Sit Socio Hist Mus s XVIII

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7/23/2019 Sit Socio Hist Mus s XVIII http://slidepdf.com/reader/full/sit-socio-hist-mus-s-xviii 1/11 19 SITUAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DA MÚSICA NO SÉCULO XVIII O impulso tomado pela evolução social e cultural na Europa no século XVIII fez-se sentir mais cedo nas regiões ocidentais do continente e no meio urano! onde a moilidade social e as atividades culturais se desenvolveram mais amplamente" #s cidades de comércio e os grandes portos mar$timos! por um lado! os centros administrativos e as cidades universit%rias! por outro! desempen&aram nesse processo papéis de maior ou menor import'ncia! conforme o caso" # arte mon%r(uica! &erdada do século XVII! permaneceu) a m*sica de corte rodeava e glorificava os soeranos" #s festas e as cerim+nias tamém cumpriam função de relevo na vida da sociedade! soretudo nos c$rculos em (ue se moviam os pr$ncipes e a noreza! tendo sempre a acompan&%-la a m*sica apropriada ,s ocasiões mais diversas! como noivados! casamentos! funerais e recepções solenes" Emora alguns dos maiores compositores! como aendel! na Inglaterra! e! durante certo tempo! .ac&! na #leman&a! ten&am conferido prest$gio , m*sica de corte! sua decad/ncia começou a manifestar-se no correr do século" 0om o fim do arroco! por volta dos anos 123! a arte mon%r(uica entrou em decl$nio" 4as uma arte aristocr%tica continuou a e5istir no dom$nio musical! e uma oa parte da produção de m*sica ainda foi criada nesse c$rculo social 6 na It%lia! por e5emplo! e soretudo na #leman&a 6 até (ue! finalmente! o advento da m*sica nos meios urgueses irrompeu com uma import'ncia (ue até então 7amais l&e fora recon&ecida" 8o século XVIII! paralelamente , vida musical da corte e dos salões aristocr%ticos! desenvolveu-se aos poucos uma vida musical nova! a da urguesia" ozando

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SITUAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA

DA MÚSICA NO SÉCULO XVIII

O impulso tomado pela evolução social e cultural na Europa no século XVIII fez-se sentir mais

cedo nas regiões ocidentais do continente e no meio urano! onde a moilidade social e as

atividades culturais se desenvolveram mais amplamente" #s cidades de comércio e os grandes

portos mar$timos! por um lado! os centros administrativos e as cidades universit%rias! por outro!

desempen&aram nesse processo papéis de maior ou menor import'ncia! conforme o caso" # arte

mon%r(uica! &erdada do século XVII! permaneceu) a m*sica de corte rodeava e glorificava os

soeranos" #s festas e as cerim+nias tamém cumpriam função de relevo na vida da sociedade!

soretudo nos c$rculos em (ue se moviam os pr$ncipes e a noreza! tendo sempre a acompan&%-la

a m*sica apropriada ,s ocasiões mais diversas! como noivados! casamentos! funerais e recepções

solenes" Emora alguns dos maiores compositores! como aendel! na Inglaterra! e! durante certo

tempo! .ac&! na #leman&a! ten&am conferido prest$gio , m*sica de corte! sua decad/ncia começou

a manifestar-se no correr do século" 0om o fim do arroco! por volta dos anos 123! a arte

mon%r(uica entrou em decl$nio" 4as uma arte aristocr%tica continuou a e5istir no dom$nio musical!

e uma oa parte da produção de m*sica ainda foi criada nesse c$rculo social 6 na It%lia! por

e5emplo! e soretudo na #leman&a 6 até (ue! finalmente! o advento da m*sica nos meios

urgueses irrompeu com uma import'ncia (ue até então 7amais l&e fora recon&ecida"

8o século XVIII! paralelamente , vida musical da corte e dos salões aristocr%ticos!

desenvolveu-se aos poucos uma vida musical nova! a da urguesia" ozando

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de  co n s id e r áv e l  prosperidade  e c o n ô m i c a ,  a burguesia em parte retomou elemen

tos da

  vida

 musical da corte e dos

  sa lões

 da aristocracia, e em parte

  c r i o u ,

  já em

meados do s é c u l o , os elementos de uma cultura musical a u t ô n o m a , sobretudo nas

grandes

 cidades  e u r o p é i a s , como Londres, Paris, Leipzig,

 Hamburgo, Viena,  ene-

za e  N á p o l e s .  Há nisso uma  t r a n s f o r m a ç ã o  profunda e importante para a  vida

musical

 do futuro, e, em particular, para a do concerto  p ú b l i c o . Passara-se da exe

c u ç ã o em c í r cu lo s privados à e x e c u ç ã o em p ú b l i c o , e da opera seria à ó p e r a c ô m i c a

na Alemanha, t a m b é m  ao

  Singspiel

 e ao novo  Lied :  em suma, da  d o m i n a ç ã o  de

uma cultura musical de corte à de uma cultura musical mais complexa, mais

 aber

ta e mais adaptada à classe  m é d i a .

Se a

 classe

 burguesa

 ascendente,

 mais ou menos consciente da vantagem  cu l t u -

ra l que sobre ela guardava a classe r ival , terminou imitando-a em certos  d o m í n i o s ,

o fez segundo a mentalidade e o estilo de

  vida

 que lhe eram  p r ó p r i o s , de modo a

afirmar

  a  p r ó p r i a  personalidade e o  p r ó p r i o p r e s t í g i o .

