposta ao sentido do escoamento (gradiente adverso), neutra, ou no mesmo sentido do

escoamento (gradiente favorável). O valor dep foi fixado nas fronteiras lateral esquerda

e direita e ajustado de forma a variar linearmente ao longo da direçãox nas fronteiras

superior e inferior, mantendo-se esses valores constantes ao longo de toda a simulação.

Nos pontos do interior do domínio, o valor dep foi calculado a cada passo de tempo por

meio da equação 4.14.

Na condição inicial todos os pontos da metade inferior do domínio tiveram o valor de

u ajustado paraUl e os da metade superior foram ajustados paraUh. O valor dev inicial

foi definido como igual a zero em todos os pontos do domínio. O valor dep no interior

do domínio foi ajustado inicialmente para o da fronteira superior (igual ao da inferior)

ao longo da direção transversal, para todas as abscissasx. Ou seja, inicialmentep era

constante ao longo da direçãoy.

7.2.2 Simulações Numéricas e Resultados

A simulação numérica de uma camada de mistura turbulenta plana de referência (CA-

MADA 1) foi realizada utilizando os parâmetros apresentados na tabela 7.1 . Nesse

experimento o gradiente de pressão de fundo foi ajustado como nulo, com o valor da

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pressão igual a 10.0 Pa em todos os pontos de grade ao longo da fronteira. Foram re-

alizados outros dois experimentos visando avaliar o efeito da pressão na estabilidade

numérica do método, e nas propriedades da camada de mistura formada, utilizando tam-

bém os parâmetros da tabela 7.1. No experimento CAMADA 2 a pressão na fronteira

esquerda (entrada do escoamento) foi ajustada em 10.0 Pa e foi definida uma variação

linear decrescente da pressão ao longo da direçãox nas fronteiras superior e inferior,

sendo definido o valor de 9.0 Pa na fronteira direita (saída do escoamento). No caso, a

f.g.p. era favorável ao sentido do escoamento. No experimento CAMADA 3 a pressão

na fronteira esquerda também foi definida como 10.0 Pa ao longo das fronteiras superior

e inferior, no entanto, ela foi definida como linearmente crescente, chegando ao valor de

10.5 Pa na fronteira direita. Dessa forma, o sentido da f.g.p. de fundo era adverso ao do

escoamento.

O fluido simulado foi ar à temperatura de 293 K; e o tempo de CPU empregado no

experimento CAMADA 1 foi de 7188 s (2.0 horas).

A partir dos parâmetros do experimento pode-se verificar queUc = 5.5 m/s ,Us = 9.0

m/s, eUl/Uh = 0.1. Foi definida uma escala de tempo característica para o experimento

comoTc = Lc/Uc (0.45 s). O tempo total de simulação foi definido em 45Tc (20.45 s) e

as médias foram calculadas com valores registrados a partir do instante 6Tc (2.73 s).

Para verificar se no período de média do experimento CAMADA 1 havia sido es-

tabelecido um regime estatisticamente estacionário, foram examinadas, inicialmente, as

variações temporais deu em três pontos, localizados na ordenada do centro do domínio,

nas posiçõesx1 = Lc/4 , x2 = Lc/2 , ex3 = 3Lc/4 , apresentadas na figura 7.2 . Pode-se

observar que após uma rápida redução inicial, há um aumento no valor deu seguido de

um regime quase estacionário, a partir det = 1 s.

Na figura 7.3 são representadas as variações da energia cinética média do domínio

KEmnos experimentos CAMADA 1, CAMADA 2 e CAMADA 3. Observa-se que nos

três casos houve uma redução inicial deKEm, seguido de aumento, e posteriormente

de um regime quase estacionário. Pode-se notar queKEm é maior no caso em que a

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Figura 7.2: Evoluções temporais da componenteu em três pontos na ordenada central dodomínio, nas posiçõesx1 = Lc/4 (linha contínua inferior),x2 = Lc/2 , ex3 = 3Lc/4(linha contínua superior), no experimento CAMADA 1.

Figura 7.3: Evoluções temporais da energia cinética média do domínioKEm nos ex-perimentos CAMADA 1 (linha preta), CAMADA 2 (linha azul) e CAMADA 3 (linhavermelha).

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Figura 7.4: Evolução temporal da enstrofia média do domínio no experimento CA-MADA 1.

f.g.p. é favorável (CAMADA 2) e menor no caso em que a f.g.p. é adversa (CAMADA

3), indicando que houve, respectivamente, aceleração e desaceleração do escoamento

em relação à condição de gradiente de pressão de fundo neutro (CAMADA 1). Note

também que no caso da f.g.p. adversa, o estabelecimento do regime quase estacionário

foi ligeiramente mais lento que nos outros experimentos.

Na figura 7.4 é representada a evolução temporal da enstrofia médiaEm no expe-

rimento CAMADA 1 . Observa-se que há uma rápida redução deEm, seguida de um

regime quase estacionário, após o instantet = 1.0 s. A evolução deEmnesse experimento

foi praticamente a mesma observada nos experimentos CAMADA 2 e CAMADA 3, que

por essa razão não foram representadas.

Os gráficos de evolução deKEm e Em permitem concluir que as simulações não

apresentaram qualquer tipo de instabilidade numérica para as diferentes condições da

f.g.p.

O valor máximo da diferença relativa da média da componenteu, εu, no experimento

120

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Figura 7.5: Campo de média da componente longitudinal da velocidadeu (m/s) para oexperimento CAMADA 1.

CAMADA 1 foi de 0.15 %, mais alto que o obtido nos experimentos anteriores, provavel-

mente devido à presença de movimentos de período muito longo no domínio, que não

puderam ser completamente identificados no intervalo de tempo adotado para o cálculo

das médias (t = 2.73 s at = 20.45 s). Esse valor deεu, no entanto, pode ser conside-

rado como insignificante. Logo, considerou-se que no intervalo de tempo utilizado para

o cálculo das médias o escoamento encontrava-se em um regime estatisticamente esta-

cionário.

Na figura 7.5 é representado o campo da média da componente longitudinal de ve-

locidadeu obtido no experimento CAMADA 1. A representação foi limitada na direção

transversal à região de variações significativas emu. Observa-se que existe uma extensão

mais acentuada da camada de mistura para a região inferior, de menor velocidade (Ul), do

que para a região superior, de maior velocidade (Uh). Observa-se também que as isótacas

no início do escoamento são curvas e que, gradualmentte, vão se tornando mais retilíneas

ao longo da direçãox.

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Figura 7.6: Campo de média da componente transversal da velocidadev (m/s) para oexperimento CAMADA 1. As linhas contínuas representam valores positivos e as trace-jadas valores negativos. A linha branca contínua corresponde à isótaca de 0.0 m/s.

Na figura 7.6 é representado o campo de média da componente transversal da ve-

locidadev do experimento CAMADA 1, limitado verticalmente à região de variações

significativas. Podem-se identificar quatro regiões distintas: superior, com movimento

descendente; seguida de uma região de movimento ascendente, no centro do domínio;

abaixo dessa há uma região de movimento descendente; e na parte inferior do domínio

predomina movimento ascendente. Lembrando que o limite entre as correntes inferior e

superior está na ordenaday = 0.08 m, nota-se que ao longo da faixa central do domínio

prevalece movimento ascendente, que pode ser associado ao entranhamento de fluido

mais lento na corrente mais rápida, que flui na parte superior do domínio. No campo de

v também não há simetria em relação ao centro do domínio.

Os campos de anomalia da pressão média não apresentaram configurações significa-

tivas superpostas aos campos de pressão de fundo , para nenhuma das três condições de

f.g.p. simuladas. Por essa razão, eles não serão representados.

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Figura 7.7: Perfis longitudinais dey0.9 (triângulos),y0.5 (quadrados), ey0.1 (círculos) parao experimento CAMADA 1. As linhas vermelhas representam funções lineares ajustadasentre as posiçõesx = 1.5 m ex = 2.5 m.

No item 7.1 foi apresentada a característica de variação linear na espessura da camada

de mistura turbulenta em relação à direçãox, observada em vários experimentos. Na

figura 7.7 são representados os perfis longitudinais dey0.9, y0.5, ey0.1 (equação 7.3), obti-

dos no experimento CAMADA 1. É possível notar que existe um maior desenvolvimento

da camada de mistura na direção da corrente mais lenta, na parte inferior do domínio.

Também pode-se observar que no final do domínio, após a posiçãox = 1.5 m, os três per-

fis têm variação aproximadamente linear em relação ax, indicada pelas funções lineares

ajustadas aos perfis.

Na figura 7.8 são representados os perfis longitudinais da espessura característica

da camada de misturaδ (equação 7.4), para os experimentos CAMADA 1, CAMADA

2 e CAMADA 3. Nota-se que nas condições de f.g.p. neutra e adversa os perfis são

praticamente coincidentes, com o trecho identificado como de variação linear iniciando

na posiçãox = 1.6 m. No caso de f.g.p. favorável, o crescimento deδ é mais acentuado

que nos outros casos, e o trecho de variação linear é maior, iniciando na posiçãox = 1.3 m.

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Figura 7.8: Perfis longitudinais da espessura característica da camada de misturaδ paraos experimentos CAMADA 1 (linha preta), CAMADA 2 (linha azul), e CAMADA 3(linha vermelha).

Conclui-se, portanto, que o campo de pressão de fundo afeta o crescimento da camada

de mistura turbulenta plana.

Outra propriedade da camada de mistura turbulenta é a auto-similaridade dos perfis de

f(ξ), a média da componente longitudinal da velocidadeu normalizada, definida pela ex-

pressão 7.7. Para verificar essa propriedade, foram definidas cinco posições no domínio,

nas abscissasxc1 = 1.0 m,xc2 = 1.25 m,xc3 = 1.5 m,xc4 = 1.75 m, exc5 = 2.0 m, onde

foram obtidos os perfis def(ξ) no experimento CAMADA 1. Esses perfis são represen-

tados na figura 7.9 . Pode-se notar a assimetria dos perfis em relação aξ = 0. Observa-se

que há uma boa superposição dos perfis normalizados, indicando que a simulação con-

seguiu reproduzir adequadamente a característica de auto-preservação do escoamento.

Procurou-se também verificar se havia flutuações de alta frequência nas componentes

de velocidade no escoamento. Nas figuras 7.10 e 7.11 são representadas as variações tem-

porais das componentes de velocidadeu e v, respectivamente, na posiçãox2 = Lc/2, na

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Figura 7.9: Perfis transversais de média da componente longitudinal da velocidade nor-malizadaf(ξ) nas posiçõesxc1 (linha contínua preta),xc2 (círculos pretos),xc3 (círculosbrancos),xc4 (losangos azuis), exc5 (triângulos vermelhos), para o experimento CA-MADA 1.

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Figura 7.10: Evolução temporal da componenteu na posiçãox2 = Lc/2, na ordenadacentral do domínio, no experimento CAMADA 1.

Figura 7.11: Evolução temporal da componente vna posiçãox2 = Lc/2, na ordenadacentral do domínio, no experimento CAMADA 1.

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Figura 7.12: Espectros de energia da componenteu nas posiçõesx1 = Lc/4 (linha con-tínua preta),x2 = Lc/2 (linha contínua azul), ex3 = 3Lc/4 (linha contínua vermelha), naordenada central do domínio. A linha tracejada verde indica a inclinação -3. As unidadesnos eixos de frequências e energias são arbitrárias.

ordenada central do domínio (y = y0), no experimento CAMADA 1. Em ambos gráficos,

pode-se notar a presença de flutuações de alta frequência, indicando que o processo de

filtragem implícito na MAL não eliminou completamente os movimentos nas pequenas

escalas.

Foi feita a análise do espectro de energia das componentesu e v nas posiçõesx1,

x2, e x3, na ordenada do centro do domínio, a partir de séries de tempo registradas no

período adotado para a obtenção das médias, no experimento CAMADA 1. Empregou-

se o procedimento de divisão das séries temporais em 50 partes, e o posterior cálculo da

média dos 50 espectros obtidos para cada parte, semelhante ao adotado nos experimentos

anteriores.

Na figura 7.12 são apresentados os espectros de energia da componenteunas posições

x1, x2, ex3, no nível central do domínio. Observa-se que apenas uma pequena faixa de

frequências na região de menores escalas apresenta uma inclinação próxima a -3, que

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Figura 7.13: Espectros de energia da componentev nas posiçõesx1 = Lc/4 (linha con-tínua preta),x2 = Lc/2 (linha contínua azul), ex3 = 3Lc/4 (linha contínua vermelha),na ordenada central do domínio. As linhas tracejadas verdes indicam as inclinações -5/3e -3, identificadas próximo às respectivas linhas. As unidades nos eixos de frequências eenergias são arbitrárias.

caracteriza uma subregião inercial com cascata direta de vorticidade. Os espectros são

praticamente coincidentes nas médias e pequenas escalas, indicando que há homogenei-

dade na componente longitudinal da turbulência na direçãox, no nível central do domínio.

Na figura 7.13 são representados os espectros de energia da componentev , obtidos

nas posiçõesx1, x2, ex3, no nível central do domínio, no experimento CAMADA 1. Note

que neste nível foi identificado o entranhamento na camada de mistura. Existe uma faixa

de frequências nas menores escalas, abrangendo aproximadamente uma década, onde a

inclinação do espectro é aproximadamente -3, indicando uma subregião inercial onde há

cascata direta de vorticidade. É possível observar, também, que os espectros de energia

das posiçõesx2 e x3 mostram uma faixa de frequências na região das maiores escalas

onde a inclinação do espectro é próxima a -5/3, que caracteriza uma subregião inercial

onde há cascata inversa de energia. As regiões de menores escalas dos espectros também

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Figura 7.14: Perfis longitudinais dey0.9 (triângulos),y0.5 (quadrados), ey0.1 (círculos)para o experimento CAMADA 4. As linhas vermelhas representam funções linearesajustadas entre as posiçõesx = 1.5 m ex = 2.5 m.

são muito semelhantes, sugerindo homogeneidade dev nas pequenas escalas, ao longo

da direção longitudinal.

Pode-se, portanto, supor que nas posições analisadas a componenteu da turbulência

tem característica de decaimento, enquanto que a componentev atua tanto no decaimento

de energia quanto na alimentação de movimentos nas maiores escalas .

Um outro aspecto das camadas de mistura turbulentas abordada no item 7.1 foi a do

comportamento no limiteUl/Uh → 1 , onde se espera que haja simetria na camada de

mistura. A fim de verificar se essa característica conseguiria ser replicada pela simu-

lação empregando o método MAL, foi realizado um experimento (CAMADA 4), com

os parâmetros do experimento CAMADA 1, à exceção das velocidades das correntes,

que foram alteradas paraUl = 9.0 m/s eUh = 15.0 m/s. Esses valores são os mesmos

utilizados por Bell e Mehta [63], e definem uma razãoUl/Uh = 0.6.

Na figura 7.14 são representados os perfis longitudinais dey0.9, y0.5, e y0.1 do expe-

rimento CAMADA 4. Pode-se observar que os perfis dey0.9 e y0.1 são quase simétricos

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Figura 7.15: Perfis transversais de média da componente longitudinal da velocidade nor-malizadaf(ξ) nas posiçõesxc1 (linha contínua preta),xc2 (círculos pretos),xc3 (círculosbrancos),xc4 (losangos azuis), exc5 (triângulos vermelhos), para o experimento CA-MADA 4. A linha verde tracejada reproduz o perfil transversal def(ξ) do experimentoCAMADA 1.

em relação ay0.5. Além disso, os três perfis são aproximadamente lineares a partir da

posiçãox = 1.5 m.

