Sistemas agro- alimentares em mutação · a mudança registada nos sistemas agro-alimentares e...

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Refiloe Joala | Phillan Zamchiya | Clemente Ntauazi | Patrick Musole | Ceasar Katebe Sistemas agro- alimentares em mutação O impacto dos grandes agro- investidores sobre o direito à aliment ação ESTUDOS DE CASO EM MOÇAMBIQUE

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Refiloe Joala | Phillan Zamchiya | Clemente Ntauazi | Patrick Musole | Ceasar Katebe

Sistemas agro-

alimentares em mutação

O impacto dos grandes agro-

investidores sobre o direito à alimentação

ESTUDOS DE CASO EM MOÇAMBIQUE

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Refiloe Joala, Phillan Zamchiya, Clemente Ntauazi,

Patrick Musole and Ceasar Katebe

Sistemas agro-alimentares em

mutação O impacto dos grandes agro-

investidores sobre o direito à alimentação

Estudos de caso em Moçambique

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Agradecimentos

Queremos agradecer às comunidades e aos indivíduos cujas vozes estão aqui documentadas, e cujas histórias representam a fonte primária deste livro. Agradecemos a vossa generosidade e o terem partilhado o vosso tempo e experiências. O nosso voto de agradecimentos dirige-se, ainda, aos líderes tradicionais, líderes comunitários, responsáveis de partidos políticos, funcionários governamentais e investidores, pela sua prontidão em participar nas entrevistas e nas trocas de opinião. Queremos reconhecer a contribuição valiosa das suas respectivas organizações e das equipas de investigação, sem cuja cooperação a compilação deste livro não teria sido possível. A Ruth Hall, Andries du Toit, Ben Cousins, Agostinho Bento, Jesinta Kunda e Nsama Nsemiwe proporcionaram um contributo e liderança importantes na implementação do projecto no seu todo.

Queremos ainda registar a nossa gratidão à Open Society Foundation pelo apoio generoso prestado ao nosso trabalho de investigação e pelo seu papel importante em relação à análise e compreensão dos impactos das mudanças evidenciadas no sector agro-alimentar da África Austral. Em particular, queremos agradecer à Louise Olivier, da Open Society Initiative of Southern Africa pelo apoio prestado ao longo deste projecto.

Dirigimos, ainda uma palavra de agradecimento ao John Hall, por ter desenhado os nossos mapas, e à Doret Ferreira da Dotted Line Design e à sua equipa.

PEQUENAS BIOGRAFIAS DOS AUTORESA Refiloe Joala tem um Mestrado em Economia do Desenvolvimento e na Gestão de Projectos Internacionais da Universidade Paris-Est Créteil Val de Marne (UPEC), França. Actualmente, a Refiloe está a trabalhar num projecto multinacional sobre sistemas agro-alimentares em mutação na África Austral, no contexto de níveis crescentes de investimento. O seu trabalho tem abrangido uma gama ampla de tópicos temáticos na área da segurança humana, incluindo a segurança alimentar, a reforma agrária, a integração da dimensão de género e o desenvoivmento económico inclusivo, com uma atenção especial para a África Austral.

O Dr. Phillan Zamchiya possui um Doutorado em Desenvolvimento Internacional da Universidade de Oxford, Reino Unido. Actualmente, ele está a coordenar um projecto nacional que visa explorar o impacto da exploração mineira e dos investimentos comerciais em terra sobre o nexo terra-água-alimentos-energia na África Austral. O Dr. Zamchiya já publicou nos domínios da política, terra e reformas agrárias no Zimbabué, África do Sul, Malawi, Zâmbia, Moçambique e Namíbia. Os seus outros interesses económicos incluem o estudo do papel das práticas dos estados pós-coloniais, política partidária e a forma como as eleições têm contribuído para as transições democráticas em África.

O Clemente Ntauazi é defensor de causas da ADECRU, em Maputo, Moçambique e concluiu um Bacharelato em Relações Internacionais e Diplomacia no Instituto Superior de Relações Internacionais. É activista social e dedica-se ao empoderamento comunitário e aos direitos das comunidades à terra e aos recursos naturais em geral.

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Prefácio

Este livro apresenta estudos de caso sobre os sistemas agro-alimentares em mutação na África Austral, no contexto dos grandes investimentos em terra e dos grandes investimentos no campo dos agro-negócios. Ao registar os testemunhos das pessoas locais num contexto rural, com foco particular sobre os pequenos agricultores, esta obra visa proporcionar relatos vívidos das mudanças a nível micro em curso na África Austral no campo dos sistemas agro-alimentares, e reflectir as experiências e as perspectivas das pessoas locais.

Este livro é resultado do trabalho de investigação em acção, levado a cabo pelo Institute of Poverty, Land and Agrarian Studies (PLAAS, na sigla inglesa) da Universidade do Cabo Ocidental, África do Sul, em parceria com as organizações da sociedade civil (CSO, na sigla inglesa) em Moçambique e na Zâmbia, nomeadamente a ADECRU e a Aliança Zambiana da Terra, respectivamente.

Para além de documentar os processos em curso no terreno, o nosso projecto conjunto – Agri-business e Right to Food – envolveu o trabalho de pesquisa em acção. Levamos a cabo um engajamento crítico com os pequenos agricultores, por forma a compreender os impactos mais amplos dos investimentos em terra e dos investimentos no campo dos agro-negócios, e neste sentido, estabelecer vínculos com os pequenos agricultores no que tange ao seu acesso aos recursos produtivos, ao seu controlo sobre os mesmos e ao seu direito à alimentação, promovendo assim um debate público mais robusto sobre as mudanças registadas nos sistemas agro-alimentares.

Este projecto constitui uma resposta à falta de compreensão e conhecimento das alterações registadas nos sistemas agro-alimentares africanos. Por isso, esperamos que os estudos de caso e as experiências e respostas aqui notadas, sejam de utilidade para as organizações da sociedade civil, movimentos sociais, associações dos agricultores e decisores, e que possam assim ser o ponto de partida para uma discussão importante sobre as mutações ocorridas no sistema agro-alimentar das comunidades agrárias e rurais na região.

Recheado de informação acessível, esperamos que este livro possa ser usado em acções de formação e em workshops sobre a mudança registada nos sistemas agro-alimentares e apoiar o trabalho em prol do direito à alimentação.

Refiloe Joala, Phillan Zamchiya, Clemente Ntauazi, Patrick Musole e Ceasar KatebeCidade do Cabo, Harare, Maputo e LusacaNovembro de 2016

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Lista de Abreviações

AGRA Aliança para uma Revolução Verde em África

AU União Africana

ADECRU Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais

CAADP Programa Integrado para o Desenvolvimento da Agricultura em África

CESCR Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais

CLUSA Liga das Cooperativas dos Estados Unidos

DUAT Direito do Uso e Aproveitamento da Terra

FISP Programa de Apoio aos Insumos Agrícolas

FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura

FDI Investimento Directo Estrangeiro

FtF Feed the Future

IFC International Financial Corporation

NAFSN Nova Aliança para a Segurança Alimentar e Nutrição

NGO Organização Não Governamental

PEDSA Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Sector Agrário

PLAAS Institute for Poverty, Land and Agrarian Studies

PNISA Plano Nacional de Investimento para o Sector Agrícola

USAID Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

WFP Programa Alimentar Mundial

ZDA Agência de Desenvolvimento da Zâmbia

ZLA Aliança da Terra da Zâmbia

Introdução

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Capítulo 1

Introdução

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MAPA DA ÁFRICA AUSTRAL

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Capítulo 1: Introdução

Introdução

Este livro apresenta casos de estudo que oferecem algumas perspectivas do rápido processo de mudança em curso nos sistemas agro-alimentares africanos, e na África Austral em particular, no contexto dos investimentos em terra. Estes testemunhos foram recolhidos como parte de uma investigação exploratória para compreender como os níveis crescentes de investimento estão a reestruturar os sistemas agro-alimentares e as implicações destas mudanças sobre o direito das pessoas à alimentação.

Por conseguinte, não pretendemos apresentar provas concludentes sobre o impacto dos agro-negócios nos sistemas agro-alimentares na região, mas antes, defendemos que o nível crescente dos investimentos agrícolas e em terra, em Moçambique e na Zâmbia, levaram à reconfiguração do quadro da oferta de insumos agrícolas, à remodelação dos sistemas de agricultura local e à reestruturação das infra-estruturas de mercado – aquilo a que caracterizamos como sistemas agro-alimentares. Os níveis crescentes de investimento estão a afectar pessoas diferentes, de maneiras diferentes. Os estudos de caso apresentados neste livro mostram o impacto mais amplo destes investimentos sobre os meios de subsistência rural, a segurança alimentar das famílias e os ambientes alimentares locais.

Algumas das questões fundamentais que emergiram neste trabalho de pesquisa relacionam-se com o posicionamento dos pequenos agricultores nestas cadeias de valor agro-alimentares crescentes, o relacionamento entre os pequenos agricultores e os outros actores nestas cadeias de valor agro-alimentares, e a forma como os ‘ambientes alimentares’ em mutação, a nível local, afectam as pessoas, tanto como produtores e consumidores.

CONCEITOS-CHAVE

Sistemas agro-alimentares: A FAO descreve os sistemas agro-alimentares como sendo ‘o conjunto de actividades que se unem para produzir e distribuir os produtos agro-alimentares, e que, consequentemente, actuam em qualquer sociedade, para satisfazer as necessidades humanas, em matéria de nutrição.’ (FAO 2009:16)

Da mesma maneira, os sistemas agro-alimentares podem ser entendidos como ‘o conjunto de instituições, actividades e empresas que, colectivamente, desenvolvem e fornecem os factores de produção ao sector da exploração agrícola, e também processam, transportam, comercializam e distribuem productos alimentares e não-alimentares aos consumidores.’ (Caiazza 2012)

Além do mais, Pareira (2014: 3) afirma – apropriadamente – que o fornecimento de alimentos através de sistemas alimentares não deve ser visto com um processo linear, mas antes, como resultado polémico de um sistema complexo.

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Sistemas agro-alimentares em mutação

A segurança alimentar e o direito aos alimentosOs três elementos do direito aos alimentos e à segurança alimentar, nos quais o nosso trabalho de investigação se centram, são a disponibilidade, adequação e acessibilidade (De Schutter 2014).

