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SInPeM I Simpósio Internacional de Pesquisa em Museologia Programa de Pós-Graduação Interunidades em Museologia da Universidade de São Paulo Curso de Sociomuseologia Mário Moutinho 2013

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SInPeMI Simpósio Internacional de Pesquisa em Museologia

Programa de Pós-Graduação Interunidadesem Museologia da Universidade de São Paulo

Curso de SociomuseologiaMário Moutinho

2013

1    

Nueva museologia de ayer, sociomuseologia hoy: de los procesos históricos a las

tendencias actuales

RdM. Revista de Museología: Publicación científica al servicio de la comunidad museológica, ISSN 1134-0576, Nº. 53, 2012 (Ejemplar dedicado a: Sociomuseología) , págs. 30-34

Mario Moutinho1

Quando a ideia de Nova Museologia ganhou relevância no fim da década de 70,

o contexto museológico de uma forma geral era caracterizado pelo lugar central que

ocupavam as grandes instituições, de impacto nacional e mesmo internacional,

geralmente localizadas nas capitais de cada país. Destas instituições emanava um

sentido de referência que definia os limites e lugar daquilo que deveria ser um Museu.

Tratava-se de instituições de grandes colecções onde o saber das técnicas

museológicas e das disciplinas de cada especialidade, em particular no domínio da

história da arte da arqueologia ou da etnografia, representavam o saber museológico que

se revelava como consolidado servindo ao mesmo tempo de padrão.

Quando tomaram forma outras realidades museológicas que não se reconheciam

no modelo estabelecido, ficou progressivamente evidente que este não dava conta nem

respondia às problemáticas que de forma mais ou menos consistente, um número

crescente de museus objectivamente colocava.

Geralmente tratava-se de pequenas instituições, fora das grandes cidades, que

revelavam uma articulação consciente com o meio que as envolvia ou que eram na

verdade iniciativas locais que reconheciam a museologia como uma forma e meio de

expressarem a sua compreensão dos valores da memória, do património e do

desenvolvimento local.

E dessa articulação nascia uma consciência mais clara das realidades locais, as

quais a museologia estabelecida olhava desconfiada.

Provavelmente não tanto pela própria natureza dessa nova forma de entender a

museologia mas pelo desarranjo que provocava na ordem estabelecida. Como no caso

                                                                                                                         1 Mário Moutinho é professor de Museologia, membro fundador e foi Presidente do MINOM-ICOM 2007-2011. Coordenador até 2007 do Mestrado e do Doutoramento em Museologia na Universidade Lusófona. Tem publicações na área da Sociomuseologia. É Reitor da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa.

2    

da recusa do ICOFOM na 14 ª Conferencia de Londres do ICOM em 1983, reconhecer a

existência no seu seio de um agrupamento de ecomuseus2. Esta possibilidade implicaria

o reconhecimento não desejado dos ecomuseus, como parceiros em situação de

igualdade coma a museologia estabelecida.

E no entanto, nessa altura, já era uma realidade consolidada a existência de

instituições museológicas que se orientavam por outros padrões. São disso exemplo os

museus de vizinhança essencialmente vocacionados para a animação de bairros urbanos

hispanófonos e negros das grandes cidades norte americanas, onde era dada uma

particular importância aos problemas do urbanismo, da identidade dos moradores e do

seu bem-estar, preocupando-se com as questões de poluição, alojamento, reabilitação

social e criação artística.

Também a renovação da museologia mexicana em certa medida próxima dos

museus de vizinhança, no âmbito do projecto Casa del Museo, onde os objectivos se

expressavam pela animação e discussão sobre questões da vida quotidiana, com uma

forte implicação popular.

Na Suécia, as exposições populares organizadas com o apoio ou por iniciativa da

Riksutstälningar onde a museografia particularmente cuidada, utilizando materiais

simples é simultânea dos trabalhos de Sven Lindquist sobre a memória operária,

renovaram o interesse pela criação e remodelação de museus de empresa e dos círculos

de estudo e de um modo mais vasto, provocavam um olhar novo sobre a sociedade

sueca

Os museus de arqueologia industrial que no Reino Unido se embasavam na

capacidade das populações de se apropriarem dos métodos da arqueologia e da história

local, organizando a restauração de espaços industriais e assegurando a sua animação e

acolhimento turístico.

Os ecomuseus por seu lado, invocando-se especialmente do pensamento e acção

de Georges Henri Rivière e de Hugues de Varine, colocavam entre outros os problemas

da territorialidade, da interdisciplinaridade, e como nos casos já referidos da própria

participação das populações como atores e utilizadores das programações

ecomuseológicas, com vista ao desenvolvimento social do meio que lhes dava vida. 3

                                                                                                                         2 Cf Pierre Mayrand, Parole de Jonas essais de terminologie, Augmentés des chroniques d´un altermuséologue, Cadernos de Sociomuseologia, nº 31-2009, Universidade Lusófona, Lisboa  3 Cf.Peter Davis, Ecomuseums: A Sense of Place, 2011. Continuum International Publishing Group, London, Primeira edição 1999

3    

Quando em 1984 se reuniu no Quebec o Atelier Internacional Ecomuseus - Nova

Museologia, tornou-se evidente que existia uma nova prática museológica generalizada

expressando-se de diferentes formas e emergente em numerosos países. Tal facto

explica que se tenha na ocasião posto em evidência a Declaração de Santiago do Chile a

qual tinha sido elaborada no quadro da Mesa Redonda organizada pela

UNESCO/ICOM. Se em 1972 esta declaração passou relativamente desapercebida, em

Quebec a nova realidade do panorama dos museus podia facilmente identificar-se com

os princípios então declarados.

Este processo anunciava assim na Declaração de Santiago (1972

UNESCO/ICOM) onde se considerava também:

Que o museu é uma instituição ao serviço da sociedade da qual é parte

integrante e que possui em si os elementos que lhe permitirem participar na

formação da consciência das comunidades que serve; que o museu pode

contribuir para levar essas comunidades a agir, situando a sua actividade no

quadro histórico que permite esclarecer os problemas actuais, (…) Que esta

nova concepção não implica que se acabe com os museus actuais nem que se

renuncie aos museus especializados mas que pelo contrário esta nova

concepção permitirá aos museus de se desenvolver e evoluir de maneira mais

racional e mais lógica a fim de se melhor servir a sociedade.(…) Que a

transformação das actividades do museu exige a mudança progressiva da

mentalidade dos conservadores e dos responsáveis dos museus assim como das

estruturas das quais eles dependem"4

Na verdade entre a Declaração de Santiago e o Atelier do Quebec decorreu em

pouco mais de uma década, um período particularmente rico de inovação e afirmação na

prática e no entendimento de uma Nova Museologia.

Tratava-se de reflectir e dar continuidade à reflexão de Santiago mas também e

talvez aqui esteja um dos aspectos mais importantes deste Atelier, organizar o que se

sentia ser um movimento simultâneo em numerosos países. Faltava então uma

plataforma na qual os diferentes intervenientes se podessem reunir, quebrando de certa

forma o isolamento entre si e naturalmente mais ainda face aos poderes instituídos.

                                                                                                                         4 Cf. A memória do pensamento museológico contemporâneo (Documentos e Depoimentos) org. Marcelo Araujo & Cristina Bruno, Comitê Brasileiro do ICOM, 1995

4    

A criação do MINOM em 1985 de certa forma viria a consolidar este processo

pelo que pouco tempo depois foi reconhecida como Organização afiliada ao ICOM sem

contestação.5

Entre os objectivos prioritários do Atelier, devem ser mencionados a tentativa de

criação de condições de intercâmbio entre as experiências do âmbito da ecomuseologia

e de modo geral da nova museologia no mundo e o esclarecimento das suas relações

com a museologia instituída em geral. Enfim pretendia-se aprofundar e rever conceitos

e encorajando ao mesmo tempo novas práticas museológicas.

Ao longo destes anos, aquilo que numa altura se revelava como uma Nova

Museologia deixou de o ser, pelo simples facto das ideias que essa Nova Museologia

trazia, terem sido de facto assimiladas por um número crescente de museus. Pelo menos

do ponto de vista do discurso, actualmente só um Museu “politicamente incorrecto”

poderá assumir-se com indiferente à inclusão social, às questões do desenvolvimento ou

da sustentabilidade.

A questão principal reside simplesmente na prioridade que cada museu define

como seu objectivo principal. Entre trabalhar com as colecções ou trabalhar com os

desafios contemporâneos existe um vasto campo de acção que dá forma a cada Museu.

Aliás, devemos facilmente reconhecer a existência de instituições que mais ou menos

conscientemente actuam entre estes dois campos procurando colocar-se ao serviço da

sociedade e do seu desenvolvimento, tal como a actual e renovada definição de museu

do ICOM propõe.

Importa referir no entanto que a aceitação deste direito á diferença implica

naturalmente também mudanças na formação daqueles que actuam nos museus.

Trabalhar com as colecções ou trabalhar com os desafios contemporâneos, ou seja com

pessoas, não assenta em idênticas competências, pessoais, políticas e profissionais. Se

no primeiro caso estamos em presença de formações essencialmente técnicas, no

segundo caso pensamos numa abordagem essencialmente no domínio das ciências

sociais.

Esta distinção, que consideramos da maior relevância, não é no entanto assumida

pelas universidades que na maioria dos casos assentam os seus programas em conteúdos

                                                                                                                         5  Para  consultar  os  arquivos  do  MINOM  http://www.minom-­‐icom.net/signud/  

5    

relacionados com as colecções que se assumem como sendo estruturantes das

formações. É disto exemplo o Referencial Europeu das Profissões Museais elaborado no

seio do ICTOP onde não se encontra se quer referenciada a profissão de museológo (!). 6

No entanto quando pensamos um programa de formação objectivando contribuir

para a formação de museólogos que possam servir uma museologia orientada para as

pessoas, fácil é reconhecer que esse novo profissional necessita de uma abordagem tão

nova quanto os desafios que deverá enfrentar, no quadro de uma redefinida

Sociomuseologia

Importa no entanto considerar que aquilo que actualmente se reconhece como

Sociomuseologia não corresponde a uma ruptura com a Nova Museologia, mas em

nosso entender é simplesmente uma reformulação assente na realidade actual da

museologia. Neste caso trata-se de uma abordagem multidisciplinar que sintetizamos

nos seguintes termos numa proposta de definição evolutiva de Sociomuseologia:

“A Sociomuseologia traduz uma parte considerável do esforço de

adequação das estruturas museológicas aos condicionalismos da sociedade

contemporânea.

A abertura do museu ao meio e a sua relação orgânica com o contexto social

que lhe dá vida, têm provocado a necessidade de elaborar e esclarecer

relações, noções e conceitos que podem dar conta deste processo.

A Sociomuseologia constitui-se assim como uma área disciplinar de ensino,

investigação e actuação que privilegia a articulação da museologia em

particular com as áreas do conhecimento das Ciências Humanas, dos Estudo

dos do Desenvolvimento, da Ciência de Serviços e do Planeamento do

Território.

                                                                                                                         6 Cf. Referencial Europeu das Profissões Museais, ICTOP, 2008. http://www.icom-portugal.org/multimedia/ICTOP_referencial_PT.pdf Director/a: Colecções e Investigação Públicos Administração, gestão e logística. Colecções e Investigação: Conservador/a, Responsável pelo Inventário, Gestor de Colecções, Restaurador/a, Assistente de Colecções, Responsável pelo Centro de Documentação, Comissário/a de Exposições, Designer de Exposições Públicos: Responsável pela Mediação e Serviço Educativo, Mediador/a, Responsável pelo Serviço de Acolhimento e Vigilância, Técnico de Acolhimento e Vigilância, Responsável pela Biblioteca/Mediateca, Responsável pelo Sítio Web Administração, Gestão e Logística: Administrador/a/Gestor/a, Responsável pela Logística e Segurança, Responsável pelos Sistemas Informáticos, Responsável pelo Marketing, Divulgação e Recolha de Fundos, Responsável pela Comunicação com os Media

6    

A abordagem multidisciplinar da Sociomuseologia visa consolidar o

reconhecimento da museologia como recurso para o desenvolvimento

sustentável da humanidade, assente na igualdade de oportunidades e na

inclusão social e económica.

A Sociomuseologia assenta a sua intervenção social no património cultural e

natural, tangível e intangível da humanidade.

O que caracteriza a Sociomuseologia não é propriamente a natureza dos

seus pressupostos e dos seus objectivos, como acontece em outras áreas do

conhecimento, mas a interdisciplinaridade com que apela a áreas do

conhecimento perfeitamente consolidadas e as relaciona com a Museologia

propriamente dita”7.

Nova Museologia ou Sociomuseologia trata-se da busca de uma compreensão

das mudanças profundas da realidade dos museus. Ou seja, mais do que ambicionar a

construção de uma nova teoria museologia a questão é ter simplesmente em

consideração que os museus mudaram, pelo menos tanto quanto as sociedades onde

estão inseridos. E essas mudanças são de facto profundas.

O direito à diferença

Deixou de existir um modelo único de Museu igual à ideia de colecção, de

edifício e de público, para se assumir o museu com um lugar central dos conceitos de

património (s) território e população. Desenvolveram-se novos modelos de gestão não

hierarquizados e assumiu-se o alargamento da noção de património, e a consequente

redefinição de "objecto museológico ". Os conceitos de Ecomuseologia, de

Economuseologia, de Sociomuseologia expressam diferentes formas dos museus se

posicionarem no mundo contemporâneo.

O museu como fim versus museu como recurso.

É certo que já nos estatutos do ICOM se escreve que o museu é uma instituição

ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, mas também é certo que os museus

têm estado mais ao serviço de si próprios, das suas colecções e dos objectos que os seus

donos (porque os museus têm donos -Publico ou privados) lhes atribuíram.

                                                                                                                         7 Actas do XII Atelier Internacional do MINOM, Cadernos de Sociomuseologia nº 28-2007, Universidade Lusófona, Lisboa http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/510

7    

Mas também é certo, que é cada vez mais frequente constatar que uma nova

geração de Museus se organizam e definem os seus programas de actividades

perspectivados, como recurso para o desenvolvimento. Preocupam-se com os problemas

do mundo em que vivem promovendo o emprego, fomentando novas formas de turismo,

revitalizando e criando indústrias e reforçando identidades. Cada dia que passa, mais os

museus procuram diferentes formas de sustentabilidade e estão atentos à promoção do

desenvolvimento humano e da coesão social e económica.

