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P11 Sistemas de Conhecimento e Inovao para o Desenvolvimento Agrcola e Rural

Atas Proceedings

ISBN 978-989-8550-19-4

3624 | ESADR 2013

P11 Sistemas de Conhecimento e Inovao para o Desenvolvimento Agrcola e Rural

CoordenadoresTimothy Koehnen (UTAD / CETRAD) [email protected] Alberto Baptista (UTAD / CETRAD) [email protected]

A agricultura, o meio rural e os seus actores vivem num contexto de forte mudana, de ajustamento ao mercado, s necessidades dos consumidores e aos condicionalismos ambi-entais. Neste contexto de exigncia, os agricultores necessitam de acesso ao conhecimento, informao, formao e educao, que facilitem e suportem as suas actividades. A questo essencial saber, como, onde e quem pode apoiar os agricultores a obterem informao fivel e pertinente, conhecimento, formao e apoio tcnico, para evolurem e darem respos-ta, com sucesso, s expectativas externas e oportunidades de desenvolvimento. Conceitos como Agricultural Knowledge and Innovation Systems (AKIS), Farm Advisory Systems (FAS), usados em inmeros documentos da UE, traduzem a importncia dada ao tema. O objetivo do painel temtico compreender os atuais modelos e canais de produo de conhecimen-to e inovao, procurando saber quem so os atores, como funcionam, quem os suporta, e compreender impactos na agricultura e no meio rural.

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DIAGNSTICO DE CURSOS DE CAPACITAO OFERTADOS

POR UM RGO DE EXTENSO RURAL BRASILEIRO: UMA

ABORDAGEM DIALGICA

LUS FERNANDO SOARES ZUIN Prof. Doutor do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Faculdade de

Zootecnia e Engenharia de Alimentos, USP. [email protected]

POLIANA BRUNO ZUIN Profa. Doutora da Faculdade de Tecnologia, Educao e Cincias.

[email protected]

RESUMO Ao longo das ltimas dcadas a extenso rural brasileira foi demarcada pelo desenvolvimento de prticas de ensino hierarquizadas e cunhadas no modelo tradicional de educao. O objetivo desta pesquisa foi diagnosticar e analisar os processos de capacitaes rurais ofertados por uma organizao de extenso rural governamental, que fomenta cursos para agricultores brasileiros. Para a realizao da pesquisa foram entrevistados onze extensionistas rurais (pertencentes a mesma organizao) e nove agricultores de uma mesma regio atendidos por esse grupo de extensionistas. O mtodo empregado para a coleta dos dados foi o estudo de caso (Yin, 2001). Esta pesquisa foi realizada com o suporte financeiro da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo, processo no. 2011/12912-9. As questes para as entrevistas foram abertas, onde procurou-se verificar como eram as relaes entre os extensionistas e agricultores; como era encaminhado o processo de ensino e aprendizado; e como se dava a comunicao entre esses sujeitos para a implementao de uma nova tecnologia. Os dados coletados a campo apontam que vrios so os formatos de cursos de capacitao ofertados pelo rgo, sendo esses realizados em seus escritrios municipais e regionais, associaes de agricultores e/ou nas propriedades rurais, com a durao de duas a oito horas. Os cursos so ministrados por pesquisadores convidados ou pelos prprios extensionistas. Tais resultados apontam que as relaes entre os extensionistas e os agricultores poderiam ser mais prximas e dialgicas, necessitando de um maior conhecimento dos extensionistas sobre o mundo dos agricultores. Alguns extensionistas relataram que gostariam de receber formao em prticas de ensino para serem usadas em seus cursos. Tais resultados vo ao encontro das enunciaes dos prprios extensionistas, evidenciando o quanto necessrio repensar as prticas educativas na extenso rural brasileira. Para isso essencial que a metodologia de ensino seja adequada a cada contexto produtivo, por isso relevante conhecer o mundo e o olhar dos agricultores.

PALAVRAS-CHAVE: extenso rural; cursos de capacitao; dialogia.

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INTRODUO

Atualmente, nas agncias brasileiras de extenso rural observa-se uma forte

tendncia no desenvolvimento de programas que visam a agroindustrializao da

produo agropecuria nas propriedades rurais. Esses programas possuem o objetivo de

aumentar a renda do produtor rural, por meio da transformao de suas matrias-primas,

derivadas da sua produo. Para alguns produtos essa transformao leva em conta os

saberes-fazeres historicamente constitudos pelos sujeitos, que compem um territrio

rural (Zuin, L.F.S. & Zuin, P.B., 2008).

Entretanto, o sucesso da implementao dos programas de agroindustrializao

na produo agropecuria depende de vrios fatores, um deles se refere ao conjunto de

conhecimentos que o produtor rural precisa dominar, para que o seu empreendimento

possa sobreviver. A produo e comercializao desse tipo de produto envolve o

domnio de conjuntos de conhecimentos de origens tanto tcnicas quanto gerenciais

(Zuin & Queiroz, 2006). Uma das formas que as agncias brasileiras que prestam

servios de extenso rural, a fim de garantir o sucesso desses programas, seria por meio

da oferta de cursos de formao continuada para os produtores rurais, seus familiares e

funcionrios. Um dos caminhos pedaggicos que pode ajudar o desenvolvimento e

aplicao desses cursos de formao continuada o emprego do referencial terico

dialgico, tanto Freiriano (Fernandes & Terra, 1994) como Bakhtiniano (Bakhtin,

2010).

O objetivo desta pesquisa foi diagnosticar e analisar os processos de

capacitaes rurais ofertados por uma organizao de extenso rural governamental

brasileira, a qual fomenta cursos para agricultores brasileiros.

METODOLOGIA DA PESQUISA

Para a realizao desta pesquisa foi empregado como mtodo o estudo de caso

(Yin, 2001), onde foram coletados dados e informaes junto aos agricultores e

extensionistas. No total foram entrevistados vinte sujeitos, onze extensionistas

pertencentes organizao e nove agricultores. Esse grupo de agricultores tiveram

contato frequente com os extensionistas por meio da oferta de cursos de capacitao.

Esse grupo de extensionistas encontram-se alocados tanto na sede da organizao, como

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tambm em escritrios do rgo de algumas cidades, ao qual prestam servios aos

produtores rurais. Cada entrevista teve durao entre 90 e 120 minutos. As entrevistas

com os extensionistas foram realizadas na sede da organizao, e nos seus escritrios

em alguns municpios. Quanto aos agricultores as entrevistas foram feitas em suas

propriedades rurais.

As questes que nortearam as entrevistas foram abertas, considerando as

temticas condizentes aos objetivos propostos para a pesquisa, em que se procurou

verificar como era a relao entre os extensionistas e agricultores; como se davam os

encaminhamentos relativos aos processos de ensino e aprendizado; e, por fim, como se

realizava a comunicao entre esses sujeitos para a implementao de uma nova

tecnologia, uma nova forma de gerenciar o empreendimento, bem como os

desenvolvimentos de novos produtos.

Para uma melhor contextualizao, nas entrevistas junto aos agricultores foram

observadas uma relativa diversidade de produtos e servios oriundos de suas

propriedades rurais. De produtos verificou-se que os agricultores cultivam

predominantemente frutas, como: figo, caqui, pssego, morango e uva. Quanto aos

servios foi observado a introduo do turismo rural, com a oferta de refeies tpicas

da regio nas propriedades aos turistas, durante os finais de semana e feriados. Nas

entrevistas observou-se que um grupo de agricultores comearam a beneficiar a uva em

suas propriedades, fabricando e disponibilizando vinho e suco da fruta para o mercado

consumidor local.

RESULTADOS

Os extensionistas e agricultores se constituem e so constitudos pelo outro nos

seus territrios rurais, ou seja, pelos caminhos interacionais os quais so historicamente

percorridos na relao entre esses sujeitos, como discorre Bakhtin (2003). Neste

momento buscar-se- descrever as interaes historicamente constitudas entre os

sujeitos que trabalham (extensionistas) e as pessoas (produtores rurais) que recebem os

servios da Organizao de Extenso Rural Brasileira pesquisada. Tambm ser exposto

os formatos e encaminhamentos dos cursos ofertados pelos extensionistas da

organizao para com os agricultores de sua regio.

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OS SUJEITOS ENTREVISTADOS E ALGUNS DOS SEUS CONTEXTOS

SOCIOECONMICOS

Tanto nas entrevistas com os extensionistas rurais como com os agricultores,

buscou-se coletar os seus sentidos historicamente constitudos em seus territrios rurais,

relativos aos contextos socioeconmicos, mtodos de ensino-aprendizado e as suas

interaes com a organizao de extenso rural pesquisada.

Nos relatos dos onze extensionistas foi observado que todos esses sujeitos

possuem o terceiro grau completo de nvel de escolaridade, sendo em sua maioria

engenheiros agrnomos, apenas um dos entrevistados apresentou graduao em

zootecnia. Um dos extensionistas entrevistados buscou um maior nvel de

especializao, cursando e obtendo o ttulo de mestre em uma universidade brasileira.

Quanto ao tempo de trabalho na organizao a maioria dos extensionistas (nove

entrevistados) trabalha nela h mais de dez anos, apenas dois sujeitos so funcionrios

deste rgo nos ltimos cinco anos.

Nas entrevistas realizadas junto aos agricultores observamos que quatro deles

estudaram por onze anos; trs sujeitos por oito anos; e duas pessoas at quatro anos. Um

dos agricultores entrevistados, com 54 anos, por exemplo, estudou somente por trs

anos. Na poca necessitava ajudar os pais e por essa razo no podia frequentar a

escola. Ele ainda relatou que havia uma professora no bairro rural que o ensinava a ler e

escrever fora do horrio das aulas, por causa do trabalho na propriedade rural. Por tal

fato, esse sujeito considera que a inteligncia subjetiva, adquirida por habilidades

comunicativas, cooperativas e prticas. Quanto ao aprendizado, todos os sujeitos so

educadores e educandos, tendo o que aprender e tambm o que ensinar, sejam os

conhecimentos baseados em um ensinamento escolar, ou mesmo aquele passado de

gerao para gerao (Freire, 2006).

