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A pesquisa Operacional e os Recursos Renováveis 4 a 7 de novembro de 2003, Natal-RN SISTEMA DE COLETA PROGRAMADA MILK RUN EM UMA UNIDADE PRODUTIVA DO SETOR AUTOMOTIVO Fernando Henrique Gargantini Ribeiro Embraer, São José dos Campos – SP, [email protected] Fernando Augusto Silva Marins UNESP, Caixa Postal 205, CEP 12516-410 - Guaratinguetá – SP, [email protected] Resumo O artigo apresenta uma aplicação da Pesquisa Operacional à Problemas de Roteirização em Logística. Apresenta-se o desenvolvimento de um sistema de coleta programada – conhecido como Milk Run, por meio de um estudo de caso feito numa empresa do setor automotivo. Além disso, foram identificados pontos a serem melhorados no sistema, como, por exemplo, a produtividade dos veículos utilizados no Milk Run. Palavras-chave: Milk Run, Logística, Roteirização Abstract This paper presents an Operations Research application to Routing Problems in Logistics. The development of a collection system with time windows – known as Milk Run - is presented by studying a case in a company of the automotive branch. Besides that, new items to be improved in the system were identified, such as the productivity of the vehicles used in Milk Run. Keywords: Milk Run, Logistics, Routing 1. Introdução O mercado globalizado que predomina nos dias de hoje exige conhecimento e criatividade das empresas na busca de soluções logísticas flexíveis e dinâmicas. O que se tem observado, em geral, é um grande esforço das organizações na redução de custos de produção, melhoria da qualidade e aumento da produtividade. Ocorre que, para se obter o diferencial que faça com que uma empresa se destaque da concorrência acirrada existente, há uma outra alternativa, que tem sido empregada por várias organizações com sucesso, que é a redução dos custos logísticos. De uma forma ampla, a Logística tem sido considerada, atualmente, uma das últimas fronteiras na disputa por maior competitividade entre empresas, e mesmo países, que tem no seu planejamento estratégico a redução geral de custos e, conseqüentemente, a conquista de maiores ganhos de produtividade (Bowersox & Closs – 2001). De fato, devido a constatação de, principalmente nos países com alto nível de desenvolvimento, que os processos produtivos adotados não apresentam grandes diferenças entre si, o mesmo ocorrendo nas estruturas e métodos de gestão utilizados nas organizações, o que vem levando a uma “comoditização”dos principais fatores de produção: recursos tecnológicos, custo dos insumos e da mão-de-obra. Segundo alguns especialistas, o custo da logística representa em média 12% do PIB mundial, sendo que para uma empresa estes custos podem alcançar até 30% do valor das vendas! Os custos logísticos tem três componentes principais: custos de transportes, custos de estoques e de armazenagem A Figura 1 ilustra as relações existentes entre os elementos que compõem o custo logístico de uma empresa, seja do setor industrial como do setor de comércio, tanto no Brasil como na Europa.

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A pesquisa Operacional e os Recursos Renováveis4 a 7 de novembro de 2003, Natal-RN

SISTEMA DE COLETA PROGRAMADA MILK RUN EM UMA UNIDADE PRODUTIVA DO SETOR AUTOMOTIVO

Fernando Henrique Gargantini Ribeiro

Embraer, São José dos Campos – SP, [email protected]

Fernando Augusto Silva Marins UNESP, Caixa Postal 205, CEP 12516-410 - Guaratinguetá – SP, [email protected]

Resumo O artigo apresenta uma aplicação da Pesquisa Operacional à Problemas de Roteirização em Logística. Apresenta-se o desenvolvimento de um sistema de coleta programada – conhecido como Milk Run, por meio de um estudo de caso feito numa empresa do setor automotivo. Além disso, foram identificados pontos a serem melhorados no sistema, como, por exemplo, a produtividade dos veículos utilizados no Milk Run. Palavras-chave: Milk Run, Logística, Roteirização Abstract This paper presents an Operations Research application to Routing Problems in Logistics. The development of a collection system with time windows – known as Milk Run - is presented by studying a case in a company of the automotive branch. Besides that, new items to be improved in the system were identified, such as the productivity of the vehicles used in Milk Run. Keywords: Milk Run, Logistics, Routing 1. Introdução

