Sobre Nomes de Guerra

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etnográfica maio de 2008 12 (1): 195-214 Sobre “nomes de guerra”: classificação e terminologia militares Piero de Camargo Leirner Pretendo discutir como é construída, no universo militar, uma terminologia própria, que em grande parte mobiliza uma série de recursos simbólicos para a delimitação de seu universo em relação ao mundo “de fora”. Nesse processo, uma classificação do mundo é realizada apontando para uma organização con- ceitual hierárquica da realidade, abrangendo desde uma “visão de mundo mili- tar” até a construção da pessoa por mecanismos de ressocialização dos novos militares, dos quais um fator importante é a aquisição de um “nome de guerra”. Posteriormente, pretendo observar como a nomeação também abrange coletivi- dades militares e seus dispositivos de ação no mundo, como os armamentos. PALAVRAS-CHAVE: militares, guerra, nomes, terminologia, hierarquia, armamen- tos. INTRODUÇÃO Diferentemente do que estamos acostumados a ver em sociedades individua- listas, ou ao menos com características individualistas bem pronunciadas, as instituições militares, tais como se concebem hoje – que, se não nascem com o Estado moderno, se desenvolvem com ele –, são marcadas por um sistema de relações hipercodificado, como uma série de prescrições, comandos, regu- lamentos, cerimonial e protocolos estabelecidos não só para ocasiões solenes, 1 Este texto deriva de outro apresentado no simpósio internacional Nomes e Pessoas: Género, Classe e Etnicidade na Complexidade Identitária, organizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e o Centro Pagu de Estudos de Gênero (UNICAMP, Brasil), realizado no ICS/ UL, em setembro de 2006. Agradeço novamente a João de Pina Cabral, Omar Ribeiro Thomaz e Heloísa Buarque de Almeida, bem como a leitura de Lauriani Albertini. Este texto faz parte de um projeto maior, financiado pela FAPESP.

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    Sobrenomesdeguerra:classificaoeterminologiamilitares

    Piero de Camargo LeirnerPretendo discutir como construda, no universomilitar, uma terminologiaprpria,queemgrandepartemobilizaumasriederecursossimblicosparaadelimitaodeseuuniversoemrelaoaomundodefora.Nesseprocesso,umaclassificaodomundorealizadaapontandoparaumaorganizaocon-ceitualhierrquicadarealidade,abrangendodesdeumavisodemundomili-tarataconstruodapessoapormecanismosderessocializaodosnovosmilitares,dosquaisumfatorimportanteaaquisiodeumnomedeguerra.Posteriormente,pretendoobservarcomoanomeaotambmabrangecoletivi-dadesmilitareseseusdispositivosdeaonomundo,comoosarmamentos.

    PalavraS-Chave:militares,guerra,nomes,terminologia,hierarquia,armamen-tos.

    INtroduo

    diferentementedoqueestamosacostumadosaveremsociedadesindividua-listas,ouaomenoscomcaractersticasindividualistasbempronunciadas,asinstituiesmilitares,taiscomoseconcebemhojeque,senonascemcomoestadomoderno,sedesenvolvemcomele,somarcadasporumsistemaderelaeshipercodificado,comoumasriedeprescries,comandos,regu-lamentos,cerimonialeprotocolosestabelecidosnosparaocasiessolenes,

    1 estetextoderivadeoutroapresentadonosimpsiointernacionalNomes e Pessoas: Gnero, Classe e Etnicidade na Complexidade Identitria,organizadopeloInstitutodeCinciasSociaisdauniversidadedelisboaeoCentroPagudeestudosdeGnero(uNICaMP,Brasil),realizadonoICS/ul,emsetembrode2006.agradeonovamenteaJoodePinaCabral,omarribeirothomazehelosaBuarquedealmeida,bemcomoaleituradelaurianialbertini.estetextofazpartedeumprojetomaior,financiadopelaFaPeSP.