Na figura 7.15 são representados os perfis normalizados deu para o experimento

CAMADA 4, obtidos nas posiçõesxc1 a xc5, definidas anteriormente. Na mesma figura

é representado o perfil def(ξ) do experimento CAMADA 1, para comparação.

Observa-se que no experimento CAMADA 4 também houve uma boa superposição

dos perfis normalizados deu, indicando a auto-similaridade do escoamento. Nota-se

também que o perfil aproximou-se significativamente de uma condição de simetria, in-

dicando que a simulação conseguiu replicar adequadamente a propriedade esperada na

condiçãoUl/Uh → 1, observada experimentalmente.

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Capítulo 8

O PROBLEMA DO ESCOAMENTO

EM UM CANAL

8.1 Apresentação do problema

Considere-se o estágio completamente desenvolvido1 de um escoamento estacionário en-

tre duas placas planas paralelas, de comprimentoL, espaçadas da distância2δ, formando

um canal longo (L � δ). O escoamento é forçado por um gradiente de pressão im-

posto externamente. O eixox está posicionado ao longo das placas e o eixoy transver-

sal ao escoamento. As características do escoamento são consideradas como constantes

na direçãox, e as derivadas em relação à direçãoz são nulas, de forma que o escoa-

mento é bidimensional. O escoamento descrito acima é chamado deescoamento plano

de Poiseuille.

Da análise das equações de Navier-Stokes nas condições descritas acima, conclui-se

que∂p/∂y = 0 ev = 0 em todo o domínio, e que a componente longitudinal do gradiente

de pressãodp/dx é constante.

A expressão para o perfil transversal da componente longitudinal da velocidadeu será

1Por estágio completamente desenvolvido entenda-se que está sendo considerada a região além doestágio de desenvolvimento, que ocorre próximo à entrada do canal.

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Figura 8.1: Representação esquemática de um escoamento em um canal.

a seguinte [2, 21]:

u =y

µ

dp

dx

(δ − y

2

)(8.1)

A magnitude da tensão de cizalhamentoτ será

τ = µdu

dy= (δ − y)

dp

dx(8.2)

que mostra queτ é linear em relação ay.

Kundu [2] destaca que o gradiente de pressão constante e a tensão de cizalhamento

linear em relação ay são resultados gerais para um escoamento totalmente desenvolvido

em um canal, e são válidos tanto para os escoamentos laminares quanto para os turbulen-

tos.

Pope [21] cita que, em um canal tridimensional, se a dimensão ao longo da direção

z for suficientemente grande comparada comδ, o escoamento será estatisticamente inde-

pendente dez podendo, portanto, ser considerado bidimensional. Na figura 8.1 é repre-

sentado esquematicamente um escoamento plano em um canal.

Os números de Reynolds adotados para caracterizar o escoamento são [21]

Rem =2δUmν

(8.3)

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Rec =Ucδ

ν(8.4)

ondeUc = u(y = δ) é a componente longitudinal da velocidade na ordenada central do

canal, eUm é avelocidade volumétrica(bulk velocity)

Um =1

δ

∫ δ

0u dy (8.5)

Um escoamento será laminar paraRem< 1350, e será totalmente turbulento para

Rem> 1800, embora efeitos de transição sejam evidentes atéRem = 3000 [21].

Kim et al. [64] adotaram o seguinte número de Reynolds para caracterizar um escoa-

mento em um canal

Reτ =uτδ

ν(8.6)

ondeuτ é velocidade de fricção (item A.9).

A tensão de cizalhamento na parede normalizada por uma velocidade de referência é

chamada decoeficiente de atrito superficial(skin friction coefficient). Com base emUc e

Um pode-se definir os coeficientes de atrito

Cf =τw

12ρU2

m

(8.7)

Cf0 =τw

12ρU2

c

(8.8)

ondeτw é a tensão de cizalhamento na parede (item A.9).

Kim et al. citam que escoamentos em canais vêm sendo estudados extensivamente,

com o intuito de aumentar o conhecimento sobre os mecanismos dos escoamentos turbu-

lentos na presença de fronteiras sólidas. Uma das vantagens apontadas por esses autores

é a simplicidade geométrica do canal, que favorece estudos tanto experimentais quanto

teóricos.

Wei e Willmarth [65] realizaram experimentos com o objetivo de estudar os efeitos

do número de Reynolds na estrutura dos escoamentos turbulentos em um canal. Após

133

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uma detalhada revisão bibliográfica sobre experimentos em escoamentos turbulentos, os

autores consideraram que havia a necessidade de um conjunto de dados de alta resolução

na região interior da camada limite próxima à parede do canal, abrangendo números

de Reynolds desde baixos até moderadamente altos. Para tal, eles realizaram quatro

experimentos abrangendoRec de 3000 até 40000. Entre as principais conclusões do

estudo, pode-se destacar que foi verificado que na região interior, a lei de normalização

das variáveis de perturbação (u′, v′) dependia deRec e também da geometria do canal,

uma vez que observou-se que as estruturas das regiões interiores das paredes opostas do

canal interagiam. Quanto à dependência do número de Reynolds na lei de normalização

das variáveis na região interior, Kimet al. [64] citam que tal dependência também se

verifica na lei logarítmica dos perfis médios de velocidade (item A.9).

Deardoff [66] realizou um trabalho pioneiro na simulação numérica de um escoa-

mento turbulento em um canal tridimensional, empregando simulação de grandes escalas

(SGE). Foram adotadas condições de contorno periódicas ao longo das direçõesx ez, um

procedimento que passou a ser largamente empregado em simulações de escoamentos

turbulentos em canais. Nas paredes do canal foram utilizadas condições de contorno que

representavam artificialmente a lei da parede, ao invés das condições de não deslizamento

(u =0) e impenetrabilidade (v =0).

No estudo de Kimet al. foi realizada a simulação do escoamento em um canal tridi-

mensional em baixo número de Reynols (Rec=3300), empregando-se simulação numérica

direta (SND). Os resultados desse trabalho vêm sendo frequentemente utilizados com

referência em estudos de turbulência próximo a paredes. Foram adotadas condições de

contorno periódicas ao longo das direçõesx ez. Nas paredes, entretanto, foram adotadas

as condições de não deslizamento e impenetrabilidade. As simulações foram limitadas

à condição de baixo número de Reynolds por limitações na capacidade computacional

disponível.

Sobre a resolução da grade junto à parede na simulação de escoamentos turbulentos

em um canal empregando SND, Pope [21] comenta que é necessário um espaçamento

134

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de cerca deδv/20 na direção transversal, ondeδv = ν/uτ é a escala viscosa. Esse

valor corresponde ay+= 0.05, ondey+ é a coordenada transversal normalizada porδv

(item A.9). Kim et al., por exemplo, empregaram uma grade onde o primeiro ponto

adjacente à parede do canal estava na ordenaday+≈ 0.05. Os autores consideraram que,

de maneira geral, a simulação foi capaz de replicar adequadamente diversas estatísticas da

turbulência, obtidas experimentalmente em condições semelhantes. Entretanto, na região

próxima à parede, foram observadas algumas discrepâncias, relacionadas à medição da

velocidade de fricçãouτ . Eles prosseguem citando que, quando os perfis de velocidade

média foram renormalizados empregando-se os valores deuτ obtidos experimentalmente,

passou a haver uma concordância muito boa dos perfis simulados com os experimentais.

Moseret al. [67], posteriormente, estenderam as simulações numéricas de escoa-

mentos turbulentos em canais com o uso de SND para número de ReynoldsReτ até 590,

e colocaram os resultados de seu estudo à disposição da comunidade científica em uma

página da Internet [68].

Hugheset al. [69] simularam numericamente escoamentos em um canal turbulento

com números de Reynolds baixos (Reτ=180) em duas e três dimensões, e moderados

(Reτ=395) em duas dimensões, empregando SGE com a formulação multiescala varia-

cional. O método baseia-se no conceito de separação do movimento em escalas grandes

e pequenas resolvidas, e escalas pequenas não resolvidas. O efeito das escalas pequenas

não resolvidas nas equações das escalas pequenas resolvidas é modelado por um termo

de viscosidade turbulenta. Nas equações das escalas grandes, entretanto, o efeito das

escalas pequenas não resolvidas é omitido.

Nesse trabalho destacam-se as afirmações dos autores de que em SGE os seguintes

procedimentos são inviáveis para a simulação de escoamentos turbulentos com fronteiras

sólidas: emprego de um coeficiente de Smagorinsky constante; não utilização de uma

função de atenuação para a região próxima à parede; e uso das equações de Navier-Stokes

sem nenhum tipo de modelo que represente o efeito das menores escalas não resolvidas

pela grade.

135

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Nas simulações foram empregadas grades de resolução espacial variável, onde o

primeiro ponto adjacente à parede do canal estava a uma distância correspondente a

y+ = 0.486, que é cerca de 10 vezes maior que o requisito de resolução mínima para

SND citado acima. A conclusão do estudo foi de que os resultados tiveram uma boa

acurácia quando comparados com dados obtidos em simulações empregando SND.

Dois pontos relevantes sobre a simulação numérica da transição de um escoamento

do regime laminar para o turbulento são abordados por Lesieur e Métais em sua revisão

do método SGE [70]. Esses autores citam que os modelos subgrade de Smagorinsky e

de função de estrutura são incapazes de representar a transição do regime laminar para o

turbulento em uma camada limite, sendo que o último, de maneira geral, não se comporta

bem na simulação de um escoamento em um canal. Eles também destacam que embora a

SND seja capaz de simular o estágio inicial da transição de um escoamento, a simulação

eventualmente torna-se instável, devido à resolução espacial ser insuficiente.

8.2 Solução Numérica

8.2.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno

Nos experimentos de simulação de escoamentos turbulentos em canais com o emprego

do método MAL o domínio computacional simula um canal de altura uniforme, com a

entrada de fluido na fronteira esquerda.

A grade é uniforme ao longo dos eixosx ey, respectivamente, sendo os espaçamentos

∆x e∆y diferentes, com∆y � ∆x, visando obter maior resolução na direção transver-

sal ao escoamento, bem como atender à relaçãoδ/L� 1.

Ao longo da fronteira esquerda, a componenteu foi definida nos pontos de grade

de acordo com a expressão 8.1, a partir dos parâmetros de configuração do experimento

δ, dp/dx e ν e ρ, de forma a representar um escoamento laminar completamente de-

senvolvido na entrada do canal. Esse valores foram mantidos constantes durante toda a

simulação. A componentev foi ajustada como igual a zero na entrada do canal, de forma

136

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que o escoamento é paralelo às paredes na fronteira esquerda. Dessa forma, eventuais

flutuações de pequena escala nas variáveis no interior do domínio terão se desenvolvido

naturalmente durante a simulação, sem que tenham sido artificialmente impostas ou pres-

critas.

Na fronteira de saída, as condições de contorno adotadas parau ev foram as mesmas

das simulações do jato plano e da camada de mistura, com as componentes de veloci-

dade sendo previstas a cada passo de tempo com o emprego das equações 4.9 e 4.10,

respectivamente.

Note que, diferentemente do procedimento normalmente adotado em simulações numéri-

cas de escoamentos turbulentos em canais com o emprego de SND e SGE, as condições

de contorno na direção longitudinal não são periódicas.

Nas fronteiras superior e inferior foram adotadas as condições de não deslizamento

(u = 0) e impenetrabilidade (v = 0) do escoamento.

Nas fronteiras de entrada e saída os valores das componentes de52u e52v transver-

sais às fronteiras foram arbitradas como sendo iguais a zero, e as componentes ao longo

das fronteiras foram calculadas por diferenças centradas. Nas paredes do canal foram

adotadas as condições de compatibilidade na parede [50]

∇2uw =1

µ

(∂p

∂x

)w

(8.9)

∇2vw =1

µ

(∂p

∂y

)w

(8.10)

onde o subscritow representa valores sobre a parede.

A pressão nas paredes foi prescrita, decrescendo linearmente no sentido do escoa-

mento, de forma que as fronteiras longitudinais atendessem ao requisito dedp/dxcons-

tante em um escoamento totalmente desenvolvido em um canal. Ao longo das fronteiras

de entrada e saída os valores da pressão foram definidos como constantes ao longo da

direção transversal, com os mesmos valores das extremidades inicial e final das paredes

do canal, respectivamente, sem se alterarem durante a simulação. No interior do domínio

137

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a pressão foi calculada a cada passo de tempo empregando-se a equação 4.14.

As interpolações espaciais foram cúbicas centradas, no interior do domínio, e cúbicas

descentradas ao longo das fronteiras.

Na condição inicial todos os pontos do interior do domínio tiveram os valores deu

e v ajustados para os mesmos valores da fronteira de entrada do escoamento. Para cada

abscissax o valor inicial da pressão no interior do domínio foi ajustado para o da fronteira

superior (o mesmo da inferior) ao longo da direção transversal.

8.2.2 Simulações Numéricas e Resultados

8.2.2.1 Experimento CANAL 1

O primeiro experimento simulando um escoamento turbulento em um canal, empregando

o método MAL (CANAL 1) enfocou a condição de baixo número de Reynolds. Simular

esta condição é interessante em vista de estar disponível na literatura um grande número

de estudos numéricos de escoamentos em baixosRe.Entre eles, destaca-se o trabalho de

Kim et al. [64], já citado.

Um ponto relevante a se comentar é que simulações de escoamentos em canais são

normalmente realizadas em três dimensões, adotando condições de contorno periódicas,

assumindo-se que o escoamento é homogêneo nas direçõesx ez. Para a análise dos resul-

tados desses experimentos são obtidas médias das variáveis nas direções homogêneas (x

ez) e essas médias são consideradas como representativas do escoamento como um todo.

No presente estudo, as simulações serão realizadas para um canal bidimensional (x-y) e

não serão empregadas condições de contorno periódicas. Consequentemente, espera-se

que as médias temporaisu, v , e p apresentem variações longitudinais, tornando o em-

prego de médias ao longo da direçãox inadequado para análise. Logo, a comparação dos

presentes resultados com os disponíveis na literatura deverá ser feita atentando para essa

importante diferença.

Na tabela 8.1 são apresentados os parâmetros de configuração utilizados no expe-

rimento CANAL 1. A velocidade no eixo central do canal (y = δ) e os números de

138

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Tabela 8.1: Parâmetros de configuração do experimento CANAL 1.

