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58 www.backstage.com.br REPORTAGEM Miguel Sá [email protected] Sivuca Sivuca foi acordeonista virtuose e um dos símbolos da música nordestina, mas a sua trajetória como músico foi ainda mais ampla. Entre o Brasil, a Europa e os EUA, o instrumentista, arranjador e produtor musical construiu uma carreira universal. acordeon e música D Da esq. para a dir.: Raymundo Campos, Luiz Gonzaga, Sivuca, Capiba, Maestro José Menezes e Luiz Bandeira Foto: Fátima Pombo - Acervo Raymundo Campos / Divulgação a Feira de Mangaio a Nova York, o mundo era pequeno para o instrumentista, compositor, arranjador e produtor musical Severino Dias de Oliveira. Nascido em maio de 1930, na cidade de Itabaiana, na Paraíba, tornou-se Sivuca quando mudou-se para Recife e foi trabalhar na Rádio Clube Pernambuco, aos 15 anos. Ainda em Recife, em 1948, Sivuca torna-se aluno de um dos pilares da música brasileira: o maestro Guerra Peixe, com quem estudou até 1951. O primeiro disco – e o primeiro sucesso, a parceria com Humberto Teixeira Adeus Maria Fulô – foi lançado pela gravado- ra Continental, em 1950. Em 1955 muda-se para o Rio de Janeiro, na época, capital do Brasil e o mais importante centro musical do país. Até 1958 lançou mais três discos pela Continental enquan- to trabalhava para a Rádio Tupi. Eram tempos em que o futuro produtor musical, parceiro e amigo de Sivuca, Rildo Hora, o es- cutava tocando Moto Perpetuo, de Pagannini, ain- da sem saber que se conheceriam no futuro. Sivuca no mundo Após uma tem- porada de shows na Europa, Sivu- ca resolve ficar por lá, morando em Lisboa, onde fez arranjos e pro- dução musical pa- ra o primeiro dis- co de música angolana a ser lançado na Europa, do Duo Ouro Negro. Um ano depois vai para a França, onde o sucesso de sua música o faz ganhar da imprensa francesa o prêmio de melhor músico do ano em 1962. Em 1964 vai para Nova York e lá passa a ser diretor musical da cantora sul-africana Miriam Makeba. Ele é o produtor de um grande sucesso da cantora na época, a música Pata Pata. No período norte-americano ainda fez a dire- ção musical de Joy, uma peça musical de sucesso da época. Até 1976, quando retorna ao Brasil, ainda trabalha com artistas como Paul Simon e trava uma parceria profissional importante com Harry Belafonte, além de trabalhar com músicos brasileiros como Hermeto Pascoal e o percussionista Airto Moreira e a can- tora Flora Purim. Fora do Brasil, Sivuca gravou alguns discos próprios e partici- pou de outros tocando violão e teclados. Na volta ao país, estava ca- sado com a com- positora Glória Gadelha. Com ela também teve uma fértil parceria musical, que gerou um dos clássicos da música brasi- leira: a música Feira de Magaio. O músico universal de volta ao Brasil Um dia, em meados da déca- da de 70, o pro-

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REPORTAGEM

Miguel Sá[email protected]

SivucaSivuca foi acordeonista virtuose e um dos símbolos da músicanordestina, mas a sua trajetória como músico foi ainda mais ampla. Entreo Brasil, a Europa e os EUA, o instrumentista, arranjador e produtormusical construiu uma carreira universal.

acordeon e música

D

Da esq. para a dir.: Raymundo Campos, Luiz Gonzaga, Sivuca, Capiba, Maestro José Menezes e Luiz Bandeira

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ação

a Feira de Mangaio a Nova York, o mundo era pequeno

para o instrumentista, compositor, arranjador e produtor

musical Severino Dias de Oliveira. Nascido em maio de

1930, na cidade de Itabaiana, na Paraíba, tornou-se Sivuca

quando mudou-se para Recife e foi trabalhar na Rádio Clube

Pernambuco, aos 15 anos. Ainda em Recife, em 1948, Sivuca

torna-se aluno de um dos pilares da música brasileira: o maestro

Guerra Peixe, com quem estudou até 1951.

O primeiro disco – e o primeiro sucesso, a parceria com

Humberto Teixeira Adeus Maria Fulô – foi lançado pela gravado-

ra Continental, em 1950. Em 1955 muda-se para o Rio de Janeiro,

na época, capital do Brasil e o mais importante centro musical do

país. Até 1958 lançou mais três discos pela Continental enquan-

to trabalhava para a Rádio Tupi. Eram tempos em que o futuro

produtor musical, parceiro e amigo de Sivuca, Rildo Hora, o es-

cutava tocando

Moto Perpetuo,

de Pagannini, ain-

da sem saber que

se conheceriam

no futuro.