 Nesse

 contexto, a  m ú s i c a

assumia, por vezes, a  f u n ção  de signo ou de  s í m b o l o de um estatuto social. Mas se,

em

  sua conquista da

  m ú s i c a ,

 os

 burgueses

 não escapavam de

  imitar

 a aristocracia

e mesmo a corte real, esta  ú lt im a t a m b é m  era imitada pelos aristocratas. Já no

reinado de Luís X I V , os divertissements por exemplo, tinham a  f u n ção de comemo

rar algum evento importante e podiam ser oferecidos pelo rei em homenagem a

uma personalidade, ou em recompensa por seus m é r i t o s . O fato de serem criadas

pelos mais

 destacados

 compositores, como

 Philidor

 e Delalande e, no s écu lo  X V I I ,

p o r  Lul ly  e Boesset),

  assegurava

 o  p r es t í g io  dessas  p e ç a s . A aristocracia,  p o r é m ,

logo

 apropriou-se do  g ê n e r o , que deixou de ser uma exclusividade da corte. Com

p o s i çõ es  feitas para um dia, para um sarau noturno, não estavam  destinadas  a

sobreviver  à q u e l e s a quem adulavam. Entretanto, cumpriam muito bem sua  f u n -

ç ã o social do momento. Os  divertissements constituem um exemplo de

 obras

  que

se assinalam por  carac ter í s t icas  apropriadas a sua  f u n ção  social, mas cujo valor

a r t í s t i co é, o mais das vezes, menor ou  inferior.

Longe de ser tão  i n s t r u í d o e refinado quanto o  p ú b l i c o a r i s t o c r á t i c o , o  p ú b l i co

b u r g u ê s

  estava

  igualmente longe de possuir uma cultura musical  c o m p a r á v e l  à

daquele. Apesar do seu interesse pela m ú s i c a , era  f r eq ü en t e  que esse novo  p ú b l i co

manifestasse um gosto bem  m e d í o c r e ou mesmo

 bastante

 vulgar. Era  ca r ac t e r í s t i -

ca da mentalidade

 desse

 p ú b l i c o

 a

 o p i n i ã o

 — corrente na Alemanha, por exemplo

—   segundo a qual a  m ú s i c a  tinha o poder de  al iviar  o

  peso

 dos  es forços  e do

c a n s a ç o

  de um dia dedicado pelo

 b u r g u ê s

a tratar de

 n e g ó c i o s ,

 a

 ocupar-se

 com

n ú m e r o s  e contas.  T a m b é m  com  f r e q ü ê n c i a ,  as  m o t i v a ç õ e s  do  p ú b l i c o  musical

parisiense da primeira metade do  s é c u l o  X V I I I  eram de natureza mais social que

ar t í s t i ca : por essa é p o c a , era comum apreciar-se a m ú s i c a mais pelo que ela podia

acrescentar à

 vida

  mundana e à moda, assim como a uma  e d u c a ç ã o  de elite —

objetivo

 que a burguesia se

 esforçava

  por

  a l c a n ç a r — ,

 do que por seu valor

 es té t ico

p r ó p r i o .

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Nu ié i u lo x v i i i , «• pú bl ic o pai l i ienie favorei Io co m pc t l çô ei  entre  vlr tuc •

vlolinistai o

 Gulgnon

  c

  A n e l m a i s

  tarde,

  l

  lu ignon e  M o i u l o n v i l l c

cantoras  t o m o  Todi e  Mara.  Nessa  época , o in té rp re te

  procurava

  surpreendi  I

  1

causar pasmo pelo  car á ter or ig inal c

 engenhoso

  de seu  desempenho, en<

  OI

  iljddl

1  1

tanto

  p o r u m p ú b l i c o à s

 vezes

 superficial  e f r e q ü e n t e m e n t e  pouco  i n s t r u í d o

  1

prática foi

  levada

  ao

  extremo

  sobretudo

  na Itália. Na

  Alemanha, compositor

> orno Reinhard Keiser  e outros chegaram  a ultrapassar  as exigem  ias ilo publ

 

c o m p o s i ç ã o d e  suas óp er as . Em seu esforço de

  seduzir

  as platéias, (lampia  1

  I

  >«in

chet,

 po r sua vez,  introduziram

  numerosas

  m o d i f i c a ç õ e s e m  suas

 obras

 1

  1 >

sabor

  da  acolhida  de

  cada

  r e p r e s e n t a ç ã o .

 Para satisfazer

  u m p ú b l i c o  novo

  1

  niiii

o  prazer  dos  ouvintes,

 organizadores

  e compositores  foram

  levados

  a  fazei  I I

c o n c e s s õ e s , aceitando  so luções de compromisso. Cortar  era um

  procedimento

  dl

uso

  muito corrente.

 Havia  o gosto  p o r costurar fragmentos diversos  (que  s i ipn

sentavam

  sob o

  nome,

  e n t ã o

  muito

  apreciado,

  de

  pots-pourris

e por in t ro dl l t i l

cortes nas

  obras

 menos acess íveis ,

 recompondo-as

 pela escolha  do que  tivessem 

I

mais

  leve,

  com o  objetivo  de to rná- las de  mais  fácil aceitação  pelo  púb li i n l 'oi

meio  de  tais  concessões , a s p la té ias  eram  levadas  a adm i t i r um

  pomo

  mai di

m ú s i c a  erudita".  N o s é c u l o  X V I I I ,  as peças  curtas,

 ligeiras,

 estiveram  em grfindl

moda,  o que in f luenc iou sua pub l ica ção : Ba l la rd im pr im iu , em

  Paris, volumo

  I

c o l e t â n e a s .

A   m ú s i c a n ã o e r a  objeto apenas d e

  concertos

  pú bl ic os ; com ela se

  faziam

  Iam

b é m

  saraus

 a do m ic í l io , que re fo rçav am a d i s t in ção  social. A m ús ica , aos

  poili

 

foi

  se  tornando  parte  da vida

  social,

  no c í rcu lo fam il iar e de  amizades  da

  t

 a

  1

burguesa, como outrora  do sa lão ar is tocrá t ico , nos espetáculos e nas

  festas

  Sob

  1

forma  de f reqüen tação dos  concertos,

 saraus

 musicais  a do m icí l io ou a t iv ldndl

musical  de  amadores, a m ú s i c a

 passou

  a ser,  pouco  a pouco,  um a  exigem  ia • il

e u m

  marco

 dis t in t iv o da fam íl ia

 burguesa.