Tambm interessante salientar que em algumas localidades os filhos desses

agricultores j possuem curso superior (em mdia quinze anos de estudo) ou mesmo o

ensino tcnico (onze anos de estudo). Como o caso de um jovem agricultor

entrevistado, de 22 anos, solteiro, que possui ensino mdio e tcnico em metalurgia.

Esse sujeito, aps a sua formao, tentou a vida na cidade, onde permaneceu durante

dois anos trabalhando em uma indstria. Retornou ao campo, por volta de quatro anos a

fim de trabalhar com o pai e no para os outros, como relatou. O stio de sua

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famlia, tal como denomina, possui 96.000 m2, sendo tocado pelo pai, me e ele. Em

sua propriedade so cultivados figo, caqui, pssego e uva.

Nota-se em um dos relatos de um dos agricultores, com idade de 52 anos, que

ele no gostaria que os filhos retornassem propriedade rural para trabalhar diretamente

na lavoura. Por outro lado esse agricultor aceitaria que o filho gerenciasse o negcio da

famlia. Esse agricultor estudou por oito anos. Os seus dois filhos so graduados em

cursos de computao e gesto de negcios. O produtor rural relatou que os seus filhos

no possuem interesse em trabalhar na propriedade, embora ele acredite que no futuro

eles acabaro administrando-a, at porque ele est utilizando nos seus processos

produtivos, de forma significativa, conjuntos de tecnologias, citando o exemplo das

colheitadeiras de frutas mecanizadas a serem adquiridas em um futuro prximo. Indo ao

encontro deste relato, foi constatado durante os dilogos com o jovem agricultor de 22

anos entrevistado, que este retornou propriedade para trabalhar junto com os seus pais,

a partir da visualizao de que conseguiria uma renda maior na prpria propriedade, do

que trabalhando para terceiros. O mesmo ocorreu com outros dois irmos agricultores.

Ambos so jovens com idade entre 24 a 30 anos e completaram onze anos de estudo.

Aps trabalharem no comrcio de sua cidade como vendedores, passaram a se interessar

pela propriedade onde foram criados e cresceram. Decidiram investir na produo de

vinho fino e de suco de uva, e vem realizando cursos de capacitao frequentemente a

fim de melhorar a qualidade dos seus produtos.

No conjunto das entrevistas tambm foi observado que os agricultores, pelo

fato de possurem em mdia um grau de escolaridade maior, do que em grande parte das

regies brasileiras, visualizam a importncia do estudo como caminho para o aumento

da renda familiar. A importncia e o incentivo ao ato do estudo ajuda aos pais e filhos

tecerem uma relao dialgica, em que esses participam ativamente do processo de

tomada de deciso na propriedade rural (Zuin, L.F.S. & Zuin, P.B., 2013). Essa postura

faz com que muitos dos produtores procurem informaes a respeito da oferta de novos

produtos, participando de cursos ofertados pela organizao de extenso rural,

principalmente os relativos gesto do seu empreendimento. Em um dos relatos dos

produtores foi observado que durante os cursos de formao o contato frequente entre

os agricultores resultaram parcerias, onde foi criada uma cooperativa de produtores de

frutas em um dos territrios rurais estudados.

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A primeira constatao nos enunciados dos extensionistas, foi que ao longo das

ltimas duas dcadas ocorreram alteraes significativas nos objetivos e modos de

conduzir os trabalhos de extenso rural, prestados pela organizao nos territrios no

qual atuam. Neste sentido, a organizao passou a ser um agente que planeja, oferece e

capacita os agricultores em projetos de desenvolvimento rural, de amplo escopo

produtivo. Esse cenrio proporcionou aos seus extensionistas pouco tempo para a oferta

de assistncia tcnica direta no campo para os agricultores. Alguns extensionistas

entrevistados, principalmente os mais novos na instituio, acham pertinente essa nova

abordagem, pois acreditam que as atuais empresas que vendem os insumos agrcolas

realizam um bom trabalho de ps-venda. Esse conjunto de extensionistas concordam em

ser um dos agentes que promovem polticas pblicas voltadas aos processos de

desenvolvimento tecnolgico nos territrios rurais. Entretanto, alguns extensionistas

mais antigos de casa sentem falta da proposta anterior da organizao, isto , de estarem

juntos e com os agricultores, acompanhando-os em suas propriedades rurais, prestando

assessoria e consultoria tcnica.

Para a organizao a atribuio principal do seu extensionista ser um

mediador entre as vrias fontes (organizaes de pesquisa governamentais e privadas)

de conhecimento (tcnico e gerencial) para com os agricultores, promovendo para isso

encontros entre especialistas e agricultores. Desta forma, os extensionistas buscam

mediar a oferta de cursos de organizaes governamentais e privadas, a fim de fornecer

informaes tcnicas e de gerenciamento para os produtores rurais.

Foi observando nos relatos dos agricultores, que os tcnicos da organizao so

frequentemente procurados e inqueridos a relatarem uma opinio sobre um novo

produto ou processo, ofertados a eles pelas empresas de insumos. Neste contexto de

tomada de deciso, o papel dos extensionistas da organizao o de ser uma das fontes

de consulta sobre a eficcia de novas tecnologias ofertadas pelas empresas de insumos

agropecurios (privadas ou governamentais). Nesta atividade o produtor rural busca no

extensionista a validao das informaes contidas nas propagandas dessas empresas.

Foi constatado durante as entrevistas que os agricultores procuram em vrios sujeitos

conjuntos de informaes a fim de tomarem a deciso de adquirirem ou no uma nova

tecnologia, principalmente o conhecimento sobre os insumos que sero usados em suas

rotinas produtivas. Os sujeitos vo em busca:

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de agricultores tanto de fora como de sua regio, que j utilizaram os

insumos questionados;

da opinio de vendedores e/ou agrnomos de grandes empresas de

insumos agropecurios de quem confiam e possuem uma relao de

longa data;

de buscadores de informaes na internet (ex. Google), bem como

programas de televiso e rdio;

de extensionistas da organizao estudada neste artigo a fim de sanarem

suas dvidas e colherem informaes;

de opinies de profissionais pertencentes a outros rgos de extenso

rural, a fim de se informar com um tcnico (Engenheiro Agrnomo), cuja

relao de confiana j existente;

de informaes em cursos e palestras promovidos por organizaes

(privadas e governamentais) de pesquisa e divulgao de novas

tecnologias agropecurias;

de consulta a pessoas prximas como vizinhos e familiares que possuem

propriedades rurais em sua regio; e

de informaes de vendedores de confiana nas Casas Comerciais de

Vendas de Insumos de sua regio.

De acordo com os relatos dos agricultores, extensionistas e de alguns autores

(Zuin, L.F.S & Zuin, P.B., 2013), esses sujeitos possuem essa postura inquisitiva quanto

a oferta de novas tecnologias pois, ao longo de suas vidas, adquiriram novos produtos e

processos, os quais historicamente determinaram prejuzos significativos ao seu

empreendimento. Algumas vezes o prejuzo foi to intenso que alguns agricultores

pensaram em mudar de profisso, desejaram vender a sua propriedade e mudar para a

cidade. Alguns extensionistas brasileiros de formao difusionista constantemente

relatam, que de forma geral, o agricultor brasileiro de pequeno e mdio porte muito

tradicional nos seus modos produtivos, aceitando muito pouco a mudana. E criticam

ativamente essa postura tradicional e pouco aberta a adoo vertical de novas

tecnologias. Um dos agricultores entrevistados relatou que no podem se dar ao luxo de

errarem nos seus processos produtivos, pois uma deciso errnea ir comprometer

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diretamente a sobrevivncia de sua famlia. Muito da postura tradicional dos

agricultores possui origem neste fato, relatado nas entrevistas.

No que se refere ao volume de oferta de novas tecnologias aos agricultores.

Um dos extensionistas entrevistados relatou que atualmente aumentou muito a oferta de

pacotes tecnolgicos, disponibilizados pelas empresas de insumos aos agricultores de

sua regio. Esse extensionista acredita que parte dessas novas tecnologias no se

encontram maduras o suficiente para serem empregadas nas culturas e propriedades de

sua regio, aumentando ainda mais a desconfiana dos agricultores para com essa oferta

de novas tecnologias pelas empresas de insumos privadas e governamentais.

Como podem ser observados nos relatos dos agricultores. O processo de

tomada de deciso de comprar ou no um novo produto preponderantemente

dialgico. O agricultor vai nos relatos das vrias fontes a fim de constituir um novo

sentido para uma nova tecnologia e quanto mais dialgico for esse processo, mais

seguro o agricultor ir se sentir em adquirir ou no uma nova tecnologia.

OS FORMATOS E CAMINHOS PEDAGGICOS DOS CURSOS MINISTRADOS E

FOMENTADOS PELA ORGANIZAO PESQUISADA

Diversos fatores atuaro neste meio de dialogicidade nos cursos de

capacitao, como aqueles que permeiam cada agricultor, como os seus: desejos,

necessidades, suas dvidas pessoais, entre outros. Dvidas as quais muitas vezes no

sentem liberdade e intimidade suficientes para exp-las e san-las com os

extensionistas. Na comunicao dialgica esses fatores se mostram menos acentuados,

pois lida-se com o sujeito diretamente, frente a frente no mundo concreto, gerando

novos sentidos em que os sujeitos entendam os seus propsitos nos sistemas produtivos.