A segurança alimentar – abordagens e lacunas

Há várias definições operacionais da segurança alimentar, contudo quase todas elas esboçam quatro factores-chave: a disponibilidade de alimentos, acesso ao alimentos, estabilidade do abastecimento alimentar e utilizações alimentares. Actualmente, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) usa a descrição que se segue:

“ A segurança alimentar existe quando

todas as pessoas, têm sempre acesso físico,

social e económico a suficientes alimentos

seguros e nutritivos, de modo a satisfazer as

suas necessidades dietéticas e preferências

alimentares, e permitir, ainda, que vivam uma

vida activa e salutar. ”Por outro lado, a insegurança alimentar, ocorre quando existe uma falta de acesso fiável a alimentos adequados e nutritivos a preços acessíveis. Contudo, as abordagens sobre a segurança alimentar reflectidas nas políticas de desenvolvimento agrícola, tendem a colocar maior realce sobre o abastecimento de alimentos e calorias

consumidos per capita (Burchi e De Muro 2016) e não fazem menção da natureza das relações de poder dos regimes e sistemas alimentares a nível internacional e nacional, os quais são largamente definidos pelos actores do sector privado. A nível local, os ambientes alimentares dos mercados são determinantes na composição do cabaz alimentar médio e determinam aquilo que as pessoas comem. As abordagens adoptadas em relação à segurança alimentar tendem a sublinhar o papel crucial do sector privado na luta contra a fome, sem definir, em particular, a responsabilidade do Estado em garantir a acessibilidade, adequação e disponibilidade de alimentos (Windfuhr and Jonsen 2005). O direito à alimentação coloca plenamente a responsabilidade pela realização deste direito sobre os Estados.

O que é o direito à alimentação?Em 1999, o direito à alimentação foi interpretado pelo Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (CNUDESC) no seu Comentário Geral 12, da seguinte maneira:

“ O direito a uma alimentação adequada é

cumprido quando todos os homens, mulheres e

crianças - a sós ou em comunidade com outros

- têm sempre acesso físico e económico a

um regime alimentar adequado ou aos meios

adequados para consegui-lo. ”O direito à alimentação, portanto, obriga os Estados a faciltar o acesso aos recursos produtivos, tais como

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Capítulo 1: Introdução

Introdução

terra, água e sementes, com realce especial dado aos direitos das pessoas e grupos mais vulneráveis, incluindo mulheres e populações indígenas (Golay 2009).

A consecução do direito à alimentação depende de duas componentes importantes: (i) controlo sobre os meios da produção alimentar e a venda da produção agrícola, e (ii) a capacidade para comprar alimentos (Twomey et al. 2015). A primeira relaciona-se com o acesso aos recursos produtivos – insumos agrícolas – e o controlo dos mesmos, assim como ao acesso aos mercados e a capacidade para influenciar preços. O segundo, refere-se à disponibilidade dos alimentos e à sua acessibilidade, e ainda, ao acesso a rendimentos para poder comprar alimentos.

O Direito à Alimentação

Disponibilidade dos alimentos: Concentra-se no ‘lado da oferta’ e em termos gerais, refere-se à existência de reservas alimentares suficientes, quer obtidas por meio da produção própria ou da compra de alimentos nos mercados.

Adequação dos alimentos: Relaciona-se com o grau de nutrição e adequação cultural dos alimentos que podem ser obtidos, quer por meio da produção própria ou da sua compra nos mercados.

Acessibilidade dos alimentos: Aborda a capacidade física e económica para comprar alimentos.

Realização do Direito à Alimentação

Acesso aos meios de produção alimentar e o controlo dos mesmos, e a venda de colheitas.

Acesso ao processo de compra de alimentos e o controlo sobre esse processo.

As tabelas acima apresentadas recorrem ao trabalho de Twomey et al. 2015.

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Sistemas agro-alimentares em mutação

Pequena agricultora na colheita da abóbora na sua machamba, distrito de Mumbwa

A agricultura em pequena escala continua a ser uma fonte importante de emprego, rendimentos e alimentos na região. O controlo sobre os recursos usados na agricultura e a venda da produção agrícola significa que os agricultores podem decidir o que vão cultivar e, mais importante todavia, decidir a parte que vão reter para o consumo do agregado familiar e aquela outra parte vão vender para satisfazer as suas necessidades familiares e suplementar as suas dietas alimentares. O acesso ao processo de compra e o controlo sobre esse processo estão a tornar-se cada vez mais importantes nas zonas rurais da região, tendo em conta a crescente disponibilidade de alimentos mais baratos e os meios de subsistência agrários em mutação (Bernstein 2010). A natureza dos ambientes alimentares é importante no processo de compra. Como tal, constata-se que ambos os canais usados para

garantir a disponibilidade, acessibilidade e adequação dos alimentos serão inevitavelmente afectados quando ocorrerem transformações nos sistemas agro-alimentares em consequência dos investimentos agrícolas e em terra na região.

A segurança alimentar e as políticas que visam reduzir a pobreza são promovidas como sendo a motivação central dos grandes investimentos agrícolas e em terra. No âmbito destes investimentos, a transferência de terras e outros recursos naturais é facilitada, por um lado, pelos governos dos países ricos em terra, cujo objectivo é o de promover e apoiar os investimentos em terra, por forma a desenvolver as terras ‘excendentárias’ (desusadas ou subusadas), e por outro, pelos governos ricos em meios de financiamento, que procuram dar resposta a uma crescente procura doméstica de alimentos (Headey et al 2010). O processo de mudanças na agricultura, e mais concretamente, nos sistemas agro-alimentares, está, portanto, a acontecer no contexto de políticas que promovem uma estratégia de segurança alimentar que depende dos grandes investimentos nacionais e internacionais na agricultura. Além do mais, este processo negligencia o papel e o estatuto de agência da agricultura de pequena escala, através de iniciativas que favorecem os agricultures que já produzem rendimentos mais elevados e os agricultores que têm melhor acesso aos recursos e aos factores de produção.

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Ambiente Político

Capítulo 2

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Apelidados de ‘última fronteira’ nos mercados agrícolas globais pelo Banco Mundial, os países africanos são agora vistos pelos mercados novos e de recursos, como um destino de investimento. Embora as indústrias extractivas tenham tradicionalmente sido consideradas como aliciantes pelos investidores estrangeiros em África, a recente vaga de aquisição de terra tem tido como alvo predilecto os empreendimentos agrícolas, que representam 70% em matéria de tamanho da terra adquirida por investidores e 65% do número de investimentos em terra oficialmente reconhecidos na África Austral (Anseeuw et al 2009). A abordagem holística para o investimento no sector agrícola tende a concentrar-se na modernização da estrutura agrária africana, de modo a facilitar o investimento público e privado no aumento da produção e produtividade agrícolas.

A recente vaga de grandes investimentos em terra, no mundo em vias de desenvolvimento – com as maiores transacções em matéria de escala a serem observadas em África (Anseeuw et al 2012) – tem sido amplamente atribuída à recente crise financeira e à crise de alimentos (Hall 2011). Em tais casos, onde a intermediação das operações fundiárias ocorre no âmbito de acordos de desenvolvimento e parcerias de governo para governo, isto também demonstra que estas operações diferem fundamentalmente do investimento directo estrangeiro (FDI, na sigla inglesa), na medida em que procuram obter recursos (Hallam 2010). Com a entrada de novos actores no sector, a agricultura africana está a passar por transformações profundas, nas quais os interesses e a influência das empresas envolvidas em transacções em terra não se limitam à transferência de terras, mas inclui,

ao contrário das formas mais flexíveis, tais como as joint ventures, a aquisição da própria produção (Hallam 2010).

Além do mais, os acordos do tipo de governo para governo, têm desempenhado um papel particularmente significativo no estabelecimento de uma gama de novas actividades envolvendo tanto actores privados como públicos, e incluindo, entre outros, a Nova Aliança para a Segurança Alimentar e Nutrição (NAFSN, na sigla inglesa) do G8, a iniciativa do governo dos Estados Unidos, chamada Feed the Future (FtF, na sigla inglesa), que representa uma mais-valia aos antigos programas da USAID, e a Aliança para uma Revolução Verde em África (AGRA, na sigla inglesa). Estes programas visam abordar a insegurança alimentar através, essencialmente, de um aumento na produção agrícola e de um acréscimo nas cadeias de valor alimentares dos investimentos agro-alimentares. Estas iniciativas estão a ser alinhadas com o Programa Integrado para o Desenvolvimento da Agricultura em África (CAADP, na sigla inglesa) da União Africana (UA). Ao ser adoptado em 2003, o CAADP definiu dois propósitos para a agricultura africana: (i) a intenção de conseguir, a nível nacional, um crescimento anual médio de 6%, e (ii) a afectação de 10% dos orçamentos nacionais à agricultura.

Os agro-negócios globais, regionais e nacionais têm respondido entusiasticamente a esta nova orientação para a agricultura africana. Reardon et al (2015) alegam que os mercados africanos de alimentos cresceram seis a oito vezes nos últimos 40 anos, sendo que a maioria desse crescimento ocorreu nas últimas duas décadas.

12Sistemas agro-alimentares em mutação

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Capítulo 2: Ambiente Político

Homem a transportar lenha numa bicicleta, nos arredores da cidade de Gurúè

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Políticas agrícolas e segurança alimentar em MoçambiqueO sector agrícola em Moçambique representa um quarto do PIB e 20% das exportações, e tem sido um propulsor-chave do crescimento económico nos últimos anos (Kalaba et al 2011). As políticas agrícolas têm sido influenciadas e propulsadas por uma série de estratégias e planos que forneceram a estrutura e rumos para o desenvolvimento neste sector. Por forma a melhorar os níveis de produtividade e a produção acumulada nos sectores agrícolas, o governo adoptou a Estratégia da Revolução Verde em 2007. Em resumo, a Estratégia da Revolução Verde é um modelo para o desenvolvimento agrícola que depende de um pacote de tecnologias, incluindo sementes ‘melhoradas’ ou híbridas, o uso de fertilizantes artificiais, a irrigação e a consolidação do crédito fundiário, assim como o acesso aos mercados (Greenberg 2015). O quadro de políticas agrícolas baseia-se no Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Sector Agrário (PEDSA). O PEDSA estabelece uma visão para o sector, identificando as suas áreas de foco estratégicas, em conformidade com o CAADP. Moçambique assinou as linhas directrizes do CAADP em Dezembro de 2011. O PEDSA é um plano decenal (2011-2019), a ser implementado em dois programas quinquenais, sendo o primeiro plano quinquenal (2010-2014) destinado a harmonizar as actividades sectoriais que abrangem o uso da terra, águas e florestas. O segundo programa quinquenal (2015-2019) visa assegurar a segurança alimentar e melhorar o acesso dos agricultores aos mercados. Simultaneamente, o governo desenvolveu o Plano

Nacional de Investimento para o Sector Agrícola (PNISA) em 2012. O PNISA propõe visões para o sector agrícola, baseadas em duas políticas-chave e documentos de estratégia, nomeadamente, o Programa Quinquenal do Governo (PQG, 2011-2014) e o Plano de Acção para a Redução da Pobreza (2011-2014).