Parâmetro Valor

Comprimento do domínio (Lcn) 5.0 mAltura do domíno (2δ) 0.025 m

Espaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.1 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.00025 m

Número de pontos de grade na direçãox (NX) 51Número de pontos de grade na direçãoy (NY) 101

Pressão na entrada do escoamento 10 PaGradiente longitudinal de pressão (dp/dx) -1.2 Pa/m

Viscosidade cinemática do fluido (ν) 15.3×10−6 m2/sDensidade do fluido (ρ) 1.188kg/m3

Passo de tempo 1.38×10−4 sVelocidade no eixo central do canal (Uc) 5.16 m/s

Rem 7401Rec 4214Reτ 237

Reynolds referem-se à posiçãox = Lcn/2 (2.5 m). O fluido simulado foi ar na temperatu-

ra de 293 K. O tempo de CPU empregado foi de 18535 s (5.2 horas). Esse tempo poderia

ter sido significativamente reduzido caso fosse empregada uma grade com espaçamento

variável ao longo da direção transversal, privilegiando a resolução na região próxima à

parede, e reduzindo o número de pontos do domínio computacional. Esse procedimento

não foi adotado neste estudo por conveniência na utilização da estrutura básica do código

computacional na simulação de escoamentos de características distintas. Apesar disso,

a demanda computacional pode ser considerada como baixa, levando em consideração

que foi empregado um computador de desempenho bastante modesto (processador AMD

Athlon XP 2000, 1.67 GHz, 1GB RAM).

A razãoLcn/δ no experimento CANAL 1 teve valor igual a 400, que é razoável. Kim

et al. citam que foram realizados experimentos em canais com a razãoLcn/δ variando

desde 86 até 450.

Definindo-se a escala de tempo característica do escoamento comoTcn = Lcn/Uc

(0.97 s), o tempo total de escoamento simulado foi de 70Tcn(67.86 s), e as médias tem-

porais foram calculadas com valores registrados a partir de 10Tcn (9.69 s).

139

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Figura 8.2: Evoluções temporais da componenteu em três pontos de grade, na abscissax = Lcn/2 (2.5 m), e nas ordenadasy = 0.00025 m (linha inferior),y = 0.00125 m, ey = δ (linha superior), no experimento CANAL 1.

A verificação do estabelecimento de um regime estatisticamente estacionário iniciou

pela análise das variações temporais da componenteu em três pontos de grade, na abscis-

sax = Lcn/2 (2.5 m), nas ordenadas do primeiro ponto de grade adjacente à parede

inferior (y = 0.00025 m), no quinto ponto de grade (y = 0.00125 m), e no eixo central

do canal (y = δ), apresentadas na figura 8.2 . Observa-se que nos três pontos houve um

aumento no valor deu no início da simulação, seguido do estabelecimento de um regime

quase estacionário, a partir det = 5 s.

Nas figuras 8.3 e 8.4 são apresentadas as evoluções temporais da energia cinética

média do domínioKEme da enstrofia média do domínioEm , respectivamente. Pode-se

observar que em ambos gráficos há um aumento inicial nessas variáveis, seguindo-se do

estabelecimento de um regime quase estacionário apóst = 7 s. Os gráficos indicam que

não ocorreu instabilidade numérica ao longo da simulação no experimento CANAL 1.

O valor máximo da diferença relativa da média da componente longitudinal da ve-

locidadeu, εu, foi de 0.14 %, calculada considerando os intervalos de tempoTcn1,

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Figura 8.3: Evolução temporal da energia cinética média do domínioKEm no experi-mento CANAL 1.

Figura 8.4: Evolução temporal da enstrofia média do domínioEm no experimentoCANAL 1.

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Figura 8.5: Campo de média da componente longitudinal da velocidadeu (m/s) do ex-perimento CANAL 1.

9.69 s< t ≤ 38.78 s, eTcn2 < t ≤ 67.86 s.

À luz dos resultados obtidos considerou-se que no intervalo de tempo adotado para a

obtenção das médias temporais prevaleceu um regime quase estacionário no escoamento.

Na figura 8.5 é representado o campo deu obtido no experimento CANAL 1. Observa-

se que o campo é quase simétrico em relação ao centro do canal, e que as isótacas apre-

sentam variação longitudinal, aproximando-se das paredes do canal no sentido do escoa-

mento. Lembrando que o perfil de velocidade é laminar na entrada do canal, o compor-

tamento das isótacas deu indica que a simulação foi capaz de representar a transição do

escoamento do regime laminar para o turbulento.

Na figura 8.6 é representado o campo dev obtido no experimento CANAL 1. Observa-

se que o campo é quase simétrico em relação ao eixo central do canal. Nas proximidades

das paredes do canalv aumenta até a posiçãox = 2.75 m, a partir da qual passa a diminuir

no sentido do escoamento. A partir dex = 4.1 m não há variações significativas na direção

longitudinal, exceto junto à fronteira de saída, próximo à parede, que pode ser associada

a algum problema na condição de contorno de saída do escoamento. Entretanto, não há

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Figura 8.6: Campo de média da componente transversal da velocidadev (m/s) do expe-rimento CANAL 1. As linhas contínuas representam valores positivos e as linhas trace-jadas valores negativos. A linha tracejada amarela indica a isótacav = 0.

evidência de que tal problema tenha afetado o interior do domínio.

É importante notar que o comportamento dev é distinto do definido na análise teórica,

que prevêv = 0 em todo o domínio.

Na figura 8.7 é representado o campo de anomalia de pressão médiapa do experi-

mento CANAL 1, limitado à metade inferior, em vista da quase simetria em relação ao

eixo central. Observa-se que a anomalia de pressão é ondulatória na direção longitudinal,

com amplitude muito pequena, e que praticamente não há variações na direção transver-

sal, como previsto na análise teórica, exceto imediatamente junto à parede. A partir da

posiçãox = 3.9 m não há variação longitudinal empa, indicando quedp/dxé constante

nessa região.

Kundu [2] cita que uma camada limite turbulenta é “mais cheia” que uma camada

limite laminar, possuindo maior energia. O “enchimento” da camada é caracterizado

pelo aumento do gradiente da componenteu na direção transversal, próximo à parede.

Na figura 8.8 são representados os perfis transversais deu do experimento CANAL 1, nas

posiçõesx = 0 (entrada do canal),x = Lcn/2 (2.5 m), ex = 4Lcn/5(4.0 m). Observa-se

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Figura 8.7: Campo de anomalia de pressão médiapa (Pa) do experimento CANAL 1. Aslinhas tracejadas amarelas indicam as regiões ondepa = 0.

Figura 8.8: Perfis transversais deu nas posiçõesx = 0 (linha contínua fina preta),x = Lcn/2 (linha tracejada azul) ex = 4Lcn/5 (linha contínua grossa vermelha) no ex-perimento CANAL 1.

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Figura 8.9: Perfil longitudinal do fator de formaH12 do experimento CANAL 1.

que existe uma significativa mudança no perfil, desde a condição laminar da entrada até

a situação de turbulência desenvolvida, no final do canal, onde o gradiente transversal de

u é acentuadamente maior que na entrada.

Schlichtinget al. [50] citam que em camadas limites em transição sobre placas

planas, além de haver mudança na distribuição transversal da velocidade, existe uma

significativa redução no chamadofator de formaH12 = δ1/δ2, ondeδ1 é a espessura de

deslocamento (item A.8.1) eδ2 é a espessura de quantidade de movimento (item A.8.2).

De acordo com esses autores, para camadas limites em placas planasH12 = 2.59 na região

laminar eH12≈ 1.4 na região turbulenta. Na figura 8.9 é apresentado o perfil longitudinal

de fator de formaH12 obtido no experimento CANAL 1. Observa-se que na entrada do

escoamento (perfil laminar)H12 = 2.5, e que ele decresce ao valor deH12 ≈1.55 em

torno da posiçãox = 2.6 m, e a partir daquela posição tem uma variação longitudinal

relativamente pequena. Na fronteira de saída do canal há uma oscilação brusca no valor

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Figura 8.10: Perfis longitudinais dos coeficientes de atritoCf (círculos brancos) eCf0

(círculos pretos) obtidos no experimento CANAL 1.

deH12 , possivelmente relacionada a algum problema na condição de contorno naquela

fronteira. A variação deH12 observada é consistente com o esperado na transição de

regime laminar para turbulento.

Pope [21] cita que já foi observado experimentalmente que em escoamentos em

canais o valor do coeficiente de atrito aumenta na transição de regime laminar para tur-

bulento, e que em regime turbulento ele diminui à medida que o número de Reynolds

aumenta. Na figura 8.10 são representados os perfis longitudinais dos coeficientes de

atritoCf eCf0 obtidos no experimento CANAL 1. O gráfico deCf mostra crescimento

na parte inicial do canal, onde há a transição, e a partir dex = 2.8 m mostra uma ligeira

redução. O gráfico deCf0 mostra crescimento atéx = 3.5 m, e mantém-se praticamnte

constante a partir daquela posição.

Kim et al. [64] calcularam médias de variáveis do escoamento em sua simulação

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Tabela 8.2: Valores de variáveis do escoamento nas simulações de Kimet al.,e no expe-rimento CANAL 1.

Variável Kim et al. CANAL 1 (x = 2.5 m) Diferença relativa (%)

Reτ 180 237 -Rec 3300 4213 -Rem 5600 7401 -Uc/Um 1.16 1.16 -Um/Uτ 15.63 15.61 -0.13Uc/Uτ 18.20 18.12 -0.44

Cf 8.18×10−3 8.21×10−3 +0.37Cf0 6.04×10−3 6.09×10−3 +0.83δ1/δ 0.141 0.138 -2.13δ2/δ 0.087 0.088 +1.15H12 1.62 1.57 -3.09

numérica do escoamento em um canal em baixo número de Reynolds, e as comparou

com resultados experimentais obtidos por Dean [71], e consideraram que os resulta-

dos numéricos tiveram concordância boa a excelente com os valores experimentais. Os

números de Reynolds de referência do experimento CANAL 1 são cerca de 30 % maiores

que os do experimento de Kimet al. Apesar disso, as condições do escoamento ainda

podem ser consideradas como de baixoRe.Os valores das estatísticas de Kimet al. são

referentes a médias tomadas nas direçõesx e z, enquanto que no experimento CANAL

1 as estatísticas variam ao longo dex. Para se fazer a comparação dessas estatísticas foi

selecionado no experimento CANAL 1 o pontox = 2.5 m, ao qual se referem os números

de Reynolds característicos do escoamento. Nesse ponto a razãoUc/Um = 1.16, que é

igual ao valor característico do experimento de Kimet al. A comparação é apresentada

na tabela 8.2, e mostra que houve uma boa concordância nos valores médios das vari-

áveis do escoamento obtidos por Kimet al. com os valores na posiçãox = 2.5 m do

experimento CANAL 1.

Um aspecto importante a ser avaliado em uma simulação numérica de um escoamento

turbulento em um canal é a habilidade na representação do perfil da componente longi-

tudinal da velocidadeu na região próxima à fronteira sólida, definido pela lei da parede,

descrita no item A.9. No estudo de Kimet al. o perfil deu obtido apresentava uma ligeira

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Figura 8.11: Perfis transversais deu+nas posiçõesx1 = 2.2 m (losangos brancos),x2 = 2.5 m (círculos e linha tracejada fina azuis),x3 = 2.7 m (triângulos vermelhos),x4 = 3.0 m (quadrados verdes), ex5 = 3.2 m (cruzes roxas), obtidos no experimentoCANAL 1. Também são representados o perfil deu+de Kim et al. emReτ= 180, semcorreção (linha tracejada vermelha grossa), e as funções da lei da parede.

diferença em relação a valores obtidos experimentalmente. Os autores consideraram que

a não concordância dos perfis deveu-se a uma diferença no valor da velocidade de fricção

uτ , que normalizau e a distância à paredey. O problema foi solucionado pelo aumento

em 6 % do valor deuτ da simulação numérica, que assim passou a ter o valor que foi

obtido experimentalmente. Com esse procedimento de ajuste os perfis experimental e

simulado numericamente passaram a ter uma boa concordância.

Na figura 8.11 são apresentados os perfis deu+(u normalizada) na região próxima à

parede inferior nas posiçõesx1 = 2.2 m,x2 = 2.5 m,x3 = 2.7 m,x4 = 3.0 m, ex5 = 3.2 m,

obtidos no experimento CANAL 1. Na mesma figura são apresentadas as funções da lei

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Figura 8.12: Evolução temporal da componenteu na posiçãox = 2.2 m,y = 0.00375 m.

da parede, e o perfil original deu+do experimento de Kimet al. [68] emReτ= 180, antes

de ser efetuado o ajuste deuτ . Pode-se observar que nessas posições houve uma boa

concordância dos perfis entre si, e com a lei da parede. A região logarítmica nos perfis

de velocidade do experimento CANAL 1 representados abrange, aproximadamente, de

y+ = 30 atéy+ = 250. Vale destacar que não foi necessário aplicar qualquer ajuste nos

perfis do experimento CANAL 1 apresentados na figura.

Um ponto interessante a citar é que, nos perfis da figura 8.11, o primeiro ponto de

grade imediatamente acima da parede inferior do canal está, aproximadamente, na orde-

naday+ = 4.7. Este valor é cerca de 90 vezes o espaçamento mínimo dey+ = 0.05 uti-

lizado na SND de Kimet al., e cerca de nove vezes o espaçamento mínimo dey+ = 0.486

empregado na SGE de Hugheset al. [69]. Vale lembrar que no método MAL não é

adotado nenhum tipo de modelo ou parametrização para representar o efeito das escalas

não resolvidas pela grade.

No experimento CANAL 1 procurou-se também analisar as flutuações temporais das

componentes da velocidadeu ev. Nas figuras 8.12 e 8.13 são representados os valores de

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Figura 8.13: Evolução temporal da componentev na posiçãox = 2.2 m,y = 0.00375 m.

u ev, respectivamente, no período de obtenção das médias, na posiçãox = 2.2 m, na orde-

nada do décimo quinto ponto de grade acima da parede inferior do canal, que corresponde

a y = 0.00375 m. Em ambos gráficos verificam-se variações de alta frequência. Foi feita

a análise do espectro de energia deu e v a partir de séries temporais registradas em três

pontos de grade localizados na abscissax = 2.2 m, e nas ordenadasycn1 = 0.00025 m,

ycn2 = 0.00075 m, eycn3 = 0.00375 m, que correspondem aos primeiro, terceiro e décimo

quinto pontos de grade a partir da parede inferior do canal. Usando como referência a

figura 8.11 verifica-se que esses pontos estão localizados na subcamada viscosa (ycn1),

na camada intermediária (ycn2), e na região da lei logarítmica (ycn3) da camada limite

próxima à parede. Adotou-se na análise a hipótese de Taylor, e o procedimento de dividir

a série temporal em 50 segmentos, calcular os espectros de energia para cada série, e

obter-se a média dos 50 espectros produzidos para representar o espectro de energia no

ponto específico.

Na figura 8.14 são representados os espectros de energia da componenteunas posições

especificadas acima. Observa-se que em nenhum dos três gráficos ficou claramente e-

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Figura 8.14: Espectros de energia da componenteu nos pontos de grade na abscissax = 2.2 m, e nas ordenadasycn1 = 0.00025 m (linha preta) ,ycn2 = 0.00075 m (linha azul), eycn3 = 0.00375 m (linha vermelha). As unidades nos eixos de frequências e energiassão arbitrárias.

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Figura 8.15: Espectros de energia da componentev nos pontos de grade na abscissax = 2.2 m, e nas ordenadasycn1 = 0.00025 m (linha preta) ,ycn2 = 0.00075 m (linha azul), eycn3 = 0.00375 m (linha vermelha). A linha tracejada verde indica a inclinação -3. Asunidades nos eixos de frequências e energias são arbitrárias.

videnciada a presença de cascata de energia inversa ou cascata de vorticidade direta.