 O piano,

 esse

 s í m b o l o d a prospei  «  Ia. ll

burguesa,  faria sua  entrada  u m  pouco mais tarde  nas  casas da burguesia,  0 0 1  tu

do de

 piano, principalmente

 pelas

  moças , f icou

  sendo

 u m

  "imperativo

  soi ia l .

signo

  de boa e du ca çã o. A í es tá um a das ra ízes sociais  de um  outro  f e n ô m e

portante,  que  haveria  de se  expandir  nos  meios

 burgueses,

 sobretudo  na  Alem

1

nha: o

 amadorismo musical,

  o r i g i n á r i o e m

 parte

 do

 amadorismo

 dos

  arislo

O s  diversos  convivia  musica  e  collegia  musica surgidos

 desde

 o fim do sei ulo

 

eram  no in íc io , de  modo geral, corais  de m ú s i c a sacra. N o s é c u l o seguinte,  fo i I R

cultivados pelos instrumentistas

 amadores.

 N o s é c u l o

  X V I II , tais conjuntos

  1 hega

ram a dar,  pode-se dizer,  um a fisionomia  particular  à burguesia  a l e m ã : 

de

  amadores

  d e c o n d i ç ã o  burguesa  ajudou  essa classe  a  tomar  con sciém ia l

  1

mesma,

 funcionando

  a m ú s i c a

 como

 u m v í n c u l o social  de reun ião ede

  unif l i

  1

Essa s i t u a ç ã o  persistiu  ao  longo  de  todo  o século, e , em  parte,  no sécu lo XIX .

Juntamente  com as

 bandas

 municipais, essas i n s t i t u i ç õ e s musicais de

 amadoit

c o n s t i t u í a m , d e certa forma,  uma répl ica da burguesia às ins t i tu içõ es musicais  prlfl

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414

Quarta

  parte

a primeira

  metade

  do

  século

  XV

cipescas e a r i s toc r á t ic a s às capelas com orquestras das cortes e dos  pa lác ios . E o que

é mais importante:  os  p r ó p r i o s compositores, que  a t é e n tã o se voltavam com maior

f reqüênc ia

  para a corte e para o

 p a lá c io c o m e ç a m

 a aproximar-se

 desses

 Kenner

 und

Liebhaber

  [conhecedores e admiradores], aos quais até mesmo um  p e r i ó d i c o Der

Mnsikalische  Dilettante  [O diletante

 musical],

  foi consagrado a partir de 1769.

O   nascimento da  cr í t ica musical foi um acontecimento de imensa  i m p o r t â n c i a

para a

 vida

 musical do  s é c u lo  X V I I I . Essa atividade não cessaria de

 existir,

 de  e n t ã o

p o r  diante, até os  nossos dias, assumindo um papel  cada vez mais relevante. Até

aproximadamente a metade do s é c u lo

  X V I I I

prevaleciam nos escritos sobre  m ú s i c a

c o m p a r a ç õ e s  e paralelos,   p o l ê m i c a s  e querelas em torno de

  assuntos

  de  ca rá te r

preferentemente geral, como as  q u e s t õ e s de melodia e de harmonia, ou de  m ú s i c a

francesa e italiana. A q u i e a l i no entanto,  c o m e ç a r a m   a manifestar-se julgamentos

sobre uma obra musical particular ou sobre a arte de determinado compositor.

Podem-se

 ler as primeiras

  cr í t icas

 musicais propriamente ditas, em Londres, nos

jornais The Spectator e The Guardian e, em Paris, no  Mercure  Galant ou seja, em

p u b l i c a ç õ e s  não profissionais. Em parte sob   inf luênc ia  dos  ó r g ã o s  desse  g ê n e r o

J. Mattheson  c o m e ç o u  a publicar, em Hamburgo, em 1713, seu  p e r i ó d i c o  Der

Vernünftler   [O argumentador], cujo objetivo era a  edif icação  cultural  das

  classes

m é d i a s . Um pouco mais tarde, sua revista  ritica M usica  acolheria  cr í t icas musi

cais das  obras  e de  suas  o r i e n ta ç õe s e s t é ti c a s o que foi retomado  t a m b é m   pela

revista

 dirigida por  J. A . Scheibe, Der CritischeMusicus  [O mú s ic o c r í t i c o ] c é l e b re

p or ter publicado uma  a p r e c ia ç ã o negativa sobre as  c o m p o s i ç õ e s  de Bach em 1737.

Essas

 duas revistas musicais deram  l ivre curso às novas  idéias iluministas  francesas,

que enfatizavam a primazia, nas artes,  da natureza e da  r a z ã o . Outras  pub l i c a ç õe s

p e r i ó d i c a s como a

  Musikalische

  Bibliothek  [Biblioteca  musical],   dirigida  por

L .  Miz le r um aluno de Bach em

  Leipzig,

  tinham antes um  ca rá te r c ient í f ico .  Na

segunda

 metade do

  s é c u lo

  X V I I I

Be r l im

  tornou-se o mais importante centro de

cr í t ica   e de teoria musical na Alemanha,  graças  sobretudo aos trabalhos e aos pe

r i ó d i c o s publicados por   F.W. Marpurg,  que, amigo de d Alembert, de

 Voltaire

 e de

outros enciclopedistas franceses, levava ao  p ú b l i c o a l e m ã o  as  idé ias  destes  sobre

m ú s i c a . A cr í t ica musical era particularmente  prolíf ica  nos  p a í s es g e r m â n i c o s tan

to mais que lá se publicavam,  no  s é c u lo

  X V I I I

muitas centenas de revistas e jornais.

No século

  X V I I

a  m ú s i c a  era tratada nos escritos dos  t e ó r i c os  e dos  filósofos

sobretudo como parte integrante de um todo mais vasto, ou como uma arte

  infe-

r i o r  subordinada à poesia ou às m a t e m á t i c a s . Com os  filósofos  das Luzes, no en

tanto, ela passou   a ser concebida  cada  vez mais como uma arte distinta, em sua

autonomia e sua especificidade. Uma abordagem mais  e m p í r i ca   da  m ú s i c a  come

ç o u  a impor-se, e progressivamente foi  sendo   reconhecido o seu valor   p r ó p r i o

es té t ico  e cultural. Até mais ou menos a metade do  s é c u lo  X V I II praticamente não

existia uma clara e  n í t i da c onsc iê nc ia da historicidade da  m ú s i c a que  c o m e ç o u a

