Sinto-me honrado por ter sido eleito para essa distinta “Academia ...

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Sinto-me honrado por ter sido eleito para essa distinta “Academia de Letras da Bahia”. Depois de quase quinze anos vivendo em Salvador, posso compreender o que significa para a Bahia esta casa de Arlindo Fragoso. Permitam-me, nesse instante, fazer uma breve recapitulação histórica, que em muito pode nos ajudar a entender o que celebramos por meio desse ato: A palavra “Academia” designava o jardim de Academo, herói ateniense, às margens do rio Cefiso, perto de Atenas, no qual Platão ensinava Filosofia. Em Paris surgiu, em 1570, a “Academia do Palácio”, como a primeira academia da história dos tempos modernos, com a intenção de cuidar do idioma e da literatura.

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Sinto-me honrado por ter sido eleito para essa distinta “Academia de

Letras da Bahia”. Depois de quase quinze anos vivendo em Salvador, posso

compreender o que significa para a Bahia esta casa de Arlindo Fragoso.

Permitam-me, nesse instante, fazer uma breve recapitulação histórica,

que em muito pode nos ajudar a entender o que celebramos por meio desse

ato:

A palavra “Academia” designava o jardim de Academo, herói

ateniense, às margens do rio Cefiso, perto de Atenas, no qual Platão ensinava

Filosofia.

Em Paris surgiu, em 1570, a “Academia do Palácio”, como a primeira

academia da história dos tempos modernos, com a intenção de cuidar do

idioma e da literatura.

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No século XVI, entre os anos 1582 e 1583, foi fundada, na Itália, a

“Accademia della Crusca” por cinco literatos florentinos. Eles reuniam-se

com a intenção de proteger a língua italiana. Esses literatos tinham a intenção

de purificar a língua italiana, isto é, fazer uma revisão do seu vocabulário.

Na França, em 1635, foi fundada, pelo Cardeal Richelieu, sob o reinado

de Luis XIII, “A Academia Francesa”, com duas finalidades: para o cultivo

da língua, sobretudo para definição do vocabulário, e para o cultivo da

literatura. Nessa ocasião, Richelieu escolheu quarenta intelectuais, que

passaram a se reunir ordinariamente. A Academia Francesa era, na verdade,

uma continuação da Academia do Palácio.

Embora haja, numa poesia de Gregório de Matos, o “Boca do Inferno”,

referência a uma Academia que existira na Bahia, no final do século XVII,

historicamente documentada outra surgiu em Salvador 89 anos após a

fundação da Academia Francesa, no dia 7 de março de 1724, por iniciativa de

Dom Vasco Fernandes Telles de Menezes, Conde de Sabugosa e 39º

Governador da Bahia, que passou a se chamar “Academia Brasílica dos

Esquecidos”. No Rio de Janeiro fundaram, por sua vez, a “Academia dos

Felizes”, em 1736. Em Salvador fundaram, ainda, a “Academia Brasílica dos

Renascidos” revivendo a dos “Esquecidos”, de vida breve, em 1759.

Finalmente vimos nascer a “Academia de Letras da Bahia”, fundada

por Arlindo Fragoso em 7 de março de 1917 que, na ocasião, cercou-se de

vultos notáveis, a citar: Teodoro Sampaio, Ernesto Carneiro Ribeiro, Pirajá da

Silva, Xavier Marques, Braz do Amaral, Carlos Chiacchio, Arthur de Salles,

Gonçalo Muniz, Simões Filho, Prado Valladares, Octavio Mangabeira, Oscar

Freire, Virgílio de Lemos, Afrânio Peixoto, João Américo Garcez Fróes,

Filinto Bastos, Moniz Sodré, Miguel Calmon, Pinto de Carvalho, José

Joaquim Seabra, Severino Vieira, Carlos Ribeiro, Aloysio de Carvalho (Lulu

Parola), Campos França, Egas Muniz (Pethion de Villar), Torquato Bahia,

Clementino Fraga, Almachio Diniz e Ruy Barbosa.

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Neste momento que tomo posse na cadeira 37, cujo patrono é João

Batista de Castro Rebelo Júnior, que teve como fundador Almachio Diniz

Gonçalves e como titulares Edith Mendes da Gama e Abreu e Antônio Carlos

Magalhães, quero agradecer aos meus familiares que partilharam comigo a

alegre convivência, até a minha entrada na Ordem de São Bento, com vinte

anos de idade. De uma forma toda especial quero homenagear minha querida

mãe, Catarina Lúcia d’Able do Amaral, falecida em 10 de setembro de 2008.

Tendo perdido meu pai aos 11 anos, minha mãe foi quem zelou por

minha formação humana e intelectual. Desde criança me introduziu no mundo

do estudo e da cultura. Pude ter uma boa formação graças ao seu interesse e

empenho, procurando matricular-me em excelentes colégios e adquirindo

bons livros para minha leitura, na adolescência. Minha mãe trazia consigo a

tradição do nordeste. Minha avó materna era natural de União dos Palmares,

no Estado de Alagoas, e meu avô era de uma família de imigrantes franceses

que chegaram em Recife no século XIX. No início do século XX meu bisavô

Pedro Cardozo Toste d’Able, médico e escritor, publicou, em 1902, o livro

“A peste bubônica desmascarada em Pernambuco”. Minha mãe, por sua vez,

estudou no internato da Academia Santa Gertrudes, das Irmãs Beneditinas de

Tutzing, em Olinda, recebendo, através das religiosas alemãs, uma excelente

formação, que a marcou por toda a vida. Seus vastos conhecimentos são fruto

de um ensino de qualidade, que ela soube transmitir oportunamente aos seus

filhos.