Pode-se supor, portanto, que os efeitos inerciais não são relevantes na componenteu nos

pontos analisados. Os espectros de energia possuem aspectos bastante distintos, particu-

larmente na região das menores escalas, indicando que não há homogeneidade na direção

transversal à parede.

Na figura 8.15 são representados os espectros de energia da componentevnas posições

especificadas acima. Observa-se que na região de mais altas frequências os espectros têm

inclinação próxima a -3, especialmente na camada intermediária (ycn2) e na região loga-

rítmica (ycn3), abrangendo cerca de meia década e uma década, respectivamente. Esse

resultado indica que existe uma subregião inercial onde ocorre cascata direta de vortici-

dade, das maiores para as menores escalas.

É interessante observar que os espectros de energia dev são bem mais parecidos entre

si que os deu, indicando que a homogeneidade transversal é mais caracterizada na com-

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Tabela 8.3: Parâmetros de configuração dos experimentos CANAL 2 e CANAL 3.

Parâmetro CANAL 2 CANAL 3

Comprimento do domínio (Lcn) 6.2 m 7.0 mAltura do domíno (2δ) 0.035 m 0.04 m

Espaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.1 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.00025 m

Número de pontos de grade na direçãox (NX) 63 71Número de pontos de grade na direçãoy (NY) 141 161

Pressão na entrada do escoamento 8.95 Pa 8.8 PaGradiente longitudinal de pressão (dp/dx) -0.87 Pa/m -0.75 Pa/m

Viscosidade cinemática do fluido (ν) 15.3×10−6 m2/sDensidade do fluido (ρ) 1.188kg/m3

Passo de tempo 8.75×10−5 s 7.10×10−5 sVelocidade no eixo central do canal (Uc) 7.30 m/s 8.30 m/s

Rem 14266 18525Rec 8346 10849Reτ 409 517

ponentev. Além disso, como os espectros deu ev são bastante distintos nos três pontos,

pode-se considerar que não existe isotropia no escoamento nas posições analisadas.

8.2.2.2 Experimentos CANAL 2 e CANAL 3

Os experimentos CANAL 2 e CANAL 3 foram realizados visando verificar o comporta-

mento do método MAL na simulação de escoamentos turbulentos em canais, em números

de Reynolds moderados. Na tabela 8.3 são apresentados os parâmetros de configuração

empregados nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3. As velocidades no eixo central

do canal e os números de Reynolds referem-se à posiçãox = Lcn/2 (3.1 m para o exper-

imento CANAL 2, e 3.5 m para o experimento CANAL 3). O fluido simulado foi ar na

temperatura de 293 K.

Os tempos de CPU empregados foram de 14532 s (4.0 h) no experimento CANAL

2, e 23092 s (6.4 h) no experimento CANAL 3. As diferenças desses tempos em relação

ao experimento CANAL 1 foram relativamente pequenas, apesar dos domínios maiores

e passos de tempo menores. Isto ocorreu porque as simulações CANAL 2 e CANAL 3

foram para períodos mais curtos, em virtude de se pretender apenas analisar as médias

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das variáveis do escoamento, e não realizar a análise espectral em pontos do domínio, o

que demandaria uma simulação mais longa para se obter uma série de tempo apropriada

para subdivisão em 50 segmentos de tamanho razoável.

As razõesLcn/δ foram iguais a 354 no experimento CANAL 2, e 350 no experimento

CANAL 3, que são aproximadamente 12 % menores que a do experimento CANAL 1.

As escalas de tempo características dos escoamentos foramTcn = 0.85 s para CANAL

2, eTcn = 0.84 s para CANAL 3. No experimento CANAL 2 o tempo de escoamento

simulado foi de 24Tcn (20.39 s) e no experimento CANAL 3 foi de 24Tcn (20.24 s). As

médias das variáveis foram calculadas com valores registrados a partir de 8Tcn (6.80 s)

no experimento CANAL 2, e 8Tcn (6.75 s) no experimento CANAL 3.

A verificação do estabelecimento de regime quase estacionário seguiu o mesmo pro-

cedimento do experimento CANAL 1. As evoluções temporais da componenteu em

três pontos do domínio nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3 foram semelhantes às

observadas no experimento CANAL 1, e por essa razão deixam de ser apresentadas.

As evoluções temporais da energia cinética média do domínioKEm e da enstrofia

média do domínioEm nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3 são representadas nas

figuras 8.16 e 8.17, respectivamente. Em ambas figuras observa-se um aumento inicial

no valor das variáveis, seguindo-se do estabelecimento de um regime quase estacionário.

Verifica-se, portanto, que não ocorreu instabilidade numérica nas simulações.

Os valores máximos das diferenças relativas das médias da componente longitudinal

da velocidadeu , εu, foram de 0.12 % no experimento CANAL 2, e 0.16 % no experi-

mento CANAL 3, que podem ser considerados como muito pequenos.

Em função dos resultados obtidos, considerou-se que, nos respectivos intervalos de

tempo que foram adotados nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3 para obtenção das

médias das variáveis, prevaleceu o regime quase estacionário.

A análise dos campos deu, v e pa dos experimentos CANAL 2 e CANAL 3 reve-

lou que o aspectos gerais dos mesmos eram muito semelhantes aos correspondentes no

experimento CANAL 1, e por essa razão esses campos deixam de ser apresentados.

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Figura 8.16: Evoluções temporais da energia cinética média do domínioKEmnos expe-rimentos CANAL 2 (linha contínua) e CANAL 3 (linha tracejada).

Figura 8.17: Evoluções temporais da enstrofia média do domínioEmnos experimentosCANAL 2 (linha contínua) e CANAL 3 (linha tracejada).

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Figura 8.18: Perfis transversais deu nas posiçõesx = 0 (linha contínua fina preta),x = Lcn/2 (linha tracejada azul) ex = 4Lcn/5 (linha contínua grossa vermelha) no ex-perimento CANAL 2.

Nas figuras 8.18 e 8.19 são representados os perfis transversais deu nas posições

x = 0, x = Lcn/2, ex = 4Lcn/5, obtidos nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3, respec-

tivamente. Em ambas figuras observa-se a aparente simetria do escoamento e o “enchi-

mento” da camada limite ao longo da direçãox, indicando a transição para a turbulência

a partir do regime inicialmente laminar na fronteira de entrada. Nota-se também a acele-

ração dos escoamentos, pelo aumento deu no eixo central do canal.

Na figura 8.20 são representados os perfis longitudinais do fator de formaH12 obtidos

nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3. Ambos perfis mostram uma rápida redução

no valor deH12 no início do escoamento, passando, posteriormente, a ter uma variação

muito lenta na direçãox. Os valores mínimos deH12 foram, aproximadamente, 1.4 no

experimento CANAL 2, e 1.33 no experimento CANAL 3. No experimento CANAL

1 o valor mínimo deH12 foi, aproximadamente, 1.55. A transição, portanto, mostrou-

se mais bem caracterizada nos escoamentos com números de Reynolds mais altos, pela

maior amplitude de variação deH12.

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Figura 8.19: Perfis transversais deu nas posiçõesx = 0 (linha contínua fina preta),x = Lcn/2 (linha tracejada azul) ex = 4Lcn/5 (linha contínua grossa vermelha) no ex-perimento CANAL 3.

Figura 8.20: Perfis longitudinais do fator de formaH12 dos experimentos CANAL 2(círculos brancos) e CANAL 3 (círculos pretos).

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Figura 8.21: Perfis longitudinais dos coeficientes de atritoCf eCf0 nos experimentosCANAL 2 (círculos brancos e círculos pretos, respectivamente) e CANAL 3 (quadradosbrancos e quadrados pretos, respectivamente).

Na figura 8.21 são representados os perfis longitudinais dos coeficientes de atrito

Cf e Cf0 obtidos nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3. Os perfis têm aspectos

semelhantes aos dos obtidos no experimento CANAL 1, comCf aumentando progres-

sivamente a partir da fronteira de entrada, atingindo um valor máximo, e posteriormente

pasando a ter uma variação lenta ao longo da direçãox. O coeficiente de atritoCf0, no

entanto, apresenta crescimento até o final do domínio. Observa-se que, como esperado,

os valores máximos deCf eCf0 diminuem com o aumento do número de Reynolds do

escoamento. A acurácia na determinação do valor deUc/Um e deCf pela simulação foi

verificada a partir das expressões de Dean [71], citado por Kimet al. [64]

UcUm

= 1.28Re−0.0116m (8.11)

e

Cf = 0.073Re−0.25m (8.12)

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Tabela 8.4: Valores de variáveis do escoamento obtidos pelas equações de Dean (8.11 e8.12) e nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3.

Uc/UmEquação 8.11 (Rem= 14266) CANAL 2 (x = 3.1 m) Erro relativo

1.146 1.180 +3.0 %Equação 8.11 (Rem= 18525) CANAL 3 (x = 3.5 m) Erro relativo

1.142 1.178 +3.2 %Cf

Equação 8.12(Rem= 14266) CANAL 2 (x = 3.1 m) Erro relativo6.680×10−3 6.574×10−3 -1.6 %

Equação 8.12(Rem= 18525) CANAL 3 (x = 3.5 m) Erro relativo6.257×10−3 6.238×10−3 -0.3 %

Os valores nominais deRem dos experimentos CANAL 2 (14266), e CANAL 3

(18525), que referem-se às respectivas posiçõesLcn/2 (x = 3.1 m em CANAL 2, e

x = 3.5 m em CANAL 3) foram aplicados às expressões 8.11 e 8.12 e comparou-se

os resultados aos valores obtidos nas simulações (referentes à parede inferior do canal).

A tabela 8.4 resume esses resultados. Observa-se que as simulações tenderam a super-

estimarUc/Um e a subestimarCf . Entretanto, pode-se considerar que os valores da

simulação tiveram uma boa concordância com os obtidos pelas equações de Dean, em

função dos pequenos erros relativos verificados.

Nas figuras 8.22 e 8.23 são apresentados os perfis deu+ (u normalizada) na região

próxima à parede inferior do canal, nas posiçõesx1 = 3.4 m,x2 = 3.7 m,x3 = 4.0 m,

x4 = 4.3 m, ex5 = 4.6 m, obtidos no experimento CANAL 2, juntamente com o perfil

original deu+ do experimento de Moseret al. [67], emReτ = 395, em representação

log-linear e linear-linear, respectivamente. Nas figuras 8.24 e 8.25 são apresentados os

perfis deu+ na região próxima à parede inferior do canal, nas posiçõesx1 = 3.8 m,

x2 = 4.2 m,x3 = 4.5 m,x4 = 4.9 m, ex5 = 5.2 m, obtidos no experimento CANAL

3. Nessas figuras, é também representado o perfil deu+ obtido por Moseret al., em

Reτ = 590. Observa-se que os perfis deu+ estão próximos entre si, entretanto, eles não

são coincidentes. Além disso, eles “ondulam” em torno da função logarítmica da lei da

parede, aparecendo em alguns perfis acima dela na região intermediária, e abaixo dela

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Figura 8.22: Perfis transversais deu+nas posiçõesx1 = 3.4 m (losangos brancos),x2 = 3.7 m (círculos e linha tracejada fina azuis),x3 = 4.0 m (triângulos vermelhos),x4 = 4.3 m (quadrados verdes), ex5 = 4.6 m (cruzes roxas), obtidos no experimentoCANAL 2. Também são representados o perfil deu+de Moseret al. emReτ= 395, semcorreção (linha tracejada vermelha grossa), e as funções da lei da parede.

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Page 170: SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS … · tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de ... Embora a dinâmica dos fluidos seja uma

Figura 8.23: Mesmo que na figura 8.22, exceto que em representação linear-linear.

na região de superposição. Esse comportamento pode ter sido causado por uma defi-

ciência do método MAL na simulação dos perfis de velocidade próximo à parede. No

entanto, pode haver outras razões para a não coincidência dos perfis com a lei logarít-

mica. Fernholz e Warnack [72], e Warnack e Fernholz [73] estudaram os efeitos de gra-

dientes de pressão favoráveis em camadas limites turbulentas axissimétricas. Uma das

conclusões dos autores foi que na presença de um gradiente de pressão favorável os perfis

de velocidade se afastam das funções a lei da parede. De maneira geral, eles tendem a se

manter acima da função logarítmica quando as acelerações são mais acentuadas. Outra

observação dos autores foi que esse comportamento também ocorre em perfis de veloci-

dade no último estágio da transição para a turbulência, quando o equilíbrio ainda não foi

atingido. Nos experimentos realizados no estudo surgiram, entretanto, alguns perfis com

comportamento contrário, posicionando-se abaixo da função logarítmica, para os quais

os autores não encontraram uma explicação. Outro ponto importante verificado no estudo

foi não ser possível apresentar um critério paramétrico para definir quando o perfil de ve-

locidade inicia o afastamento da função logarítmica nem quando ele se reaproxima dela,

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Figura 8.24: Perfis transversais deu+nas posiçõesx1 = 3.8 m (losangos brancos),x2 = 4.2 m (círculos e linha tracejada fina azuis),x3 = 4.5 m (triângulos vermelhos),x4 = 4.9 m (quadrados verdes), ex5 = 5.2 m (cruzes roxas), obtidos no experimentoCANAL 3. Também são representados o perfil deu+de Moseret al. emReτ = 590, semcorreção (linha tracejada vermelha grossa), e as funções da lei da parede.

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Figura 8.25: Mesmo que na figura 8.24, exceto que em representação linear-linear.

em virtude dessas mudanças ocorrerem de forma gradual. Nos experimentos CANAL

2 e CANAL 3 o escoamento foi forçado por um gradiente de pressão favorável, sendo

acelerado ao longo da direçãox. Além disso, eles foram iniciados de um regime laminar,

tendo ocorrido uma gradual transição para a turbulência ao longo da direção longitudi-

nal. Essas duas condições poderiam, portanto, influenciar no afastamento dos perfis de

velocidade das funções da lei da parede.

A representação do perfil de velocidade nas proximidades da parede é um problema

bem mais complexo do que a simples lei da parede pode revelar. Os perfis obtidos por

Moseret al. [67] apresentados nas figuras 8.22 a 8.25, amplamente utilizados como refe-

rência em estudos de turbulência nas proximidades de fronteiras sólidas, foram avaliados

pelos próprios autores como “não representando uma região logarítmica, a despeito das

aparências”. Eles também observam que os perfis tampouco seguem uma lei de potência.

Citando outros pesquisadores, Moseret al. expõem que ainda existem controvérsias so-

bre a validade da lei da parede. Parece, portanto, que esse assunto ainda não se encontra

completamente resolvido na comunidade científica. Entretanto, é inegável que nos es-

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Figura 8.26: Perfis deu+ do experimento CANAL 1, na posiçãox = 2.7 m (linha azul);do experimento CANAL 2, na posiçãox = 4.0 m (linha vermellha) ; e do experimentoCANAL 3, na posiçãox = 4.9 m (linha verde). Também são representadas as funções dalei da parede, em linhas tracejadas.

tudos experimentais e numéricos sobre a camada limite nas proximidades de fronteiras

sólidas, os perfis de velocidade obtidos, de maneira geral, apresentam uma região que

se posiciona acompanhando a tendência da lei logarítmica, e os perfis dos experimentos

CANAL 2 e CANAL 3 conseguiram reproduzir razoavelmente essa característica. Além

disso, espera-se que o limite superior da região logarítmica se estenda à medida que o

número de Reynolds aumente, e essa característica foi observada nas simulações de es-

coamentos em canais com o uso do método MAL. Na figura 8.26 são representados os

perfis deu+ do experimento CANAL 1, na posiçãox = 2.7 m; do experimento CANAL

2, na posiçãox = 4.0 m; e do experimento CANAL 3, na posiçãox = 4.9 m, onde pode-se

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visualizar melhor as diferenças nos três experimentos.