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Situação sócio histórica

  d

música

  no

  século  XVIII

415

partir  de  e n t ã o ,  a manifestar-se. As primeiras  h i s tó r i a s  da  m ú s i c a  propriamente

ditas foram escritas na Inglaterra, na  F r a n ç a  e na Alemanha, tais como as  p u b l i

cadas

 por Hawkins, Burney e Bourdelot-Bonnet. Os

  filósofos

  deram-se

  conta de

que a  m ú s i c a  é um  f e n ô m e n o  de  i m p o r t â n c i a  social e que, ao mesmo tempo, é

dif ici lmente expl icável

 nos quadros do racionalismo corrente: este a subordinava à

poesia por  causa  do elemento racional que,  presente na lingagem verbal, faltava

justamente à mú s i ca . A té en t ão , as ú n i c a s formas de  m ú s i c a  verdadeiramente apre

ciadas

 pelos  t eó r i co s e os filósofos eram a m ú s i c a vocal e a ó p e r a , ou seja, a  m ú s i c a

que  está ligada à palavra. Doravante, a m ú s i c a  instrumental, em pleno desenvolvi

mento, levantava um problema t e ó r i c o : o do valor p r ó p r i o da  m ú s i c a enquanto tal.

E m meados do sécu lo , a p r ó p r i a palavra  es té t ica é aplicada por A . G . Baumgarten,

em  seu  l i v r o Aesthetica ao belo e à arte.

Embora nenhum dos enciclopedistas  fosse  m ú s i c o profissional — com exce

ção,

  até certo ponto, do autodidata

  Rousseau

 —, a  m ú s i c a  mereceu um  esp aço

importante na Encyclopédie o que decerto  contribuiu para  re t i r á- la do isolamento

em que se achava até e n t ã o . O nascimento e o desenvolvimento da  ó p e r a , g ên e r o

que obteve o maior sucesso junto ao p ú b l i c o , c o n t r i b u í r a m , por sua vez, para con

tatos mais seguidos entre

  m ú s i c o s

 e

 poetas,

 assim como para uma

  c o n c e p ç ã o

  mais

h u m a n í s t i c a  da  m ú s i c a . O  m ú s i c o  passou a ser tratado  cada vez menos como um

a r t e s ã o ,

 o que

  t a m b é m

 determinou a

  m u d a n ç a

  e a

 e l ev ação

 de sua

  s i t u ação

  social

e da  c o n s i d e r a ç ã o  de que era objeto. Por outro lado, aumentavam os

 ganhos

 dos

m ú s i c o s , e suas c o n d i ç õ e s  gerais de vida  tornavam-se aproximadamente as mes

mas em diversos  países  europeus.

E m  suma:  grosso

 modo

a m ú s i c a passa de uma  p o s i ç ã o de ornamento  s e c u n d á

r i o na

 vida

 da elite social e de instrumento do culto

 religioso,

 da festa e do cerimo

nia l , ao estatuto de importante  i tem  da vida  cu l tu ra l .  As p o l ê m i c a s entre  m ú s i c o s

e  filósofos, como a que se travou entre Rameau e Rousseau, que sustentavam  res

pectivamente a primazia da harmonia ou da melodia na  m ú s i c a , c o n t r i b u í r a m

para incrementar o

 interesse

 pela

  m ú s i c a

 nos

  c í r cu lo s

 intelectuais, como, de resto,

as querelas entre as diferentes  t e n d ê n c i a s e

 escolas

 concernentes à ó p e r a . Mas tam

pouco devem ser esquecidas, como fator determinante para a i n s e r ç ã o  da  m ú s i c a

na cultura, as  f u n çõ es  reais que ela exercia na sociedade. A  f u n ção social da  ó p e r a

mostra-se, no caso, mais uma vez, de singular i m p o r t â n c ia : a ó p e r a não era apenas

u m  divertimento para as  classes superiores;  t a m b é m  era o  c e n á r i o  de uma luta

entre diversas  idéias f ilosóficas  e  es té t icas , entre diversos gostos,  a l ém de solicitar

toda uma  sér ie  de outras atividades, como a dos pintores, dos  d a n ç a r i n o s ,  dos

co r eó g r a f o s ,

 etc.

 Assim,

 as

 c o n s i d e r a ç õ e s

 sobre a

 m ú s i c a v i r i a m

 a ocupar um

 espa

ço cada vez maior na obra de  filósofos  como Diderot, d'Alembert e

 Rousseau.

O sécu lo  X V I I I assistiu, sobretudo na  F r a n ç a , à  f o r m a ç ã o  de verdadeiros par

tidos

musicais, que às

 vezes

 se tornaram partidos

  p o l í t i co s ;

  inversamente,

  m o t i -

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Quarta parte a primeira

  metade

  do  século

  XV

vos po l í t i co s estiveram na origem de a p r e c i a ç õ e s sobre as obras e os compositores.

Criaram-se, igualmente,

 d iv i sões

 em diferentes

  clãs ,

 em que argumentos de gosto

e de

  es té t i ca

  misturavam-se, por vezes, a atitudes

  po l í t i cas ,

 como foi o

 caso

  das

disputas entre  m ú s i c a  francesa e

  italiana,

  entre

  lullistas

 e ramistas, gluckistas e

piccinistas, por exemplo. No  p r i n c í p i o  do  sécu l o  X V I I I ,  o debate entre a  m ú s i c a

francesa e a m ú s i c a  italiana ganhara novo impulso. A m ú s i c a  italiana tinha a pre

ferência

  da nobreza, e os

 primeiros

 compositores franceses de sonatas dedicavam,

em

  geral, suas obras ao duque de

  O r l é a n s ,

 um

  p a r t i d á r i o

  declarado da

  t e n d ê n c i a

italianizante. Talvez se deva ver

 nesse

 entusiasmo do regente da  F r a n ç a um modo

de opor-se às t e n d ê n c i a s  até e n t ã o prevalecentes na corte. A  Querela dos  B ufões

serviu,

 por outro lado, para desviar a

  a t e n ç ã o

  das disputas do parlamento e do

clero, até

 e n t ã o

 o objeto fundamental da curiosidade

  púb l i ca .

Durante a  R e v o l u ç ã o  na  F r a n ç a , a  o r g a n i z a ç ã o  das festas nacionais, em que a

m ú s i c a  teve  p a r t i c i p a ç ã o  importante, foi uma das  p r e o c u p a ç õ e s  constantes das

autoridades

  po l í t i cas .