Tendo nascido no bairro carioca de Santa Teresa, vivi minha infância

ali e na cidade de Vassouras, cidade antiga dos barões, no Vale do Café.

Minha adolescência desenvolvida na cidade de Engenheiro Paulo de Frontin,

também no Vale do Café, a oitenta quilômetros do Rio de Janeiro. Pude assim

ter a experiência de duas realidades: o velho bairro de Santa Teresa, com suas

construções antigas e seus inconfundíveis intelectuais e artistas e, também, o

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Vale do Café, com suas belas fazendas, que ainda revelavam, embora

decadentes, a grandeza de uma época.

Recebi dois grandes presentes na minha adolescência: a graça de

estudar no Colégio Marista São José das Paineiras, em Mendes, no Estado do

Rio de Janeiro, e conhecer o monge historiador Dom Clemente Maria da Silva

Nigra, que pertencia ao Mosteiro de São Bento da Bahia.

Minha mãe preocupada com minha formação, matriculou-me como

semi-interno, no colégio dos irmãos maristas. No princípio achei estranho,

mas, com o tempo, percebi o que aquilo significava, e qual era a sua

verdadeira intenção. Foi nesse colégio que entrei em contato pela primeira vez

com a “literatura brasileira”. Tínhamos excelentes mestres, que eram os

irmãos maristas. Alguns estavam na meia-idade e outros já eram idosos. Eram

homens de grande cultura. A Sociedade de Maria, por muitos conhecida como

Maristas, foi fundada na França, em 1817, por São Marcelino José Bento

Champagnat. Ele iniciou essa congregação religiosa para educação da

juventude e seus membros não, sendo sacerdotes, dedicavam-se integralmente

à educação. Conservo boas lembranças desse período de minha vida. Recordo-

me que, pela primeira vez em minha vida, tive nas mãos a “Antologia da

Língua Portuguesa” de Domingos Pascoal Segalla. Nunca esqueci o aspecto

físico desse livro. Era, na verdade, o nosso livro de cabeceira. Estudávamos

não somente a língua portuguesa, mas os principais escritores brasileiros.

Éramos obrigados a apresentar, aos sábados, trabalhos representativos: em

geral, declamar uma poesia. Tínhamos que ler e fazer o fichamento de um

livro por mês e a cada semestre havia uma reunião literária com todos os

alunos do colégio. Cada estudante tinha que apresentar algo que demonstrasse

um verdadeiro empenho pessoal. Lembro-me que fui incentivado pelo nosso

professor de Português, Irmão Batista Santos, a declamar o poema “José” de

Carlos Drummond de Andrade.

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Minha mãe querendo aprimorar ainda mais minha formação, trazia

novos livros da capital do Estado. Recordo-me que li, com muito interesse,

“Barro Branco” de José Mauro de Vasconcelos. Tínhamos o costume, em

família, de comprar e ler diariamente o jornal. O ambiente familiar e escolar

favoreceram para que eu me transformasse num verdadeiro leitor.

Em maio de 1973, com quinze anos, conheci o monge historiador da

arte Dom Clemente Maria da Silva Nigra. Conheci-o por acaso, quando fui à

Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Sacra Família do Tinguá,

segundo distrito de Engenheiro Paulo de Frontin. Dom Clemente havia

chegado de Salvador em dezembro de 1972, com sessenta e nove anos.

Reconheço que foi um presente para mim ter partilhado da vida desse monge

erudito durante quase cinco anos. Pude receber muitas informações de

Teologia, História Geral e História da Arte. Conversávamos, na verdade,

sobre vários assuntos. Dele aprendi o real significado da vida monástica e o

amor pela arte. Hoje Dom Clemente Maria está sepultado no pequenino

cemitério da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição de Sacra Família, na

Serra do Tinguá, região antiga do Estado do Rio, onde ainda se encontra o

traçado da Estrada Imperial e uma das mais antigas paróquias do Estado.

Quando foi fundada, há alguns anos atrás, a “Academia de Ciências,

Letras e Artes” de Engenheiro Paulo de Frontin, os intelectuais dessa novel

Academia, conhecendo o grande valor de Dom Clemente, como intelectual e

escritor, o homenagearam, colocando-o como patrono da cadeira 28.

Mantive com ele uma verdadeira amizade. Celebrei minha primeira

missa nessa paróquia e estive presente no seu funeral, que ocorreu a 30 de

julho de 1987. Com certeza foi uma das melhores pessoas que conheci.

Homem de grande cultura e de profunda bondade. Também, através dos seus

ensinamentos e dos livros que dele recebi, pude me mover por alguns

caminhos da História e pude compreender a importância da História da Arte

no Brasil.

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Além destes dois presentes, já citados, posso afirmar que de 1973, até

30 de janeiro de 1978, dia em que entrei no Mosteiro de São Bento de São

Paulo, vivi um tempo que hoje considero especial da fase de adolescência.

Venho de uma geração que viveu o período conhecido como “milagre

brasileiro”, da década de setenta.

