Slow Cars - Saborear a condução e a paisagem

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68 | www.toposeclassicos.pt | Março 2014 Texto: Victor Lamberto | Fotos: Arquivo C om este conceito, que procura o usufruto mais susten- tado e pleno do território, advogámos o usufruto pleno das amplas paisagens alentejanas, dos seus saberes e sabores, de uma forma lenta, por espaços tradicio- nais, com automóveis clássicos (e.g. “Passeio de Primavera pela Rota dos Mármores… em Renault 4”) - “um passeio slow numa viatura slow, por uma região slow com gastronomia slow sabo- reada em espaços slow” -, tendo como base o projecto Geoturis- mo Slow do Slow Food Alentejo. No âmbito desta aproximação, que congrega os conceitos de Geoturismo (turismo ligado às especificidades do território, tendo como ponto de partida o seu contexto geológico, camada de informação primordial para a compreensão do espaço que é percorrido) e de Slow (de Slow Travel, forma de viajar num ritmo adequado à apreensão da cultura local, permitindo que o visitante se torne parte integrante do território, contactando com a população local e compreendendo o espaço que percorre), os Slow Cars surgem como uma das ferramentas ideais para o usufruto pleno do território que se visita. E como? Bem, os Slow Cars, nomeadamente os automóveis clássicos, ao serem viaturas com capacidade para envolver e “Slow Cars” entreter o condutor a velocidades que não sejam proibitivas, permitem o prazer de uma condução contemplativa, que exige atenção, mas premeia a condução hábil e estimula os sentidos dos seus condutores. Ao contrário de uma condução em modo fast - um automóvel moderno muito rápido e desligado da estra- da, da paisagem, do condutor, do prazer, e uma pressa em che- gar ao destino que leva a esquecermo-nos amiúde do prazer que podemos ter na viagem –, defendemos o modo slow - viaturas que estimulam os nossos sentidos e envolvem as nossas apti- dões, e uma condução que permite e estimula a interacção entre o condutor, o carro, a estrada e a paisagem, sem ter que ser acelerado até velocidades ilegalmente elevadas ou perigosas… Eis, pois, por que adoramos “clássicos”, slow cars sem prazo de validade, que advogam o prazer de uma condução contemplati- va, plena de prazer, viaturas que não nos divorciam do acto de conduzir (como sucede com os modernos automóveis, com os seus inúmeros gadgets)... E, curiosamente ou não, assim como há cada vez mais pessoas que se deliciam com sabores tradicionais elaborados a partir de produtos bons, limpos e justos, sazonais e locais, ao ritmo da natureza (princípios Slow Food), existem, também, cada vez mais condutores aderindo ao que chamámos de Slow Cars, veí- culos que recuperam uma forma de condução mais lenta, com habilidade, atenção e sagacidade, possibilitando uma experiên- cia de condução mais personalizada e livre, ligada à paisagem. Acreditando nós que a velocidade destrói a conexão com a pai- sagem, com o território que se percorre e visita, os slow cars permitem inverter esta tendência, restaurando essa ligação pri- mordial. É, desta forma, fomentada a estada prolongada, com tempo suficiente para ir mais além do que o que consta dos guias, estimulando a visita, a descoberta, a exploração e o usu- fruto do território e das suas singularidades, por vezes em risco de desaparecimento ou descaracterização (e.g. pequenos produ- tores, acepipes pouco conhecidos, singulares espaços tradicio- nais de restauração, mercados de rua), permitindo ao ocupan- te de um slow car tornar-se parte do local que visita, apreciar recantos únicos, conversar e procurar entender as pessoas, os seus modos de viver e espaços, participar nas actividades locais e contribuir para o desenvolvimento dessas comunidades, mui- tas vezes afastadas das rotas habituais. Os slow cars estimulam uma nova (e antiga!) aproximação ao espaço e ao tempo - aumentam a interaçção com o território, o passeio torna-se um momento para relaxar, o tempo passa a sobrar em vez de faltar, uma relação mais íntima com as comunidades locais e paisagens envolventes é encorajada -, o que favorece escolhas conscientes! E esta aproximação, inserida no Geoturismo Slow, constitui-se como uma forma de estar que potencia a sustentabilidade, as economias locais e uma verda- deira nova experiência ao visitante. Por oposição ao consumista “usa e deita fora”, os slow cars podem aliar amiúde a poupança (sobretudo em tempo de crise como o que agora atravessamos) ao prazer prolongado no espaço e no tempo, por estradas secundárias, paisagens, espaços, pro- dutores e modos de produção menos conhecidos, afastados dos lugares-comuns, não “massificados”, acarinhando a proximida- de, dando a conhecer saberes e produtos locais, promovendo um turismo sustentável, disseminado pelo território, estimulando economias locais, a auto-estima das populações e a preservação de património e paisagem locais – importa interagir com as pai- sagens que “produzem” os sabores da região que se visita, pois “a boa gastronomia é a paisagem na panela” (Josep Pla). Refira-se que os amantes de “clássicos” estão, em grande parte, Retomamos o tema dos Slow Cars, após uma primeira parte aqui publicada em Novembro passado. Nesse pri- meiro texto apresentámos o Slow Food como um movimento com mais de 100.000 membros distribuídos por mais de 100 países, cuja filosofia tem vindo a expandir-se para outras áreas (e.g. Slow Fashion, Slow Cities, Slow Travel), e que agora, com o envolvimento directo do Alentejo, chega aos “carros”, com os Slow Cars. Saborear a condução e a paisagem

