SOARES, M. C. B.

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS COMUNICAÇÃO E ARTES CURSO DE PSICOLOGIA POTENCIALIDADES TERAPÊUTICAS DO USO RITUALÍSTICO DA AYAHUASCA MIRNA COSTA BRAZ SOARES TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE PSICOLOGIA Orientador(a): Prof. Silvia A. C. Martins Ph.D Maceió, junho de 2009.

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O uso da Ayahuasca está tradicionalmente vinculado a um ritual, onde o obje-tivo é entrar em contato com o divino e com o sagrado, proporcionado experiências de autoconhecimento e de transcendência. Essas experiências são fluidas, subjetivas e transpessoais, pois levam ao contato com uma realidade que transcende o cotidiano.Em nossa pesquisa buscaremos compreender os conteúdos mobilizados na experiência com Ayahuasca, que são fundamentalmente transpessoais, o seu potencial terapêutico e as transformações ocorridas nos indivíduos, que estão relacionadas a uma série de fatores como a bebida enteógena, a subjetividade, o contexto ritualístico, o contato com o sagrado e o autoconhecimento implicado na experiência.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS COMUNICAÇÃO E ARTES

CURSO DE PSICOLOGIA

POTENCIALIDADES TERAPÊUTICAS DO USO RITUALÍSTICO DA

AYAHUASCA

MIRNA COSTA BRAZ SOARES

TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE PSICOLOGIA

Orientador(a): Prof. Silvia A. C. Martins Ph.D

Maceió, junho de 2009.

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MIRNA COSTA BRAZ SOARES

POTENCIALIDADES TERAPÊUTICAS DO USO

RITUALISTICO DA AYAHUASCA

Trabalho de conclusão de curso apresentado como parte das atividades para formação de psicólogo através do curso de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas sob orientação de. Silvia A. C. Martins, Ph.D, profa. Adjunta do Instituto de Ciências Sociais da UFAL.

Maceió, 2009

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Os componentes da banca de avaliação, abaixo listados,

consideram este trabalho aprovado.

________________________________________________________________

Prof. Silvia A. C Martins Ph. D. (Orientadora) - UFAL

________________________________________________________________________

Prof. Ms. José Geraldo Ribeiro da Cruz - UFAL

________________________________________________________________________

Prof. Clarice Novaes da Mota Ph. D. - UFAL

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“Dedico este trabalho a todos os

meus amigos em especial aqueles que me

ajudam em meu processo de

transformação interior.

A Kaanda pelo apoio no

EMFLORES, a Anita, ao Marcio, a Lara, a

Carla, a Vóluzi Câmara com todo seu

amor e boa vontade, que foi fundamental

para que esse trabalho se realizasse. A

minha família, meu pai e minha mãe pela

base sólida que me proporcionaram.

Ao Mestre Irineu por ter me

acolhido nessa Doutrina Verdadeira, a

Virgem Maria e ao Patriarca São José

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Tudo passa e tudo fica

porém o nosso é passar,

passar fazendo caminhos

caminhos sobre o mar

Nunca persegui a glória

nem deixar na memória

dos homens minha canção

eu amo os mundos sutis

leves e gentis,

como bolhas de sabão

Gosto de ver-los pintar-se

de sol e graná voar

abaixo o céu azul, tremer

subitamente e quebrar-se...

Caminhante, são tuas pegadas

o caminho e nada mais;

caminhante, não há caminho,

se faz caminho ao andar

Ao andar se faz caminho

e ao voltar a vista atrás

se vê a senda que nunca

se há de voltar a pisar

Caminhante não há caminho

somente há marcas no mar...

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.

SUMÁRIO

Apresentação

............................................................................................................7

Introdução ................................................................................................................ 9

1 A AYAHUASCA COMO PLANTA MESTRA- A NOÇÃO DE ENTEÓGENO ........... 20

2 A UTILIZAÇÃO DA AYAHUASCA EM CONTEXTO URBANO E RITUAL ............ 24

2.1 A IMPORTÂNCIA DO RITUAL PARA CONSAGRAÇAO DA AYAHUASCA ..................... 28

2.1.1 RITUAL DO SANTO DAIME ........................................................................................................ 31

2.1.2 RITUAL DO ESSÊNCIA DIVINA .................................................................................................. 40

3 EXPERIÊNCIAS TRANSPESSOAIS ATRAVÉS DO USO RITUALÍSTICO DA AYA-

HUASCA .................................................................................................................. 46

3.1 AS EXPERIÊNCIAS COM AYAHUASCA E O RETORNO AO SAGRADO NA CONTEMPORANEI-

DADE ................................................................................................................................................... 52

4 POTENCIALIDADES TERAPEUTICAS DO USO RITUALÍSTICO DA AYAHUASCA

................................................................................................................................. 59

4.1 AYAHUASCA E XAMANISMO: A DESCOBERTA DOS POTENCIAIS TERAPÊUTICOS DA BEBIDA

SAGRADA..................................................................................................................................60

4.1.1 FUNÇÃO TERAPÊUTICA DA AYAHUASCA.............................................................................62

4.1.1.1 AYAHUASCA A CAMINHO DO SELF.................................................................................... 76

Considerações finais ............................................................................................. 80

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APRESENTAÇÃO

Os estados transcendentes e os aspectos transpessoais da vida sempre fizeram

parte do meu interesse. Intuitivamente fui levada a conhecer a Ayahuasca, podendo

vivenciar essa realidade e assim perceber como é grande o potencial transformador

e curador da bebida sagrada. Através da minha própria experiência e vivência com a

Ayahuasca, pude entrar em contato com a realidade transpessoal, que só conhecia

intuitivamente e teoricamente, principalmente através da leitura de Jung, Grof e Weil.

O processo de pesquisa foi impulsionado pela minha própria experiência, per-

cepções, curiosidades e, principalmente, reverência ao caminho que tanto modificou

a minha forma de viver e compreender a vida.

Estou sempre experienciando transformações, acordos internos e me conhecen-

do. É um grande estudo sobre a vida e sobre nós mesmos, onde passei a tomar

consciência dos conteúdos advindos do meu ego, como as minhas projeções, meus

mecanismos de defesa, padrões de comportamento, carências.

Passei também a vivenciar aqueles conteúdos advindos do Inconsciente Coleti-

vo, indo em direção ao Self, compreendendo e entrando em contato com as minhas

raízes espirituais, penetrando na realidade dos mitos, dos arquétipos e do Sagrado.

Os estados transpessoais levam a uma forma mais ampliada de entendi-

mento e integração psicoemocional, potencializa nosso encontro com o Sa-

grado e a vivencia de conteúdos profundos capazes de modificar, transfor-

mar e curar (BERTOLUCCI, 1991, p.20).

O que mais me motivou a pesquisar esse tema foram às mudanças que acon-

teceram em mim mesma. Como fardada do Santo Daime, onde faço parte do Núcleo

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Céu das Águas em Maceió- AL pude compreender como atua a bebida sagrada em

mim mesma. E através da lições que me foram passadas em cada trabalho espiritual,

passei a prestar mais atenção a mim mesma, compreendendo o meu lugar no mun-

do, sentindo fluxo da vida em direção à plenitude do Ser.

Devido ao fato de eu mesma estar vivenciando aquilo que estudo, a pesquisa

teve caráter heurístico e experiencial. Busquei compreender as potencialidades tera-

pêuticas da Ayahuasca a partir das minhas próprias experiências e vivências, não

esquecendo, entretanto, a experiência do outro e o conhecimento já produzido sobre

o assunto.

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INTRODUÇÃO

Em meio ao vazio subjetivo evidente na sociedade contemporânea está existindo

uma maior movimentação na busca pelo autoconhecimento, através de “um movi-

mento ascendente no nível de consciência, levando a que muitas pessoas se inte-

ressem por práticas espirituais e por outras buscas que denotam uma insatisfação

com o „lado oficial‟ do saber, devido a uma necessidade de encontrar outras fontes

de realização pessoal” (BERTOLUCCI, 1991, p.116).

É exatamente numa época de insignificação, de exasperado consumismo,

que surge, como objeto de interesse dos grandes centros urbanos, o uso ri-

tual da ayahuasca, introduzido, entretanto, no interior do Brasil, desde o iní-

cio deste século O uso da ayahuasca tem sido considerado legítimo até a-

gora: um grande número de pessoas investiram suas vidas nesses cultos,

tornando-os centrais para as suas identidades sociais, individuais e espiri-

tuais (SILVA SÁ, 1996, p. 8, 12).

Muitas pessoas estão insatisfeitas com o conhecimento que possuem sobre si

mesmas e muito dos paradigmas que utilizavam passam a não fazer mais sentido.

Nesse contexto, a Ayahuasca, uma bebida enteógena utilizada inicialmente por di-

versas tribos indígenas da América do Sul, vem sendo cada vez mais utilizada em

contexto urbano no Brasil e se expandindo por diversos paises do mundo.

As substancias enteógenas vêm sendo utilizadas por diversas culturas do Pla-

neta há tempos imemoráveis. São conhecidas como plantas Mestras ou plantas pro-

fessoras, pelo referencial que possuem na solução dos problemas de uma coletivida-

de e por serem consideradas “plantas de uma profunda e misteriosa sabedoria, ins-

trumentos do divino, fontes de beleza e inspiração, assim como meios para manter a

integridade cultural” (LERRER, 2009).

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A utilização das plantas denominadas Enteógenas está ligada fundamental-

mente ao contexto espiritual sagrado, sendo essa nomenclatura o que difere dos ou-

tros termos, como alucinógenos e psicodélicos, que estão desvinculados desse con-

texto.

Entre as plantas enteógenas podemos citar a Ayahuasca, Jurema, lsa, Salvia

Divinorum, Cannabis Sativa, Peyote, que funcionam como facilitadoras do acesso

entre a realidade comum e uma realidade extraordinária onde ocorrem as experiên-

cias transpessoais, revelações e aprendizados.

A Ayahuasca, conhecida como daime e vegetal, é utilizada nos contextos ritualís-

ticos do Santo Daime, União do Vegetal, Barquinha e outros grupos. A bebida sagra-

da é o elo principal dos grupo religiosos e é através dela que esses grupos se estru-

turaram.

Tavares (2002) nos fala que o campo de pesquisa com Enteógenos vai além

dos limites da experiência racional, a partir de uma revalorização do não-cotidiano e

das experiências não-conceituais. Pretendendo-se com isso, reestruturar o lugar da

produção do conhecimento, habilitando o seu acesso a outros reinos da experiência

humana, como por exemplo, o do indizível, da natureza intrínseca da experiência re-

ligiosa e do sagrado.

O uso da Ayahuasca está tradicionalmente vinculado a um ritual, onde o obje-

tivo é entrar em contato com o divino e com o sagrado, proporcionado experiências

de autoconhecimento e de transcendência. Essas experiências são fluidas, subjeti-

vas e transpessoais, pois levam ao contato com uma realidade que transcende o co-

tidiano.

Experienciamos assim, níveis de consciência que vão além do pensamento lógi-

co formal com o qual estamos acostumados a lidar cotidianamente; aprofundamos

nosso conhecimento sobre nós mesmos e podemos alcançar níveis profundos que

estão no nosso inconsciente. Experiências como essas transcendem a pessoa, por

isso são chamadas de transpessoais, indo além do individuo, da racionalidade e do

sistema de crenças acumuladas ao longo da vida.

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O termo “transpessoal” foi utilizado pela primeira vez na área da psicologia por

Carl Gustav Jung em 1917, quando se referia ao Inconsciente Coletivo. Para Jung,

além do inconsciente individual existe também aquele que seria transpessoal ou co-

letivo por manifestar expressões e reações comuns ao espírito humano. A hipótese

desse inconsciente o leva a estudar a dimensão psíquica do acesso ao simbólico,

incluindo os arquétipos e mitos presentes em toda a humanidade e em nossa psique

(GAILLARD 2003, p. 57).

Experiências ditas transpessoais acompanham o homem há milênios. No

Ocidente, na maioria das vezes, estas vivências são associadas à religião,

caracterizando-se como um encontro com um estado místico indescritível e

não vivido pela maioria dos indivíduos. Ao contrário, porém, no Oriente es-

tas experiências obtiveram atenção e estudo que desenvolveram métodos e

técnicas para vivenciá-las. O Zen-Budismo, a Ioga e o Sufismo, por exem-

plo, são três doutrinas orientais que, além de uma preocupação com o fun-

cionamento da mente, sua relação com o Cosmos e o desenvolvimento da

personalidade, têm implicitamente em seu pensamento a evolução interior

do indivíduo visando atingir experiências transcendentais (TRIPICHIO,

2007)

A Psicologia Transpessoal é considerada a quarta força da Psicologia, buscando

uma visão integradora e complementar do conhecimento das escolas antecessoras

(behaviorismo, Psicanálise, Psicologia Humanista), com o objetivo de dar um corpo

único à psicologia, de acordo com uma visão holística do homem, onde as divergên-

cias de opinião não sejam mais vistas como antagonismos, mas como visões com-

plementares e não-excludentes sobre o mesmo objeto de estudo: o ser humano.

A abordagem Transpessoal ganhou força a partir do lançamento da Revista de

Psicologia Transpessoal (Journal of Transpersonal Psychology), que foi lançada

1969, tendo como principais responsáveis Viktor Frankl, Stanislav Grof, Maslow, An-

tony Sutich. De acordo com Pedrassoli (2008), os principais objetos de estudo são:

Psicologia e Psicoterapia

Meditação, caminhos e práticas espirituais

Mudança e transformação pessoal

Pesquisa da consciência

Vício e recuperação

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Pesquisa de psicodélicos e estados alterados de consciência

Morte e Experiências de Quase-Morte (EQM)

Auto-realização e valores superiores

A conexão mente-corpo

Mitologia e Xamanismo

Experiências culminantes

Os precursores da Psicologia Transpessoal, como Jung, Maslow e Weill desde o

inicio do século passado já consideravam a importância de se explorar a dimensão

mais profunda do ser humano, contidas nas experiências transpessoais, consideran-

do que é através do autoconhecimento e do contato com as questões espirituais que

ocorre a manifestação dos valores positivos necessários para o desenvolvimento

saudável.

O desenvolvimento espiritual conduz ao Self, que de acordo com Jung (1987),

corresponde ao centro do nosso Ser, responsável pelo nosso alinhamento com os

propósitos superiores da nossa alma. A experiência do Self é considerada intrinse-

camente terapêutica e integradora pela a psicologia transpessoal justamente porque

leva progressivamente para além do ego.

Considerando legitima a experiência humana como um todo, a Psicologia Trans-

pessoal não despreza a dimensão espiritual do ser humano, inclusive considerando-a

como fator primordial para o bem estar psicológico (MASLOW, 1998) e relacionando-

a a Saúde Mental.

As experiências de transcendência, espontâneas ou induzidas, transporta-

riam o homem aos níveis mais profundos do seu inconsciente -o inconscien-

te coletivo- onde poderia encontrar o sentido da sua existência, sua identifi-

cação com a humanidade e uma profunda união com todo o universo. A

emergência destes valores do inconsciente - através das experiências de

transcendência- possibilitaria a cura de muitos transtornos mentais, sobre-

tudo os de origem neurótica ou psicossomática (PELAEZ, 2006).

Em nossa pesquisa buscaremos compreender os conteúdos mobilizados na

experiência com Ayahuasca, que são fundamentalmente transpessoais, o seu poten-

cial terapêutico e as transformações ocorridas nos indivíduos, que estão relaciona-

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das a uma série de fatores como a bebida enteógena, a subjetividade, o contexto ri-

tualístico, o contato com o sagrado e o autoconhecimento implicado na experiência.

A abordagem metodológica utilizada foi a qualitativa referenciada pelo método

fenomenológico, pelo método heurístico e pela etnografia. De acordo com Holanda

(2008), por fenomenológico, entendemos o reconhecimento da alteridade do sujeito

pesquisado, o que foi evidenciado na importância dada aos depoimentos colhidos e a

compreensão que cada pessoa possui da sua própria experiência.

O método fenomenológico constitui-se numa abordagem descritiva,

partindo da idéia de que se pode deixar o fenômeno falar por si, com o obje-

tivo de alcançar o sentido da experiência, ou seja, o que a experiência signi-

fica para as pessoas que tiveram a experiência em questão e que estão,

portanto, aptas a dar uma descrição compreensiva desta [...] A coleta pode

ser feita através de entrevistas, depoimentos, estudos de caso, acrescidas

de auto-reflexão, etc. (HOLANDA, 2006).

A pesquisa fenomenológica está interessada em descrever o vivido pelo outro

de acordo total com sua linguagem, estando o pesquisador implicado nesse proces-

so, pois ele não é neutro, pela dicotomia sujeito-objeto. A pesquisa fenomenológica

está relacionada à psicologia transpessoal no sentido de estar interessada na totali-

dade experiência subjetiva do outro. Uma das premissas da psicologia transpessoal

é estudar e compreender o ser humano de forma mais completa, evitando fragmen-

tações.

Foram colhidos depoimentos de participantes da Igreja Céu das Águas - Santo

Daime- e do Centro de Harmonização Interior Essência Divina, ambos localizados em

Maceió- AL. Buscou-se sempre uma maneira livre, aberta e espontânea na aborda-

gem de cada pessoa, para que cada uma pudesse se expressar da melhor maneira,

de uma forma natural. Os relatos nos ajudaram a traçar um panorama mais amplo

sobre a questão uso ritualístico da Ayahuasca e sua função terapêutica.

As pessoas entrevistadas, em sua maioria, possuíam nível superior, profissio-

nais ligados a psicologia, Jornalismo, Ciências Sociais e também alguns estudantes

universitários. Tais pessoas forma escolhidas ao acaso, aleatoriamente, sem prévia

escolha. Os dados levantados foram surpreendentes, mostrando a riqueza da expe-

riência de cada pessoa e o entendimento da sua própria experiência.

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Além dos dados etnográficos colhidos em pesquisa de campo participante, uti-

lizamos também fontes primárias de entrevistas já realizadas sobre uso do enteóge-

no ayahuasca, em pesquisa desenvolvida no AVAL, grupo de pesquisa Antropologia

Visual em Alagoas, do Instituto de Ciências Sociais da UFAL, onde há uma pesquisa

em andamento desde 2007 que registra e reúne dados etnográficos, imagísticos e

documentação das religiões Ayahuasqueiras em Alagoas.

De acordo com BOUMARD (1999) no método etnográfico, o pesquisador é

participante e registra também suas percepções, observações e reflexões em campo.

Isso se dá ao mesmo tempo em que observa, registra as experiências que os pes-

quisados descrevem, procurando revelar o significado que as pessoas investigadas

dão às suas ações e vivências subjetivas.

A pesquisa também teve caráter heurístico devido à inclusão da subjetividade

do pesquisador no processo de pesquisa, que conflui com as suas vivências e expe-

riências com a bebida com a bebida sagrada e com as compreensões e transforma-

ções que surgiram a partir daí.

A palavra “Heurística” decorre do verbo grego heuriskein, que significa “en-

contrar”, “descobrir”. Corresponde a “encontro”, “busca” ou “arte da busca”.

Refere-se a um processo de pesquisa interna através do qual se descobre a

natureza e o significado da experiência [...] Neste modelo o self do pesqui-

sador está presente ao longo de todo o processo, ou seja, o pesquisador

experiência self-awareness (autoconsciência) e autoconhecimento. O pro-

cesso heurístico engloba processos “autocriativos” e “auto-descobertas”,

principiando por uma questão ou problema que o pesquisador pretende

responder. Trata-se, pois, de um processo “autobiográfico. A grande contri-

buição do modelo heurístico está na intrínseca participação do sujeito do

pesquisador no próprio ato da pesquisa, isto é, na efetiva colocação da sub-

jetividade do pesquisador no ato de pesquisar. No contexto da pesquisa

heurística em psicologia, Maciel (2004, p. 184) assinala: “É vital para a pes-

quisa heurística o engajamento, ou seja, a postura humana básica que de-

pende da estrutura da afirmação volitiva, e que se manifesta como o “estar-

com” o dado, conviver com a experiência (HOLANDA, 2006).