O mercado globalizado que predomina nos dias de hoje exige conhecimento e criatividade das empresas na busca de soluções logísticas flexíveis e dinâmicas. O que se tem observado, em geral, é um grande esforço das organizações na redução de custos de produção, melhoria da qualidade e aumento da produtividade. Ocorre que, para se obter o diferencial que faça com que uma empresa se destaque da concorrência acirrada existente, há uma outra alternativa, que tem sido empregada por várias organizações com sucesso, que é a redução dos custos logísticos. De uma forma ampla, a Logística tem sido considerada, atualmente, uma das últimas fronteiras na disputa por maior competitividade entre empresas, e mesmo países, que tem no seu planejamento estratégico a redução geral de custos e, conseqüentemente, a conquista de maiores ganhos de produtividade (Bowersox & Closs – 2001). De fato, devido a constatação de, principalmente nos países com alto nível de desenvolvimento, que os processos produtivos adotados não apresentam grandes diferenças entre si, o mesmo ocorrendo nas estruturas e métodos de gestão utilizados nas organizações, o que vem levando a uma “comoditização”dos principais fatores de produção: recursos tecnológicos, custo dos insumos e da mão-de-obra. Segundo alguns especialistas, o custo da logística representa em média 12% do PIB mundial, sendo que para uma empresa estes custos podem alcançar até 30% do valor das vendas! Os custos logísticos tem três componentes principais: custos de transportes, custos de estoques e de armazenagem A Figura 1 ilustra as relações existentes entre os elementos que compõem o custo logístico de uma empresa, seja do setor industrial como do setor de comércio, tanto no Brasil como na Europa.

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Figura 1. Comparação de custos logísticos com relação à receita operacional líquida no Brasil e na Europa (Fonte: A Folha de São Paulo, 2002)

Percebe-se, observando a Figura 1, a importância relativa dos custos de transporte e de manutenção de inventários. Apenas para citar um outro dado, sabe-se que os custos de transportes podem variar de 33% (produtos com baixo valor agregado) até 67% (produtos com alto valor agregado) do custo logístico total. Neste contexto, reveste-se da maior relevância iniciativas que enfoquem a melhoria dos processos de transporte adotados por empresas que queiram estar em condições de liderar seus respectivos segmentos de atuação no mercado. O objetivo deste artigo é o de mostrar através de um estudo de caso, realizado numa empresa do setor automotivo nacional, algumas vantagens competitivas e ganhos imediatos possíveis de serem conseguidos pelo uso de técnicas de roteirização da Pesquisa Operacional (PO) na Logística de Transporte/Distribuição. O artigo tem a seguinte estrutura: na seção 2, apresentam-se alguns conceitos e informações sobre o procedimento de roteirização denominado Milk Run (MR); já na seção 3 descreve-se o estudo de caso onde foram propostas rotas de MR para os fornecedores da empresa em questão; finalmente apresenta-se algumas conclusões e comentários gerais resultantes do trabalho. 2. O Sistema Milk Run

As grandes corporações estão procurando adotar o sistema MR no relacionamento com seus fornecedores mais próximos geograficamente para propiciar um ambiente adequado para o uso do conceito de Just-in-Time integrado (Shingo – 1996). No Brasil esse sistema foi introduzido em 1998 por uma grande montadora de veículos, localizada em São Caetano do Sul, e vem sendo também adotado por várias empresas importantes desde então. O uso do Just-in-Time integrado tem como objetivo a redução dos estoques em toda a Cadeia de Suprimentos (Bowersox & Closs – 2001), produção e na distribuição física. O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre trabalhar sem estoque, cuidando para não haver