A Museologia como meio de Comunicação.

A museologia como meio de comunicação é cada vez mais entendida como um

recurso exterior ao Museu. E se assim for, teremos de considerar a distinção entre a

museografia, como tudo o que diz respeito ao Museu, da expografia entendida como

uma escrita, de algum modo inovadora, como sendo esse meio de comunicação.

Podemos fazer um paralelo: se a escrita não é apenas um recurso ao serviço dos

editores de texto, mas sim uma forma de expressão cada vez mais acessível e

democratizada a expografia também não é apenas um recurso que só tem sentido ao

serviço dos Museus.

Se o Museu reconhece e é fruto das multifacetadas redes, que lhe dão vida, terá

forçosamente que admitir a alteração do lugar de cada um ocupa neste processo e

encontrar novos rumos de comunicação que tenham em consideração que aqueles que

produzem e consomem o discurso museológico são parte do mesmo processo.

Para os Museus isto trás consequências importantes. A expografia deixando de

estar acorrentada ao serviço das colecções passa a poder ser um recurso para

desenvolver e apresentar ideias dentro e fora do Museu.

A autonomia dos públicos

O grau de autonomia de cada pessoa, que hoje caracteriza a nossa sociedade leva

os indivíduos cada vez mais, a não se submeterem tão facilmente a discursos

autoritários e padronizados.

O Museu é cada vez mais entendido pelo seu conteúdona busca de reflexão às

preocupações de cada visitante. Reconhecer a existência de um público que não precisa

de guias, nem legendas é apenas bom senso, e obriga o Museu a elaborar discursos

simultaneamente mais complexos e menos padronizados.

8    

Hoje   em   dia   qualquer   adolescente   domina   plenamente   processos   de  

aquisição  de  informação  mil  vezes  mais  amplos  e  complexos  que  a  geração  dos  seus  

pais.   Estamos   a   falar   da  Web   e   de   todos   os   recursos   ai   existentes.   Por   que   razão  

alguém   se   contentará   da   geralmente   pobre   informação   que   o  Museu   disponibiliza  

quando   tem   ao   seu   alcance   um   mundo   de   conhecimento?   Hoje   em   dia   qualquer  

adolescente  nos  países  desenvolvidos  e  em  certa  medida  nos  outros  países,  domina  

plenamente   processos   de   aquisição   de   informação   mil   vezes   mais   amplos   e  

complexos   que   a   geração   dos   seus   pais.   E   no   entanto   os   museus   obstinam-­‐se   a  

transportar  para  os  displays  singulares  ou  cobrindo  paredes   inteiras,  exatamente  os  

mesmos   conteúdos   que   anteriormente   apresentavam   em   painéis   penosamente  

construídos   pedaço   a   pedaço   ou,   mais   modernamente,   diretamente   impressos   em  

telas  que  depois  se  afixavam  aos  mesmos  painéis.  Reduzir  ou  não  procurar  utilizar  os  

recursos  tecnológicos  atuais  para  servir  novos  desafios  da  museologia,  mas  somente  

para  modernizar   narrativas   esgotadas,   parece   cada   vez  mais   uma   falta  de  atenção  

para  com  o  mundo  em  mudança8

Os ritmos museológicos

A ideia de exposição temporária é hoje um dado adquirido e nenhum museu que

se pretenda moderno ousaria ignorar este facto. Por outro lado a montagem de

exposições sobre problemas da actualidade, museus da sociologia, da psicologia ou da

globalização, também são uma realidade e estruturam por si sós a programação

museológica de pequenas e grandes instituições, ou de pequenos museus de comunidade

e de redes onde as exposições são essencialmente o partilhado processo de apreensão da

realidade e catalisadoras de vontades, aspirações e desejos de intervenção.

Mas se pensamos na actuação dos museus em sintonia com o mundo que os

rodeia, e que esse mundo está em permanente mudança, também os museus e as suas

exposições terão forçosamente de se renovar no mesmo ritmo da história. Em última

instância, poderemos imaginar um museu que a cada manhã propõe uma nova

exposição elaborada e montada durante a noite, tal com fazem os jornais.

                                                                                                                         8 Moutinho, Mario C. M. 2010. Os museus portugueses perante a Sociomuselogia. In 100 anos de patrimônio: memória e identidade: , 313 - 322. ISBN: 978-989-8052-20-9. Lisboa: IGESPAR

9    

Não sendo obrigatório terminar este texto com uma conclusão gostaríamos de

aceitar como razão da nova Museologia e/ou Sociomuseologia a definição de Museu

proposta pelo Instituto Brasileiros de Museus9

“Os museus são casas que guardam e apresentam sonhos, sentimentos,

pensamentos e intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas.

Os museus são pontes, portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e

pessoas diferentes. Os museus são conceitos e práticas em metamorfose”

MINOM-ICOM International Movement for a New Museology Based broadly on a concern for social and cultural change, MINOM brings together individuals who are dedicated to active and interactive museology. It is open to aIl approaches which make the museum an instrument for identity building and development within the community. MINOM favours cooperative relationships between users and professionals, as well as intercultural collaboration. MINOM is an international organization affiliated to ICOM (International Council of Museums). Origin MINOM was founded in 1985, in Lisbon, Portugal, during the 2nd International New Museology Workshop. This official foundation was the result of the 1st International – Ecomuseums / New Museology Workshop in Quebec (Canada) in 1984, when museologists from 15 countries adopted The Quebec Declaration as a reference point for the movement. Its ideological origins are found in the Santiago Declaration adopted in 1972 in Chile. Philosophy Help each other, learn from each other’s strategies of using heritage and museums as a tool to combat injustice, to foster development in communities, to foster dialogue. For us, these are not just words, they are part of a project of society, with more solidarity. It is a debate not about organizations or objects, but about people. What can we expect from the movement? Essentially the sharing of human experiences and techniques which too often are litt1e because of the uncertain finances and the isolation which are common to many expressions of new museology: ecomuseums, neighbourhood museums, local museums, popular and commW1Íty museums. Encouragement of innovative museum initiatives. Regional and international meetings of members and non-members. A continuous exchange of ideas on the goals of museology and museography. Communication by the simplest and most direct means. Enthusiasm shared by our members http://www.minom-icom.net/

                                                                                                                         9 http://www.museus.gov.br/museu/

 26   e   27   Abril   2013   São   Brás   de   Alportel,   Museu   do   Trajo   S.   Brás   de   Alportel   /   Departamento   de  Museologia  da  Universidade  Lusófona  /  MINOM-­‐ICOM  

 

“SMART”  museologia:    eSpecífica,  Dimensível,  viAvel,  Relevante,  aTempada1  Mário  Moutinho    

 ESPECÍFICO  (Specific)  

relativo  à  espécie;  especial;  exclusivo;  característico;  MENSURÁVEL  (Mesurable)  

Que  pode  ser  medido.  (Medir)  Calcular;  considerar;  percorrer  com  a  vista;  olhar  com  provocação  

VIÁVEL  (Attainable)  Que  pode  ser  percorrido,  que  não  oferece  obstáculos.  

Em  que  podem  abrir-­‐se  caminhos.  =  transitável  Que  pode  ser  feito.  =  exequível  

Que  pode  viver  ou  sobreviver.  =  vivedouro  RELEVANTE  (Relevant)  

Que  releva;  Que  sobressai;  Importante.  ATEMPADO  (Timely)  

(particípio  de  atempar)  Que  se  atempou;  Que  aconteceu  ou  foi  feito  a  tempo  ou  no  tempo  adequado.    [Agricultura]    Que  vingou,  que  criou  raízes.  

(Infopédia  Porto:  Porto  Editora,  2003-­‐2013)      

 (…)   No   campo   da   demonstração   esta   exposição   revelou-­‐se   ser   uma   fonte   de   aprendizagem  

daquilo   que   chamaríamos   a   posteriori   de   SMART   expografia,   entendida   esta   ideia   de   SMART   como  utilizada  nos  mais  diversos  meios  científicos  e  empresariais  desde  os  anos  80,  como  obrigando  do  ponto  de   vista   metodológico   a   ter   em   consideração   as   seguintes   preocupações:     a   sua   especificidade,   a  possibilidade  de  ser  avaliada,  a  sua  viabilidade,  a  sua  relevância  e  finalmente  a  sua  adequabilidade  no  tempo.  

Em  primeiro  lugar,  a  exposição  deveria  ter  objetivos  claramente  definidos,  (Specific).  Na  verdade  os   objetivos   foram   evoluindo   numa   primeira   fase   do   trabalho,   na  medida   em   que   se   envolveram   de  forma  crescente  novas  sensibilidades  e  competências  profissionais  e  científicas.  Entre  o  primeiro  título                                                                                                                            

1    Extrato   do   catálogo   da   Exposição   “Baixa   em   Tempo   Real”   Departamento   de   Museologia,   Galeria  Millennium,   Lisboa,   Museu   da   República   Rio   de   Janeiro   01 de Fevereiro - 24 de Maio, 2013.

http://wwwbaixaemtemporeal.net    

 

1755   Terramoto   e   reconstrução   da   cidade   de   Lisboa,   passando   por   uma   segunda   proposta   A   Baixa  Pombalina:   os   caminhos   da   História   de   Lisboa   XVIII-­‐XXI,  Baixa   Pombalina   em   Tempo   em   Real   até   ao  título   selecionado   “Baixa   em   Tempo   Real”,   existem   diferenças   fundamentais,   as   quais   implicariam  exposições   radicalmente   diferentes   apesar   de   em   todas   elas   se   priorizar   a   realidade   cultural,   social   e  política  da  Baixa  na  atualidade.  Se  nos  primeiros  casos  se  tratava  de  um  discurso  mais  tradicional,  já  no  último  caso  priorizava-­‐se  o  discurso  direto  daqueles  que  de  diferentes  formas  se  relacionam  com  a  Baixa  lisboeta.   Assim   nesta   abordagem,   a   documentação   a   recolher   ou   já   recolhida   junto   dos   diferentes  arquivos,  deixou  de  ocupar  um  lugar  central  para  que  a  palavra  fosse  dada  a  quem  melhor  poderia  dar  a  sua  explicação,  contextualização  e  propor  leituras  alternativas.  Assim  cada  um  dos  videos  que  deveriam  tratar  diferentes  aspetos  da  Baixa   lisboeta  deveria  ser  de  certa  forma  enquadrado  por  um  comentário  ou   testemunho   de   alguém   que   conhecesse   cada   realidade.   A   palavra   do   professor   catedrático   deste  ponto  de  vista  passou  a  ocupar  exatamente  o  mesmo  lugar  da  palavra  do  morador,  do  empregado  ou  do  turista.  

Em  segundo  lugar,  a  exposição  deveria  poder  ser  avaliada  (Mesurable)  no  seu  impacto  imediato  e   distendido.   No   primeiro   caso   naturalmente   que   um   plano   de   avaliação/estudo   de   públicos   poderia  expressar  essa  relação.  Mas  quanto  ao  impacto  estendido  o  processo  revelar-­‐se-­‐  ia  mais  complexo.  Não  por  causa  da  exposição  em  si,  mas  pelo  facto  desta  dimensão  dos  efeitos  distendidos  das  exposições  em  geral  não  ser  objeto  de  preocupação  no  campo  dos  estudos  de  público.  Também  aqui  de  forma  dialética  juntaram-­‐se  varias  abordagens.  Uma  primeira  tem  a  ver  com  a  necessidade,  para  nós  fundamental,  de  assumir  que  os  públicos  atuais  detêm  um  grau  de  autonomia  na  recolha  e  seleção  das  suas   fontes  de  informação  infinitamente  maior  que  as  gerações  anteriores.  Pensar  que  se  dá  resposta  à  curiosidade  das  gerações  mais  novas  com  discursos  formatados  pela  expografia  do  exibicionismo  como  referiu  Hugues  de  Varine,   é   certamente   inconsistente.  Mostrar   a   curiosidade   como   se  mostravam  aos   reis   e   rainhas,  leões  e  escravos  nos  séculos  das  descobertas,  podia  ser  nesse  tempo  suficiente,  na  medida  em  que  essa  "pré-­‐museologia"   se  dedicava  ao   imediatamente  visível.  Mas  nos   tempos  que  correm,  a  compreensão  faz  cada  vez  mais  parte  do  conhecimento.  E  disso  muitos  duvidam,  tanto  quanto  outros  valorizam.  Neste  sentido  o   alargamento  da   exposição   ao   suporte  da   internet   poderia   representar   várias   vantagens.  De  forma   comum  poderia   incluir   uma  página  na   internet  para  divulgar,   valorizar   e  dar   complementos  de  informação  como  praticamente  muitas  exposições  já  fazem  de  forma  mais  ou  menos  completa.  Mas  na  Exposição  “Baixa  em  Tempo  Real”  isso  não  bastava,  pelo  que  se  entendeu  que  os  visitantes  deveriam  ter  acesso  à   totalidade  dos  conteúdos  para  sua  utilização   fora  do  espaço  expositivo.  E  mesmo  assim  essa  orientação  só  seria   interessante  se   fosse  possível   fazer  o  download,   inclusive  dos  vídeos   (cerca  de  20)  originais  que  foram  produzidos  especialmente  para  a  exposição.  Uma  espécie  de  exposição  open  source.  A  avaliação  desta  exposição  passa  pois  pela  reação  que  possa  produzir  entre  os  visitantes,  tanto  como  naqueles   que   em   casa   em   qualquer   lugar   do   mundo,   dela   possam   beneficiar   ou   com   ela   possam  interagir.  

Em   terceiro   lugar   a   exposição   deveria   ser   viável   (Attainable)   tanto   do   ponto   de   vista   do  conhecimento   disponível,   como   dos   recursos   humanos   e   materiais   necessários   para   a   sua  implementação.   Naturalmente   que   uma   exposição   produzida   por   um   departamento   de   uma  Universidade  não  conta  com  recursos  financeiros  significativos  e  não  pode  naturalmente  fazer  apelo  a  empresas  externas  que  atuam  geralmente  no  conforto  de  administrações  públicas  “amigas”.    