Era criança quando aconteceu a Revolução de 1964. Tinha apenas seis

anos. Não me recordo nem do Concílio Vaticano II, nem do Papa João XXIII.

Lembro-me que, ainda como criança, vi aqueles antigos automóveis negros ou

azuis, que tinham o motor acionados por uma manivela. Lembro-me, ainda de

ver o leiteiro fazendo entrega no bairro do Grajaú, na zona norte do Rio, com

uma carroça puxada a cavalo. Porém, na década de setenta tudo mudou. Como

morava perto do Rio de Janeiro, sempre ia para lá e sempre fazia férias aí, ou

no bairro de Santa Teresa, no Hotel Santa Teresa, propriedade de minha

família, assim como bairro do Flamengo.

Nesse período, de lembranças tão melancólicas, recordo-me de três

pessoas ligadas à literatura, no Rio de Janeiro: o mineiro Carlos Drumond de

Andrade, a cearense Raquel de Queiroz e o pernambucano Austregésilo de

Ataíde.

Carlos Drummond de Andrade conquistou os cariocas com sua poesia.

Era para o Rio de Janeiro o que foi Jorge Amado para a Bahia. Raquel de

Queiroz também havia conquistado um grande nome na literatura, e todos os

jovens a admiravam. Eu li O Quinze, e aquelas páginas vibrantes me

fascinaram. Por outro lado, Austregésilo de Ataíde chamava a atenção por sua

atuação como presidente da Academia Brasileira de Letras, pela presença

constante na imprensa e pela permanência de mais de três décadas à frente da

Academia-Mãe do Brasil.

Afastando-me um pouco das reminiscências do passado juvenil, quero,

neste momento, agradecer aos meus confrades beneditinos que me receberam

na Ordem de São Bento, através do Abade Dom Joaquim de Arruda Zamith

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OSB, na Congregação Beneditina do Brasil, em 1978, porque muito

contribuíram com minha formação intelectual. Nossa Ordem, fundada por São

Bento no século VI (480-547), na Itália, muito contribuiu para a cultura

humanística e para a difusão do pensamento cristão. Naquele mosteiro

paulistano recebi formação básica para a vida monástica e estudei o biênio

filosófico. De lá saí em 1981, para a fundação da Abadia da Ressurreição, em

Ponta Grossa, no Estado do Paraná, onde estudei o quatriênio teológico,

fazendo os votos monásticos solenes em 1984, e sendo ordenado sacerdote em

1985, na cidade de Engenheiro Paulo de Frontin, me tornando o primeiro

sacerdote ordenado naquela paróquia. Fui enviado a Roma para fazer

mestrado no curso de “Teologia Bíblica” no ano de 1987, na Faculdade de

Teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana, da Companhia de Jesus, em

Roma, excelente Universidade dos jesuítas. Foram anos felizes e que

marcaram profundamente minha formação. A convivência com monges de

diversas nações no nosso Colégio Santo Anselmo, na colina do Aventino, o

estudo em uma grande Universidade como a Gregoriana e o contato com

tantas obras de arte me levaram a ter outra visão mais ampla da vida e do

próprio ser humano. Voltei de Roma em 1987. Fui preparado nessa

Universidade para ser “professor” de Sagrada Escritura. A Gregoriana sempre

preparou professores-pesquisadores. Tive a oportunidade de ter excelentes

mestres, alguns já idosos, que eram considerados os melhores teólogos da

nossa Igreja naquele período. Alguns foram, inclusive, teólogos no Concílio

Vaticano II.

Lecionei Sagrada Escritura durante cinco anos no Instituto de Filosofia

e Teologia “Mater Ecclesiae”, na Diocese de Ponta Grossa. Em 1992, passei

dois meses no Mosteiro de São Bento da Bahia, dando um curso de formação

para o noviciado e colaborando no atendimento pastoral, na Basílica.

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Minha vida mudou totalmente quando fui eleito, dois anos depois, para

abade da Bahia, em 22 de junho de 1994. Cheguei a Salvador na véspera da

festa de São João Batista.

Manifesto neste momento a minha gratidão aos monges dessa querida

Arquiabadia de São Sebastião, que sem me conhecerem muito, delegaram

Dom Gregório Paixão para entrar em contato comigo, comunicando que

tinham a intenção de me eleger para abade dessa comunidade.

Foi também para mim uma grande honra ser eleito abade do mosteiro

mais antigo do novo mundo, fundado em 1582. Ele foi elevado à categoria de

abadia em 1584, tornando-se “Arquicenóbio do Brasil” em 1596, quando

suas duas fundações, Olinda e Rio de Janeiro, foram elevadas à categoria de

Abadias. Desde o início, o Mosteiro de São Bento procurou cumprir sua

tríplice missão, pedida pelos primeiros colonizadores do solo baiano: a

administração dos sacramentos e a pregação do Evangelho na igreja de São

Sebastião, a evangelização dos indígenas e o ensino às crianças e aos

adolescentes da língua portuguesa, do latim e do canto. Estamos em Salvador,

portanto, desde 1582.

Nosso Mosteiro de São Bento foi fundado quando era rei de Espanha

Filipe III, pois, naquele período, Portugal estava sob a coroa espanhola. Em

1624, os monges tiveram que fugir da abadia, pois o mosteiro foi invadido

pelos holandeses, que o transformaram em quartel general, por causa de sua

localização estratégica. Gabriel Soares, referindo-se ao Mosteiro de São

Bento e à sua imponente construção, dominando a vista da Baía de Todos os

Santos, chamava-o de “Castelo de São Bento”.