Não pôde haver um distanciamento do pesquisador com seu objeto de estudo,

pois com Ayahuasca a compreensão se dá a partir da própria experiência. Nesse

caminho é necessário experienciar para compreender, não entender a partir de pres-

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suposições ou apenas do conhecimento teórico. O fundamental é sentir e vivenciar,

pois como na maioria das situações da vida é da experiência que vem a compreen-

são.

No primeiro capitulo, A Ayahuasca como Planta Mestra - a noção de Enteóge-

no reúno informações sobre esse chá e explico a noção de enteógeno;

No segundo capitulo, “A utilização da Ayahuasca no Ritual Religioso em Con-

texto Urbano”, busco explicitar como a Ayahuasca, uma bebida indígena, utilizada

primeiramente por tribos no interior da Floresta Amazônica, pôde se disseminar em

populações urbanas das grandes cidades do Brasil e do mundo. Além disso, faremos

um breve relato de como se deu o surgimento do Santo Daime, uma das religiões

ayahuasqueiras contempladas nesse estudo e a sua importância para expansão e

legalização da bebida no Brasil e internacionalmente. Nesse capitulo, abordo também

sobre o ritual, que é um elemento de fundamental importância para a segurança da

experiência com Ayahuasca, definindo e dando os contornos da mesma. “Os rituais

com Ayahuasca sempre foram utilizados, desde os primórdios, com propósitos cla-

ramente definidos e principalmente voltados para cura, expansão da consciência e

autoconhecimento (DROUOT, 1999, p. 29)”.

No terceiro capitulo, “Experiências Transpessoais através do uso Ritual da

Ayahuasca”, descrevo experiências ocorridas com a Ayahuasca do ponto de vista da

psicologia transpessoal, buscando compreender como a psicologia lida com o fenô-

meno, quais os conceitos que ela utiliza, quais são as características e os pontos de

ligação entre experiências transpessoais e uso da Ayahuasca.

No quarto capitulo, “Potencialidades Terapêuticas do Uso Ritual da Ayahuas-

ca”, verifica-se que existe um potencial transformador e curativo inerente ao uso ritu-

al da Ayahuasca, pois uma de suas funções é amplificar o nível de compreensão de

nós mesmos, promovendo resoluções internas, conflitos e autoconhecimento.

O potencial terapêutico da ayahuasca advém das experiências ocorridas que

podem conduzir a diversos processos psíquicos e a transformação interior. Essas

experiências são percebidas como re-elaboradoras da vida psíquica, capazes de in-

tegrar o desenvolvimento emocional, psicossocial e espiritual dos indivíduos (MA-

LUF, 2003; CREMASCO, 2007).

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A Ayahuasca também demonstra ser fundamental na resolução e tratamento

de problemas, digamos mais objetivos, como a recuperação de pessoas drogadictas

(SANTOS, 2006; LABATE, 2006), de pessoas com depressão e, inclusive, como foi

relatado num dos depoimentos, na reversão de um quadro de síndrome de West de

uma criança.

O numero de pessoas que encontram na Ayahuasca um caminho para a auto-

transformação e para a cura pessoal vem aumentado e seus benefícios vem sendo

cada vez mais divulgados. Nota-se, entretanto, que ainda ecoam muitos preconceitos

com relação ao tema, tanto no meio acadêmico quanto no senso comum.

Naturalmente, falar de psicoativos provocará em alguns imediato pre-

conceito e medo. Sim, é um problema mesmo, mas nada comparado com

algo chamado ignorância, pois do que, da qual estamos falando? No Brasil

aproximadamente 25.000 pessoas usam Ayahuasca para fins religiosos per-

feitamente integrados na sociedade, nas suas famílias e seus trabalhos e,

plenamente legais juridicamente. Legalização essa que ocorreu com pes-

quisas científicas do mais alto nível que confirmaram as características inó-

cuas da bebida em questão (levada a cabo com cientistas como Charles

Grob, Jace Callaway, Dennis Mckenna e Rick Strassman. Há muita informa-

ção em autores como Beatriz Labate, Ralph Metzner, Benny Shanon, Luis

Eduardo Luna, etc). Descartar o tema por preconceito, em discussões sobre

ciência da consciência é um preconceito, uma segregação ideológica, ten-

denciosa, movida por segundas intenções, jamais limpa ou honesta e, muito

menos, científica (Mikosz 2008).

Assim, o objetivo central desse trabalho é contribuir para desmistificação do

preconceito sobre o uso da Ayahuasca, mostrando o potencial de transformação que

o seu uso pode acarretar. Beber a Ayahuasca pode refletir uma necessidade que al-

gumas pessoas possuem de se autoconhecer, se autocompreender e evoluir espiri-

tualmente, alem da cura que é vivenciada em vários níveis (seja físico e/ou espiritu-

al). Segundo Stolaroff,

Com integridade, compromisso e coragem, vastos aspectos da mente po-

dem ser explorados. É importante compreender: aquilo que alguém vivencia

depende bastante de seu sistema de crenças, motivação, condicionamento

e do conteúdo inconsciente acumulado – isso inclui a rigidez com que a

mente funciona. Ocidentais, por diversos séculos, têm focado primeiramen-

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te no mundo exterior, resultando na negligência do desenvolvimento de ha-

bilidades interiores. Essa negligência, casada com uma forte ênfase no ma-

terialismo e reducionismo, tem criado uma dolorosa cisão entre valores

adotados conscientemente e os interesses profundos do ser. (STOLAROFF

1999: 60-80)

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1. A AYAHUASCA COMO PLANTA MESTRA- A NOÇÃO

DE ENTEÓGENO

De acordo com Oliveira (2008), as plantas mestras ou plantas professoras, como

são chamadas algumas plantas psicoativas, são agentes sociais reconhecidamente

eficazes no processo de transmissão do conhecimento, pois a elas alguns grupos re-

correm desde tempos imemoriais para responder, afirmar ou negar determinadas si-

tuações extremas da vida cotidiana seja um caso de doença ou uma decisão coleti-

va.

O conceito de Planta Mestra advém do conhecimento xamânico, onde a caracte-

rística principal é o uso ritual de plantas sagradas, que são identificadas como plan-

tas mestras por sua capacidade de ensinar, de mostrar o caminho e dar compreen-

são (LUNA, 2002)

O conhecimento xamânico refere-se a um conjunto de ensinamentos e técni-

cas milenares para conduzir a experiências de êxtase e a curas espirituais e físicas.

Utilizado em todas as partes do mundo desde os primórdios da humanidade esse co-

nhecimento está presente nas religiões ayahuasqueiras. A práxis xamânica pode ser

caracterizada como o conhecimento cosmológico entre os quais está o uso de plan-

tas, de natureza considerada sagrada, que muitas vezes são identificadas como

plantas Mestras (GROISMAN, 1999).

A Ayahuasca, como Enteógeno, é empregada desde os primórdios com fins

religiosos e terapêuticos, quando se pretendia não apenas uma melhoria nos sinto-

mas, mas “buscava-se atingir experiências de transcendência que restaurariam o e-

quilíbrio entre o homem doente e seu cosmos, onde a cura é vista como uma trans-

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formação espiritual e a busca de conexão e unidade (PELAEZ, 2006).

Assim como a Jurema, utilizada pela tribo brasileira Cariri Xocó, ou o Peyo-

te para os grupos das pradarias norte americanas, também a Ayahuasca

está inserida num contexto em que as plantas ocupam um importante papel

simbólico. A utilização dessas substancias com finalidades curativas são

conhecidos desde há mais remota antiguidade, como exemplo temo a So-

ma, utilizada há 3500 anos na Índia; o Peyote tradicionalmente utilizados

por Índios da Meso-América há mais de 2000 anos e atualmente utilizado

em varias parte do México e América do Norte (GROISMAN, 1999).

Enteógeno é uma palavra que tem origem do grego “Entheos” e “Genesthe”, que

significam respectivamente “Deus interior” e “que gera”. O significado literal é algo

como: “Que gera Deus interior”. A palavra “entheos” também é a raiz da palavra “en-

tusiasmo”, cujo sentido original dizia respeito à “inspiração divina”. Assim, enteógeno

também pode ser definido como o “que gera inspiração divina” (Wasson apud Pela-

ez, 2006).

Enteógeno é uma denominação dada as substancias psicoativas que são utili-

zadas dentro de um contexto ritual considerado Sagrado e que leva a experiências

de transcendência e autoconhecimento.

O uso de enteógenos, denominados pelo vegetalismo peruano de plantas

professoras, por acreditarem serem elas possuidoras de um espírito ensi-

nador e curador, foi adotado ritualmente nos cultos religiosos de povos de

diferentes culturas e épocas, permitindo-lhes acessos a estados alterados

da consciência. Segundo estudos antropológicos apenas os esquimós não

fizeram uso de tais plantas, em decorrência da vegetação ser inexistente no

meio ambiente habitado por eles (ARAUJO, 2005)

De acordo com Groisman (1999), os ensinamentos obtidos através da Ayahu-

asca são encarados como revelação, que nasce da dialética entre a experiência indi-

vidual e a cosmologia grupal. Essa descoberta reconstrói a concepção pessoal em

relação ao status quo até então vivido, a partir de uma ruptura na existência do sujei-

to que ao entrar em contato com o “Eu Superior”, pode transpor os limites da consci-

ência favorecendo o contato com o mundo espiritual.

Durante o uso de enteógenos amplia-se o nível de consciência, saindo de um

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estado comum e passando os perceber de outra forma a mesma realidade, inclusive

podendo vivenciar aspectos do inconsciente transpessoal ou coletivo. Na medida em

que se toma consciência do material inconsciente, aumenta-se o nível de consciência

através de insights que funcionam como chaves para penetrar nos reinos do incons-

ciente (LERRER, 2009).

Sobre o contato coma realidade do Sagrado e a vivência do Divino em si mesmo,

proporcionada pelos enteógenos podemos citar o depoimento de um fardado do San-

to Daime, que fala sobre umas de suas experiências mais marcantes com Ayahuas-

ca:

O daime é uma dádiva divina, para que os homens aqui da terra se encon-

trem com o corpo do próprio Deus em si mesmos. Isso ai é uma coisa evi-

dentemente espiritual. Uma das minhas experiências mais marcantes foi o

fato de me lembrar de Deus e de me encontrar com Deus. A experiência foi

essa... Essa sensação de sentir que sou filho de Deus, que sou um ser divi-

no... Eterno... Simplesmente tomando consciência de que Deus e que domi-

na e quem tem o poder e que ao mesmo tempo me ama e me dá todas as

possibilidades para a vida, me dá tudo para que eu aprenda a ser seu filho

com o ser divino. [...] A partir do momento que eu estava tomando o daime,

muito obscuramente eu estava sentindo o chamado e sabia que ali tinha al-

go importante e precisei me entregar mesmo para o daime, me entregar pa-

ra Deus. As coisas não são tão rápidas como a gente pretende. Temos que

ter paciência e fazer os trabalhos porque num chegado momento nós vamos

receber o chamado, o nosso coração vai se abrir mesmo completamente

para isso.

A noção de Enteógeno se afasta do conceito de alucinógeno, que não é adequa-

do para se referir a Ayahuasca, pois além dessa ser uma palavra carregada de este-

reótipos, etimologicamente significa divagar mentalmente, delirar, falar sem sentido,

carregando um senso de fuga da realidade, traços que definitivamente não são re-

presentativos da experiência com a bebida sagrada.

A alucinação é uma distorção patológica da capacidade de senso-percepção.

Alucinar de olho fechado, não é alucinação. A alucinação esta fora e não dentro de

nós, como nas mirações (espécie de visão interna experienciada nos estados trans-

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22

pessoais através da Ayahuasca). Geralmente as pessoas com sintomas psicopatoló-

gicos de alucinação, possuem muito medo e sofrem com aquilo que vêem.

Mariano, fardado do Santo Daime explica,

O alucinógeno faz com que a pessoa fuja do problema, se aliene, saia da

realidade. Já o enteógeno não é alienante, ao contrario liberta de nossas

cascas, entraves e barreiras, levando ao contato com o centro de nosso ser,

onde encontramos as verdades superiores, que vêm de cima, do plano espi-

ritual e do centro da nossa psique.

Dessa perspectiva, ALVERGA (1996), ressalta que tal gama de fenômenos

importantes vivenciados em contextos ritualísticos, com tantas repercussões psicoló-

gicas, éticas e sociais relevantes, não podem ser interpretados como mera alucina-

ção ou como sintomas psicóticos.

De acordo com STORALOFF (1999), o uso de enteógenos é importante por

facilitar o nosso acesso a essas dimensões e “acordar para a realidade”. Não é o ú-

nico meio para isso, muitos vão escolher o caminho da meditação e da psicoterapia.

Mas, para muitos outros, o uso apropriado de enteógenos pode apressar bastante

esse processo, pode revelar as travas interiores que bloqueiam e até mesmo tempo-

rariamente dissolvê-las, para que a pessoa desenvolva uma visão clara sobre si

mesmo.

A sociedade prega uma coisa e faz outra. A Ayahuasca mostra o individuo

tal como ele é, sem as mascaras que está acostumado a usar socialmente e

o impulsiona a procurar em si mesmo a natureza das coisas. “Perceber o

problema, enxergar e entrar em contato com a realidade que negamos nor-

malmente, como mecanismo de defesa, já é um grande passo para trans-

formação (depoimento de Mariano)”.

A percepção habitualmente embotada que temos da realidade permite reconhe-

cer uma fração pequena de uma realidade revestida de projeções. A propriedade

central dos enteógenos é levantar o véu da ilusão, do ego e expandir a percepção da

realidade e de si mesmo.

Page 23: SOARES, M. C. B.

23

De acordo com Malheiro (s/d), existe atualmente uma cultura do enteógeno,

com um saber voltado para ampliação da consciência e para a viagem interior apre-

sentando-se como uma forma se expansão das possibilidades para a construção do

auto-conhecimento.

A autora usa o termo psiconauta para se referir àqueles que mergulham no u-

niverso da experimentação com enteógenos. Psiconauta, de acordo com Malheiro

(s/d) significa viajante da psique, tendo como a principal premissa a exploração de

técnicas para obtenção de estados transpessoais de consciência através do uso de

substâncias psicoativas e também da exploração de técnicas, como meditação, res-

piração etc.

Através de estados transpessoais conduzidos pelo enteógeno, seria possivel

encontrar respostas para questões espirituais, através de experiências diretas, pois

“A verdadeira ampliação da personalidade é a conscientização de um alargamento

que emana de fontes internas e o drama dos mistérios da vida também pode ocorrer

sob a forma de experiência espontânea, extática ou visionaria (JUNG, 2000, p, 133)”.

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24

1 A UTILIZAÇÃO DA AYAHUASCA EM CONTEXTO UR-

BANO E RITUAL

A expansão ritualística da Ayahuasca em populações urbanas é um fenômeno

relativamente recente. Há poucas décadas, a bebida era utilizada em culturas xamâ-

nicas localizadas em regiões remotas da floresta amazônica e em outras regiões da

América Latina (LABATE, 2002).

Atualmente calcula-se que o número de pessoas que fazem uso regular da

bebida na América do Sul, excluindo-se as populações indígenas, pode chegar a

mais de 30 mil pessoas (LUNA,1997). “As religiões ayahuasqueiras vivem seu me-

lhor momento. Assimiladas por outras fés e reconhecidas pelas autoridades, vêem

seu número de adeptos subir 10% ao ano (REVISTA GALILEU, 2008).

A religião do Santo Daime possui aproximadamente cem anos de fundação.

Através do Sr. Raimundo Irineu Serra foi organizado no Brasil a primeira religião a-

yahuasqueira, fundamentalmente brasileira, que se caracteriza, de acordo com Gro-

siman (2004), por ser “um sistema ritual tendo como contexto, a Ayahuasca e o con-

junto de ensinamentos provenientes do que se chama “Ecletismo Evolutivo”, que fo-

ram concepções reunidas a partir do Espiritualismo, do Cristianismo Místico ou Eso-

térico e do xamanismo”.

Após o surgimento do Santo Daime, outros grupos adotaram o uso da Ayahu-

asca em rituais sincréticos especialmente no Brasil, onde os efeitos transpessoais da

bebida são unidos aos conceitos do Cristianismo, das religiões Afro-Brasileiras, do

esoterismo europeu, do espiritismo e das tradições indígenas. As principais religiões

deste módulo incluem o Santo Daime (segmentos do Alto Santo e CEFLURIS), a U-

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25

nião do Vegetal, a Barquinha e o Centro de Cultura Cósmica, além de núcleos e

igrejas dissidentes e outros grupos independentes.

De acordo com Goulart (2003), os vários cultos ayahuasqueiros que existem

no Brasil constituem diferentes linhas de uma mesma tradição religiosa, se inserindo

num mesmo campo religioso, o campo das religiões ayahuasqueiras brasileiras.

Conforme estas três linhas vão crescendo, crescem também as dissidên-

cias no interior das mesmas. A partir do falecimento de seus fundadores ini-

cia-se, em cada uma delas, um intenso processo de fragmentação e cisões.

Em 1971, com a morte do fundador da linha do Santo Daime, tem início um

movimento de rupturas que levaram ao aparecimento de dois segmentos

desta linha: O Alto Santo e o CEFLURIS, cada um destes contendo, tam-

bém, sub divisões internas, com uma variedade de centros, igrejas etc.

As religioes Ayahuasqueiras tradicionais sao o Santo Daime e a Uniao do

Vegetal, que possuem um corpo hierárquico, com principios doutrinários e

ritualísticos definidos e bem organizados. Essas duas religiões principais sao

responsáveis pela legitimação do uso ritual da Ayahuasca em contexto urbano no

Brasil e em outros países.

Entre as religiões Ayahuasqueiras, a bebida é considerada o veículo da ação

religiosa. “Adaptando-se a novas condições sociais, culturais e ecológicas, voltando-

se mais ao desenvolvimento do autoconhecimento e ao enfrentamento das grandes

questões existenciais da vida, da morte e do sofrimento! (MACRAE, 2004)

O uso da Ayahuasca dentro do contexto urbano, ou semi-urbano foi oficial-

mente reconhecido e protegido pela lei em junho de l992 pelo Conselho Nacional An-

ti-drogas (CONAD), que decidiu liberar definitivamente a utilização do chá para fins

religiosos em todo o território nacional, baseado em investigações interdisciplinares,

desenvolvidas desde l985, levando em conta o lado antropológico, sociológico, cultu-

ral e psicológico dos rituais, além de análises fotoquímicas da ayahuasca (SILVA SÁ,

Parecer técnico-científico sobre o uso da Ayahuasca, 2001).

O numero de pessoas que encontram na Ayahuasca um caminho para a auto-

transformação e para a cura pessoal vem aumentado e seus benefícios cada vez

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26

mais divulgados. Nota-se, entretanto, que ainda ecoam muitos preconceitos com re-

lação ao tema, tanto no meio acadêmico quanto no senso comum.

Os preconceitos com relação ao uso ritual da Ayahuasca foram e ainda são

muitos. A Ayahuasca e o seu uso ritual foi combatido. Em alguns paises, como a Ar-

gentina, a luta pela legalização ainda continua. Em outros, como México, Canadá,

Holanda, Alemanha, Itália, Japão etc, o uso ritualístico da Ayahuasca, foi liberado pa-

ra realização dos trabalhos do Santo Daime.

