Síndrome de contração capsular - SciELO

3
Síndrome de contração capsular psular contraction syndrome José Beniz 1• 1 Fernando Trindade 1 2 1 Doutor em Oſtalmo logia pe la UFMG. Chefe dos Serviços de Cóea e Uve ites do CBCO - Centro Brasileiro de Cirurgia de Olhos, Goiânia. m Prossor Adjunto de Oftalmologia da UFMG. Che- fe do Departamento de Catarata e Cóea do Hospital São Geraldo da FMUFMG, Belo Horizonte. 92 Endereço para correspondência: Dr. José Beniz - Avenida T-2, n º 401 - S. Bueno - CEP 74210-010 - Goiânia - GO RESUMO Os autores apresentam dois casos de síndrome de contração capsular. Esta é uma rara complicação da técnica de capsulorrexe, em contra-partida as suas inúmeras vantagens. São itas considerações sobre sua incidência, diagnós- tico diferencial, tores predisponentes, tratamento e proaxia. Palavras-chave:Cont raçãocapsular; Capsulorrexe; Facectomia; Lente intra-ocular; Facoemulsificação. INTRODUÇÃO A capsulotomia circular contínua - capsulorrexe - descrita por Gimbel & Neuhann 1 é utilizada universalmente como etapa inicial na facoe mulsifica- ção. Tem sido cada vez mais preferida pelos cirurgiões oftalmológicos devido a suas vantagens, entre elas: evitar a ruptura radial periférica da cá psula anterior do cristalino, permitir a reali- zação dos procedimentos cirúrgicos dentro do saco capsular e proporcionar maior estabilidade à lente intra-ocular (LIO) no pós-operatório. Dentre as raras complicações rela- tadas estão a constricção da abertura da cápsula anterior, proliferação epi- telial e hiperdistensão do saco capsu- lar. A síndrome de contração capsular foi descrita por Davison 2 · 3 e sua ocor- rência ampliada por Hansen & cols 4 e Masket 5 . No Brasil foi relatada por Ghiaroni & Daher 6 · 7 e Grimberg & Kwitko 8 . Apresentamos dois casos adicio- nais de constricção da cápsula anterior em pacientes que foram submetidos a cirurgia de catarata utilizando-se a técnica de capsulorrexe. RELATO DOS CASOS Caso 1 Paciente de 68 anos, do sexo femi- nino, com história prévia de glaucoma agudo e trabeculectomia em ambos os olhos (AO). Ao exame sua acuidade visual (A V) corrigida era de 20/200 no OD e 20/50 no OE e pressão intra- ocular (Po) 12 mmHg AO. Havia mi- dríase paralítica e irregular, câmara anterior rasa e catarata nuclear em AO. A fundoscopia mostrava pali dez de papila no OD e OE normal. Foi sub- metida a facoemulsi ficação no OE, após capsulorrexe, com implante de LIO 5x6mm, peça única de PMMA, no saco capsular. Sua AV pós-operató- ria corrigida foi 20/25. Três meses depois apresentava cons- tricção da cápsula anterior, que se en- contrava opaca. A cápsula posterior es- tava transparente (Fig. 1 ). A LIO mos- trava-se deslocada nasalmente (Fig. 2). Sua AV havia diminuo para 20/100. Foi diagnosticada síndrome de contra- ção capsular e realizada capsulotomia relaxante com YAG-Iaser - 60 disparos, 0,5 mJ - na borda inferior do orifício capsular. A AV retorno u a 20/25. ARQ. BRAS . OFTAL . 60(1 ), FEVEREIR0/1 997 http://dx.doi.org/10.5935/0004-2749.19970106

Transcript of Síndrome de contração capsular - SciELO

Page 1: Síndrome de contração capsular - SciELO

Síndrome de contração capsular

Capsular contraction syndrome

José Beniz 1•1

Fernando Trindade 121

Doutor em Oftalmologia pela U FMG. Chefe dos Serviços de Córnea e Uveites do CBCO - Centro Bras i le i ro de C i rurgia de Olhos, Goiânia .

m Professor Adjunto de Oftalmologia da UFMG. Che­fe do Departamento de Catarata e Córnea do Hospital São Geraldo da FMUFMG, Belo Horizonte.

