Por que criar Personas?Existem diferentes maneiras de enxergar a prática das personas e muitas variações no seu formato estão disponíveis. Este artigo propõe uma definição, explora os motivos de uso desta ferramenta e apresenta uma visão sobre o seu processo de criação.

O que são personas?Personas são uma importante ferramenta do Design de Interação, que podem ser criadas a partir de pesquisas apropriadas e permitem o entendimento de como as pessoas se comportam, quais são as suas frustrações, seus desejos e como utilizam os produtos e serviços estudados.As personas são documentos que descrevem pessoas fictícias, baseadas nos resultados de uma pesquisa com usuários reais.

Elas podem ter perfis extremos (que trazem posições tanto positivas como negativas à proposta de valor do seu produto ou serviço) e também médios (que refletem grupos majoritários de usuários) representando, assim, a amplitude de

características do público, mas também ressaltando particularidades úteis ao projeto.

Quando bem projetadas, elas são usadas como um ponto de suporte à iteração sempre que uma pergunta ou dúvida surge sobre como os aspectos do produto ou serviço devem ser projetados.

Utilizando personas, negócios podem ser mais estratégicos em alcançar seu público, pois elas podem claramente ilustrar para todos os stakeholders, incluindo a equipe de design, a dimensão do problema que se está lidando e as pessoas cujas vidas serão afetadas.

Personas NÃO são entregáveisO que realmente importa no processo de criação de personas é o uso que será dado a elas pela sua equipe durante o projeto. Se você as está criando acreditando que vai entregar valor ao cliente, seguindo uma metodologia que viu por aí, pode estar desperdiçando muito esforço e tempo. O cliente, geralmente, não enxerga valor nas personas e não as entende como um entregável, a menos que ele participe do processo de criação e tome decisões no projeto a partir destes documentos.

As personas podem ser bem úteis e gerar benefícios para seu time de design quando utilizadas como uma conexão entre a fase de pesquisa e a fase de

arquitetura de informação. Elas são uma síntese dos resultados de pesquisa de usuários que vai ajudar na tomada de decisões ao projetar o produto ou serviço, servindo como um instrumento de iteração para a equipe.

No curso de um projeto, ao se deparar com um momento de decisão, a equipe poderá recorrer às personas e se perguntar:

Esta funcionalidade atende às necessidades das nossas personas?

Será que a Suzana conseguiria preencher este formulário?

Estamos comunicando bem o serviço para o Guilherme?

Talvez a Lara precise ser convencida de maneira mais enfática nesta interação…

Desta maneira, as personas permitem iterações contínuas e rápidas, principalmente se elas foram bem desenvolvidas, baseadas em dados reais e representam a amplitude de características do seu público.

Dados demográficos são vilões?As personas criadas no Marketing geralmente são assim: Jorge Almeida é casado, tem dois filhos pequenos, mora em um condomínio de luxo no Rio de Janeiro, gosta de jogar pólo aquático, tem entre 35 e 45 anos… Elas tendem a enquadrar os usuários em caixas que caibam nas estruturas de planos de mídia. Talvez na definição de campanhas publicitárias estas personas sejam aceitáveis, mas você não conseguirá tomar decisões de projeto,

pensando na Experiência do Usuário, apenas com isto.

As personas devem expressar as reais necessidades, frustrações e desejos daquelas pessoas, mostrando o que originou aquele sentimento relacionado à sua proposta de valor. Talvez o Jorge, da persona acima, nem goste de jogar pólo, mas veja nesta ocasião a única oportunidade de interagir com outras pessoas de quem gosta e se sente realizado em compartilhar um momento de lazer com elas. São essas apropriações das estórias criadas para estes personagens que trazem significado ao trabalho com personas.