Na   verdade,   raros   são   esses   investimentos   por   vezes   na   ordem  do  milhões   de   Euros   que   são  objeto  de  concursos  públicos  e  transparentes.  Mas   isto  é  uma  outra  discussão.  Esta  exposição  deveria  conciliar   a   comunicação   com   os   recursos   tecnológicas   necessários,   que   não   se   transformassem   em  obstáculos  por   efeito  da   sua  difícil   aquisição.  Neste   sentido   a   viagem  de  estudo  que  o  departamento  realizou   em   2008   a   São   Paulo   para   estudar   os   museus   desta   cidade   veio   a   revelar-­‐se   da   maior  importância.  Na  verdade  a  visita  ao  Museu  do  Futebol  do  Estádio  do  Pacaembu  continha  numa  das  suas  áreas  uma   instalação   "inspiradora"  da  autoria  de  Daniela   Thomas  e  de   Felipe  Tassara.   Esta   instalação  cria  uma  proximidade/intimidade  com  a  documentação  exposta,  particularmente  sensível.  Baseada  na  ideia  de  galeria  do  século  XVIII  onde  as  paredes  dos  "Museus"  eram  literalmente  cobertas  de  quadros,  os  autores  introduziram  a  possibilidade  de  manipulação  de  algumas  molduras  com  documentação  fixa  e  

em  movimento,   facto  que  altera   substancialmente  a   relação   com  o   visitante.  A  aproximação   torna-­‐se  obrigatória   e   a   leitura   mais   próxima.   Em   consequência,   os   monitores   podem   ser   de   pequenas  dimensões,  evitando  de  forma  consistente  o  "apelo  à  utilização  de  monitores  de  grandes  formatos"  com  custos   insuportáveis  para  a  produção.  A  utilização  deste   conceito  e   a   sua   creditação   foi   resolvida  por  meio  de  contactos  diretos  com  a  direção  do  Museu  a  qual  apresentou  a  nossa  solicitação  aos  autores,  que  generosamente  aceitaram  a  nossa  proposta.  Assim,  ponderámos  a  definição  de  várias  camadas  de  informação.  Uma  com  um  discurso  proposto,  outra  com  recursos  interativos,  outra  física  com  acesso  à  manipulação   e   reordenamento   da   documentação   selecionada   e,   por   último,   uma   disponibilizada   na  WEB.   Para   cada   camada   procedeu-­‐se   ao   estudo   e   avaliação   de   diferentes   propostas,   tendo   sempre  presente   a   necessidade   de   utilizar   e   ou   adaptar   os   recursos   tecnológicos   necessários,   aos   recursos  financeiros  disponíveis.    

Em  quarto  lugar,  a  exposição  deveria  ser  relevante  (Relevant)  do  ponto  de  vista  social  e  político.  Esta  condição  é  porventura  da  maior  importância.  Sem  pretendermos  ser  nem  "o  velho  do  Restelo"  nem  "iluminados"  trata-­‐se  de  ver  a  adequação  do  projeto  à  compreensão  social  que  pode  existir  à  volta  do  projeto.  Mas  aqui,  de  facto,  todos  os  contactos  estabelecidos  tiveram  em  comum  uma  apreciação  muito  positiva   do   projeto.   Por   muitas   razões:   porque   a   Baixa   está   a   mudar   e   é   necessário   entender   os  contornos   dessa   mudança,   pelo   o   reconhecimento   da   Baixa   como   lugar   onde   se   tem   expressado   a  vontade   popular   e   do   poder   em   simultâneo   ou   de   forma   alternativa,   porque   os   estudantes   Erasmus  passaram  a  habitar  na  Baixa,  porque  mesmo  em  tempos  de  crise  a  Baixa  recebe  grandes  investimentos  urbanísticos   e   imobiliários   e   muitas   outras   razões.   Apenas   uma   dúvida   se   instalou   pelo   facto   da  classificação/registo  como  Património  Mundial  pela  UNESCO  ter  sido  abandonada  de  forma  provisória.  Se   todos   concordam  em  entender  a  Baixa   como   lugar   central  do  Património  da   cidade  e  de  Portugal,  nem  todos  têm  as  mesmas  prioridades.  É  neste  conceito  que  julgamos  podem  ser  consideradas  todas  as  ações  que   tornaram  realizável  a  exposição,   incluindo  naturalmente  a  procura  e  escolha  das  parcerias.  Aqui   a   procura   começou   naturalmente   pelas   Juntas   de   Freguesia   da   Baixa,   S.   Nicolau   e  Mártires,   na  medida   em   que   são   as   duas   instâncias   de   poder   local   mais   próximas   da   realidade   destes   bairros   e  envolvidas   com   a   valorização   da   Baixa   pombalina   nos   seus   diferentes   domínios.   Igualmente   na  Universidade   Lusófona   fizemos   apelo   à   Escola   de   Comunicação   ECATI,   visando   envolver   docentes   e  alunos   no   domínio   da   Multimédia   e   Animação   Digital.   Também   atuamos   junto   das   instituições   que  abrigam  documentação  essencial  para  o  projeto  e  de  quase  todas  recebemos  disponibilidade,  apoio  e  aconselhamento.   Enfim,   foi   junto   da   Associação  de   Dinamização   da  Baixa   Pombalina   que   procurámos  parceria   para   o   estabelecimento   de   ligações   em   tempo   real   em   diferentes   pontos   da   Baixa   e   dela  ouvimos  o  seu  conselho.  No  resto  toda  a  equipa  envolvida  soube  ouvir  opiniões,  sugestões  e  críticas  de  todos   aqueles   que   por   diferentes   razões   se   envolveram,   num  momento   ou   noutro,   na   conceção   da  exposição.  

Finalmente  em  quinto   lugar  a  exposição  deverá   ter   lugar  no  seu   tempo  kairológico  ou  seja  no  tempo  próprio,  atempada  (Timely).  E  este  tempo  próprio  tanto  pode  ser  o  tempo  do  desafio  e  mesmo  do  confronto  como  o  tempo  do  consenso  e  da  confirmação.  No  caso  desta  Exposição  devemos  referir  duas  ordens  de  consideração.  Em  primeiro  lugar,  tudo  leva  a  crer  que  ela  tem  lugar  no  tempo  próprio,  e  que   de   certa   maneira,   ela   se   adequa   aos   contornos   desse   tempo   que   é   um   tempo   de   crise   e   de  retrocesso  social  e  económico.  Valorizar  a  Baixa  é  pois  imperativo  na  medida  em  que  isso  contribui  para  a   sua   renovação,   reafirma  a  Baixa  como  espaço  multicultural,  do  Largo  de  São  Domingos,  aos  Hostels  para   jovens   de   todo   o   mundo,   às   expressões   culturais   multifacetadas,   coletivas   e   individuais,   à  redescoberta  de  itinerários  de  Fernando  Pessoa  ou  da  Arquitetura  Pombalina.    

Uma   exposição   que   olha   para   o   seu   tempo   sem   esquecer   as   raízes.   Por   outro   lado   todo   o  processo  criativo  e  de  produção  esteve  sempre  aberto  ao  envolvimento  de  alunos  e  docentes,  não  de  forma  subsidiária  mas  na  convicção  que  o  Departamento  só  assim  cumpriria  a   sua  missão  de  ensinar,  investigar   e   demonstrar   contribuindo   para   a   formação   de   competências   enraizadas   na   reflexão   e   no  saber   fazer,   tendo   em   consideração   a   permanente   preocupação   de   ligar   os   objetivos,   o   meio   e   a  exequibilidade.    

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Revista da ULHT nº 12 2008 Os museus como instituições prestadoras de serviços Mário C. Moutinho

O presente texto aborda o difícil entendimento da instituição Museu como entidade prestadora de serviços. Na realidade estamos longe de ver os museus actuarem plenamente como serviços pois a racionalidade do seu funcionamento decorre da permanente atribuição de subsídios provenientes dos orçamentos de Estado ou de entidades beneméritas. Utilizamos para tal reflexão textos nossos anteriores, onde abordamos estas questões de forma parcelar e que agora, julgamos ganharem alguma coerência se articulados com a reflexão sobre os museus vistos na sua possível, mas mal assumida, condição de prestadores de serviços.

Abordamos alguns aspectos da introdução nos museus das novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC) como parte deste processo. Por um lado estas tecnologias abrem portas, e alguns museus disso tiram bom proveito, mas por outro lado a sua utilização de forma redutora não dá conta do lugar que estas podem ocupar, com múltiplas vantagens do ponto de vista organizacional, de fomento da inovação, e de criação de novos conceitos de serviços mais atentos ao mundo em que vivemos.

É assim um paradoxo que a instituição MUSEU não se reconheça na generalidade como entidade prestadora de serviços apesar de se definir como “instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e aberta ao público que adquire, conserva, estuda, expõe o património material e imaterial da humanidade para fins de estudo, educação e lazer” (ICOM 2007)

Nesta definição encontram-se aliás varias funções que decorrem de níveis de entendimento diferentes. Assim, na generalidade, adquirir (anteriormente dizia-se coleccionar) e conservar são actividades conceitualmente diferentes de estudar e expor. No primeiro caso podem ser assimiladas à produção de bens, enquanto que na segunda categoria, claramente se trata de serviços.

Assim e em resultado desta amálgama os museus estão perdendo uma oportunidade de se melhorarem e alargarem o seu desempenho utilizando os recursos e a racionalidade específicos das instituições prestadoras de serviços e em consequência ocuparem o lugar que lhes seria de direito no campo da inovação nos serviços.

É certo que também não existe um caminho único que esclareça os contornos da inovação nos serviços reconhecendo-se na literatura especializada três abordagens distintas: a perspectiva tecnologista que assenta a inovação na introdução de novos equipamentos e novas tecnologias; a perspectiva servicionista que privilegia os recursos próprios dos serviços como fonte de inovação; e a perspectiva integradora que visa a articulação entre as duas abordagens anteriormente enunciadas.

Não é fácil pois encontrar uma definição para Serviços que dê conta de todos os aspectos e que satisfaçam as possíveis e diferentes abordagens. No entanto existem algumas características que fazem até certo ponto algum consenso.

Reconhece-se que um serviço é essencialmente um produto intangível cuja produção pode ou não assentar em bens materiais. Esse produto intangível não pode ser objecto de apropriação para consumo posterior mas tem por isso a característica de ser produzido e consumido em simultâneo.

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Nos museus tradicionais, assentes na apresentação e fruição das colecções apoiadas na existência de recursos materiais como vitrinas ou novos suportes de comunicação (vídeo, som, ambientes de imersão, etc..) para as quais se conceberam espaços securisados e climatizados por meio de recursos materiais e de equipamentos próprios, o visitante não pode levar consigo a exposição, devendo por isso consumi-la durante a visita

Tudo o que o visitante pode fazer é viver a experiência registar alguns dos seus aspectos em diferentes suportes ou recolher elementos tangíveis tais como folhetos, catálogos ou objectos afins disponibilizados na loja do museus, elementos esses que são aliás fundamentais para tangibilizar e credibilizar o Museu ou a exposição.

A disponibilização da exposição ou do museu na WEB tem por agora, o mesmo valor da consulta do catálogo. Visita virtual ou leitura não substituem a experiência da descoberta e fruição da exposição por cada visitante.

Todas estas situações encontram o seu apogeu nas exposições internacionais ou mundiais e nos Museus do Marketing das Cidades onde a atracção é o Edifício do Museu muito mais, senão a razão principal da visita. Estamos a falar por exemplo do Museu Guggenheim de Bilbau e deforma mais geral dos processos Guggenheim ou mais recentemente o caso Louvre/ Abu Dhabi cuja compreensão obrigaria a equacionar outras variáveis que não decorrem propriamente da questão relativa aos Museus que é o objecto deste texto.

Importa também referir que o sector de serviços representa o essencial da economia portuguesa tanto no que diz respeito à parte que ocupa no valor acrescentado bruto (VAB) do país como em termos de emprego. Segundo o ICEP nas últimas décadas, Portugal, a exemplo dos seus parceiros europeus, desenvolveu uma economia cada vez mais baseada nos serviços. Actualmente, este sector representa 57,7%, em termos de emprego, e 71,2% do valor acrescentado bruto (VAB), enquanto o sector agrícola só absorve 11,7% do emprego e contribui apenas com 3,5% para o VAB. Os serviços tornaram-se o sector mais dinâmico e diversificado, com o comércio, os transportes e comunicações, o turismo e os serviços financeiros a apresentarem taxas de crescimento elevadas.

Fonte: http://a.icep.pt/portugal/economia.asp

Em termos Mundiais a situação é idêntica. A economia mundial está a passar por transformações profundas resultantes das comunicações globais e da inovação tecnologica, que se manifesta pela utilização na area dos serviços de mais de 50 por cento

Os serviços em Portugal -2006 %

0

20

40

60

80

VAB 71,2 25,3 3,5

Emprego 57,7 30,6 11,7

Serviços Industria,construção Energia e Água

Agricultura, Sivicultura e Pescas

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da mão-de-obra no Brasil, Rússia, Japão e Alemanha, e 75 por cento da mão-de-obra nos Estados Unidos e o Reino Unido.

Este processo tem impulsionado a introdução de novas formas de organização das empresas e das instituições não empresariais e uma crescente atenção para com as questões decorrentes das condições que viabilizam a inovação e a introdução de novas tecnologias da informação e da comunicação.

A compreensão dos serviços de uma forma integrada é actualmente o foco de atenção de uma “nova disciplina” que vem ganhando espaço em muitas universidades por todo o Mundo e da qual se espera um melhor compreensão das suas múltiplas componentes. Trata-se da “Ciência de Serviços, Gestão e Engenharia” SSME que se propõe reunir e articular de forma consistente os trabalhos em curso no domínio da informática, da engenharia industrial, da estratégia empresarial, das ciências de administração, das ciências sociais e cognitivas e das ciências jurídicas de modo a desenvolver as competências requeridas por uma economia orientada e assente cada vez mais na produção e uso de serviços.1

Neste contexto seria necessário olhar os museus na perspectiva de instituições prestadoras de serviços tendo em consideração o lugar que os serviços culturais ocupam no seio dos serviços em geral e estes, na economia no seu todo.

As quatro características correntes de Serviços

Podemos analisar as quatro características dos serviços tais como descritas por Marcos Kahtalian2, fazendo a sua leitura tendo como referência as exposições dos museus e de forma mais ampla as diferentes actividades dos Museus.

Inseparabilidade Essa característica aponta para a seguinte questão: todo serviço tem um momento em que sua produção e consumo são simultâneos, inseparáveis. Assim, ao mesmo tempo que um professo produz a sua aula, esta é consumida pelos alunos. Ao mesmo tempo que um médico produz sua consulta, o paciente a consome, como cliente do serviço. Nesses exemplos, produção e consumo são simultâneos, diferentemente de uma empresa de produtos, em que claramente existe um momento de produção e um momento de consumo.