21,5%

12,1%

26,9%

8,9%

9,5%

4,9%

7,1%

3,7%

3,9%

2,8%

8,9%

5,2%

12,8%

2,3%

4,6%

2%

Brasil Europa Brasil Europa

Indústria Comércio

- Inventário

- Armazenagem - Transporte

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interrupções na produção devido a desabastecimento, e atender às solicitações dos clientes no momento certo, na quantidade certa e no lugar correto. Aqui, percebe-se a importância dos processos de previsão de demandas serem os mais acurados possíveis por toda a cadeia de suprimentos. Uma ferramenta de controle de estoque, que se incorpora ao Just-in-Time, é o Kanban (Tubino – 1997 e Shingo - 1996), que determina o abastecimento da unidade fabril somente com os itens estritamente necessários (em quantidade, qualidade e no local certo) para suprir a linha de produção sem perdas e geração de estoques. Ou seja, a meta é manter o fluxo de produtos conforme a demanda real e agregando valor em todas as etapas (pipeline) da cadeia de suprimentos (Amstel – 1990). Assim, o grande desafio que se coloca é: como agregar valor na cadeia de suprimentos e além disso reduzir estoques e perdas? A idéia é trabalhar com lotes menores na produção, o que leva a redução dos ciclos de produção e a oportunidade de se atender a “demanda real”, segundo Shingo (1996). Tudo isso permite um melhor atendimento às flutuações de demanda, à uma velocidade maior, bem como facilita o planejamento da produção. O sistema de coleta programada de peças MR, que vem sendo adotado por um número crescente de empresas, permite um maior controle sobre as peças realmente necessárias e utiliza uma maior freqüência de abastecimento (lotes menores) com conseqüente redução de estoques. O que é, afinal o Milk Run? É um sistema de coletas programadas de materiais, que utiliza um único equipamento de transporte, normalmente de algum Operador Logístico (Coleção Coppead de Administração – 2000), para realizar as coletas em um ou mais fornecedores e entregar os materiais no destino final, sempre em horários pré-estabelecidos, conforme ilustrado na Figura 2. As origens de tal denominação para esse sistema de roteirização se encontram no procedimento de coleta e entrega de embalagens (latões) comumente adotado entre Laticínios e Produtores Rurais de Leite. Isso está na Figura 3.

Figura 2. Ilustração de um sistema Milk Run de coleta de peças Alguns dos principais objetivos de se adotar o sistema MR no relacionamento dos clientes com fornecedores e operadores logísticos são:

Reduzir custos logísticos; Controlar os materiais em trânsito; Reduzir os níveis de estoque; Uniformizar o volume de recebimento de materiais; Agilizar o carregamento e o descarregamento.

Assim, pode-se elencar vários benefícios que as empresas participantes de um sistema MR podem obter:

OOrriiggeemm

Transit Time

Fornecedor

Janela de

Coleta

Destino

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Embarques programados segundo a necessidade do cliente – uso de janelas de coleta com data, horário e quantidades pré-estabelecidas;

Estoques reduzidos devido à pulverização de embarques; Nivelamento do fluxo diário de recebimento de materiais e redução do trânsito interno

na fábrica; Otimização na utilização (capacidade volumétrica) dos equipamentos de transporte, o

que reduz bastante os custos associados à movimentação de materiais; Melhoria nos serviços de manuseio de materiais, possibilitado pelo uso de embalagens

padronizadas e reutilizáveis e pela maior agilidade no carregamento e descarregamento dos veículos;

Redução substancial nos custos de manutenção de estoques, pois o que chega dos fornecedores pode alimentar diretamente a linha de produção;

Possibilita a implementação de sistemas Just-in-Time integrado nas empresas parceiras.

Figura 3. Origem do conceito de sistema Milk Run

Figura 4. Abastecimento e consumo de um item Figura 5. Maior freqüência de entrega

LATICÍNLLaattiiccíínniioo

Eseg1 Eseg1

EstoqueEstoqueQ1

Q2

T1 = 2 dias T2 = diário

Tempo Tempo

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As Figuras 4, 5 , 6 e 7 ilustram como o uso de entregas programadas de peças pelos fornecedores podem contribuir para a diminuição o nível de estoques. A Figura 4 mostra a evolução do estoque (incluindo o estoque de segurança) frente a um esquema de entrega de lotes de Q1 peças a cada 2 dias, nas Figura 5 e 6 mostra-se uma alternativa (usando MR) de entrega diária de uma menor quantidade Q2 peças todos os dias, resultando em redução de inventário (pelo aumento de freqüência de entregas) e estoque de segurança menor (devido à maior confiabilidade do sistema de reposição), finalmente na Figura 7 é feita uma comparação final entre os dois esquemas. Figura 6. Menor Estoque de Segurança Figura 7. Comparação de Investimentos No Quadro 1, mostra-se um exemplo completo com a comparação entre usar Rotas do MR versus esquema tradicional, onde Truck e Toco são tipos de veículos, com capacidades diferentes em termos de m3 de carga, usualmente utilizados na coleta de peças e embalagens. Rotas sem Milk Run Rotas com Milk Run