 Conseguiu-se levar as massas a um engajamento musical,

pedindo

 aos compositores que, com

 esse

 objetivo, escrevessem corais. As compo

s ições

 de

  c i r c u n s t â n c i a ,

  vocais e instrumentais, surgiram em quantidade, e o que

caracterizou o gosto musical r e v o l u c i o n á r i o  foi sobretudo o emprego de grandes

massas sonoras. Em o b e d i ê n c i a  à p res são popular, o gosto musical voltou-se para

os vastos conjuntos e para as imponentes

  d e m o n s t r a ç õ e s

 de sonoridade, acostu-

mando-se a efeitos demasiado pesados e mesmo brutais que bem se ajustavam à

exp res são

 do clã

 p a t r i ó t i c o

 e ao poderio

 m i l i t a r :

 a

  m ú s i c a serve-se

 de fanfarras e

a té  mesmo de  c a n h õ e s ,  com resultados os mais barulhentos, marcados por um

entusiasmo pelo pomposo e pelo  g r a n d i l o q ü e n t e .  Muitos  anos  mais tarde,

Reichardt ainda

  p ô d e

  observar, nas

  i n t e r p r e t a ç õ e s

  do Concert des Amateurs em

Paris, exageros de

  n u a n ç a s d i n â m i c a s

  na

  e x e c u ç ã o

  da

  m ús i ca s é r i a

  e

 s i n fôn i ca ,

  o

que é pouco  p r o v á v e l  não tivesse a ver com o  e s t a r d a l h a ç o  pomposo das festas

nacionais a que o  p ú b l i c o se havia acostumado.

No sécu l o  X V I I I , a especificidade social da  ó p e r a c ô m i c a prende-se ao advento

das classes m é d i a s . A  ó p e r a c ô m i c a apareceu mais ou menos na mesma  é p o c a em

diferentes

  paí ses :

 na

  I t á l i a ,

 na Inglaterra, em Hamburgo, e no

  c o m e ç o

  do

  século

era representada sobretudo nos teatros das feiras, recebendo em seguida, em Paris,

u m a

  forma

  mais desenvolvida. Refletindo o gosto do  p ú b l i c o b u r g u ê s e pequeno-

b u r g u ê s ,

 assinala um

 significativo

 contraste em

 re l ação

 à

 ó p e r a

 de corte, com

 seus

temas

  h e r ó i c o s e x t r a í d o s

 da

 h i s t ó r i a

 ou da mitologia, tanto por seu

 c a r á t e r

 musical

como

 pelo de seu texto. Os recursos musicais e

 t é c n i c o s

  da

  ó p e r a c ô m i c a ,

  muito

singelos de

  i n í c i o ,

 cresceram progressivamente em

  i m p o r t â n c ia . Seus

 temas esta

vam ligados principalmente às

 classes

 m é d i a s , às quais se d i r ig ia de modo especial;

às  vezes, abordava até mesmo o que estava acontecendo no momento. Era fre-

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Situação sócio histórica

  d

música

  no

  século  XVIII

4 1 7

quente, nas  ó p e r a s c ô m i c a s ,  ridicularizar a nobreza e parodiar a

 opera

  seria. Ao

passo que

 esta

  ú l t i m a  se apresentava com um c a r á t e r

 internacional,

 a ó p e r a c ô m i

ca era nacional; nela fazia-se uso até de dialetos locais. Era um  e s p e t á c u l o  com

ingressos à venda, aberto a todos sem

  ex ceção ,

 ao

  c o n t r á r i o

 da

  ó p e r a

 principesca,

à

  qual

 só se podia assistir sendo convidado. A ó p e r a c ô m i c a ,  sob suas diferentes

formas

  e

  d e n o m i n a ç õ e s ,

 que variavam de um

  país

 para outro, era um

  g ê n e r o

  ca

paz de satisfazer perfeitamente as  ex igências de um  p ú b l i c o  novo e em  e x p a n s ã o ,

que não cessou de  ap r ec i á - l o  cada vez mais ao longo de todo o  sécu lo .

O crescimento do  p ú b l i c o b u r g u ê s amante da m ú s i c a no s é c u l o  X V I I I teve uma

c o n s e q ü ê n c i a  importante para a vida

 musical:

 multiplicaram-se as  a p r e s e n t a ç õ e s

p ú b l i c a s

 de

 m ú s i c a ,

 asseguradas

 pelos diversos

 concerts

 (sociedades de concerto ou

academias). Na  F r a n ç a , academias organizadas como sociedades de concerto, so

bretudo de amadores, mas com a  p a r t i c i p a ç ã o  cada vez

 maior

  de profissionais,

existiram

  desde a primeira metade do  sécu lo , em Paris, Marselha, Bordeaux,  N i -

mes, L y o n ,  Lille e noutros pontos. Em

 Amiens,

 os

 principais

 burgueses da cidade,

e m n ú m e r o  de quarenta, mantinham uma sociedade  desse  t i p o .  Os estatutos da

academia de Marselha esclarecem que ela fo i fundada para  d iver t i r  uma

 juventu

de por demais ociosa e para ter, ela  p r ó p r i a ,  uma  o c u p a ç ã o .  As academias de

p r o v í n c i a ,

 da mesma forma  que as parisienses — a mais importante das quais era

o

  oncert

  SpiritueL fundado em 1725 —, c o n t r i b u í r a m  de maneira  co n s id e r áv e l

para a  e x t e n s ã o  da  cultura musical  na  F r a n ç a ,  sobretudo nos meios burgueses.