O Santo Daime tendo se espalhado por diversas partes do mundo, mantém

a base sobre o qual foi erguido ao mesmo tempo em que assimila e incorpo-

ra elementos de culturas tão diversas como a Japonesa ou a Holandesa. Na

terra do sol nascente existem varias igrejas do Daime que já possuem hinos

próprios, recebidos no idioma nativo e refletindo sobre questões particula-

res, mas ligadas da mesma forma a fonte que emana da floresta Amazônica

[...] O Santo Daime, religião cabocla de nascimento ensina em português e

cada vez mais se espalha pelo mundo e conquista adeptos nos mais distan-

tes países, replantando a santa doutrina Cristã através de uma musica e um

ritual simples, aliados ao sacramento herdados dos povos da floresta, pro-

vando que este é um conhecimento universal, capaz de tocar a todos sem

distinção (OLIVEIRA 2008, p. 216)

A legalização da Ayahuasca é uma demonstração da seriedade dos estudos e

do uso da bebida em contexto ritual, que não traz riscos à saúde psíquica, nem à so-

ciedade. Isso demonstra tratar-se claramente de um trabalho serio e benéfico. Se-

gundo Silva Sá,

Não é um modismo ou uma novidade passageira que excita, tantas vezes,

as intervenções pessoais e, frequentemente, irresponsáveis dos que detêm

transitoriamente o poder. O uso religioso do chá psicoativo ensejou a cria-

ção de instituições que provêem muitas pessoas com os arcabouços éticos,

sociais e culturais, em torno dos quais construíram suas vida (SILVA SÁ,

1999).

Além disso, a Ayahuasca também foi considerada como Patrimônio Imaterial

da Humanidade pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional),

considerando que existe legitimidade social no pedido de reconhecimento do chá

como patrimônio da cultura imaterial do Brasil. A afirmação foi feita em Brasília, pelo

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27

presidente do, Luis Fernando de Almeida, aos representantes de entidades ayahuas-

queiras que utilizam o chá com fins religiosos no Acre. O processo de reconhecimen-

to foi aberto com aval da Gerência de Registros do Iphan, no final de maio de 2008,

durante a visita do então ministro da Cultura, Gilberto Gil, a sede do Alto Santo no

Acre.

Em Alagoas, o Santo Daime está presente há aproximadamente 10 anos. O

seu núcleo chama-se Céu das Águas e está localizado no Alto do Cruzeiro, na praia

em Riacho Doce, Maceió - AL. Existe há aproximadamente cinco anos. Faz parte do

CEFLURIS e realiza os trabalhos regulares de concentração, Missa e os Hinários ofi-

ciais do Mestre Irineu, Padrinho Sebastião e Padrinho Alfredo. O corpo de fardados é

de aproximadamente 15 pessoas e recebe os diversos freqüentadores regulares e

visitantes. Pela quantidade de membros em seu corpo de fardados se insere, de a-

cordo com o CEFLURIS, na categoria Núcleo de Instrução.

Alem dos trabalhos espirituais, o Núcleo Céu das Águas, através da Associa-

ção Comunitária e Ambientalista, fundada no ano de 2007, vem desenvolvendo tra-

balhos educativos, artísticos e recreativos com as crianças da comunidade, com o

objetivo de aliar as práticas espirituais aos cuidados ambientais e comunitários. Pos-

suindo bastante receptividade da comunidade.

Outros centros do Santo Daime também possuem organizações que se voltam

para os trabalhos comunitários e ambientais. Como exemplo podemos citar a ONG

Apoitcha (Associação de apoio ao trabalho cultural, histórico e ambiental), localizada

em Lucena na Paraíba, que trabalha com crianças e adolescentes, inclusive com cri-

anças vitimas do vírus HIV. EM 2005, A ONG recebeu um premio da UNICEF pelos

trabalhos realizados. Atualmente, entre outros serviços, a ONG oferece para crian-

ças e adolescentes de 7 a 16 anos oficinas de arte-educação diárias com o objetivo

de despertar o gosto pela leitura e escrita.

Em Alagoas, além do Santo Daime, existem outros grupos que consagram Aya-

huasca em rituais religiosos, como o CHIED Essência Divina (grupo pesquisado), lo-

calizado também na região do Alto do Cruzeiro em Riacho Doce; a UDV (o maior

grupo do estado), localizada no município de Marechal Deodoro e na praia de Ipioca.

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28

1.1 A IMPORTÂNCIA DO RITUAL PARA CONSAGRAÇAO DA AYA-

HUASCA

O ambiente e o ritual são de fundamental importância para proporcionar segu-

rança na experiência com Ayahuasca.Os ritos para Jung (2000, 32) são muros cons-

truídos contra os perigos do inconsciente, pois as experiências com a Ayahuasca

podem ser de tal maneira arrebatadoras psiquicamente, que o ritual é um meio de

dar segurança à força que é gerada, protegendo do risco de uma desestruturação

produzida pelo inconsciente sobre o consciente.

Como meios de defesa face a esses poderes, a essas existências mais for-

tes, o homem criou os rituais. Poucos são aqueles capazes de agüentar im-

punemente a experiência do numinoso. As cerimônias religiosas coletivas

originam-se de necessidades de proteção, funcionam como anteparos entre

o divino e o humano, isto é, entre o arquétipo e a imagem de Deus, presen-

te no inconsciente coletivo e o ego (NISE DA SILVEIRA apud DALGAR-

RONDO, 2008: 66,67).

Os rituais religiosos pretendem ser veículos, meios de comunicação da pes-

soa humana com o Absoluto, com o Astral, com Deus ou outro nome que tenha essa

realidade transcendente que o ser humano, ordinariamente, não percebe, especial-

mente em nossa civilização contemporânea e ocidental. O ritual serve de preparação

para o que vai acontecer na experiência, para o contexto da relação espiritual e do

processo interno. “Os rituais tradicionais são tão indispensáveis à experiência com

Ayahuasca quanto um bom guia” (DOUOT, 1999, p. 64).

O rito é meio, é instrumento. A bebida vai sempre interagir com o conjunto psi-

cológico de cada indivíduo e a estrutura do local escolhido. Os rituais criam um am-

biente propício para que cada participante tenha a oportunidade de abstrair-se do co-

tidiano, do mundo ordinário no qual vivem, possibilitando a sua entrada em estados

especiais de consciência.

O conteúdo da experiência com Ayahuasca é uma resultante da interação

de três fatores básicos. Os fatores essenciais são: o “set”, que traduzo co-

mo sendo o “fator pessoal”, isto é aquele que o individuo traz consigo, os

seus conteúdos (intenção, atitudes, personalidade, humor, etc.); o “setting”

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29

ou “fator ambiental” corresponde a todos os elementos externos ativos e

capazes de influir a experiência (BARBIER, 2005, s/p).

Uma pessoa que bebe ayahuasca sozinha, por exemplo, terá uma experiência

totalmente diferente daquela que se tomar com alguém ou com um grupo. Na experi-

ência com ayahuasca, não são apenas as propriedade farmacológicas que influenci-

am a experiência, mas todo o contexto ambiental que inclui a forma de direcionamen-

to do ritual, os hinos1 (no caso do Santo Daime), as chamadas

2 (No caso da Essên-

cia Divina), o grupo, a liderança.

Embora os agentes químicos da Ayahuasca atuem nos mesmo receptores

cerebrais, podendo causar similares mudanças somáticas, psíquicas e pe-

receptivo-sensoriais, porém não determinam as características per se das

experiências. Esses agentes somente abririam as portas para outras formas

de percepção da realidade; mas nesses espaços mentais abertos, cada

homem imerso numa cultura, colocaria os conteúdos e o significado das ex-

periências. A experiência seria uma combinação entre os efeitos da subs-

tancia, a disposição psicológica do individuo e as características do ambien-

te onde a experiência acontece (PELAEZ, 2006)

A estrutura do ambiente que compreende a parte física, ambiental, a parte so-

cial, a parte musical, os instrumentos, as musicas, as imagens simbólicas utilizadas

todos esses fatores são importantes de serem considerados no ritual, pois facilitam o

acesso ao material emocional (sentimentos e pensamentos) e ao material simbólico

contido no inconsciente.

Vânia. (membro do Essência Divina), colaborou para a compreensão da im-

portância do ritual, a partir das suas vivências. Para ela:

Não é só vegetal que possibilita as transformações. Se falarmos dessa for-

ma estamos pecando por reducionismo, porque ai você anula a parte espiri-

tual , a condução da sessão e também o ritual. Você não pode deixar de la-

do as chamadas, porque elas contém sons universais, que podem fazer vo-

1 Hinos- Cânticos recebidos por inspiração divina; canalizações de versos musicados que contem ensinamentos doutrinários,

mensagens de sabedoria e os fundamentos espirituais da Doutrina. Inicialmente os hinos eram recebidos pelo fundador do

Santo Daime, Raimundo Irineu Serra, para logo serem recebidos também por outros membros, o que acontece até os dias

atuais.

2 Cânticos de inspiração divina herdados da tradição da União do Vegetal .

Page 30: SOARES, M. C. B.

30

cê mergulhar no inconsciente e tornar seu material inconsciente, conscien-

te. Não se pode desprezar a harmonização do ambiente que existe para

que se possa se comunicar com o seu ser espiritual, com seu Deus interno

ou seu Deus exterior, com O deus que ta dentro ou com o Deus que está fo-

ra. Do ponto de vista espiritual seria isso também. Também existe uma par-

te social. Não é a mesma coisa tomar o chá em outro contexto ou comun-

gar, entre irmãos.

O ritual inclui a idéia de ordenamento do aquém para viabilizar o ir além. Daí a

sua importância como disciplina e, ao mesmo tempo, como gerador de força. Assim

como as águas do rio, que só produzem energia quando represadas. É o preço pago

para gerar a luz (SILVA SÁ, 1996)”.

As regras que integram um ritual devem servir para alcançar o objetivo de en-

trar em contato com o Sagrado, mantendo a atenção dos presentes para um objetivo

comum, para que assim possam vivenciar as transformações possíveis. Importando

a atitude com que se conduz a atenção dos participantes. Portanto cada pessoa en-

tra num universo comum a todos.

Os “perigo” dos rituais é que eles possam se tornar mais importantes do que o

evento que acontece em nossa consciência, ou seja, que nos apeguemos demasia-

damente às formas, ao externo, deixando de captar os ensinamentos que se origi-

nam e são processados em nosso interior.

As imagens os símbolos religiosos presentes nos rituais servem para que a

pessoa se concentre no Divino. O símbolo está carregado de energia numinosa e por

sua força e conteúdos energéticos envolvidos transporta e reporta a lembranças do

passado e ao contato com a realidade divina.

No Santo Daime os principais símbolos sagrados são o Santo Cruzeiro e as

imagens de Jesus Cristo, da Virgem Maria, de São José e São João e outros santos

importantes, seres míticos, presentes na historia da religião Cristã, que são reveren-

ciados nessa doutrina, fundamentalmente brasileira, fazendo parte da sua cosmolo-

gia.

De acordo com Jung (2000, p. 132) podemos alcançar a transformação atra-

vés de um rito usado para esse fim. Os rituais aos quais Jung se refere são os mági-

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31

cos tribais, utilizados intencionalmente para produzir algum tipo de transformação

psíquica, onde além da graça, a transformação advém do esforço do iniciado para

alcançar a meta.

Em todo caso, trata-se de um processo demorado de transformação interna

e do renascimento em outro ser. Este outro ser é o outro em nós, a perso-

nalidade futura mais ampla, com a qual já travamos conhecimento como um

amigo interno da alma. Por isso é algo reconfortante quando encontramos o

amigo e companheiro reproduzido no ritual sagrado. Existem aquelas viven-

cias mediadas pelo rito sagrado, que transcendem a vida. Através da parti-

cipação do neófito no rito lhe é revelado a perpetuidade da vida através de

transformações e renovações. O decisivo nesse caso é, a existência de um

processo que transcorre por si mesmo, se transforma ritualmente, sendo

que o neófito recebe a graça, é influenciado, ou consagrado por sua partici-

pação (JUNG, 2000, p. 133- 135)

O ritual é a forma necessária para entrar em contato com o conteúdo interno,

numinoso (OTTO, 1985), saindo do mundo das formas, das aparências, onde mais

importante que a exploração do espaço exterior é a exploração do espaço interior.

Nesse espaço as transformações podem acontecer.

1.1.1 RITUAL DO SANTO DAIME

O Santo Daime é uma das mais importantes religiões ayahuasqueiras contempo-

râneas em expansão.Os rituais desenvolvidos consistem em comungar, nas datas

estabelecidas, a Ayahuasca, rebatizada como daime, em sessões religiosas compos-

tas de orações e cânticos de celebração a seres divinos.

Os rituais do Santo Daime são denominados “trabalho”, pois aqueles que lá

estão, além de estarem em serviço devocional, também estão “criando uma energia

extática” (ALVERGA apud DROUT, 1999, p. 84). Isso significa que os indivíduos vi-

venciam experiências de estado de êxtase, podendo ter visões e experiências xama-

nísticas, inclusive o contato com entidades espirituais, que são uma das característi-

cas dessas experiências.

De acordo com Maluf (2003), a noção de trabalho é uma das categorias em-

pregadas para descrever e sintetizar o conjunto das atividades rituais realizadas em

Page 32: SOARES, M. C. B.

32

um dado contexto. Essa noção é largamente utilizada no circuito das espiritualidades

e terapias alternativas ("trabalho de crescimento", "trabalho do Daime", "trabalhar um

padrão emocional") e descreve os diversos processos da experiência espiritual. É a

noção que descreve a situação em si e os seus procedimentos, rituais. Este sentido

pode ser observado também no universo religioso e espiritual do Santo Daime. Se-

gundo MacRae,

Todo ritual ou "trabalho" de Daime é concebido como uma oportunidade de

aprendizagem e de cura e todos almejam a doutrinação dos espíritos pre-

sentes. Há, porém, uma variedade de diferentes rituais considerados mais

apropriados para diversas situações. São os "hinários", "trabalhos de cura",

"concentração", "missas" e "feitios". Todos se centram em torno do consu-

mo da bebida e da provocação de estados alterados de consciência dentro

de um contexto físico e social destinado a conter e guiar as "viagens" dos

adeptos. Segundo Couto são "rituais de ordem", promovendo a coesão hie-

rárquica do grupo e a busca da harmonia tanto interna quanto externa dos

adeptos (MACRAE, 2004, p. 25).

Oliveira (2008, p. 50), nos fala que os trabalhos são momentos de preparação

para que o desenvolvimento individual e coletivo do daimista seja mais bem aprovei-

tado. O trabalho seria o veiculo para se atingir uma perfeição material e espiritual,

pois é nele que se recebe instruções, correções, “pêias” 3 que servirão para esse

mesmo adiantamento.

De acordo com o segmento do CEFLURIS, os rituais do Santo Daime, obede-

cem a um calendário oficial de concentrações, nos dias 15 e 30 de cada mês, da

Santa Missa na primeira segunda feira do mês, de trabalhos oficiais nos festivais de

3 O medo, a culpa, a desconfiança, a ansiedade, podem ser potencializados durante a sessão,

gerando desconforto físico e psicológico. É a chamada “Pêia” [...] “Pêia” é quando a borracheira vêm

acompanhada de sentimentos desagradáveis como mal estar físico, náuseas e vômitos, dor e des-

conforto psicológico. Essas sensações são atribuídas a alguma desarmonia no corpo e na mente. A

desarmonia do corpo pode ser devido a alguma doença, alguma coisa na alimentação que não se

digeriu, etc. (RICCIARDI, 2008, p. 77-78).

Page 33: SOARES, M. C. B.

33

junho e dezembro etc, além da realização de trabalhos de cura e, dependendo da

Igreja, trabalhos de Mesa Branca, Trabalho de Cruzes e de São Miguel.

Os trabalhos regulares são chamados de “Concentração” acontecem nos dias

15 e 30 de cada mês. Nesses trabalhos, o objetivo é concentrar a mente num foco

comum, domar os pensamentos e se entregar aos ensinos que o daime mostra. No-

ta-se que um estado meditativo conduz o ritual. As pessoas são orientadas a ficarem

em silêncio em seus respectivos lugares, buscando se interiorizar, entrar em contato

com suas questões e com o que o daime pode mostrar. Segundo os adeptos, muito

do que a pessoa está precisando perceber, realizar e aprender são obtidos no mo-

mento da concentração.

O Trabalho de Concentração é iniciado com as orações do Pai Nosso e Ave

Maria intercalados, advindos da tradição cristã da religião. Após é lido a chave de

harmonia e a consagração do aposento, advindas da tradição do Circulo Esotérico

da Comunhão do Pensamento, grupo esotérico o qual o Mestre Irineu fazia parte an-

tes de fundar o Santo Daime. Com essas preces, o trabalho é aberto, as pessoas

comungam o daime, individualmente e voltam para os seus lugares.

Os trabalhos oficiais são chamados de hinários onde as experiências trans-

pessoais são vivenciadas através do canto e do bailados, uma espécie de biodança

circular, com passos compassados. Os hinários “duram geralmente uma noite inteira,

festejando principalmente o dia de um santo (ALVERGA apud DROUT 1999, p. 84).

Nos trabalhos oficiais do Santo Daime, celebrados nas datas consideradas de grande

importância do calendário religioso, são cantados apenas os hinos dos líderes funda-

dores (Mestre Irineu, Padrinho Sebastião e outros padrinhos e madrinhas) (REHEN,

2007, p. 6).

Esses trabalhos acontecem geralmente em festivais no meio do ano, os feste-

jos Juninos. E no final do ano, os festejos natalinos, o ano novo e a comemoração do

dia da Virgem da Conceição.

Em muitas culturas, os festivais são realizados como comemoração de mi-

tos que lhes estão associados e como a recordação de um acontecimento

que se pensa ter ocorrido numa data histórica determinada, ou num qual-

quer passado mítico: Nesses trabalhos rememoram-se não só a historia e o

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34

sentido da data (São José, São João, Finados etc) extraindo-se a relação

de cada adepto com isso, revivendo-se todos os mitos ligados a origem e a

constituição da Doutrina, como se recapitulam a historia e o sentido trazido

a tona pelo hinário que é cantado (OLIVEIRA, 2008, p. 61).

Outro dos trabalhos importantes e representativos na doutrina são os feitios

de preparação da bebida sagrada. Nesses rituais, uma alquimia é realizada através

da união das duas plantas, juntamente com a água e o fogo (cozimento utilizando fo-

go de lenha). Assim, o daime é preparado rememorando os ritos dos antigos povos

indígenas em suas cerimônias xamânicas. Segundo Oliveira,

Trabalhar em um feitio é a oportunidade de participar de um processo arte-

sanal que remonta à ancestralidade da doutrina, dos seus arquétipos, de

seus fundadores, da comunhão mesmo com a divindade no momento em

que esta se encarna na bebida (idem, p. 66).

O trabalho do Santo Daime é considerado um “xamanismo coletivo” (COUTO

1989), herança das raízes culturais e espirituais do uso da Ayahuasca em culturas

indígenas da Amazônia. Porém difere-se do xamanismo tradicional, pois em seus ri-

tuais todos os adeptos, e não apenas o xamã, podem interagir com o mundo simbóli-

co. Nos rituais do Santo Daime, todos se tornam potencialmente xamãs e estão ap-

tos a ver e ouvir através de experiências extáticas, pois todos comungam a bebida

sagrada Segundo Araújo, trata-se de.