Após a expulsão dos holandeses do mosteiro, os monges retornaram e

continuaram com sua missão nessa cidade. Uma das primeiras providências

foi elaborar o plano para a construção do novo mosteiro e a organização da

biblioteca, pois os holandeses haviam destruído tudo o que pudesse atender

pelo nome católico.

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Os monges em fuga levaram consigo o que puderam da antiga

biblioteca, legando aos pósteros um dos maiores acervos de livros raros do

país. Por isso, a biblioteca do Arquicenóbio da Bahia é considerada a segunda

do país em obras raras. O livro mais antigo é datado de 1503. Desde o início

da fundação, monges portugueses e espanhóis trouxeram livros do continente

europeu. Contamos hoje com cerca de treze mil livros, escritos entre os

séculos XVI e XIX. Possuindo a biblioteca cerca de 300.000 volumes, entre

livros e periódicos.

A biblioteca do Mosteiro reflete, portanto, o desejo de conhecimento

que sempre foi marca indelével dos beneditinos. Nossa casa deu à sociedade,

ao longo dos séculos, muitos intelectuais, que se destacaram e contribuíram

para o desenvolvimento da cultura brasileira, seja como escritores, seja como

pregadores.

Nos séculos passados, quando Portugal ainda dominava o Brasil, muitos

jovens das principais famílias de Salvador e do Recôncavo entraram na

Ordem e foram enviados para estudar na Universidade de Coimbra. Também

nosso Mosteiro reuniu jovens monges de todo o Brasil, dando-lhe excelente

formação monástica e acadêmica.

Nos últimos anos, participei, como jovem abade, do Plano de

Revitalização do Mosteiro de São Bento, iniciado em 1994. Chegando a

Salvador com trinta e seis anos, pude tomar conhecimento desse Plano, que

não era somente de restauração de paredes, mas de restauração das

identidades históricas e culturais do Mosteiro. Encontrei dois grandes

entusiastas desse projeto: Dom Gregório Paixão, monge da nossa comunidade

e hoje bispo Titular de Fico e Auxiliar de Salvador e o querido amigo de

sempre, Dr. Norberto Odebrecht.

Conheci também o incentivador desse plano no primeiro semestre de

1994, o senador Antônio Carlos Magalhães, assim como os governadores que

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se sucederam e que mantiveram a mesma orientação de apoio ao Plano de

Revitalização: Dr. Antônio Imbassahy e Dr. Paulo Souto.

Além da restauração da Basílica Arquiabacial de São Sebastião,

inauguramos o novo Colégio de São Bento, o Museu São Bento e a

Biblioteca, que foi aberta à comunidade universitária e aos pesquisadores do

Brasil e do Mundo. Inauguramos também o Laboratório de Restauração de

Livros Raros. Implantamos, ainda, o Memorial Diógenes Rebouças, a Sala

de Exposições Frei Agostinho da Piedade e a Faculdade São Bento.

Minha vinda para Salvador também foi, para mim, um presente de

Deus. Aqui reencontrei muitos valores de minha infância e de minha

juventude. Nós cariocas sempre admiramos a Bahia. Hoje, após quase quinze

anos, posso afirmar que sou um verdadeiro baiano, não somente porque

recebi o título honorífico de cidadão baiano, por proposta da ex-prefeita e

hoje Deputada Federal Lídice da Mata, mas também porque passei a amar as

pessoas desse Estado, sua história e suas manifestações culturais.

Vindo para Salvador me reencontrei com a antiga cultura do nosso país,

o chamado “Brasil brasileiro” que é a fusão das três culturas: indígena,

lusitana e africana. Quando criança e adolescente, vivendo no Rio de Janeiro

e no interior do Estado, sobretudo no Vale do Café, vivi uma realidade

cultural muito semelhante a que encontramos em Salvador e no Recôncavo.

Em nenhum momento me senti estranho em Salvador.

A cultura brasileira deve muito à Bahia, e ao nordeste como um todo.

Nós sabemos que a cultura brasileira nasceu no nordeste, e do nordeste

passou ao Rio de Janeiro, e daí chegou a São Paulo e ao Sul do país. Os

primeiros historiadores, como o ilustre Frei Vicente do Salvador e poetas

como Gregório de Matos, Junqueira Freire, “o poeta monge”, Castro Alves e

o jurista Rui Barbosa foram baianos e o orgulho da boa terra.

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Pois bem, nesta noite festiva quero agradecer, de forma toda especial,

aos imortais desta Academia de Letras da Bahia que me elegeram para a

cadeira 37 que teve como último titular o Senador Antônio Carlos Magalhães.

Desde que cheguei a Salvador conheci alguns acadêmicos com os quais

sempre mantive contato. Aos poucos fui conhecendo as atividades desta

Academia participando de alguns eventos, como posses de imortais e também

por meio da imprensa. Percebi logo de início o papel importante que esta

exerce no cultivo da língua portuguesa e da literatura e cultura baianas. Por

isso mesmo, passei a admirar a Academia Baiana de Letras, assim como os

seus acadêmicos.