Em 2009, o governo de Moçambique estabeleceu o Fundo Distrital de Desenvolvimento, através do qual o governo afectou 7 milhões de meticais (o que na altura era cerca de $300,000) a cada um dos 128 distritos do país. O fundo foi criado para fomentar o desenvolvimento económico a nível local, proporcionando aos cidadãos acesso ao crédito (Hanlon 2015). Em 2013, Moçambique aderiu à Nova Aliança para a Segurança Alimentar e Nutrição (NAFSN) do G8, uma parceria de compromisso público-privada inaugurada na cimeira do G8 em 2012. A Aliança, que conta actualmente com a participação de 10 países, tem por objectivo aumentar os investimentos requeridos para desenvolver a agricultura africana, de maneira a lograr, em África, um crescimento sustentado, inclusivo e dinamizado pela agricultura. Os parceiros de desenvolvimento principais de Moçambique são os Estados Unidos e Japão (NAFSUN). Como membro da Nova Aliança, Moçambique empenhou-se com respeito a acções de política nos seguintes domínios: ambiente empresarial propiciador; factores de produção; terra; nutrição; resiliência, gestão do risco, comércio e mercados (Greenberg 2015).

Em Moçambique, a terra pertence ao estado. A Lei de Terras de 1997 – que consta da Constituição de 2004 da República de Moçambique – prevê o usa da terra e recursos associados, assim como os direitos de benefício tipo DUAT (Direito do Uso e Aproveitamento da Terra).

14Sistemas agro-alimentares em mutação

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Capítulo 2: Ambiente Político

Silos da AgroMoz, usados para a armazenagem de cereais, Lioma, distrito de Gurúè

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Este enquadramento jurídico constitui o título jurídico para o uso da terra (Norfolk e Hanlon 2012). Isto quer dizer que a terra, propriamente dita, não pode ser vendida, hipotecada ou alienada, mas os edifícios, infra-estruturas e melhoramentos construídos nessa terra, contudo, podem ser hipotecados, vendidos ou alugados. Através de um processo inclusivo, entre o governo, peritos técnicos e as organizações da sociedade civil (CSOs, na sigla inglesa)(Tanner 2010), a Lei de Terras protege os direitos dos grupos vulneráveis, reconhecendo o seguinte:

� Os direitos fundiários das comunidades e indivíduos, adquiridos graças à ocupação habitual ou de longo prazo.

� Os direitos das mulheres com respeito à terra.

� Um DUAT colectivo detido pelas comunidades locais numa base de co-titularidade.

Segundo a Lei de Terras de 1997, o direito do uso e aproveitamento da terra pode ser obtido de três formas muito distintas, a saber: (i) autorização de uma solicitação; (ii) ocupação realizada de boa fé ao longo de mais de uma década; e (iii) normas e práticas tradicionais (Cabral e Norfolk, 2016).

Mulher junto de um tanque de armazenagem de cereais

16Sistemas agro-alimentares em mutação

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Moçambique

Capítulo 3

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19 Capítulo 3: Moçambique

Mapa de Gurúè

Distrito de Gurúè

Situado no norte da província da Zambézia, em Moçambique setentrional, o distrito de Gurúè alberga 400,000 pessoas e é onde se situa a maior plantação de chá do país. Sendo uma zona agro-ecológica de grande potencial, o distrito de Gurúè cobre uma área de 5 554 km2 e é frequentemente descrito como o celeiro da província (Instituto Nacional de Estatística 2012). É no distrito de Gurúè que se situa a segunda mais alta montanha de Moçambique, o Monte Namuli, que divide o distrito entre um planalto e uma zona plana. A cidade situa-se no planalto do distrito, e está cercada por plantações de chá, localizadas nas encostas das montanhas. Cravadas entre as encostas das montanhas e dos riachos naturais, as aldeias locais espalham-se pelo distrito, sendo algumas das áreas cobertas por florestas densas e pântanos. Gurúè tem um clima ameno e regista mais precipitação do que as outras partes da província.

A economia de Gurúè depende primordialmente da agricultura, sendo a agricultura em pequena escala comum. As culturais principais incluem o milho, mandioca, feijão, guandu, milho miúdo, sorgo, amendoim, e agora, feijão de soja.1

1 Entrevista com o Director do Desenvolvimento e das Actividades Económicas do distrito de Gurúè, Vilnho Abek, 17 de Junho de 2016.

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Sistemas agro-alimentares em mutação 20

Quem são os agro-investidores e o que é que dizem? O distrito de Gurúè tem atraído vários tipos de agro-investidores desde 2003, incluindo treze agro-investidores privados desde 2008. Neste estudo, contudo, concentramo-nos nos agro-investidores cujos investimentos em terra estão reestruturando o sistema agro-alimentar do distrito de Gurúè.

A nossa investigação demonstra que há actualmente três tipos de agro-investimentos no distrito de Gurúè. O primeiro grupo envolve a aquisição de terras em grande escala para fins de produção agrícola comercial, a saber: a Hoyo Hoyo Agri-negócios, a AgrozMoz e a Muririmo Macadamia LDA. O segundo grupo consta de empresas de agro-negócios, incluindo a Cargill, Phoenix Seeds e agro-comerciantes informais. Um terceiro grupo é composto por organizações não governamentais (NGOs, na sigla inglesa), principalmente dos Estados Unidos da América, que estão investindo em peso na agricultura, às vezes em parceria com o sector privado e o governo - e aqui contam-se a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla inglesa), a TechnoServe, a Liga das Cooperativas dos Estados Unidos (CLUSA, na sigla inglesa) e o Programa Alimentar Mundial (WFP, na sigla inglesa). Nalguns casos as organizações não governamentais e os sectores público e privado estão engajados em parecrias de agro-investimento, onde o financiamento, os riscos e as responsabilidades de gestão são partilhadas.

Esta trabalho de pesquisa concentra-se particularmente nos investimentos de grande escala em terra para fins de produção agrícola comercial e considera o papel de

outros investidores no processo de transformação das várias componentes dos sistemas e cadeias de valor agro-alimentares.

HOYO HOYO AGRI-BUSINESS

A Hoyo Hoyo Agri-business é uma concessão agrícola sob a égide do Grupo BXR, que é o único accionista (BXR Agro 2016). A Hoyo Hoyo foi originalmente estabelecida pela Quifel Natural Resources S.A., uma empresa dedicada às energias renováveis e aos agro-negócios, e nessa altura subsidiária da Quifel International Holdings, cujo proprietário é o homem de negócios português, Miguel Pais do Amaral. A empresa adquiriu direitos fundiários nas províncias da Zambézia e Tete e detém dois DUAT (documento legal obtido para o uso de terras). Na província da Zambézia, a Quifek Natural Resources Mozambique Limited, que é subisidiária da Quifel Natural Resources S.A. de Portugal, adquiriu uma concessão de terras na ordem dos 10 000 ha no distrito de Gurúè em Dezembro de 2009 (UNAC e Grain 2015; Norfolk e Hanlon 2012).

Segundo a Hoyo Hoyo, o investidor original não conseguiu aliciar investimentos estrangeiros, e até ao ano de 2010 não tinha mapeado as terras concedidas, nem produzido um plano empresarial, tal qual preconizado na lei moçambicana. Em 2012, a Quifel Natural Resources vendeu as suas acções na Hoyo Hoyo à Hoyo One Ltd., uma empresa registada nas Maurícias mas titulada por uma empresa de investimento privado holandesa, o Group BXR. Segundo o representante da Hoyo Hoyo, a Hoyo One Limited detém actualmente um DUAT que

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Capítulo 3: Moçambique 21

abarca 3 000 hectares de solo arável na povoação de Ruace. Durante a temporada de colheita de 2015/2016, a Hoyo Hoyo conseguiu utilizar 2 500 hectares para a produção de milho e soja. Contudo, a empresa tenciona adquirir mais terra, expandir a sua produção de milho, soja e potencialmente, de amendoim e girassol, por forma a maximizar os seus lucros através das economias de escala. O gerente regional afirma categoricamente que:

“ Estamos à busca de mais terra para melhorar as nossas economias de escala. Precisaremos de cerca

de 2000 ha. O problema é que em Moçambique não há áreas demarcadas como solo arável. É preciso negociar,

primeiro, com as comunidades e depois, fazer a regularização.2 ”Segundo o representante da União Nacional dos Camponeses (UNAC), cerca de 2 800 pessoas foram afectadas, ficando privadas de solo arável, e reassentadas numa área pantonosa da aldeia de Umoja.3 No entanto, um levantamento com GPS, efectuado pelo Atlas de Justiça Ambiental, em 2012, indica que 836 agricultores, com terras perfazendo um total de 1945 ha, tinham sido deslocados e que o projecto tinha o potencial para afectar até 15 000 pessoas em Lioma e na aldeia de Ruace (Atlas da Justiça Ambiental 2014).4

2 Entrevista, Gerente Regional da Hoyo Hoyo Agribusiness, 20 de Junho de 20163 Representante da UNAC, em Gurúè, 20 de Junho de 20164 O Atlas da Justiça Ambiental documenta e cataloga os conflitos sociais em torno das questões ambientais, no Instituto de

Ciência e Tecnologia do Meio Ambiente (ICTA) da Universitat Autonoma de Barcelona

Zona de reassentamento na aldeia de Umoja, destinada aos agricultores deslocados, distrito de Gurúè.