Um novo xamanismo que é fruto de um homem diferente que vem aí, e de

uma Nova Era. [...] estamos em contato com um fenômeno de xamanismo

para iluminarmos nossa passagem por esse mundo, que é algo tão superi-

or, mas tão superior, que só resta o silêncio e a admiração (ARAUJO, 2005,

s/p)

Nos trabalhos, encontramos uma linguagem que são como lições permanen-

tes para um aluno que busca conhecimentos sagrados (ARAÚJO 2005). Os adeptos

que se comprometem com o serviço e a missão espiritual do Santo Daime, são cha-

mados de “fardados”, pois aos rituais do seu calendário mensal e anual se apresen-

tam com uma indumentária própria, uniformizada. “Ser fardado significa ser um com-

ponente do rito. É uma representação iniciática, que distingue os membros do grupo

(irmandade) dos demais (BOMFIM, 2006).

Page 35: SOARES, M. C. B.

35

O Santo Daime, entendido como um "sacramento religioso", passou então a

ser distribuído para todos os participantes dos rituais. "Mestre Irineu" - como

ficou conhecido - reuniu os neófitos em "igrejas" e os iniciados deveriam

portar uniformes ("fardas") durante as cerimônias: para as mulheres, uma

saia branca e uma blusa branca de mangas compridas, o saiote verde pre-

gueado e sobreposto à saia, uma fita verde larga cruzando o peito e fitas fi-

nas e coloridas pendendo da parte superior esquerda. Do lado direito do

peito, uma estrela de seis pontas com o símbolo de uma águia pousando na

lua crescente e no lado oposto o emblema de uma rosa para as mulheres

casadas e uma palma para meninas e moças. Além disso, uma coroa de

lantejoulas brancas e prateadas compôs o restante da farda feminina. Para

os homens, terno branco com gravatas azuis7 e a estrela colocada no lado

esquerdo do peito dos rapazes e direito dos homens casados - havendo um

outro tipo de vestimenta, dependendo do ritual (REHEN, 2007, p. 12).

As fardas possuem duas conotações, uma é a vestimenta própria para o tra-

balho, uma roupa sagrada, utilizada apenas nos momentos rituais, considerada pelos

daimistas como uma armadura, como uma roupa que protege. A farda também tem a

conotação parecida com a do fardamento escolar, pois Santo Daime é considerado

uma escola espiritual e os fardados são os alunos dessa escola. Os trabalhos são

também um momento para servir, para exercitar a caridade. A farda é o identificador

daqueles que trabalham espiritualmente e materialmente nessa linha. Ana, fardada

do Santo Daime, compartilhou conosco as suas compreensões sobre o farda:

A farda é uma preparação, um uniforme que usamos em nossos trabalhos

espirituais e tem o sentido simbólico de armadura. Se somos um batalhão,

estamos na batalha, na batalha do bem e do mal, o bem interior, nossas vir-

tudes e o mal interior , nossas falhas a serem trabalhadas e superadas. A-

lém disso, dentro do trabalho espiritual a ação é a caridade, então é como

se usássemos o uniforme de trabalho, de serviço para a caridade. Mas a

farda pode se tornar apenas uma roupa, porque se eu não estiver com esse

compromisso no meu coração, na minha alma, na minha essência e no meu

espírito nada adiantará a vestimenta exterior se ela não estiver plasmada

verdadeiramente no interior.

De acordo com ARAUJO (2005), o traje de serviço característico do Santo

Daime faz parte do imaginário social e histórico, espiritual, que o Mestre Irineu dei-

xou. Os trajes não são folclóricos, não são alegorias, mas sim a representação de

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uma determinada linguagem simbólica que remonta a um tempo sagrado, porque re-

mete ao imaginário profundo, quando atingimos um outro plano de mentalidade. O

ritual do Santo Daime é do tempo sagrado.

Outras das características centrais dos trabalhos é a musicalidade. A música

ocupa lugar central, já que a maior parte dos seus trabalhos são cantados e tocados.

A musica tem função de construir símbolos sagrados e transmiti-los. Através do can-

to, violão e toque dos maracás, gera-se uma determinada freqüência impulsionando

e conduzindo os estados transpessoais.

A música cantada e tocada quase constantemente serve para harmonizar o

grupo, impondo um ritmo marcado e uma afinação às vozes. A utilização de

música durante as cerimônias remete às antigas práticas xamanísticas de

onde se originou a prática de tomar ayahuasca. O canto e a percussão, de

natureza fortemente ritmada e repetitiva são poderosos auxiliares na provo-

cação de estados alterados de consciência e são considerados como capa-

zes de invocar a atuação de espíritos auxiliadores. As letras dos hinos gui-

am as "viagens" dos adeptos na direção desejada e ajudam a evitar a an-

gústia e o mal-estar. Esses "hinos" servem também para orientar as inter-

pretações das experiências que os adeptos têm durante as sessões. Aju-

dam a criar unidade entre as vivências dos indivíduos e dos símbolos mági-

cos ou míticos em que se projetam tais vivências, o que é de grande impor-

tância para evitar a desagregação do grupo. (MACRAE, 2004)

Os hinos da doutrina são sagrados e contém os ensinamentos e instruções a se-

rem seguidas, que além de possuir harmonia e beleza inigualáveis, facilitam o conta-

to com o divino guiando a experiência transpessoal. Através dos hinos, que são a

base da Doutrina do Santo Daime, o conhecimento é transmitido a todos.

Na Doutrina não existe pregação, não existe hermenêutica, o único material

possível de entendimento são os hinos. Todo o ensinamento da Doutrina

daimista está contido nos hinos. A ingestão da bebida acarretará uma ex-

pansão da consciência, atuando diretamente, individualmente, sobre cada

adepto no seu trabalho espiritual, permitindo que os ensinamentos dos hi-

nos sejam trabalhados em cada pessoa. Assim, cada indivíduo terá seu

próprio entendimento dos hinos. Esses dois mecanismos, a bebida e os hi-

nos, permitirão um profundo mergulho dentro de si, na qual os adeptos es-

tarão “se trabalhando”, isto é, revendo seus feitos e se aperfeiçoando de

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acordo com os ensinamentos baseados no amor, na verdade, na justiça, no

perdão, na humildade, caridade, entre outras qualidades divinas (MENE-

SES, 2005)

Não é raro que os adeptos “recebam” hinos, que são versos musicados captados

espiritualmente do Astral (como é chamada a dimensão espiritual e transpessoal pe-

los adeptos). Rehen (2007) nos fala sobre o que diferencia os hinos de uma musica

comum:

O que distinguem os hinos de outras manifestações musicais é o fato dos

primeiros serem descritos como "recebidos" espiritualmente. De acordo

com o discurso nativo, receber um hino é absolutamente diferente de com-

por uma música, isso porque em uma composição, ainda que possa existir

o fator da "inspiração" ou até mesmo da "intuição", o compositor é sujeito

do processo de autoria, estando apto a experimentar, alterar e influenciar

a música em todas as suas dimensões: rítmica, harmônica, melódica e po-

ética; sentindo-se de alguma forma o seu proprietário, aquele que "faz",

"cria" e/ou "inventa". Já para os seguidores do Santo Daime, os hinos seri-

am dádivas de seres sobrenaturais que as oferecem para os adeptos -

neste caso chamados de "aparelhos" - que apenas "recebem" para então

cantar em conjunto com outros membros do grupo. Gustavo Pacheco

(1999) chamou o processo do "recebimento" dos hinos do Santo Daime de

clariaudiência ou psico-musico-grafia propondo uma variação terminológica

para os fenômenos espíritas da clarividência e da psicografia (REHEN,

2007, p. 6)

No Núcleo de Instruções Céu das Águas, por exemplo, um dos hinos recebi-

dos por um dos membros do grupo, legitima a existência do Núcleo como um ponto

de luz, que cresceria conforme o desenvolvimento espiritual e a integração dos

membros no trabalho coletivo material e espiritual.

O núcleo mostra sinais de crescimento. Iniciou seus trabalhos espirituais com

uma média de cinco pessoas, há seis anos. Atualmente recebe uma média de trinta

pessoas em seus trabalhos regulares de concentração. Abaixo o Hino recebido pelo

antigo dirigente do grupo, Agnus Bahia, que legitima a existência do Núcleo:

“Eu vi um ponto de luz

Guiado por Jesus

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O ponto ia crescendo

Conforme o que ia acontecendo

Se cumprindo as palavras

Do profeta das matas

No expandir da Doutrina

Dou viva ao Céu das Águas”

Através dos hinos, o sistema de valores é transmitido ao grupo. O Santo Dai-

me, de acordo com Oliveira (2008), não possui um livro fundador, visto que apresen-

ta através dos diversos hinários, algumas categorias similares encontradas em textos

sagrados de diversas religiões como a Bíblia, os Vedas, o Alcorão, funcionando co-

mo suporte e guia para o adepto e refletindo a historia do grupo.

Os praticantes da religião encontram nos hinos um tipo de explicação nativa

e afirmam sentir amor e alegria ou mesmo mal-estar físico relacionando-os a

causas espirituais, que segundo eles teriam profunda ligação com os argu-

mentos apresentados nas letras das canções religiosas e que ao longo das

cerimônias despertariam determinadas emoções. Os efeitos no campo físico

e psíquico se relacionam com uma ordem detalhada e ritualmente consolida-

da coletivamente, sendo suscitados e interpretados por meio dos cânticos

(REHEN, 2007).

A tradição da musica no Santo Daime é uma re-elaboração do antigo do canto

dos ícaros xamânicos em rituais de cura, onde acreditava-se que através de alguns

cânticos específicos e de determinada freqüência, recebidos espiritualmente, entrar-

se-ia em contato com entidades espirituais que viriam em auxilio do xamã.

De um modo geral, todo hino teria o poder de curar, característica her-

dada da matriz xamânica ancestral dos ícaros vegetalistas (GOULART,

2004), chamadas destinadas a evocação de poderes mágicos. Mas se os

hinos servem como evocadores das forças de cura, como formadores de

“corrente” e como “mapas”, a própria bebida, sozinha, teria propriedades

curadoras. Assim, por extensão, qualquer ritual daimista tem a cura como

fim. Segundo De Rose (2006), o próprio chá é considerado um ser divino,

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capaz de curar e de transmitir conhecimento. Assim, infere-se que os hiná-

rios constroem uma cosmologia acessível independentemente de evocação,

inscrevendo-se no inconsciente coletivo dos participantes. Entre mythos e

logos, o que se inscreve na cultura e transparece como identidade é o sen-

tido vivido, forjado em sistemas pelas categorias da razão e da sensibilida-

de (ACCIOLY, 2007, p. 4).

Os hinos desempenham um importante papel de cura, assim como os

ícaros, cantos xamânicos, desempenham um papel terapêutico importante

nas cerimônias peruanas. Eles tem uma importância fundamental porque

estimulam e desencadeiam visões. Em outros termos, os cantos e rituais

trabalham em harmonia para criar um campo morfogenético que sustenta e

amplifica a experiência extática (DROUOT, 1999, p. 84)

O depoimento de (A, visitante do Santo Daime), nos mostra a evidência do a-

prendizado obtido através dos hinos, em uma sessão de cura, na Igreja Céu das Á-

guas:

Eu aprendi muita coisa. Sei que eu tava com várias aflições e as respostas

foram aparecendo com os hinos. Eu acho que me impressionei mais porque

isso me veio sem uma borracheira forte e uma peia. Mas pelo que eu en-

tendi, o daime vai mostrando aos poucos individualmente, um a um, os hi-

nos ajudam a compreender.

Outras das características do Santo Daime é que há regras para a participa-

ção nos rituais que servem como preparação e como instrumento de coesão e ordem

no momento do trabalho. Por exemplo,

- prescrições dietéticas e comportamentais que devem ser observadas

durante três dias antes e depois da tomada da bebida e que preparam a ati-

tude do adepto para um acontecimento importante que foge da rotina cotidi-

ana;

- uma organização social hierárquica em que um "comandante" ou "pa-

drinho" é reconhecido como o dirigente da sessão, auxiliado por um corpo

de "fiscais" responsáveis pela ordem do trabalho;

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- organização do espaço e do comportamento ritual. Assim há uma me-

sa/altar central onde uma cruz de Caravaca, o Santo Cruzeiro, e outros

símbolos religiosos realçam a sacralidade da ocasião;

-Todos os participantes são alocados a um determinado lugar no salão,

muitas vezes um retângulo desenhado no chão, separados em grupos por

sexo e idade ou experiência sexual (mulheres, moças, homens e rapazes)

(MACRAE, 2004).

De acordo com Morris (2006), todas as religiões incluem práticas rituais, códi-

gos de ética, corpo de doutrinas, crenças, escrituras ou tradições orais; Assim como

padrões de relações sociais focadas em torno de uma congregação ritual, igreja ou

comunidade moral. Esses direcionamentos e regras de conduta conduzem a um e-

thos que dá vazão à experiência emocional e mística do grupo religioso envolvido.

1.1.1.1 RITUAL DO ESSÊNCIA DIVINA

O Centro de Harmonização Interior Essência Divina existe em Maceió desde

2005, A sede do CHIED é localizada nas mesmas imediações do Núcleo Céu das

Águas no bairro de Riacho Doce em Maceió. Nesse centro é desenvolvido um traba-

lho com a bebida sagrada de acordo com outra abordagem, chamada pelo dirigente

de „unificação‟, que pretende abarcar em seu interior elementos do Santo Daime e da

União do Vegetal, concepções filosófico-religiosas orientais, práticas xamanisticas

indígenas etc.

A característica que marcadamente diferencia rituais praticados no Essência

Divina dos realizados no Santo Daime é que o contexto ritualístico é concebido como

“livre” onde consiste num espaço de introdução de variados elementos e de diversas

orientações e experimentações.

Ensinamentos em áudio são colocados, principalmente voltados para o auto-

conhecimento, geralmente extraídos da filosofia oriental. Na força da Ayahuasca ou

borracheira, como é chamada o estado de consciência expandida viabilizada através

do chá, o nível da compreensão e aprofundamento da experiência é ampliado.

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Os hinos do Santo Daime, do próprio CHIED e de membros, bem como as

“chamadas” utilizadas nos rituais da UDV, estão presentes nos rituais do Essência

Divina. Entre os hinários do Santo Daime estudados pelo grupo, pudemos acompa-

nhar o do Mestre Irineu, Germano Guilherme e Maria Damião.

As “chamadas” são cânticos, tais como os hinos, recebidos da dimensão espi-

ritual, advindos da tradição da União do Vegetal que também impulsionam uma serie

de desdobramentos. Essa religião tem como líder espiritual o Mestre Gabriel. Se-

gundo Araújo,

Mestre Gabriel traz sabedorias da fonte espiritual; mesma expressão e con-

teúdo, dirigido para sujeitos enunciatários diferentes, no entanto suas cha-

madas vêm da mesma fonte; tal qual o Santo Daime é xamânico, sendo es-

se último com linguagem e roupagem religiosas porque dirigido à salvação

dos cristãos e de outros religiosos que buscam um equilíbrio assim, maior,

místico, transformador. Não é sem motivo que essa força surge depois de

um processo de enraizamento cultural dos seus discípulos (ARAÚJO, 2005,

s/p).

Além dos hinos e chamadas, há espaço para experimentações musicais diver-

sas como utilização de estilos variados de músicas como new age, popular brasileira,

etc. Aparentemente alguns tipos de musica não caberia num trabalho espiritual, no

entanto nota-se que efeito é positivo, surgindo reflexão, dando uma sensação de le-

veza e descontração ao ambiente, uma pratica que é utilizada também na União do

Vegetal.

Para John Blacking (1973), citado por Rehen (2007), a música não seria sim-

plesmente o reflexo ou "produto" de uma dada realidade social, mas um "sistema cul-

tural" capaz de informar os corpos e modelar os pensamentos. Uma das qualidades

essenciais da música seria a capacidade de criar um "outro mundo" de "tempo virtu-

al".

Em qualquer ritual com Ayahuasca, a figura de um dirigente é de fundamental

importância na condução. O dirigente precisa demonstrar experiência, conhecimento

da bebida e dos processos advindos e principalmente responsabilidade e seriedade

nos trabalhos. Tanto no Santo Daime, quanto no Essência Divina existe a presença

de um líder, um dirigente responsável. É a pessoa responsável por conduzir o ritual.

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A pessoa de um dirigente em trabalhos com Ayahuasca funciona como um facili-

tador, pois o tipo de liderança e dinâmica dos trabalhos são fatores essenciais capa-

zes de influenciar em grande parte a harmonia e a tranqüilidade da experiência.

Barbier aponta que um dirigente,

Precisa ser paciente, empático, familiarizado com os processos da ex-

periência; Uma liderança não muito interventiva e tranqüila favorece o a-

cesso e estudo dos conteúdos pessoais, o exame e integração da sua pró-

pria trajetória, o encontro de caminhos e conceitos próprios. (BARBIER,

2005)

Pudemos observar que o Mestre dirigente do CHIED desempenha uma impor-

tante função no grupo, sendo bastante respeitado por todos. O grupo é perceptivel-

mente harmonizado.

Laura, fardada do Essência Divina, em seu depoimento nos dá uma importante

compreensão sobre o papel de um dirigente na sessão.

Deve existir uma pessoa que dirija, que coordene, que tenha conhecimento

do que é a Ayahuasca para poder ministrar. Ai não pode desprezar o co-

nhecimento, não pode ser qualquer pessoa, tem que ser uma pessoa espe-

cifica responsável. Inclusive responsável, pra responder pela Ayahuasca

em relação ao Estado, ao conselho de entorpecentes, conselho nacional

anti-drogas. Essa pessoa que está à frente respondendo por esse trabalho,

por isso deve conhecer profundamente o que é esse trabalho. O fato de

chamar Mestre é porque é um professor, porque ministra um determinado

ensino.

As sessões do Essência Divina são realizadas a cada 15 dias, no primeiro e

no terceiro sábado de cada mês. Ao contrário do Santo Daime onde as orações são

a base de abertura e fechamento dos trabalhos, no Essência Divina, o trabalho é a-

berto sem nenhuma oração formal. Notamos, entretanto, que a reverência a Jesus

Cristo está presente quando na hora de beber o chá todas as pessoas repetem ao

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mesmo tempo: “Deus que nos guie no caminho da luz, para sempre sempre amém

Jesus”.

Após essa afirmação, todos bebem o chá e se sentam para a parte do traba-

lho que é denominada “concentração”. Nesse momento variadas musicas são colo-

cadas, sons da natureza, sons xamânicos, mantras, hinos, ensinamentos. A concen-

tração não é no silêncio como no Santo Daime. Essas músicas possuem o fator de

serem agente potencializadoras da borracheira. Esteticamente, todas as musicas são

de bastante qualidade.

É freqüente os participantes escutarem gravações em áudio feitas pelo mestre

dirigente ou por membros do CHIED baseadas em trechos filosóficos, religiosos, etc.

É largamente utilizado equipamento tecnológico durante os rituais, através de trans-

missão de músicas com uso de laptop e amplificadores.

Notamos a presença de quadros com as imagens do Mestres que fazem parte

da linha ayahuasqueira: Mestre Irineu do Santo Daime, Mestre Gabriel da UDV, Mes-

tre Francisco do Centro de Cultura Cósmica. Apenas a imagem do Padrinho Sebasti-

ão não está presente.

O centro é em formato de uma oca, construído pelos próprios membros do

CHIED juntamente com os índios de uma tribo Indígena Kariri Xocó do Estado de A-

lagoas. O formato da construção é um costume, uma arquitetura tradicional da tribo,

herdada dos seus antepassados, que foi utilizada para construção do ambiente ritual

do Essência Divina.