Entretanto, por conta da atmosfera social do A n t ig o  Regime, quando uma acade

m i a n ã o era fundada por nobres, seus fundadores burgueses quase sempre pediam

a  p r o t e ç ã o  de  a l g u é m  que o fosse. Nos concertos oferecidos por essas academias,

burgueses e nobres sentavam-se lado a lado. Na busca de alegria e  d i s t r a ç ã o  na

m ú s i c a , as duas classes finalmente se reuniam. Encontravam pontos de contato e

de solidariedade na  a p r e c i a ç ã o  geral da arte dos sons até que  afinal. . .  compuse

ram-se, em termos de

  m ú s i c a ,

 de tal modo que a

 vida

  musical,

 sobretudo na se

gunda metade do  sécu lo ,  já não era puramente  a r i s t o c r á t i ca ,  nem puramente

burguesa tampouco. Antes mesmo do desenvolvimento das academias e dos

 con

certos  p ú b l i c o s na  F r a n ç a , os  sa lões ar i s tocrá t icos  foram-se abrindo pouco a

 pou

co para uma certa

 elite

 da burguesia, e os membros das duas classes lá se reuniam

para apurar juntos os ouvidos. O  p ú b l i c o que  f r eq ü en t av a  o  sa lão do mecenas La

P o u p l i n i è r e  compunha-se tanto de nobres como de burgueses. Na aristocracia,

numerosos eram aqueles que organizavam concertos em suas  r e s id ên c i a s ,  onde

era  p o s s ív e l às vezes ouvir  m ú s i c o s n o t á v e i s — um Mozart, por

 exemplo.

 T r i a l e,

posteriormente,  Gossec  d i r i g i r a m  os concertos do  p r í n c i p e  de  C o n t i ,  onde se

apresentaram  t a m b é m  Schobert, Rodolphe, Janson e outros mais. O  b a r ã o  de

Bagge, o conde

 d'Albaret

 e o duque  d ' A i g u i l lo n  foram  mecenas. Mas a alta bur

guesia  t a m b é m  queria desempenhar o papel

 lisonjeiro

 de protetora das artes. Um

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418

Quarta parte a primeira  metade  do  século  XV

financista  como La

  P o u p l i n i è r e

em cujos

  sa lões

  apresentaram-se entre outros

Rameau Stamitz e Gossec

a l c a n ç o u

  grandes

  m é r i to s

  em seu papel de

 mecenas

 de

p r i m e i r í s s i m a i m p o r t â n c i a

  na

  F r a n ç a

a ponto de poder ser comparado

nessa

c o n d i ç ã o a  p r í n c i p e s  e aristocratas da Alemanha que

 faziam

  de suas cortes e pa

l ác ios

 verdadeiros centros da vida musical.

M as

  as academias ofereciam uma

  o r g a n i z a ç ã o

 de concertos que custavam

  m u i -

to

 menos que a

 m a n u t e n ç ã o

 de uma orquestra

 particular

 permanente.

 A

 participa

ç ã o gratuita dos amadores em muito  c o n t r i b u í a  para isso. Ademais as academias

e os concertos  p ú b l i c o s vendiam os ingressos em geral por um sistema de assina

tura obtendo dessa maneira uma renda com os

  e spe t ácu l os

 — o que era proibido

e m p r i n c í p i o

aos

  sa lões

 particulares.

A

  d e t e r i o r a ç ã o  da  s i t u a ç ã o e c o n ô m i c a  geral na  F r a n ç a que se acentua com o

correr do  s é c u l o a atitude  oficial para com a  m ú s i c a por parte de um poder que

 não a favorece como antes e não concede cartas patentes reais às academias e

finalmente as guerras como a Guerra dos  Sete Anos determinaram o

  d ec l í n i o

progressivo

 e por fim com a

  R evo l ução

o desaparecimento das academias por

sinal

  excessivamente  associadas ao  An t i go  Regime. As d é c a d a s  de 1770 e de 1780

trouxeram  m u d a n ç a s  profundas para a vida  musical provocadas pelas  modifica

ç õ e s

 radicais da

 vida

  e c o n ô m i c a

  e social.

Esses anos foram  assinalados por muitas

  i n o v a ç õ e s

  importantes na vida mu

sical

  e u r o p é i a

decorrentes em parte da

  e d i ç ã o

  musical. Como escreveu  Barry

S.

 Brook esse p e r í o d o

 marcou o ponto culminante de um longo processo durante

o qual a  m ú s i c a  evoluiu  da  c o n d i ç ã o  de  of ício  semifeudal a  s e rv i ço  da Igreja da

cidade e da corte à de  p rof i ssão  de  l ivre iniciat iva voltada predominantemente

para o mercado

  b u r g u ê s .

 Nessa

  é p o c a

a classe

 m é d i a

  forjava  para si uma nova si

t u a ç ã o

 social e a

  p rof i ssão

  musical seguia o movimento que se expandiu em ou

tras

 esferas

  sociais cada vez mais penetradas pela

  l ivre iniciat iva

que abastecia o

mercado crescente em conformidade com as leis sempre mais ativas da oferta e da

procura leis que

  c o m e ç a r a m

  a atuar

  t a m b é m

mas de um modo

  especí f i co

no

setor

  cultural.

N o ú l t i m o

  quartel do

  s écu l o

o papel e a

  f u n ç ã o

  do mecenato

  c o m e ç a r a m

  a

declinar e as

  m u d a n ç a s

  na

  p o s i ç ã o e c o n ô m i c a

  do

  m ú s i c o

  desenharam-se em

  l -

nhas

 marcantes. Os compositores já não recorriam sistematicamente à

  d e d i c a t ó r i a

para obter alguns  s u b s í d i o s  da parte de um mecenas o que

  significava

a l é m  do

mais

e n d e r e ç a r

 suas

 c o m p o s i ç õ e s

  a um

  p ú b l i c o

  restrito.

 O destino do

  m ú s i c o

 e de

sua obra decide-se cada vez mais diretamente nos concertos

  p ú b l i c o s

no  interior

de uma vida musical sempre mais comercializada e organizada para um

  púb l i co

novo de

 classe m é d i a

na qual entretanto o

 púb l i co a r i s t oc rá t i co

 ainda ocupa um

lugar de destaque. Os compositores escrevem cada vez menos exclusivamente para

as  r e s i dênc i as dos  p r í n c i p e s  e dos aristocratas onde até e n t ã o o  m ú s i c o não pas-

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Situação sócio histórica  d música  no  século  XVIII

4 9

sava, ou quase, de um criado, como era ainda o caso de Haydn a

  serv iço

 do

  p r í n

cipe Esterhazy, ou de Mozart em Salzburg. Os compositores dependem  cada vez

menos de nobres

  p a t r õ e s .

  Em

  Leipzig

por exemplo, J.A.