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Sistemas agro-alimentares em mutação 22

A Hoyo Hoyo cultiva dois tipos de cultura: soja e milho. Em 2015, a empresa produziu 2 toneladas de soja por hectare e 4 toneladas de milho por hectare. Isto representa uma melhoria assinalável, quando comparado com as 1.5 toneladas de milho por hectare, produzidas em 2012. No caso do milho, o rendimento previsto pela empresa, era de 5-6 toneladas por hectare.

Segundo o gerente geral, a Hoyo Hoyo emprega cerca de 400 pessoas durante a temporada de colheita alta e 150 pessoas durante a temporada de colheita baixa. A produção de milho está totalmente mecanizada, enquanto que as operações de produção de soja utilizam a mão-de-obra manual. Como acontece com os pequenos agricultores, a Hoyo Hoyo depende da precipitação natural. A Hoyo Hoyo não tenciona investir na irrigação, tendo em consideração os altos custos associados com o investimento neste domínio.

“ Não tencionamos expandir as nossas

operações para o campo do agro-processamento.

Já recebemos muitas propostas de ONGs

e organizações europeias, no sentido de

criarmos instalações de agro-processamento,

mas estas pessoas vêm, apresentam-nos as

opções e oportunidades inerentes ao agro-

processamento, fazem promessas e nunca mais

os vimos outra vez.5 ”A Hoyo Hoyo vende productos básicos principalmente à Cargill e outros comerciantes. Como é o caso com os pequenos agricultores, a empresa não tem, com respeito ao milho e soja, contratos formais celebrados com qualquer um dos actores envolvidos nos segmentos médio e superior das cadeias de valor agro-alimentares, nem com os compradores institucionais. Quanto à armazenagem, a Hoyo Hoyo usa silos-bolsas – uma silo-bolsa de $500 aramazena 180 toneladas de cereais por época de colheita.

MURRIMO MACADAMIA LDA

A Murrimo Macadamia LDA é uma subsidiária da empresa sul-africana, Crookes Brothers Limited, a qual estabeleceu em Gurúè o seu investimento numa plantação de nozes de macadâmia em 2012 (Crooke Brothers Limited 2016). Trata-se dum grande investimento em terras e envolveu a aquisição de direitos de terra e a deslocação

5 Entrevista, Gerente Regional da Hoyo Hoyo, 20 de Junho de 2016

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Capítulo 3: Moçambique 23

de pequenos agricultores que viviam nessas terras. A empresa adquiriu 3 200 ha de terra. Contudo, com efeito em 2015, a empresa estava usando apenas 646 ha. Segundo a Murrimo Macadamia,6 a aquisição de terra ao longo das colinas e encostas da cordilheira de Namuli, provocou o desalojamento de aproximadamente 150 agregados familiares, os quais perderam as suas casas e terrenos aráveis e tiveram de ser realojados.

Embora a Murrimo tenha investido nas monoculturas para produzir nozes de macadâmia, as árvores de macadâmia levam cerca de cinco anos para começar a dar retornos, e por isso a empresa está actualmente a expandir a sua produção de culturas para incluir o milho.

“ O nosso negócio é o de cultivar nozes

de macadâmia, mas visto tratar-se duma

cultura que leva muito tempo a crescer –

cerca de cinco anos para colher a primeira

colheita – decidimos, entretanto, cultivar

milho. Actualmente, concentramo-nos

apenas nas nozes de macadâmia e milho.

Estamos cultivando milho em 250 ha. Estamos

aplicando fertilizante e temos mão-de-

obra suficiente; estamos apenas a tentar

descobrir a variedade de sementes certa. Já

efectuámos análises dos solos para averiguar

a sua qualidade. Estamos confrontados com

actos de roubo e é difícil quantificar as suas

6 Entrevista com Anssumane Anli, Gerente dos Assuntos Ambientais, Sociais e de Governação da Murrimo Macadamia, 21 de Junho de 2016

dimensões. Estamos em vias de melhorar o

nosso sistema de segurança.7 ”Anteriomente, em 2014/2015, a empresa tentou cultivar vegetais, mas esse projecto fracassou.

“ Cultivávamos cebolas e batatas, mas

em 2015 as condições de mercado não eram

boas. O projecto dos vegetais também incluía

couves e tomates. Agora, apenas cultivamos

milho8 ”

A Murrimo possui um sistema de irrigação com sete pivôs, que se destina às árvores de macadâmia e que depende de cinco riachos naturais que atravessam as montanhas e passam pelas terras da empresa. A Murrimo está construindo uma fábrica local para transformar o

7 Entrevista com Anssumane Anli, Gerente dos Assuntos Ambientais, Sociais e de Governação da Murrimo Macadamia, 21 de Junho de 2016

8 Entrevista com Anssumane Anli, Gerente dos Assuntos Ambientais, Sociais e de Governação da Murrimo Macadamia, 21 de Junho de 2016

Tendências da produção de milho

2014 2015

250 hectares

142 hectares 995 ton

Rendimento (Toneladas)

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Sistemas agro-alimentares em mutação 24

milho em farinha de milho. O objectivo é embalar e vender a farinha de milho localmente, a partir de 2017,

usando a marca comercial da Murrimo.

AGROMOZ

A AgroMoz é uma exploração agrícola comercial de grande escala, constituída na forma de um consórcio entre o Grupo Américo Amorim e a Intelec. O proprietário da Intelec é supostamente, Armando Guebuza, antigo presidente de Moçambique (eNCA 2015). Segundo o portal da empresa, o Grupo Américo Amorim é o maior produtor de rolhas de cortiça do mundo, com interesses financeiros em vários outros sectores, incluindo os sectores da silvicultura, energia, produtos de luxo e do sector financeiro. A AgroMox investiu numa exploração agrícola comercial de grande tamanho, no distrito de Gurúè, depois de ter conseguido obter um DUAT em 2012, respeitante a 9 000ha,9 na povoação de Lioma (UNAC e Grain 2015). Em 2015, a empresa cultivou apenas 1 029 ha de terra e tenciona ampliar o cultivo a um ritmo de 500 ha por ano, até alcançar uma produção agrícola de 4 000 ha de terra.

“ Qundo adquirimos as terras, pagámos

às famílias afectadas uma compensação

calculada pelo ministério da agricultura...

Realizámos consultas em 2012 e oferecemos

à comunidade infra-estruturas na forma

de estradas, uma escola e um hospital, por

exemplo..10 ”

9 Entrevista, Andrea Luft, Gerente Geral da AgroMoz em Gurúè, 21 de Junho 2016

10 Entrevista, Andrea Luft, Gerente Geral da AgroMoz em

“ Há muitos desafios. Os níveis educativos

e de competências são muito baixos. Os

tratores modernos usam tecnologias

sofisticadas, tais como o GPS. Uma pessoa

que mal consegue operar um telemóvel, não

consegue operar um trator. Projectamos

construir uma escola em 2017, os PROFESSORES

não são qualificados e poucas crianças

frequentam a escola.11 "A aquisição de terras por parte da AgroMoz resultou no deslocamento de cerca de 9612 agregados familiares.

“ Outro problema é que as comunidades

são nómadas. Quando chegámos só havia

poucos pequenos agricultores . Agora

empregamos 150 pessoas, e por isso, o dinheiro

está circulando. MAS as pessoas estão a

aproximar-se da exploração agrícola, o que

coloca muita pressão sobre ela. Não estamos

a desalojá-las - querem o investimento.

Mas a empresa não pode empregar 100% das

pessoas.13 "Gurúè, 21 de Junho 201611 Entrevista, Mara Luft, Directora de Recursos Humanos e

Responsabilidade Social, e Andrea Luft, Gerente Geral da AfroMoz em Gurúè, 21 de Junho de 2016

12 Entrevista, Andrea Luft, Gerente Geral da AfroMoz em Gurúè, 21 de Junho de 2016

13 Entrevista, Andrea Luft, Gerente Geral da AfroMoz em Gurúè, 21 de Junho de 2016

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Capítulo 3: Moçambique 25

O cultivo principal é a soja; outros cultivos importantes são o milho e o feijão. Segundo dados fornecidos pela AgroMoz durante uma entrevista, o rendimento da produção de soja está subindo constantemente, ainda que a um ritmo muito lento. Com base nos dados obtidos da AgroMoz, a tabela abaixo mostra as tendências respeitantes à produção de soja desde 2013.

A empresa vende 100% dos seus produtos aos produtores

AgroMoz - Tendências respeitantes à produção de soja

Year 2013 2014 2015

370 ha

700 tons yield

1 300 ha

2600tons yield

950 ha

Rendimento (Toneladas)

Hectares

de aves, Abílio Antunes, um dos maiores avicultores em Moçambique, situado no Chimoio. Em 2013, a AgroMoz aventurou-se no campo da produção de arroz, mas abandonou-o rapidamente, em consequência dos fracos retornos registados. Isto indica que os agricultores comerciais que se estreiam em novos domínios, com o propósito de atingirem altos níveis de produtividade e eficiência, podem encarar desafios e que a agricultura não é um caminho livre de obstáculos. A empresa está presentmente a finalizar os seus planos para a construção de uma represa que irá captar o transbordo dos riachos naturais. A AgroMoz também está construindo uma infra-estrutura para a albergar a produção de sementes de soja locais, a qual deverá entrar em funcionamento até 2017 e possibilitar a produção própria da empresa e abastecer os agricultores locais com sementes de soja. A empresa não projecta expandir mais longe as suas actividades na esfera do agro-processamento.

“ O ano passado, em 2015, fornecemos

sementes de soja a 10 agricultores .