Quando indagamos aos agricultores e extensionistas entrevistados sobre a

abordagem pedaggica empregada nos assuntos trabalhados nos cursos, verifica-se que

uma ampla variedade de contedos, que vo desde assuntos relativos gesto do

empreendimento, tais como: tcnicas produtivas, at como solicitar corretamente o

crdito agrcola junto s organizaes financeiras privadas e governamentais, entre

outros.

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Como pde ser observado, alguns cursos possuem um formato mais

monolgico, enquanto que outros tendem a ser dialgicos. De acordo com o relato dos

extensionistas, constatou-se a presena de quatro formatos relativos aos processos de

ensino-aprendizado realizados pela organizao, sendo:

1. Encontros - com durao de duas a trs horas, ocorre por meio de

reunies do extensionista com os agricultores de sua regio nos escritrios

municipais e regionais da organizao;

2. Palestras - com a mesma carga horria, de duas a trs horas,

extensionistas, assim como outros sujeitos (pesquisadores e especialistas da

prpria organizao ou de outra) realizam palestras sobre um tema

especfico de interesse dos agricultores;

3. Dias de campo se configura por um perodo geralmente de oito horas,

em um dia inteiro, em que a organizao de extenso expe novas

tecnologias e processos em propriedades rurais modelos, as quais j a

adotaram e fazem parte de suas rotinas produtivas com sucesso; e

4. Curso - com durao mais longa, de oito a dezesseis horas, se destina

apenas para os extensionistas rurais da organizao capacitaes que visam

atualiz-los no planejamento e desenvolvimento dos projetos de

agroindustrializao que esto sendo implementados nos seus territrios

rurais.

Foi observado em alguns dos cursos e encontros fomentados pela organizao,

que a comunicao percorre um caminho baseado nos modelos de comunicao do

difusionismo-tecnolgico, cujo o contedo da comunicao percorre um caminho linear

que vai de um sujeito (Fonte) para outro indivduo (Receptor), cabendo a esse

decodificar e interpretar o contedo das palavras que foram a ele encaminhadas em uma

ao (Van Den Ban & Hawkins, 1996). Na proposta da comunicao dialgica, descrita

por Bakhtin (2003), a produo de sentidos entre os sujeitos durante a comunicao,

ocorre de forma horizontal e quase que simultnea. Para o autor no momento em que o

locutor expressa uma palavra, imediatamente o interlocutor comea a realizar um ato

que denominado de memria de futuro. O interlocutor neste instante busca em suas

vivncias e experincias sentidos historicamente constitudos relacionados a palavra

dita. Esse conjunto de sentidos fazem parte de um auditrio social, sendo composto por

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infindveis vozes, as quais o sujeito teve contato durante a suas vivncias. O auditrio

social apresenta tambm um encadeamento desses sujeitos como uma infinidade de

outros sujeitos e assim sucessivamente ao longo do tempo em suas interaes. Muitas

vezes durante o processo de produo de sentidos, denominado de significao, tanto o

locutor como o interlocutor no possuem controle de como ser esse processo, e em

qual momento ele ir ocorrer. Na comunicao dialgica se sobressai o encontro e

interao entre os sentidos, que os interlocutores disponibilizam um para o outro. Por

outro lado, a comunicao difusionista se apresenta como uma imposio de conceitos

do sujeito que a fonte para o indivduo receptor, caracterizando um contexto onde

comunicao monolgica.

Outro ponto que diferencia a comunicao dialgica da difusionista,

empregadas nos cursos de capacitaes nos territoriais rurais brasileiro, seria a

intensidade que cada um d para o contexto em que se encontram os sujeitos durante o

dilogo. No arcabouo terico difusionista o contexto socioeconmico e ambiental

pouco considerado na formulao dos cursos de capacitao, pois as informaes e

caminhos pedaggicos contidos nos cursos, onde so ofertados os pacotes tecnolgicos,

visam justamente a sua adoo desta tecnologia de forma completa pelo agricultor,

sendo esse um dos principais indicadores de desempenho de seu sucesso (Zuin, L.F.S.

& Zuin, P.B., 2013). A comunicao difusionista a qual visa a persuaso dos sujeitos a

adotarem uma nova tecnologia (Roggers, 1983) por si s monolgica, unidirecional e

hierrquica. Por outro lado, a comunicao dialgica considera intensamente o contexto

em que se encontra os interlocutores, parte essencial do entendimento do processo de

significao. A produo de sentidos na comunicao dialgica ocorre por meio das

interaes contidas dentro dos contextos, os quais os interlocutores se encontram

(Bakhtin, 2003).

A metodologia de comunicao deve ser adequada a cada contexto, por isso

determinante que o extensionista conhea e interaja com os agricultores. Mas como

fazer isso? Por meio de um diagnstico (Freire, 2006). Com o intuito de analisar os

contedos sabidos do pblico com o qual se est trabalhando, trs extensionistas

entrevistados relataram, que no incio de alguns cursos, realizada uma atividade de

diagnstico com os agricultores, em que se busca saber o quanto do assunto no qual ir

ser tratado no curso os sujeitos ali presentes dominam. Este mtodo foi ofertado pela

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organizao aos seus extensionistas em cursos. Essa metodologia um exerccio cujo

extensionista da organizao pergunta para os agricultores, atravs de um painel, o que

eles sabem do assunto que ir ser tratado. Conforme os sujeitos vo respondendo as

perguntas, escrito as palavras-chave contidas nas respostas, que depois so agrupadas

e colocadas em um painel, chamado nuvem de ideias. Quando se esgotam as

respostas, tirada uma fotografia do painel e caso seja necessrio se faz um novo

questionamento aos agricultores, reiniciando o processo. As informaes originrias

desta atividade de diagnstico so usadas tanto no decorrer do curso como tambm em

sugestes para outros encontros, que possam porventura serem ofertados pelo rgo.

Esse tipo de diagnstico visa apenas conhecer conceitos e significados mais amplos de

um determinado assunto. Todavia, no realizado um diagnstico visando conhecer os

sentidos sobre o assunto que possuem cada um dos sujeitos que compem quele grupo.

Como observa Libneo (1987) as identificaes dos sentidos e contedos a serem

trabalhados so importantes para o planejamento e conduo dos trabalhos do

extensionista-educador. Entretanto, o conhecimento profundo da realidade (contexto)

desses sujeitos o que permitir uma prtica de ensino-aprendizado significativa

(Freire, 2006). Pois somente pela internalizao e aproximao dos sentidos das

palavras proferidas pelos sujeitos nos cursos que se dar o entendimento do contedo

trabalhado nesses encontros (Zuin, L.F.S. & Zuin, P.B., 2013). Alm disso, a conduo

da prtica dialgica possibilita o estabelecimento de uma relao de confiana entre os

sujeitos, essencial ao processo de aprendizado (Clot, 2003).

Quanto ao contedo e formato das lminas, os extensionistas relataram que elas

geralmente apresentam pouco texto, muitas fotos e vdeos. Os agricultores relataram

que no ficam a vontade com lminas que apresentam o contedo do assunto em forma

de grficos. Os extensionistas observaram tambm que os agricultores gostam que os

capacitadores exponham pequenos filmes, acham o formato interessante e visualmente

melhor para o entendimento da situao proposta. O emprego de fotos tambm foi

destacado pelos entrevistados como um bom recurso didtico para os cursos, ou seja,

quando a situao pontual, o emprego deste material, se apresenta mais relevante,

como afirmou um dos extensionistas os agricultores so bem So Tom, ver para crer!

Nesses encontros busca-se mostrar uma nova tecnologia e mostrar como se aplica essa

tecnologia.

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Indo ao encontro da preferncia dos agricultores de ver a tecnologia sendo

ofertada na prtica nas rotinas produtivas, os extensionistas entrevistados acreditam que

o curso no formato de dia de campo mais impactante para os agricultores. Quando

comparados com palestras expositivas. Um dos extensionistas entrevistados aponta um

dos motivos dos cursos no formato de dias de campo serem bem quistos para os

agricultores eles podem ver na prtica como os aparelhos ou produtos, como

defensivos, funcionam e qual tecnologia podero ter em suas propriedades. O

entrevistado cita tambm que esses saberes tcnicos adquiridos na experincia desses

indivduos em suas rotinas produtivas se revelam em uma desconfiana do grupo,

quando comparada essa experincia historicamente constituda com relao inovao

tcnica, advinda da oferta de grande nmero de novos pacotes tecnolgicos pelas

empresas de insumos. Por este motivo a utilizao de mtodos demonstrativos e visuais,

so uma escolha interessante para este tipo de abordagem de curso, diminuindo a

desconfiana dos agricultores.

Para um dos extensionistas entrevistados, o formato do dia de campo facilita o

entendimento e a troca de informao nos dilogos informais entre todos os sujeitos que

participam dele. Para alguns dos extensionistas entrevistados, o formato desde tipo de

capacitao obedece frequentemente aos seguintes encaminhamentos metodolgicos:

frequentemente, escolhida uma propriedade rural pertencente ao

territrio rural da maioria dos sujeitos que compem o pblico do curso;

a tecnologia que vai ser trabalhada no curso, referente ao um novo

processo ou produto, deve j fazer parte das rotinas produtivas da

propriedade rural escolhida, pois se comprovou no local que foi interessante

adquiri-la por causa de seus benefcios, como aumento de produtividade,

diminuio do custos, entre outros aspetos;

quando h mais uma tecnologia a ser exposta aos pblico so montadas

estaes, onde cada inovao apresentada e demonstrada ao pblico;

em alguns dias de campo os agricultores so convidados a manusear as

tecnologias que so apresentadas nas estaes;

entre as estaes h tempo para que os agricultores dialoguem, neste

momento iniciam o processo de significao, gerando os seus sentidos sobre

a nova proposta produtiva ofertada;

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ao final das estaes e demais demonstraes realizado uma

confraternizao, por meio da oferta de um almoo ou jantar, sendo este

momento importante para que os sujeitos dialoguem criticamente os seus

sentidos que foram gerados durante o curso; e

geralmente nesse formato de curso no ocorre uma aula terica sobre o

assunto apenas se observa a parte prtica da tecnologia.