Todo serviço realiza-se no momento em que a sua produção e seu consumo

coincidem no tempo e por isso devem ser entendidos como simultâneos e inseparáveis. Assim o momento em que o público percorre a exposição é exactamente o tempo em que a exposição é consumida. Ninguém pode comprar uma visita a uma exposição para utilizar depois de sair do espaço da própria exposição. Neste sentido o consumo da exposição está sujeito a regras próprias quer elas sejam relativas a qualquer exposição, quer sejam específicas à exposição em questão.

1 Cf. http://www.research.ibm.com/ssme/ 2 Marcos Kahtalian UniFAE Centro Universitário http://www.fae.edu/publicacoes/pdf/mkt/2.pdf

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Na verdade cada museu tem um tempo de crédito para confirmar junto de cada visitante que a opção da visita foi correcta e que a relação preço /qualidade é positiva. E isto, muito para além do facto, que por meio de diferentes mecanismos (subsídios, programas especiais, preços diferenciados, bilhetes a custo zero) esta relação poderá ser de certa forma ludibriada. O custo zero para o utilizador do serviço pode efectivamente diminuir o seu grau de exigência, mas em última instância o desencanto é uma penalização que nenhum visitante deseja e no qual assenta uma rejeição não só para com a instituição como naturalmente para com todas as instituições que possam ser semelhantes. No entanto esta questão do tempo disponível para corresponder às expectativas do visitante não parece ser uma preocupação da maior parte das administrações talvez pelo facto de cada museu abrir regularmente cada dia à mesma horas ao longo de anos. É possível repetir a visita mas tal facto não anula uma experiência falhada, como também é razoável pensar que a repetição nada trará de novo que possa alterar a primeira sensação.

Talvez por isso os museus têm necessidade de apregoar bem alto que estão em processo de renovação ou vão abrir completamente renovados ou pelo menos com novas áreas e novas exposições.

Variabilidade Serviços são variáveis. Isto é, os serviços variam e podem variar conforme

o prestador do serviço e o cliente. Esta característica tanto pode ser vista sob um prisma positivo quanto negativo. O prisma positivo da variabilidade é que ela permite a customização, a personalização, o atendimento diferenciado às expectativas de grupos de clientes. (…) O lado negativo da variabilidade é que ela torna difícil o estabelecimento de um padrão de serviço, de uma performance padronizada, imune a erros. Pode-se assumir que as exposições apresentadas pelos museus vivem

essencialmente na busca contínua do maior denominador comum. Apesar de se reconhecer progressivamente a necessidade de criar exposições para determinados públicos com algum grau de customização como por exemplo as legendas em várias línguas ou a utilização de áudio-guias que permitem um leque alargado de opções a prestação museal não busca uma customização determinada pelas necessidades do visitante único. Tal ideia é na verdade escandalosa para a comunidade museal tanto mais que o paradigma do sucesso de uma exposição é exactamente a sua capacidade de mobilizar no menor espaço de tempo o maior número de visitantes.

Estamos pois a falar de uma característica na qual cada museu tem um longo caminho a percorrer sobretudo se pensarmos que existe um contexto museal que vive da exibição a par de um outro contexto que busca seu caminho como recurso de comunicação com códigos de leitura abertos e capaz de reflectir as problemáticas do mundo em que vivemos.

Pensarmos um Museu liberto das colecções e enunciar os dados de uma expografia não fundada em objectos herdados mas sim construídos, estamos pervertendo

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a função mais tradicional do Museu e quebrando por assim dizer as expectativas que o público mais conformista pode ter do Museu.3

Aparentemente esta frustração, que parece razoável, deixa de o ser se considerarmos que paralelamente a uma “museologia das ideias” também existe um público que se afasta do Museu do museu de objectos, porque exactamente este não expressa ideias e mais ainda lhe atribui comportamentos que na verdade já estão há muito tempo profundamente alterados.

Falamos do grau de autonomia de cada pessoa, que hoje caracteriza a nossa sociedade e que leva os indivíduos cada vez mais a não se submeter tão facilmente a discursos autoritários e padronizados. Trata-se da recusa dos museus em reconhecer um novo grau de autonomia na aquisição de informações por parte dos visitantes É um facto que os museus tal como os conhecemos não têm capacidade para se renovarem todos os dias na medida em que são condicionados por vários factores • Não faz parte da sua própria imagem a ideia de renovação permanente • Os recursos expográficos tradicionais não são sustentáveis nem renováveis. • O tempo dentro do museu é quase sempre entendido como pertencendo ao passado • Ao museu não compete imiscuir-se no que se passa fora das suas paredes.

Mas se isto retracta mais ou menos fielmente o panorama da museologia pelo menos a mais instituída, também não deixa de ser verdade que por outro lado os ritmos museológicos se têm alterado ao longo do tempo. Por um lado a ideia de exposição temporária é hoje um dado adquirido (dentro naturalmente de certos limites) e nenhum museu que se pretenda moderno ousaria ignorar a exposição temporária. Aliás os próprios arquitectos já sabem que têm de prever salas para esse tipo de exposições sem o que verão os seus projectos recusados. Por outro lado a montagem de exposições sobre problemas da actualidade, museus da sociologia, da psicologia ou da globalização também são uma realidade e estruturam por si sós a programação museológica de pequenas e grandes instituições ou os pequenos museus de comunidade onde as exposições são processo de apreensão da realidade e catalisadoras de vontades, aspirações e desejos de intervenção.

Faltará pois ter em consideração que mais tarde ou mais cedo os museus terão de deixar pelo menos em parte esta obsessão pelo passado, para passar a comunicar por meio de objectos que expressam ideias e reconhecer a existência de um público que não precisa de guias, nem legendas.

Museu em que cada dia as suas exposições possam mudar de acordo com a vida de cada dia e onde cada um, leia outro jornal ou veja outra televisão, que tomou em consideração a sua memória a qual condiciona a sua percepção do mundo.

Se o Museu reconhece e é fruto da Comunidade, que lhe dá vida, terá forçosamente que admitir a alteração do lugar de cada um neste processo e encontrar novos rumos de comunicação que tenham em consideração os que produzem e consomem o discurso museológico.

De certa forma deveriam assumir-se de facto como entidades prestadoras de serviços e por consequência funcionarem como tal, ou seja, adoptarem plenamente as

3 Sobre esta questão já apresentamos algumas reflexões (2000, Notas para a palestra no I Curso de pós graduação de Museologia da USP) que têm a ver com o difícil reconhecimento do crescente grau de autonomia de cada visitante

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regras e os recursos que actualmente sustentam o desenvolvimento do sector dos serviços que cada vez mais ocupa a maior parcela da economia mundial.

Intangibilidade O serviço é intangível, isto é, não é palpável. Esta é sua mais evidente

característica. Contudo, é preciso, aqui, fazer um alerta: embora seja essencialmente intangível, todo serviço possui diversos elementos tangíveis., palpáveis, perceptíveis. (…) Dizemos mesmo que uma das técnicas de marketing de serviços é justamente tangibilizar o serviço., isto é, tornar visível o invisível, evidenciar aquilo que o serviço promete.(…) Na verdade, os elementos tangíveis do serviço, que podem mesmo ser as pessoas que nele trabalham, cumprem o papel de reduzir o nível de dúvida sobre a qualidade do serviço. É que, como se diz com frequência, todo serviço é a compra de uma promessa. (…) Neste ponto, é preciso mais um alerta: os elementos tangíveis de um serviço estão na esfera do parecer e não do ser, isto é, eles cumprem o papel da sedução, da transferência da confiança. Somente o próprio serviço é que irá validar a promessa, e então iremos não apenas parecer, mas também ser um serviço de alta qualidade.

Ora, em museologia, não existe qualquer equívoco relativamente ao carácter

intangível dos objectivos que levam o público aos museus. Ninguém que visite o Louvre tem como objectivo apropriar-se dos objectos expostos. A visita tem por objectivo mil razões que se irão ou não concretizar durante o espaço de tempo da visita. A tangibilidade do serviço é consumada num acto distinto da visita propriamente dita, que é na maior parte das vezes, a passagem pela loja do museu ou pelos comerciantes que vendem souvenirs no exterior do museu.

A questão da intangibilidade dos serviços não deve ser confundida com o reconhecimento da intervenção sobre o tangível e sobre o intangível que faz parte da prestação museal. Neste caso trata-se da natureza dos acervos susceptíveis de serem trabalhados pelos museus.

Por outro lado, o acto de parecer, o cenário, que credibiliza a proposta de venda também em museologia tem estado no centro das atenções A arquitectura dos edifícios, os uniformes dos guardas, os equipamentos electrónicos que protegem a colecção e que nos tornam actores únicos de um filme que passa numa sala escura cheia de monitores são elementos que também cumprem o papel de reduzir o nível de dúvida sobre a qualidade do serviço.

Descrevemos assim4 o carácter intangível da exposição museológica identificando-a como um instrumento de lazer:

O espaço museológico em geral, amplo, rico, recheado de coisas valiosas

ou exóticas, conduzindo o utilizador num jogo de orientação e adaptação contínuo, é a nosso ver motivação profunda do chamamento museológico. Mas

4 Museus e Sociedade, Reflexões sobre a função social do Museu, Mário C. Moutinho, Cadernos de Património nº 5, 1989 Museu Etnológico de Monte Redondo

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este chamamento tem ainda mais um atractivo, o do espectáculo camuflado. O apelo é feito em nome da cultura mas o fruto, sabe-o o público, é o evoluir num meio ritual, cheio de proibições e consentimentos, de evidências e clandestinos.

De certa maneira, visitar um museu tradicional é uma boa aventura, independentemente de esta ser estimulante ou frustrante. A diferença reside no número maior ou menor de estímulos assimilados, geralmente independentes do significado ou da compreensão que se manifesta dos objectos expostos.

É neste sentido aliás que se modernizam os museus, utilizando novas tecnologias, em particular na área da informática ou da comunicação participativa.

O objecto exposto dentro de um vitrina com a tal legenda reduzida e uma iluminação estática, ou seja o objecto passivo, tem vindo a ser progressivamente substituído pelo objecto activo o qual se movimenta e ilumina à vontade do visitante, mediante um simples carregar de botões. Se for caso disso, a legenda escrita será falada e ouvir-se-á um som evocando um contexto. Numa sala aparentemente toda às escuras, focos luminosos farão reviver o passado, exaltando volumes, contrastes e cores.

Écrans, passam montagens audiovisuais, videos debitam imagens sabiamente seleccionadas e teclados de terminais de computadores oferecem-se ao visitante, que terá assim o poder de instantaneamente fazer desfilar a informação requerida ou na maior parte das vezes já sugerida.

Nestes museus, o mundo da aventura é ainda mais evidente. O visitante sabe-se controlado pelos sistemas eletrónicos havendo mesmo casos em que a sala com os agentes de segurança face aos seus monitores, pode também ser visitada. Tem-se então a sensação de entrar na sala de controlo de Huston, assistindo ao lançamento de uma nave espacial. Se a visita for efectuada com a ajuda de um receptor individual que debita as informações em várias línguas, então de facto é-se transportado para um outro universo, quão distante do quotidiano.

É nos museus de ciência e tecnologia que o museu moderno melhor se afirma; os objectos funcionam, pode-se fazer experiências, tem-se a sensação de que tudo é explicado, e mesmo se se desejar, automaticamente impresso numa máquina super-rápida que apesar de custar milhões, trabalhou sem falha para cada um dos visitantes.

São estes museus, onde o visitante é solicitado por um maior número de estímulos, que se têm mais desenvolvido nos últimos anos, atraindo multidões de turistas, de alunos, de visitantes desejosos de mergulharem no mundo das fábulas.

Comparados com estes, os museus tradicionais de objectos passivos de pintura, de numismática, de mobiliário, de arqueologia ou mesmo contendo tudo isto e mais alguma coisa nas suas exposições, são de facto cada vez mais, os parentes pobres da museologia.

Perecibilidade

Serviços são perecíveis, isto é, não podem ser estocados. Assim, são temporais, prestados num tempo e local precisos. O que essa característica gera para o

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marketing de serviços? Uma pressão e uma necessidade de encontrar um ponto ótimo entre a oferta e a demanda do serviço. Ou seja, o grande problema é como administrar a demanda de um serviço. (…) o problema é que haverá momentos de altíssima demanda e outros de pequena demanda. Em todos eles, contudo, persistirá um alto custo fixo, que a empresa precisa procurar vender pelo menos ao nível do seu ponto de equilíbrio operacional. Assim, encontrar o ponto ótimo entre oferta e demanda é crucial em serviços para não ocorrer um problema comum em serviços, que tanto pode ser não conseguir atender o excesso de demanda (e perder clientes em função disso) quanto ter que suportar pesados custos operacionais sem a demanda correspondente.

A perecibilidade é a característica particularmente mail evidente no caso das

exposições temporárias onde a recuperação do investimento feito e eventual ganho, tem um tempo limite para ser efectuado. Neste sentido não é possível prolongar a vida da exposição sendo que o resultado é apenas aquele que for efectuado durante esse período.

Também é verdade que a perecibilidade do serviço pode por outro lado alicerçar a possibilidade de renovação e consequentemente de angariação de novos consumidores. Paradoxalmente a ideia de perecibilidade parece não afectar o Museu que se exibe ao longo dos anos e que mesmo sem público pode continuar a aguardar por um eventual visitante sem que isso pareça exercer qualquer pressão sobre a sua adormecida direcção. Neste caso, mais comum do que o bom senso justificaria, a manutenção do Museu deve-se a causas exteriores ao próprio museus mas sim ao lugar que este ocupa na estratégia da entidade que o mantém.

Num texto5 dedicado aos compromissos dos museus com a sociedade abordámos esta questão nos seguintes termos:

Aqui enquadramos os museus que acolhem as grandes exposições culturais dos tesouros reais, das retrospectivas de grandes pintores, das colecções de raridades, de aniversários ou centenários disto e daquilo. Geralmente estas exposições ou mega exposições, foram apropriadas pela grande indústria cultural, e associam para alem do poder político as grandes empresas em busca de álibis culturais para os salários mínimos ou não mínimos nos países onde (para as multinacionais) provisoriamente se instalaram e grandes novas empresas desbravando novos campos de actividade.

Nestes casos dos museus de “vernissage” das retrospectivas, e dos centenários, há que entender que a efemeridade do evento é certamente da maior relevância. Acções mobilizadoras de grandes recursos financeiros, elas traduzem a entrada da museologia na esfera da economia.