Sivuca nomundoApós uma tem-

porada de shows

na Europa, Sivu-

ca resolve ficar

por lá, morando

em Lisboa, onde

fez arranjos e pro-

dução musical pa-

ra o primeiro dis-

co de música angolana a ser lançado na Europa, do Duo Ouro

Negro. Um ano depois vai para a França, onde o sucesso de sua

música o faz ganhar da imprensa francesa o prêmio de melhor

músico do ano em 1962. Em 1964 vai para Nova York e lá passa

a ser diretor musical da cantora sul-africana Miriam Makeba.

Ele é o produtor de um grande sucesso da cantora na época, a

música Pata Pata. No período norte-americano ainda fez a dire-

ção musical de Joy, uma peça musical de sucesso da época. Até

1976, quando retorna ao Brasil, ainda trabalha com artistas

como Paul Simon e trava uma parceria profissional importante

com Harry Belafonte, além de trabalhar com músicos brasileiros

como Hermeto Pascoal e o percussionista Airto Moreira e a can-

tora Flora Purim.

Fora do Brasil, Sivuca gravou alguns discos próprios e partici-

pou de outros tocando violão e teclados. Na volta ao país, estava ca-

sado com a com-

positora Glória

Gadelha. Com

ela também teve

uma fértil parceria

musical, que gerou

um dos clássicos

da música brasi-

leira: a música

Feira de Magaio.

O músicouniversalde volta aoBrasil

Um dia, em

meados da déca-

da de 70, o pro-

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A associação entre Sivuca e Her-

meto Pascoal não acontece só por-

que os dois são albinos e músicos. Os

dois se conheciam desde a década

de 50, quando Sivuca começava sua

carreira no Recife. Hermeto chegou

lá com o irmão mais velho, já falecido,

chamado Zé Neto. Os dois voltaram a

se encontrar em trabalhos fora do

Brasil, em 1970. No ano de 1978, vol-

tam a ter um encontro musical no pri-

meiro disco de Sivuca no Brasil, lança-

do pela gravadora Copacabana. O

nome da música era Nosso Encontro.

Sivuca lamentava que, por causa dos

caminhos de cada um, tivessem tido

poucas oportunidades para se apre-

sentar juntos.

Sivuca e Hermeto Pascoal

“A característicaprincipal do Sivuca é,

além do virtuosismo, acapacidade para tocar

alguma coisa compoucas notas. Comoele botava a alma!”

(Rildo Hora)

Dominguinhos conheceu Sivuca ainda na Rádio Tupi Osman e Sivuca gravaram o Sivuca Sinfônico

dutor musical e gaitista Rildo Hora se

encontra com Chiquinho do Acor-

deon, que logo fala: “Rildo, o Sivuca

voltou e está precisando trabalhar”. E

assim começa a se estreitar a relação

pessoal e profissional entre Rildo e

Sivuca. “Tínhamos três pessoas que

nos uniam: Luiz Gonzaga, que é meu

compadre, Humberto Teixeira e Guer-

ra Peixe”, diz Rildo, que também foi

aluno do maestro. “Gravei muitas coi-

sas com Sivuca no estúdio. Ele partici-

pou em gravações de Martinho da Vila

e Zeca Pagodinho”, enumera o produ-

tor e gaitista. O ápice da parceria foi o

disco Sanfona e Realejo (WEA) – o tí-

tulo é uma brincadeira com os instru-

mentos acordeom e gaita – no qual fa-

zem um dueto. “Tenho o maior respeito

pelo Sivuca por conta do virtuosismo e

da inteligência dele”. Como caracterís-

tica musical de Sivuca, Rildo fala do

virtuosismo e do gosto pelas escalas e

harmonias nordestinas, além de algu-

ma influência jazzística, comum a todo

músico que improvisa. “A característi-

ca principal do Sivuca é, além do

virtuosismo, a capacidade para tocar

alguma coisa com poucas notas. Como

ele botava a alma! Costumo dizer que

quando o Sivuca chegava, o ambiente

ficava azul claro”, comenta Rildo.

Dominguinhos, outro ícone do Acor-

deom brasileiro, lembra de quando tocava

com Sivuca na Hora Sertaneja, da Rádio

Tupi, na década de 50. “Ele era mais velho

que eu. Tocava muito. Gostava de tocar

clássico, tocava choro, samba e era bom

de palco”, relembra o músico, que destaca

a velocidade de Sivuca. Dominguinhos

conta que o acordeonista foi embora do

Brasil em uma época que o Acordeom

estava em baixa, com a preponderân-

cia da bossa nova e do violão. “Foi uma

época difícil. Quase todo mundo que

tocava sanfona passou para o piano”,

relembra, acrescentando que a volta

do músico deu nova vida para a sanfo-

na no meio musical brasileiro. Os dois

ainda tocaram muitas vezes juntos,

seja no projeto Asa Branca, durante a

década de 90, ou na gravação do disco

Cada um Belisca um Pouco, também

com Oswaldinho do Acordeon, no

qual os três tocam standards da música

brasileira com origem nordestina, além

de composições próprias. O CD ga-

nhou um prêmio TIM.