Aos poucos fui conhecendo outros imortais e foi aumentando ainda

mais a minha admiração e o meu respeito por esses homens e por essas

mulheres, incansáveis no cultivo das letras no Estado da Bahia. Infelizmente

não pude conhecer todos os imortais, seja por falta de oportunidade, seja até

mesmo por motivo da enfermidade de alguns. Li, nos últimos meses,

atentamente, o Breviário da Academia de Letras da Bahia, escrito pelo

acadêmico Renato Berbert de Castro e pude confirmar tudo aquilo que já

imaginava: na sua diversidade, a Academia de Letras da Bahia conseguiu

reunir várias tendências e temperamentos, seguindo a sua vocação inicial.

Com certeza, se vivo estivesse, Arlindo Fragoso estaria muito contente com

sua Academia e com os seus acadêmicos.

Seguindo a genuína tradição da Academia Francesa, as Academias de

Letras no Brasil escolheram como acadêmicos, não somente escritores, mas

expoentes dos diversos campos do saber ou da atividade cultural. Por isso

mesmo, é comum nessas Academias encontrarmos eclesiásticos, políticos,

militares, médicos, dentre outros. Embora o próprio Machado de Assis tenha

dado um acento maior à escolha de escritores, a própria Academia Brasileira

de Letras, que muitas vezes é chamada de “Academia Brasileira”, seguiu a

tradição da Academia Francesa.

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A nossa Academia de Letras da Bahia tem grandes desafios à frente. Ela

é necessária para transmitir às novas gerações o cultivo da língua e da

literatura nacionais, a preservação da memória cultural baiana e o estímulo às

manifestações das artes e das ciências. Por isso, deve ser abraçada por toda a

comunidade baiana, sobretudo por seus governantes e legisladores.

Assim pensando, e desejo de manter a tradição desta casa, desejo

homenagear o patrono da cadeira número 37, João Batista de Castro Rebelo

Júnior, o fundador da cadeira Almachio Diniz Gonçalves, e os meus

predecessores, Edith Mendes de Gama e Abreu e o senador Antônio Carlos

Magalhães.

João Batista de Castro Rebelo Júnior foi jornalista, político, embora

tenha se destacado como poeta. Nasceu em Salvador, em 25 de novembro de

1853, filho do capitão João Batista de Castro Rebelo e D. Carlota Macedo de

Castro Rebelo. Dentre seus sete irmãos destacaram-se Frederico de Castro

Rebelo, fundador da cadeira número 27 desta Academia, médico notável e

professor insigne da Faculdade de Medicina; e, ainda, Afonso de Castro

Rebelo, fundador da cadeira 36, mestre também de outra doutíssima escola, a

de Direito. Orador primoroso, quer como parlamentar quer como acadêmico,

pois honrou sua passagem quer pela Assembléia Legislativa do Estado da

Bahia, quer nesta Academia de Letras.

Castro Rebelo Júnior fez seus primeiros estudos na cidade do Salvador,

indo mais tarde estudar na Faculdade de Direito de Pernambuco, na qual se

diplomou em 1875.

Homem de grande potencial literário fundou, em 1896, o diário “A

Bahia”, com os sócios Xavier Marques, Sá de Oliveira e Virgílio Lemos, a

quem se associaram mais tarde Metódio Coelho e Odilon Santos.

Entrou para o parlamento estadual e atingiu o posto de Secretário de

Estado, no governo de Machado Portela. Sempre foi competente e refulgente

nas suas atividades políticas e jornalísticas, porém nada pode superar sua

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vocação poética. Deixou-nos poemas que o imortalizaram: “Poemas do Lar”,

“Pseudo Realismo”, “Livro de Um Anjo”, “Ardentias” e “Loiros e Mirtos”.

Em 26 de novembro de 1953, Castro Rebelo foi homenageado na

passagem de seu centenário pela acadêmica Edith Mendes da Gama e Abreu,

que naquele noite citou diversas poesias do homenageado, encerrando a

homenagem com algumas estrofes de “Num Album”:

“Pois tu que tens na vida essas manhãs doiradas

Um sol de primavera, a luz de um paraíso...

Edênico rosal que abelhas encantadas

Exploram para encher-te os favos do sorriso...

Tu que da infância ainda os matinais caminhos

Vais prosseguindo alegre, e à sombra de folhagens

Onde armam colibris aveludados ninhos, [...]

Não queira versos meus, são lágrimas ardentes,

Podem crestar-te na alma as flores da esperança

Não queiras enublar os dias inocentes

Do virgem coração. Rasga-os, feliz criança”.

E com o célebre soneto “Orientalis Visio”:

Dessas ilhas em flor dos gregos mares,

Do céu radiante e fúlgidas areias,

Onde o incenso dos mortos e dos luares

Se transformam no canto das sereias...

De Cós, de Paros, de uma dessas ilhas,

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Edênicas regiões de humanas fadas,

Onde da natureza as maravilhas

teem a feição das coisas encantadas

Talvez do ninho da mimosa Haydéa

Cujo idílio de amor embala a idéia

Deste mundo num sonho cambiante...

Foi que ela veio um dia às nossas plagas,

De manso abrindo o seio azul das vagas,

Num bergatim de nacar do Levante”.

Faleceu Castro Rebelo Junior a 20 de abril de 1912.