Não por se tratar de grandes investimentos, mas pelo fato de se assistir a transformação de simples “subsídios” em “capital”. Os subsídios estatais ou privados deixam de ter como destino o pagamento de consumos, mas sim o de

5 Os compromissos dos museus com a sociedade MUSA, Museus, Arqueologia & outros Patrimónios; Fórum Intermuseus do Distrito de Setúbal nº 1, 2005

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destino de entrarem num circuito no qual se mantêm e se multiplicam mediante a incorporação de trabalho alheio gerando mais valias.

E é nesta lógica que podemos entender o carácter efémero destes eventos, na medida em que para serem bens de consumo, têm de ser consumidos num duplo sentido:

Consumidos no sentido de usados Consumidos no sentido de esgotamento de tempo, de vida limitado.

Todos esses eventos, ao contrario das exposições permanentes, precisam de acabar para poderem dar lugar a outros eventos mais novos. Têm assim um tempo de vida útil durante o qual por necessidade própria ou alienada de cada visitante (do público em geral) são adquiridos. A transitoriedade, o sensacional, o espectacular, a raridade dos eventos, funcionam como precipitadores do processo de produção e de circulação na indústria cultural. Aqui a lógica dos bens produzidos sai da esfera da cultura, da cultura critica, para se compromissar com a própria lógica do “capital” através da actividade de um numero crescente de empresas criadas no exterior dos museus, para desespero de muitos!

Os museus e as novas tecnologias da informação e da comunicação

Num texto de Abdelillah Hamdouch e Esther Samuelides6, os autores caracterizam a atitude dos “prestataires de services” ou seja prestadores de serviços relativamente às novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC), salientando de certa forma o desfasamento entre essas empresas e as possibilidades que lhes estariam abertas se se posicionassem face ás NTIC de uma forma mais consistente, ao nível do seu envolvimento na investigação tecnológica, da capacidade de adoptarem novas formas de organização do trabalho, prevendo e antecipando as necessidades dos seus clientes. Se lermos esse texto substituindo a expressão “prestataires de services” por “museus” o resultado traduz de forma clara o comportamento da maioria dos museus um pouco por todo o lado:

Os museus não participam directamente na investigação tecnológica desenvolvida pelos empresas de equipamentos, mas utilizam essas mesmas tecnologias para criar aplicações para os seus serviços. A conquista de parte dos mercados nos crescentes sectores de serviços é na verdade condicionada pela capacidade dos próprios museus para atraírem públicos em razão da oferta de serviços com valor acrescentado por essas tecnologias.

Como o mercado é recente o sucesso das aplicações baseadas nessas tecnologias permanece incerto. Por outro lado a assimilação destas novas tecnologias nos museus é demorada e custosa.

Por isso os museus devem antecipar e prever as necessidades dos seus públicos tanto quanto o desenvolvimento e os limites das aplicações tecnológicas. Devem por isso aumentar a sua capacidade de reacção face as mudanças dos contextos em que laboram adaptando estratégias gestionárias flexíveis, as quais necessitam de grandes alterações de funcionamento internas.

Os museus devem por isso sondar os novos mercados em crescimento ligados às TIC pois os efeitos de rede favorecem os primeiros chegados. Estes novos serviços são valorizados pelos efeitos

6 Innovation, concurrence et strategies d’attraction de la demande dans les secteurs de services liés aux NTIC, Abdelillah Hamdouch, Esther Samuelides, in La nouvelle èconomie des services et innovation, Coord. Djellal, Faridah, Gallouj Faïz, ed. l’Harmattan, Paris, 2002.

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relativos à captura de novos públicos e à á sua fidelização a qual é um elemento essencial destas mudanças.

Este acesso preferencial aos públicos pode ser resultado das inovações especificas a cada serviço ou resultante de novas estratégias de gestão. Os serviços resultantes das TIC geram assim novas funções, novos modos de comunicação requerendo em consequência que os museus adquiram novas competências.

O desejo de explorar as novas oportunidades tecnológicas induz uma cooperação acrescida com os fornecedores de novas tecnologias, e o estímulo á criatividade dos próprios museus.

A análise das relações entre inovações tecnológicas, organizacionais e comerciais

e o papel de cada um destes tipos de inovação sobre o desempenho dos museus permite compreender como os museus podem estabelecer uma dinâmica de inovação contínua necessária à sua sobrevivência.

Adaptado de Nouvelle Économie dês services et innovation, Faridahy Djellal, Faïz Gallouj, l’Harmattan, Paris, 2002

Tal leitura significa por outro lado o longo caminho que será necessário percorrer

para que seja criada nos museus uma atitude favorável à lógica dos serviços e à introdução de novas tecnologias, não como resultado da simples modernização dos diversos sectores dos museus, mas como um recurso que permitirá transformar os museus da situação actual de permanentes “subsídio-dependentes” em instituições que produzem serviços para os quais existem utilizadores / clientes / públicos dispostos a adquirir de diferentes maneiras, esses mesmos serviços.

Esta nova atitude dos museus não exclui naturalmente o papel que os Estado no sentido amplo da palavra deve assumir no seio da cultura, e que na verdade ocupa ao financiar o essencial dos orçamentos dos museus. Situação essa que obviamente lhe permite de facto controlar não só a existência dos próprios museus mas também o seu discurso. Basta para tal e por exemplo analisar os procedimentos de financiamento em que assentam a atribuição de recursos financeiros ou a sua inscrição nos orçamentos globais de cada país.

O que nos preocupa é avaliar a possibilidade de os museus aprofundarem o seu lugar como espaço livre de acesso e de construção do saber, da criatividade e de consciência crítica dos cidadãos, sem dependerem quase exclusivamente dos

Introdução criação de novas tecnologias de informação e comunicação

Adaptação e melhoramento de serviços tradicionais

Criação de novos serviços

Automatização, videoconferência, gestão de colecções Segurança, Controle de climatização Museu na Web Expografia multimédia Guias Áudio/vídeo

Mudança de estratégias organizacionais E-comercio Museu virtual Integração de redes Novos recursos multimédia……

Inovação

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financiamentos (quem financia fá-lo segundo a sua própria racionalidade) mas assentarem essa sua actividade numa postura mais transparente de actuação.

Julgamos possível que os museus só têm a ganhar se assentarem a sua actuação numa atitude mais comprometida com os seus utilizadores / clientes / públicos, criando finalmente um espaço de diálogo e de troca. Esta situação contraria aquela mais corrente, onde o museu impõe o seu discurso, pela simples razão de ter obtido de alguma forma os recursos financeiros que lhe permitem, ou aos seus directores, impor os seus próprios discursos. Bibliografia Tadahiko Abe, What is Service Science? , The Fujitsu Research Institute, Economic Research Center , Tokyo, Japan (Research Report No. 246 December 2005 ) http://jp.fujitsu.com/group/fri/downloads/en/economic/publications/report/2005/246.pdf Marcos Kahtalian UniFAE Centro Universitário, Curitiba, Marketing de Serviços, http://www.fae.edu/publicacoes/pdf/mkt/2.pdf Djellal, Faridah, Gallouj Faïz, Coord. La nouvelle èconomie des services et innovation, ed. l’Harmattan, Paris, 2002.

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Boletim RPM 2011 A Memória também está em crise Mário Moutinho Presidente do MINOM-ICOM1

Todas as épocas têm os seus conceitos prediletos os quais traduzem ideias mais ou menos esclarecidas, às quais se “agarram” convicções, explicações e outras coisas que traduzem um saber velho que se mostra cada dia mais caduco e um saber novo que se constrói.

Entre a Memória que se constituía como o lugar central da lembrança óbvia e indiscutível e a Memória que é sobretudo construção e seleção, tal como pode ser ententida e como foi explicada por Hobsbawm e outros, vai a diferença que nos coloca no fio da navalha, na hora da opção, no sentido da decisão.

Como eram tranquilos os tempos em que sabíamos o que era Museu e o que não era. Nos primeiros mostravam-nos a Memória pelo menos histórica “verdadeira” de qualquer coisa ou quando a imaginação não ia tão longe mostravam-nos acervos e mais acervos, herdados, recolhidos, comprados, pilhados e oferecidos e eventualmente apresentados por ordem cronológica ou alfabética. Eram museus tranquilos, sem problemas que não fossem os de guardar, conservar e documentar. Quando narrativa existia, ela era sustentada no óbvio e no discurso da ideologia oficial.

Um museu de antropologia que mostrava como viviam os antepassados primitivos em territórios longínquos ou, mais modernamente, nas nossas aldeias de preferência transmontanas, dava gosto de fazer e tinha um público e um reconhecimento garantidos.

Museus que nos tempos de hoje se inscrevem na temática da Harmonia Social à volta da qual se reuniu a última Conferencia Geral do ICOM ou como em 2002, sob o tema “Museus & Globalização: contributo para o Dia Mundial dos Museus” o então presidente defendia que era urgente que os museus se mobilizassem de forma “a tirar proveito da nova ordem mundial” e, quem seria contra, deveriam estar atentos a “possíveis repercussões sobre o desenvolvimento cultural e sobre o respeito pelas identidades”.

Pouco lhe importava que a nova ordem mundial criasse todos os dias mais pobres ou como agora o Eurostat diz de forma eufemística “população suscetível de se situar abaixo do nível de pobreza”. Em 1992, o PNUD publicou um “Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento Humano” dedicado à globalização, onde se lia que a distribuição do PNB no mundo, durante o período 1960-1989, significava que os Países onde habitavam os 20% da população mais rica tinham visto a sua parte do PNB mundial passar de 70.2% para 82.7%, enquanto os Países onde viviam os 20% mais pobres tinham visto a sua parte reduzir-se de 2,3% para 1,4%. E este processo mais não tem feito do que agravar-se, deixando à vista os parcos resultados obtidos nos Objetivos do Milénio.

1 O Movimento Internacional para uma Nova Museologia é uma organização afiliada ao Conselho Internacional dos Museus

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Entre a Memória do tempo das nossas vidas, ou seja, do presente que nos obriga a olhar criticamente o mundo em que vivemos e a tranquilidade do discurso oficial, como é possível que tantos museus consigam passar entre os pingos da chuva vivendo à revelia do mundo contemporâneo? Mas lá que passam, passam.

Outros porem, constroem as suas narrativas vinculadas aos desafios da humanidade, olhando à sua volta, procurando com maior ou menor sucesso serem atores de uma mudança social em favor de mais dignidade humana, de mais inclusão de mais direito de cidadania e de mais participação. Com um discurso político mais ou menos sustentado, aceitam que a realidade se imponha à ladainha das boas intenções. São narrativas de resistência que têm sustentado a ação regular ou intermitente de museus locais, de ecomuseus, de museus de comunidade e de tantos outros que procuram em particular, desde a década de 70, seguir o que se chamou ser uma nova museologia. Aqui a Memória esta mais perto do lugar, da comunidade, da família ou do grupo e é menos oficial.2

Este percurso tem agora na reedição do livro de Peter Davis, Ecomuseums: a sense of place3 a demonstração da vitalidade desta museologia. De França ao Vietname, do Japão à África do Sul, a Museologia tornou-se um recurso de comunicação com uma eficácia crescente e agora sustentada no campo mais abrangente da Sociomuseologia.4

Importa olhar com mais cuidado a rica e multifacetada política pública seguida no Brasil nos últimos anos onde a Política Nacional dos Museus é o reconhecimento, com as devidas consequências que isso acarreta, que é possivel transformar uma museologia comatosa como a que existia no Brasil, num processo social da maior envergadura.

Assim se reconheceu o direito à diferença, na medida em que se reconhecem as instituições museológicas como sendo “aquelas que disponibilizam acervos e exposições ao público, propiciando a ampliação do campo de construção identitária, a perceção crítica da realidade cultural brasileira, o estímulo a produção do conhecimento e a produção de novas oportunidades de lazer;”

E mais ainda, “aquelas instituições que desenvolvem programas, projetos e ações utilizando o património cultural como recurso educacional e de inclusão social”, assumindo assim que este entendimento de património como recurso, recentra a relação

2 Cf. http://icom.museum/fileadmin/user_upload/pdf/ICOM_News/2010-1/ENG/p8-9_2010-1.pdf 3 Ecomuseums: a sense of place, Peter Davis, Continuum, Londres, 2011 4 Cf. por exemplo Definição evolutiva de Sociomuseologia: Proposta para reflexão, Mário Moutinho, in atas do XIII Atelier Internacional do MINOM, Lisboa-Setúbal, Lisboa, Setembro 2007. http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/viewFile/510/413 A Sociomuseologia traduz uma parte considerável do esforço de adequação das estruturas museológicas aos condicionalismos da sociedade contemporânea. A abertura do museu ao meio e a sua relação orgânica com o contexto social que lhe dá vida, têm provocado a necessidade de elaborar e esclarecer relações, noções e conceitos que podem dar conta deste processo. A Sociomuseologia constitui-se assim como uma área disciplinar de ensino, investigação e atuação que privilegia a articulação da museologia em particular com as áreas do conhecimento das Ciências Humanas, dos Estudo dos do Desenvolvimento, da Ciência de Serviços e do Planeamento do Território. A abordagem multidisciplinar da Sociomuseologia visa consolidar o reconhecimento da museologia como recurso para o desenvolvimento sustentável da humanidade, assente na igualdade de oportunidades e na inclusão social e económica. A Sociomuseologia assenta a sua intervenção social no património cultural e natural, tangível e intangível da humanidade. O que caracteriza a Sociomuseologia não é propriamente a natureza dos seus pressupostos e dos seus objetivos, como acontece em outras áreas do conhecimento, mas a interdisciplinaridade com que apela a áreas do conhecimento perfeitamente consolidadas e as relaciona com a Museologia propriamente dita.

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Museologia/ Património/ Memória. É neste quadro que desenvolvem às centenas (é verdade que o Brasil é grande) iniciativas integradas nos programas públicos denominados por Pontos de Cultura e Pontos de Memória.

Os Pontos de Cultura são “iniciativas desenvolvidas pela sociedade civil tornam-se responsáveis por articular e impulsionar ações que já existem nas comunidades”. O Ponto de Cultura “não tem modelo único de instalações físicas, de programação ou atividade, é uma iniciativa que impulsiona a realização de ações envolvendo Arte e Educação, Cidadania com Cultura e Cultura com Economia Solidária.”