Convocámos uma reunião e comunicámos aos

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26Sistemas agro-alimentares em mutação

agricultores que tínhamos apenas sementes com uma taxa de germinação de 50%, as quais íamos também

plantar. Celebrámos um contrato, segundo o qual, por cada saco de sementes recebido, eles reembolsar-

nos-iam dois sacos de grãos. Se as sementes não germinássem, então não tinham que nos pagar nada...Os

100 agricultores em questão foram escolhidos pelos líderes tradicionais; lidamos sempre com os líderes

tradicionais. Estes líderes, e a comunidade, pedem-nos que preparemos a terra, plantemos as sementes e

colhamos as colheitas. Dada a situação aqui em Moçambique, os pequenos agricultores estão acostumados

a receber ajudas de terceiros. Há muitíssimos anos já, que as ONG têm abastecido e auxiliado os pequenos

agricultores. Isto gera-nos problemas, porquanto somos uma empresa comercial e não uma ONG.14 ’

Abastecimento dos factores de produção e mercados para os agro-investidores comerciais de grande escalaNo caso dos agricultores de grande escala, as sementes, fertilizantes e maquinaria agrícola são

fornecidos principalmente a partir do Brasil e da África do Sul. O fornecedor mais importante de produtos químicos é a Agri-Focus, uma empresa moçambicana baseada no Maputo. Não existe em Moçambique uma empresa de sementes certificadas.

A nível nacional, a Hoyo Hoyo e a AgroMoz abastecem três grandes empresas de avicultura - a saber, a Abílio Antunes, Frango King e Novos Horizontes – com sementes de soja e milho para o alimento de aves. As sementes de soja são processadas para produzir o alimento das aves e óleo, enquanto que o milho é processado principalmente para produzir alimento para aves. A procura de bagaço de soja por parte das empresas de avicultura constitui, neste momento, o factor propulsor premente da produção de soja em Moçambique. Segundo a FAO (2013: 11), o sector da avicultura gerou 0.3% do PIB. A compra local dos alimentos usados no sector da avicultura não só resultou num aumento da produção, mas também num aumento do consumo de carne de frango, nos centros urbanos do país. Além do mais, a produção comercial de frangos tornou-se uma fonte importante de rendimentos e emprego, tanto nas zonas rurais, como nas zonas urbanas, de Moçambique.

Implicações para os sistemas agroi-alimentares locais: O que dizem as pessoas?Os novos investimentos feitos no campo dos agro-negócios têm vindo a reconfigurar os direitos

fundiários no distrito de Gurúè. Os agro-investidores têm introduzido novas culturas e novas variedades de

14 Entrevista, Andrea Luft, Gerente Geral da AfroMoz em Gurúè, 21 de Junho de 2016

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27 Capítulo 3: Moçambique

culturas, as quais estão a reconfigurar os padrões da produção alimentar local. Com a promoção de novas variedades de culturas e novas culturas de rendimento, novos mercados têm emergido e novos actores têm entrado neste espaço. A perda de terra e a crescente especializção em culturas de rendimento por parte dos pequenos agricultores tem levado a que estes pequenos agricultores dependam cada vez mais dos mercados para a aquisição de alimentos. Estes múltiplos processos de mudança nos sistemas agro-alimentares – desde os insumos agrícolas até à produção, processamento e venda a retalho das culturas alimentares – estão a

influenciar importantemente os padrões de consumo de alimentos e os regimes alimentares locais.

Nesta secção atentaremos nas alterações registadas nos sistemas agro-alimentares locais, analisando o impacto do agro-investimento sobre: a oferta dos factores de produção agrícola aos pequenos agricultores do distrito de Gurúè; o acesso à terra, águas e outros recursos naturais usados na produção agrícola e o controlo sobre os mesmos; as alterações no processamento; o acesso dos pequenos agricultores aos mercados; as mudanças nos padrões de consumo de alimentos, nos regimes alimentares locais e na segurança alimentar das famílias.

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28Sistemas agro-alimentares em mutação

Mudanças no acesso aos meios de produçãoEm Gurúè, a forma mais comum de acesso

à terra é através das estruturas tradicionais. A maioria dos pequenos agricultores subsiste nas terras tradicionais, sem o DUAT. Contudo, o aumento registado nos agro-investimentos está a alterar as percepções das populações locais em relação ao regime fundiário tradicional. Alguns dos pequenos agricultores que entrevistámos indicaram que, no que concerne à posse da terra, sentem-se inseguros, devido às deslocações galopantes causadas pelos novos agro-investidores, que se instalaram nas suas áreas e que, por conseguinte, solicitaram o DUAT. Os investimentos em terra resultaram numa redução da produção de culturas por parte de um grupo significativo de pequenos agricultores. Os agricultores emergentes, que também estão a reciclar sementes, têm rendimentos

advindos da produção que se comparam àqueles dos agricultores comerciais – os quais se caracterizam por uma produção altamente mecanizada e de capital intensivo. Tal situação apresenta uma oportunidade perdida para os agro-investidores, que estão basicamente a competir com os agricultores locais e com os conhecimentos e práticas indígenas. Um pequeno agricultor emergente, presidente de um fórum local de agricultores, declarou o seguinte:

“ Perdi muitas coisas. Produzia em 8 ha

de terra, e numa colheita produzia 340 sacos

de soja. Depois do deslocamento provocado

pela empresa, tenho apenas 2 ha de solo

arável pobre e produzo apenas 60 sacos de

feijões de soja..15 ”

15 Entresvista com Elias Ernesto, Aldeia de Ruace, Distrito de Gurúè, 17 de Junho de 2016

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29 Capítulo 3: Moçambique

Muitos pequenos agricultores, sobretudo aqueles que pertencem a associações e grupos de agricultores em Ruace e noutras partes de Gurúè estão a produzir culturas de rendimento, tais como soja, milho e feijão, que vendiam nos mercados informais já muito antes da chegada dos grandes agricultores comerciais ao distrito. Embora a produção de milho e feijão tenha um longo historial no distrito de Gurúè, como acontece noutras partes da região, a produção de soja é recente, mas remonta a antes da chegada dos agricultores comerciais à região.16 Por conseguinte, para além da perda de terras que podiam ser usadas para fins produtivos, o deslocamento de agricultores tem levado a uma redução do número de membros filiados nas associações e grupos de agricultores, visto alguns serem obrigados a procurarem terrenos aráveis noutras paragens, o que dificulta a continuidade das suas actividades nas referidas

16 Entrevista, Gerente Geral, CLUSA, Gurúè, Moçambique, 16 de Junho de 2016

associações e grupos. Aliás, nalguns casos, os mesmos simplesmente colapsaram. Os pequenos agricultores formam associações e cooperativas para conseguirem acesso ao crédito e aos mercados (Bachke 2009).

Os pequenos agricultores que subsistiam nas encostas mais baixas do Monte Namuli, distrito de Gurúè - onde agora se situa a exploração agrícola de nozes de macadâmia - foram privados, não apenas das suas terras, mas também do acesso aos riachos naturais e a outros recursos naturais que agora se encontram vedados. Antes do deslocamento, os pequenos agricultores tinham acesso a uma variedade de frutos, plantas medicinais e água para cultivar cana-de-açúcar ao largo das margens dos riachos, e ainda, para cultivar hortas ao longo de todo o ano.

Devido aos deslocamentos desenfreados causados pelos

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30Sistemas agro-alimentares em mutação

novos agro-investidores na área, os pequenos agricultores dizem que agora se sentem inseguros. Um pequeno agricultor deslocado explica que:

“ Antes da chegada da Hoyo HOYO NÃO

ME sentia inseguro nos meus terrenos.

Contudo, depois de ser forçado a abandoná-

los, apercebi-me da IMPORTÂNCIA do DUAT.

Agora temo que qualquer pessoa possa me

tirar as minhas terras.17 ”O governo e a CLUSA têm vindo a escalar os seus esforços de sensibilização, no sentido de incentivar as pessoas a solicitarem o DUAT, no contexto de novas ameaças de deslocamento causadas pelos investidores. Em 2009 e 2010, a CLUSA implementou um projecto, cujo objectivo era o de facilitar o processo inerente à formalização dos direitos de ocupação dos agricultores incluídos no seu programa dedicado à soja na Zambézia, por meio da demarcação das terras e da emissão de títulos respeitantes às mesmas (CARE-Moçambique 2013).

Embora a posse de um DUAT signifique que um pequeno agricultor tem de pagar MT 15.00 por hectare ao governo todos os anos, a demarcação das terras e a emissão de títulos de propriedade é um processo moroso que envolve encargos e impõe custos altos (SPEED, GIZ and ACIS 2012). Por exemplo, um relatório da CARE- Moçambique, com data de 2013, elaborado pela Terra Firma Rural Development Consultants, demonstra que, a despeito da falta de dados conclusivos sobre os custos reais da emissão de títulos de propriedade por

17 Entrevista com Felishmina Faria, Ruace, Distrito de Gurúè, 17 de Junho de 2016

parte da CLUSA em Gurúè, ‘cálculos feitos pela CLUSA totalizam MT 9,800 (US$280) no caso de uma parcela de terra de alguns hectares.’ Este valor encerra sobretudo o custo do trabalho preparatório refernte à emissão do título de propriedade e do processo de consultas a nível local. Este taxa em dinheiro constitui uma trave enorme às famílias pobres. Até à data, os processos de delimitação efectivados em todo o país foram levados a cabo por organizações não governamentais, com o apoio de equipas técnicas formadas.