O fundador da cadeira, Almachio Diniz Gonçalves, nasceu em Salvador

na Bahia, em 7 de maio de 1880, e faleceu no Rio de Janeiro, em 2 de maio de

1937. Com apenas quatorze anos ingressou na primeira série do curso jurídico

social e diplomou-se no dia 16 de dezembro de 1899. Dedicou sua vida ao

estudo da Filosofia do Direito. Foi um dos primeiros professores da Faculdade

de Direito da Bahia. Almachio Diniz é conhecido como advogado, jornalista,

catedrático de Direito Civil e de Filosofia do Direito. Foi também romancista,

contista, teatrólogo, ensaísta e crítico literário, além de autor de vasta obra

jurídica, destacando-se Filosofia do Direito: gênese hereditária do Direito,

1903; Ensaios Filosóficos sobre o mecanismo do Direito, 1906; Questões

atuais de Filosofia e Direito, 1911; Curso de Filosofia elementar, 1912; O

ensino do Direito na Bahia de 1928 e Sociologia soviética, de 1934.

Esse ilustre acadêmico teve sua carreira intelectual interrompida por

morte, aos 57 anos! Era um grande admirador do escritor Coelho Neto.

Pertenceu também a Academia Carioca de Letras.

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A segunda titular da cadeira 37 foi Edith Mendes da Gama e Abreu.

Nasceu em 13 de outubro de 1903 em Feira de Santana, neste Estado, e

faleceu em Salvador em 20 de janeiro de 1982. Na infância e na adolescência

estudou com preceptores em sua própria casa, como era costume entre as

famílias abastadas.

Estudou no Colégio Nossa Senhora de Lourdes e na Escola

Complementar, da professora Estefânia Mena. Em Salvador cursou o

pedagógico no Educandário dos Perdões. Estudou no Rio de Janeiro, na

Bahia e na Europa, especializando-se em Filosofia, Literatura Geral,

sobretudo a Brasileira e a Francesa, Ciências Sociais e canto. Teve a

oportunidade de ter uma boa formação, sendo mulher de rara cultura. Tocava

piano, cantava e falava fluentemente o idioma francês. Visitou diversos

países da Europa, com real interesse por catedrais, museus, castelos, teatros e

universidades.

A imortal Edith Mendes da Gama e Abreu trabalhou intensamente pela

emancipação da mulher e foi das que mais atuou na luta pelo voto feminino

no Estado da Bahia. Foi presidente vitalícia da Federação Baiana pelo

Progresso Feminino, fundado a 9 de abril de 1931. Ao lado de Bertha Lutz,

entregou-se à causa feminista, atuando contra as restrições ao voto feminino

no anteprojeto do Código Eleitoral e contra o projeto de lei que vinculava o

cargo público à mulher que possuísse, como o homem, a indispensável

carteira de reservista.

Foi candidata a deputada federal em 1934, sob a legenda “A Bahia

ainda é a Bahia”, obtendo mais de dez mil votos e ficando como suplente.

A sua atuação intensa na vida literária e política, levou-a candidatar-se

a uma cadeira desta Academia. Assim como teve que lutar pela participação

das mulheres na sociedade, também sua entrada para essa Academia gerou

desconforto entre alguns acadêmicos, pois não queriam mulheres como

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“imortais”. Entretanto, foi eleita a 8 de agosto de 1938, tomando posse no

dia 9 de novembro do mesmo ano, no salão nobre da Faculdade de Medicina,

sendo saudada pelo acadêmico Carlos Gonçalves Fernandes Ribeiro.

Literariamente, Edith Mendes da Gama e Abreu foi uma ensaísta

renomada, principalmente por seus esclarecedores discursos. Dos seus livros,

apenas um A Cigana, é romance. Os demais: Problemas do Coração (1933),

O Romance (1958) e O Que a Vida Me Tem Dito (1980), são ensaios de

natureza evocativa, moral e histórica.

Em 1946 foi candidata a Deputada Estadual e lutou pela solução de

problemas de saúde pública, da educação popular, da fome, bem como dos

incentivos ao trabalhador.

Fez parte também dos quadros do Instituto Geográfico e Histórico da

Bahia, onde ocupou os cargos de vice-presidente e oradora oficial. Esteve na

presidência do Instituto durante nove meses, de 31 de março a 31 de

dezembro de 1969, completando o mandato do seu antecessor, o professor

Francisco Peixoto de Magalhães Neto, por ser a primeira vice-presidente.

Dedicou toda a sua vida à educação e se aposentou como Inspetora do Ensino

Secundário do Ministério da Educação e Cultura, junto aos ginásios da

capital. Foi como professora catedrática e fundadora da Faculdade de

Filosofia da Bahia que ocupou sua posição mais significativa na carreira

docente.

Finalmente, o último ocupante da cadeira 37 foi o senador Antônio

Carlos Peixoto Magalhães. Filho de Francisco Peixoto de Magalhães e

Helena Celestina de Magalhães. Nasceu em Salvador no dia 4 de setembro de

1927, e faleceu em São Paulo, no dia 20 de julho de 2007, com 79 anos.

Destacou-se no cenário nacional como político durante a segunda

metade do século XX e início do XXI. Iniciou sua vida política como

estudante, tendo sido presidente do grêmio estudantil do Colégio Estadual da

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Bahia, do Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina e do Diretório

Central dos Estudantes da Universidade Federal da Bahia. Formou-se em

Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, em

1952, e logo ocupou o posto de professor-assistente no ano seguinte. Foi

eleito deputado estadual em 1954, pela União Democrática Nacional (UDN)

e na mesma legenda para deputado federal, em 1958 e 1962. Foi um dos

grandes amigos do presidente Juscelino Kubitschek. Reeleito deputado

federal, em 1966, pertenceu à Arena (Aliança Renovadora Nacional).