Como fardada do Santo Daime, pude compartilhar bons momentos nesse

Centro. Acredito que todos os grupos façam parte da mesma família, da mesma linha

da Ayahuasca. O que diferencia um lugar do outro é abordagem utilizada. Cada

pessoa possui afinidades próprias e se sentem melhor desempenhando um determi-

nado serviço.

O xamanismo sempre fez parte de meus interesses. Na primeira visita que fiz

ao Essência Divina em 2007, vivenciei uma experiência muito forte. Num momento

da sessão, que aconteceu um dia depois de meu fardamento no Santo Daime, o

Mestre estava fazendo algo que eu compreendi como um trabalho xamânico, na fo-

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gueira com os maracás. Nesse momento a força estava muito grande, eu estava co-

mo que me desprendendo de mim mesma, e tudo tremia. Ao mesmo que eu estava

naquele lugar físico tridimensional, estava em outro, e era como se eu relembrasse a

memória de um passado, como uma sensação de dejavu. Senti como se já conhe-

cesse aquele lugar, aquelas pessoas. No momento em que o Mestre estava fazendo

o ritual com os maracás senti algo como um zumbido muito forte, muito alto, tudo

tremia, e era aterrorizante de tão forte. Nessa hora me entreguei a mãe terra, me dei-

tei no chão como que pra buscar um suporte, um conforto. Ao olhar para o Céu, lá

estava lua... Senti que quem governava, era Deus. Aprendi que precisava ter fé em

Deus e tive. Precisei acreditar verdadeiramente em quem poderia me segurar naque-

le momento. Nessas horas, por mais forte, desconfortável e amedrontadora que seja

a situação, só nos resta ter calma e fé no Poder Superior que nos segura. Com a fé

veio a cura. Nesse momento me senti como me desprendendo do meu corpo, eu via

meu corpo lá em baixo e via meu corpo em cima. Eu era uma observadora e via o

que se passava nos dois planos. E doía muito, meu corpo doía muito. E eu me en-

xerguei no plano astral, com varias índias, velhas xamãs, com seus maracás sobre

mim, chacoalhavam os maracás e me mandavam segurar a dor, pois eu estava re-

cebendo a minha cura: “segura fia, segura que essa é a tua cura” foi o que ouvi niti-

damente. E varias cobras saiam de dentro de mim, do meu corpo etérico. A medida

que o Mestre terminava o ritual com os maracás no plano físico, aquela força foi se

acalmando e eu fui retornado a um estado mais comum e me acalmando, as dores

passaram e eu voltei novamente a terra. Recebi uma importante cura, aprendi a ter

fé em Deus, a acreditar no Poder Superior e a agradecer a essas entidades curado-

ras. Acredito que elas fazem parte de minhas raízes ancestrais. A experiência foi for-

tíssima e posso considerar como uma das mais fortes que já tive, no pouco tempo

que estou no caminho da Ayahuasca.

Há apenas seis anos comungo a bebida, apenas há dois anos me fardei no San-

to Daime, ou seja, ainda tenho muito caminho a percorrer, muito a compreender num

caminho que se faz com muita calma, amor, paciência e tranqüilidade.

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2 EXPERIÊNCIAS TRANSPESSOAIS ATRAVÉS DO USO

RITUALÍSTICO DA AYAHUASCA

As experiências transpessoais são consideradas como um estado superior de

consciência, onde se dissolve a aparente fronteira entre o “eu” e o mundo exterior,

em que desaparece o que chamamos de pessoa e surge uma vivencia que está além

(WEIL, 1995, p. 14)”. Essas capacidades potenciais estão relacionadas à existência

de estados superiores de consciência, ainda desconhecidas para a maior parte da

humanidade. O caminho para atingir esses estados é o caminho da autotranscen-

dência, ou superação do ego individual.

De acordo com Bertolucci (1991), é um pressuposto da psicologia transpessoal

que todo ser humano possui impulsos em direção à realização dos estados superio-

res de consciência, única possibilidade real de libertação. As experiências transpes-

soais, de acordo com a autora, constituem “estados superiores de consciência”, ex-

periências humanas mais evoluídas, realizadoras, complexas ou cósmicas.

Em um mundo quase que totalmente prensado por fenômenos como reifica-

ção, estandartização, desenraizamento simbólico, ausência de cidadania e

exclusão moral, sem falar na ausência de políticas públicas de bem-estar

social. É ai onde se insere o movimento ayahuasqueiro, que busca trans-

formações através do conhecimento sagrado (ARAÚJO, 2005).

Os processos subjetivos decorrentes do uso ritual da Ayahuasca são por nature-

za transpessoais porque alargam a experiência e visão da realidade, diminuem o im-

pério do ego sobre a personalidade, facilitam uma mudança de valores e conduzem o

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individuo a uma experiência sagrada da existência. O psicólogo Tripichio observa

que:

Experiências ditas transpessoais acompanham o homem há milênios. No

Ocidente, na maioria das vezes, estas vivências são associadas à religião,

caracterizando-se como um encontro com um estado místico indescritível e

não vivido pela maioria dos indivíduos. Ao contrário, porém, no Oriente es-

tas experiências obtiveram atenção e estudo que desenvolveram métodos e

técnicas para vivenciá-las. O Zen-Budismo, a Ioga e o Sufismo, por exem-

plo, são três doutrinas orientais que, além de uma preocupação com o fun-

cionamento da mente, sua relação com o Cosmos e o desenvolvimento da

personalidade, têm implicitamente em seu pensamento a evolução interior

do indivíduo visando atingir experiências transcendentais (TRIPICHIO,

2007, s/p)

A dimensão transpessoal das experiências vivenciadas por indivíduos não se

restringe apenas a questões relacionadas à identidade, à personalidade e à historia

de vida. Essa dimensão, como já foi ressaltado, ultrapassa o ego, indo em direção a

uma totalidade e a integração das variadas camadas da psique, saindo-se do mundo

da forma, indo em direção ao conteúdo organizativo que reside no centro da psique

(BERTOLUCCI, 1991, p. 55).

Stanislav Grof, psiquiatra pioneiro da Psicologia Transpessoal, referência no

estudo das experiências de consciência expandida, explica que:

Nos estados transpessoais ocorre uma mudança qualitativa de consciência,

de forma profunda, onde nosso campo de consciência é invadido por con-

teúdos de outras dimensões da existência, que podem ser muito intensos e

modificadores da nossa visão de mundo (GROF, 2000, p. 78).

Essas experiências são geradas a partir do inconsciente transpessoal ou cole-

tivo, que despertado pelo o uso da Ayahuasca, manifesta conteúdos universais que

não correspondem apenas à historia individual. Com a Ayahuasca, há possibilidade

de interação tanto com conteúdos do inconsciente pessoal, quanto do inconsciente

coletivo.A Ayahuasca dissolve os limites da mente inconsciente, permitindo o acesso

a um leque mais abrangente de conhecimentos e também a conteúdos reprimidos e

esquecidos, possibilitando que eles sejam re-elaborados.

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Brandão (1994), citado por Tavares (2004) destaca que através da Ayahuas-

ca,

O alvo do sujeito é conhecer-se até onde for possível, dissolver-se na or-

dem mística de um cosmos vivo, mas à condição de fazê-lo trabalhando a

plenitude de sua própria pessoa, e as várias dimensões espirituais de si

mesmo, em nome de um mesmo trabalho individual sobre a fidelidade à sua

própria pessoa.

No estado de expansão da consciência é possível o alcance de outros níveis

de emancipação. Os estados expandidos de consciência não conduzem à desorgani-

zação, mas à organização e re-elaboração psíquica em busca de uma melhor quali-

dade de consciência.

De acordo com Bertolucci (1991), a psicologia da personalidade, da persona,

do ego, ou qualquer outro nome que se queira dar é uma psicologia parcial, pois leva

em conta somente a linha horizontal da vida. Ela nos fala de uma nova forma de psi-

cologia que estudaria a linha vertical, ou seja, a essência do homem que consideraria

não só a existência de questões emocionais da personalidade, mas algo que vai a-

lém do que representa a essência do homem.

Só podemos recuperar a perspectiva de totalidade sobre o fenômeno psíquico

retornando à experiência humana em todas as suas manifestações e verdadeiramen-

te ao sujeito das experiências. Para Bertolucci (1991), a Psicologia Transpessoal,

dentro de uma metodologia fenomenológica procura trabalhar incentivando o desen-

volvimento da consciência em suas formas superiores.

Há registro de técnicas para conduzir a experiências transpessoais desde os

primórdios da humanidade (BARBIER, 2003). As grandes tradições espirituais da

humanidade elaboraram seus termos específicos para as experiências transpesso-

ais, que equivalem simbolicamente, por exemplo: o Zen-budismo chama de satori, o

Taoísmo de hsù ("estado de vazio"), o Sufismo de fana ("extinção do ego"), o Budis-

mo de nirvana, a Kriya Yoga de samadhi, o Cristianismo de "reino dos céus" e o San-

to Daime de “miração” (BOMFIM, 2002).

Maslow (1998), chama essas experiências de peak experiences ou experiên-

cias culminantes. Para ele uma experiência culminante é um momento em que você

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é tirado de si mesmo, que faz você sentir-se um com a vida, ou com a natureza, ou

com Deus. Dá a sensação de ser parte do infinito e do eterno. Essas experiências

tendem a deixar marcas profundas na vida da pessoa, mudá-la para melhor, e muitas

pessoas procuram essa experiência ativamente. São também chamadas de experi-

ências místicas, e são conhecidas em muitas tradições religiosas e filosóficas.

Todas essas características se encontram combinadas em maior ou menor

grau nos estados transpessoais de consciência e se constituem em estados de con-

templação interna, sejam eles alcançados naturalmente, espontaneamente ou con-

duzidos através de ritmos musicais de instrumentos musicais (como tambores, mara-

cás, etc.), de mantras ou através do uso de enteógenos.

De acordo com Alverga (1996), as experiências transpessoais, através da Aya-

huasca, possuem características próprias que as permitem reconhecer, como por

exemplo:

...inefabilidade, incapacidade de narrar em palavras os primores alcança-

dos com toda sua riqueza de visões e sensações; caráter irretorquível das

verdades vivenciadas, o que pressupõe uma grande potencialização do

dom da intuição; sensação de unicidade; experiência subjetiva de fusão do

Eu no universo; transcendência do tempo e do espaço, sensação de emer-

gir beatificamente no Eterno Agora; sensação de profunda positividade fren-

te à vida; reconhecimento da sacralidade do caráter divino da experiência

obtida; aumento do poder de concentração e cognição; sensação de confor-

to e estímulo moral para desempenhar as instruções recebidas; insights re-

veladores e valiosos para o solucionamento de conflitos internos; reverên-

cia e humildade frente ao desconhecido, serenidade frente a aceitação da

morte e a compreensão desta como uma transição para uma vida desmate-

rializada e de pura consciência; predisposições de altruísmo e abnegação;

visualização da linguagem”. (ALVERGA, 1996)

Penetrar nos mistérios proporcionados pela Ayahuasca permite ao homem a

participação no mundo das realidades iluminadas, ou seja, pelo mundo do sagrado.

Esse encontro se da com muita intensidade, de uma forma mais profunda e arreba-

tadora.

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50

Vânia, fardada do Essência Divina nos fala sobre a questão da religiosidade

com Ayahuasca e os conteúdos que podem ser vivenciados:

Outra coisa a ser trabalhada com a Ayahuasca é questão da religiosidade e

não da religião. Então você fica muito livre e desperta em você, em vez das

normas e regras de fé da religião, possibilita o encontrando com Deus, com

a sua sabedoria interior e entendendo também que esse Deus pode ser

uma Deusa. O Deus tem características maternais e a Mãe tem característi-

cas paternais. Essas coisas vão chegando na gente.

Shannon (2003), pesquisador Israelita da área das Ciências Cognitivas, com-

partilhou em seu trabalho as experiências que vivenciou com a Ayahuasca. Ele nos

fala que a substância abriu para ele uma dimensão do sagrado que nunca tinha vi-

venciado antes, quando teve visões muito fortes. A experiência foi tão forte que o le-

vou a querer integrar o uso ritual da Ayahuasca no estudo da fenomenologia da

consciência humana e investigar as dimensões psicológico-cognitiva da experiência

e suas implicações mais amplas para o estudo da consciência humana.

A Ayahuasca demonstra o forte impulso na psique dos indivíduos que a be-

bida pode provocar. A ayahuasca provoca poderosas visões que se associ-

am a insights pessoais, ideações intelectivas, reações afetivas e experiên-

cias espirituais e místicas profundas. Também se observam alterações dos

parâmetros básicos da experiência – identidade pessoal, conexão com o

mundo exterior, temporalidade e os sentimentos de significação e de noese,

além disso, provoca uma abertura psico-cognitiva que conduz ao contato

com o sagrado (SHANNON, 2003).

Essas experiências podem ser descritas por outras pessoas, inclusive falando

do encontro com seres arquetípicos, como divindades, deuses, anjos, santos, budas,

orixás. Os arquétipos são manifestações de uma energia Universal, personificada,

transformada em imagem e símbolo nas diversas culturas. O símbolo é uma imagem

carregada de energia, despertado nas diversas praticas religiosas. “O psiquismo hu-

mano produz, de forma espontânea, os conteúdos religiosos, pois dessa natureza é o

ser humano, um ser intrinsecamente religioso (DALGARRONDO, 2008, p. 65)”.

Sob o efeito da bebida sagrada, entramos naturalmente em contato com essa

dimensão mística e metafísica da existência. Essa se trata de uma dimensão inteira-

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51

mente diferente da qual estamos acostumados a lidar, o que não retira seu status de

verdadeira.

Esses estados de consciência constituem experiências humanas mais evo-

luídas, realizadoras, complexas ou cósmicas. A experiência transpessoal,

de fato representa uma modalidade superior de estado de consciência, pois

trata-se da experiência de centro de si mesmo (Self), ao mesmo tempo em

que é Centro e fonte de toda a Vida. Nessa dimensão, todas as divisões

são abolidas, não há mais separação entre sujeito e objeto, eu e outro. A vi-

vencia dessa posição superior de consciência, mesmo por breves momen-

tos, é altamente curativa e amplia a capacidade de realização do sujeito em

todos os sentidos (BERTOLUCCI, 1991, p. 20).

No Santo Daime, o estado transpessoal provocado pela Ayahuasca é chama-

da de miração. A pessoa ao mesmo tempo em que observa, atua no universo espiri-

tual, do inconsciente. Para o escritor, físico e xamã, Drouot, a miração significa ao

mesmo tempo visão interna e êxtase, é o modelo de uma forma de consciência na

qual o eu se concentra na realidade interna. Ela favorece a consciência espiritual e é

notavelmente similar às visões e aos estados extáticos descritos pelos santos e os

místicos de tantas religiões (DROUOT, 1999, p. 74, 83)”.

Ou seja, o individuo experiência a si mesmo como um observador uma teste-

munha daquilo que acontece, ao mesmo tempo em que atua no cenário de infinitas

possibilidades que aparecem no contexto da visão interna. Para Bertolucci nesse

momento, a pessoas se tornam testemunhas desse poder de direcionamento ou in-

tencionalidade que faz parte das experiências transpessoais, quando então, o sujeito

pode experienciar-se ao mesmo tempo como consciência transcendental, observador

ou testemunha transpessoal. (BERTOLUCCI, 1991, p. 21).

Na miração, o individuo é conduzido a mudanças perceptivas, vivenciando

uma experiência qualitativamente diferenciada em relação aos padrões perceptivos

do cotidiano, englobam não raro entidades divindades, Mestres, Santos e outros ar-

quétipos. Para aqueles que a vivenciam tais experiências são tão convincentes e re-

ais quanto as experiências da própria vida cotidiana (idem, 140). É no inconsciente

coletivo, ou transpessoal, que a realidade das figuras arquetípicas estão armazena-

das.

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52

Esse sentimento profundo e tocante, revelado pela bebida e pelo contexto re-

ligioso foi expresso em um dos depoimentos:

Conheci o Daime, eu tinha 24 anos de idade e foi ai que eu senti meu coração fer-

ver, minha alma vibrar, compreendi que eu era o veiculo para encontrar Deus e foi o

Daime que me mostrou. Assim percebi que era me conhecendo, me lapidando e me

descobrindo, que eu seria capaz de ser que Eu Sou (depoimento de Ana fardada do

Santo Daime).

Utilizada num contexto ritualístico responsável e sério, a Ayahuasca pode le-

var o individuo a potencializar seu processo de encontro com a dimensão transcen-

dente de si mesmo e da vida. Conduzindo assim, a um novo projeto existencial pau-

tado na auto-transformação e no retorno ao sagrado. A busca pelo transcendente e

pelo sagrado é uma maneira de re-significar a vida, podendo ser considerada o con-

traponto a toda situação de esvaziamento das subjetividades que observamos atu-

almente.

2.1 AS EXPERIÊNCIAS COM AYAHUASCA E O RETORNO AO SA-

GRADO NA CONTEMPORANEIDADE.

O surgimento Mítico da primeira religião Ayahuasqueira contemporânea

Os mitos e os símbolos sagrados estão presentes desde a criação da primeira

religião ayahuasqueira do Brasil, o Santo Daime. “Mito é uma forma comunicativa de

conservar e de significar um valor através de um símbolo que esclarece e expressa o

valor de um significado de uma verdade profunda (TAVOLA, 1985 apud RAMOS,

2005)”.

O mito, ou o que se tornará um mito, com o passar do tempo, é aquele relato

do Encontro do Mestre Irineu, fundador da Doutrina, com um ser divino, através do

estado visionário da miração. O Encontro do Mestre com um ser mítico representan-

do a energia feminina primordial da Grande Mãe, da Rainha da Floresta, que é identi-

ficada como a Virgem Maria, traçou os fundamentos do que seria a religião do Santo

Daime.

Sob o efeito da Ayahuasca, Mestre Irineu visualizava, ouvia e recebia ensi-

namentos divinos em estado de "miração" e assim foi inspirado para fundar

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53

a religião, obedecendo à sua "professora", a "Rainha da Floresta" (ou "Vir-

gem da Conceição"), com quem afirmava manter contatos espirituais . Foi

assim que ele "recebeu" os hinos, apresentando os principais elementos do

ethos religioso daimista na orientação dos adeptos em suas "viagens as-

trais" e no cotidiano. Para os seguidores, esses cânticos são mensagens

dos "seres" da floresta e do "astral" (região celestial), apresentando também

os valores e normas de conduta idealizadas pelo grupo. O próprio "mito de

origem" da doutrina do Santo Daime, com o Mestre Irineu recebendo ensi-

namentos da lua, já apresenta a noção de sacralidade daquilo que vem do

alto. (REHEN 2007, p. 5)

O principio arquetípico do Sagrado Feminino Universal foi manifestado desde

o inicio do surgimento do Santo Daime. Atualmente mais de trinta e seis paises falam

da Rainha da Floresta, através dos hinos, reverenciando a Floresta e a Mãe Nature-

za e Virgem Maria que manifestou os primores e a beleza da natureza e do Divino

através dessa bebida sagrada.

Como indicação do retorno ao Sagrado Feminino, um grupo de mulheres dai-

mistas das diversas partes do Nordeste se reuniram em março de 2009, na Praia de

Japaratinga em Alagoas, num Encontro de Mulheres na Floresta (EMFLORES-NE).

Foram quatro dias de vivências, grupos de discussões, exercícios de yoga, biodança,

alimentação natural e trabalhos do Santo Daime em celebração ao Sagrado Femini-

no. As mulheres buscaram Reverenciar o principio sagrado em si mesma e na natu-

reza, na Virgem Mãe que é mulher e foi quem entregou a Doutrina do Santo Daime

ao Mestre Irineu.