Indicador Fornecedor1 Fornecedor2 Fornecedor3 Fornecedor1 Fornecedor2 Fornecedor3 Volume Semanal

(m3)

150 60 20 150 60 20

Distância (km)

30 (até o

Cliente)

40 (até o

Cliente)

20 (até o

Cliente)

10 (até o

Fornecedor2)

10 (até o

Fornecedor3)

20 (até

o Cliente) Número de

Viagens 5

(# Truck por semana)

2 (# Truck por

semana)

1 (# Toco por

semana)

5 (# Truck /semana diário)

5 (# Truck

/semana – diário)

5 (# Truck

/semana – diário)

Volume coletado/viagem

(m3)

30 30 20 30 12 4

Totais

500 km percorridos (rotas F1 para cliente + F2 para cliente + F3 para cliente), 8 equipamentos recebidos por semana (8 janelas) e volume semanal = 230 m3

350 km percorridos (rota passando por Cliente, F1, F2, F3 e retornando ao Cliente), 5 equipamentos recebidos por semana (5 janelas), volume diário = 46 m3 e volume semanal = 230 m3

Eseg2 Eseg2

EstoqueEstoque

Q1

Q2

T2 = diário T2 = diário

Tempo Tempo

Eseg2 < Eseg1 Eseg2 < Eseg1

Q2

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Quadro 1. Comparação entre coleta tradicional e coleta tipo Milk Run

Uma referência interessante sobre esses dois sistemas (tradicional e MR) é Moura (2000) que apresenta uma comparação dos custos envolvidos em cada sistema e uma análise de trade-offs. Para o total aproveitamento do potencial de sistemas MR para as empresas-parceiras (Fornecedores, Clientes e Operadores Logísticos) envolvidos sugere-se, minimamente, a seguinte divisão de tarefas, segundo Moura (2000): (a) Responsabilidades dos Fornecedores:

Ter materiais prontos para embarcar na doca de expedição, na quantidade programada para o dia, observando os seguintes pontos antes da chegada do caminhão – embalagens padronizadas, devidamente paletizadas, etiquetadas e com a documentação emitida;

Embarcar produtos com a qualidade requerida; Faturar separadamente os materiais que tenham destinos diferentes dentro da fábrica e

as quantidades que excederem o total programado para o dia; Conferir e descarregar as embalagens retornáveis do veículo do Operador Logístico; Carregar os materiais no veículo do Operador Logístico; Completar toda transação dentro do tempo de janela de coleta especificado no contrato.

(b) Responsabilidades do Operador Logístico:

Cumprir os tempos programados nas janelas de coleta (nos fornecedores) e janelas de entrega (nos clientes);

Informar ao cliente e aos fornecedores a ocorrência de interrupções no sistema; Efetuar o transporte e a devolução de embalagens retornáveis; Verificar os embarques nos fornecedores quanto à quantidade (etiquetas) e qualidade

(visual); Notificar o cliente (programação de materiais) sobre entregas em quantidades diferentes

das programadas; Monitorar todo o processo e informar ao cliente sobre oportunidades de melhorias e

redução de custos.

(c ) Responsabilidades do Cliente:

Transmitir aos fornecedores todas as informações necessárias para a programação de suas fábricas – previsão da produção (20 semanas, por exemplo), programação da produção (2 semanas, por exemplo) e o ajuste final diário;

Informar aos fornecedores sobre feriados, paradas de produção e outros fatos singulares; Padronizar as embalagens a serem utilizadas no sistema MR, bem como as quantidades

de peças a serem acondicionadas por embalagem; Priorizar o descarregamento dos veículos de coleta programada em sua planta; Disponibilizar as embalagens vazias para o retorno ao fornecedor.

Um roteiro para a escolha e dimensionamento de uma rota de MR poderia ser estabelecido iniciando-se com o levantamento de informações gerais sobre os fornecedores, como sua localização; a seguir deve ser feita a programação de materiais que serão objeto da coleta e entrega, isto é normalmente realizado pelo setor de compras e enviado ao fornecedor via recursos de Tecnologia de Informação, como EDI – Electronic Data Interchange (Bowersox & Closs – 2001), ao Operador Logístico devem ser passadas informações sobre as peças e embalagens que serão coletadas, tais como dimensões, número de peças por embalagem e condições de empilhamento, bem como a freqüência de coletas. Após isso o Operador Logístico tem como definir o melhor equipamento de transporte e o plano de cargas (o que carregar e como).