Um dos problemas originados no uso de uma persona como a anterior é que, utilizando muitos dados demográficos, você pode acabar seguindo suposições inconscientes. Eu já criei personas com essas informações (inclusive as que mostro na segunda parte deste texto), até que encontrei um artigo que mudou minha forma de pensar sobre isso:“Demographics can cause assumptions, shortcuts in thinking, and subconscious stereotypes by team members.” Indi Young — Describing Personas [tradução] Dados demográficos podem gerar nos membros do time suposições, atalhos no pensamento e estereótipos inconscientes.

Inspirado neste pensamento, no início do workshop “De Entrevistas Para Personas”, que realizei no WIAD’17 (World Information Architecture Day

2017) em Belo Horizonte, pedi que os participantes criassem uma descrição sobre os hábitos alimentares das pessoas desconhecidas que estavam sentadas ao lado, sem ter a chance de entrevistá-las. Ou seja, os documentos foram criados apenas com suposições, com o objetivo didático de mostrar que seguir este caminho quase sempre não trará bons resultados.

Criando personas às cegas no Workshop “De Entrevistas Para Personas” no evento WIAD, Belo Horizonte/MG (2017)

Pedi que um dos participantes criasse essa “persona” com o que poderia supor sobre mim. Como logo antes eu havia me apresentado ao grupo e citado que sou baiano, ele escreveu que eu gostava muito de pratos apimentados. Ele seguiu um atalho de pensamento: baiano gosta de pimenta. Só que eu definitivamente não sou fã deste tempero. Isto é um exemplo simples de suposição baseada em dados demográficos que pode prejudicar o resultado de um projeto.

Todos os participantes tiveram a chance de entrevistar as duplas após o primeiro exercício e

verificar quão distantes da realidade foram as suas suposições. Entenderam que observando apenas a imagem da pessoa, a forma como se veste ou a postura social, nós acabamos criando uma série de estereótipos de forma insconsciente, prejudicando nosso trabalho como designers.Ao criar uma persona, é importante evitar colocar informações de origem, idade, etnia, etc.

Os dados demográficos raramente serão úteis na fase de arquitetura de informação e, na maioria das vezes, podem se tornar um viés indesejado no projeto. No lugar disto, utilize-se de empatia, entenda e apresente as causas reais de uma frustração, de um desejo, de uma habilidade…

Utilize ferramentas quantitativas e qualitativas na sua pesquisaListe o que você ainda não sabe ou apenas supõe e vá atrás destas informações. Uma boa maneira de formular as perguntas que vão direcionar sua pesquisa, é utilizar a Matriz CSD (Certezas, Dúvidas e Suposições). Reuna os membros do time e alinhem o conhecimento sobre o problema e público do projeto. A partir do entendimento daquilo que precisa ser esclarecido, relacionem perguntas que os ajudarão a recolher os dados.Não há efetividade em uma pesquisa sem objetivo, por isso determine o que precisa descobrir antes de começar suas entrevistas.

Há uma grande diferença no que se pode alcançar com entrevistas à distância e presenciais. Na minha experiência, só é possível conhecer bem histórias e perceber os sentimentos das pessoas no tête-à-tête. Não acredite que aquele formulário que publicou no Facebook vai te trazer a profundidade necessária sobre o que pensam seus potenciais usuários. Quase sempre é preciso ir além do questionário online. Utilize outras ferramentas de pesquisa qualitativa tais como entrevistas, grupos de foco, safari, cliente oculto, etc. Este artigo mostra alguns exemplos de ferramentas de pesquisa.

Equipes compartilhando resultados de pesquisa de campo no Workshop “Design Thinking”, São Paulo/SP (2014)

Por outro lado, números são evidências reais que devem embasar suas decisões de projeto. Converse com as outras pessoas do seu time e entenda que informações estão documentadas e quais dados são coletados, além de listar o que mais gostaria de identificar. Defina métricas, recolha dados e acompanhe os resultados. A partir de análises de resultados quantitativos, a equipe pode entender se aquele comportamento percebido nas entrevistas

faz sentido em larga escala e o quanto isto pode impactar a experiência de uso do seu produto ou serviço.