Outro ponto a destacar é que o primeiro ponto de grade acima da parede nos experi-

mentos CANAL 2 e CANAL 3 estavam localizados, respectivamente, nas ordenadas nor-

malizadasy+ ≈ 6.0 ey+ ≈ 6.8, bem acima dos valores adotados normalmente em SND

e SGE. Apesar do método MAL não empregar qualquer tipo de modelo ou parametriza-

ção para representar os processos das escalas não resolvidas pela grade, as simulações

consideraram a existência da subcamada viscosa, como pode ser observado nos perfis de

u+.

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Capítulo 9

CONCLUSÃO

Neste trabalho foi apresentado o método da Média Amostral Lagrangeana (MAL) para o

tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de

escoamentos em camada limites.

Inicialmente, foi citado que todos os métodos numéricos atualmente empregados

para a simulação de escoamentos em altos números de Reynolds possuem vantagens,

desvantagens e limitações de aplicabilidade. Os modelos que utilizam as equações de

Reynolds têm como principal desvantagem o problema de fechamento. A simulação

numérica direta (SND), que emprega as equações de Navier-Stokes, não tem problema de

fechamento, entretanto, tem uma alta demanda computacional. A simulação de grandes

escalas (SGE) é mais econômica do ponto de vista computacional que a SND. No en-

tanto, também possui o problema de fechamento das equações filtradas. De maneira

geral, pode-se dizer que não há nenhum método que suplante todos os outros em to-

dos os aspectos, e sim que cada um é recomendado para uma determinada aplicação.

Além disso, a disponibilidade de recursos computacionais também influencia na escolha

do método a ser empregado. O método MAL pretende contribuir para a evolução da

Dinâmica dos Fluidos Computacional, sendo mais uma opção para a solução numérica

de problemas de escoamentos em camadas limites.

O método MAL baseia-se na hipótese de que os movimentos nas pequenas escalas

são responsáveis pela uniformização de propriedades físicas em porções infinitesimais

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de fluido, por meio de mistura. Tal uniformização é representada matematicamente por

um operador linear de média, que quando aplicado a uma propriedade de uma porção

infinitesimal de fluido, acompanhando o seu deslocamento, produz a chamada média

amostral lagrangeana. A proposta do método é reduzir o número de graus de liberdade

necessários para a representação do escoamento, sem a criação de incógnitas adicionais,

evitando a não-linearidade característica dos métodos que empregam o referencial eule-

riano.

Ao se aplicar o método MAL às equações de Navier-Stokes, no referencial lagrangeano,

para um escoamento incompressível, observou-se que a forma funcional das equações

não se alterou, mantendo o número de incógnitas igual ao das equações disponíveis, tor-

nando desnecesário o uso de esquemas de fechamento da turbulência. Ao mesmo tempo,

houve agregação do sistema representado pelas equações de Navier-Stokes, reduzindo o

número de graus de liberdade do problema.

Uma vez que as equações agregadas resultantes da aplicação do método empregam o

referencial lagrangeano, é necessário adotar um método numérico compatível com esse

referencial. Para tal, foi adotado o método numérico semi-lagrangeano, cujas principais

características e propriedades foram apresentadas de forma sucinta.

Na conceituação do método MAL não foi feita distinção na sua aplicabilidade a es-

coamentos em baixos ou altos números de Reynolds. Logo, para validá-lo, é necessário

empregar o método nesses diferentes regimes de escoamento. Este trabalho enfocou a

aplicação do método MAL na solução de problemas de camada limite bidimensionais,

num primeiro esforço para a sua validação. O objetivo era verificar se as simulações

numéricas seriam capazes de replicar as principais características de diferentes escoa-

mentos, sem haver a pretensão de reproduzir completamente escoamentos reais, uma vez

que os problemas foram restritos a apenas duas dimensões.

O primeiro problema abordado foi o do escoamento ao longo de uma placa plana em

regime laminar. Como referência para comparação foi utilizada a solução de Blasius,

que se baseia nas hipóteses das equações da camada limite de Prandtl; e relações em-

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píricas de coeficiente de arrasto e medidas de espessura da camada limite. Foi possível

observar que a propriedade de auto-similaridade dos perfis transversais de velocidade

foi bem representada. Os perfis simulados não foram coincidentes com a solução de

Blasius, pois as condições das simulações não foram exatamente as mesmas das hipóte-

ses da solução analítica. Uma diferença importante refere-se ao gradiente horizontal

de pressão das simulações, que não foi prescrito como nulo. Apesar disso, as soluções

numéricas e analíticas foram semelhantes. Os valores de espessura da camada limite e de

coeficiente de arrasto, que são de interesse para a aplicações em engenharia, mostraram

diferenças relativas de 11.3 % e 11.5 %, respectivamente, em relação a valores semi-

empíricos, quando o fluido simulado foi água. No caso em que o fluido simulado no

escoamento era ar, as diferenças relativas tiveram valores iguais a 1.95 % e 7.85 %, res-

pectivamente. Apesar das diferenças, a estrutura vertical da componente longitudinal da

velocidade mostrou uma boa consistência com valores obtidos experimentalmente, como

foi mostrado na comparação da espessuras da camada limte, que sintetizam a distribuição

vertical deu por meio de integrais na direção normal à placa plana.

Em seguida foi abordado o problema do escoamento em uma esteira a juzante de um

corpo gerador de turbulência. Para validação da simulação foram usados como referên-

cia os resultados do trabalho de Wygnanskiet al. Buscou-se verificar se a simulação

seria capaz de reproduzir o perfil dedéficit da componente longitudinal de velocidade

obtido experimentalmente, bem como a auto-similaridade deses perfis. Os resultados

obtidos podem ser considerados como satisfatórios, pois houve uma boa concordância

dos perfis dedéficit de u simulados com o experimental, bem como foi verificada a

auto-similaridade dos mesmos. Nesse experimento e nos que se seguiram procurou-se,

também, avaliar como o método MAL afetaria as flutuações de alta frequência do es-

coamento, e como o processo de filtragem implícito no conceito de média amostral iria

influenciar no espectro de energia do escoamento. Para tal, foi feita a análise espectral

das componentesu e v em pontos selecionados no domínio computacional. Os espec-

tros de energia mostraram a presença de cascata de energia direta na componenteu. Nos

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espectros da componentev observou-se que na parte interior da esteira havia cascata de

energia direta nas menores escalas e cascata de energia inversa nas maiores escalas. Na

periferia da esteira observou-se apenas a cascata direta de energia. Esse resultado é rele-

vante pelo fato do método MAL ter se mostrado estável na presença de cascata inversa

de energia.

A validação do método MAL prosseguiu enfocando o problema do escoamento em

um jato plano. Os aspectos a serem avaliados nas simulações eram a habilidade em

reproduzir a variação da componente longitudinal da velocidade no centro do jato,U0,

proporcional ax−1/2, e a variação da espessura do jato,δ, proporcional ax, ambas ca-

racterísticas de jatos turbulentos. Além disso, seriam verificadas a reprodução do perfil

transversal deu empírico, obtido experimentalmente por Bradbury, e a auto-preservação

do escoamento ao longo da direção longitudinal. A análise dos resultados mostrou que

o método MAL conseguiu replicar as relações de proporcionalidade deU0 e δ citadas

acima, em uma parte razoável do domínio. Os perfis deu normalizados da simulação

mostraram ser auto-similares e tiveram uma boa concordância com o perfil empírico de

Bradbury. Os espectros de energia deu e v em três pontos do domínio, posicionados no

eixo central do jato, mostraram subregiões inerciais onde havia cascata direta de energia.

Além disso, a comparação dos perfis indicou a existência de homogeneidade longitudinal

ao longo do eixo do jato, bem como a não existência de isotropia no escoamento.

O próximo problema abordado para a validação do método MAL foi do escoamento

em uma camada de mistura. As referências para validação do método foram as pro-

priedades das camadas de mistura apresentadas por Pope, e resultados experimentais

de Wygnanski e Fiedler, Champagneet al., eRogers e Moser. Na primeira simulação

realizada, as velocidades das correntes da camada de mistura eram bem distintas, e o

gradiente horizontal de pressão de fundo era nulo. Os resultados obtidos mostraram que

a simulação foi capaz de reproduzir as seguintes características das camadas de mis-

tura turbulentas: a espessura da camada de mistura variava linearmente em relação à

direçãox; havia um maior desenvolvimento da camada de mistura no sentido da região

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com velocidades mais baixas; e os perfis transversais da componente de velocidadeu

normalizados eram auto-similares. Foram realizadas, também, simulações com as mes-

mas velocidades nas correntes, porém com gradientes de pressão de fundo favorável e

adverso. Observou-se que na condição da força de gradiente de pressão favorável ao es-

coamento, a espessura da camada de mistura aumentava mais rapidamente na direçãox

que na situação de gradiente nulo. Na situação de gradiente adverso o crescimento da

camada de mistura foi mais lento na direção longitudinal que na situação de gradiente

favorável. É também importante destacar o fato da simulação com o gradiente de pressão

adverso não ter apresentado qualquer instabilidade numérica. Foi também realizada uma

simulação em que a diferença nas velocidades das correntes da camada de mistura era

relativamente pequena, a fim de verificar se os perfis transversais deu iriam se aproximar

de uma situação de simetria em relação ao eixo central da camada de mistura, o que foi

efetivamente observado. Esses perfis também mostraram ser auto-similares. Foi feita a

análise do espectro de energia deu e v em três pontos localizados no eixo central da ca-

mada de mistura. Os espectros de energia deu nos três pontos mostraram uma pequena

subregião inercial com cascata de energia direta, além de indicarem homogeneidade ao

longo da direção longitudinal. Os espectros de energia dev, por sua vez, mostraram uma

ampla subregião inercial, com cascata de energia direta nas menores escalas. Os pontos

localizados no centro e no final do domínio mostraram também subregiões inerciais nas

maiores escalas com característica de cascata inversa de energia. Os espectros também

indicavam homogeneidade dev ao longo da direçãox.

Os três últimos problemas citados acima trataram de escoamentos cizalhantes livres.

É importante também avaliar a aplicabilidade do método MAL na simulação de es-

coamentos turbulentos na presença de fronteiras sólidas. Com esse fim foram realiza-

dos experimentos simulando escoamentos turbulentos em canais planos, em número de

Reynolds relativamente baixo (Reτ = 237), e moderados (Reτ = 409 eReτ = 517). O

problema do escoamento turbulento em um canal vem sendo utilizado frequentemente

para estudos teóricos dos mecanismos da turbulência, bem como para a validação de

170

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métodos numéricos e modelos de turbulência. Neste trabalho, diferentemente do pro-

cedimento normalmente adotado na simulação numérica de escoamentos em canais, não

foram utilizadas condições de contorno periódicas na direção longitudinal. Em vez disso,

foi prescrito um perfil de velocidade laminar na fronteira de entrada do canal. Para a vali-

dar os resultados da simulação, foram utilizados como referência os resultados do estudo

de Kimet al., no qual foi simulado um escoamento em canal emReτ = 180; do estudo de

Moseret al., que simularam escoamentos em canais emReτ = 395 eReτ = 590; e a lei

da parede. Nas simulações com o método MAL, os números de Reynolds característicos

medidos na abscissa do meio do domínio foramReτ = 237,Reτ = 409, eReτ = 517. As

simulações foram capazes de reproduzir a transição do escoamento do regime laminar,

da entrada do canal, para o regime turbulento. Isto pôde ser verificado pela análise do

campo deu , onde as isótacas aproximavam-se das paredes do canal ao longo da direção

x. Além disso, os perfis transversais deu e o perfil longitudinal do fator de formaH12

confirmaram a transição. Na primeira simulação foram comparadas variáveis do escoa-

mento calculadas em uma posição do canal, com as da simulação de Kimet al.; e nas

duas simulações em números de Reynolds moderados compararam-se valores da relação

Um/Uc e do coeficiente de atritoCf com valores obtidos com as fórmulas de Dean. Nas

três simulações verificou-se uma boa concordância nos valores das variáveis analisadas.

Na simulação emReτ = 237 os perfis deu normalizados próximo à parede mostraram

uma boa concordância com as funções da lei da parede, em cinco pontos do domínio.

Nas simulações emReτ = 409 eReτ = 517 não houve coincidência dos perfis deu+ com

a lei logarítmica. Entretanto, ambas simulações apresentaram regiões nos perfis deu+

que acompanhavam a tendência da função logarítmica. A extensão dessas regiões tam-

bém aumentou para valores maiores deReτ . É importante citar que apesar da resolução

espacial ser relativamente baixa, com o primeiro ponto de grade acima da parede estando

posicionado nas três simulações emy+ ≈ 4.7, y+ ≈ 6.0, ey+ ≈ 6.8, respectivamente,

o método MAL conseguiu reproduzir adequadamente a presença da subcamada viscosa,

sem ser empregado qualquer modelo ou função de atenuação naquela parte do domínio.

171

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Na simulação emReτ = 237 foi feita a análise dos espectros de energia das componentes

u ev em três pontos de grade localizados na subcamada viscosa, na camada intermediária,

e na camada de superposição, respectivamente. Os espectros da componenteu nos três

pontos analisados não apresentaram de forma clara a presença de subregiões inerciais

significativas. Os espectros da componentev, no entanto, apresentaram subregiões iner-

ciais com cascata direta de energia nos pontos localizados na camada intermediária e

na camada logarítmica. A comparação dos perfis deu e v também indicou que não há

isotropia nas menores escalas do escoamento.

Uma característica relevante das simulações com o método MAL foi a demanda com-

putacional relativamente baixa. Todos os experimentos foram realizados em um com-

putador pessoal de desempenho modesto, e foram requeridos tempos de CPU razoáveis

para as simulações, mesmo considerando que os escoamentos tinham a representação

limitada a duas dimensões.

Também é importante comentar a estabilidade numérica do método, que se observou

em todos os experimentos, destacando-se, particularmente, a ausência de instabilidade

não-linear por efeitos dealiasing,e a não propagação de erros causados por gradientes

acentuados nas variáveis, que poderiam contaminar as soluções de forma generalizada

no domínio computacional, o que não ocorreu. Uma outra característica do método é a

simplicidade na sua implementação.

Com base nos resultados obtidos, conclui-se que, nos problemas enfocados neste

trabalho, foi comprovada a validade da hipótese que interpreta os mecanismos viscosos

e turbulentos nas pequenas escalas dos escoamentos como agindo em um processo de

mistura das propriedades do fluido. Esse processo é representado matematicamente por

um operador linear de média, que permite agregar o sistema expresso pelas equações de

Navier-Stokes no referencial lagrangeano, sem a ocorrência do problema de fechamento.

O bom desempenho do método MAL verificado neste estudo sugere que ele pode ser

competitivo com outros métodos atualmente aplicados na simulação numérica de proble-

mas de camada limite.