  Hi l le r feito

  Kantor  da

igreja

 de Santo

  Tom ás e s fo rçava - se

 por tornar

  acessíveis

 suas

 c o m p o s i ç õ e s

procu

rando — sobretudo em

 seus  Singspiels

que se tornaram muito populares na

  A l e

manha — a simplicidade de

  exp res são

  e a

  c o m p r e e n s ã o

  de um

  p ú b l i c o

 mais am

p lo

 de diletantes e profissionais.

A

  f r eqüênc i a

  aos concertos e às

  r e p r e s e n t a ç õ e s

  de

  ó p e r a s

  aumentava com o

crescimento das  empresas  comerciais de

  d i fusão

  musical, que se iam tornando

menos  dependentes da

  c ó p i a

  manuscrita e cada vez mais

  associadas

 à jovem in

d ú s t r i a

 da gravura e da

  i m p r e s s ã o .

 Depois de ter

  c o m e ç a d o

  dando

  p r e j u í zo

a

 edi

çã o

 musical gravada ou impressa se fez

 lucrativa.

 Não é de surpreender, por exem

plo

que Bach tenha publicado em vida tão pouco de suas obras. A venda de A arte

da  fuga publicada quando de sua morte, não deu para cobrir sequer os gastos com

a

  g r avação

  sobre cobre. Mais tarde, pelo

  c o n t r á r i o

esse novo fator, representado

pelo editor na vida musical, haveria de proporcionar ao compositor uma

  s i tuação

e c o n ô m i c a

 de maior

  i n d e p e n d ê n c i a

  do que a que lhe garantia o

  s e rv i ço

 da aristo

cracia, embora, por outro lado, pudesse

  p r e n d ê - l o

  a outros

  v í ncu l os

  de ordem

e c o n ô m i c a

  e comercial. Os compositores deviam

  f r e q ü e n t e m e n t e

  levar em conta

o mercado visado por  seus editores e escrever  suas obras  de modo a que  estes

ficassem satisfeitos. Nessa

 é p o c a

entretanto, os compositores por vezes encarrega

vam-se de ser

 seus p r ó p r i o s

  editores, ocupando-se da

  i m p r e s s ã o

  de

 suas obras

 por

tipografia  ou gravura.

O

 abandono da

 p r o t e ç ã o

 do mecenato

  a r i s t oc rá t i co

 tradicional

  fo i

  acompanha

do pela

  evo l ução

 de possibilidades, até

 e n t ã o

 desconhecidas, de liberdade de

 esco

lh a

 em toda uma

  sér ie

 de atividades musicais profissionais. E

 essas

 possibilidades

eram exploradas por um

  n ú m e r o

  cada vez maior de

  m ú s i c o s .

 A mobilidade da

prof i ssão

  de

 m ú s i c o

 tornou-se mais generalizada, não sendo o estatuto social dessa

categoria definido tão rigidamente como no

  passado.

 Na

  F rança

um decreto de

Turgot pôs

 f i m

em 1776, à

 h i s t ó r i a

  das

  c o r p o r a ç õ e s :

 todas as artes e

 ofícios

  torna

ram-se

 doravante

  livres.

 A mobilidade da

  p r ó p r i a m ú s i c a

  aumentou em propor

ções

 até

  e n t ã o

 nunca vistas. A

  in f luência

  da

  i m p r e s s ã o

  e da

  ed i ção

estreitamente

ligadas entre si, foi sentida não apenas na

  d i fusão

  da

  m ú s i c a

permitindo-lhe ser

conhecida numa

  á rea

 social e

  geográfica

  mais extensa: com a

  m o v i m e n t a ç ã o

  mais

f r eqüen t e

  dos

  m ú s i c o s

 de um

  p a í s

 para outro e a

  c o n s e q ü e n t e v a l o r i z a ç ã o

  de

 seus

contatos  pessoais, a

  ed i ção

 musical de grandes tiragens

  contribuiu

  para uma in

f luência rec íproca

 crescente

 entre os estilos musicais e os compositores

 individuais,

n ã o

 somente no

 interior

 dos diferentes

  países

 mas

  t a m b é m

  para

  a l ém

 de

 suas  f ron

teiras. A

 in f luência

  italiana, dominante sobretudo na esfera da

  ó p e r a

  como

 atesta

a

  p r e sença

  de companhias de

  ó p e r a

 italianas em Londres quase desde o

  p r i n c í p i o

do

  sécu lo

na Alemanha a partir de 1730 aproximadamente, e em Paris depois de

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42

Quarta  parte a primeira

  metade

  do  século  XV

1750), foi desaparecendo aos poucos na segunda metade do

  s écu l o ,

 a não ser nos

cí rcu los

 da corte, onde a

 opera  seri

e o

  o r a t ó r i o

  italiano conservaram sua ascen

d ên c i a .

 No

  d o m í n i o

  instrumental da

  m ú s i c a

  far-se-ia sentir

  dal i

  por diante a in

fluência

  do que se fazia na

  Áu s t r i a ,

  na

  B o ê m i a

  e na Alemanha do Norte. De qual

quer modo, a

  ed i ção

  musical teve

  c o n s e q ü ê n c i a s

  importantes

  t a m b é m

  no plano

ar t í s t i co .

 Num

 primeiro

 momento, o papel

 principal

 coube à

 F r a n ç a ,

 à Inglaterra

e aos

  Países

 Baixos. Antes que muitos editores de outros centros europeus — como

Viena,

  Ber l im

  e

 M i lã o

 — se

  l an ças s em

  em uma atividade de maior

 vu l to ,

 mais ou

menos na

  ú l t i ma t e r ça

 parte do

  s écu l o , foram

  principalmente os editores de mú

sica de Paris

  Boivins ,

  Le Clercs), de Londres (Walsh) e de

  A m s t e r d ã

  (Roger, Le

C è n e )

  que publicaram o grosso da

  p r o d u ç ã o

  musical gravada ou impressa do sé

culo

  X V I I I .

 Muitos

  mú s i co s a l emãe s , au s t r í aco s

 e

 italianos, inclusive

 os mais famo

sos

  (Mozart, Haydn), tiveram

 as primeiras

  ed i çõ es

  de

 suas

 obras publicadas em

Paris, cuja grande atividade

 nesse  d o m í n i o

  ultrapassou em  muito,  por um certo

tempo,

 a atividade somada  desses

  países

 todos.