Porm, esse formato de curso realizado em menor nmero, quando

comparados com os cursos nos moldes de palestras. Um dos motivos seria a dificuldade

dos agricultores em abandonarem com frequncia as rotinas produtivas nas suas

propriedades durante todo um dia.

Um dos extensionistas entrevistados da organizao relatou uma forma

inovadora de dia de campo promovido por uma empresa de insumos agropecurios.

Inovadora no na metodologia empregada, mas no material didtico distribudo entre os

agricultores. Neste dia de campo, quando esses sujeitos chegavam no local da realizao

deste processo de ensino, eram recepcionados por um grupo de monitores e monitoras,

em que era dado para cada agricultor um aparelho do tipo tablete, com um fone de

ouvidos. No momento em que os agricultores chegavam nas estaes, o tablete era

ativado e imediatamente aparecia em sua tela um palestrante (geralmente um

pesquisador renomado da rea), relatando as vantagens de se utilizar a determinada

tecnologia apresentada naquela estao. O extensionista observou que neste formato de

dia de campo os agricultores quase no se falavam, indo rapidamente de uma estao a

outra. Esse sujeito ainda observou ao chegar no final do circuito das estaes, que o

agricultor encontrava um grupo de vendedores da empresa e somente depois do contato

com esse grupo, o agricultor era direcionado para o almoo de confraternizao.

Quando o extensionista foi questionado a respeito do que sentiu quando colocou os

fones de ouvido e iniciaram as apresentaes no aparelho, relatou: eu me senti muito

sozinho. Frequentemente, para que o processo de transferncia difusionista de

tecnologia, nos territrios rurais, ocorra da forma mais eficiente possvel para os

capacitadores, pressupe-se o emprego de modelos de ensino monolgicos. Como pode

ser observado no relato deste dia campo, a empresa sobrepe o seu pensamento ao dos

agricultores, abafando as demais vozes (do seu auditrio social e outros agricultores)

que poderiam dialogar. Este tipo de comunicao monolgica impede a propagao do

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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusfono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural

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conhecimento historicamente constitudo, entre os sujeitos pertencentes aos vrios

territrios rurais, dificultando que ocorra a troca de sentidos proposta pela abordagem

dialgica.

No entanto, atualmente o mtodo de ensino monolgico ainda o mais

frequentemente empregado em boa parte dos cursos de capacitao nos territrios rurais

brasileiros, pelas empresas de insumos, cujo extensionista na figura de um educador,

transmite aos demais uma ideia finalizada. Nessa abordagem os agricultores so tratados

como se fossem recipientes vazios, pois desconsidera-se suas vises de mundo e

vivncias, uma vez que se impe conhecimentos prontos a esses indivduos sem que os

mesmos possam refletir e apropriar-se do que lhes passado (Freire, 2006).

Para que se possa empregar a metodologia dialgica de ensino-aprendizagem,

voltadas ao desenvolvimento conjunto de conhecimento nos territrios rurais, ambos os

sujeitos durante um dilogo devem estar abertos percepo e entendimento da

realidade do outro, tanto quanto ao do mundo que os cerca. Esta metodologia de ensino-

aprendizado facilita a abordagem dos diferentes pontos de vista, pois ela leva em

considerao as diferenas culturais e nveis escolares, por mais distintas que suas

realidades historicamente constitudas se apresentem. Por outro lado, podem ocorrer em

algumas situaes interpretaes distorcidas do contedo dos cursos, quando este

dilogo comea a apresentar sentidos distantes e conceitos diferentes da enunciao dos

interlocutores (Bakhtin, 2003; Freire, 2006). Diante de tal fato, quanto maior for o

conhecimento da realidade contextualizada do educando, isto , de sua leitura de

mundo, maior ser a aproximao de sentidos e, portanto, a compreenso entre os

sujeitos.

Entretanto, estar aberto ao contedo dos cursos no significa que no haver

durante os processos de ensino-aprendizagem o embate de sentidos entre os

interlocutores. O ato correspondente ao embate de sentidos que ir determinar o

sucesso ou insucesso do processo de conscientizao entre os sujeitos sobre um

determinado tema (Bakhtin, 2010). Sem o embate de sentidos corre-se o srio risco que

os sujeitos sintam-se resignados, a aceitar de forma monolgica, um determinado

conceito presente em um sentido. A resignao uma atitude temporal nos sujeitos,

enquanto que a conscientizao apresenta uma postura que tende a ser atemporal nos

indivduos.

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Sistemas de Conhecimento e Inovao para o Desenvolvimento Agrcola e Rural P11

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Como relatado, um momento importante do curso que os extensionistas

entrevistados relataram so os intervalos para tomar um caf (ocorrendo na metade do

tempo das palestras), e tambm durante o almoo ou jantar de confraternizao no final

do curso. Eles observaram que nestes momentos acontece uma interao entre os

participantes e capacitador, e entre os prprios agricultores, ocasio em que ocorre a

significao de novos sentidos a respeito de suas rotinas de trabalho, bem como quais os

contedos dos cursos poderiam ser empregadas nos seus processos produtivos. Os

extensionistas entrevistados relataram que quando eles trazem palestrantes, como por

exemplo pesquisadores que os agricultores no conhecem, durante a exposio dos

contedos h uma retrao dos ouvintes. Tal como pode ser observado pelo relato de

um dos extensionistas entrevistados: os agricultores ficam envergonhados em falar

algo para pessoas de fora, que no conhecem, nos cursos. Sendo assim, este momento

prova a dificuldade dos agricultores em dividir suas vivncias de um modo mais

socivel atravs do dilogo, durante as palestras. Essa postura pouco a vontade dos

agricultores em dialogar diretamente com o palestrante, durante a realizao do curso, e

demais sujeitos presentes, tambm foi observada nas entrevistas que foram realizadas

junto aos agricultores. Conforme relato desse grupo, eles preferem tirar dvidas com os

palestrantes durante a hora do intervalo, ou durante a refeio, que geralmente servida

depois desses encontros, mais frequentemente em forma de churrascos.

Uma forma de contornar este problema, de inibio dos agricultores, usada

pelos extensionistas da organizao, foi o emprego de um novo formato de curso que foi

realizado no escritrio regional do rgo. O curso durou dois dias, em um total de 16

horas, onde foram convidados vrios extensionistas da organizao e pesquisadores de

diversos assuntos relacionados a novas tecnologias para o empreendimento rural. As

palestras eram de curta durao, 20 a 30 minutos, cujo palestrante expunha

sucintamente um contedo. Depois de terminadas a exposio do contedo, os

agricultores interessados eram encorajados a conversar com os palestrantes em outra

sala, ao lado de onde eram realizadas as palestras. Os extensionistas que promoveram

esse curso observaram que os agricultores acharam muito interessante este novo

formato. O produtores rurais relataram que o encontro ficou mais dinmico e menos

montono. Os dois extensionistas observaram ainda que os agricultores no gostam de

ficar muito tempo sentados e assistindo aos cursos sem que possam manifestar as suas

3640 | ESADR 2013

VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusfono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural

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opinies. Esse formato de curso apresenta-se mais dialgico, pois permite que os

agricultores entrem em contato direto, e de forma voluntria, com os palestrantes. Neste

momento importante o olhar dos extensionistas para as reaes de seu pblico. No

somente sabendo administrar o dilogo, mas tambm percebendo e analisando as

informaes que no so ditas necessariamente em palavras. Analisar a postura e a

linguagem gestual dos agricultores, assim como o prprio silncio importante nessa

relao pedaggica, pois esses sinais fazem com que o educador, na figura do

extensionista, v mediando o processo de aprendizagem e modificando a sua prtica

sempre que houver necessidade (Vygotsky, 2001; Bakhtin, 2010).

A respeito das palavras empregadas pelos palestrantes em seus cursos, os

agricultores entrevistados relataram que freqente que palestrantes venham de

universidades ou rgos de pesquisa governamentais e, por essa razo, muitas palavras

enunciadas, seja na linguagem oral ou escrita, no fazem sentido a eles. Para

exemplificar, um dos agricultores relatou que gostaria de ver o palestrante falar do

jeito caipira, um dialeto do territrio, para que eles possam entender os contedos

ofertados a eles nesses encontros. De acordo com Bakhtin (2010), um enunciado

composto por palavras (possuidoras de sentidos), contexto (determinado pelas

interaes entre sujeitos no mundo concreto) e uma tomada de valor (um

posicionamento responsivo perante o outro) frente a este contexto. Quando

confrontamos os dizeres do agricultor com os elementos bakhtinianos que compem os

enunciados, observamos que muitos dos palestrantes, no se preocupam de como o

pblico est gerando novos sentidos a partir da exposio dos seus contedos. Uma vez

que de forma premeditada ou no o palestrante emprega palavras em que os sentidos

no so conhecidos pelo pblico. Pois esses sentidos so tambm gerados pelo contexto

ao qual esto inseridos, provocando no pblico um juzo de valor sobre o contedo das

palestras. Para se ter um curso que apresente um processo de ensino-aprendizado

significativo para os agricultores, o palestrante deve buscar compreender e adaptar o

contedo do seu curso aos sentidos, contextos e juzos de valor de seu pblico, a fim de

que se possa fazer entender.