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Topos & Clássicos, 155 (Março 2014), pp. 58-60

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Texto: Victor Lamberto | Fotos: Arquivo

Com este conceito, que procura o usufruto mais susten-tado e pleno do território, advogámos o usufruto pleno das amplas paisagens alentejanas, dos seus saberes e sabores, de uma forma lenta, por espaços tradicio-

nais, com automóveis clássicos (e.g. “Passeio de Primavera pela Rota dos Mármores… em Renault 4”) - “um passeio slow numa viatura slow, por uma região slow com gastronomia slow sabo-reada em espaços slow” -, tendo como base o projecto Geoturis-mo Slow do Slow Food Alentejo.

No âmbito desta aproximação, que congrega os conceitos de Geoturismo (turismo ligado às especificidades do território, tendo como ponto de partida o seu contexto geológico, camada de informação primordial para a compreensão do espaço que é percorrido) e de Slow (de Slow Travel, forma de viajar num ritmo adequado à apreensão da cultura local, permitindo que o visitante se torne parte integrante do território, contactando com a população local e compreendendo o espaço que percorre), os Slow Cars surgem como uma das ferramentas ideais para o usufruto pleno do território que se visita.

E como? Bem, os Slow Cars, nomeadamente os automóveis clássicos, ao serem viaturas com capacidade para envolver e

“Slow Cars”

entreter o condutor a velocidades que não sejam proibitivas, permitem o prazer de uma condução contemplativa, que exige atenção, mas premeia a condução hábil e estimula os sentidos dos seus condutores. Ao contrário de uma condução em modo fast - um automóvel moderno muito rápido e desligado da estra-da, da paisagem, do condutor, do prazer, e uma pressa em che-gar ao destino que leva a esquecermo-nos amiúde do prazer que podemos ter na viagem –, defendemos o modo slow - viaturas que estimulam os nossos sentidos e envolvem as nossas apti-dões, e uma condução que permite e estimula a interacção entre o condutor, o carro, a estrada e a paisagem, sem ter que ser acelerado até velocidades ilegalmente elevadas ou perigosas… Eis, pois, por que adoramos “clássicos”, slow cars sem prazo de validade, que advogam o prazer de uma condução contemplati-va, plena de prazer, viaturas que não nos divorciam do acto de conduzir (como sucede com os modernos automóveis, com os seus inúmeros gadgets)...

E, curiosamente ou não, assim como há cada vez mais pessoas que se deliciam com sabores tradicionais elaborados a partir de produtos bons, limpos e justos, sazonais e locais, ao ritmo da natureza (princípios Slow Food), existem, também, cada vez mais condutores aderindo ao que chamámos de Slow Cars, veí-culos que recuperam uma forma de condução mais lenta, com habilidade, atenção e sagacidade, possibilitando uma experiên-cia de condução mais personalizada e livre, ligada à paisagem.