Os Pontos de Memória “assentam na gestão participativa e no protagonismo comunitário, apoiando o empoderamento social daqueles grupos que ainda não tiveram a oportunidade de contar suas histórias e Memórias através dos museus, incentivando a apropriação destes equipamentos pelas comunidades, de forma que se sintam representadas e valorizem a identidade local”. Os pontos de Memória visam assim “o fortalecimento de ações de reconstrução da Memória social e coletiva de comunidades, a partir do cidadão, de suas origens, suas histórias e seus valores”.5

Parece pois evidente que os Museus e a Memória podem ser fatores de coesão e por isso alguma coisa deveria mudar no nosso País, onde se tornam necessários melhoramentos das políticas culturais, face à realidade dos museus, à sociedade e à autodenominada globalização.

5 Cf por exemplo http://www.cultura.gov.br/site/2009/02/03/cultura/ ; http://www.cultura.gov.br/culturaviva/

1

Moutinho, Mario, Primo, Judite, Fronteras reales e imaginarias en los museus in:Museus del templo al laboratorio, La investigación teórica, Coord. Juan Carlos Rico Ed. Silex, Madrid, 2011 pp.321-327 Fronteiras reais e imaginárias nos Museus

Domínios há em que o Museu se mantém obstinadamente insensível às

mudanças da sociedade e por isso mesmo, vai aprofundando o fosso que separa uma

parte considerável da museologia da sociedade envolvente. São museus cheios de

fronteiras, algumas reais mas outras também imaginárias, fruto de receios e de

incompreensão que o lugar dos museus na sociedade se altera, ao mesmo ritmo da

própria sociedade.

Apesar dos museus serem objetivamente instituições prestadoras de serviços

não existe nos museus uma cultura de serviços e muito menos os recursos humanos

capazes de atuar plenamente como instituições de serviços. Não que os conceitos e

práticas de novas formas de gestão de planeamento, do marketing, da utilização das

NTIC (Novas Tecnologias de Informação e Comunicação) não estejam atualmente no

centro das atenções num número crescente de museus. A questão é que estes recursos

são colocados no essencial ao serviço da conceção de que os museus servem no

essencial para exibir as suas coleções.

A questão essencial que se coloca aos museus é a de saber se os museus são

apenas isso, ou se não têm um espaço mais amplo de atuação produzindo novos

serviços e utilizando os recursos atuais, não para os serviços tradicionais mas para

aqueles que falta ainda descobrir. Trata-se de por a Inovação não apenas ao serviço

das atividades tradicionais, mas também ao serviço de novos conceitos que de forma

crescente têm vindo a ser delineados nas últimas décadas.

Do museu integral, imaginado na Declaração de Santiago do Chile de 1972, ao

museu que renova as suas exposições todos os dias, existe cada vez mais espaço de

intervenção no qual devemos entrar, na condição de podermos passar as nossas

barreiras mentais e daqueles que nos rodeiam.

Podemos facilmente identificar alguns domínios onde essas fronteiras

persistem com maior ou menor consistência.

1-O discurso museológico mantém-se dependente das colecções

2

2-O discurso museológico não reconhece um novo grau de autonomia do

público

3-O tempo dentro do museu é quase sempre entendido como tempo passado e

mantém-se desfasado do quotidiano

4-Não faz parte da sua própria imagem de Museu a ideia de renovação

permanente

1-O discurso museológico mantém-se dependente das coleções

Sobre o primeiro ponto O discurso museológico mantém-se dependente das

coleções, julgamos que isso tem a ver particularmente com a própria origem de cada

museu que tem sempre por base uma colecção.

Apenas os museus de divulgação científica se colocam noutra situação, na

medida em que procuram expor e explicar, processos e leis, do domínio de diferentes

ciências (geralmente das ditas ciências exactas). Por isso os seus recursos expositivos

são no essencial fabricados, facto que, paradoxalmente, não parece incomodar os

setores do pensamento museológico que se reconhece nas funções tradicionais dos

museus e na ideia de raridade e de obra prima.

Michel Thevoz expressou de modo particularmente forte, uma ideia de

exposição, que subscrevemos plenamente e que de certa maneira dá embasamento à

nossa reflexão.

"Expor é ou deveria ser, trabalhar contra a ignorância, especialmente contra

a forma mais refractária da ignorância: a ideia pré - concebida, o preconceito, o

estereótipo cultural. Expor é tomar e calcular o risco de desorientar - no sentido

etimológico: (perder a orientação), perturbar a harmonia, o evidente, e o consenso,

constitutivo do lugar comum ( do banal). No entanto também é certo que uma

exposição que procuraria deliberadamente escandalizar traria, por uma perversão

inversa o mesmo resultado obscurantista que a luxúria pseudo - cultural. ... entre a

demagogia e a provocação, trata-se de encontrar o itinerário subtil da comunicação

visual."1

Então podemos admitir que a função de um museu se renovará, se este se

reconhecer como um lugar de comunicação, não acorrentado a colecções que em 1 Michel Thévoz, Esthétique et/ou anesthésie museographique, Objets Prétextes, Objects Manipulées, Neufchatel, 1984, p. 167

3

última instância determinam geralmente a sua própria programação. No entanto, se a

museologia como meio de Comunicação é cada vez mais reconhecida como uma

realidade incontornável, teremos que admitir que a museologia não é apenas o que

acontece nos Museus.

Antes pelo contrário, a museologia como meio de comunicação deverá ser

cada vez mais entendida como um recurso exterior ao Museu. E se assim for, teremos

de considerar a distinção entre a museografia, como tudo o que diz respeito ao Museu,

da expografia entendida como uma escrita, e como sendo um meio de comunicação.

Por seu lado a expografia procurará cada vez mais cortar o cordão umbilical

com a instituição museal para ser um recurso de comunicação de uso corrente,

plenamente democratizado e incluída nos programas escolares ao mesmo título que a

alfabetização, a informática ou a educação sexual.

Podemos fazer um paralelo: se a escrita não é apenas um recurso ao serviço

dos editores de texto, mas sim uma forma de expressão cada vez mais acessível e

democratizada a expografia também não é apenas um recurso que só tem sentido ao

serviço dos Museus.

2-O discurso museológico não reconhece um novo grau de autonomia do

público

Falamos por exemplo do grau de autonomia de cada visitante, que hoje

caracteriza a nossa sociedade e que leva os indivíduos cada vez mais a não se

submeterem tão facilmente a discursos autoritários e padronizados. Trata-se de um

segundo elemento que não mudou nos museus e que resumimos como a recusa dos

museus em reconhecer um novo grau de autonomia na aquisição de informações por

parte dos visitantes.

Hoje em dia qualquer adolescente nos países desenvolvidos e em certa medida

nos outros países, domina plenamente processos de aquisição de informação mil vezes

mais amplos e complexos que a geração dos seus pais. Estamos a falar da Web e de

todos os recursos aí existentes. Por que razão alguém se contentará da geralmente

pobre informação que o Museu disponibiliza quando tem ao seu alcance um mundo

de conhecimento? E no entanto, os museus obstinam-se a transportar para os displays

singulares ou cobrindo paredes inteiras, exatamente os mesmos conteúdos que eram

anteriormente apresentados em painéis penosamente construídos pedaço a pedaço ou,

4

mais modernamente, diretamente impressos em telas que depois se afixavam aos

mesmos painéis. Reduzir ou não procurar utilizar os recursos tecnológicos atuais para

servir novos desafios da museologia parece cada vez mais uma falta de atenção para

com o mundo em mudança.

Inteiramente ligado a esta questão está a compreensão do museu prestador de

serviços sobre o qual destacamos a título de exemplo duas características.

Em primeiro lugar a ideia de inseparabilidade que é certamente uma das

características mais evidentes dos Serviços e que reconhece que o momento da

produção e do consumo de cada serviço são simultâneos. No caso dos museus

falamos, naturalmente, da Exposição quer ela seja temporária ou permanente.

Na verdade cada museu tem um tempo limitado para confirmar junto de cada

visitante que a opção da visita foi correta e que corresponde as expectativas, que na

verdade são tão elevadas quanto os recursos aplicados na sua publicidade. E isto,

muito para além do facto, que por meio de diferentes mecanismos (subsídios,

programas especiais, preços diferenciados, bilhetes a custo zero) esta relação poderá

ser de certa forma ludibriada. O custo zero para o utilizador do serviço pode

efetivamente diminuir o seu grau de exigência, mas em última instância o desencanto

é uma penalização que nenhum visitante deseja e no qual assenta uma rejeição não só

para com a instituição como naturalmente para com todas as instituições que possam

ser semelhantes. No entanto esta questão do tempo disponível para corresponder às

expectativas do visitante não parece ser uma preocupação da maior parte das

administrações talvez pelo facto de cada museu abrir regularmente cada dia à mesma

hora ao longo de anos. É possível repetir a visita mas tal facto não anula uma

experiência falhada, como também é razoável pensar que a repetição nada trará de

novo que possa alterar a primeira sensação.

Nos museus tradicionais, assentes na apresentação e fruição das colecções

apoiadas na existência de recursos materiais como vitrinas ou novos suportes de

comunicação (vídeo, som, ambientes de imersão, etc..) para as quais se conceberam

espaços securisados e climatizados por meio de recursos materiais e de equipamentos

próprios, o visitante não pode levar consigo a exposição, devendo por isso consumi-la

durante a visita

Tudo o que o visitante pode fazer é viver a experiência registar alguns dos seus

aspetos em diferentes suportes ou recolher elementos tangíveis tais como folhetos,

5

catálogos ou objetos afins disponibilizados na loja do museus, elementos esses que

são aliás fundamentais para tangibilizar e credibilizar o Museu ou a exposição.

A disponibilização da exposição ou do museu na WEB tem por agora, o

mesmo valor da consulta do catálogo. Visita virtual ou leitura não substituem a

experiência da descoberta e fruição da exposição por cada visitante. Na verdade

nenhum museu toma em consideração o fator tempo como uma limitação á

compreensão do projeto expografico e nada na exposição foi determinado por esta

condicionante.

Um outro conceito que caracteriza os Serviços é o da variabilidade. A

Variabilidade significa que um serviço deve adaptar-se ao consumidor de forma a

poder responder as necessidades e as capacidades de cada indivíduo. Trata-se de falar

de atendimento personalizado por oposição a ideia corrente de exposição tamanho

único que deverá ignorar as diferenças.

Pode-se assumir que as exposições apresentadas pelos museus vivem

essencialmente na busca contínua do maior denominador comum. Apesar de se

reconhecer progressivamente a necessidade de criar exposições para determinados

públicos com algum grau de customização (legendas em várias línguas,

acessibilidades ou a utilização de áudio guias que permitem um leque alargado de

opções) a prestação museal não busca uma customização determinada pelas

necessidades do visitante único. Tal ideia é na verdade escandalosa para a

comunidade museal tanto mais que o paradigma do sucesso de uma exposição é

exatamente a sua capacidade de mobilizar no menor espaço de tempo o maior número

de visitantes. Pensar que importa responder as necessidades do visitante único, só por

si obrigaria a alterar não só os fundamentos de cada exposição mas repensar os

espaços arquitetónicos, (inclulindo os novos conceitos de ambiente inteligentes, de

paredes intertativas e todos aqueles que destes resultam), tipos de narrativas e os

recursos tecnológicos de cada exposição tendo em vista em de forma sobreposta o

tempo útil de consumo ou de fruição.

3-O tempo dentro do museu é quase sempre entendido como tempo

passado e mantém-se desfasado do quotidiano

A expografia deixando de estar acorrentada ao serviço das colecções passa a

poder ser um recurso para desenvolver e apresentar ideias dentro e fora do Museu.

6

Mas para os Museus isto trás consequências importantes e de difícil aceitação.

Reconhecemos no passado que as colecções dos museus tradicionais são compostas

por objectos e que as colecções dos Museus que buscam novos rumos, são os

problemas das comunidades que lhes dão vida.

E se assim for a expografia até aqui orientada para os objectos museológicos,

deverá pelo menos teoricamente, assumir formas diferentes, porque passa a trabalhar

com os problemas das comunidades.

Esta constatação implica por sua vez o reconhecimento de que as regras da

expografia de objetos provavelmente não coincidem com a expografia de ideias.

Porque exatamente essas ideias estão na base do processo comunicacional

devemos reconhecer um lugar próprio à memória de quem fala, de quem ouve e de

quem dialoga.

Não se expõem a memória das coisas, mas sim constrói-se um processo de

comunicação do qual é parte integrante a memória dos actores.

De objeto de coleção podemos assim passar progressivamente para a

potencialidade comunicativa da forma. E isto é tão mais certo se pensarmos com

Pierre Francastel numa epistemologia de criação imaginária. "Longe de ser um registo

mecânico de elementos sensórios, a visão prova ser uma apreensão verdadeiramente

criadora da realidade - imaginativa, inventiva, perspicaz e bela....Toda a percepção é

também pensamento, todo o raciocínio é também intuição, toda a observação é

também invenção. A forma de um objeto que vemos, contudo, não depende apenas de

sua projecção retiniana numa dado momento. Estritamente falando, a imagem é

determinada pela totalidade das experiências visuais que tivemos com aquele objeto

ou com aquele tipo de objeto durante toda a nossa vida"2

Ao libertar-nos o Museu das colecções e enunciar os dados de uma expografia

não fundada em objectos herdados mas sim construídos, estamos pervertendo a

função mais tradicional do Museu e quebrando por assim dizer as expectativas que o

público também mais tradicional pode ter do Museu.

Mas será que esse público mais tradicional do museu ainda existe ou será

apenas uma categoria uma espécie de fronteira que apenas existe na mente dos

diretores de museus.? É cada vez mais é difícil aceitar que o grau de exigência de

cada pessoa (mesmo que seja alienado) é progressivamente maior nos diferentes 2 citado em Rudolf Arnheim, Arte e Percepção Visual, Livraria Pioneira Editora, São Paulo, 1994, int,e p.40.,

7

aspetos do seu quotidiano, mas que esse grau ficaria estagnado no que diz respeito às

expectativas que tem ou pode ter sobre o lugar dos museus na sociedade

contemporânea.

4-Não faz parte da sua própria imagem de Museu a ideia de renovação

permanente

É um facto que os museus tal como os conhecemos não têm capacidade para

se renovarem todos os dias na medida em que são condicionados por vários fatores.

Sobretudo essa renovação é no essencial concebida com base nas condições de

produção atuais orientadas para a exibição de objetos herdados.