92

Endereço para correspondência : Dr . José Beniz -Avenida T-2, nº 401 - S. Bueno - CEP 742 1 0-0 1 0 -Goiânia - GO

RESUMO

Os autores apresentam dois casos de síndrome de contração capsular. Esta é uma rara complicação da técnica de capsulorrexe, em contra-partida as suas inúmeras vantagens. São feitas considerações sobre sua incidência, diagnós­tico diferencial, fatores predisponentes, tratamento e profilaxia.

Palavras-chave:Contração capsular; Capsulorrexe ; Facectomia; Lente intra-ocular; Facoemulsificação.

INTRODUÇÃO

A capsulotomia c ircular contínua -capsulorrexe - descrita por Gimbel & Neuhann 1 é ut i l i zada universalmente como etapa in ic ial na facoemuls ifica­ção. Tem sido cada vez mai s preferida pelos c irurgiões oftalmológicos devido a suas vantagens , entre elas : evi tar a ruptura radi al perifér ica da cápsula anterior do cristal ino , permitir a real i ­zação dos procedimentos c irúrg icos dentro do saco capsular e proporcionar maior estabi l idade à lente intra-ocular (LIO) no pós-operatório .

Dentre as raras complicações rela­tadas estão a constricção da abertura da cápsula anterior, prol iferação epi­tel i al e hiperdistensão do saco capsu­lar . A síndrome de contração capsular foi descrita por Davison 2 · 3 e sua ocor­rência ampl iada por Hansen & cols 4 e Masket 5 . No Brasil foi relatada por Ghiaroni & Daher 6

· 7 e Grimberg &

Kwitko 8 .

Apresentamos dois casos adic io­nais de constricção da cápsula anterior em pacientes que foram submetidos a c i rurgia de catarata u t i l i zando-se a técnica de capsulorrexe .

RELATO DOS CASOS

Caso 1 Paciente de 68 anos, do sexo femi­

nino, com história prévia de glaucoma agudo e trabeculectomia em ambos os olhos (AO). Ao exame sua acuidade vi sual (A V) corrigida era de 20/200 no OD e 20/50 no OE e pressão intra­ocular (Po) 1 2 mmHg AO. Havia mi­dríase paral ít ica e irregular , câmara anterior rasa e catarata nuclear em AO. A fundoscopia mostrava palidez de papi la no OD e OE normal . Foi sub­met ida a facoemuls i ficação no OE, após capsul orrexe, com implante de LIO 5x6mm, peça única de PMMA, no saco capsular. Sua A V pós-operató­ria corrigida foi 20/25 .

Três meses depois apresentava cons­tricção da cápsula anterior, que se en­contrava opaca. A cápsula posterior es­tava transparente (Fig. 1 ). A LIO mos­trava-se deslocada nasalmente (Fig. 2) . Sua A V havia diminuído para 20/ 1 00. Foi diagnosticada síndrome de contra­ção capsular e realizada capsulotomia relaxante com Y AG-Iaser - 60 disparos, 0,5 mJ - na borda inferior do orifício capsular. A A V retornou a 20/25 .

ARQ. BRAS. OFTAL. 60( 1 ), FEVEREIR0/1 997

http://dx.doi.org/10.5935/0004-2749.19970106

Page 2: Síndrome de contração capsular - SciELO

Síndrome de contração capsular

Fig . 3 - Constricção e f ibrose capsu lar anterior (caso 2 ) . F ig . 4 - Abertu ra da cápsu la com YAG-laser (caso 2) .

