Sivuca - Revista · PDF fileseja no projeto Asa Branca, durante a década de 90, ou na...
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REPORTAGEM
Miguel Sá[email protected]
SivucaSivuca foi acordeonista virtuose e um dos símbolos da músicanordestina, mas a sua trajetória como músico foi ainda mais ampla. Entreo Brasil, a Europa e os EUA, o instrumentista, arranjador e produtormusical construiu uma carreira universal.
acordeon e música
D
Da esq. para a dir.: Raymundo Campos, Luiz Gonzaga, Sivuca, Capiba, Maestro José Menezes e Luiz Bandeira
Foto
: Fátim
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ação
a Feira de Mangaio a Nova York, o mundo era pequeno
para o instrumentista, compositor, arranjador e produtor
musical Severino Dias de Oliveira. Nascido em maio de
1930, na cidade de Itabaiana, na Paraíba, tornou-se Sivuca
quando mudou-se para Recife e foi trabalhar na Rádio Clube
Pernambuco, aos 15 anos. Ainda em Recife, em 1948, Sivuca
torna-se aluno de um dos pilares da música brasileira: o maestro
Guerra Peixe, com quem estudou até 1951.
O primeiro disco – e o primeiro sucesso, a parceria com
Humberto Teixeira Adeus Maria Fulô – foi lançado pela gravado-
ra Continental, em 1950. Em 1955 muda-se para o Rio de Janeiro,
na época, capital do Brasil e o mais importante centro musical do
país. Até 1958 lançou mais três discos pela Continental enquan-
to trabalhava para a Rádio Tupi. Eram tempos em que o futuro
produtor musical, parceiro e amigo de Sivuca, Rildo Hora, o es-
cutava tocando
Moto Perpetuo,
de Pagannini, ain-
da sem saber que
se conheceriam
no futuro.
Sivuca nomundoApós uma tem-
porada de shows
na Europa, Sivu-
ca resolve ficar
por lá, morando
em Lisboa, onde
fez arranjos e pro-
dução musical pa-
ra o primeiro dis-
co de música angolana a ser lançado na Europa, do Duo Ouro
Negro. Um ano depois vai para a França, onde o sucesso de sua
música o faz ganhar da imprensa francesa o prêmio de melhor
músico do ano em 1962. Em 1964 vai para Nova York e lá passa
a ser diretor musical da cantora sul-africana Miriam Makeba.
Ele é o produtor de um grande sucesso da cantora na época, a
música Pata Pata. No período norte-americano ainda fez a dire-
ção musical de Joy, uma peça musical de sucesso da época. Até
1976, quando retorna ao Brasil, ainda trabalha com artistas
como Paul Simon e trava uma parceria profissional importante
com Harry Belafonte, além de trabalhar com músicos brasileiros
como Hermeto Pascoal e o percussionista Airto Moreira e a can-
tora Flora Purim.
Fora do Brasil, Sivuca gravou alguns discos próprios e partici-
pou de outros tocando violão e teclados. Na volta ao país, estava ca-
sado com a com-
positora Glória
Gadelha. Com
ela também teve
uma fértil parceria
musical, que gerou
um dos clássicos
da música brasi-
leira: a música
Feira de Magaio.
O músicouniversalde volta aoBrasil
Um dia, em
meados da déca-
da de 70, o pro-
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REPORTAGEM
A associação entre Sivuca e Her-
meto Pascoal não acontece só por-
que os dois são albinos e músicos. Os
dois se conheciam desde a década
de 50, quando Sivuca começava sua
carreira no Recife. Hermeto chegou
lá com o irmão mais velho, já falecido,
chamado Zé Neto. Os dois voltaram a
se encontrar em trabalhos fora do
Brasil, em 1970. No ano de 1978, vol-
tam a ter um encontro musical no pri-
meiro disco de Sivuca no Brasil, lança-
do pela gravadora Copacabana. O
nome da música era Nosso Encontro.
Sivuca lamentava que, por causa dos
caminhos de cada um, tivessem tido
poucas oportunidades para se apre-
sentar juntos.
Sivuca e Hermeto Pascoal
“A característicaprincipal do Sivuca é,
além do virtuosismo, acapacidade para tocar
alguma coisa compoucas notas. Comoele botava a alma!”
(Rildo Hora)
Dominguinhos conheceu Sivuca ainda na Rádio Tupi Osman e Sivuca gravaram o Sivuca Sinfônico
dutor musical e gaitista Rildo Hora se
encontra com Chiquinho do Acor-
deon, que logo fala: “Rildo, o Sivuca
voltou e está precisando trabalhar”. E
assim começa a se estreitar a relação
pessoal e profissional entre Rildo e
Sivuca. “Tínhamos três pessoas que
nos uniam: Luiz Gonzaga, que é meu
compadre, Humberto Teixeira e Guer-
ra Peixe”, diz Rildo, que também foi
aluno do maestro. “Gravei muitas coi-
sas com Sivuca no estúdio. Ele partici-
pou em gravações de Martinho da Vila
e Zeca Pagodinho”, enumera o produ-
tor e gaitista. O ápice da parceria foi o
disco Sanfona e Realejo (WEA) – o tí-
tulo é uma brincadeira com os instru-
mentos acordeom e gaita – no qual fa-
zem um dueto. “Tenho o maior respeito
pelo Sivuca por conta do virtuosismo e
da inteligência dele”. Como caracterís-
tica musical de Sivuca, Rildo fala do
virtuosismo e do gosto pelas escalas e
harmonias nordestinas, além de algu-
ma influência jazzística, comum a todo
músico que improvisa. “A característi-
ca principal do Sivuca é, além do
virtuosismo, a capacidade para tocar
alguma coisa com poucas notas. Como
ele botava a alma! Costumo dizer que
quando o Sivuca chegava, o ambiente
ficava azul claro”, comenta Rildo.