Por fim, alguns dos extensionistas entrevistados relataram dificuldades em

alguns momentos em suas prticas junto aos agricultores, devido ausncia de uma

formao pedaggica mais slida, necessria para atuar junto aos produtores rurais. Tal

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Sistemas de Conhecimento e Inovao para o Desenvolvimento Agrcola e Rural P11

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como salientou um dos extensionistas entrevistados, em que atua junto a organizao h

dezenove anos: quando cheguei no tinha experincia para lidar com os trabalhos

que envolvem a extenso rural. Eu no aprendi isso durante o meu curso de

graduao. Interessante salientar que a ampla maioria dos cursos de Graduaes,

Mestrados e Doutorados das universidade brasileiras, destinados formao de

profissionais das reas tcnicas, no abarcam com a nfase necessria os contedos e

disciplinas, que possam dar suporte s prticas de ensino e, consequentemente, ao

processo de aprendizagem nos territrios rurais.

CONCLUSES

As informaes coletadas a campo demonstram que o produtor rural ainda

mostra-se preocupado com outras questes, alm daquelas relacionadas as tcnicas e

rotinas produtivas do seu cultivo. A sua preocupao relativa ao gerenciamento do seu

empreendimento, como a insero de seus produtos no mercado e o desenvolvimento de

novas formas de negcios (turismo rural), visando garantir a sua sobrevivncia e de sua

famlia.

Outro ponto de destaque nas enunciaes dos agricultores o fato de que quase

todos neste conjunto de sujeitos, apresentaram historicamente algum insucesso com a

incorporao de novas tecnologias, que nem sempre deram certo em sua propriedade

rural. Visualiza-se nestes casos o uso frequente da comunicao monolgica, empregada

por alguns extensionistas rurais pertencentes as organizaes de vendas de insumos

agropecurios, o que reflete no atual comportamento dos agricultores. Muitos dos

agricultores so desconfiados e sabem que o caminho de garantir um maior sucesso na

aquisio de uma nova tecnologia de se informar em vrias fontes, a fim de diminuir

as incertezas neste processo de tomada de deciso. A ausncia de um processo dialgico

mais profundo e significativo entre os extensionistas e agricultores ocorre pela falta de

formao voltada a uma prtica horizontal de ensino-aprendizado. Uma vez que grande

parte dos extensionistas brasileiros receberam uma formao tcnica pautada no

difusionismo-tecnicista nos seus cursos de graduao.

Quanto s metodologias dos cursos ofertados pela organizao pesquisada aos

agricultores, foi observado uma variedade de formatos e mtodos empregados pelos

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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusfono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural

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seus extensionistas rurais. Alguns formatos como palestras expositivas apresentam um

vis mais monolgico e difusionista. Embora, quando essas palestras so mescladas

com encontros entre palestrante e produtores rurais, esses cursos apresentam uma

abordagem dialgica e horizontal, como no caso dos relatos das palestras de curta

durao (20 a 30 min) realizadas no escritrio regional da organizao. Entretanto, o

formato de curso preferido por alguns agricultores entrevistados seria aquele que

ocorrem atividades prticas, como no caso os dia de campo.

Nos relatos de alguns agricultores foi observado que o contedo e

encaminhamentos metodolgicos dos cursos mais significativos que haviam sido

realizados na organizao, estavam relacionados a alguns fatores socioeconmicos,

didticos e interacionais, os quais percebem j durante a sua participao, como:

a clara diminuio dos seus custos de produo e comercializao;

o tema do curso apresentou uma perspectiva de aumento significativo da

produtividade por meio da apresentao de uma nova tecnologia ou

trato produtivo;

o extensionista possui profundo conhecimento sobre o tema tratado no

curso;

o extensionista emprega as palavras e demais encaminhamentos didticos

que faam sentido para eles;

a ocorrncia durante o curso de intenso dilogo entre todos os sujeitos

presentes;

a escuta atenta do extensionista relativa produo de sentidos que

ocorre no momento do curso destinado a eles agricultores; e

o extensionista que ministra o curso possui uma relao de confiana

historicamente constituda com os agricultores.

Por fim, desenvolver processos de ensino-aprendizado dialgicos voltados para

as rotinas produtivas dos territrios rurais brasileiros uma atividade premente das

organizaes que prestam servios de extenso nos territrios rurais, visando um

empreendimento sustentvel e socialmente justo.

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Sistemas de Conhecimento e Inovao para o Desenvolvimento Agrcola e Rural P11

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AGRADECIMENTOS

A Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP-Brasil)

pelo apoio financeiro a esta pesquisa, processo FAPESP no 2011/12912-9. As opinies,

hipteses e concluses ou recomendaes expressas neste material so de

responsabilidade dos autores e no necessariamente refletem viso da FAPESP.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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Braslia, v. 2, 1-33. (no prelo)

3644 | ESADR 2013

Atas Proceedings | 36451

ESTUDO DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM

BOAS PRTICAS DE FABRICAO DE FUNCIONRIOS

PERTENCENTES A DOIS FRIGORFICOS BRASILEIROS

LUS FERNANDO SOARES ZUIN Prof. Dr. da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos - Universidade de So

Paulo - Brasil, [email protected]

HELOSA VALARINE BATTAGIN Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos - Universidade de So Paulo -

Brasil, [email protected]

POLIANA BRUNO ZUIN Profa. Dra. Faculdade de Faculdade de Tecnologia Cincias e Educao - Brasil,

[email protected]

RESUMO Nas ltimas dcadas, os consumidores brasileiros tem se tornado cada vez mais exigentes no que se refere a segurana fsico-qumica e microbiolgica dos alimentos, assim. Essa presso dos consumidores fez com que as empresas aprimorassem os seus produtos e processos. Nos frigorficos, uma forma de aprimorar seria o desenvolvimento de novos processos, os quais so voltados para um maior controle relativo as contaminaes que os alimentos podem sofrer durante as rotinas produtivas. Por isso, a importncia dos treinamentos para os funcionrios vem sendo uma forma eficaz de controlar a qualidade dos seus produtos. Nas etapas de desossa e fases de processamento de carcaas, estes treinamentos esto relacionados conscientizao dos funcionrios a respeito das atividades que compem os manuais de Boas Prticas de Fabricao (BPF). O objetivo da pesquisa aqui relatada foi descrever e analisar os processos de ensino-aprendizagem em BPF de funcionrios pertencentes a dois Frigorficos Brasileiros. Para tanto, o mtodo de coleta de dados foi o estudo de caso (Yin, 2001). Foram entrevistadas duas capacitadoras e cinco funcionrios pertencentes aos frigorficos onde se procurou diagnosticar por meios de seus relatos os mtodos de ensino-aprendizado empregados nos cursos de BPF. Os resultados observados nos relatos indicaram que o grau de compreenso dos funcionrios sobre a temtica abordada foi diretamente dependente da metodologia de ensino usada nos treinamentos. Os mtodos de ensino que envolvem a interao horizontal entre as pessoas foram indicados como os mais eficientes. Notou-se que em grupo conscientizao dos sujeitos quanto s normas de BPF foi mais rpida que individualmente. O uso de comparaes entre o ambiente de trabalho e as casas dos funcionrios, feito pelas capacitadoras, bem como entre os consumidores e suas famlias, gerou uma conscientizao que resultou em melhorias nas posturas dos empregados. Este projeto de pesquisa recebeu para o seu desenvolvimento uma bolsa de iniciao cientfica da Reitoria da Universidade de So Paulo. PALAVRAS-CHAVE: treinamento, frigorfico, Boas Prticas de Fabricao, dialogia.

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INTRODUO

Com o desenvolvimento de novas tecnologias e crescimento da preocupao

com o meio ambiente nas ltimas dcadas, o consumidor vem tornando cada vez mais

informado e exigente quanto quilo que espera da indstria alimentcia. No caso dos

produtos agropecurios, de acordo com Ludtke et al. (2010), as preocupaes se

definem sobre aspectos que englobam desde o bem-estar do animal que ser abatido e

at a definio dos processos empregados na industrializao e comercializao,

visando segurana do alimento.

As empresas, para manterem-se competitivas, necessitam se adequar quilo que

esperado pelo consumidor. Nesse sentido, os frigorficos vm buscando inovao

embasada no aperfeioamento de seus planos de autocontrole, referentes s boas

prticas de manejo e fabricao empregadas nos processos de produo. A busca por

melhorias contnuas exige alteraes nas rotinas de produo, e essas mudanas agem

principalmente sobre os funcionrios, tirando-os de sua zona de conforto alicerada na

prtica e exigindo-lhes um novo comportamento. A fim de reeduc-los, as empresas

oferecem cursos de capacitao, para se adaptarem a um novo ambiente de produo,

mas tambm para entenderem os motivos da mudana.

Nesses cursos de formao continuada comum que a equipe de garantia da

qualidade enfrente uma certa dificuldade: a resistncia mudana de como fazer as

atividades nas rotinas produtivas as quais so ofertadas aos funcionrios. Outro gargalo

a falta de embasamento terico por parte dos funcionrios. Neli (2006) explica este

ltimo problema pela exigncia mnima de escolaridade dos funcionrios pelos

frigorficos, o que ocorre em funo do trabalho no cho-de-fbrica ser repetitivo,

manual, pouco complexo e significativamente desgastante. Ca et al. (2009) afirmam

que este cenrio complexo e fisicamente desgastante observado em grande parte dos

frigorficos brasileiros.

Com base nessa problemtica, as equipes que planejam e ministram os cursos

procuram desenvolver mtodos de ensino-aprendizado eficientes, principalmente

alicerados em dilogos e imagens. Dessa forma, cabe ao capacitador-educador orientar

os funcionrios a se relacionar e participar de dilogos com outros sujeitos em buscar o

conhecimento. A comunicao, porm, no deve terminar com o entendimento, que

apenas um primeiro passo, e deve ser seguido pela atuao, ou seja, o dilogo como

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Sistemas de Conhecimento e Inovao para o Desenvolvimento Agrcola e Rural P11

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mtodo de ensino deve ser precursor de transformao (Braga et al., 2010). No caso dos

frigorficos, essa transformao remete melhora da qualidade dos processos, produtos

e servios prestados pelos funcionrios.