172

Page 182: SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS … · tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de ... Embora a dinâmica dos fluidos seja uma

Para futuros trabalhos sobre o método da Média Amostral Lagrangeana, sugere-se

que sejam abordados os seguintes tópicos: estudo do impacto causado pelo emprego de

grades de resolução variável; aplicação para escoamentos tridimensionais geometrica-

mente simples, com análise das estruturas turbulentas simuladas; simulação de escoa-

mentos bidimensionais em que haja o acoplamento dos campos de quantidade de movi-

mento e temperatura; simulação de escoamentos bidimensionais em geometrias mais

complexas, como o problema da expansão brusca e aerofólios; e aplicação em proces-

sos de camadas limites geofísicas bidimensionais, na interface oceano-atmosfera.

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Apêndice A

CONCEITOS, DEFINIÇÕES E

EQUAÇÕES BÁSICAS SOBRE

ESCOAMENTOS EM CAMADAS

LIMITES

Neste apêndice, serão apresentados, de forma sucinta, alguns conceitos, definições e

equações básicas relativas a escoamentos em camadas limites, para facilidade de referên-

cia do leitor. Não se pretende fazer uma revisão exaustiva sobre o assunto, mas apenas

abordar os aspectos que são utilizados como referência ao longo deste trabalho.

A.1 As Equações de Navier-Stokes (N-S)

Neste item serão apresentadas as equações de Navier-Stokes (N-S) em forma diferencial,

tendo como referência Cebeci e Cousteix [4]. As equações são obtidas em relação a

um volume de controle que se move ao longo de uma linha de corrente, com o vetor

velocidade−→V (u, v, w)igual à velocidade do escoamento em cada ponto. A velocidade em

qualquer ponto do escoamento é menor que 100 m/s (número de Mach aproximadamente

0.3), o que permite considerar o fluido incompressível [2]. Com base nestas premissas,

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as equações de N-S para um escoamento tridimensional são as seguintes:

Equação da continudade:

∂u

∂x+∂v

∂y+∂w

∂z= 0 (A.1)

Componentex da equação da quantidade de movimento:

ρDu

Dt= −∂p

∂x+

(σxx∂x

+σxy∂y

+σxz∂z

)+ ρfx (A.2)

Componentey da equação da quantidade de movimento:

ρDv

Dt= −∂p

∂y+

(σyx∂x

+σyy∂y

+σyz∂z

)+ ρfy (A.3)

Componentez da equação da quantidade de movimento:

ρDw

Dt= −∂p

∂z+

(σzx∂x

+σzy∂y

+σzz∂z

)+ ρfz (A.4)

D/Dt representa a derivada substantiva ou material, e é expressa como:

D( )

Dt=∂( )

∂t+ u

∂( )

∂x+ v

∂( )

∂y+ w

∂( )

∂z=∂( )

∂t+−→V • 5( ) (A.5)

Os eixosx, y e z são ortogonais, com o eixox posicionado na horizontal, o eixoy

na vertical e o eixoz perpendicular aos dois anteriores[24];u, ve w são as componentes

do vetor velocidade ao longo dex, y e z, respectivamente; p representa a pressão;σ

representa as tensões, com o primeiro subscrito representando a direção da tensão e o

segundo a direção da normal à superfície do volume de controle;ρ representa a densidade

do fluido ef representa a resultante de outras forças de corpo, por unidade de volume.

Por conveniência, os termos viscosos podem ser expressos nas equações de quanti-

dade de movimento em notação tensorial, como:

∂σij∂xj

(A.6)

175

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com i,j = 1, 2 e 3 para escoamentos tridimensionais. Para fluidos newtonianos viscosos

incompressíveis, as tensões viscosas normaisσij(i = j) e as tensões de cizalhamento

σij(i 6= j) são obtidas a partir dotensor de tensões viscosas, dado por:

σij = µ

(∂ui∂xj

+∂uj∂xi

)(A.7)

ondeµ representa a viscosidade dinâmica do fluido. Pode-se expressar a equação (A.7)

como :

σij = 2µSij (A.8)

onde o tensor de razão de deformaçãoSij é definido por:

Sij =1

2

(∂ui∂xj

+∂uj∂xi

)(A.9)

Utilizando (A.7) as tensões viscosas normalσxx e de cizalhamentoσxy e σxz na

equação (A.2) podem ser expressas como:

σxx = 2µ∂u

∂x, σxy = µ

(∂u

∂y+∂v

∂x

), σxz = µ

(∂u

∂z+∂w

∂x

)(A.10)

com formas semelhantes para a expressão dos termos de tensões viscosas nas equações

(A.3) e (A.4).

A aplicação de (A.7) simplifica consideravelmente as equações N-S. Por exemplo, a

equação (A.2) para um fluido newtoniano, desprezando a existência de outras forças de

corpo, pode ser escrita como:

Du

Dt= −1

ρ

∂p

∂x+ ν 52 u (A.11)

ondeν = µ/ρ representa a viscosidade cinemática do fluido. Expressões semelhantes

podem ser obtidas para as componentesy e z, em (A.3) e (A.4), respectivamente. Em

forma vetorial, as equações de quantidade de movimento podem ser expressas como:

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D−→V

Dt= −1

ρ5 p+ ν 52 −→V (A.12)

com52 representando o operador laplaciano:

52 ≡ ∂2

∂x2+

∂2

∂y2+

∂2

∂z2

A.2 Médias das Equações de N-S

As equações de N-S apresentadas no subitem anterior aplicam-se tanto aos escoamentos

laminares quanto aos turbulentos, se os valores das propriedades do fluido e das variáveis

dependentes forem substituídos por seus valores instantâneos. Uma abordagem direta

é resolver as equações para um escoamento com condições de contorno específicas e

valores iniciais para as variáveis que têm seus valores modificados ao longo do tempo.

Na maior parte das aplicações é necessário obter valores médios das variáveis, de modo

que torna-se necessário um conjunto de soluções das equações para posterior obtenção

da média. Devido ao fato dos movimentos não estacionários das estruturas turbulentas

aparecerem em uma larga faixa de escalas, esse procedimento torna-se difícil e muito

custoso do ponto de vista computacional, mesmo para escoamentos caracterizados por

baixos números de Reynolds [4]. Uma outra importante característica de um escoamento

turbulento é a presença de violentas flutuações, dificultando a sua descrição [74]. O

procedimento normalmente adotado é o de se obter médias das equações, ao invés de

serem obtidas médias de suas soluções. Este procedimento foi introduzido por Reynolds

[75], citado por Wilcox [6].

As médias das equações podem ser referidas com respeito ao tempo ou ao espaço.

Usando como exemplo a componenteu da velocidade, escrevemos seu valor instantâneo

como1:1Esta descrição é válida para escoamentos laminares ou turbulentos. No primeiro caso o termo das

perturbações será desprezível.

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u(x, t) = U + u′(x, t) (A.13)

comU indicando um valor médio eu′ representando uma flutuação instantânea, de forma

queu′ = 0.2

Pode-se adotar diferentes métodos para a obtenção da média indicada acima. No

caso de escoamentos estacionários, pode-se utilizar médias com relação ao tempo. Caso

a turbulência seja homogênea, as médias podem ser tomadas com relação ao espaço.

Finalmente, as médias podem ser obtidas a partir de um grande número de experimentos

realizados sob as mesmas condições iniciais e de contorno. Neste caso tem-se uma média

de conjunto, obtendo-se uma estimativa do valor esperado da variável. Esses métodos

podem ser expressos matematicamente da seguinte forma [74]:

Média temporal:

U t(x) = limT→∞

1

2T

∫ T

−Tu(x, t)dt (A.14)

Média espacial:

U s(t) = limx→∞

1

2X

∫ X

−Xu(x, t)dx (A.15)

que pode ser generalizada para três dimensões, como média volumétrica [6]:

U v(t) = limV ol→∞

1

V ol

∫ ∫ ∫u(−→x , t)dV ol (A.16)

onde−→x eVol representam o vetor posição e o volume do elemento de fluido, respectiva-

mente.

Valor esperado de uma variável aleatória para uma repetição deN experimentos [74]:

U e(x, t) =

N∑n=1

un(x, t)

N(A.17)

2Fica convencionado que a aplicação de um dos operadores de média definidos neste subitem a umavariável será simbolizada pela representação de uma barra sobre ela.

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Para a turbulência estacionária e homogênea pode-se considerar que os processos de

obtenção de média levem ao mesmo resultado:

U t(x) = U s(t) = U e(x, t) (A.18)

Este resultado é conhecido como ahipótese ergótica[74].

O processo de obtenção de média pode ser associado à aplicação de um filtro que

elimina flutuações de pequeno comprimento de onda ou de alta frequência. Consequente-

mente, está sendo reduzido o número de graus de liberdade do sistema, descrevendo-se o

fluido de uma forma mais agregada do que aquela expressa pelas equações originais não

filtradas.

É importante ressaltar que, de maneira geral, os escoamentos reais não são esta-

cionários nem homogêneos. Além disso, na prática, a aplicação da média com respeito

ao tempo e ao espaço não pode ser realizada para valores infinitos deT, X ouVol.

Existem casos em que o escoamento médio apresenta variáveis cujos valores se al-

teram lentamente ao longo do tempo, por processos que não possuem natureza turbulenta.

Nessas situações, as equações (A.13) e (A.14) devem ser modificadas de forma a conside-

rarem as variações temporais da média. Uma forma simples, embora arbitrária [6], de se

introduzir essas modificações é considerar:

u(x, t) = U(x, t) + u′(x, t) (A.19)

U t(x, t) =1

2T

∫ T

−Tu(x, t)dt, T1 � T � T2 (A.20)

ondeT1 é o período máximo das flutuações de velocidade eT2 é a escala de tempo

característica das variações lentas do fluido, que não são consideradas como de natureza

turbulenta.

Sobre a escolha das escalas de tempoT1 e T2, destaca-se o fato de que, implicita-

mente, está sendo considerada uma diferença de várias ordens de grandeza entre essas

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escalas, ou seja, a existência de umhiato ou lacuna espectral[6]. Há escoamentos que

não apresentam um hiato espectral, não possuindo uma clara separação entre as escalas

[5]. Nesses casos as componentes média e flutuante em (A.19) estarão correlacionadas,

ou seja, a média temporal de seus produtos não será nula [6] . Uma vez que a maior

parte das análises de turbulência baseia-se na separação de escalas para simplificação do

problema, as situações onde o hiato espectral não esteja bem definido podem não ser

apropriadamente representadas quando baseadas nessa condição.

A partir desse ponto, apenas o método da média temporal será considerado, uma

vez que é o mais largamente utilizado nos estudos dos escoamentos turbulentos. Con-

siderando:

a = A+ a′

b = B + b′

as seguintes propriedades são válidas para o operador de média temporal definido pela

equação (A.13) :

a = A+ a′ = A+ a′ = A; a′ = 0 (A.21)

AB = AB = AB (A.22)

Ab′ = Ab′ = 0; b′ = 0 (A.23)

ab = (A+ a′)(B + b′) = AB + Ab′ +Ba′ + a′b′ = AB + a′b′ (A.24)

A aplicação do operador de média temporal, que involve integrais no tempo, comuta

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com a diferenciação espacial. Como exemplo:

∂u

∂x=∂u

∂x(A.25)

A média temporal de um termo não estacionário, como∂u/∂t, será zero para a tur-

bulência estacionária. No caso de turbulência não estacionária, a média temporal é obtida

a partir de [6]:

∂u(x, t)

∂t=

1

2T

∫ T

−T

∂u(x, t)

∂tdt =

1

2T

∫ T

−T

∂[U(x, t) + u′(x, t)]

∂tdt =

=U(x, T )− U(x,−T )

2T+u′(x, T )− u′(x,−T )

2T(A.26)

O segundo termo na expressão mais à direita na equação (A.26) pode ser desprezado,

desde que |u′| seja desprezível comparado a |U |. Uma vez que está sendo considerado que

T é muito menor que a escala de tempo característica do escoamento médio (T�T2), o

primeiro termo corresponde ao valor obtido no limiteT→ 0, ou seja∂U/∂T . Assim:

∂u(x, t)

∂t≈ ∂U

∂t(A.27)

Wilcox [6] chama atenção para o fato da aproximação |u′| � |U | ser questionável,

especialmente em escoamentos cizalhantes livres ou muito próximos a uma fronteira

sólida, sendo uma das complicações inerentes à turbulência, na qual as flutuações das

grandezas nem sempre serão pequenas em relação aos seus valores médios.

A propriedade expressa pela equação (A.24 ) indica que, de maneira geral, não há

razão para se considerar que a média do produto das flutuações de duas variáveis é igual

a zero. As grandezasa′ e b′ serão ditascorrelacionadassea′b′ 6= 0. Caso contrário

(a′b′ = 0) elas serão ditasnão correlacionadas[6]. As mesmas considerações são

extensíveis para produtos triplos de flutuações de variáveis.

Aplicando o operador de média à equação da continuidade (A.1) e às componentes

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da equação de quantidade de movimento (A.12) em forma euleriana, pela aplicação da

equação (A.5), e desprezando-se os termos referentes às forças de corpo obtemos:

∂u

∂x+∂v

∂y+∂w

∂z= 0 (A.28)

ρDu

Dt= −∂p

∂x+ µ52 u− ρ

∂(u′2)

∂x− ρ

∂(u′v′)

∂y− ρ

∂(u′w′)

∂z(A.29)

ρDv

Dt= −∂p

∂y+ µ52 v − ρ

∂(v′u′)

∂x− ρ

∂(v′2)

∂y− ρ

∂(v′w′)

∂z(A.30)

ρDw

Dt= −∂p

∂z+ µ52 w − ρ

∂(w′u′)

∂x− ρ

∂(w′v′)

∂y− ρ

∂(w′2)

∂z(A.31)

conhecidas comoequações de Reynolds.

É prática comum se omitir as barras sobre as variáveisu, v, wep , para simplificação

das expressões. Neste caso a equação da continuidade é escrita de forma idêntica a (A.1).

Os lados esquerdos das equações de quantidade de movimento (A.29) a (A.31) ficam tam-

bém idênticos aos das respectivas componentes de (A.12). Os seus lados direitos ficam

semelhantes aos das equações componentes da equação (A.12), exceto pela inclusão de

termos de correlação de flutuações de velocidade chamados detensores de Reynolds, que

representam a contribuição da turbulência ao tensor de tensões viscosasσij. As equações

(A.2) a (A.4) podem ser aplicadas tanto a escoamentos laminares quanto a turbulentos se

o tensorσij for expresso como:

σij = −ρu′iu′j + µ

(∂ui∂xj

+∂uj∂xi

)(A.32)

ou

σij = σtij + σlij (A.33)

ondeσtij representa as tensões de Reynolds, eσlij representa o tensor das tensões viscosas,

expresso pela equação (A.7) para um fluido newtoniano. Comparando-se as equações

componentes de (A.12) com as equações (A.29) a (A.31) pode-se observar o surgimento

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de incógnitas adicionais, quando da aplicação do operador de média aos termos não li-

neares. Para se solucionar este sistema é necessário obter equações adicionais para as

novas incógnitas, ou devem ser formuladas relações entre elas e as variáveis médias. A

obtenção dessas relações é a essência do problema de fechamento.