Foi nomeado Prefeito de Salvador em 10 de fevereiro de 1967, pelo

governador Luiz Viana Filho, renunciando ao cargo em 6 de abril de 1970.

Meses depois foi indicado como governador da Bahia, pelo então presidente

Emilio Garrastazu Médici, sendo referendado pela Assembléia Legislativa

para um mandato de quatro anos. Teve como sucessor no Palácio de Ondina o

ilustre acadêmico Dr. Roberto Santos.

Depois de oito meses fora do poder, foi nomeado presidente da

Eletrobrás pelo presidente Ernesto Geisel em novembro de 1975, cargo ao

qual renunciou em 1978, a fim de ser indicado para o seu segundo mandato

como governador da Bahia. Com a reformulação partidária, filiou-se ao PDS

em fevereiro de 1980, mantendo incólume sua condição de líder político.

Deixando de apoiar o candidato de seu partido, Paulo Maluf, apoiou

Tancredo Neves e esse apoio foi decisivo para a vitória oposicionista no

Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985. Foi indicado por Tancredo Neves

para Ministro das Comunicações, sendo confirmado no cargo por José

Sarney. Foi o único ministro civil que permaneceu no cargo durante os cinco

anos de governo do maranhense. Tomou posse no cargo ainda filiado ao PDS,

visto que só ingressaria no PFL em 6 de janeiro de 1986. Em 1990 foi eleito,

no primeiro turno, como governador da Bahia. Em 1994 foi eleito senador

pelo Estado da Bahia. Foi eleito presidente do Senado Federal para o biênio

1997/1999.

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Reeleito presidente do Senado Federal para o biênio 1999/2001, ocupou

a Presidência da República entre 16 e 24 de maio de 1998, em razão de uma

viagem do titular ao exterior, visto que tanto o vice-presidente Marco Maciel,

quanto o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, estavam

impedidos de assumir o cargo durante o período eleitoral, sob pena de

inelegibilidade.

Em 2002 foi eleito senador pela segunda vez, sendo empossado em 1º

de fevereiro de 2003.

Executivo dinâmico, Antônio Carlos Magalhães cercou-se de homens

competentes e investiu muito na formação profissional de sua equipe na

Prefeitura de Salvador, e sobretudo no Governo do Estado.

Ao tomar posse, como governador, em 15 de março de 1971, discursou:

“São palavras evangélicas: aquele a quem muito se entregou, muito

mais se exigirá. Sei que recebo muito, diria mesmo que recebo tudo, e estou

consciente de que os baianos poderão exigir de mim trabalho, seriedade no

trabalho da administração, uma vida permanentemente voltada para o bem

comum”.

Antônio Carlos Magalhães atuou durante a fase do “Milagre

econômico”. A Bahia entrava no processo acelerado de industrialização, com

a instalação, em Camaçari, de indústrias no Pólo Petroquímico. Na capital

ACM realizou obras de grande impacto, abrindo as chamadas “avenidas de

vale”, modernizando o tráfego da cidade e driblando a topografia acidentada

da parte velha. O turismo recebeu dele grande incentivo dando um salto de

400 apartamentos de hotel, em 1970, para 2400 no final de sua administração.

Em 15 de março de 1979 tomava posse no seu segundo mandato como

governador, numa clara continuidade da primeira administração.

O imortal Antônio Carlos Magalhães durante sua vida política acolheu

as manifestações culturais do Estado, e deu grande incentivo aos artistas e aos

intelectuais baianos. Percebeu, logo no início de sua carreira, que seu Estado

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tinha muito a oferecer ao Brasil e ao mundo com sua história, sua literatura,

e sua música. Era necessário “abrir” a Bahia ao mundo e dar apoio aos

artistas e intelectuais, para que não mais partissem para o Rio de Janeiro. A

Bahia passou, assim, a ser mais conhecida tanto no cenário nacional como

internacional. Nesse período, as obras de Jorge Amado levaram a Bahia aos

outros Estados do Brasil e também ao exterior.

O Dr. Antônio Carlos Magalhães percebeu a importância que a

Academia exercia para a identidade literária e cultural do Estado. Assim, em

seu segundo mandato de governador, doou este Solar Góes Calmon para sede

da Academia de Letras da Bahia. Encontramos o texto no discurso do

saudoso acadêmico Jorge Calmon, proferido por ocasião dos 80 anos desta

Academia:

“No começo de sua série de mandatos, teve Cláudio Veiga a alegria de

ver a Academia em sede nova e definitiva, graças ao amparo que lhe

dispensou o Governador Antônio Carlos Magalhães; amparo que não se

limitou à iniciativa da lei de doação deste belo e valioso imóvel, mas se

estendeu à concessão dos recursos necessários à aquisição de todo o

mobiliário. Com isso, a Academia se tornou uma das sociedades literárias do

País mais dignamente instaladas.”