A pesquisa aqui apresentada tem como objetivo descrever e analisar os processos

de ensino-aprendizagem em Boas Prticas de Fabricao (BPF) de funcionrios

pertencentes a dois frigorficos do estado de So Paulo, tomando como referncias os

estudos de Paulo Freire, Bakhtin e Vygotsky. O artigo est estruturado da seguinte

forma: em primeiro lugar, apresentam-se as empresas estudadas; na sequncia, seus

mtodos de ensino; em seguida h uma discusso de como os cursos impactaram nas

rotinas dos funcionrios; e, finalmente, conclui-se sobre as implicaes tericas e

prticas dos mtodos usados, a fim de nortear o desenvolvimento de novos mtodos de

ensino.

AS EMPRESAS ESTUDADAS

Dois frigorficos do estado de So Paulo, no Brasil, se submeteram ao estudo de

caso (Yin, 2001) para essa pesquisa ar, onde o diagnstico dos seus mtodos de ensino-

aprendizado ocorreu in loco. As entrevistas das capacitadoras, pertencentes as duas

organizaes, observamos que foram aplicados cursos de capacitao para os

funcionrios durante os seis meses anteriores a entrevista. Em ambas as empresas, as

capacitaes foram ministradas por estagirias, pertencentes s equipes de garantia da

qualidade das duas organizaes. As duas estagirias eram acadmicas do curso de

Engenharia de Alimentos de uma faculdade do estado de So Paulo.

O primeiro frigorfico estudado, o A, atua na desossa de bovinos e cordeiros,

tambm produz alimentos embutidos e carne reestruturada e, em mdia, processa dez

toneladas de matria-prima por dia. habilitado pelo Servio de Inspeo Federal (SIF)

a comercializar produtos em todo o Brasil. O frigorfico B possui como nica atividade

a desossa de bovinos, e processa entre quinze e vinte toneladas de carne por dia. Alm

de ser habilitado pelo SIF, tambm comercializa os seus produtos em outros pases.

Visando relacionar o grau de compreenso dos operrios com os mtodos usados

em cada treinamento, os instrumentos metodolgicos da pesquisa foram entrevistas com

os empregados e observaes diretas nos frigorficos. A pesquisa caracterizada como

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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusfono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural

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qualitativa, descritiva e exploratria, e o mtodo de coleta de dados e informaes foi o

estudo de caso, com vis scio-histrico (Amorin, 2004).

Ao todo foram entrevistados cinco funcionrios pertencentes aos dois

frigorficos. Todos eram dos setores de produo, alfabetizados e pertencentes s classes

econmicas C e D. Cada um desses sujeitos foi entrevistado individualmente e os

relatos foram coletados aps o trmino do perodo de seis meses de estgio das

monitoras da garantia da qualidade nas empresas. Os funcionrios responderam a um

conjunto de questes abertas, relativas s estruturas dos cursos, seus impactos nas

rotinas de trabalho durante e aps o expediente e a didtica empregada pelas estagirias

enquanto educadoras.

MTODOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM USADOS NOS FRIGORFICOS

ESTUDADOS

Em ambos os frigorficos, as capacitaes admissionais, ministradas aos

funcionrios que ingressavam nas empresas, eram realizadas de forma individual e os

ingressantes as recebiam no primeiro dia de trabalho, antes do incio de suas atividades

nas linhas de produo. Com durao aproximada de uma hora, em termos dos

caminhos didticos, o contedo do curso era disponibilizado de duas formas para os

funcionrios. A primeira, por meio de uma apresentao digital, sendo disponibilizada

nos computadores das empresas, contendo um conjunto de slides que eram lidos pela

estagiria responsvel. O segundo caminho, era atravs de uma verso impressa, com

textos mais aprofundados sobre os tpicos abordados, disponibilizados para que os

funcionrios o levassem para suas casas aps o curso.

O segundo tipo de encontro para capacitao, a reciclagem, era realizado nos

refeitrios das empresas e consistia numa apresentao de slides projetada nas paredes

da sala, onde se buscava que o pblico dialogasse sobre o assunto tratado (incluindo a

capacitadora). No Frigorfico A, os 60 funcionrios eram divididos em duas turmas de

30 pessoas, compartilhando um espao do refeitrio. Na empresa B, todos os 55 sujeitos

eram capacitados juntos. Nestes cursos, com durao aproximada de trs horas, alm

dos temas abordados nos encontros admissionais, incluam-se tambm outros assuntos

mais complexos relacionados as rotinas produtivas.

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Sistemas de Conhecimento e Inovao para o Desenvolvimento Agrcola e Rural P11

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O contedo dos slides nos treinamentos de reciclagem era apresentado por meio

de muitas figuras, alguns vdeos e quase nenhum texto, apenas o suficiente para fazer

referncias s imagens. No usaram grficos e tabelas em nenhum treinamento para

evitar que os ouvintes com menor grau de escolaridade tivessem dificuldades em

acompanhar o curso. Distriburam-se ainda verses impressas do treinamento, que os

funcionrios puderam levar para casa a fim de consultar quando quisessem.

Os dilogos durante os cursos sempre foram levados em considerao pelas

capacitadoras. Elas tentaram ao mximo mant-los com os alunos durante os encontros,

com os objetivos principais de tirarem as dvidas dos funcionrios e haver

compartilhamento de experincias entre os colegas.

Descritas as duas formas de treinamento empregadas, em seguida sero relatados

os impactos gerados por esses encontros, resultados estes, obtidos pelas entrevistas com

os funcionrios.

IMPACTOS DOS CURSOS NAS ROTINAS DOS FUNCIONRIOS

O primeiro assunto abordado com todos os entrevistados foi a importncia das

capacitaes nas BPF. Inicialmente, houve um senso comum de que se todos os

funcionrios tivessem uma boa instruo anterior aos cursos, saberiam as corretas

atividades enquanto manipuladores das carcaas nos frigorficos, onde as capacitaes

seriam mais bem aproveitadas. O problema que nem todos os funcionrios possuam

esse conhecimento prvio e alguns dos entrevistados destacaram em seus relatos que

alguns colegas, de menor nvel de escolaridade, no davam a devida importncia nem

mesmo aos tpicos iniciais abordados nos treinamentos, que so os menos profundos,

como lavagem de mos com frequncia e corretamente, bem como o uso de

equipamentos de proteo individual.

Neste momento ento que surge a primeira discusso: como tratar de um

mesmo assunto dialogando com pessoas que possuem diferentes graus de instruo,

vivncias e experincias? Para Vygotsky (1988a) e Bakhtin (2003), a conscincia

depende da linguagem para formar e manifestar. por isso que o capacitador busca

exercer o papel de mediador, incentivando o dilogo para despertar interesse em todos

os participantes. Para isso, pode-se levar em considerao que o dilogo uma forma de

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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusfono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural

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compartilhamento de universos histrico-culturais (Vygotsky, 1988b). Isso foi

observado claramente nas falas dos trabalhadores ao enunciarem diferentes opinies

sobre os temas abordados conforme suas experincias de vida. No contexto dos

frigorficos, enquanto para alguns os assuntos tratados nos cursos era novidade, outros

descreveram que pr em prtica os conceitos tericos abordados, dependia apenas do

bom senso do funcionrio. Bakhtin (1992) explica que somente compreendemos e

reagimos s palavras que nos despertam ressonncias que se apresentam vida, ou seja,

dos objetos humanizados reconhecidos pelos sujeitos no mundo concreto. Morin (2010)

fortalece essa argumentao bakhtiniana, afirmando que um saber s se torna

significativo ao sujeito se esse capaz de situ-lo em um contexto. Percebendo isso, o

capacitador nos frigorficos, na funo de mediador, pode conduzir o dilogo,

incentivando o aluno a relacionar fatos de sua vida cotidiana aos assuntos trabalhados

no curso, como foi feito nas duas empresas.

Esta conscincia que relaciona as atitudes tomadas no ambiente de trabalho e

aquelas tomadas em casa, bem como o que aprendido no trabalho pode ser estendido

ao ambiente externo do frigorfico, foi percebida em todas as entrevistas. Uma das

respostas pertencente a primeira entrevistada do Frigorfico B foi que, para ela, BPF

uma ferramenta to importante, que pode e deve ser empregada em qualquer

estabelecimento onde h manipulao de alimentos. Disse Quando eu trabalhava

numa padaria, at a mocinha que fatiava presunto e queijo sabia da importncia das

BPF, e acrescentou que depois de ter mais contato com a temtica, seu domnio do

assunto cresceu significativamente e suas opinies amadureceram sobre o assunto. Para

Bakhtin (1992), quando os sujeitos expressam suas ideias sobre um dado tema, elas se

reformulam e restabelecem no interior do seu auditrio social, gerando novos sentidos

sobre o tema tratado nas enunciaes.

Da mesma maneira, outros avanos foram notados nos processos de ensino-

aprendizado estudados. Um dos entrevistados relatou que ele e alguns colegas no

possuam nenhum conhecimento prvio sobre o tpico e no se importavam, mas

convivendo e dialogando com outros sujeitos dentro do frigorfico, mudaram seu

pensamento e os de outros funcionrios, para os caras da manuteno o que

importava era as mquinas funcionarem, agora eles consertam e deixam tudo limpinho

para a gente poder usar.