Caso 2 Paciente de 39 anos , do sexo fem i n i ­

n o , c om d i agnóst ico de uveíte i nterme­d i ár ia . Após anos de evol ução da doen­ça, apresen tava catarata subcapsu lar posterior em AO, com A V de 20/200. A Po era de 1 6 mmHg e a fundoscop ia mostrava apenas d i scretas alterações do epi tél i o p igmen tár io da reti na (EPR) na peri feria de AO. Como sua uveíte apre­sentava surtos graves , com formação de s i néqu ias posteriores , fo i i n d icada ex ­t ração extra-capsular da catarata sem i mplante de LIO . O OE fo i operado pri ­meiramente , tendo s ido a capsulotomia irregul ar. Após do i s meses houve neces­s idade de Y AG-laser para uma trave

ARQ BRAS . OFT AL. 60( 1 ) , F E V E R E I R 0/ 1 997

fi bróti ca da cápsula anterior , s i tuada no e i xo pup i lar. Chegou a A V de 20/30 com lente de contato .

O OD foi submet ido a c irurg i a se i s meses depo i s , com capsu lorrexe regu­lar . A A V pós-operatór ia corri g ida fo i de 20/40. Três meses após o ato c i rúr­g ico , a A V ca iu para 20/ 1 50 . Notava­se in ten sas constr icção e opac i fi cação das bordas da capsulorrexe , com for­mação de es t r ias rad i a i s na cáps u la anter ior (Fi g . 3 ) . Com o d i agnós t ico de s ín drome de contração capsu lar, fo i i nd icada a abertura com Y AG-laser-1 5 d i sparos , 2, 1 mJ - (Fig . 4 ) . A A V corri g ida com lente de contato passou a ser de 20/30 .

DISCUSSÃO

A s índrome de con tração capsular fo i descr i ta por Dav i son 2

· 3, secundár ia a d i splas i a fi bro s a consequente a res­tos de célu las ep i tel i a i s do cr i s tal i no , a s soc i ad a a frag i l i d ade zonu lar . Os pr i m e i ros re l a to s re sponsab i l i zaram preferenc i almen te a sen i l i dade e olhos portadores de al terações prév ias , como pseudo-esfol i ação, uvc ítc , a l ta m iop ia e d i s trofi a muscular m iotôn ica 2

·4

_ Sa­bemos porém que sua oc orrên c i a é ma i s comum cio que i n i c i a lmente i ma­g i n ada 4·

8. Daher & Gh i aron i 7 es t ima­

ram em 2% a i nc i dênc i a dessa s ín­drome em 200 olhos submet idos a fa-

93

Page 3: Síndrome de contração capsular - SciELO

coemuls ifi cação e implante da LIO no saco capsular. Grimberg & Kwitko 8

apresentaram três outros casos e fize­ram considerações sobre o mecanismo fis iopatológico da contração capsular. Joo & cols 9 mostraram em recente estudo que, além da presença de célu­las epiteliais do cristal ino , a caps�lor­rexe de diâmetro menor que 5 , 5 mm propicia posteriormente a diminuição do orifício da cápsula.

Ambos os casos descritos no pre­sente trabalho possuíam his tória pato­lógica ocular pregressa . A paciente do caso I tinha sido submetida a c irurgia ant i g laucomatos a prev i amen te . No caso 2 a pac iente era acompanhada cl inicamente por vários anos com o diagnóst ico de uveíte i n termediária . As duas s ituações são potencialmente cataratogênicas, prej udiciais à in tegri­dade da barreira hemato-aquosa e pro­movem diminuição da tensão zonular. Além disso, propic iam maior resposta do segmento anterior do olho à agres­são cirúrgica, estimulando a prol ifera­ção das células epitel ia i s cristal i n ia­nas remanescentes . Estes dois fatores pri ncipai s , agi ndo como forças soma­tórias , levam à diminuição concêntri­ca do orifício capsu lar c i rcu lar . No processo de fibrose da cápsula anterior algumas LIOs são deslocadas , como no caso 1 , aleatoriamente, segundo as forças tensionais que se impõem na região . No caso 2, além dos fatores inflamatórios predisponentes, a ausên­c ia de LIO pode ter fac i l i tado ainda mais a contração da cápsula anterior. Teoricamente , LIO em peça ún ica , toda de PMMA, deve ser considerada em pacientes predispostos a desenvol-

94

Síndrome de contração capsular

ver constricção, quando houver indi­cação para implantação. Vale enfati­zar que, apesar da ut i l ização deste tipo de lente no caso 1 , houve o desenvol­vimento da síndrome. Também é im­portante res sal tar, em semelhança a outros relatos , a precocidade do seu aparecimento, em ambos os casos três meses após a cirurgia.