A Lei de Terras moçambicana (de 1997) tornou mais fácil algumas mulheres solicitarem o DUAT em seus próprios nomes, não obstante a falta de sensibilização e de apoio técnico respeitantes à sua obtenção. Contudo, por causa das normas culturais que inibem a transferência de activos para o nome de viúvas, são as mulheres que mais sofrem com a insegurança em torno da posse de terra. A secretária de uma associação provincial de camponeses afirma que:

“ A maioria das pessoas que trabalham

na terra no distrito são mulheres. As

mulheres trabalham na terra, mas quase

sempre, o título de posse está em nome dos

maridos. Elas encaram desafios com respeito

a terem acesso à terra e a CONSEGUIREM

obter os títulos de posse. As mulheres foram

postas de parte. A maioria delas não tem

Documentos de Identidade, o que dificulta

a obtenção dos referido títulos. Quando o

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31 Capítulo 3: Moçambique

marido morre, os familiares do marido vêm

e reivindicam as terras. Isto não é legal,

mas é cultural. Frequentemente, depois de

enviuvar, a mulher regressa a casa dos pais

dela. [Segundo] a lei, o gado, as terras e a

propriedade deviam pertencer à viúva, mas

geralmente são os factores culturais que

tomam precedência.18 ” A Murrimo Macadamia tem realojado pessoas em áreas onde não existem muitos terrenos aráveis. Embora estes agregados familiares não fossem auto-suficientes, a perda de terrenos aráveis tem obrigado os agricultores realojados a dependerem mais do meracdo do que da agricultura para adquirirem alimentos. Gladiaona, uma agricultora realojada, já não consegue produzir cereais suficientes para alimentar a sua família, e como muitos outros agricultores realojados, tem sido forçada a depender inteiramente das actividades de subsistência não associadas à terra para obter alimentos do mercado. Ela afirma que:

“ Tendo em conta que as terras que me

foram dadas não são suficientes e que os

solos são pobres, produzo 0.5 toneladas de

milho por colheita. O meu celeiro vai esvaziar

antes do fim do ano. Esta situação é agravada

pelo facto de eu ter de vender parte dos meus

cereais para satisfazer as minhas exigências

18 Entrevista, pequena agricultora, Secretária Provincial da União Nacional de Camponeses (UNAC), Quilemane, Moçambique, 15-06-2016

imediatas, ou seja o pagamento das propinas

escolares dos meus filhos. Durante este ano,

terei de comprar comida, incluindo milho, o

que nunca acontecia antigamente.19 ”Reestruturação do abastecimento dos factores de produção

Os agro-investidores estão a reformular o quadro institucional do abastecimento dos factores de produção no distrito de Gurúè. O sector público internacional e entidades privadas e públicas estão a promover a expansão da produção de soja. Isto está a ser feito através do fornecimento de sementes, apoio os bancos de sementes dos agricultores subcontratados, subvenção das lojas de sementes e descentralização dos agentes de comercialização contratados com base numa taxa de comissão.

Promoção das sementes de soja e de novas variedades de sementes

Existe uma rede de apoio concertado para promover a produção de soja no distrito pelos pequenos agricultores. Os agricultores mais abastados têm aceitado a soja. Cerca de 600 pequenos agricultores em 2012-2013 produziram soja, com base num programa apoiado pela CLUSA e pela Technoserve. Os agricultores confirmaram, durante várias entrevistas, que integram o projecto dedicado à criação de um banco de sementes.

19 Discussão entre o grupo de foco e a comunidade realojada pela Murrimo Macadamia, distrito de Gurúè, 21 de Junho de 2016

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32Sistemas agro-alimentares em mutação

Em Gurúè, o nível de interesse e aceitação demonstrados pela soja e pelas novas variedades de sementes dos produtos alimentares básicos, tem vindo a crescer solidamente. Contudo, considerando que as elites agrárias rurais adoptaram rapidamente os pacotes de modernização agrícola e que se mostraram mais aptos a arriscarem-se e expandir a sua produção por meio de culturas de rendimento, como a soja, estão agora a usufruir de rendimentos mais altos em matéria de produtividade e de produção. No distrito de Gurúè, a CLUSA começou a promover a produção de soja pela primeira vez em 2003 e nalguns casos até antes dessa data. Para além de estimular a produção de soja, os agro-investidores têm vindo a promover uma variedade de sementes certificadas para a produção de milho e feijão. No entanto, a aceitação de sementes certificadas para a produção de colheitas alimentares básicas, tal como o milho e o feijão, tem sido baixa entre a maioria dos agricultores, especialmente entre aqueles que vivem nas partes mais remotas do distrito. Segundo os investidores, parece existir, entre os pequenos agricultores, uma falta de compreensão do valor das sementes certificadas e estes agricultores parecem ter uma ligação sentimental às sementes locais, ligação essas associada com a transmissão, de geração para geração, dos conhecimentos e sistemas indígenas. O representante da Phoenix explicou-o desta forma:

“ Grande parte dos camponeses não

está acostumada às sementes certificadas.

Não sabem qual é a diferença em termos de

produtividade. É difícil fazer explicar isto

àqueles que vivem nas zonas mais remotas.

Dizem eles que têm usado as sementes

locais desde os tempos ancestrais. O preço

das sementes certificadas é alto, mas

oferecemo-las a um preço abaixo do preço

de mercado. Estes camponeses consideram

apenas os preços básicos, sem olharem para

os benefícios em termos dos rendimentos

agrícolas. As sementes de milho certificadas

custam MT90 por quilo e as sementes locais,

nos mercados locais, custam 40MT por quilo.

Por isso, acham que é melhor comprar dois

quilos de sementes e ainda ficar com algum

troco na mão.20 ”Mesmo assim, embora haja agricultores que continuam a resistir ao uso das sementes certificadas, as atitudes estão mudando e há alguns que já adoptaram as sementes certificadas. Por exemplo, a Phoenix indicou que, entre Outubro de 2015 e Fevreiro de 2016, 60% das sementes vendidas foram adquiridas por pequenos agricultores. Numa entrevista, o gerente da empresa Phoenix notou que os níveis de aceitação eram baixos, mas que, pelo menos, já ia havendo uma evolução positiva:

“ Abri a loja em Outubro de 2015. Agora

tenho 75 agro-comerciantes, pessoas que

vêm e compram sementes, para depois as

venderem aos pequenos agricultores na

aldeia...Durante a última colheita vendemos

20 Entrevista com Abdul, gerente da Phoenix Seeds no distrito de Gurúè, 17 de Junho de 2016

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33 Capítulo 3: Moçambique

33.5 toneladas de sementes certificadas para

o cultivo de milho, soja e feijão. Vendemos

15 toneladas de sementes de milho, 12.5

toneladas de sementes de soja, 2 toneladas

de feijão do tigre e 4 toneladas de feijão

inteiro, de Outubro de 2015 até Fevereiro

de 2016. Até a embalagem das sementes já

não se destina agora apenas aos grandes

agricultores comerciais , que compram

grandes quantidades. Portanto, é fácil agora

adquirir pequenos pacotes de sementes: de

1 kg e 2 kgs no caso do feijão; 2 kgs e 3

kgs na caso da soja; e de 2 kgs, 5 kgs e 25

kgs no caso do milho. Por outras palavras,

estas embalagens destinam-se a satisfazer

as necessidades dos pequenos agricultores

em Gurúè.21 "A CLUSA introduziu a produção de soja pela primeira vez no distrito de Gurúè em 2003 e embora a aceitação fosse baixa, cada vez mais agricultores estão a cultivar soja. Cerca de 600 pequenos agricultores em 2012-2013 produziram soja, com base num programa apoiado pela CLUSA e pela TechnoServe. A resistência dos camponeses às sementes certificadas que estão a ser promovidas para a produção das culturas de rendimento principais – soja, milho e feijão – não é tão simples como se imagina. Antes, esta resistência prende-se com os conhecimentos locais e com outras razões lógicas. Os

21 Entrevista com Abdul, gerente da Phoenix Seeds no distrito de Gurúè, 17 de Junho de 2016

camponeses argumentam que as sementes certificadas não são resistentes à seca nem às pragas, que são caras e que o seu abastecimento não está garantido, caso os investidores externos decidam abandonar o país.

Este sentimento geral foi bem transmitido por um representante dos pequenos agricultores da província que defendeu que:

“ Temos de preservar as nossas sementes

indígenas porque são geneticamente puras.

As sementes locais são mais resistentes

a certos tipos de doenças que existem na

zona e são, ainda, mais resistentes à seca

e às alterações climáticas. As sementes

híbridas são mais propensas às doenças e à

seca. Adicionalmente, não podemos reciclar

as sementes híbridas e uma vez que os

investidores externos partam, onde é que

vamos obter as sementes? A única maneira de

adquirir a semente é no mercado. Sabemos que

é possivel conseguir rendimentos superiores

com a semente híbrida, mas isso só acontece

se as condições forem boas. Por exemplo, este

ano, por causa da seca, os agricultores que

utilizaram as sementes híbridas colheram

muito pouco e agora encaram carências

alimentares.22 ”22 Entrevista, pequeno agricultor, Secretário Provincial da União Nacional de Camponeses, Quelimane, Moçambique, 15 de Maio de 2016

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34Sistemas agro-alimentares em mutação

Acresce que a produção está lentamente a passar de manual para semi-mecanizada entre os pequenos agricultores emergentes – há 27 agricultores emergentes que beneficiam do uso de tratores, disponibilizados pela TechnoServe.

Alterações no sistema de produção

A promoção da produção de soja pelas ONG e agências humanitárias internacionais no distrito de Gurúè e noutras partes do norte de Moçambique – por meio de contratos agrícolas informais – tem provocado alterações dramáticas nos sistemas de produção locais (Matteo et al 2016).

A CLUSA promove a soja porque

“ é uma colheita que é rica em proteínas

e noutros nutrientes, fornece rações avícolas

e a possibildade de se extrair óleo. É

também uma cultura que é procurada no

mercado.23 "Comparada com as outras culturas, incluindo o milho, a soja caracteriza-se por um mercado pronto e um rendimento em numerário maior. Para além destas vantagens, os peqeunos agricultores prontamente aceitam produzir soja porquanto é promovida e apoiada maçicamente por ONGs internacionais como a TechnoServe e a CLUSA.

Um agriclutor emergente explicou esta situação assim:

“ Recebemos muito apoio das ONGs ao

longo de todas as fases de produção. Eles

dão-te a variedade de sementes, agora o

trator e o equipamento agrícola e uma vez

que tenhas colhido a soja, dão-te um mercado

pronto.24 " A este respeito, as ONGs internacionais apoiam a cultura ao largo da cadeia de valor.

A soja e o milho tornaram-se culturas ‘flex’ importantes em Moçambique, o que quer dizer que estas culturas têm usos múltiplos (alimentos, racões para animais, combustível, materiais industriais) (Borras et al 2015). Embora a procura de milho tenha sido sempre alta, dado que o milho é um produto alimentar básico, a procura de soja e milho em Moçambique tem

23 Entrevistas com o Gerente Regional da CLUSA, Carlos Sanchez, 17 de Junho de 2016

24 Entrevista com Raymondo Saraio Maokele, distrito de Gurúè, 16 de Junho de 2016

Trator do Sr Raimundo,Tetete, Gurúè

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35 Capítulo 3: Moçambique

crescido rapidamente nos últimos anos, na medida em que ambas estas colheitas são usadas como rações avícolas. No caso dos pequenos agricultores em Gurúè - particularmente aqueles que logo adoptaram a soja em 2003 quando ela foi introduzida pela primeira vez pelos agro-investidores numa escala nunca vista – a soja permite-lhes integrarem-se no novo sistema de produção baseado em numerário (Matteo et al 2016).