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Sistemas de Conhecimento e Inovao para o Desenvolvimento Agrcola e Rural P11

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Porm, no com a frequncia desejada que os sujeitos mudam o seu ponto de

vista e passam a adotar novas regras e rotinas de trabalho. comum haver uma

resistncia mudana. Uma funcionria do Frigorfico A explica que o trabalho

estressante: O ambiente frio e barulhento, voc tem que trabalhar em p e o trabalho

desgastante. Entende-se, assim, que mudanas exigidas do trabalhador depois que ele

aprende e utiliza uma certa rotina em seu trabalho so mais difceis de serem alteradas

depois. Essa resistncia as mudanas nas rotinas produtivas tambm foi observada por

Miller & Cangemi (1993) e Liu (1998), de forma prejudicial, na implantao da

Gerncia da Qualidade Total. Hernandez & Caldas (2001) mencionam:

Os modelos prevalecentes de resistncia mudana tendem a considerar que os indivduos resistem de forma homognea. Essa hiptese desconsidera o fato de que, na maior parte das vezes, os indivduos percebem os objetos e os acontecimentos de forma pessoal e distinta e, assim, seria de se esperar que as suas reaes individuais seguissem o mesmo padro. (Hernandez & Caldas, 2001, p. 36).

Isso explica por que alguns funcionrios so menos resistentes mudana que

outros: cada indivduo tem percepes diferentes das mudanas que surgem em suas

rotinas enquanto trabalhadores, dependentes de sua personalidade e fatores

sociolgicos. Em outras palavras, h dois conjuntos de variveis (individuais e

situacionais) que geram a percepo (Hernandez & Caldas, 2001).

Autores da administrao com abordagem positivista-tecnicista como Kotter e

Schlesinger (1979) apresentam seis estratgias genricas para se superar essa resistncia

mudana: a) educao e comunicao; b) participao e envolvimento; c) facilitao e

suporte; d) negociao e acordo; e) manipulao e cooperao; f) coero explcita e/ou

implcita. Para os autores, alcanar a superao da resistncia de maneira pacfica dos

funcionrios faz-se o uso capacitao por meio da comunicao, e o incentivo ao

envolvimento foram as estratgias propostas pelas equipes da garantia da qualidade.

Essa postura produtiva foi observada nas duas empresas estudadas. Um diagnstico

inicial indicou, no entanto, a falta de um conjunto de conhecimentos tcnicos e

cientficos dos funcionrios que facilitariam os processos de ensino-aprendizado, pois

alguns deles no frequentaram escolas de ensino fundamental e mdio que

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proporcionariam esse conhecimento. Essa dificuldade na capacitao, que largamente

notada, um dos principais motivos deste estudo.

Uma vez que parte dos funcionrios possui um grau de escolaridade baixa, o

melhor caminho para fomentar novos sentidos entre os sujeitos seria o uso de recursos

miditicos que no envolvem leitura e escrita, como vdeos, imagens e o dilogos entre

todos os presentes nos cursos. Todos os funcionrios entrevistados concordaram que as

melhores formas de apresentao do contedo abordado nos treinamentos foram as j

citadas, os sujeitos mostraram-se interessados em receber outros treinamentos (com

outros temas) usando os mesmos mtodos. De fato, Winkel (2012, p. 81) acredita que a

tecnologia s ser plenamente aproveitada em todas as suas potencialidades se estiver

inserida na realidade de cada organizao ou comunidade, afinada com sua histria,

suas necessidades e expectativas.

Para conectar as experincias vividas pelos funcionrios durante o trabalho com

o contexto da capacitao (e as implicaes em mudana que ele traz), nos dois

frigorficos usaram-se fotos tiradas nas prprias linhas de produo para apresentao

do contedo trabalhado. Para Motta & Fontanari (2002, p. 35), a fotografia um corte

especfico no tempo e no espao, enxergando a imagem como um signo (sentido) que

representa o sujeito. A fim de potencializar o entendimento dos funcionrios sobre as

atividades corretas e incorretas no ambiente de trabalho, as fotos tiradas revelaram

imagens de atitudes inadequadas observadas nas rotinas produtivas. Os capacitadores

tomaram o cuidado para no expor a identidade do indivduo que cometia o erro. Sobre

essa tcnica de ensino, todos os sujeitos entrevistados indicaram que muito

interessante o modo como se ensina a postura correta, apresentando fotos de erros

cometidos por seus pares: Mostrar fotos com nossos erros muito legal. Quando a

gente v de novo na produo, j sabe que est errado e arruma!.

Uma entrevistada afirmou que se lembra das expresses daqueles que nunca

haviam participado de treinamentos coletivos: A pessoa que erra faz careta e fica com

vergonha quando v que tem um hbito errado. Apesar do funcionrio responsvel

pelo erro nunca aparecer nas imagens, isso pode ser intimidador no momento do

treinamento, quando est prximo dos colegas.

Outros dois funcionrios da empresa B indicaram que slides carregados de textos

no prenderiam a ateno dos ouvintes e que os analfabetos no conseguiriam

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acompanhar os encaminhamentos do curso. Nas palavras de um deles: Se tivesse coisa

escrita no slide, eu ia ter sono. Sem contar que tem gente que no sabe ler. O outro

relatou: Vendo as fotos eu continuo lembrando muito tempo depois, o que comprova a

eficincia da tcnica usada. Uma terceira funcionria complementa a argumentao

afirmando que O melhor do treinamento que tem muita figura, isso no deixa

cansativo, e as figuras de coisas erradas ficam na cabea. O funcionrio entrevistado

por ltimo foi questionado quanto sua opinio sobre a presena de tabelas e grficos, e

a resposta foi: No tinha tabela, no, ainda bem! Mas o que um grfico?.

Considerando que esta era uma das pessoas que possua oito anos de estudo, no saber o

que um grfico no era esperado, e indica a inadequao do emprego de grficos e

tabelas em mtodos de ensino para funcionrios de baixa escolaridade. Assim, dentre os

possveis recursos envolvendo imagens, a fotografia se apresenta como um melhor

instrumento, que gera entendimento mais aprofundado. Isto se explica pelo texto de

Andrelo & Oliveira (2012), onde relatam que em alguns casos a fotografia pode ser

considerada um extenso da prpria vida do sujeito que a observa.

Todos os entrevistados concordaram que o dilogo foi outra ferramenta muito

adequada e bem empregada, pois direcionamentos e sentidos distintos levam a

diferentes entendimentos e pontos de vista, gerando dilogos e assuntos que no seriam

abordados nas capacitaes individuais. Para um funcionrio do Frigorfico B, cada

indivduo capaz de aprender com o erro do colega, ento o treinamento coletivo mais

eficiente que o individual. Alm disso, outra funcionria afirma que Vendo todo mundo

perguntar fica mais fcil falar tambm, a gente perde a vergonha. Assim, se permite

que todos os funcionrios possam ter a mesma oportunidade de se expressar e

desenvolver seu raciocnio sobre o tema estudado. Andrelo & Oliveira (2012) em seus

estudos relatam que essas atividades incentivam os sujeitos a serem mais participativos

e crticos: A mdia-educao, ou Media Literacy, como chamada na viso inglesa, conceituada como as atividades capazes de desenvolver nos cidados habilidades especficas para acessar, analisar, produzir informao, ter capacidade de argumentar e saber como influenciar leitores ativos das mdias, a fim de torn-los cidados mais participativos, crticos e conscientes (Andrelo & Oliveira, 2012, p. 102).

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Depois de vrios anos trabalhando na mesma empresa, dois funcionrios do

Frigorfico B passaram por diversos treinamentos, e assentiram nas entrevistas que os

mais produtivos foram aqueles que tiveram mais participantes. Isso ocorre devido

capacidade do dilogo de envolver o funcionrio no desenvolvimento do raciocnio

sobre o tema abordado. H ainda, para o capacitador, a certeza de que o funcionrio o

est acompanhando na produo de sentidos, uma vez que participa enunciando seu

ponto de vista para todos. Para Bakhtin (1992), o dilogo no somente a um processo

que alternar as vozes dos falantes, mas preponderantemente o encontro e a

incorporao de inmeras vozes. Para o autor a enunciao seria o resultado da

interao de dois sujeitos socialmente organizados, assim, admite-se que a construo

do indivduo como pessoa, ou neste caso, o trabalhador de um frigorfico, se d a partir

de sua convivncia e interao com outros sujeitos, pertencentes ou no a organizao

que trabalham. Vygotsky (1988a) tambm participa da mesma discusso, tratando a

linguagem como intermdio de relaes sociais que levam construo do indivduo,

sendo a oralidade vista como mediadora das relaes entre o homem e o mundo:

A funo primordial da fala a comunicao, o intercmbio social. Quando o estudo da linguagem se baseava na anlise em elementos, tambm esta funo foi dissociada da funo intelectual da fala. Ambas foram tratadas como funes separadas, at mesmo paralelas, sem se considerar a inter-relao de sua estrutura e desenvolvimento (Vygotsky, 1998a, p. 6).

Bakhtin (1992) acrescenta que a palavra quando est dentro ou fora dos sujeitos,

nas interaes, sempre ser possuidora de um sentido vivencial. possvel dizer, ento,

que a linguagem possui funo organizadora do pensamento e est em constante

evoluo, assim como os sujeitos que interagem e se transformam conforme suas

interaes com outras pessoas. Para o autor a palavra e seus sentidos que iro mediar

as interaes do sujeito com o mundo concreto. Assim, a evoluo da linguagem e das

pessoas se d paralelamente, com o emprego da comunicao cotidiana na construo

do indivduo.

No caso dos treinamentos incluindo mais de trinta pessoas, como nos casos dos

frigorficos, nem todas participam ativamente dos dilogos, mas Bakhtin (1992, p. 17)

acredita que a enunciao, ela no existe fora de um contexto social, j que cada

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locutor tem um horizonte social. H sempre um interlocutor, ao menos potencial.

Afirma ainda que a compreenso nem sempre fruto da comunicao em voz alta,

podendo se tratar de um discurso interior, com a oposio da palavra do locutor por

meio de uma contrapalavra, que nem sempre exteriorizada tambm na forma de

palavra. No ambiente dos frigorficos, isso se revela quando, no momento dos

treinamentos os alunos no se manifestam em voz alta, mas aprimoram seus atos

durante o trabalho com base nos assuntos discutidos anteriormente, mostrando a

compreenso do dilogo na forma de ato. Bakhtin (1993) observa que o sensvel (o

mundo dado) e o inteligvel (a apreenso do mundo) esto necessariamente integrados.