Acreditando nós que a velocidade destrói a conexão com a pai-sagem, com o território que se percorre e visita, os slow cars permitem inverter esta tendência, restaurando essa ligação pri-mordial. É, desta forma, fomentada a estada prolongada, com tempo suficiente para ir mais além do que o que consta dos guias, estimulando a visita, a descoberta, a exploração e o usu-

fruto do território e das suas singularidades, por vezes em risco de desaparecimento ou descaracterização (e.g. pequenos produ-tores, acepipes pouco conhecidos, singulares espaços tradicio-nais de restauração, mercados de rua), permitindo ao ocupan-te de um slow car tornar-se parte do local que visita, apreciar recantos únicos, conversar e procurar entender as pessoas, os seus modos de viver e espaços, participar nas actividades locais e contribuir para o desenvolvimento dessas comunidades, mui-tas vezes afastadas das rotas habituais.

Os slow cars estimulam uma nova (e antiga!) aproximação ao espaço e ao tempo - aumentam a interaçção com o território, o passeio torna-se um momento para relaxar, o tempo passa a sobrar em vez de faltar, uma relação mais íntima com as comunidades locais e paisagens envolventes é encorajada -, o que favorece escolhas conscientes! E esta aproximação, inserida no Geoturismo Slow, constitui-se como uma forma de estar que potencia a sustentabilidade, as economias locais e uma verda-deira nova experiência ao visitante.

Por oposição ao consumista “usa e deita fora”, os slow cars podem aliar amiúde a poupança (sobretudo em tempo de crise como o que agora atravessamos) ao prazer prolongado no espaço e no tempo, por estradas secundárias, paisagens, espaços, pro-dutores e modos de produção menos conhecidos, afastados dos lugares-comuns, não “massificados”, acarinhando a proximida-de, dando a conhecer saberes e produtos locais, promovendo um turismo sustentável, disseminado pelo território, estimulando economias locais, a auto-estima das populações e a preservação de património e paisagem locais – importa interagir com as pai-sagens que “produzem” os sabores da região que se visita, pois “a boa gastronomia é a paisagem na panela” (Josep Pla).

Refira-se que os amantes de “clássicos” estão, em grande parte,

Retomamos o tema dos Slow Cars, após uma primeira parte aqui publicada em Novembro passado. Nesse pri-

meiro texto apresentámos o Slow Food como um movimento com mais de 100.000 membros distribuídos por

mais de 100 países, cuja filosofia tem vindo a expandir-se para outras áreas (e.g. Slow Fashion, Slow Cities, Slow

Travel), e que agora, com o envolvimento directo do Alentejo, chega aos “carros”, com os Slow Cars.

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especialmente “equipados” para esta aproximação aos territó-rios que visitem (e.g. condução consciente, sensibilidade para o património, respeito pelo ambiente, desejo de descoberta, pai-xão pelas suas viaturas), o que permitirá, com facilidade, o usu-fruto pleno e transversal de uma região e das suas singulari-dades, por estradas secundárias, a baixas velocidades… E estes passeios em slow cars, se repetidamente realizados, poderão dar azo a formas de promoção do território diferenciadoras, ao ritmo da natureza e do território, com benefícios diversificados para as comunidades locais (e.g. produtores, espaços gastro-nómicos, “ferros-velhos”), podendo outrossim, e por exemplo, fomentar o interesse por “clássicos” e o aparecimento de peque-nas oficinas especializadas no restauro e manutenção dos mes-mos, e respectivas acções de formação profissional, a criação de pequenas empresas de animação turística que utilizem slow cars, a instalação de espaços interpretativos incorporando estas viaturas (e.g. a R4 como elemento indissociável da paisagem alentejana).

A terminar, refira-se que o Slow Food Alentejo prosseguirá no aprofundamento do seu projecto Geoturismo Slow, em desen-volvimento desde 2000 (e.g. palestras, passeios, artigos, encon-tros, tertúlias), nomeadamente na vertente Slow Cars agora abordada – “passeios slow em viaturas slow por territórios slow com gastronomia slow saboreada em espaços slow” -, através

da realização de um conjunto de passeios centrados na gastro-nomia local (a que chamamos “eat-inerários”) e de outros even-tos, que deverão envolver parcerias diversas (e.g. 4.Clube.Portu-gal, “Diário do Sul”, autarquias, produtores) e que anunciaremos atempadamente.<