Oswaldinho não deixa de comentar

a respeito do virtuosismo dele. “Sivuca

foi uma grande referência para mim.

Ele estava muitos anos a nossa frente em

termos musicais”, ressalta o instru-

mentista. “Para mim, ele foi uma refe-

rência muito grande. Fazia inovações

no forró e foi um grande guru dos

sanfoneiros”, diz Oswaldinho. O músico

foi parceiro de Sivuca na música Um

Tom para Jobim.

No decorrer da carreira, Sivuca ainda

teve diversos encontros muito produti-

vos, em parcerias musicais ou discos com

“Sivuca foi uma grandereferência para mim. Ele

estava muitos anos anossa frente em termos

musicais. Faziainovações no forró e foi

um grande guru dossanfoneiros”

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Para saber mais

outros músicos como

Toots Thielemans,

Chiquinho do Acor-

deon e Rosinha de

Valença, entre mui-

tos outros, inclusive

na área sinfônica, co-

mo os maestros Ro-

berto Tibiriçá e Os-

man Guiuseppe Gio-

ia. Roberto se lembra

de quando conheceu Sivuca: “Em 95, fi-

zemos uma apresentação e daquele en-

contro surgiu uma grande parceria”,

relembra o maestro, que ainda tocou

com o acordeonista em uma turnê com a

Petrobras Sinfônica algum tempo depois.

“Para mim, ele foi um dos maiores músi-

cos que conheci, não só como técnico,

mas também como músico de sensibili-

dade”. Tibiriçá admirava a cultura musi-

cal de Sivuca e a versatilidade que o per-

mitia transitar, sem dificuldades, entre

música popular e erudita. “Ele era um

grande orquestrador. Eu admirava muito

a forma como ele tratava uma orquestra

sinfônica”, destaca Tibiriçá.

Osman também conheceu Sivuca na

década de 90, quando ainda morava na

Paraíba. “Conheci o Sivuca quando era

regente da Sinfônica Jovem da Paraíba e

produtor musical da Rede Paraíba de

Televisão (afiliada à TV Globo). Depois,

fiz vários concertos

com ele na orquestra

sinfônica da Paraíba”.

Em agosto de 2004,

gravaram o que viria

a ser o último CD de

Sivuca, lançado no

fim de 2006. “O últi-

mo concerto dele co-

nosco foi em agosto

do ano passado e teve gen-

te no público chorando de tanta emoção

que era”, relembra Osman. “Toda vez que

ele tocava parecia que revivia”, comenta.

Fim de espetáculoDoente há alguns anos, nos últimos tem-

pos Sivuca se dedicava à sua obra sinfônica

(veja quadro). Nem no fim da vida, aos 76

anos, Sivuca deixou de tocar, participando

de concertos com a Sinfônica do Recife e

da Paraíba. Dominguinhos relembra que

no mês de setembro esteve na casa do mú-

sico com o cineasta Sérgio Rosemblit para

uma entrevista sobre a sanfona, onde che-

garam a tocar juntos e até mesmo a com-

por uma nova melodia. Sivuca morreu em

dezembro de 2006, ainda fazendo música,

como não poderia deixar de ser.

O envolvimento de Sivuca com a mú-

sica sinfônica não era algo recente, mas

há um marco na atuação dele: o Concer-

to Sinfônico para Asa Branca, escrito

para uma apresentação com a Orques-

tra Sinfônica do Recife, no tradicional

Teatro Santa Isabel, concebida e produ-

zida pelo empresário Raymundo Cam-

pos, que comentou ter sido este um so-

nho de menino realizado por Sivuca.

Mais tarde, o músico ainda gravou

com as orquestras sinfônicas da Paraíba,

Rio Grande do Norte, Copenhague (Di-

namarca) e a Orquestra Sinfônica Brasi-

leira, na época em que o maestro

Roberto Tibiriçá a comandava. O ápice

do trabalho foi a gravação do CD Sivuca

Sinfônico, em 2004. Idéia que surgiu a

partir de um concerto com a Orquestra

Sinfônica do Recife, regida por Osman

Guiuseppe Gioia, no aniversário de Reci-

fe. O projeto foi custeado pela prefeitura

do Recife e o CD lançado em 2005. Con-

vidado para tocar pela prefeitura de Reci-

fe, Sivuca não cobrou. Após a tiragem

inicial de 5 mil cópias, o músico ficou com

os masters do disco e voltou a lançá-lo

pela Biscoito Fino, no fim de 2006.

Sivuca Sinfônico