Simplificação do processo de criação de personas.

Como personas foram decisivas na definição de um projetoApresento a seguir, um caso real de uso de personas, em que elas foram protagonistas em uma decisão crítica de projeto:

O Programa Melhoria da Educação no Município ajuda secretários de educação e prefeitos de pequenos municípios a melhorar a gestão municipal da educação. Eram utilizadas ferramentas como workshops presenciais, vídeos e um livro contendo muita informação e diversos fluxos para a realização de processos de gestão de educação.

No ano de 2013, o Itaú Social, que coordena o programa, contratou nossa equipe com o objetivo de ampliar o alcance do projeto, levando para o ambiente digital a oportunidade de aprendizagem.

A demanda inicial era de criação de um jogo que apresentaria o conteúdo de maneira lúdica.

Afastando as suposiçõesEstávamos lidando com um grupo de pessoas com contextos de vida muito diferentes do que estávamos acostumados e tudo o que tínhamos eram suposições sobre seus hábitos digitais. Por essa razão, a primeira etapa deste projeto foi de pesquisa. Entrevistamos algumas pessoas e realizamos uma pesquisa netnográfica, entendendo melhor os hábitos e dificuldades do público.

Desenhamos 6 personas que representavam a amplitude de características encontradas no público.

Apenas para ilustrar a profundidade que chegamos, mostro duas das personas criadas a seguir.

A diretora Sheila representava um grupo de professores mais qualificados tecnicamente, que buscam revolucionar a educação e tem hábitos digitais maduros:

A Dona Luzia representava um perfil muito mais conservador e estava no canto oposto da nossa régua de afinidade com dispositivos digitais:

Todas as personas poderiam ser engajadas em um jogo, no entanto, existia alguma variação no grau de predisposição que precisava ser estudado. Pensando nisto e a fim de planejar corretamente a linguagem que seria utilizada para garantir a adesão e o engajamento dos usuários, seguimos para um momento de cocriação com o cliente.

Para cada persona criada e com os resultados de nossas pesquisas, destacamos qual era a predisposição para o uso de jogos, cuidando para que a plataforma fosse menos entendida como uma brincadeira e mais percebida como um guia:

Levando as personas para validação com os stakeholders, principalmente aquelas pessoas que frequentavam os workshops nos municípios, encontramos a relevância e frequência de cada persona que criamos. Ou seja, entendemos quais personas tinham maior representatividade na realidade da gestão municipal de educação no Brasil:

Pois é, a Dona Luzia estava no topo da representatividade e isso nos permitiu perceber que a maior parte do público não reconhecia os jogos como possíveis ambientes de aprendizagem. Foram as personas que nos ajudaram a diagnosticar este cenário.

Optamos, assim, por criar um ambiente virtual de aprendizagem com elementos e mecânicas de jogos (gamification) distribuídos pela experiência de uso e conteúdo da plataforma, sem criar uma aura lúdica no sistema.

Note o quanto foram importantes as personas neste processo de decisão, mesmo que elas não tenham sido um entregável. O resultado da etapa foi a análise sobre a linguagem da plataforma, que se baseou nas personas como ferramenta de comparação e na inteligência coletiva dos momentos de cocriação com o cliente.

Personas são um instrumento de empatiaA empatia é um pilar fundamental da construção de sistemas que geram experiências de usuário notáveis. Entender as pessoas que vão utilizar aquele produto ou serviço é uma etapa crítica neste processo.

Traduzir essas descobertas em personas e compartilhá-las com sua equipe e com o cliente, pode permitir que todos tenham uma visão mais empática das pessoas que vão ser impactadas pelo projeto.

Minha experiência com personas me diz que elas são muito importantes, apesar de não ser infalíveis. Por isso, antes de começar a desenhá-las, pergunte-se sobre como pretende usá-las no seu projeto e quais reais ganhos podem ser extraídos do uso da ferramenta.