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Como deve ter ficado evidente, o problema da roteirização associado ao sistema MR nada mais é que um Problema do Caixeiro Viajante – Traveling Salesman Problem (Evans & Minieka – 1992 e Ahuja et al. – 1993), que é bastante conhecido em PO. Há várias formulações e numerosos métodos foram propostos para resolver esse tipo de problema (Evans & Minieka – 1992 e Ahuja et al. – 1993) que é o tipo NP-Completo (Ahuja et al. – 1993) e que possui inúmeras aplicações industriais de relevância. Os métodos que têm a garantia teórica de encontrar a solução ótima se baseiam em resultados complexos das áreas de Programação Linear Inteira, Programação Dinâmica ou Programação Não-linear. Mas, como o trabalho de encontrar a rota ótima para um problema particular, que contenha vários pontos de coleta, pode ser inviável do ponto de vista computacional, pois demandaria um tempo muito alto para a obtenção da rota ótima; muitos procedimentos cognitivos e heurísticos de solução têm sido desenvolvidos (Ballou – 2001 e Alvarenga & Novaes – 2000) e vêm sendo utilizados com sucesso em aplicações mais realistas. Neste artigo, foi utilizado o site RIOT – Remote Interactive Optimization Testbed (http://riot.ieor.berkeley.edu/~olivier/graal-vrp/graal.html), desenvolvido por Ilan Adler, Ken Goldberg e Dorit Hochbaum da Berkeley University, para a solução da roteirização no estudo de caso adiante descrito. Esse site oferece várias ferramentas de otimização para a solução remota de problemas via web. A Figura 8, reproduz a página inicial do módulo – Vehicle Routing Algorithms Applet, que se refere à solução de problemas de roteirização em questão.

Vehicle Routing Algorithms Applet

Introduction

Quick Directions

Performance TipsFAQ

If you have any questions, please feel free to email Prof. Olivier Goldschmidt

Last Updated: Sep 23, 1998

© 1997-1998 Professor Dorit S.Hochbaum and Dr Olivier Goldschmidt, All Rights Reserved Worldwide

Figura 8. Tela inicial do módulo de resolução de problemas de roteirização do RIOT

O VRP Applet tem implementado alguns métodos para resolver problemas de roteirização do tipo do Caixeiro Viajante. Os métodos estão codificados em Java e são baseados no software GRAAL desenvolvido pelo Professor Olivier Goldschmidt. O problema se refere a uma situação onde os veículos, que tem uma capacidade de carga conhecida, saem de um depósito central (empresa-cliente) e devem visitar um certo número de clientes (fornecedores). Cada fornecedor tem uma demanda e uma localização geográfica conhecidas. O objetivo é minimizar a distância total percorrida pelos veículos. A soma das demandas de fornecedores atendidos por um veículo não pode exceder a capacidade do veículo, e a demanda de um fornecedor não pode ser dividida entre dois ou mais veículos. Cada fornecedor e a empresa-cliente devem ser colocados pelo usuário do VRP Applet, segundo suas coordenadas de posição, num grid de dimensões 10.000

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x 10.000 que fica disponível na tela do computador do usuário. Na seqüência, o usuário escolhe um dos algoritmos disponíveis e, através de um acesso remoto, tem o problema proposto resolvido (Figura 14).

O software disponibiliza algoritmos para o usuário escolher na solução de um VRP. Os dois primeiros são baseados na estratégia “route first, partition later” e o terceiro se baseia na estratégia “partition first, route later”. Nenhum dos dois procedimentos domina o outro em termos de qualidade da solução ou em velocidade de resposta, mas a experiência tem mostrado que, quando os fornecedores estão uniformemente distribuídos no grid e quando a capacidade do veículo é pequena frente a demanda total, a estratégia “route first, partition later” trabalha melhor, sendo que a outra tem melhor desempenho quando os fornecedores estão mais concentrados ao redor da empresa-cliente e os veículos têm alta capacidade de carga.