Isso significa que a ao de maneira concreta resultado da organizao dos

pensamentos acerca do contedo dos atos.

Outro fator-chave para utilizar do dilogo como ferramenta para a educao a

forma como o capacitador, em sua funo de mediador, aborda o contedo do curso.

No somente para promover o entendimento, mas at mesmo convencer o sujeito que

est sendo capacitado de que o assunto merece ateno, a abordagem deve ser baseada

no respeito e horizontalidade dos dilogos, segundo os entrevistados. Em outras

palavras, os alunos tm a expectativa de que no se imponham informaes, mas que

sejam apresentadas de forma clara, permitindo o entendimento e renovao do

conhecimento. Freire (1967) considera essencial o uso do dilogo dessa maneira,

coordenando e horizontal, e jamais imposto e vertical em suas relaes.

Quanto a esta abordagem, que envolve a interao da equipe treinada e os

momentos corretos de cada pessoa falar, uma funcionria da empresa B relatou que o

dilogo com a estagiria seguiu sempre horizontalmente, sem que a educadora

impusesse informaes ou regras. Nas palavras dela: A moa me deixou vontade para

perguntar. No fiquei com vergonha, porque sei que melhor perguntar uma coisa

boba pra ela do que fazer alguma coisa que estrague tudo depois. Complementando, a

funcionria concordou com as afirmaes de todos os entrevistados, de que a estagiria

possua um postura horizontal e aberta ao dilogo durante todo o treinamento e tambm

durante as rotinas dos trabalhos nas linhas de produo.

Os funcionrios em seus relatos observaram que entendem que o trabalho das

estagirias monitor-los para realizar as atividades de forma correta, e isso pode

ofender alguns sujeitos, conforme a maneira como eles eram abordados ao serem

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flagrados cometendo uma atividade fora do padro. A opinio de uma funcionria do

Frigorfico. Um dos funcionrios entrevistado relatou sobre a capacitadora que Ela

atenciosa e quando vai chamar ateno do povo, ningum se sente diminudo.

Nota-se, portanto, uma necessidade de mtodos diferentes dos convencionais

que se empregam atualmente no ensino de jovens de ensino fundamental e mdio e

incluem pouco dilogo. Cury (2010, p. 44) explica que o saber adquirido nas escolas

muitas vezes questionado em relao sua aplicabilidade, e somente passa a ter

sentido quando compreendido no contexto geral. Isso significa que necessria uma

troca de informaes, vivncias e experincias, em que no somente o capacitador

ensina, mas tambm o aluno (funcionrios dos frigorficos), ao apresentar relatos de

experincias por ele vividas e ideias por ele constitudas, tambm contribui fortemente

com o processo de ensino aprendizado. Bubnova et al. (2011, p. 271) ilustra essa

necessidade de interao, argumentando que a onipresena da voz equiparvel

ubiquidade do outro em nossa existncia. Este intercmbio de informaes proposto

fortalece as relaes entre os interlocutores, e novas ideias podem ser tecidas em

conjunto. Dessa forma, passa a existir um acordo entre os indivduos, e no apenas

alunos que aceitam informaes e mudam seus atos apenas por ser necessrio. Pessoas

que tm ideais e objetivos em comum trabalham melhor juntas, e a convivncia entre as

estagirias e os funcionrios realmente melhorou muito aps os treinamentos, segundo

os entrevistados. Na viso Bakhtiniana (Bakhtin, 1992):

A verdadeira substncia da lngua no constituda por um sistema abstrato de formas lingsticas, nem pela enunciao monolgica isolada, nem pelo ato psicofisiolgico de sua produo, mas pelo fenmeno social da interao verbal, realizada atravs da enunciao ou das enunciaes (Bakhtin, 1992, p. 123).

Ao contornar as boas relaes no ambiente de trabalho, possvel estender o

contato entre os colegas de trabalho ao ambiente externo da empresa, e at mesmo o

emprego dos contedos dos treinamentos, uma vez que os caminhos utilizados no

processo de ensino aprendizado permitem que o educando visualize a aplicabilidade do

contedo dos cursos num contexto multidimensional. Freire (1967) e Morin (2010), da

mesma forma, acreditam na eficincia de um mtodo de ensino dialgico que

proporcione a compreenso e o aprimoramento das capacidades intelectuais.

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Ao serem questionados sobre a aplicao de conceitos adquiridos na empresa

fora dela, as opinies dos entrevistados variaram. De maneira geral, em aspectos como a

higiene pessoal e manipulao de alimentos, os funcionrios passaram a tomar mais

cuidados mesmo fora do ambiente de trabalho, e tambm cobram a mesma postura de

seus familiares. Uma das funcionrias do Frigorfico A afirmou que depois da

capacitao d muito mais ateno higienizao dos alimentos que manipula em sua

casa. Outra entrevistada, porm, disse que nada mudou, porque j cuidava muito bem de

sua higiene pessoal e da sua casa. Um terceiro, que divide a casa em que mora com

colegas de trabalho do Frigorfico A, afirmou que em sua casa as pessoas passaram a

tomar mais cuidado com o lixo e a higiene da cozinha. Nesta residncia, quando algum

cozinha, usam-se facas diferentes para alimentos distintos, evitando contaminao

cruzada, como pode acontecer nas suas rotinas produtivas no frigorfico.

Alm das mudanas dos funcionrios nos hbitos de higiene pessoal e de suas

casas, uma das entrevistadas do Frigorfico A apontou a menor incidncia de insetos

(baratas e moscas) em sua casa aps comear a aplicar melhor manejo do lixo,

conhecimento este adquirido num dos treinamentos. Dessa forma, percebe-se que o

funcionrio que realmente incorpora o conhecimento trabalhado nos cursos o emprega

em sua vida dentro e fora da empresa.

Comentando ainda sobre as relaes dos funcionrios com seus familiares e

colegas, os entrevistados dos dois frigorficos mencionaram que alguns operrios se

sentem incomodados ao descumprirem as regras e serem corrigidos por seus colegas.

Todos os entrevistados assentem que, de maneira geral, preferem ser abordados pela

monitora da garantia de qualidade do que por outros colegas ou chefes. Isso ocorre

devido s formas de corrigir os erros cometidos. Para os entrevistados, as estagirias so

mais humildes nesta posio do que pessoas com cargos superiores. Freire (1979, p. 15)

mostra a importncia de lidar humildemente com a educao dos funcionrios quando

afirma [...] no podemos nos colocar na posio do ser superior que ensina um grupo

de ignorantes, mas sim na posio humilde daquele que comunica um saber relativo a

outros que possuem outro saber relativo.

Quanto s conversas sobre os assuntos do frigorfico fora do ambiente de

trabalho, uma funcionria afirmou que alguns assuntos so levados at as redes sociais,

principalmente quando ocorrem fatos que fogem rotina da linha de produo, como

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quando h visitas tcnicas e superviso do estabelecimento. Da mesma forma, no

Frigorfico B, uma funcionria entrevistada afirmou que as mulheres comentam

eventualmente, no vestirio, sobre boas prticas que no deveriam ser esquecidas. Um

rapaz lembrou que at durante as partidas de futebol que os funcionrios jogavam aos

finais de semana, muitos deles deixaram de usar pulseiras e colares, pois notaram,

depois do treinamento, como poderiam se ferir por causas to pequenas. Para os

entrevistados desse frigorfico, as imagens e vdeos apresentados convenceram-lhes de

que o que era ali apresentado realmente tinha importncia e que seguir as regras no

faria bem somente empresa, mas tambm aos trabalhadores. Morin (2010, p. 7) relata,

porm, que o conhecimento completo impossvel: um dos axiomas da complexidade

a impossibilidade de uma oniscincia, assim, necessria a incessante busca pelo

conhecimento e que os treinamentos sejam peridicos, como o proposto pelas empresas,

de haver treinamentos peridicos semestralmente.

CONCLUSO

Os treinamentos envolvendo um maior nmero de pessoas foram mais eficientes

que os individuais com relao conscientizao do pblico quanto s normas de BPF a

serem seguidas e sua importncia. Em grupo, o contedo do curso foi internalizado mais

significativamente, houve mais embates e discusses sobre os temas abordados e os

assuntos foram mais aprofundados. O uso de comparaes entre o ambiente de trabalho

e a casa dos funcionrios, bem como entre os consumidores e suas famlias, gerou uma

maior conscientizao dos funcionrios para com as BPF.

A dialogicidade e a nfase da oralidade nos cursos permitiu a participao de

todos os funcionrios em um mesmo nvel durante o curso, mesmo os que no sabiam

ler e escrever. Certamente esses sujeitos no compreenderiam o contedo da mesma

forma se houvesse o emprego de textos. Estes sujeitos, por sua vez, consideraram menos

cansativas as apresentaes com imagens e vdeos, quando comparadas quelas

carregadas de textos. Outros pontos importantes dos treinamentos foram ausncia de

grficos e tabelas (que os funcionrios admitem no estarem aptos a interpretar), e a

horizontalidade das interaes e dos dilogos. Este ltimo fator importante tambm

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para a diminuio do estresse dos funcionrios durante o trabalho, pois as suas rotinas

produtivas so significativamente desgastantes fisicamente.

Em ambos os frigorficos houve indicaes de que as boas relaes interpessoais

so imprescindveis para nos processos de ensino-aprendizado em BPF. Largamente

observada em todas as entrevistas, foi a importncia que os funcionrios atribuem o

respeito do educador pelo educando. Um fator determinante para que o educando crie

interesse pelos assuntos abordados que o educador saiba orientar sem haver

imposies, e depois, ao cobrar de forma correta o