A principal facilitadora desse Encontro de Mulheres foi uma das madrinhas,

moradora do Céu do Mapiá, que há muito tempo se dedica à Doutrina, sendo con-

temporânea do Padrinho Sebastião; Maria Alice Campos Freire, desenvolve um tra-

balho terapêutico muito importante na Floresta Amazônica, Fundadora do Centro

Medicina do Floresta onde, desde 1989 desenvolve pesquisas e curas com as plan-

tas da Amazônia, bem como a educação de crianças e jovens para a preservação da

Natureza e do desenvolvimento sustentável. Ela é uma ativista na defesa das suas

tradições e patrimônio, sendo uma das responsáveis pela sistematização dos Florais

da Amazônia.

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54

Maria Alice é também uma das membros do Conselho Internacional das 13

avós Xamãs, representantes femininas das diversas tradições espirituais do Planeta

Terra. Criado em outubro de 2004 reúne 13 Avós Indígenas de todo o mundo: do A-

lasca, América do Norte, América do Sul e América Central, África e Ásia.

Abaixo a declaração de Aliança elaborada pelo Conselho das 13 avós, que le-

gitima o papel das mulheres na preservação da natureza, através da tradições sa-

gradas de seus povos.

Nós somos o Conselho Internacional das Treze Avós Indígenas. A nossa

é uma aliança de oração, de educação e cura para a nossa Mãe Terra, to-

dos os seus habitantes, todas as crianças e para as próximos sete gerações

vindouras. Estamos profundamente preocupados com a destruição sem

precedentes da nossa Mãe Terra, a contaminação do nosso ar, águas e do

solo, as atrocidades da guerra, o flagelo da pobreza mundial, a ameaça das

armas nucleares e de resíduos, que prevalece na cultura do materialismo,

as epidemias que ameaçam a saúde dos povos da Terra, a exploração dos

indígenas medicamentos, e com a destruição de formas de vida indígenas.

Nós, o Conselho Internacional das Treze Avós Indígenas, acreditamos que

a herança de nossos ancestrais, formas de oração, a paz e a cura são vi-

talmente necessários hoje. Vivemos juntos para cuidar, educar e formar os

nossos filhos. Vivemos juntos para defender a prática das nossas cerimô-

nias e afirmar o direito de utilizar a nossa planta medicamentos isentos de

restrição legal. Viemos juntos para proteger as terras onde os nossos po-

vos vivem e sobre a qual dependem as nossas culturas, a fim de salvaguar-

dar o patrimônio coletivo de medicamentos tradicionais, e para defender a

própria terra. Acreditamos que os ensinamentos de nossos antepassados

vão luz nosso caminho através de um futuro incerto. Nós unir com todos

aqueles que honram o Criador, e para todos aqueles que trabalham e rezar

para os nossos filhos, para a paz mundial, e para a cura de nossa Mãe Ter-

ra (Conselho Internacional das Vovós Indígenas, 2004)

As avós são mulheres de oração e mulheres de ação. As suas formas tradi-

cionais de rito e conexão com Deus, sua ligação com as forças da mãe terra, sua so-

lidariedade para com o outro cria uma teia que ajudarão a humanidade a reequilibrar

as injustiças de um mundo em desequilíbrio, desconectado da leis fundamentais da

natureza e do original ensinamentos baseados em uma relação para toda a vida.

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55

Alguns estudiosos do xamanismo como (CHAMALU, 1999), falam que esta-

mos numa era onde o Matriarcado está retornando, onde as características femininas

estão sendo mais solicitadas em diversas áreas da vida. Estamos saindo de uma era

onde predominou o princípio masculino, onde imperou as guerras, a dominação, a

competitividade, a racionalidade. E estamos entrando em uma nova fase, onde pre-

valecerá as características femininas, do amor, da receptividade, do acolhimento, do

cuidado, da intuição. Os cuidados com a natureza, com a mãe terra podem ser sinais

dessa mudança.

Retornando a historia do surgimento mítico do Santo Daime, Oliveira (2008, p.

85) também nos fala sobre o encontro do Mestre Irineu com a Rainha da Floresta:

Nesse momento se dá o encontro mítico entre o Mestre Irineu e a Rainha

da Floresta, representação de Nossa Senhora da Conceição que de cima

da lua nova começa a lhe entregar o conhecimento dos segredos sagrados

contidos na bebida que ele próprio designará como Daime (num ato rogati-

vo: daí-me amor, daí-me fé, daí-me luz). Em outras aparições, essa deusa

Universal, como identificou Irineu, lhe ordenará a criação da Doutrina e lhe

instruirá no recebimento dos cantos para que através deles se estabeleça o

contato entre o mundo material e o mundo espiritual (OLIVEIRA 2008, p.

85).

A partir desse encontro mítico e místico, o sistema simbólico que permeia os

valores do grupo daimista é criado. Esse sistema simbólico pode ser compreendido e

vivenciado pelos adeptos, pois através da bebida abre-se a possibilidade desses

conteúdos também serem revelados a cada um.

O daime abre as portas para que esse contato aconteça e que cada um possa

comprovar ou pelo menos intuir a veracidade do mito. O tempo do Santo Daime é o

tempo do Sagrado, vivenciado pelo fundador no momento do Encontro com a Divin-

dade e vivenciado também pelos seus seguidores.

Os símbolos do Santo Daime são construídos através da arte (a musica e

os cânticos); dos mitos que se apresentam através das visões induzidas pe-

la bebida (compreendidos aqui não como alucinações, mas como imagem

refletidas pela consciência e que compõe a realidade do adepto na medida

em que são elas que instruem e erigem as bases do conhecimento sobre o

real (OLIVEIRA, 2008, p. 12).

Page 56: SOARES, M. C. B.

56

.

Para as sociedades arcaicas o sagrado é o real por excelência. Nelas são os

mitos que conferem ao mundo essa categoria. Segundo Eliade (1992),

É na experiência do sagrado, no reencontro com uma realidade transhuma-

na, que nasce a idéia de que alguma existe realmente, que há valores abso-

lutos, suscetíveis de guiar o homem e conferir uma significação à existência

humana (ELIADE, 1992, p. 45)

Nos grupos religiosos, citados a Ayahuasca é o Sacramento compartilhado. É

o elo que une os adeptos. A palavra sacramento (sacramentun) é de origem latina,

formada por duas palavras: Sacra, que quer dizer sagrado e Mentun que significa

lembrar, memorar. Ou seja, lembrar de coisas sagradas. Portanto, através dessa be-

bida sacramental, o individuo re-encontra, rememora, em seu intimo a noção do sa-

grado (CRIPPA, 1975).

De acordo com Goulart (2003, p. 03) Para os seguidores dos cultos religiosos

aqui considerados a ayahuasca é uma bebida sagrada, cujos significados se relacio-

nam à constituição de todo um conjunto simbólico, ritualístico, cosmológico, associ-

ando-se, de certa forma, à noção de sacramento.

O sagrado, segundo Dalagarrondo (2008) é definido como a percepção soci-

almente influenciada de um ser divino ou de um senso de verdade e realidade ultima,

manifestando-se através da Espiritualidade que dá capacidade de estar em conexão

intrapessoal, interpessoal e transpessoal.

Para Crippa (1975, p.104), “A realidade de tudo o que existe está ontologica-

mente fundada na manifestação do sagrado. O real, o profundamente real é o sagra-

do. O sagrado tem consistência em si mesmo e garante a realidade de tudo o que

vem a ser no mundo natural e no mundo histórico.

O sagrado é um elemento inerente a estrutura da consciência - não é um es-

tado de consciência nem uma parte da consciência humana. Um desafio maior da

época atual consiste em descobrir novas vias para reativar este elemento em nossa

cultura, que amplamente ocultou tudo o que concerne ao espírito, ao sagrado e ao

místico (DROUT, 1999, p. 155).

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57

As religiões ayahuasqueiras encontram-se inseridas no fenômeno da “nova

consciência religiosa que se caracteriza como um movimento de reencontro com o

sagrado, que se aproxima e dialoga com o movimento filosófico-psicológico do auto-

conhecimento, um caminho para o conhecimento espiritual e seu desenvolvimento

(BOMFIM, 2002). O homem contemporâneo conserva em si traços arcaicos oriundos

do inconsciente coletivo, e com isso sentimentos de uma valorização sagrada do

mundo. Por isso, hoje esses movimentos da nova consciência religiosa estão em al-

ta.

O Sagrado se manifesta principalmente na natureza e através dela. Nas soci-

edades arcaicas os homens têm maiores possibilidades de viver o sagrado, princi-

palmente porque nessas sociedades o contato com natureza se dá em praticamente

em todas as áreas da vida.

Através do reencontro com o sagrado, está ocorrendo uma revalorização de

uma vida natural e do respeito à natureza, como resgate ao principio do sagrado fe-

minino, da mãe terra, da Rainha da Floresta, de Gana.

Mudanças nas relações com a natureza. A idéia de natureza, como sendo

uma força protetora para o homem é central na cosmologia daimista. Em

qualquer das suas manifestações -astros, animais, vegetais, minerais- a na-

tureza seria uma fonte de mistérios nos quais o homem, estando em “sinto-

nia com ela” poderia aceder. Os daimistas iriam descobrindo as benções da

natureza e teriam permanentemente uma atitude de preservação em rela-

ção a ela (PELAEZ, 2006).

Inclusive muitos hinos do Santo Daime falam sobre a importância do contato

com a natureza, que é a fonte sabedoria. Com a Ayahuasca o sagrado se manifesta

na natureza e através da natureza. Está ocorrendo um resgate da relação homem-

natureza, que é também um resgate do homem consigo próprio.

Esse resgate é conseqüência do longo processo histórico de devastação da

natureza, desmatamentos, violência contra animais, poluição, extrativismo predatório,

gerando a necessidade de um resgate cármico, com a natureza

Como exemplo do retorno ao sagrado e a vida natural, temos o Céu do Mapiá,

que é uma comunidade no coração da Floresta Amazônica, ponto de convergência

Page 58: SOARES, M. C. B.

58

do Santo Daime (CEFLURIS). Lugar onde tem-se oportunidade de viver o sagrado

com muito mais intensidade do que nas cidades. “En el centro del culto, o Céu do

Mapiá, se vive en un estado numinoso que tiende a ser constante (LAVAZZA,

2007)”.

Essa comunidade “tenta recriar um modo de vida em comunhão com a natu-

reza e com os ensinamentos da floresta, criando uma existência em que os

cuidados cotidianos e a conexão com o divino passam pelo uso de uma

planta sagrada. A ingestão de ervas na floresta amazônica parece-nos um

costume normal, bem adaptado à maneira de viver dos habitantes da selva.

A preocupação dos residentes do Mapiá é grande porque a destruição da

floresta tropical ameaça não apenas um numero incalculável de espécies

vegetais, mas ainda a cultura dos homens que conhecem as sua proprieda-

des e as utilizam em sua vida cotidiana (DROUOT 1999, p. 95, 98).

No Céu do Mapiá a vida gira em torno do propósito da Doutrina, e os cuidados

com a vida cotidiana, se mesclam com os trabalhos espirituais. A vida em comunhão

com a natureza é a constante e os moradores buscam estratégias para a preserva-

ção ambiental e para uma vida comunitária digna e organizada, ao mesmo tempo em

que se dedicam aos trabalhos espirituais, que acontecem praticamente todos os dias.

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3 POTENCIALIDADES TERAPEUTICAS DO USO RITUA-

LÍSTICO DA AYAHUASCA

Desde os primórdios, a utilização da Ayahuasca possuiu função terapêutica.

Estando relacionada a práticas xamanísticas, a bebida foi desvendada através da

sabedoria dos indígenas que se utilizam, dentre outras coisas, da arte de reconhecer

e selecionar as plantas, preparando-as e fazendo as combinações necessárias para

o tratamento físico e espiritual. Isso inclui também conhecimentos fitoterápicos que

conduzem a estados transpessoais e a uma maior integração entre o individuo e o

cosmos. A médica, mestra em Antropologia, Pelaez aponta que:

As propriedades curativas atribuídas ao Santo Daime não constituem um fa-

to isolado, pelo contrário, estas representações doutrinárias construídas em

torno da bebida ritual parecem reforçar os dados históricos sobre as propri-

edades dos enteógenos. Como é sabido, estas substâncias foram empre-

gadas por muitas culturas xamânicas como instrumentos de acesso a domí-

nios invisíveis vistos como sagrados, despertando sentimentos de trans-

cendência considerados terapêuticos. Mais tarde e com outras bases teóri-

cas, na Psicoterapia Psicodélica buscavam-se os mesmos resultados: pro-

curar a emergência de valores espirituais para atingir a cura de transtornos

neuróticos ou psicossomáticos. Consideramos que o traço transcultural da

“cura espiritual”, ou seja, o desenvolvimento de um sentimento de trans-

cendência, também está presente entre os daimistas. Mas em torno deste

sentimento “universal”, eles -do mesmo modo que os outros grupos- têm e-

laborado um peculiar sistema de significados que é essencial no processo

de cura (PELAEZ, 2006, p )

Page 60: SOARES, M. C. B.

60

3.1 AYAHUASCA E XAMANISMO: A DESCOBERTA DOS POTENCI-

AIS TERAPÊUTICOS DA BEBIDA SAGRADA

O xamanismo existe há mais de trinta ou quarenta mil anos. É um tipo de conhe-

cimento que reflete numa das mais antigas formas de cura utilizadas pela humanida-

de. Suas raízes podem ser rastreadas até a era paleolítica, fazendo parte das cultu-

ras da América do Norte e do Sul, da Europa, da África, da Ásia, da Austrália, da Mi-

cronésia e da Polinésia, constituindo uma ciência universal (GROF, 2000).

O fato de, através da história humana, tantas culturas distintas terem achado

as técnicas xamânicas úteis e relevantes sugere que a prática da indução de estados

holotrópicos envolve, o que os antropólogos chamam de mente primal, um aspecto

básico e primordial da psique humana que transcende a raça, sexo, cultura e tempo

histórico. As técnicas e procedimentos xamânicos sobreviveram até hoje (op. cit.),

A mente primal, pode ser considerada como o Inconsciente coletivo, na visão

Junguiana. Dimensão que pode ser explorada pelas plantas de poder e pelas técni-

cas xamânicas. Drouot observa que

Hoje, um numero cada vez maior de indivíduos conscientes das realidades

ecológicas, sociológicas, religiosas e espirituais percebe que o xamanismo

foi a primeira chave que permitiu ao ser humano compreender seu meio

ambiente e viver em harmonia com ele (DROUOT, 1999, p. 149)”

Ainda sobre características de práticas de cura em sociedades arcaicas Pela-

ez destaca que:

Quando nas culturas tradicionais estes agentes eram empregados com fins

terapêuticos, não se pretendia meramente uma melhoria dos sintomas,

mas, e talvez com uma visão mais holística do homem, se buscava atingir

experiências de transcendência que restaurariam o equilíbrio entre o ho-

mem doente e seu cosmos simbólico. Como o transtorno orgânico coloca-

va-se num segundo plano, a remissão sintomática não era necessariamente

um indicador da cura, nem a morte do paciente marcava o fracasso do tra-

tamento (PELAEZ, 2006, s/p).

Page 61: SOARES, M. C. B.

61

O tratamento xamânico engloba o ser humano de uma forma holística. Por e-

xemplo, entre os xamãs Quichua, índios sul-americanos, conhecidos como ayahuas-

queros, não se faz uma distinção clara entre a cura do físico, do psicológico ou do

espiritual, pois tudo engloba o mesmo ser em contato e todas essas categorias são

interdependentes (WALKER, s/d)

A psicologia e o xamanismo possuem relação, ambos trabalham com a cura

psíquica. Cada qual com seu nível de representação e sua forma de olhar para o fe-

nômeno, que é o mesmo, o inconsciente e suas infinitas possibilidades. O que dife-

rencia uma abordagem da outra são os referenciais conceituais para interagir com o

individuo.

O Xamã é o sábio, o curandeiro, que sabe conectar vários níveis de consciên-

cia, vários mundos da psique e do espírito. Utiliza-se dos estados transpessoais do

êxtase para percorrer os mundos interiores e exteriores - em busca da cura do corpo

e da alma.

Chaves (2000) nos fala que o terapeuta ao reconhecer, vivenciar e compreen-

der a dimensão transpessoal, no sentido de trabalhar e lidar com estados alterados

de consciência, utiliza-se tanto de técnicas e abordagens desenvolvidas pela ciência

oficial, como pode utilizar-se de música, respiração, exercícios, meditação, hipnose,

visualizações, como recursos amplificadores do estado original de consciência, a fim

de promover a cura do indivíduo como um todo, nos seus aspectos psíquicos, espiri-

tuais e físicos.

Assim, o psicoterapeuta assemelha-se a um xamã, podendo-se utilizar da mani-

pulação dos mais variados elementos para produzir transformação, resgatando a u-

nidade fundamental, trabalhando os vários níveis de consciência e a mudança de

padrão e paradigma individual, promovendo o processo de Individuação, mudança

nos níveis relacionais.

Coaduna-se com essas reflexões, Zacharias (2009), quando ressalta que o

psicoterapeuta não é, no exercício de sua profissão, um xamã – embora possa traba-

lhar com os com os mesmos conteúdos psíquicos- o inconsciente. O mundo dos es-

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62

píritos e o inconsciente possuem fenomenologia semelhante. No entanto, o psicólogo

abordará o trabalho com o inconsciente de um ponto de vista diferente do xamã, mas

ambos os conhecimentos são complementares.

3.1.1 FUNÇÃO TERAPÊUTICA DA AYAHUASCA

Conforme pareceres oficiais (Parecer técnico-científico sobre o uso da Ayahuas-

ca ou “Chá Santo Daime”), a utilização da Ayahuasca, dentro de um contexto bem

direcionado e responsável, não traz nenhum tipo de malefício à saúde, não gera de-

pendência. Ao contrário, de acordo com Silva Sá (1996, s/p): Podemos constatar os

efeitos integradores e re-estruturantes do Daime com indivíduos que antes de parti-

ciparem dos rituais apresentavam desajustes sociais ou psicológicos.

Os estados transpessoais através da Ayahuasca conduzem a organização e

re-elaboração psíquica em busca de uma melhor qualidade de consciência. O conta-

to com níveis transpessoais de consciência auxilia o processo de cura psíquica e de

mudança da personalidade.

De acordo com MALUF (2003), a dupla implicação entre o terapêutico e o es-

piritual é uma característica recorrente nas religiões ayahuasqueiras. Uma dimensão

religiosa está presente no trabalho terapêutico, assim como um sentido terapêutico é

dado aos rituais (expressões como "o Daime é a cura" são exemplos disso).

As pessoas que se utilizam da bebida continuam lúcidas, e não relatam expe-

riências sem sentido, ou de puro divertimento. De acordo com os relatos, elas come-

çam a vivenciar uma compreensão mais aprofundada da vida e de si mesmo. A Aya-

huasca só não é recomendada a pessoas com personalidades esquizóides e pré-

psicóticas; neuróticos com instabilidade de identidade e níveis altos de ansiedade,

como a síndrome do pânico (PELAEZ, 2006).

As experiências advindas do uso ritual da ayahuasca são profundamente

transformadoras, pois permitem uma re-visitação intensiva e absorta dos conteúdos

mentais, recordações, idéias, fantasias, pensamentos, emoções, medos, esperan-

ças, sensações em gerais.

Page 63: SOARES, M. C. B.

63

Os condicionamentos, os sentimentos reprimidos e traumas podem natural-

mente emergir no trabalho espiritual para se tornarem conscientes. Entrar em contato

com esses conteúdos pode produzir sentimentos desconfortáveis. Porém, ao focar

diretamente nos sentimentos negados, mantendo-se sem apego ou aversão, abre-se

uma possibilidade de eles irem aos poucos se dissipando (STORALOFF, 1999).