Dominguinhos, outro ícone do Acor-
deom brasileiro, lembra de quando tocava
com Sivuca na Hora Sertaneja, da Rádio
Tupi, na década de 50. “Ele era mais velho
que eu. Tocava muito. Gostava de tocar
clássico, tocava choro, samba e era bom
de palco”, relembra o músico, que destaca
a velocidade de Sivuca. Dominguinhos
conta que o acordeonista foi embora do
Brasil em uma época que o Acordeom
estava em baixa, com a preponderân-
cia da bossa nova e do violão. “Foi uma
época difícil. Quase todo mundo que
tocava sanfona passou para o piano”,
relembra, acrescentando que a volta
do músico deu nova vida para a sanfo-
na no meio musical brasileiro. Os dois
ainda tocaram muitas vezes juntos,
seja no projeto Asa Branca, durante a
década de 90, ou na gravação do disco
Cada um Belisca um Pouco, também
com Oswaldinho do Acordeon, no
qual os três tocam standards da música
brasileira com origem nordestina, além
de composições próprias. O CD ga-
nhou um prêmio TIM.
Oswaldinho não deixa de comentar
a respeito do virtuosismo dele. “Sivuca
foi uma grande referência para mim.
Ele estava muitos anos a nossa frente em
termos musicais”, ressalta o instru-
mentista. “Para mim, ele foi uma refe-
rência muito grande. Fazia inovações
no forró e foi um grande guru dos
sanfoneiros”, diz Oswaldinho. O músico
foi parceiro de Sivuca na música Um
Tom para Jobim.
No decorrer da carreira, Sivuca ainda
teve diversos encontros muito produti-
vos, em parcerias musicais ou discos com
“Sivuca foi uma grandereferência para mim. Ele
estava muitos anos anossa frente em termos
musicais. Faziainovações no forró e foi
um grande guru dossanfoneiros”
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REPORTAGEM
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Para saber mais
outros músicos como
Toots Thielemans,
Chiquinho do Acor-
deon e Rosinha de
Valença, entre mui-
tos outros, inclusive
na área sinfônica, co-
mo os maestros Ro-
berto Tibiriçá e Os-
man Guiuseppe Gio-
ia. Roberto se lembra
de quando conheceu Sivuca: “Em 95, fi-
zemos uma apresentação e daquele en-
contro surgiu uma grande parceria”,
relembra o maestro, que ainda tocou
com o acordeonista em uma turnê com a
Petrobras Sinfônica algum tempo depois.
“Para mim, ele foi um dos maiores músi-
cos que conheci, não só como técnico,
mas também como músico de sensibili-
dade”. Tibiriçá admirava a cultura musi-
cal de Sivuca e a versatilidade que o per-
mitia transitar, sem dificuldades, entre
música popular e erudita. “Ele era um
grande orquestrador. Eu admirava muito
a forma como ele tratava uma orquestra
sinfônica”, destaca Tibiriçá.
Osman também conheceu Sivuca na
década de 90, quando ainda morava na
Paraíba. “Conheci o Sivuca quando era
regente da Sinfônica Jovem da Paraíba e
produtor musical da Rede Paraíba de
Televisão (afiliada à TV Globo). Depois,
fiz vários concertos
com ele na orquestra
sinfônica da Paraíba”.
Em agosto de 2004,
gravaram o que viria
a ser o último CD de
Sivuca, lançado no
fim de 2006. “O últi-
mo concerto dele co-
nosco foi em agosto
do ano passado e teve gen-
te no público chorando de tanta emoção
que era”, relembra Osman. “Toda vez que
ele tocava parecia que revivia”, comenta.
Fim de espetáculoDoente há alguns anos, nos últimos tem-
pos Sivuca se dedicava à sua obra sinfônica
(veja quadro). Nem no fim da vida, aos 76
anos, Sivuca deixou de tocar, participando
de concertos com a Sinfônica do Recife e
da Paraíba. Dominguinhos relembra que
no mês de setembro esteve na casa do mú-
sico com o cineasta Sérgio Rosemblit para
uma entrevista sobre a sanfona, onde che-
garam a tocar juntos e até mesmo a com-
por uma nova melodia. Sivuca morreu em
dezembro de 2006, ainda fazendo música,
como não poderia deixar de ser.
O envolvimento de Sivuca com a mú-
sica sinfônica não era algo recente, mas
há um marco na atuação dele: o Concer-
to Sinfônico para Asa Branca, escrito
para uma apresentação com a Orques-
tra Sinfônica do Recife, no tradicional
Teatro Santa Isabel, concebida e produ-
zida pelo empresário Raymundo Cam-
pos, que comentou ter sido este um so-
nho de menino realizado por Sivuca.
Mais tarde, o músico ainda gravou
com as orquestras sinfônicas da Paraíba,
Rio Grande do Norte, Copenhague (Di-
namarca) e a Orquestra Sinfônica Brasi-
leira, na época em que o maestro
Roberto Tibiriçá a comandava. O ápice
do trabalho foi a gravação do CD Sivuca
Sinfônico, em 2004. Idéia que surgiu a
partir de um concerto com a Orquestra
Sinfônica do Recife, regida por Osman
Guiuseppe Gioia, no aniversário de Reci-
fe. O projeto foi custeado pela prefeitura
do Recife e o CD lançado em 2005. Con-
vidado para tocar pela prefeitura de Reci-
fe, Sivuca não cobrou. Após a tiragem
inicial de 5 mil cópias, o músico ficou com
os masters do disco e voltou a lançá-lo
pela Biscoito Fino, no fim de 2006.
Sivuca Sinfônico