Faltará pois ter em consideração que mais tarde ou mais cedo os museus terão

de deixar esta obsessão pelo passado, para passar a comunicar por meio de objectos

que expressam ideias, utilizam plenamente os novos recursos da Tecnologia e

reconhecem a existência de um público que não precisa de guias, nem legendas.

Rejeitamos com facilidade um jornal que repetisse cada dia as notícias do dia

anterior. Mas aceitamos sem questionar que um museu mantenha a mesma exposição

durante meses ou anos.

Museu em que cada dia as suas exposições possam mudar de acordo com a

vida de cada dia e onde cada um, leia outro jornal ou veja outra televisão, que tomou

em consideração a memória certamente, mas também o olhar da curiosidade e do

desejo de aprender, voltado para o passado mas também voltado para o presente.

Museu em que cada dia as suas exposições possam mudar de acordo com a

vida de cada dia e onde cada um, leia outro jornal ou veja outra televisão, que tomou

em consideração a sua memória a qual condiciona a sua percepção do mundo.

Para ultrapassar as fronteiras reais e imaginárias nos Museus importa pois ter

em consideração: O reconhecimento que as questões do desenvolvimento social e da

Cultura são cada vez mais elementos de uma responsabilidade Social onde assenta a

intervenção museal.

O reconhecimento que todas as sociedades estão em permanente mudança pelo

que a actuação dos museus deverá assentar nessa própria mudança

O reconhecimento que os recursos humanos envolvidos nas diversas e

ampliadas funções dos museus carecem cada vez mais de formação aprofundada que

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ultrapassa as tradicionais formações técnicas que esgotam a atuações dos museus

centrados exclusivamente sobre as suas coleções.

O reconhecimento que os museus são cada vez instituições entendidas como

entidades prestadoras de serviços, pelo que necessitam crescentemente de envolver os

conhecimentos das áreas da gestão, da inovação, do marketing, do design e das novas

tecnologias da informação e da comunicação em geral.

De certa forma falámos da necessidade dos museus ultrapassarem fronteiras

que foram construidas (e nas quais se habituaram a viver) em contextos sociais bem

diferentes daqueles em que vivemos.

Os contornos, os conceitos e as práticas dos Museus têm passado por

transformações profundas que têm colocado os Museus na Europa e no Mundo no

centro da vida económica cultural e social.

O trabalho teórico e metodológico que permite compreender estas

transformações é pois a tarefa principal de todos aqueles que vêm na Museologia um

recurso essencial de intervenção no mundo em que vivemos.

Se o Museu reconhece e é fruto da Comunidade, que lhe dá vida, terá

forçosamente que admitir a alteração do lugar de cada um neste processo e encontrar

novos rumos de comunicação que tenham em consideração os que produzem e

consomem o discurso museológico.

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Moutinho, Mario C. M. 2010. Os museus portugueses perante a Sociomuselogia. In 100 anos de patrimônio: memória e identidade: , 313 - 322. ISBN: 978-989-8052-20-9. Lisboa: IGESPAR. Mário Moutinho

Possui graduação em Arquitetura/Urbanismo - École Nationale Superieure des Beaux Arts de Paris (1972) e Doutoramento em Antropologia Cultural - Universidade de Paris VII Jussieu (1978). Atualmente é Reitor da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Atua na área da Museologia Social e do Urbanismo e Ordenamento do Território. Foi fundador e coordenador do Mestrado e do Doutoramento em Museologia da Universidade Lusófona de Lisboa. Membro fundador e dirigente do Movimento Internacional para uma Nova Museologia MINOM-ICOM. Director da Revista Cadernos de Sociomuseologia. Os museus Portugueses perante a Sociomuseologia Mário Moutinho 1

Os Museus constituem atualmente, na maioria dos países, uma parte da atividade

cultural onde se desenvolvem os desafios cada vez mais centrais das problemáticas da identidade, do lazer, da educação e da inclusão socioeconómica.

Em Portugal o fim do século XX foi certamente o período em que o pensamento museológico, a par do forte aumento do número dos museus, mais cresceu. Trata-se de iniciativas essencialmente de âmbito local com origem no associativismo e nas políticas culturais e turísticas dos municípios. Estas iniciativas correspondem a um complexo conjunto de motivações, de abordagens e de diversas formas de entender as questões patrimoniais tanto ao nível da patrimonialização como da musealização. É pois legitimo encontrar um panorama multifacetado desta museologia, a qual se apoia atualmente, por um lado no enquadramento das políticas públicas para a cultura, tanto de âmbito nacional como europeu, (POC, Programas LEADER, INTERREG etc.) e por outro lado numa crescente atenção que as universidades portuguesas têm dado à questão da qualificação dos recursos humanos. São várias as Universidade, subsidiadas e autofinanciadas, que oferecem cursos de pós graduação, de Mestrado e mais recentemente de Doutoramento em Museologia. Seguindo conceitos métodos e objetivos diversos, mas que no seu todo oferecem um vasto leque de escolha entre a museologia tradicional voltada para as coleções e a museologia mais envolvida com as questões da inclusão social e do desenvolvimento. Isoladas estão as pessoas que ainda não assumiram que a qualidade de desempenho de uma instituição, depende da qualificação do seu Capital Humano e, consequentemente, da qualidade da sua formação teórica e pratica.

No último quartel do século XX as práticas museológicas e os conceitos que lhes estão ligados sofreram alterações profundas. Este processo procurou adaptar as instituições museológicas às mutações da própria sociedade sempre no sentido de levar os museus a participarem ativamente em favor das sociedades que lhes davam e dão vida. As práticas correntemente inscritas na ideia de Nova Museologia ao longo dos anos foram incorporando novas abordagens e novos conceitos que atualmente dão corpo à Sociomuseologia, na qual se busca uma visão mais abrangente destes processos.

Isto não significa que todos os museus tenham sido sempre sensíveis aos contextos de mudança, pelo que hoje encontramos museus que se autoexcluíram dos processos de participação e na verdade vegetam lamentavelmente sem que neles se vislumbre o exercício de qualquer utilidade para com o resto da sociedade.

São museus alheios ao desenvolvimento, sorvedouros de recursos financeiros, fechados sobre as suas coleções que na maior parte dos casos se deterioram ao ritmo dos anos.

1 Este texto utiliza largamente os seguintes documentos da nossa autoria: -Museologia: Novos Enfoques / Novos Desafios, Revista Ciências em Museus, nº 4, Actas do Simpósio Internacional "O Processo de Comunicação nos Museus de Arqueologia e Etnologia", Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, 1995, São Paulo. -A Museologia Informal, Boletim da Associação Portuguesa de Museologia, nº 3, APOM, 1996, Lisboa. -Theory and Practice of Social Museology, Stoneterior, nº46, 1997, Toquio. -Notas para apresentação do tema Museologia e Desenvolvimento, “Understanding Culture in Sustainable Development: Investing in Cultural and Natural Endowments”. World Bank, Washington, 1998. -Fronteiras reais e imaginárias nos Museus, in Museos: del templo al laboratório, Coord. Juan Carlos Rico Ediciones SILEX, Madrid, 2010, (no prlo)

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Por isso, esses museus, reduzem geralmente a sua atividade à manutenção de uma exposição permanente sem ideias, sem rumo, de puro “exibicionismo” como diria Hugues de Varine e que por isso mesmo, envelhecem ainda mais rapidamente.

Já descrevemos2 uma possível categorização dos museus tendo em conta os seus compromissos, ou seja de fato aquilo a que estão efetivamente vinculados no seu dia a dia.

Assim temos os museus compromissados consigo próprios que a penas buscam a sobrevivência institucional, assegurando a abertura regular das portas nos horários fixados pelas tutelas. São museus que não dão problemas nem para essas mesmas tutelas nem para os seus diretores ou diretoras para quem as iniciativas devem ser permanentemente adiadas. Eventualmente um chamado serviço educativo que mostra a exposição, assegura a quase totalidade dos visitantes. Outro tipo de museus agrupa as instituições que têm por finalidade servir o poder, no ato da inauguração, nas visitas presidenciais e na justificação da existência de preocupações culturais a nível autárquico ou da administração local. “São Museus que transmitem condicionamentos culturais e políticos muitas vezes na perfeita harmonia com serviços pedagógicos bem montados, onde as teorias da aprendizagem formal e informal são sempre atualizadas. Mas também são museus onde mais que a memória se guiam pelo esquecimento. Nunca se saberia visitando a maioria dos museus Americanos que o homem negro existe na América (John Kinard, Director do Museu de Anacostia.)”3.

Uma terceira categoria refere-se aos museus compromissados com a indústria cultural, onde para desespero dos conservadores que fazem parte dos quadros e gerem minguados orçamentos, tomam o poder de um dia para o outro, por períodos mais ou menos longos, os chamados “comissários” que vêm gerir a aplicação de elevadas verbas, provenientes de grandes empresas carentes de valorização pública cultural, ou diretamente de Comissões criadas pela administração central para comemorar aniversários, centenários, ilustrar reuniões internacionais. É a museologia ao sabor da criatividade de “Empresas Culturais” atualmente assentes na utilização de novas tecnologias de informação e comunicação onde se fica na dúvida se são os recursos tecnológicos a alma da exposição ou mesmo se para lá disso a exposição tem alguma alma.

Existem também os museus clandestinos, compromissados com os seus públicos onde tudo o que se faz de inovador se faz para lá das horas de serviço, onde cada exposição é uma vitória sobre a ignorância na tentativa de passar uma mensagem, ou uma ideia. São museus que vingam à revelia das administrações ou das tutelas. Ou são mesmo museus onde as administrações têm de atuar à revelia das tutelas, pondo cada dia em risco o seu emprego.

Enfim uma outra categoria de Museu bem mais complexa de definir onde se junta um envolvimento mais profundo com o mundo contemporâneo, com mais ou menos recursos, mas que procura aliar o seu quotidiano aos seus recursos humanos, protegido por administrações ou tutelas que fazem da partilha a sua regra de conduta, que estão atentos aos novos recursos tecnológicos procurando usar estes ao serviço das ideias. Estes museus (públicos e privados) que na verdade buscam o seu caminho todos os dias existem um pouco por todo o país mas são certamente uma minoria. Ou de outra forma, são museus que vivem procurando os compromissos necessários à sua existência centrando-se sobre o essencial ao mesmo tempo que relativizam o que é marginal.

Pensando mais propriamente nos Museus Locais (bem mais de um milhar), Fernando João Moreira destacou quatro situações relacionadas com os objetivos que os fundamentam e, claro está, com as práticas que daí derivam: “O museu politicamente correto

O museu local que, dotado de alguns meios técnicos e financeiros procura salvaguardar o património local e assumir um papel de interventor ativo na promoção das bases culturais e identitárias existentes na sua área de influência, ou seja, um museu cuja atuação se cinge ao domínio cultural (…) e em cujas atividades a linguagem expositiva ocupa um papel central – o museu politicamente correto e de sucesso, o orgulho do Presidente da Câmara Municipal e o

2 Cf. Mário Moutinho., Os compromissos dos museus com a sociedade, MUSA, Museus, Arqueologia & outros Patrimónios; Fórum Intermuseus do Distrito de Setúbal nº 1, 2005 3 Iden

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paraíso do conservador museólogo pós-moderno (o museu tradicional de nova geração em meio rural ou de sede de concelho);

O museu incompreendido ou o museu primeiros socorros

O museu local que se assume como prestador de serviços, um museu concebido para ser utilizado pelas populações consoante as suas necessidades pessoais ou coletivas, ou seja, um museu com objetivos nobres mas que, pelo seu caráter de “faz tudo”, dificilmente é tomado a sério pela comunidade e pelas instituições regulatórias – o museu incompreendido ou o museu primeiros socorros;

O museu promotor

O museu local que tem como objetivo fundamental da sua atuação a promoção do desenvolvimento local, um museu aberto a toda a participação popular e com campos de atuação variados centrados em duas dimensões principais, a interna (promoção do desenvolvimento imaterial das populações – reforço das identidades, inclusão de setores específicos da população, preservação da memória …., numa palavra, a dimensão de guarda das especificidades e da manutenção das diferenças locais) e a externa (promoção do desenvolvimento material - reforço da visibilidade local no exterior, reforço da atratividade turística, agente de animação, agente da valorização dos produtos artesanais locais através da promoção da inovação na tradição, …, numa palavra, a dimensão de agente despoletador de fatores de equidade territorial relativamente a outros espaços). Trata-se de um museu cuja diferença para o tipo anterior reside, sobretudo, na existência de parâmetros que balizam a sua ação (existência de grandes objetivos e de objetivos específicos materializados na existência de estratégias de atuação que culminam num programa de atuação – plano estratégico e operacional do museu, elaborado através da adoção de metodologias efetivamente participativas) e no facto de privilegiar as ações coletivas de base local em detrimento das ações com contornos ou objetivos mais individuais – o museu promotor”.4

Em ambas caracterizações (redutoras por natureza) podemos no entanto encontrar algumas das linhas de força que caracterizam a museologia e museus nos tempos que correm. Trata-se de assumir o direito à diferença, a crescente autonomia dos públicos e a existência de utilizadores diretos e indiretos, a crescente transformação dos ritmos da atividade museológica e a mais longínqua não menos incontornável compreensão dos museus como entidades prestadoras de serviços.

O direito à diferença

Deixou de existir um modelo único de Museu igual à ideia de coleção, de edifício e de público, para se assumir o museu com um lugar central dos conceitos de património (s) território e população.

Desenvolveram-se novos modelos de gestão não hierarquizados e assumiu-se o alargamento da noção de património, e a consequente redefinição de "objeto museológico ",

Este processo de abandono de uma ideia única de Museu é determinado pela ambiguidade desta situação, que arrasta conflitos, difíceis em muitos casos de resolver.

Os conceitos de Sociomuseologia de forma mais abrangente e alguns dos conceitos ligados à nova museologia tais como Ecomuseologia e Economuseologia, expressam diferentes formas dos museus se posicionarem no mundo contemporâneo. Partiu-se da ideia de que o museu é "uma instituição permanente, sem finalidade lucrativa, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público e que realiza investigações que dizem respeito aos testemunhos materiais do homem e do seu meio ambiente, adquire os mesmos, conserva-os, transmite-os e expõe-nos especialmente com intenções de estudo, da educação e de deleite”. Os museus bem comportados do ICOM!