“[...] Na sua terceira gestão, como chefe do Executivo, promoveu, junto

à Assembléia Legislativa a aprovação da lei determinando a inclusão no

Orçamento Geral do Estado, anualmente, verba destinada ao custeio desta

Casa, assim como do Instituto Histórico. Hoje exercendo o mandato de

Senador da República, e há pouco elevado à presidência da Câmara Alta, tem

tido o cuidado de destinar à Academia parte da verba de subvenções e auxílios

que lhe cabe aplicar.”

“O eminente homem público age desse modo – creio eu -, porque bem

lembrado do apreço que seu pai tinha pela Academia, a cujas sessões era dos

mais assíduos e as quais sempre ilustrava com seus comentários, homem que

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era de saber enciclopédico; mas, também porque possui especial sensibilidade

para as coisas da inteligência, consoante tem dado provas sobejas. Vem

ajudando nossa Casa conduzido pela certeza de que ela é, atualmente a

instituição particular de cultura mais atuante, em nosso meio”, conclui o

acadêmico Jorge Calmon.

O senador Antônio Carlos Magalhães foi eleito para a cadeira 37 no dia

19 de abril de 1982. Tomou posse em 30 de novembro de 1983, sendo

saudado pelo acadêmico Luiz Fernando Seixas de Macedo Costa. Na

saudação endereçada ao novo imortal, Macedo Costa chama a atenção para

dois aspectos na sua vida: o grande orador e a sua obra cultural como

administrador. Coloca-o como sucessor dos grandes oradores da Bahia que

também foram acadêmicos: Antônio Muniz, José Joaquim Seabra e Otávio

Mangabeira. Assim afirmou Macedo Costa naquela noite:

“É, pois, precedido por personalidades dessa estatura intelectual, e com

a credencial de consagrado orador político, que chegais a esta academia,

digno confrade, para preencherdes, aqui, espaços já ocupados outrora por

notáveis protagonistas de nossa história e de nossa cultura. Com ele tendes

em comum a vocação para a causa política e o talento verbal”.

O acadêmico Antônio Carlos Magalhães, ao longo de sua vida pública,

incentivou o trabalho de artistas e intelectuais e se preocupou com a

restauração e a preservação dos bens culturais. Podemos citar alguns imóveis

representativos restaurados nesse período: Solar do Ferrão, Quinta do

Tanque, o Pelourinho, Rua Alfredo Brito, Igreja de São Francisco, Catedral

Basílica, Rosário dos Pretos, Nossa Senhora dos Humildes, em Santo Amaro,

Nossa Senhora das Oliveiras em Oliveira dos Campinhos, distrito de Santo

Amaro e o Mosteiro de São Bento (Basílica, Colégio, Museu e Biblioteca).

No livro de mensagens de autoridades que passaram pelo Mosteiro de

São Bento, desta cidade ao longo do século XX, encontramos o seguinte texto

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escrito e assinado pelo acadêmico Antônio Carlos Magalhães, em 11 de

novembro de 1993:

“Deus me permitiu que eu visse um dos mais notáveis acervos do

mundo, no Mosteiro de São Bento. As imagens, a prataria, os paramentos, os

quadros, os móveis, a notável biblioteca, tudo isso atesta o notável trabalho

dos beneditinos em tantos séculos de serviço à Bahia e ao povo de Deus.

Como Governador me emocionei com o que vi e trabalharei para que

todos os bahianos (sic) venham aqui ver e aplaudir, o notável acervo,

patrimônio de cultura da humanidade.”

O imortal Antônio Carlos Magalhães com a intenção de manter viva a

identidade cultural baiana implantou os seguintes museus: Museu de Arte da

Bahia, Museu Abelardo Rodrigues no Solar do Ferrão e o Museu do

Recôncavo.

Voltando-se para as artes, além de apoiar diversos artistas, restaurou o

Teatro Castro Alves, criou a Orquestra Sinfônica da Bahia, o corpo de Ballet

do Teatro Castro Alves, a implantação do Quarteto de Cordas e a edição de

dezenas de obras literárias.

Escreveu, ainda, os seguintes livros: Não era fácil ser revolucionário, O

médico e a sociedade, Discursos parlamentares, e Meu compromisso com o

nordeste.

Recebeu também o título de “benfeitor” da Academia. Título

concedido em 27 de abril de 1992, e entregue solenemente em 10 de março

de 1993, quando foi saudado pelo Presidente Cláudio Veiga.

Senhores Acadêmicos:

Depois de narrar as qualidades literárias e intelectuais do patrono desta

cadeira e dos imortais que me precederam, quero agora manifestar minha

gratidão aos que vieram participar desta solene celebração de posse na

Academia.

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Quero manifestar minha estima e alta consideração pelos imortais desta

Casa de Arlindo Fragoso e dizer que desejo ser um membro ativo das

atividades literárias e culturais desta academia.

Venho de coração sincero, num desejo de aprender com os imortais

desta casa. Sinto-me como se voltasse aos dias de “noviço”, com a mesma

alegria e o mesmo coração aberto ao Bom, ao Belo e ao Eterno.

O que celebramos nesta noite permanecerá para sempre guardado em

meu coração e em minha memória. Que eu possa em todos os momentos de

minha existência procurar viver o lema desta Academia: “Honrar a pátria

cultivando as letras”, lembrando o que me foi ensinado pela milenar regra de

São Bento, que nos pede para “honrar todos os homens”.

Que Deus seja louvado e abençoe a todos! Muito obrigado!

Salvador, 28 de maio de 2009

Dom Emanuel d’Able do Amaral, OSB