A produção de soja é aceite por um conjunto de pequenos agricultores. Os agricultores abastados – as elites rurais agrárias – produzem soja em terrenos que atingem os 10 hectares e os menos abastados às vezes produzem soja em terrenos com uma dimensão inferior a 1 hectare. O número de agricultores que está a trabalhar com ONGs internacionais, como a CLUSA, com o propósito de produzir soja, entre outras culturas, de uma maneira ‘mais moderna’, está aumentando constantemente.

“ ‘[Em] 2003 tínhamos 3000 pequenos

agricultores com quem trabalhávamos. De 2008

a 2013 tínhamos 8000 pequenos agricultores,

e de 2013 a 2016, o número saltou para 16 141

pequenos agricultores, dos quais 63% eram

homens e 37% mulheres. Estão a ser apoiados

pelos agrónomos da CLUSA.25 " De entre as quarto colheitas de rendimento cultivadas pelos pequenos agricultores no distrito de Gurúè, a soja é, de longe, a cultura mais produzida. A tabela que se

25 Entrevista com o Gerente Geral da CLUSA Regional, Carlos Sanchez, 17 de Junho de 2016

segue fornece a evidência respeitante às colheitas de 2014-2015.

Em média, o pequeno agricultor produz 2.1 toneladas de soja, comparadas com as 2 toneladas por hectare que os agricultores comerciais, a Hoyo Hoyo Agri-business, conseguem produzir, o que indica níveis semelhantes de produtividade. Em Moçambique, e mesmo em toda a região, os grandes investimentos em terra são supostos serem os propulsores-chave do desenvolvimento agrícola. As abordagens neoliberais sobre o desenvolvimento agrícola promovem a agricultura comercial em grande esacala e de capital intensivo e pressupõem que a produção efectivada nos grandes terrenos permite aos

Produção pelos pequenos agricultores das colheitas de rendimento em Gurúè, 2014–2015

Cultura Hectares Rendimento (Toneladas)

Soja11.232 21.490

Girassol690 690

Tabaco775 530

Sésamo 245 123

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36Sistemas agro-alimentares em mutação

agricultores registarem economias de escala e maximizar lucros. Nem sempre isto acontece. Alguns pequenos agricultores emergentes, particularmente aqueles que produzem por meio de associações, conseguem obter rendimentos mais altos. Contudo, em resultado da perda de terras causada pela Hoyo Hoyo, estes agricultores encontram-se agora dispersos, e portanto, não possuem a capacidade necessária para coordenar as suas actividades e recursos. Associados, os agricultores conseguiam reciclar sementes, partilhar outros factores de produção e conhecimentos, de modo a melhorar os seus níveis de produtividade, assim como o seu acesso aos mercados. Pode-se, por conseguinte afirmar, que o modelo implementado por estes agro-investidores, de certa forma, levou estes agricultores emergentes, de novo, a produzir como camponeses.

“ Produzia milho, soja e ervilhas. Numa

colheita, colhia, em média, 6 toneladas de

soja, 3 toneladas de milho e 1 tonelada de

ervilha. Agora, deslocado, produzo 1 tonelada

de milho, 3 toneladas de soja e 0.5 toneladas

de ervilha.26 "

Com a promocão da produção de soja e acesso a novos mercados, os agricultores estão a actuar como agentes e estão optimizando os seus benefícios na cadeia de valor crescente. Este facto sublinha a importância de se compreender o papel dos actores diferente na cadeia de valor emergente da soja – de modo a melhor compreender, também, o sistema de produção em Gurúè (Matteo et al 2016).

26 Entrevista com Elias Ernesto, Ruace, distrito de Gurúè, 20 de Junho de 2016

Mercados formais crescentes e mercados locais em evolução

As infra-estruturas do mercado no distrito de Gurúè têm vindo a evoluir significativamente em consequência do agro-investimento crescente e da expansão da produção de soja por parte dos pequenos agricultores, em conjunto com os agricultores comerciais. Os investidores públicos internacionais criam mercados para as sementes de soja, soja, milho e feijão. A TechnoServe e o WFP são os compradores principais deste sector. A Cargill, que é a entidade compradora principal para os agricultores comerciais, também compra milho e sementes de soja aos pequenos agricultores. A imagem abaixo reproduzida é dum armazém que a Cargill estava alugando de uma associação de agricultores que não conseguiu assegurar os fundos necessários para comprar cereais aos agricultores locais. Esta associação de agricultores tentou fornecer os agricultores com mercados, fazendo a agregação da sua produção.

Os mercados indígenas também estão evoluindo e a adaptar-se ao sistema agro-alimentar em mutação. Há novos comerciantes a emergir, principalmente cidadãos do Bangladeshe e da Somália, que estão a tomar partido da expansão da produção de soja no distrito de Gurúè, comprando sementes de soja aos agricultores locais no início da estação de colheita, quando os preços estão baixos, para depois revendê-las, já no fim da estação, quando os preços valorizam. As crescentes pressões financeiras sentidas pelas famílias, provocadas pela monetarização da vida rural, obriga-as a venderem a sua produção agrícola precocemente, mesmo sabendo que

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37 Capítulo 3: Moçambique

poderiam obter preços mais favoráveis posteriormente. Os comerciantes emergentes estão também a comprar milho e feijão aos pequenos agricultores.

Os novos mercados informais funcionam ao lado dos mercados informais tradicionais, tratando-se de, na maioria, mulheres que vendem vegetais, cereais e outros alimentos domésticos, tais como óleo de culinária, açúcar, sal, arroz, massa italiana e detergentes.

Os pequenos agricultores estão a cooperar, organizando-se em fóruns e associações para vender os seus produtos a granel. A despeito do desenvolvimento registado na infra-estrutura viária, o transporte continua a constituir um desafio de maior. As distâncias entre os compradores e os agricultores que residem em distritos diferentes são vastas.

Agro-processamento: métodos velhos e novosEm Guruè, não há projectos dedicados ao processamento de soja em grande escala. A maioria dos pequenos agricultores vende a soja sem a processar. Contudo, algumas mulheres estão a processar e a vender vários produtos à base de soja, tais como o leite de soja e pãezinhos, depois de terem sido alvo de acções de formação por parte do Instituto de Agricultura Tropical (ITA, na sigla inglesa) em 2006, com o intuito de promover a diversificação dos regimes alimentares locais. Uma pequena agricultora e secretária da União dos Agricultores do Distrito de Gurúè, Teresa Salada, descreve o processo:

“ Coloco a soja de molho de um dia

para o outro, e depois, de manhã, esmago-a.

Comerciante à beira de uma estrada, Tetete, Distrito de Gurúè

Armazém da Cargill, Distrito de Gurúè

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Mulher a esmagar milho, Tete, distrito de Gurúè

38Sistemas agro-alimentares em mutação

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39 Capítulo 3: Moçambique

Depois coloco-a em água durante 45

minutos e peneiro os grânulos. Depois,

coloco a soja esmagada ao lume durante

30 minutos e depois disso posso começar a

beber o meu leite.27 ”

O leite de soja é vendido localmente. A farinha de soja é também usada no fabrico de pãezinhos, que são vendidos principalmente por mulheres.

Alterando as dietas e a segurança alimentar

O deslocamento dos agricultores, causado pelas explorações agrícolas comerciais de grande escala tem tido um impacto signficativo sobre a forma como as pessoas produzem os alimentos e acedem aos mesmos. A perda de acesso aos recursos produtivos e do controlo sobre os mesmos afecta os direitos alimentares das pessoas, tanto em termos de produção, como na sua capacidade de comprar alimentos no mercado, dado que, no que concerne aos meios de subsistência, uma grande parte da população de Gurúè depende da produção agrícola.

Os agregados familiares que foram deslocados pela Murrimo Macadamia explicaram que antes do seu deslocamento, tinham acesso a uma variedade de frutos, plantas medicinais e água para cultivar a sua cana-de-açúcar, situada nas margens dos riachos, e cultivar as suas hortas. Foram deslocados para longe das fontes de água e recursos naturais foram destruídos. Numa discussão de grupo, com a comunidade

27 Entrevista com Teresa Salada, 17 de Junho de 2016

deslocada, um dos intervenientes descreveu a situação dramática do grupo:

“ Perdemos acesso às bananeiras,

mangueiras e abacateiros que cresciam nas

margens dos riachos. Também entrávamos

na mata, à busca de plantas medicinais

para curar as febres e os males estomacais.

Usávamos uma planta chamada navata para

curar os males estomacais e a hupe-hupe

para curar a febre. Agora que a empresa fez

a desmatação, os nossos filhos têm problemas

de febre. Também perdemos as nossas hortas.

Ao long do Rio Nivakwe, tínhamos hortas

Teresa a fazer o seu leite de soja, Ruace, Gurúè

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40Sistemas agro-alimentares em mutação

durante todo o ano, e cultivávamos vegetais

e cana-de-açúcar. A empresa deu-nos ordens

no sentido de removermos as nossas hortas,

CORTAR as nossas árvores de fruto e partir

para a zona de reassentamento. Deram-nos

um tanque de água, mas não chega para as

nossas hortas. Agora dependemos de uns

legumes silvestres chamados thuli thuli e

mtikwa, que cultivamos.28 ”Cada vez mais agregados familiares dependem dos alimentos comprados para satisfazer as suas necessidades alimentares, situação essa que tem provocado uma alteração aos regimes alimentares, agora dependentes da disponibilidade dos alimentos acessíveis nos mercados

28 Conversa entre o Grupo Focal e as famílias deslocadas pela Murrimo Macadamia, distrito de Gurúè

locais. A expansão da produção de soja está lentamente a afectar os alimentos que são consumidos.

As refeições principais são à base da fécula – sobretudo a farinha de milho comida pelo menos uma vez por dia, ao almoço ou ao jantar – com arroz e vegetais, tais como folhas de abóbora, colza, batata-doce e feijão. A maioria das famílias consome proteínas de carne entre duas a quatro vezes por semana, e no caso das famílias mais pobres, ainda menos. Assim que um número cada vez maior de agricultores e agregados familiares vai tomando conhecimento do valor nutricional da soja – que representa ainda, a fonte mais barata de proteína – ela vai sendo incorporada no regime alimentar das pessoas. Existe um mercado vibrante para os pãezinhos feitos à base da soja, o que aliás tem passado a ser uma fonte de rendimentos para as mulheres do distrito. A soja é processada localmente para produzir farinha de pão.