Mas para além desses Museus designados como tal passaram também a ser reconhecidas como museus as instituições ou organizações com fins não lucrativos que exercem atividades de investigação, educativas, de formação, de documentação e outras relacionadas com os Museu ou com a museologia (Estatutos do Conselho Internacional dos Museu 1995)

4 Cf. Mário Moutinho., A qualidade em museus, nos museus em mudança. Cadernos de Sociomuseologia Nº 25 – 2006, ULHT, Lisboa, p. 66

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É cada vez mais frequente constatar que uma nova geração de Museus (mesmo aqueles que nada mudaram em relação aos pontos que referimos) se organizam e definem os seus programas de atividades e são perspetivados, como recurso para o desenvolvimento. Preocupam-se com os problemas do mundo em que vivem promovendo o emprego, fomentando novas formas de turismo, revitalizando e criando indústrias e reforçando identidades.

É certo que já nos estatutos do ICOM se fala que o museu é uma instituição ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, mas também é certo que os museus têm estado mais ao serviço de si próprios, das suas coleções e dos objetos que os seus donos lhes atribuíram, porque os museus têm donos sejam eles públicos ou privados.

Mas também é certo, que é cada vez mais frequente constatar que uma nova geração de Museus se organizam e definem os seus programas de atividades perspetivados, como recurso para o desenvolvimento. Preocupam-se com os problemas do mundo em que vivem promovendo o emprego, fomentando novas formas de turismo, revitalizando e criando indústrias e reforçando identidades. Cada dia mais os museus procuram diferentes formas de sustentabilidade e estão atentos à promoção do desenvolvimento humano e da coesão social e económica A autonomia dos públicos

A museologia como meio de comunicação é cada vez mais entendida como um recurso exterior ao Museu. E se assim for, teremos de considerar a distinção entre a museografia, como tudo o que diz respeito ao Museu, da expografia entendida como uma escrita, de algum modo inovadora, como sendo esse meio de comunicação.

Podemos fazer um paralelo: se a escrita não é apenas um recurso ao serviço dos editores de texto, mas sim uma forma de expressão cada vez mais acessível e democratizada a expografia também não é apenas um recurso que só tem sentido ao serviço dos Museus

Se o Museu reconhece e é fruto das multifacetadas Redes, que lhe dá vida, terá forçosamente que admitir a alteração do lugar de cada um ocupa neste processo e encontrar novos rumos de comunicação que tenham em consideração os que produzem e consomem o discurso museológico são parte do mesmo processo.

Mas para os Museus isto trás consequências importantes e de difícil aceitação. A expografia deixando de estar acorrentada ao serviço das coleções passa a poder ser um recurso para desenvolver e apresentar ideias dentro e fora do Museu.

O grau de autonomia de cada pessoa, que hoje caracteriza a nossa sociedade leva os indivíduos cada vez mais, a não se submeterem tão facilmente a discursos autoritários e padronizados.

Primeiro, cada vez mais se exige uma informação (ou questionamento) sobre o quotidiano. O Museu é cada vez mais entendido pelo seu conteúdo, como através das preocupações do visitante. Reconhecer a existência de um público que não precisa de guias, nem legendas é apenas bom senso e obriga o Museu a elaborar discursos simultaneamente mais complexos e menos padronizados.

Hoje em dia qualquer adolescente domina plenamente processos de aquisição de informação mil vezes mais amplos e complexos que a geração dos seus pais. Estamos a falar da Web e de todos os recursos ai existentes. Por que razão alguém se contentará da geralmente pobre informação que o Museu disponibiliza quando tem ao seu alcance um mundo de conhecimento? Hoje em dia qualquer adolescente nos países desenvolvidos e em certa medida nos outros países, domina plenamente processos de aquisição de informação mil vezes mais amplos e complexos que a geração dos seus pais. Estamos a falar da Web e de todos os recursos aí existentes. Porque razão alguém se contentará da geralmente pobre informação que o Museu disponibiliza quando tem ao seu alcance um mundo de conhecimento? E no entanto os museus obstinam-se a transportar para os displays singulares ou cobrindo paredes inteiras, exatamente os mesmos conteúdos que anteriormente apresentação em painéis penosamente construídos pedaço a pedaço ou, mais modernamente, diretamente impressos em telas que depois se afixavam aos mesmos painéis. Reduzir ou não procurar utilizar os recursos tecnológicos atuais para servir novos desafios da museologia, mas somente para modernizar narrativas esgotadas, parece cada vez mais uma falta de atenção para com o mundo em mudança. Os ritmos museológicos

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A ideia de exposição temporária é hoje um dado adquirido e nenhum museu que se pretenda moderno ousaria ignorar este facto. Por outro lado a montagem de exposições sobre problemas da atualidade, museus da sociologia, da psicologia ou da globalização, também são uma realidade e estruturam por si sós a programação museológica de pequenas e grandes instituições, ou de pequenos museus de comunidade e de redes onde as exposições são essencialmente o partilhado processo de apreensão da realidade e catalisadoras de vontades, aspirações e desejos de intervenção.

Faltará pois ter em consideração que mais tarde ou mais cedo os museus terão de deixar pelo menos em parte esta obsessão pelo passado, para passar a comunicar por meio de objetos que expressam ideias e reconhecer a existência de um público que não precisa de guias, nem legendas.

Museu em que cada dia as suas exposições possam mudar de acordo com a vida de cada dia e onde cada um, leia outro jornal ou veja outra televisão, que tomou em consideração a sua memória a qual condiciona a sua perceção do mundo.

Se o Museu reconhece e é fruto da Comunidade, que lhe dá vida, terá forçosamente que admitir a alteração do lugar de cada um neste processo e encontrar novos rumos de comunicação que tenham em consideração os que produzem e consomem o discurso museológico.

Em forma de conclusão

Quer se trate de museus tradicionais que preservam e exibem as suas coleções para múltiplos fins incluindo a educação o lazer, ou quer se trate de museus sustentados conceptualmente na Sociomuseologia e por isso envolvidos com os conceitos de desenvolvimento, território, participação e inclusão social, em ambos os casos podem ser entendidos como organizações prestadoras de serviços, também configuradas com as expectativas dos seus públicos, utilizadores e beneficiários indiretos.

Os contornos, os conceitos e as práticas dos Museus têm passado por transformações profundas que têm colocado os Museus na Europa e no Mundo no centro da vida económica cultural e social.

O trabalho teórico e metodológico que permite compreender estas transformações é pois a tarefa principal de todos aqueles que vêm na Sociomuseologia um recurso essencial de intervenção no mundo em que vivemos.

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Documento Definição evolutiva de Sociomuseologia: Proposta para reflexão5 Mário Moutinho, Definição evolutiva de Sociomuseologia: Proposta para reflexão, in atas do XIII Atelier Internacional do MINOM, Lisboa-Setúbal, Lisboa, Setembro 2007. http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/viewFile/510/413 A Sociomuseologia traduz uma parte considerável do esforço de adequação das estruturas museológicas aos condicionalismos da sociedade contemporânea. A abertura do museu ao meio e a sua relação orgânica com o contexto social que lhe dá vida, têm provocado a necessidade de elaborar e esclarecer relações, noções e conceitos que podem dar conta deste processo. A Sociomuseologia constitui-se assim como uma área disciplinar de ensino, investigação e atuação que privilegia a articulação da museologia em particular com as áreas do conhecimento das Ciências Humanas, dos Estudo dos do Desenvolvimento, da Ciência de Serviços e do Planeamento do Território. A abordagem multidisciplinar da Sociomuseologia visa consolidar o reconhecimento da museologia como recurso para o desenvolvimento sustentável da humanidade, assente na igualdade de oportunidades e na inclusão social e económica. A Sociomuseologia assenta a sua intervenção social no património cultural e natural, tangível e intangível da humanidade. O que caracteriza a Sociomuseologia não é propriamente a natureza dos seus pressupostos e dos seus objetivos, como acontece em outras áreas do conhecimento, mas a interdisciplinaridade com que apela a áreas do conhecimento perfeitamente consolidadas e as relaciona com a Museologia propriamente dita. As preocupações fundamentais da Sociomuseologia há muito que se encontram descritas em numerosos documentos elaborados dentro e fora da Museologia. A titulo de exemplo pode-se referir a Declaração de Santiago do Chile de 1972, a Declaração de Quebec (MINOM) 1984, a Convenção sobre a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais (UNESCO), 2005, a Convenção para a salvaguarda do património imaterial (UNESCO) 2003, Convenção do Património Mundial, A Proteção do Património Mundial Cultural e Natural, UNESCO – Paris, 1972, Em todos este documentos aparece um traço de continuidade que indica claramente o alargamento das funções tradicionais da museologia e o papel que deverão assumir na sociedade contemporânea. 1- Entre essas preocupações deve ser referido o caráter global (planetário) dos problemas relacionados com a valorização e proteção do Património Cultural e Natural no quadro de uma visão nacional e internacional não só pela natureza dos problemas mas também pela necessidade de assentar politicas que ultrapassam os limites nacionais e afetam regiões ou em muitos casos dizem respeito ao próprio planeta no seu todo. Este entendimento resulta em parte da necessidade de envolver recursos humanos, financeiros e legais científicos e técnicos que ultrapassam claramente a responsabilidade local ou nacional. (Convenção do Património Mundial, A Proteção do Património Mundial Cultural e Natural, UNESCO – Paris, 1972) 2- O reconhecimento que as questões do desenvolvimento também têm vindo a ser consideradas aos níveis local, nacional e internacional não só pela natureza das questões mas também pelo caráter alargado do princípio da sustentabilidade que obviamente não só ultrapassa as fronteiras como também exige soluções globalmente sustentáveis. Neste contexto as soluções implicam abordagens multifacetadas e assentes no princípio da participação que não são específicas de um só grupo social mas que ao contrário assentam na participação e no compromisso individual e coletivo. Cultura e desenvolvimento são cada vez mais elementos de uma responsabilidade Social onde assenta a intervenção museal

3- Também é largamente reconhecido que todas as sociedades estão em permanente mudança pelo que a atuação dos museus deverá assentar nessa própria mudança sempre que procura deter um papel socialmente interveniente.

Que o museu é uma instituição a serviço da sociedade, da qual é parte integrante e que possui nele mesmo os elementos que lhe permitem participar na formação da consciência das comunidades que ele serve; que ele pode contribuir para o engajamento destas comunidades na ação, situando suas atividades em um quadro histórico que permita esclarecer os problemas atuais, isto é, ligando o passado ao presente, engajando-se nas mudanças de estrutura em curso e provocando outras mudanças no interior de suas respetivas realidades nacionais; (Mesa-Redonda de Santiago do Chile, ICOM, 1972)

4- Os museus são cada vez instituições entendidas como entidades prestadoras de serviços, pelo que necessitam crescentemente de envolver os conhecimentos das áreas da gestão da inovação, do marketing, do design e das novas tecnologias da informação e da comunicação. Estas áreas do conhecimento trazem para os museus fatores de melhoramento da qualidade da relação dos Museus com os seus públicos e/ou utilizadores para a qual se aplicam as ferramentas de avaliação da qualidade.

5 Mário Moutinho, Definição evolutiva de Sociomuseologia: Proposta para reflexão, in atas do XIII Atelier Internacional do MINOM, Lisboa-Setúbal, Lisboa, Setembro 2007. http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/viewFile/510/413

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Estas abordagens essenciais mas efetuadas parcelarmente encontram agora numa nova área de conhecimento geralmente denominada por Ciência de Serviços, Gestão e Engenharia. (SSME). Esta área propõe-se reunir e articular de forma consistente os trabalhos em curso no domínio da informática, da engenharia industrial, da estratégia empresarial, das ciências de administração, das ciências sociais e cognitivas e das ciências jurídicas de modo a desenvolver as competências requeridas por uma economia orientada e assente cada vez mais na produção e uso de serviços. Esta área do conhecimento visa o entendimento transversal de outras áreas que por si só atingiram um desenvolvimento considerável, mas que raramente são objeto de entendimento articulado e dialético. Mais do que uma função propriamente técnica que resulta do entendimento do museu com uma instituição ao serviço dos objetos museológicos os Museus são cada vez mais entendidos como instituições prestadoras de serviços e neste sentido devendo ser compreendidas como qualquer outra atividade de Serviços. 5- A atuação dos recursos humanos envolvidos nas diversas e ampliadas funções dos museus carecem cada vez mais de formação aprofundada que ultrapassa as tradicionais formações técnicas que esgotam a atuações dos museus centrados exclusivamente sobre as suas coleções. As Curricula Guidelines for Professional Development actualmente em processo de revisão no seio do ICOM dão claramente conta multiplicidade dos campos de formação de modo a cobrir todas as áreas onde o Museu se afirma como áreas de trabalho. De forma resumida a Declaração do ICTOP de Lisboa 1994 já anunciava este novo processo de revisão da formação dos trabalhadores dos museus.

Os programas de formação museológica devem oferecer oportunidades de formação que visem o preenchimento das necessidades imediatas e das expectativas da comunidade museológica para a munir de uma programação pró-ativa em vez de uma instrução reativa; (…), Os programas de formação museológica devem preparar formandos, a todos os níveis, para desempenharem mais elevados papéis de liderança, estimulando a investigação intelectual, a interação imaginativa, e soluções corajosas para aplicar a práticas e atividades museológicas, bem como transmitindo um senso de responsabilidade ética, profissional e social; (Declaração de Lisboa, Resoluções da Comissão Internacional de Formação de Pessoal de Museus – Conferencia do ICTOP/Universidade Lusófona, 1994)

Esta proposta de definição da Sociomuseologia mais do que um puro exercício gramatical pretende na verdade chamar a tenção para toda uma vasta área de preocupações, métodos e objetivos que dão cada vez mais sentido a uma museologia cujos limites não cessam de crescer. A visão restritiva da museologia como técnica de trabalho orientada para as coleções, tem dado lugar a um novo entender e práticas museológicas orientadas para o desenvolvimento da humanidade.

E é exatamente para esta realidade, fruto da articulação de áreas do saber que cresceram por vezes fora da museologia mas que progressivamente se tornaram recursos incontornáveis para o desenvolvimento da própria Museologia, que a definição de Sociomuseologia se revela poder ser um contributo que ajuda a compreender processos e definir novos limites.

Assim entendido a Sociomuseologia assume-se como uma nova área disciplinar que resulta da articulação entre as demais áreas do saber que contribuem para o processo museológico contemporâneo. Entre o paradigma do Museu ao serviço das coleções e o paradigma do Museu ao serviço da sociedade está o lugar da Sociomuseologia