Certos editores abusavam, entretanto, dos compositores, publicando

  suas

obras sem

  a u t o r i z a ç ã o

  e não lhes pagando qualquer

  r e m u n e r a ç ã o .

 A pirataria na

ed i ção

 musical chegava ao ponto de atribuir-se o nome de um compositor

  cé lebre

a

  c o m p o s i ç õ e s

  que não eram de sua autoria, com o

  objetivo

  de

  v e n d ê - l a s

  mais

facilmente.

 Ou seja, os direitos autorais ainda

 n ã o

 estavam garantidos. Só perto do

final  do

  s écu l o

  foram  dados os primeiros passos nesse sentido — na Alemanha,

sobretudo,

 g raças

 à atividade de J.G.I.

 Breitkopf.

 Mas a

 p r o d u ç ã o

 musical da

  ép o ca

era tão volumosa, que somente uma pequena parte das obras compostas podia ser

publicada. Tanto mais que uma parte

  co n s i d e ráv e l

  dessa

 p r o d u ç ã o ,

  sobretudo no

tocante a

 ó p e r a s ,

 era destinada a uma

 vida muito

 curta no

 r e p e r t ó r i o , motivo

 pelo

qual sua

  ed i ção

 impressa ou gravada não oferecia

 rentabilidade. A vida

 musical do

s écu l o

  X V I I I passou por este paradoxo: de um lado, o

  ca rá t e r e f êmero

  de uma certa

arte de temporada ; de outro, a repetitividade, que visava, apoiada na

  ed i ção ,

 a

manter por mais tempo

 certas

 obras no

  r e p e r t ó r i o .

 Este, por sua vez, comportava

obras de alta qualidade lado a lado com

 aquelas

 que simplesmente estavam na

moda, destinadas aos amadores e a um

  p ú b l i c o

  cada vez mais numeroso.

A  grande

  in f luência

  exercida pela

  ed i ção

  musical teve, no

  ú l t i m o t e r ç o

 do sé

culo,

  causas diversas, ligadas todas  elas a

  f e n ô m e n o s e c o n ô m i c o s

  e sociais mais

vastos que tinham curso nos

  pa í ses

 de maior desenvolvimento da Europa. O

  s écu

lo

  X V I I I , em

 seus ú l t i m o s

 anos, inaugurou um

  f e n ô m e n o

  que dominaria a

  h i s tó r ia

da

  mú s i ca d a l i

  por diante, cada vez mais: a repetitividade Desapareceu o

  cará ter

ú n i c o

 e estritamemte circunstancial, associado a uma só

 o cas i ão ,

 ou quando

  m u i

to

 a algumas

  ocas iões

 bem pouco numerosas, do acontecimento musical:

 suas

 l i

m i t a ç õ e s

  em

  f re q ü ên c ia d i m i n u í r a m ,

  e sua

  r e s t r i ção

 a uma

  c i r c u n s t â n c ia

  especial

o u ú n i ca

  rarefez-se. O

 p r i n c í p i o

 de

  r ep e t i ção ,

 favorecido e encorajado pela

  ed ição ,

Page 11: Sit Socio Hist Mus s XVIII

7/23/2019 Sit Socio Hist Mus s XVIII

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Situação sócio histórica  d música  no  sécião  XVIII

levou à possibilidade de  a u d i ç õ e s m ú l t i p l a s de uma  p e ç a musical numa  sér ie  de

ex ecu çõ es que escapavam ao controle do compositor e à sua  d i r e ç ã o  imediata ou

direta, assim como lhe escapavam os conhecimentos dos locais e dos  c í r cu l o s , dos

i n t é r p r e t e s

 e das

  c i r c u n s t â n c i a s

 precisas em que

 suas

 obras poderiam ser tocadas.

Bach

 compunha

 suas cantatas

 para  o cas i õ es determinadas, e em geral uma cantata

para cada vez; Haydn queixava-se, em 1768, de que lhe era  difícil  compor uma

cantata para um mosteiro na Á u s t r ia sem conhecer nem as pessoas nem o  local .

Enquanto as

 cantatas

 de Bach eram regidas por ele p r ó p r i o , Haydn já se encontra

va no momento da m u d a n ç a , em que a e x e c u ç ã o de boa parte de suas obras come

çava  a escapar-lhe.

Se, por um lado, o crescimento quantitativo da  m ú s i c a e sua  d i s s e m i n a ç ã o t i

veram

 causas s o c i o l ó g i cas — maior liberdade para o m ú s i c o , p ú b l ic o mais vasto,

e s t í m u l o e c o n ô m i c o  à e d i ç ã o —, por outro, t a m b é m

  tiveram

  c o n s e q ü ê n c i a s  bem

determinadas: a ulterior  ou suplementar demanda e a m p l i a ç ã o  do  p ú b l i c o , a re

ceptividade  para a  m ú s i c a  que aumentava com cada  a p r e s e n t a ç ã o ,  o maior

encorajamento ao amadorismo, e finalmente o  e s t í m u l o mais forte para as  p r ó

prias atividades comerciais ligadas à m ú s i c a e à vida

 musical.

 Aos poucos, a repeti

tividade

 levou à o r g a n i z a ç ã o  de toda uma rede comercial envolvendo o conjunto

de fatores que  tiveram papel ativo em sua  a f i r m a ç ã o posterior no  s écu l o XIX: os

gravadores, os impressores, os editores, os vendedores de partituras, os fabricantes

de instrumentos, os organizadores da

 vida

 musical, etc.

Quem  quiser situar as primeiras aberturas em  d i r e ç ã o  à  d e m o c r a t iz a ç ã o  da

vida musical e da m ú s i c a , tornada acess ível no  sécu lo XX a um p ú b l i c o mais amplo

do que jamais o foi no passado, pode  e n c o n t r á - l a s em todos esses f e n ô m e n o s  que

se produziram perto do fim do  s écu l o  X V I I I  e não exatamente no  sécu lo XIX,

como se chegou por

 vezes

 a imaginar.