A estratégia “route first, partition later” consiste em, inicialmente, achar uma rota curta através do conjunto de fornecedores. Isto é equivalente a resolver um problema do caixeiro viajante sem considerar a restrição de capacidade do veículo. Na seqüência, os fornecedores são particionados em subconjuntos de tal maneira que a demanda total em cada subconjunto é menor que a capacidade do veículo. Os fornecedores de um mesmo subconjunto correspondem a pontos de visita consecutivos na rota do caixeiro viajante encontrado. Dentre todas as possíveis soluções, aquela que minimiza a distância total percorrida é a escolhida. Já a estratégia “partition first, route later” consiste em, inicialmente, particionar os fornecedores em subconjuntos de tal forma que a demanda total de cada subconjunto é menor que a capacidade do veículo. A seguir, estender uma linha reta da localização da empresa-cliente em qualquer direção. Girar a linha no sentido horário (ou no sentido anti-horário), até que cruze um fornecedor. Verificar se a capacidade do veículo será excedida com a inclusão deste fornecedor. Se não, prosseguir com a rotação da linha até que o próximo fornecedor seja atingido, e repetir o teste anterior. Se sim, excluir o último fornecedor e definir a rota. Continuar a varredura iniciando uma nova rota com o último fornecedor que foi excluído da rota precedente. Continuar com a varredura até que todos os fornecedores estejam em alguma rota. Dentro de cada rota, arranjar em seqüência os fornecedores para minimizar a distância (método da “gota d’água” ou qualquer algoritmo que resolva o problema do caixeiro viajante). Esse procedimento é conhecido como Método da Varredura e está bem descrito na referência Ballou (2001). Na próxima seção, mostra-se a aplicação do transporte de peças no Sistema MR, num caso real.

3. Estudo de caso: o Milk Run numa empresa do setor automotivo

Num passado recente, as entregas na empresa-cliente, objeto deste estudo de caso, eram feitas em veículos grandes e com carga fechada (capacidade máxima do veículo); o fornecedor esperava completar a carga (consolidação) de um veículo para fazer a entrega; a freqüência de entrega era, em grande parte, mensal. Como resultado, havia um grande estoque intermediário, tanto no cliente como nos fornecedores, o que acabava por maquiar alguns erros na produção e na qualidade das peças ocasionando um elevado número de peças re-trabalhadas ou refugadas.

Motorista entrega a NF no

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Figura 9. Fluxo interno antes do Milk Run

O alto nível de estoque proporcionava total independência entre os parceiros, não havendo nenhuma troca de informação, além dos pedidos de peças, e negociações de custos do re-trabalho e de refugos, que eram repostas pelos fornecedores. A maioria das entregas se concentrava no final do mês causando filas enormes na área de recebimento e excesso de trabalho nesta época e, também, devido a essa sazonalidade no recebimento, gerava ociosidade de mão-de-obra e equipamentos nos outros períodos do mês.

A Figura 9 ilustra como era o fluxo interno dos materiais no sistema anterior ao MR. Existia uma área enorme (Almoxarifado) para a armazenagem inicial do material que chegava dos fornecedores, até o momento em que esse material fosse solicitado na linha de produção. Nesse ponto, a pessoa encarregada pelo abastecimento das linhas disponibilizava o item nos locais (supermercados) próximos às linhas de produção. Em seguida, as pessoas responsáveis (homens-aranha) pela montagem dos kits produtivos, utilizando carrinhos poka-yoke - onde as peças têm seu lugar certo para serem colocadas no carrinho o que evita erros ou veículos auto-guiados (AVG – Automated Guided Vehicle), entregam o kit na linha de produção.

Para melhorar essa movimentação foi proposto o sistema MR, onde: o veículo é cadastrado na portaria e tem passagem livre, o próprio motorista efetua o descarregamento do veículo levando as peças diretamente ao supermercado da linha onde elas serão utilizadas, ver Figuras 10 e 11.

Figura 10. Fluxo de Materiais com Milk Run

Figura 11. Abastecimento com Milk Run

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Uma mudança fundamental nesse novo sistema é que, quando a peça é requisitada para montagem de algum kit produtivo e o material existente em uma embalagem se esgota, o homem-aranha coloca o cartão Kanban no quadro de coleta do MR, representando o pedido de reposição de peças do dia seguinte; esses cartões são recolhidos pelo motorista no dia seguinte que, na seqüência, vai até o setor de embalagens e retira o número necessário delas para os fornecedores. Ao chegar nos fornecedores, o motorista deixa as embalagens vazias e pega as cheias com as peças relativas ao pedido do dia anterior.

