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Súmula 598-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Súmula 598-STJ Márcio André Lopes Cavalcante DIREITO TRIBUÁRIO IMPOSTO DE RENDA Comprovação de doença grave para fins de isenção de IR Súmula 598-STJ: É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do Imposto de Renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova. STJ. 1ª Seção. Aprovada em 08/10/2017. Isenção de imposto de renda sobre os proventos da aposentadoria para doentes graves O imposto de renda é regido pela Lei nº 7.713/88. Esta Lei prevê que as pessoas portadoras de neoplasia maligna ou outras doenças graves e que estejam na inatividade não pagarão imposto de renda sobre os rendimentos recebidos a título de aposentadoria, pensão ou reforma (art. 6º, XIV). Em palavras mais simples: pessoas portadoras de doenças elencadas pela legislação não pagarão imposto de renda sobre os rendimentos que receberem a título de aposentadoria, pensão ou reforma. Para ter direito à isenção do imposto de renda é necessária a cumulação de dois requisitos pelo contribuinte: a) receber proventos de aposentadoria, pensão ou reforma; e b) estar acometido de uma das doenças arroladas no dispositivo legal. Veja a previsão legal: Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; Imagine agora a seguinte situação hipotética: João, aposentado, estava apresentando problemas de saúde e foi internado em um hospital particular. Fez diversos exames nos quais ficou constatado que ele está com neoplasia maligna (câncer). Diante disso, ele requereu isenção do imposto de renda sobre os valores que ele recebe a título de aposentadoria. Para tanto, ele juntou todos os laudos dos exames que realizou, assim como uma declaração do médico do hospital. A Receita Federal, contudo, indeferiu o pedido alegando que, para ter direito à isenção, seria indispensável a apresentação de um laudo médico oficial, conforme exige o art. 30 da Lei nº 9.250/95: Art. 30. A partir de 1º de janeiro de 1996, para efeito do reconhecimento de novas isenções de que tratam os incisos XIV e XXI do art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pelo art. 47 da Lei nº 8.541, de 23 de dezembro de 1992, a moléstia deverá ser

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Súmula 598-STJ Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO TRIBUÁRIO

IMPOSTO DE RENDA Comprovação de doença grave para fins de isenção de IR

Súmula 598-STJ: É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do Imposto de Renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 08/10/2017.

Isenção de imposto de renda sobre os proventos da aposentadoria para doentes graves O imposto de renda é regido pela Lei nº 7.713/88. Esta Lei prevê que as pessoas portadoras de neoplasia maligna ou outras doenças graves e que estejam na inatividade não pagarão imposto de renda sobre os rendimentos recebidos a título de aposentadoria, pensão ou reforma (art. 6º, XIV). Em palavras mais simples: pessoas portadoras de doenças elencadas pela legislação não pagarão imposto de renda sobre os rendimentos que receberem a título de aposentadoria, pensão ou reforma. Para ter direito à isenção do imposto de renda é necessária a cumulação de dois requisitos pelo contribuinte: a) receber proventos de aposentadoria, pensão ou reforma; e b) estar acometido de uma das doenças arroladas no dispositivo legal. Veja a previsão legal:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;

Imagine agora a seguinte situação hipotética: João, aposentado, estava apresentando problemas de saúde e foi internado em um hospital particular. Fez diversos exames nos quais ficou constatado que ele está com neoplasia maligna (câncer). Diante disso, ele requereu isenção do imposto de renda sobre os valores que ele recebe a título de aposentadoria. Para tanto, ele juntou todos os laudos dos exames que realizou, assim como uma declaração do médico do hospital. A Receita Federal, contudo, indeferiu o pedido alegando que, para ter direito à isenção, seria indispensável a apresentação de um laudo médico oficial, conforme exige o art. 30 da Lei nº 9.250/95:

Art. 30. A partir de 1º de janeiro de 1996, para efeito do reconhecimento de novas isenções de que tratam os incisos XIV e XXI do art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pelo art. 47 da Lei nº 8.541, de 23 de dezembro de 1992, a moléstia deverá ser

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comprovada mediante laudo pericial emitido por serviço médico oficial, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Inconformado, João ingressou com ação judicial pedindo o reconhecimento de seu direito à isenção com base nos inúmeros laudos médicos particulares que examinaram a sua situação e que atestaram a existência da moléstia. O juiz poderá acolher o pedido de João? O magistrado pode reconhecer o direito à isenção do Imposto de Renda de que trata o art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 apenas com base em documentos médicos particulares (sem um laudo médico oficial)? SIM. A comprovação da moléstia grave para fins de isenção de imposto de renda não precisa ser comprovada mediante laudo médico OFICIAL podendo o magistrado valer-se de outras provas produzidas. Esse entendimento reiterado do STJ deu origem à Súmula 598. E o art. 30 da Lei nº 9.250/95? O STJ entende que a norma prevista no art. 30 da Lei nº 9.250/95 é uma regra aplicável apenas para a Administração Pública, de forma que ela não vincula (limita) o juiz. Isso porque o magistrado, no momento de julgar, goza do “livre convencimento motivado” (persuasão racional), podendo apreciar, de forma motivada, as provas produzidas, conforme autorizado pelos arts. 371 e 479 do CPC/2015:

Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.

Nesse sentido: STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 533.874/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/05/2017. Como explica Daniel Amorim Assumpção Neves:

“O sistema de valoração das provas, adotado pelo sistema processual brasileiro, é o da persuasão racional, também chamado de livre convencimento motivado. Significa dizer que não existem cargas de convencimento pré-estabelecidas dos meios de prova, sendo incorreto afirmar abstratamente que determinado meio de prova é mais eficaz no convencimento do juiz do que outro. Com inspiração nesse sistema de valoração das provas, o art. 479 do Novo CPC prevê que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo se convencer com outros elementos ou fatos provados no processo.” (Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 817).

Obs: alguns autores afirmam que, com o novo CPC, não seria mais correto falar em “livre” convencimento motivado. É o caso, por exemplo, de Fredie Didier:

“Todas as referências ao ‘livre convencimento motivado’ foram extirpadas do texto do Código. O silêncio é eloquente. O convencimento do julgador deve ser racionalmente motivado: isso é quanto basta para a definição do sistema de valoração da prova pelo juiz adotado pelo CPC-2015. Não é mais correta, então, a referência ao ‘livre convencimento motivado’ como princípio fundamental do processo civil brasileiro; não é dogmaticamente aceitável, do mesmo modo, valer-se desse jargão para fundamentar as decisões judiciais. (...)” (DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2., Salvador: Juspodivm, 2015, p. 102-103).

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Apesar dessa relevantíssima posição doutrinária acima, é importante registrar que, para a maioria da doutrina e da jurisprudência, continua sendo possível falar em livre convencimento motivado. O próprio STJ permanece utilizado essa nomenclatura:

(...) O art. 370 do Novo Código de Processo Civil (art. 130 do CPC/1973) consagra o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o magistrado fica habilitado a valorar, livremente, as provas trazidas à demanda. (...) STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp 1169112/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 27/06/2017.