Uma mulher deslocada com vegetais - thuli thuli e mtikwa – nas mãos, Gurúè

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41 Capítulo 3: Moçambique

Como diz Catarina Alberto:

“ Começei a vender pãezinhos à base da

soja em 2009. Faço 1,000 pãezinhos por dia e

vendo cada um por 1MT. Vendo cerca de 500

pãezinhos por dia, e 1,000 nos dias de feira

ao ar livre.29

”Ainda que o leite de soja seja mais caro do que o leite condensado vendido nas lojas, um consumidor explicou a sua preferência: ‘O que procuro é o valor nutricional do leite de soja e o preço não é factor determinante.’ Um dos produtores de leite de soja vende, em média, três litros por dia aos vizinhos. Com o crescimento registado na produção de soja, cada vez mais agricultores buscam maneiras de tomar partido

29 Entrevista com Catarina Alberto, vendedora de alimentos, Ruace, Gurúè

da soja produzida localmente e dessa forma, também angariar mais rendimento. O processamento da soja significa que mais produtos à base da soja estão a ser consumidos localmente. Conhecimentos sobre o valor nutricional da soja – promovidos, aliás, pelos agro-investidores – tem provocado um consumo crescente dos produtos alimentares à base da soja. Além do mais, o sector público e o sector público internacional estão a implementar projectos que visam promover a produção e consumo de vegetais, assim como a produção avícola.

No que se refere aos alimentos comprados, os agricultores mais abastados estão a suplementar a sua própria produção com alimentos comprados nos mercados, incluindo espargete, arroz, óleo de culinária, chá, açúcar, sal, margarina e pãezinhos. Em termos de vegetais, tanto os agricultores mais abastados com aqueles pequenos agricultores que foram negativamente afectados pelos

Mercados tradicionais, Magige

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42Sistemas agro-alimentares em mutação

Pãezinhos de soja

investimentos, indicaram que geralmente compram couves, tomates, colzas, cebolas, feijão, e às vezes, batata-doce dos mercados. Em matéria de fruta, a maioria das famílias indica que não compra fruta muito frequentemente. No entanto, nos mercados locais é possivel encontrar bananas, cana-de-açúcar e outra fruta sazonal, tais como mangas, abacates e papaias, para mencionar apenas alguns exemplos.

Implicações dos sistemas agro-alimentares em mutação – O caso do Norte de

Moçambique rural.Os investimentos em terra têm resultado na redução da produção de colheitas por parte dos pequenos agricultores afectados, numa maior dependência dos

alimentos provenientes do mercado, pressões maiores sobre as terras rurais, e no deslocamento, não apenas das terras, mas também das fontes de alimentos naturais, plantas medicinais e fontes de água perene. Além da terra, águas e recursos naturais, os agro-investidores, especialmente os investidores públicos internacionais, têm promovido a expansão da produção de soja e esta estratégia foi bem acolhida pelos pequenos agricultores. A soja tornou-se uma importante cultura de rendimento no distrito, à frente da produção do tabaco, chá e girassol. O uso das sementes de milho, feijão e soja certificadas também está a penetrar, gradualmente, o interior rural. A infra-estrutura do mercado tem se alterado, assim que os empresários e os actores-chave do sector crescente que é a avicultura, vão tomando proveito das novas colheitas de soja. Não há projectos de processamento de soja em grande escala em Gurúè; no entanto, existe um grupo de mulheres que está a assumir a liderança no processamento local de soja e no fabrico de farinha à base de soja (a qual está a ser usada para fabricar pãezinhos) e de leite à base de soja. Apoiadas, estas mulheres poderão fazer ainda mais.

Vai demorar algum tempo ainda para começar a constatar a mudança nos regimes alimentares formais em Gurúè, mas lentamente, a soja está a afectar os alimentos que são servidos à mesa. Enquanto que a cadeia de valores da soja está a crescer para além de Gurúè, com novos fornecedores de factores de produção, comerciantes, grossistas, entidades de transformação de alimentos e consumidores a potenciar uma maior segurança alimentar, os os grandes agro-investidores fundiários encaram desafios operacionais.

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43 Capítulo 3: Moçambique

ConclusãoOs nossos estudos de caso revelam uma insegurança alimentar crescente para as famílias mais pobres, no contexto de níveis de agro-investimento também crescentes. Em Moçambique, tanto a nível nacional como distrital, o governo, baseando-se no pressuposto que as colheitas de rendimento trazem oportunidades substanciais em termos de vencimentos e emprego, olham para a promoção de novas colheitas e novas variedades de culturas por parte dos agro-investidores, como um meio de melhorar a segurança alimentar e a subsistência. Contudo, os nossos estudos de caso revelam que a especialização em culturas de rendimento, empreendida pelos pequenos agricultores, está também associada com o esgotamento dos recursos naturais, o desaparecimento de alimentos tradicionais (culturas locais) e a redução da diversidade de sementes. E tudo isto é consequência da proeminência crescente das sementes certificadas, que oferecem rendimentos maiores aos pequenos agricultores. Por conseguinte, em simultâneo com a diversificação dos cabazes alimentares – assim que um número cada vez maior de agricultores vai integrando as culturas de rendimento, como a soja, nos seus regimes alimentares – estas novas culturas de rendimento são compradas pelos consumidores locais. Por isso, regista-se uma dependência crescente nos alimentos comprados para satisfazer as necessidades alimentares dos agregados familiares. O canal principal, através do qual, as culturas de rendimento afectam a segurança

Família diante duma papaeira na aldeia de Mitovola, distrito de Gurúè

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44Sistemas agro-alimentares em mutação

alimentar é por meio dos rendimentos auferidos, na medida em que a produção de culturas de rendimento pelos grandes agricultores gera oportunidades de emprego, e os pequenos agricultores podem angariar rendimentos, vendendo a sua produção no mercado formal, e usando os mesmos para adquirir alimentos. No entanto, no contexto da agricultura comercial altamente mecanizada, as oportunidades de emprego para os trabalhadores pouco qualificados, são esporádicas. O deslocamento dos agricultores, para longe dos seus terrenos aráveis, fontes de água, recursos naturais e áreas de pastagem, tem diminuído a sua capacidade para cultivar alimentos. Consequentemente, muitos viram-se obrigados a buscar alimentos no mercado, e ficaram com pouco rendimento em dinheiro.

Os impactos dos níveis crescentes do investimento agrícola e fundiário são diferenciados, sendo que há perdedores e vencedores, aqueles que lutam para ganhar acesso às oportunidades e aqueles que exploram as novas oportunidades, de modo a beneficiarem da reconfiguração das cadeias de valor agro-alimentares. As mudanças têm sido mais negativas para os menos abastados, incluindo as mulheres, e para aqueles que ficaram privados das suas terras aráveis, aqueles que foram realojados em novas áreas em consequência dos investimentos fundiários, assim como aqueles que se encontram desigualmente integrados nestes novos mercados rurais, propulsados pelo agro-investimento. Os agricultores mais abastados tomaram partido dos novos mercados, factores de produção e serviços de agro-extensão para melhorar o rendimento das suas culturas, rendimentos familiares e para diversificar os seus regimes aliementares. O que é aqui importante frisar, é que a

maioria ainda não está a beneficiar destes processos de mudança agrária, motivados por novos investimentos, cujo objectivo é o de viabilizar as abordagens agrícolas modernistas, em prol do desenvolvimento rural, da erradicação da pobreza e da segurança alimentar. No futuro, o trabalho de investigação deverá investigar questões em torno da forma como os pequenos agricultores estão inseridos nas cadeias de valor agro-alimentares em expansão, e forma como os ‘ambientes alimentares’ em mutração a nível local podem afectar as pessoas, tanto como produtores e consumidores. As constatações deste trabalho de investigação, indicam, em termos gerais, quem são os actores diferentes da cadeia de valor. Contudo há uma falta de entendimento das relações entre eles existentes, do actor que atribui valor, e da maneira como esse valor se altera ao longo da cadeia de valor agro-alimentar.

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Referências

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Publicado pelo Institute for Poverty, Land and Agrarian Studies, Faculdade de Economia e Ciências de Gestão, Universidade do Cabo Ocidental, Private Bag X17, Bellville 7535, Cidade do Cabo, África do Sul Tel: +27 (0)21 959 3733 E-mail: [email protected] Website: www.plaas.org.zaCidade do Cabo Novembro de 2016Reservados todos os direitos

Page 50: Sistemas agro- alimentares em mutação · a mudança registada nos sistemas agro-alimentares e apoiar o trabalho em prol do direito à alimentação. Refiloe Joala, Phillan Zamchiya,

Os sistemas alimentares africanos estão a passar por transformações profundas, tal como evidenciado pela comercialização dos recursos naturais e pela crescente empresarialização dos insumos agrícolas, assim como da produção, processamento e venda a retalho dos alimentos. A reestruturação dos sistemas agro-alimentares locais resultante dos grandes investimentos em terra e dos grandes investimentos no domínio dos agro-negócios está afectando pessoas diferentes, de maneiras diferentes, e causando uma crescente desigualdade entre aqueles pequenos agricultores e famílias que têm tido a capacidade para explorar as novas oportunidades advindas destes investimentos, e a maioria dos pequenos agricultores que luta para aceder a estas mesmas oportunidades.

Este livro de estudos de caso apresenta as respostas e experiências das comunidades rurais e agrárias, onde se têm feito grandes investimentos em terra e grandes investimentos no campo dos agro-negócios. Este trabalho de investigação considera o impacto mais amplo destes investimentos e actividades comerciais de grande esacala sobre a segurança alimentar, as trajectórias das alterações agrárias, os meios de subsistência agrícola e as relações sociais associadas. Neste sentido, o projecto estabelece elos entre a luta dos pequenos agricultores para conquistar acesso aos recursos produtivos e controlar os mesmos, incluindo terra, água e o direito à alimentação.

Em parceria comProjecto tornado realidade graças à Open Society Foundation

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