Ou tras opac ifi cações c ap su l ares prec i sam ser destacadas da síndrome de c on tração capsular em pacientes pseudofác i co s . Pérolas de El schn ig podem surg i r como resultado da h i ­pertrofi a de cé lu las do ep i té l i o cr i s ­tal in iano . Ta l alteração também ocor­re ao redor de uma capsulotomia pos­terior a l aser , como descr i ta por Mas­ket 5 • O anel de S oemmerin g aparece mais perifericamente , como resu l tado da adesão da cápsu la anterior à pos­ter ior .

No momento não há dúvidas sobre as i númeras van tagens oferecidas pela capsulorrexe . Apesar da síndrome de contração capsu lar ser rara e poder acontecer em qualquer paciente, temos que permanecer atentos àqueles casos onde esta complicação tem um poten­c i al maior de ocorrênc ia . Olhos de pessoas com fragi l idade zonular devi­do a idade muito avançada, pseudo­esfol iação, uveítes e distrofia muscu­l ar miotônica ou excess iva inflamação no pós-operatório , como em diabetes , reti nos e pigmentária e cirurgias pré­vias , devem ser encarados com cautela. Atitudes profi láticas nestas s ituações i n c l uem aumen to do d i âmetro da capsulorrexe , ut i l i zação de LIO toda de PMMA em peça ú n ica , i n c i são relaxante da cápsula anterior no ato

c1rurgico (após o implante da LIO) e Y AG-laser precoce (2-3 semanas) se houver s inais de contração capsular.

SUMMARY

The authors present two cases of anterior capsule contraction syndrome. This is a rare complication of capsulorhexis, as opposed to its many advantages. Considerations are made about incidence, differential diagnosis, predisposing factors, treatment and profilact recommendations.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 . G IMBEL, H . V . ; NEUHANN, T. - Development, advantages, and methods of the continuous cir­c u l ar capsu lorhex i s technique . J. Cataract Refract. Surg. 1 6 : 3 1 -3 7 , 1 990.

2. DAVISON, J . A. - Intlammatory sequelae with s i l i c o n e - p o l ypropy lene I O L s . J. Cataract Refract. Surg. 1 8 : 42 1 -422, 1 992.

3 . DA YI SON, J . A . - Capsule contraction syn­drome. J Cataract Refract. Surg. 19: 5 82-589, 1 993 .

4 . HANSEN, S . O . ; CRANDALL, A. S . ; OLSON, R. J . - Progressive constriction of the anterior capsular opening fol lowing intact capsulorhexis . J. Cataract Refract. Surg. 19 : 77-82 , 1 993 .

5 . MASKET, S . - Postoperative complications of capsulorhexi s . J. Cataract Refract. Surg. 1 9 : 7 2 1 -724 , 1 993 .

6 . G H IARON I , A . ; DAHER, L. - Síndrome de con­tração capsu l ar . Rev. Bras . O/ia/mo/ . 53 : 69 -70, 1 994.

7 . DAHER, L. ; G H I ARON I , A . - Incidênci a da síndrome de contração do saco capsular. Arq. Bras. O.fia/mo/. 58: 223 , 1 995 .

8 . G R I M B E R G , A . ; K W I T KO, S . - Contração capsular pós capsulorrexi s : relato de casos. Arq. Bras. O/ia/mo/. 58: 329-3 3 2 , 1 995 .

9 . JOO, C; SHIN , J . ; K IM , J . - Capsular opening contraction after curvi l inear capsulorhexis and i n trao c u l a r t en s i m p l antat i on . J. Cataract Refract. Surg. 22: 5 85-790, 1 996.

ARQ. BRAS. O FTAL. 60( 1 ) , FEVEREIR0/ 1 997