Essas experiências são percebidas como re-elaboradoras da vida psíquica,

pois permite que os indivíduos façam releituras do seu conteúdo interno, que de a-

cordo com o nível de consciência são capazes de integrar o desenvolvimento emo-

cional, psicossocial e espiritual dos indivíduos, por isso possui valor terapêutico.

Em experiências transpessoais com Ayahuasca, outros dos conteúdos que

podem ser trabalhados é a diluição de padrões egóicos limitantes. Processo que po-

de ser bastante doloroso, tratando-se de uma espécie de morte iniciática. “A “morte

iniciática” tem a ver com o fim do homem natural, rotineiro e preso as tarefas de con-

formação social, para que por meio do “processo místico”, se converta em um outro,

em um ser espiritual (DALGARRONDO 2008, p. 26)”.

Assim, o homem renasce com uma nova vida e uma nova forma de perceber a

si próprio e a vida, adequando o ego para ficar apto de atuar cada vez mais integrado

com níveis mais elevados de consciência; - a diluição dos padrões egóicos é funda-

mental para a evolução do Indivíduo rumo a uma consciência maior de si e de sua

natureza (CHAVES, 2000). Maluf destaca também que:

É através dessas experiências que o indivíduo pode "aprender e se trans-

formar". O sofrimento é percebido como um instrumento e uma possibilida-

de de aprendizado e de transformação pessoal [...] De modo geral, o traba-

lho com Ayahuasca descreve todo o esforço terapêutico e espiritual, indivi-

dual ou coletivo, para superar o mal-estar e as suas causas: as dificulda-

des, os medos, os "padrões de comportamento". O resultado desse esforço

seria um processo de transformação, de mudança, no qual, o "velho Eu", na

linguagem nativa, dará lugar a um "novo ser" (MALUF, 2003 s/p)

As experiências profundas com a Ayahuasca são capazes de nos levar a

transcender os condicionamentos e padrões de comportamento que possuímos. A-

través dos processos envolvidos, cria-se um estilo de vida voltado para o autoconhe-

cimento, sendo este considerado como fator fundamental para a cura:

Page 64: SOARES, M. C. B.

64

Quem cura para mim é a fé da pessoa e o auto-conhecimento. Então claro

que já me curei de muita coisa tomando daime. Para mim o Santo Daime é

um trabalho espiritual de auto-conhecimento, de a pessoa poder curar ela

de suas coisas. (Depoimento de M. B fardado do Santo Daime, AVAL);

A capacidade de me auto-conhecer e uma certa maturidade adquirida atra-

vés do uso da ayahuasca é por mim considerado como cura. Sei que tenho

muito que melhorar, mas já me sinto feliz e satisfeito com os ensinos que

essa bebida e a doutrina do Santo Daime tem me dado (depoimento de J.

P fardado do Santo Daime).

As pessoas ao entrarem em contato consigo mesmas e ao se conscientizaram

do que é melhor vão realizando as transformações naturalmente, se modificando e

se melhorando e fazendo escolhas que contribuam para o seu desenvolvimento ple-

no. Pelaez observa que:

Cada história de cura é única nas suas características, com situações pecu-

liares e tempos diferentes para cada um. Porém, nos diversos relatos dos

daimistas descreveram-se mudanças similares reconhecidas por eles como

indicadores concretos e visíveis das suas curas espirituais. A principal

transformação na vida dos daimistas, e da qual decorreriam todas as ou-

tras, seria o sentimento de ter acordado, que lhes possibilitaria reconhecer

a existência de um mundo invisível que daria um “verdadeiro” sentido à rea-

lidade aparente. A partir desta convicção, expressam ter maior “consciên-

cia” nos seus atos de vida, sentem também aumentada a capacidade de au-

tocrítica e a disposição para modificar pensamentos e condutas vistos como

errados (PELAEZ, 2006).

O depoimento de Lourdes, fardada do Essência Divina, nos deu uma boa con-

tribuição do processo de mudança de valores:

O estilo de vida também muda, mas não porque estão dizendo o que você

vai fazer, nem o grupo está forçando. Mas você vai ter a compreensão do

que é melhor. Você começa a despertar. Pois como vai transformando o

que inconsciente em consciente, vai se conscientizando. A sua autoconsci-

ência vai aumentando cada vez mais. Na medida em que aumenta você vai

e percebendo o que é melhor pra você. Por exemplo, se é melhor pra você

não comer carne, você não come. Mas não tem ninguém que diga: você não

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65

vai comer carne! Todas as culturas e estilos de vida são respeitados. Por

exemplo, você é protestante e chega lá “seja bem vinda”.

Ao acessar com mais facilidade os nossos conteúdos internos, podemos nos

reavaliar, nos compreender nos conhecer. A compreensão é interior, os ensinos vêm

de dentro pra fora. Não é preciso que alguém, uma figura externa diga o que fazer

como normalmente estamos acostumados, pois as resoluções são “ditadas” por uma

voz interior, que orienta.

Helena, um visitante do Santo Daime, nos fala:

Com o daime eu aprendi coisas muito interessantes. Passei a prestar mais

atenção nas coisas que estavam acontecendo comigo, no que eu podia me-

lhorar”. Sobre a experiência de cura ela fala que “não é bem curar, mas a-

cho que o daime acelerou coisas que eu queria entender, que aconteciam

comigo, até os comportamentos mesmo, que fica mais claro durante a ses-

são. É como se você passasse a prestar mais atenção em você mesmo, o

que acontece com você...”

A Ayahuasca desperta para essa voz que existe em cada um de nós e tam-

bém nos serve de espelho que nos faz reconhecer nossos mecanismos de defesa,

nossas máscaras, além de nos proporcionar insights transformadores.

As transformações interiores acontecem somente com a compreensão e o es-

forço de cada pessoa. O desenvolvimento interior não depende somente do uso de

uma planta ou substância, embora elas possam ser úteis para descobrir o caminho.

Elas podem revelar os erros de nossos comportamentos e percepções, que estão

gerando sentimentos desconfortáveis e reações inadequadas, e tem a capacidade

de mostrar como tais erros podem ser corrigidos. Quando voltamos a errar, ao pon-

to de perder energia e motivação, eles podem nos dar novo fôlego e renovar nossa

inspiração e determinação (STORALOFF, 1999).

As pessoas, após o uso da Ayahuasca, reconhecem ter tido mudanças nas

suas personalidades, nas suas relações com o corpo, nas suas relações com a soci-

edade, nas suas relações com a natureza e nas suas concepções de trabalho.

A Ayahuasca permite o reconhecimento e a resolução de conteúdos inconscientes,

e a dissolução da compartimentagem interna, a revelar mecanismos de defesas di-

versos como “projeção”, “negação” ou “deslocamento”. O gerenciamento emocional

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66

produtivo dessa reavaliação, a reorganização psíquica, implica um grau suficiente

de equilíbrio e bom senso e a e dissolução dos conflitos internos (BARBIER, 2003 p.

3).

A motivação necessária para a mudança é dada, devendo cada um com seu

próprio esforço colocar em pratica o aprendizado obtido nos trabalhos. O potencial

terapêutico da Ayahuasca, não significa em si mesmo a transformação. O resultado

do trabalho é uma composição em via-de-ser, cuja realização depende das relações

e interações implicadas entre o individuo, o ambiente, a substância e as mudanças

exercitadas na vida cotidiana.

A Ayahuasca como “tecnologia de sagrado” (GROF, 2000) não é o único cami-

nho e não realiza sozinha os benefícios. Ela mostra, desperta, proporciona compre-

ensão. O resultado, entretanto, depende da integração entre a experiência e os es-

forços de mudança de cada um. Tais substâncias são apontadores do caminho; en-

tão devemos trabalhar com uma intenção séria de alcançar os estados que são mos-

trados como possíveis.

Receber uma luz não é igual a aplicar essa luz no dia a dia. Não há cone-

xão inerente entre uma experiência mística de unidade e a expressão ou

manifestação daquela unidade na vida cotidiana. Este ponto é talvez óbvio,

contudo freqüentemente esquecido por aqueles que debatem se, em princí-

pio, um agente psicoativo pode ou não ter valor no âmbito da busca espiri-

tual. Qualquer que seja a fonte ou a origem da iluminação, as revelações só

poderão ter efeitos práticos com a permissão e dedicação do individuo

(BARBIER, 2003).

Vivências com Ayahuasca abrem possibilidades e revelam uma amplitude iné-

dita, outras faces, prismas da realidade, e valoriza diretamente as vivências cotidia-

nas. O que as permite caracterizar são os depoimentos das pessoas acerca de suas

experiências, que situam-se além de toda e qualquer experiência vivida até então.

A partir dessas vivências, as pessoas passam por importantes modificações

em suas formas de viver a vida. O depoimento de Ana Aparecida, fardada do Santo

Daime, vem ao encontro de nossas reflexões:

Depois do daime, posso me considerar um ser em busca do aperfeiçoa-

mento e do meu despertar pleno e claro. Quanto mais se aprende mais res-

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67

ponsáveis nos tornamos por todos os nossos atos e pensamentos, então a

cada trabalho temos uma lição e com isso uma aprendizagem e a vida é a

prova. Essa mundão é muito cheio de coisas e temos que saber bem direi-

tinho o que vamos escolher para dar a prova. Hoje eu sei que sou uma pes-

soa melhor, uma mãe melhor, uma filha melhor, uma neta melhor, uma ami-

ga melhor, essa melhora é a cada dia, não estou aqui dizendo que me tor-

nei santa não, nem que o daime me fez santa, me faz melhor a cada dia,

todo dia um pouquinho conforme eu vou merecendo, conforme minhas no-

tas. Além de ter na minha vida um ser em forma de liquido que cura a maté-

ria e a alma. Eu digo que o daime vem curando minha alma e minha mente.

Como maestro que rege uma orquestra, Ele vem me mostrando em cada

nota de cada hino, em cada miração, que é pra ver se eu chego lá um dia,

na condição de ser humano, uma pessoa saudável, feliz, vencedora, cari-

dosa, humana, enfim, um ser virtuoso e de bem com a vida e com a morte

da matéria.

Mais uma vez, ressaltamos que não é a Ayahuasca por si mesma que propor-

ciona as diversas transformações. É necessário um trabalho árduo de mudança de

atitudes, valores e comportamento, um processo que é facilitado efetivamente pela

intenção aprofundada e o comportamento retrabalhado na vida cotidiana. Demons-

trando assim que o resultado positivo advém do esforço para fazer as mudanças de

comportamento que foram indicadas, uma vez que é preciso se reavaliar para se

transformar, e conhecer-se para resgatar a si mesmo. Segundo Pelaez,

A cura, então, é mais uma transformação espiritual do que a desaparição

dos sintomas da doença. Achterberg descreveu deste modo o processo de

cura: é entrar num momento no qual se sente a verdade extática de estar

absoluta e totalmente unido a todos os aspectos da criação. (PELAEZ,

2006)

Cris, fardada do Santo Daime, nos relata uma importante vivencia de cura físi-

ca, inclusive narrando o seu encontro com uma entidade espiritual, bastante conhe-

cida no cenário do Espiritismo Kardecista:

Eu fui pro trabalho com muita dor de cabeça, onde só eu estava cantando o

hinário. Tinha varias pessoas, mas o único violeiro era o meu companheiro

e a única que cantava era eu. Era trabalho de concentração. Minha cabeça

doía muito. Em um momento do trabalho vi por traz de mim Dr. Fritz mexen-

do na minha cabeça. Meus cabelos arrepiava todinho, fechei o olho conti-

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nuei cantando e deixei acontecer. [e como você sabia que era o Dr. Fritz?]

Ele falou pra mim: eu sou Dr. Fritz e vim te curar. Ele tava todo de branco

com aquele negocio que os médicos usavam na testa, tipo uma lanterna. [e

como era a sensação e o que você via?]. Só via ele atrás de mim, a mão na

minha cabeça. Não senti medo, nem dor. [Você sabe do que ele te curou?]

Não exatamente , mas a minha dor de cabeça, que estava me incomodando

há muitos dias passou. .

Abaixo, o depoimento de Amélia, membro do Essência Divina, revela a rever-

são do quadro grave de síndrome de West do seu filho. Ela não conhecia a Ayahu-

asca até então, nem acreditava em Deus e nem nas coisas espirituais. Para ela, tudo

se resolvia na matéria. Através da Ayahuasca, a mulher que, de acordo com suas

próprias palavras, era cética e racionalista, mudou seu paradigma de visão de mun-

do, ao mesmo tempo em que seu filho pôde recuperar a saúde.

Meu filho nasceu bem a priori, mas aos 10 meses, começou a manifestar

umas crises convulsivas muito fortes. E mais tarde depois de muita agonia,

busca por médicos, foi diagnosticado como síndrome de West que ataca

principalmente nos meninos e a principal característica são as convulsões e

também retardo mental. Ele passou por esses estágios todos inclusive ten-

do 23 convulsões diárias. Esse processo durou nove anos e era controlado

à custa de fortes medicamentos. Aos nove anos de idade tava tendo crises

neurológicas tão grandes que quando atacava ele chegava a pular 1 metro

e meio de distancia. Estávamos cogitando a possibilidade de começar a

usar capacete nele. Ele tinha dificuldade de relacionamento e também na

educação. Tinha necessidade de uma educação especial, mas os professo-

res não estavam capacitados para atendê-lo... enfim... Já tínhamos percor-

ridos muitos neurologistas sem sucesso.

Com a grave doença do seu filho, ela decide encarar a possibilidade de usar A-

yahuasca,

[...] Nessa época eu já tinha ouvido a falar da ayahuasca, pois tinha um

membro da família que já tomava. Mas eu tinha minhas resistências, acha-

va que era coisa de maluco tomar um chá não sei aonde... E outra coisa, eu

sempre fui muito da razão. Para mim as coisas se resolviam no plano mate-

rial mesmo e se tinha uma solução para o meus filho era nos médicos e não

na religião, Mas ai eu fui num trabalho com ayahuasca e só depois de um

ano eu comecei na borracheira a me concentrar no caso especifico do meu

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filho. E me apareceu muito consciente no trabalho a vontade de tirar a me-

dicação dele. Eu me lembro de estar querendo saber se eu deveria fazer

isso. Mas essa resposta não me veio claramente do tipo tire ou não tire. A

minha resposta veio na forma de outra pergunta:” você confia? Se confiar...”

Amélia então descreve como decidiu suspender tratamento alopata:

Daí eu fiz uma opção arriscada na época. E resolvi tirar a medicação dele.

O meu filho também já tomava uma quantidade muito pequena do chá nes-

ses trabalhos e eu já havia percebido melhoras e mudanças no quadro da

doença... as melhoras foram imensas, não no sentido das crise, mas princi-

palmente no aprendizado e nos relacionamentos com outras pessoas. Ele

tinha muita dificuldade de aprendizado na época, melhorou muito. Foi nes-

sa época que ele começou a se alfabetizar. Eu tirei a medicação contra to-

da orientação medica. Em outra época tiramos a medicação para ver se ele

sustentava sem crises e ele não sustentou. Precisando passar uma época

pra controlar as crises ele teve que passar por um estagio de coma induzi-

do. A fase que eu fui para a Ayahuasca foi justamente no período pós esse

coma. E quando tirei a medicação para surpresa dos outros e não a minha,

ele não teve mais nada. Esperei três meses e fiz outros exames novamente,

depois de um ano que meu filho estava na ayahuasca, foi o único exame

que deu normal. Novamente fiz outros exames que também deram normal.

A eletricidade do cérebro dele está estabilizada. Inclusive a medica comen-

tou que a fase que o meu filho está é a pior e ficou muito surpresa quando

viu que ele.

O entendimento proporcionado pela Ayahuasca da doença do seu filho e da

sua relação com ele também aumentou, possibilitando uma melhor elaboração do

problema e consequentemente, um melhor enfrentamento da situação. Ao passo que

nesse momento ela passou a aceitar a presença de um Ser Superior que poderia lhe

ajudar nesse momento :

Espiritualmente compreendi que era um processo meu de resgate com ele.

Entendi que eu estava passando por um grande teste como mãe, esse vin-

culo sagrado mãe e filho estava passando por uma provação, um resgate.

Eu tive duas alternativas quando recebi o resultado do exame quando meu

filho tinha 10 meses: uma era deprimir e desistir de lutar ou cair em campo.

Até eu me surpreendi com minha própria força. A minha família muitas ve-

zes sofria até mais que eu, pois era uma situação tão agressiva de lidar. Eu

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70

pensava: “se tiver cura pro meu filho, eu vou achar” eu e meu filho sempre

tivemos uma ligação muito forte. Devido ao seu retardo mental, ele possuía

uma dificuldade muito grande de comunicação com todos, menos comigo.

Ele possuía um comportamento autista e eu pensava “se ele não vem pra o

meu mundo, eu vou para o dele. Então tudo o que ele fazia, eu imitava para

ver se eu estabelecia uma linguagem e funcionou. E começamos nos falar,

interpretava os gestos e o nosso vinculo aumentou.

Eu mandei diversas cartas para médicos do mundo inteiro narrando o

caso do meu filho e pedindo ajuda e a resposta era: seu filho é doente men-

tal e a sua vida vai ser essa. A idéia era controlar as crise, porque com me-

nos crises, menos doente mental. Mas não conseguíamos controlar a crise.

Então tínhamos a certeza que ele ia ficar doente mental. Quando eu estava

na UTI com meu filho recebi uma carta da mãe de um paciente que dizia:

“sabe por que seu filho ainda não está curado? Porque você nunca pedia a

quem pode fazer por você. Você acredita demais nas coisas da terra. Ai eu

fiquei pensando... como aquela mulher que não me conhecia podia estar

dizendo aquilo de mim (que realmente fazia todo sentido)? Ela falou exata-

mente a verdade, eu nunca pedia a Deus. E comecei a pensar na possibili-

dade de haver um Deus e pedir a Ele” (A. fardada do Essência da Divina)

Esse é um caso ilustrativo do potencial terapêutico da bebida nua situação de

reversão da doença de uma criança e da mudança na visão de mundo da mãe. Atra-

vés da bebida e do suporte psicológico e espiritual que foi proporcionado pelo grupo

do Essência Divina, o uso terapêutico da ayahuasca foi eficaz. Esse fato interferiu na

estrutura familiar. Atualmente toda a família, inclusive a criança, comunga essa bebi-

da.

O fato de pertencer a um grupo espiritual de apoio também é importante, pois

a cura não advém somente da Ayahuasca, mas do contexto e do propósito a que se

recorre ao utilizá-la. Nesse sentido, tivemos o depoimento de Vânia, fardada do Es-

sência Divina, que relatou a melhora do quadro de esclerose múltipla que possuía

há dezessete anos, quando durante um ano dão uso regular da Ayahuasca nos ritu-

ais, melhorou consideravelmente, diminuindo os sintomas.

De acordo com pesquisas atuais, a ayahuasca também pode ser eficaz no tra-

tamento de dependência química e outros sintomas psicopatológicos, como a de-

pressão. Ricciardi nos fala sobre esse contexto:

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71

Não só os grupos terapêuticos, mas também as religiões que fazem uso de

enteógenos apresentam considerável sucesso com adeptos em dificuldades

com dependência de álcool e drogas. Muitos adeptos da UDV, Santo Dai-

me e Barquinha, dizem que melhoraram seus problemas com álcool e dro-

gas fazendo o uso da Ayahuasca em rituais religiosos. Em uma investiga-

ção sobre usuários da Ayahuasca no Brasil, o psiquiatra C. Grob (1996),

concluiu que 73% dos participantes haviam sofrido de toxicomanias no pas-

sado, e que em todos os casos haviam sido completamente curados ao par-

ticipar regularmente de cerimônias com a Ayahuasca. A partir daí se torna

evidente que existe uma relação entre o uso de enteógenos, (no caso estu-

dado a Ayahuasca) e a sua eficiência como facilitadora para o tratamento e

cura de dependência de drogas em diferentes contextos: rituais e terapêuti-

cos (RICCIARDI, 2008, p.113).