Para dimensionar a frota necessária de veículos e as rotas de MR com todos os 149 fornecedores (7.822 itens) foram levantadas informações sobre a necessidade diária de item, tipo de embalagem e quantidade de peças por embalagem. Conhecendo-se as dimensões das embalagens KLT (Gurgel – 2000) e as dos carrinhos de mão (padronizado pela empresa-cliente) foi possível escolher criteriosamente, a partir de 4 propostas identificadas no mercado visando as metas de aumentar a capacidade atual de carga dos veículos em 100% (de 12 para 24 carrinhos/veículo) e não utilizar empilhadeiras para carga e descarga.

A proposta vencedora consistiu de um caminhão-baú, com capacidade para 33 carrinhos (175% a mais que a capacidade atual), com um tipo de dispositivo interno chamado de “roda gigante”, onde o baú seria dividido em módulos que podem alocar 3 carrinhos, um ao lado do outro. Com o movimento de giro, o operador não necessita entrar dentro do baú, ele trabalha somente no “fundo” do baú (ver Figuras 12 e 13).

Após a identificação dos fornecedores, estes foram alocados sobre um mapa do estado onde se localiza a empresa-cliente e esses pontos, juntamente com a empresa-cliente, com a respectiva posição geográfica e valor da demanda local (número de peças a serem coletadas/rota MR num dado período) foram submetidos à solução remota do software Vehicle Routing Algorithms

Figura 12. Veículo otimizado para rota MR Figura 13. Movimentação da “roda gigante”

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Applet do RIOT, definindo-se a capacidade do veículo como sendo a da proposta vencedora da análise citada acima (Ver Figura 14).

Figura 14. Saída do Software Vehicle Routing Algorithms Applet do RIOT

A solução proposta pelo software foi a de executar diariamente 39 rotas – identificadas por cores na Figura 14, e como cada veículo pode, pelo menos teoricamente, realizar 2 rotas por dia, há necessidade de uma frota de 20 veículos do tipo que consta na proposta 4.

4. Conclusões e Comentários Finais

Apresentou-se neste artigo uma aplicação de técnicas de roteirização, da Pesquisa Operacional, à solução de um importante problema de Logística. Devido aos altos custos de investimento, principalmente na adequação dos caminhões com o dispositivo da “roda gigante”, a adoção da solução só será possível se houver algum Operador Logístico que se interesse pela parceria, caso contrário a empresa-cliente teria um payback muito alto para os seus investimentos. De toda forma, considerando os custos operacionais anuais e o seguro do transporte para as 39 rotas foi possível verificar que o custo do transporte pelo MR representaria 0,42% do custo das peças; o que é significativo, pois usualmente este valor varia na faixa de 1,5 a 2 % do custo do material transportado.

As empresas que têm adotado o MR buscam exatamente aumentar sua competitividade, reduzindo custos na cadeia de suprimentos (custos de estoque e transporte, pelo menos). Ocorre em várias empresas que com a mudança do sistema tradicional para o MR, elas saem de um sistema de compras de peças CIF (Cost, Insurance and Freight paid) para um sistema FOB (Free on Board), e têm conseguido obter vantagens nos custos de frete, que representam parcela significativa nos custos de transporte associados (Incoterms - 2000).

Uma dificuldade comumente apontada pelos parceiros (empresa-cliente, operador logístico e fornecedores) envolvidos na coleta programada é a de não se ter uma boa previsão de demandas. Neste sentido, pode-se implantar uma variação do MR (estático), descrito anteriormente, que é o MR Dinâmico. Neste sistema, não há rotas fixas para cada veículo envolvido na coleta e as

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rotas seriam programadas considerando o Plano Mestre de Produção (Tubino – 1997) da empresa-cliente para atender a demanda num período mais curto possível (por volta de 5 dias). As informações devem ser repassadas aos fornecedores e Operador Logístico com a antecedência mínima de três dias para que houvesse a devida programação de serviço de coleta.

Referências Bibliográficas

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Amstel, M. J. Ploss Van (1990). Managing the pipeline effectively. Journal of Business Logistics, v.11, n.2, p. 1-25.

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