A.3 As Equações da Camada Limite

Uma das mais importantes contribuições à dinâmica dos fluidos foi feita por Prandtl

[76], citado por Schlichtinget al. [50], ao mostrar como as equações de N-S podem

ser simplificadas em situações onde as forças de atrito são muito pequenas, porém não

podem ser desprezadas completamente. Este item usará como referência Schlichtinget

al. [50].

Considere-se um escoamento plano de um fluido de muito baixa viscosidade, ao

longo de um corpo cilíndrico esguio. A ordem de grandeza característica das veloci-

dades é a do escoamento livreU , ou seja, afastado da vizinhança imediata da superfície

do corpo. A escala de comprimento característica do sistema é uma dimensão linearL

do corpo e a viscosidade cinemática do fluido éν. O número de ReynoldsRedefinido

como:

Re =UL

ν(A.34)

expressa a relação adimensional entre as forças de inércia e as forças viscosas.

Prandtl observou que, embora o aspecto das linhas de corrente e a distribuição de

velocidades no sistema descrito acima são quase idênticas àquelas de um escoamento

invíscido (escoamento potencial), o fluido não desliza ao longo da superfície do corpo,

mas adere à ela. Existe, portanto, uma transição de velocidade, de zero na superfície

do corpo, até a velocidade do escoamento livreU a uma certa distância da superfície.

Esta transição ocorre em uma camada muito fina chamadacamada limiteou camada de

fricção. Pode-se então definir duas regiões distintas, entre as quais não há uma separação

acentuada que possa ser claramente identificável:

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1. A camada limite, uma camada muito fina adjacente à superfície do corpo, onde

o gradiente de velocidade normal à superfície do corpo∂u/∂y é muito grande.

Nessa camada, mesmo uma viscosidade dinâmicaµ pequena será importante, uma

vez que a tensão viscosa de cizalhamentoτ = µ∂u/∂y pode atingir valores con-

sideráveis.

2. A região remanescente, fora da camada limite, chamada deescoamento externo,

na qual não há gradientes de velocidade normais à superfície expressivos, de forma

que o efeito da viscosidade é desprezível. Nesta região considera-se o escoamento

como invíscido.

Pode-se provar que quanto menor a viscosidade do fluido, mais fina será a camada limite

ou, de forma geral, quanto maior for o número de ReynoldsRemenor será a espessura

da camada limiteδ, e que esta espessura é proporcional à raiz quadrada da viscosidade

cinemática:

δ ∝√ν (A.35)

Uma das premissas na qual se baseiam as simplificações das equações de N-S é que a

espessura da camada limiteδ é desprezível quando comparada à dimensão linear carac-

terística do corpoL, um fato observável experimentalmente:

δ � L (A.36)

Assim, as soluções das equações da camada limite têm um caráter assintótico para

valores grandes deRe. Utilizando a definição do número de Reynolds, a relação (A.35)

pode ser expressa em uma forma dimensionalmente correta como:

δ

L∼ 1√

Re(A.37)

ou seja, a espessura da camada limite tende a zero à medida queReaumenta.

Por meio de análise de escala podem ser obtidas simplificações nas equações de N-S,

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no caso de serem buscadas soluções assintóticas para escoamentos com altos valores de

Re. Essas equações simplificadas são chamadasequações da camada limite. O desen-

volvimento detalhado para a obtenção das equações da camada limite é apresentado em

Schlichtinget al. [50].

As principais características das equações da camada limite são as seguintes:

1. Redução do número de incógnitas em relação às equações de N-S, com a pressão

passando a ser conhecida a partir do escoamento externo;

2. Eliminação da equação da quantidade de movimento na direçãoy;

3. Alteração na equação da quantidade de movimento na direçãox, tornando necessária

apenas uma condição de contorno emx, o que facilita sua solução numérica; e

4. As equações passam a ser independentes deRe. Uma vez obtida a solução, ela será

válida para quaisquer escoamentos com altos números de Reynolds.

Como resultado final, as equações da camada limite podem ser escritas em forma dimen-

sional:∂u

∂x+∂v

∂y= 0 (A.38)

∂u

∂t+ u

∂u

∂x+ v

∂u

∂y= −1

ρ

∂p

∂x+ ν

∂2u

∂y2(A.39)

e condições de contorno:

y = 0 : u = 0, v = 0

y →∞ : u = U(x, t).(A.40)

Para o escoamento externo teremos:

∂U

∂t+ U

∂U

∂x= −1

ρ

∂p

∂x(A.41)

185

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Para escoamentos estacionários, teremos as seguintes equações:

∂u

∂x+∂v

∂y= 0 (A.42)

u∂u

∂x+ v

∂u

∂y= −1

ρ

∂p

∂x+ ν

∂2u

∂y2(A.43)

e condições de contorno

y = 0 : u = 0, v = 0

y →∞ : u = U(x).(A.44)

No escoamento externo teremos:

U∂U

∂x= −1

ρ

∂p

∂x(A.45)

A.4 Escalas Turbulentas de Kolmogorov

A turbulência é considerada como um fenômeno do contínuo, em virtude das menores

escalas da turbulência serem muito maiores que qualquer escala espacial molecular [6].

Para se estimar a ordem de grandeza das menores escalas da turbulência recorre-se à

análise dimensional, com base na física da turbulência em escalas muito pequenas.

O processo decascata de energiapresente nos escoamentos turbulentos envolve a

transferência deenergia cinética turbulenta(por unidade de massa)k, das maiores es-

truturas turbilhonares para as menores. A energia cinética é dissipada por meio da ação

da viscosidade molecular que ocorre na escala das menores estruturas turbulentas. É

razoável supor que os movimentos nas pequenas escalas espaciais ocorrem em escalas

temporais também pequenas, independentemente da dinâmica das maiores estruturas tur-

bilhonares e do escoamento médio. Logo, as menores estruturas estariam em um estado

onde a razão de recebimento de energia cinética das maiores estruturas turbilhonares se-

ria quase igual à razão com que as menores estruturas dissipam energia. Esta hipótese faz

parte dateoria universal do equilíbriode Kolmogorov [77] citado por Wilcox [6]. Com

186

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base nela, pode-se dizer que o movimento nas menores escalas depende da razão de supri-

mento de energia pelas maiores estruturasε = −dk/dt, e da viscosidade cinemáticaν.

Considerando-seε (cujas dimensões sãocomprimento2/tempo3) e ν (cujas dimensões

sãocomprimento2/tempo) como as quantidades dimensionais relevantes, formam-se as

seguintes escalas características de comprimento (η), tempo (τ ), e velocidade (υ):

η ≡(ν3

ε

) 14 , τ ≡

(νε

) 12 , υ ≡ (νε)

14 (A.46)

conhecidas comoescalas de Kolmogorovde comprimento, tempo e velocidade, respecti-

vamente.

Considerando-se ainda que a turbulência é significativamente conduzida pelas maiores

estruturas turbilhonares, que fornecem energia para as menores escalas, pode-se supor

que existe, também, uma escala espacial característica das grandes estruturas turbilho-

naresl. Para escoamentos em altos números de Reynolds, a análise dimensional sugere

(e medições confirmam [6]) quek pode ser expresso em termos deε e del como:

ε ∼ k32

l⇒ k ∼ (εl)

23 (A.47)

A escala de comprimentol serve de base para a elaboração da maior parte dos mo-

delos de turbulência. Em muitos deles, considera-se, que há uma grande separação de

escalas, ou seja:

l� η. (A.48)

A.5 Representação do Espectro Unidimensional da Tur-

bulência

A distribuição da energia cinética turbulentak em um escoamento pode ser representada

pelo espectro de energiaE(−→K ), onde

−→K é o vetor número de onda. Se a turbulência for

isotrópica, o espectro de energia independe da orientação do vetor−→K , e será função ape-

187

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nas da magnitudeK do vetor número de onda. O inverso do número de ondaK pode ser

interpretado como a escala de comprimento típica de um vórtice turbulento correspon-

dente a aquele número de onda [2, 6]. Assim, os maiores vórtices corresponderão aos

menores números de onda e vice-versa.

Considerando a turbulência isotrópica, seE(K) dK for a energia cinética turbulenta

contida entre os números de ondaK eK+dK, teremos:

k =∫ ∞

0E(K)dK (A.49)

Considerando que a turbulência é fortemente conduzida pelas maiores escalas, pode-

se esperar que, para os correspondentes números de onda nessa região do espectro,E(K)

seja função do comprimento característicol desses vórtices, e da razão de deformação

média do escoamento, que fornece energia para a turbulência por meio da interação entre

o escoamento médio e os vórtices nas grandes escalas.

Nas escalas relativamente pequenas não há interação direta entre a turbulência e o

movimento nas maiores escalas. Isto ocorre porque as pequenas escalas são geradas por

uma série de pequenos estágios , oucascata de energia[1], perdendo informação em cada

estágio. Assim, nas menores escalas, espera-se que o espectro de energia não dependa de

l. Uma vez que a turbulência é sempre dissipativa, pode-se esperar queE(K) dependa de

ν e ε. Logo, podemos escrever:

E = E(K, ν, ε), K � l−1 (A.50)

A região de números de ondaK � l−1 é conhecida comoregião de equilíbrio. A

região do espectro ondeK ' η−1 , na qual predominam os efeitos viscosos que são

responsáveis pela dissipação da energia cinética turbulenta, o espectro cai rapidamente.

Esta região é conhecida comoregião viscosa, formando o extremo final da região de

equilíbrio.

Uma das hipóteses principais na teoria universal do equilíbrio de Kolmogorov é que

188

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em escoamentos com números de Reynolds elevados existe uma grande separação de

escalas no espectro de energia, o que implica eml � η.

Para se analisar a relaçãol/η, inicialmente utiliza-se a definição da escala de compri-

mento de Kolmogorov das equações (A.46) :

l

η=

l(ν3

ε

) 14

(A.51)

Utilizando-se na expressão acima a equação (A.47), que é válida para escoamentos

em altos números de Reynolds, tem-se:

l

η=

l(ν3

ε

) 14

∼l(k

32

l

) 14

ν34

∼ Re34T , ReT ≡

k12 l

ν(A.52)

ondeReT é o número de Reynolds da turbulência[6]. Dessa forma, a condição para

l� η será obtida quando houver altos valores no número de Reynolds da turbulência, ou

sejaReT � 1.

Logo, em escoamentos com altoReT haverá uma região entre as menores e maiores

escalas de comprimento de vórtices na qual o processo de cascata de energia será in-

dependente da estatística dos maiores vórtices, que recebem energia da interação com

o escoamento médio, ignorando-se portanto a dependência del e da razão deformação

média. Essa região será também independente dos efeitos de viscosidade molecular,

ignorando-se portantoν. Assim, nessa regiãoE(K) dependerá apenas deε e, obviamente

deK. A região do espectrol−1 � K � η−1 na qual prevalecem essas condições, situada

na extremidade inicial da região de equilíbrio, é chamada desubregião inercial. Esta de-

nominação vem do fato de nessa região preponderar a transferência de energia por efeitos

inerciais, e da produção e dissipação de energia cinética turbulenta serem pequenas. Note

que embora a dissipaçãoε seja pequena, o espectro depende dela, uma vez que a energia

que é dissipada deve ser transferida ao longo da subregião inercial, dos menores para os

maiores números de onda.

189

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Figura A.1: Representação esquemática do espectro de energia para um escoamento tur-bulento. As escalas dos eixos são logarítmicas.

A produção de energia cinética pelos vórtices nas grandes escalas causa um máximo

emE(K) em um valorK ' l−1, enquanto a dissipação viscosa causa uma brusca queda

no espectro emK ' η−1.

Baseando-se em argumentos de análise dimensional, Kolmogorov deduziu a seguinte

relação:

E(K) = CKε23K− 5

3 , l−1 � K � η−1 (A.53)

ondeCK é aconstante de Kolmogorov.

A equação (A.53) é conhecida como alei de Kolmogorov deK− 53 . Para escoamen-

tos em altos números de Reynolds, onde há uma significativa separação de escalas, a

subregião inercial será bem ampla. A existência da subregião inercial já foi verificada

em numerosos experimentos e simulações numéricas [6], e é considerado um dos mais

importantes resultados da teoria da turbulência [2]. Na figura A.1 é representado esque-

maticamente o espectro unidimensional de energia para um escoamento turbulento.

190

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A.6 Turbulência Bidimensional

Este trabalho abordará apenas escoamentos em duas dimensões. É, portanto, apropriado,

resumir alguns dos aspectos mais relevantes da turbulência bidimensional, que apresenta

algumas características significativamente diferentes da turbulência tridimensional.

A expressãoturbulência bidimensional (2D)refere-se ao estudo de soluções em altos

Redas equações de N-S (equações A.1 a A.4), dependendo apenas de duas coordenadas

cartesianas, no casox ey.

Um dos trabalhos pioneiros sobre turbulência bidimensional, da autoria de Kraichnan

[78], foi motivado pela possível aplicação no estudo de escoamentos meteorológicos em

escalas intermediárias (sinóticas). Frisch [79] apresenta como exemplos de importantes

escoamentos geofísicos reais onde a turbulência bidimensional é relevante, as correntes

oceânicas, o movimento de vórtices intensos como os ciclones tropicais e os movimen-

tos de grande escala das atmosferas planetárias. Vorobieff e Ecke [80] citam que, embora

haja importantes diferenças entre a turbulência em duas e três dimensões (3D), uma outra

motivação para os primeiros estudos teóricos da turbulência foi o interesse em escoamen-

tos tridimensionais, particularmente a sua simulação numérica. Devido às dificuldades

inerentes a esse tipo de simulação, os pesquisadores começaram a estudar problemas

bidimensionais por sua maior simplicidade, o que facilitaria a análise teórica, bem como

a simulação numérica e a visualização e interpretação de resultados.

Definindo-se o campo de velocidade comoui = (u, v, 0) e o campo de vorticidade

ωi = (0, 0, ω), as equações de N-S podem ser escritas como [81]:

∂ω

∂t+∇ • (uiω) = ν 52 ω (A.54)

onde

ωi = 5× ui (A.55)

e

5 • ui = 0 (A.56)

191

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O lado esquerdo de (A.54) representa a variação temporal da vorticidade para um

elemento material do escoamento, e no lado direito da equação o único termo presente

é o difusivo. Como não existe o termo de extensão das linhas de vorticidade, que con-

tribui para a variação da vorticidade de um elemento material, um aspecto essencial da

turbulência 3D é perdido na representação em duas dimensões [79].

A partir de (A.54),(A.55) e (A.56) pode-se obter as seguintes expressões para a

evolução temporal da média quadrática da velocidade (2×energia cinética)u2i e da média

quadrática da vorticidade (2×enstrofia)ω2:

du2i

dt= −2νω2 (A.57)

edω2

dt= −2ν(5ω)2 (A.58)

Na turbulência 3D a redução da viscosidadeν, sem mudança nas condições de pro-

dução da turbulência, conduz ao aumento da enstrofia, pois a difusão viscosa da vorti-

cidade também será reduzida, facilitando a extensão das linhas de vorticidade. Por essa

razão, em turbulência 3D, a razão de transferência de energia permanece diferente de

zero no limite invíscido (ν → 0). Em duas dimensões, entretanto, isso não ocorre. A

equação (A.58) mostra que a enstrofia varia no tempo apenas devido aos efeitos viscosos,

podendo apenas diminuir com o tempo. Assim, no limite invíscido, a razão de transfe-

rência de energia será nula para quaisquer valores iniciais finitos de energia cinética e

enstrofia.