Para Labate (2008), devido as potencialidades terapêuticas da Ayahuasca no

que se refere ao tratamento de pessoas drogadictas, abriu-se um campo de estudo

voltado para o tratamento e re-integração dessa pessoas.

A aparente melhora de muitos casos de abuso e dependência de substân-

cias psicoativas, segundo o relato de vários grupos terapêuticos e religiosos

voltados para o uso ritual da ayahuasca, bem como de antropólogos, psicó-

logos e psiquiatras que estudam o tema, representa um fenômeno de saúde

promissor. Esse pode ser melhor compreendido a partir de estudos interdis-

ciplinares sistemáticos que combinem a abordagem quantitativa com uma

sutileza qualitativa e etnográfica. Tal esforço interdisciplinar deve ser a-

companhado também de uma tentativa de diálogo com os saberes nativos,

colaborando para que o conhecimento adquirido durante décadas pelos di-

ferentes grupos que utilizam a ayahuasca no tratamento da dependência

auxilie futuros estudos clínicos de terapias psicodélicas voltadas para abor-

dar o problema (LABATE, 2008, p. 29)

Labate é uma das pioneiras pesquisadoras do fenômeno do uso da Ayahuas-

ca nos centros urbanos. De acordo com suas pesquisas, existem atualmente dois

principais centros de tratamento para a dependência que utilizam a ayahuasca: o Ta-

kiwasi no Peru, e o Instituto de Etnopsicologia Amazônica Aplicada (Ideaa), localiza-

do próximo a comunidade do Céu do Mapiá na Amazônia.

O Takiwasi, é a principal referência até o momento no tratamento da depen-

dência química através do uso da ayahuasca. A ênfase principal é no tratamento do

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abuso da pasta-base de cocaína, conhecida como mescla, consumida em larga es-

cala na região. O modelo do Takiwasi segue mais o de uma clínica de tratamento de

dependentes, com forte isolamento, disciplina rígida e espírito contrito

De acordo com Labate, nesse centro, curandeiros locais, médicos, psicólogos

e terapeutas exploram os potenciais curativos das terapias ocidentais juntamente

com técnicas oriundas das terapias tradicionais amazônicas, utilizando a ayahuasca

e outras técnicas xamânicas além da vida comunitária, atividades manuais e artísti-

cas, e psicoterapia. O seu programa é bastante extenso, durando necessariamente

nove meses tendo as suas atividades exclusivamente voltadas para o atendimento

de dependentes se apoiando sobretudo, no estilo de sessão de ayahuasca do vege-

talismo ayahuasqueiro peruano. Jacques Mabit, o seu fundador, possui um discurso

ortodoxista de manutenção da tradição xamânica amazônica no tratamento dos de-

pendentes.

O Instituto de Etnopsicología Amazónica Aplicada (Ideaa), criado pelo médico

psiquiatra barcelonês Josep María Fábregas, combina técnicas terapêuticas deriva-

das das tradições xamânicas ameríndias, da religião do Santo Daime, das escolas

das terapias gestáltica e da psicologia humanista e transpessoal. O programa tera-

pêutico inclui trabalho manual, sessões de ayahuasca e sessões de integração da

experiência em grupo, bem como interações como a comunidade vizinha daimista do

Céu do Mapiá. O programa contempla também sessões individuais com a ayahuas-

ca, bem como práticas contemplativas orientais, tais como Meditação Zen e a Yoga.

O Ideaa trata, sobretudo, de problemas ligados a dependência, mas também são re-

cebidos pacientes com outros distúrbios de ordem psicológica e física. São aceitos,

ainda, pacientes saudáveis que vêm em busca de “autoconhecimento” ou “desenvol-

vimento pessoal” (LABATE, 2008, p. 23).

No Santo Daime, um de seus principais lideres o Padrinho Sebastião, e o Sr

Wilson Carneiro (contemporâneos do Mestre Irineu), segundo relatos, também rece-

beram as sua curas através do Santo Daime:

É interessante notar que ambos foram desenganados pela medicina oficial

e não sabemos exatamente que doença tinham, mas apenas que os dois

sofriam de enfermidade no estomago. Segundo os dois, depois de terem

tentado tudo que conheciam (leia-se além da medicina oficial, centros espí-

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ritas, curandeiros, rezadores) foram operados espiritualmente e alcançaram

a cura depois de beberem o Santo Daime com o Mestre Irineu (OLIVEIRA

2008, p. 24)

Há relatos de outros grupos, centros e personagens que contam casos de cu-

ra por meio da Ayahuasca, embora este não seja o seu foco central. Há uma espé-

cie de senso comum de que o “Daime cura”.

Cris, fardada do Santo Daime, nos relata uma importante experiência de cura

num ritual do Santo Daime. Ela era fumante compulsiva e tinha enfisema pulmonar.

Após um trabalho em que vivenciou uma cirurgia espiritual, pôde se livrar do vicio, e

se curar da doença:

Essa experiência foi muito forte, até hoje está na minha mente. Aconteceu

num trabalho de cura, onde tomamos um daime bem apurado. Nessa época

eu fumava igual uma “caipora”, duas carteiras de cigarro por dia. No traba-

lho, o dirigente me deu meio copinho de café (aqueles copinhos de plástico

pequeno). Quando chegou naquele hino: "Os espíritos estão chegando pela

linha devagar..." [ela faz referência a um dos hinos cantado no trabalho de

cura do Santo Daime]...Ai eu fui pro chão... [Caiu mesmo? Tombou? ]...Me

deitei normal. Quer dizer nem tanto normal. Assim que me deitei eu senti o

cheiro do daime empreguinando no salão e uma nevoa. Quando fechei os

olhos vi vários seres operando meu pulmão, escutei ate o barulho de ins-

trumentos cirúrgicos. Eu vi uma panela de ferro queimando toda preta e sa-

indo muita fumaça e o fogo em baixo dessa panela. Ai eles tiravam uma coi-

sa preta do meu pulmão. Eu sentir muita falta de ar e vomitava. No vomito

eu via varia baganas de cigarro. Parecia que eu ia morrer, fiquei um pouco

assustada, mas estava consciente que era uma cura. Eu ainda fiquei uns

três meses em trabalho, sentindo as conseqüências daquela experiência.

Eu tomava daime e não ficava nem em pé de tanta fraqueza. Eu tinha enfi-

sema pulmonar e o daime me curou.[Foi curada de enfisema no daime?]

Sim esta cirurgia foi isso. Nem precisei ir pra medico. [depois você fez al-

gum exame para comprovar?] Os médicos do astral me garantiram... Tu já vi

pobre ir pra medico?[risos] Pobre tem que ter fé mana. Eu acredito muito no

poder do daime como remédio. Ate hoje eu não suporto cigarro.

Outras das importantes pesquisas realizadas atualmente foi uma sobre o tra-

tamento da depressão com Ayahuasca, da USP de Ribeirão Preto-SP. O contexto

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74

da pesquisa é totalmente desvinculado do contexto ritual, da sacralidade, realizado

num contexto biomédico de laboratório.

O "chá do Santo Daime", originário da Amazônia e empregado em rituais

religiosos, tornou-se a base de uma pesquisa inédita bem-sucedida da USP

(Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto para tratar pacientes com

depressão.O projeto-piloto foi feito com duas mulheres com problemas crô-

nicos de depressão, que tomaram uma dose do chá e relataram melhora

imediata. A idéia agora é estender o estudo para 60 pacientes, com dosa-

gens repetidas. Depois da Universidade Federal de Santa Catarina fazer

pesquisas com camundongos, a USP testou o chá nas duas mulheres na

faixa dos 50 anos que têm sintomas como perda de apetite, desânimo e

choro.Elas tomaram 200 ml (um copo) da bebida e ficaram em observação

por três dias. "No mesmo dia as pacientes já estava melhores, e no segun-

do dia diziam que não estavam mais depressivas, que as cores da vida ti-

nham voltado", disse Jaime Eduardo Hallak, professor do Departamento de

Neurociência e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina da

USP. Após três dias, foi ministrado às pacientes antidepressivo comum,

"porque ainda não há evidências do efeito permanente da ayahuasca".

"Mas elas acharam a experiência positiva e disseram que gostariam de to-

mar mais." O médico agora aguarda nova autorização do Comitê de Ética

do HC de Ribeirão para ministrar o chá a 60 pacientes em doses repetidas

e em intervalos pequenos. A ayahuasca contém duas substâncias - harmina

e dimetiltriptamina. A harmina é uma espécie de antidepressivo, mas o que

causa o efeito imediato é a dimetiltriptanima, que gera o equivalente a um

banho de serotonina no cérebro.O segredo do Santo Daime, diz Hallak, es-

tá na rapidez: o efeito é mais imediato, por exemplo, do que tomar um com-

primido de antidepressivo (COISSI, 2008)

Será que a bebida é apenas uma substância com propriedade químicas, que

serviria como mais um medicamento? Será que vale a pena descartar a sacralidade

inerente a bebida e desvincula-la de seu contexto espiritual e divino?

Uma abordagem desse tipo é no mínimo simplista visto que, como já foi dito,

os processos a que a Ayahuasca conduz são principalmente espirituais, ao invés de

materiais e orgânicos e conduzem principalmente a experiências transpessoais, de

onde se origina as curas.

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75

A importância desses estudos não pode ser descartada, pois eles contribuem

para legitimidade cientifica do potencial terapêutico da ayahuasca, nos moldes da ci-

ência ocidental. O que não se pode é reduzir a ayahuasca as suas propriedades psi-

cofarmacológicas e neuroquímicas apenas.

Devido as potencialidades terapêuticas que são inerentes a Ayahuasca, seu

uso conduz a Saúde Mental. ”A Organização Mundial de Saúde afirma que não existe

definição "oficial" de saúde mental. Diferenças culturais, julgamentos subjetivos, e

teorias relacionadas concorrentes afectam o modo como a saúde mental é definida

Admite-se, entretanto, que o conceito de Saúde Mental é mais amplo que a ausência

de transtornos mentais (MEDIONDO, 2004, p. 158)”.

Saúde Mental pode ser definida como o equilíbrio emocional entre o

patrimônio interno e as exigências ou vivências externas. É a capacidade de

administrar a própria vida e as suas emoções dentro de um amplo espectro de

variações sem contudo perder o valor do real e do precioso. É ser capaz de ser

sujeito de suas próprias ações. É buscar viver a vida na sua plenitude máxima

Os seguintes itens foram identificados como critérios de saúde mental:

- Atitudes positivas em relação a si próprio

- Crescimento, desenvolvimento e auto-realização

- Integração e resposta emocional

- Autonomia e autodeterminação

- Percepção apurada da realidade

- Domínio ambiental e competência social;

O conceito de Saúde Mental abrange a forma social de viver, que inclui as

concepções sobre a existência, Deus, morte, amor e felicidade, relacionamentos,

pactos sociais e está intimamente relacionado a capacidade de realização em todos

sentidos.

É sempre evidente uma mudança nos valores individuais entre os adeptos da

Ayahuasca, a revalorização de uma vida voltada para natureza, a mudança de hábi-

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76

tos alimentares, o desprezo aos vícios, ou seja, a elaboração de uma nova forma de

ser e estar no mundo, que consequentemente acarretam a uma mudança na relação

com o outro.

3.1.1.1.1 AYAHUASCA A CAMINHO DO SELF

A Vida tem um sentido, sendo assim, a busca pelo desenvolvimento interior é

fundamental. Jung (1987) mostrou que o desenvolvimento espiritual e o desenvolvi-

mento psicológico fazem parte do mesmo processo. Não existe desenvolvimento psi-

cológico sem o correspondente desenvolvimento espiritual. E os dois caminhos le-

vam ao desenvolvimento do sentido ético da vida.

A Ayahuasca conduz ao sentimento do Espiritual, da percepção de que a vida vai

além da matéria, nos levando ao contato da nossa essência. Para Jung (1987), o

sentimento do espiritual é essencial ao ser humano, constituiria uma função natural e

sua ausência deixaria a psique incompleta, comprometendo o seu equilíbrio. A difi-

culdade de o homem lidar com a sua dimensão espiritual é uma negação que o im-

pede de entrar em contato com suas dimensões mais profundas.

No caminho espiritual, temos que estar preparados para entrar em contato co-

nosco, nos conhecer verdadeiramente, com nossos defeitos e virtudes, temos que

resgatar os nossos erros e buscar uma forma mais correta de viver, buscar a perfei-

ção, a ética.

Esta é a primeira prova de coragem no caminho interior. O encontro consi-

go mesmo pertence às coisas desagradáveis que evitamos, enquanto pu-

dermos projetar o negativo a nossa volta. Se formos capazes de ver nossa

própria sombra e suporta-la, teríamos resolvido uma parte do problema. [...]

O encontro consigo mesmo significa, antes de mais nada, o encontro com a

própria sombra. A sombra é, no entanto, um desfiladeiro, um portal estreito

cuja dolorosa exigüidade não poupa quem quer que desça ao poço profun-

do. Mas pra sabermos quem somos, temos de conhecer-nos a nós mesmos

(JUNG, 2000, p. 44).

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No geral, o homem foge do encontro consigo mesmo. Muitos têm medo de se

descobrir em suas facetas, tem medo do espelho que mostra a si mesmo e também

do desconhecido.

Verdadeiramente, aquele que olha o espelho vê em primeiro lugar sua pró-

pria imagem. Quem caminha em direção a si mesmo corre o risco do encon-

tro consigo mesmo. O espelho não lisonjeia, mostrando fielmente o que

quer que nele se olhe; ou seja, aquela face que nunca mostramos ao mun-

do porque a encobrimos com a persona. Mas o espelho está por de traz da

mascara e mostra a face verdadeira (idem, p.30)

O ego é o centro do campo de consciência, aquela instancia da personalidade

mediadora entre nós e a realidade externa, não se confunde com a totalidade da psi-

que; ele é apenas um complexo dentre outros. “É oportuno, portanto, distinguir o ego

do Self, sendo o ego apenas o sujeito da consciência, ao passo que o Self é o sujeito

da totalidade da psique, que compreende o inconsciente (JUNG apud GAILLARD,

2003, p. 45)”.

O self é entendido como o centro maior da personalidade, a representação da

divindade interior que guia todo o desenvolvimento. De acordo com a visão Junguia-

na é a dissolução da falsa visão do ego, de suas identificações e de seus falsos obje-

tivos que é substituída pela consciência de que o ser humano vai além.

Compreende a totalidade da psique, no sentindo de um vir a ser, em fluxo conti-

nuo, em direção a plenitude e a integração das variadas dimensões de si mesmo. O

movimento produzido, quando o individuo vivencia a função transcendente da psi-

que, em direção ao Self, é o processo de Individuação.

Esse movimento, de acordo com Jung (1997, p. 35),

conduz à revelação do essencial no homem, onde o sentido e a meta desse

processo é a realização da personalidade originária. É o estabelecimento e

do potencial do homem, onde é capaz de atingir sua totalidade, isto é, a

capacidade de poder curar-se”.

Sobre isso, Bertolucci observa que:

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As experiências do Self tem uma função prospectiva, transcendente, criati-

va, transformadora por isso pode trazer profundas revelações e ampliar a

capacidade de perceber e sentir a si mesmo e a vida, aumentando a capa-

cidade de auto-realização Os estados de consciência superiores” constitu-

em experiências humanas mais evoluídas, realizadoras, complexas ou cós-

micas. A experiência transpessoal, de fato representa uma modalidade su-

perior de estado de consciência, pois trata-se da experiência de centro de si

mesmo (Self), ao mesmo tempo em que Centro e fonte de toda a Vida. Nes-

sa dimensão, todas as divisões são abolidas, não há mais separação entre

sujeito e objeto, eu e outro. A vivencia dessa posição superior de consciên-

cia, mesmo por breves momentos, é altamente curativa e amplia a capaci-

dade de realização do sujeito em todos os sentidos (Bertolucci, 1991, p.

20,21).

A dimensão aberta pela Ayahuasca surpreende. É para aqueles que têm cora-

gem de penetrar numa realidade diferente e não tem medo da autotransformação

que isso implica, onde a pessoa naturalmente é levada a experienciar a si mesmo,

com seus defeitos e virtudes.

Empreender este caminho não é para muitos, é para aqueles que tiverem a co-

ragem de olhar para si mesmos em todas as suas dimensões, olhando do todo para

a pequena parte que se é e, através de uma identificação cósmica, poder limpar as

identificações limitantes, entrando num novo eixo de pensamento e possibilidades

(CHAVES, 2000).

Isso não significa que as mudanças sejam alcançadas rapidamente e com facili-

dade, o caminho é árduo. Mas sem duvida a Ayahuasca catalisa o processo, sendo

um bom atalho no caminho da renovação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o que foi demonstrado, a Ayahuasca atua na prevenção da saú-

de mental, devido aos processos psíquicos, espirituais e sociais capazes de conduzir

ao equilíbrio em indivíduos. A partir de dados empíricos, foi também demonstrado

que existem potencialidades terapêuticas em seu uso ritual e uma conseqüente mu-

dança na qualidade de vida dos seus adeptos.

Ao entrarem em contato consigo mesmas e ao se conscientizarem sobre o

que é melhor, as pessoas vão realizando as mudanças e naturalmente se transfor-

mando. Por envolver mudanças interiores de valores, os indivíduos podem se re-

inserir no mundo social com outra perspectiva e uma outra forma de atuação.

Beber Ayahuasca não é um mito, mas uma necessidade que determinadas

pessoas possuem de se auto-conhecer, se auto-compreender, de crescer e evoluir

espiritualmente

Através dos estados transpessoais alcançados a partir do uso da ayahuasca,

aliados ao contexto ritual, atinge-se um outro nível de consciência que permite o re-

conhecimento de outras dimensões da realidade, possibilitando uma reflexão apro-

fundada sobre si mesmo e sobre a vida, de acordo com princípios éticos bem defini-

dos.

Atuando, consequentemente, na transformação dos indivíduos, possibilitando

que o maior numero de pessoas façam contato e tenham experiências transpessoais

como fonte de si mesmo e do mundo, ampliando seu potencial transformador e cria-

dor da realidade

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O ambiente, o ritual e a cultura no qual estão inseridas as pessoas adeptas

dos grupos ayahuasqueiros são responsáveis por desencadear, ou ao contrário, limi-

tar o potencial terapêutico da bebida. A vivencia da dimensão transpessoal da exis-

tência, proporcionada pela Ayahuasca, é altamente curativa e amplia a capacidade

de realização do sujeito em todos os sentidos.

É ai onde a Saúde Mental está implicada, visto que a Ayahuasca e os proces-

sos decorrentes proporcionam uma melhor qualidade de consciência dos adeptos e

consequentemente a uma melhor qualidade das relações, favorecendo assim, a uma

tomada de consciência capaz de modificar positivamente as suas vidas.

O individuo é o primeiro lugar onde devem ser realizadas as transformações.

Somente após isso, as transformações podem ser espelhadas no exterior, através de

atitudes mais conscientes e respeitosas perante a vida, ao próximo, a natureza. O

individuo é levado então, a se re-inserir na sociedade com uma nova forma de viver,

de se perceber e de tratar o próximo, em busca de uma melhoria nos diversos aspec-

tos, individuais, sociais, cósmicos.

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ANEXOS