Com relação à dissipação da enstrofia, Batchelor [82], citado por Chasnov [81],

propôs que a equação (A.58) pode ser singular no limite invíscido, e a derivada temporal

da enstrofia pode não ser nula nessa limite.

Em seu estudo, Kraichnan [78] destaca que duas subregiões inerciais devem ser in-

vestigadas: uma de transferência de energia e outra de transferência de vorticidade.

No item A.5 foi apresentada a premissa de Kolmogorov de que na subregião inercial

192

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o espectro de energiaE(K) depende apenas deK e ε, levando à relação descrita pela

equação (A.53), válida para duas e três dimensões. Kraichnan definiuη como sendo a

razão de transferência de enstrofia e propôs, alternativamente, que na subregião inercial

o espectro de enstrofia, definido como2K2E(K) , depende apenas deη e K, resultando

na relação,

E(K) = C ′η2/3K−3 (A.59)

ondeC ′ é uma constante.

O problema agora é a existência de duas equações associadas a subregiões inerciais

com comportamentos diferentes na inclinação do espectro de energia (-5/3 e -3). De

acordo com Kraichnan, essas subregiões podem existir simultaneamente no espectro de

energia da turbulência bidimensional. Ele argumenta que considerações teóricas e resul-

tados experimentais indicam que em turbulência 3D a cascata de energia na subregião

inercial ocorre no sentido dos menores para os maiores números de onda. A intensidade

da turbulência nos números de onda altos é suprimida pela viscosidade, sendo natural

esperar uma transferência líquida de energia para essa região do espectro a partir dos

números de onda mais baixos, fortemente excitados.

Em seu trabalho [78], Kraichnan demonstrou que em duas dimensões, entretanto, a

interação de tríades de modos em diferentes números de onda propagam a excitação no

espaço de números de onda tanto para os menores quanto para os maiores números de

onda. A existência da subregião -5/3 implica emε < 0, ou seja, existe umacascata

de energia inversa, dos maiores para os menores números de onda. Na subregião -3 a

cascata de vorticidade é direta, dos menores para os maiores números de onda (η > 0).

Dessa forma, a subregião inercial -5/3 serve para remover aenergiada região do

espectro onde há a entrada de energia no escoamento, transferindo-a para a região de

números de onda tendendo a zero, enquanto que a subregião inercial -3 transporta avor-

ticidadena direção da região de dissipação viscosa do espectro. Assim, ambas subregiões

podem coexistir no espectro de energia. Esses resultados são válidos para escoamentos

bidimensionais onde a turbulência é forçada. No caso turbulência não forçada (em decai-

193

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mento), Bactchelor [82], citado por Rutgers [83], sugeriu a existência apenas do regime

da subregião inercial -3 .

No que se refere à real existência dessas subregiões inerciais, Kraichnan cita o seguinte

[78]:

“A lei da região inercial assintótica de -5/3 estrita não está estabelecida acima

de qualquer dúvida em escoamentos tridimensionais, e os argumentos para as

regiões de similaridade em duas dimensões são substancialmente menos se-

guros. O presente trabalho demonstrou algumas propriedades de consistên-

cia elementares, porém isto não prova que essas regiões de similaridade real-

mente existem.”

Frisch[79] cita diversos experimentos numéricos que obtiveram uma razoável represen-

tação do espectroK−3. Em alguns casos, entretanto, na avaliação daquele autor, “as

evidências não são muito fortes”.

Vorobieff e Ecke [80], utilizando escoamentos turbulentos bidimensionais forçados

em filmes de sabão obtiveram espectros de energia com inclinações próximas ao valor

previsto de -3 em uma faixa de números de onda abrangendo mais de uma década.

Chasnov[81], por sua vez, estudando o decaimento da turbulência 2D homogênea con-

seguiu simular numericamente espectros de energia com inclinações próximas a -3 na

subregião inercial . As regiões do espectro com esse comportamento foram menores

que as obtidas por Vorobieff e Ecke. Outro ponto relevante é que nas simulações rea-

lizadas comRemaiores a inclinação do espectro na subregião inercial foi ligeiramente

mais acentuada que o valor teórico de -3. Rutgers [83], também realizou experimentos

com escoamentos turbulentos em filmes de sabão. Em seu estudo, nos casos em que a

turbulência foi forçada, foram obtidos espectros de energia em que estavam presentes as

duas subregiões inerciais (-5/3 e -3). Nos experimentos de turbulência não forçada, foi

obtida apenas a subregião inercial com inclinação -3. Os resultados do estudo, de acordo

com o autor, foram as primeiras evidências experimentais que sustentaram os resultados

da teoria da turbulência bidimensional.

194

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A.7 A Hipótese de Taylor

Considere-se um túnel de vento onde estejam sendo feitas medições da componente hori-

zontal da velocidadeu(x, t) em um ponto fixo relativo ao túnel. Defina-seu′(x, t) como

a componente horizontal do vento medida no referencial lagrangiano do escoamento mé-

dio,

u(x, t) = u′(x− Ut, t) + U (A.60)

ondeU é a componente horizontal do escoamento médio.

A hipótese de Taylorreinterpreta a variação temporal deu em um ponto fixo no

espaço como sendo a variação espacial deu′ [79]. A correspondência entre incrementos

espaciaisδx parau′ e incrementos temporaisδt parau é definida como,

δx = Uδt (A.61)

A hipótese de Taylor é empregada frequentemente na análise do espectro de energia

unidimensional de escoamentos turbulentos, visando permitir a interpretação no domínio

do espaço (número de onda) de dados experimentais obtidos no domínio do tempo (fre-

quências), medidos por um número reduzido de sensores fixos. Assim, na represen-

tação gráfica do espectro de energia, o eixo do tempo (ou frequência) é normalmente

renomeado como de posição (ou número de onda).

A hipótese de Taylor é aplicável a escoamentos estatisticamente estacionários, nos

quais a intensidade da turbulênciau′ é pequena quando comparada à velocidade médiaU

[21]. A acurácia em sua aplicação depende tanto das propriedades do escoamento quanto

da estatística que está sendo medida. Em escoamentos cizalhantes livres (camadas de

mistura), por exemplo, vários experimentos mostraram que a hipótese de Taylor não

produz bons resultados [21]. Apesar de suas restrições, ela tem emprego generalizado

em estudos experimentais de turbulência.

195

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A.8 Medidas da Camada Limite

A.8.1 Espessura da camada limite e espessura de deslocamento

Devido ao fato de não haver uma separação distinta entre a região da camada limite e do

escoamento livre (ou externo), torna-se necessário estabelecer objetivamente o conceito

de espessura da camada limiteδ para as aplicações práticas. Usualmente, a fronteira da

camada limite é arbitrada como sendo um ponto onde a velocidade atinge um certa fração

da velocidade do escoamento externo, 99 % por exemplo [50]. Quando este for o critério,

será utilizada a notaçãoδ99.

Para um escoamento laminar ao longo de uma placa plana, com ângulo de incidência

igual a zero,δ99 pode ser estimado como [50]:

δ99(x) ≈ 5

√νx

U∞(A.62)

ondeU∞ é a velocidade do escoamento externo à camada limite, na posiçãox.

Uma forma menos arbitrária de se estabelecer uma medida interpretável da espessura

da camada limite é através daespessura de deslocamentoδ1, definida como:

δ1 ≡∫ ∞

0

(1− u

U∞

)dy (A.63)

A espessura de deslocamento expressa o quanto as linhas de corrente são deslocadas

pela camada limite. Para um escoamento laminar sobre uma placa plana, com ângulo de

incidência igual a zero, tem-se a relação [50]:

δ1(x) = 1.721

√νx

U∞(A.64)

A.8.2 Espessura de quantidade de movimento

A presença da camada limite faz com que haja uma redução na quantidade de movimento

que flui na camada, quando comparada à situação na qual não fossem considerados os

196

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efeitos viscosos do fluido. Aespessura de quantidade de movimentoδ2 baseia-se nessa

diferença e é expressa por [50]:

δ2 ≡∫ ∞

0

u

U∞

(1− u

U∞

)dy (A.65)

Para um escoamento laminar sobre uma placa plana, com ângulo de incidência igual

a zero,δ2 pode ser estimada por [50]:

δ2(x) = 0.664

√νx

U∞(A.66)

A.8.3 Espessura de energia

Semelhante ao que ocorre com relação à quantidade de movimento, existe uma redução

na energia cinética na camada limite com relação ao escoamento invíscido. Considerando-

se essa redução, define-se aespessura de energiaδ3 como [50]:

δ3 ≡∫ ∞

0

u

U∞

(1− u2

U2∞

)dy (A.67)

Pode-se estimar o valor deδ3 para um escoamento laminar sobre uma placa plana,

com ângulo de incidência igual a zero pela expressão [50]:

δ3(x) = 1.044

√νx

U∞(A.68)

As medidas de espessura expressas pelas equações (A.64), (A.66) e (A.68) podem ser

relacionadas à espessura da camada limite (A.62) da seguinte forma:

δ1 = 0.34δ99

δ2 = 0.13δ99

δ3 = 0.20δ99

(A.69)

Note que as medidas de espessuraδ1, δ2 e δ3 incorporam informações sobre a dis-

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tribuição da velocidadeu na direção normal à placa ao longo de toda a camada limite,

enquanto queδ99 considera o valor da velocidadeu em apenas um ponto da direção nor-

mal à placa.

A.9 A Lei da Parede3

Considere-se um escoamento próximo à parede de um canal, de um duto circular, ou de

uma camada limite. SejaU∞ a velocidade do escoamento livre em uma camada limite,

ou a velocidade na linha de centro de um canal ou de um duto circular. Sejaδ a largura

do escoamento, que pode ser a largura da camada limite, ou metade da largura do canal,

ou ainda o raio do duto circular. Considere-se, também que a parede é lisa.

Pode-se supor que o perfil de velocidade próximo à parede depende apenas de parâ-

metros que são relevantes naquela região, e que não existe dependência deU∞ ou deδ.

Logo, muito próximo à superfície sólida, espera-se que

u = u(ρ, τw, ν, y) (A.70)

ondeρ é a densidade,τw é a tensão de cizalhamento na parede,ν é a viscosidade cine-

mática ey é a coordenada transversal à parede.

Para se expressar A.70 em termos adimensionais define-se, inicialmente, a razão

uτ =

√τwρ

(A.71)

que tem dimensões de velocidade, e por isso é chamada develocidade de fricção. A

expressão A.70 pode, então, ser escrita na forma

u = u(uτ , ν, y) (A.72)

A partir da expressão A.72 pode-se definir dois grupos adimensionaisu/uτ eyuτ/ν,

3Esta seção baseia-se em Kundu [2].

198

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que devem se relacionar por uma forma funcional universal

u

uτ= f

(yuτν

)(A.73)

ondeu+ ≡ u/uτ é a média da componente longitudinal da velocidade normalizada e

y+ ≡ yuτ/ν é a distância à parede normalizada pela chamadaescala viscosaν/uτ .

A equação A.73 é chamada delei da paredee expressa queu+ deve ser uma função

universal dey+ na região muito próxima a uma parede lisa.

A parte interior do escoamento, imediatamente junto à parede, é dominada por efeitos

viscosos, e chamada desubcamada viscosa.Por ela ser muito fina, considera-se que nela

a tensão de cizalhamento é uniforme, igual aτw. A componente transversal do gradiente

de velocidade na subcamada viscosa será, portanto,

du

dy=τwµ

(A.74)

que implica em uma variação linear deu em relação ay.

Integrando A.74, aplicando a condição de não deslizamento sobre a parede, obtém-se

u =y τwµ

que em termos das variáveis normalizadasu+ ey+ é escrita como

u+ = y+ (A.75)

A expressão A.75 aplica-se à subcamada viscosa, e experimentos mostram que ela é

válida atéy+ ∼ 5.

Na parte exterior da camada limite turbulenta as características gerais são de escoa-

mento invíscido, semelhantes aos dos escoamentos em que não há superfícies sólidas

(escoamentos cizalhantes livres). A existência de tensões de Reynolds na região exterior

implica na geração de umdefeito na velocidade(U∞ − u), que é esperado ser propor-

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cional ao atrito da parede, caracterizado poruτ . Resultados experimentais mostram que

a distribuição da velocidade na região exterior tem a forma

u− U∞uτ

= g (ξ) (A.76)

ondeξ = y/δ. A expressão A.76 é conhecida comolei do defeito na velocidade.

Os perfis de velocidade nas partes interior e exterior da camada limite são governa-

dos por expressões diferentes (A.73 e A.76), nas quais a variávely é normalizada de

formas diferentes. As soluções interior e exterior devem ser combinadas em umaregião

de superposição, tomando-se os limitesy+ → ∞ e ξ → 0 simultaneamente. É mais

conveniente se trabalhar com os gradientes transversais de velocidade na área de super-

posição, em lugar das velocidades. A partir de A.73 e A.76 os gradientes de velocidade

nas regiões interior e exterior são dados por

du+

dy=uτν

df

dy(A.77)

du+

dy=

1

δ

dg

dξ(A.78)

Igualando A.78 e A.77 e multiplicando pory obtém-se

y+ df

dy+= ξ

dg

dξ(A.79)

válida paray+ →∞ eξ → 0. Na expressão A.79 o lado esquerdo é função apenas dey+

e o lado direito é função apenas deξ. Logo, ambos os lados devem ser iguais a uma cons-

tante1/κ, ondeκ é chamadaconstante de Karman, que foi avaliada experimentalmente

como sendoκ ' 0.41 .

Integrando-se A.79 obtém-se

f(y+) =1

κln y+ + A (A.80)

200

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Figura A.2: Representação esquemática das regiões na camada limite próxima a umaparede.

e

g(ξ) =1

κln ξ +B (A.81)

Essas são as distribuições de velocidade normalizadau+ na camada de superposição,

também chamada decamada logarítmica.Os valores normalmente adotados para as

constantes, obtidos a partir de experimentos, sãoA = 5.0 eB = -1.0.

A distribuição de velocidade logarítimica da expressão A.80 é válida paray+ > 30.

Schlichtinget al. [50], entretanto, consideram que a região de superposição está locali-

zada emy+ > 70. O limite superior dela depende do número de Reynolds, aumentando à

medida queReaumenta.

A região entre a subcamada viscosa (y+ > 5) e a região de superposição (y+ >30)

é chamada decamada intermediária.Ela é uma região de transição, entre as partes

do escoamento dominadas pela viscosidade e pela turbulência (tensões de Reynolds),

respectivamente. Na figura A.2 são representadas esquematicamente as diferentes regiões

na camada limite próxima a uma parede.

201

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Cabe ressaltar que a medição precisa deτw para a obtenção deuτ é geralmente difícil.

Por essa razão, em estudos experimentais e numéricos, tais como os de Coles [84], Wei

e Willmarth [65] e de Kimet al. [64], foram feitos ajustamentos nos perfis de velocidade

medidos ou simulados, de forma a que eles reproduzissem a lei da parede. Isto é feito,

normalmente, ajustando-se o valor deuτ , de maneira a reduzir as diferenças entre os

valores de velocidade observados e/ou medidos, normalizados, e os definidos pela lei da

parede.

202

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