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    mas,antes,paraosfatostriviaisdavidadeseusmembros.Marchar,desfilar,entraremformaodecombateparansvisveltodaumasriedeaspectosritualsticosquemarcamessasatividades.Porm,acordar,sentarmesa,andarnumcorredor,entraremumelevador,dirigirapalavraaoutrem,despacharumdocumento,estabelecerumarodadeamigosestendendoesseprotocoloparasuafamlianuclear,inclusive,eisumasriedeprescries,queseencontramemformaderegulamentos,asquaisnoestamosacostumados.

    todaessasriedecdigosdeconduta(impossveldedemonstraremsuaextenso,ousequernumaquantidadesuficientenoslimitesdestetexto)operanoregistrodeumsistemaclassificatrioprescritivoparausarotermodeSahlins(1990),que,senodefatoestticonemmonoltico,operasuastransformaes e adaptaes (diante da nossa realidade fundamentalmenteperformtica [Sahlins 1990]) demodo a estabelec-las como e nos limitesprotocolaresdados.Paraentenderoporqudessemododevida,permitam-meantesdetudoorecursoaumacauo:ofundamentodessaextremacodificaoprescritivaest ligadoaohorizontedaatividade-fimdosmilitares,aguerra.Partodahiptesedequeosistemadecdigosprpriosdosexrcitosumaespciedetransubstancializaopositivadadosistemadaguerranaformadisciplinar e hierrquica da cadeia de comando (leirner 2001). em outraspalavras, a hierarquia militar a continuao da guerra por outros meios,parafrase-ando(einvertendo)Clausewitz.

    Pretendomostraraquicomo isso funcionanocasodaterminologiamili-tar. em primeiro, vendo como ela aplicada para dentro da corporao,baseadaemumsistemaclassificatrioquesefundamentanumaclivagemcomorestodasociedadeenvolvente,2quimesmodoestado.aqui,trata-sedevercomoumanominaoprpriadepessoas,coletivosecoisasproduzumasolidariedadeinternaesquadrinhadapelaestruturadacadeiadecomando.destemodo,trata-seaomesmotempodeumsistemaclassificatrioqueoperanoregistrodaprofundezadopensamentoselvagem,eumsistemadeagen-ciamentodeafetosindividuaisecoletivosqueresultaemprticas,polticaserelaesestruturantes(cf.PinaCabral2005).Posteriormente,aidiatraarumsistemacomparativo,contrastandobrevementeosistemabrasileirocomoutrosdistintoshistricaelingisticamente.Finalmente,veremosqueater-minologiatendeaobedeceraumaeconomiamnemnicadetermos,cdigosesmbolosquefuncionacomoumaespciedegramticacomumaomundomilitar,pensandoalgumasconexesentremecanismosinternosdesolidarie-dadedeexrcitossingularese imagensexterioresdasmquinasdeguerra.

    2 tenhoaimpressoqueaidiadeumasociedadeenvolventemeramenteprovisria,porvriasrazes;destacoapenasofatodequemilitaresfazempartedessasociedade,pelomenosaosolhosdela.talvez,aosolhosdessesnativos,essasejaasociedadeenvolvida,eelesossenhoresdahistria,oscredoresdadvidadesentidodequenosfalaM.Gauchet(1980):aquelesaquemdevemosanossavidaemsociedade.

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    tudoisso,finalmente,serseguidoa posterioriporumbreveexercciodeespe-culaoetnogrfica,quepretenderecolocarinterioreexteriorcomosubor-dinadosidiaderelao.

    ParaoINterIor

    oqueacontecequandoseentraparaainstituiomilitar?ComobemmostraapesquisapioneiradeC.Castro(1990),realizadaapartirdeumaetnografiacomoscadetesdaacademiaMilitardasagulhasNegras(aMaN),oindivduoingressante,desdeoprimeiromomentodosquatroanosdeestadiaemregimedeinternato,submetidoaumabateriaderituaisexpiatrios,treinamentosfsicoserepetioconstantederecursosmnemnicoscujafunopareceserainculcaonaturalizadaoudecoraodeprincpiosmilitares.taismeca-nismosparecemterumaduplafinalidade:a)estimularumaconstantedesis-tnciaentreoscadetes,demodoqueosperseverantesincorporemanoodequesetmumavocaonaturalparaavidamilitar;b)forjaraconstruodeumanovapessoa,cujanovaidentidadereconhecidaapartirdaidiadopertencimentoaummundodedentro.

    tal reconhecimentosedsobretudoapartirdaconstanteatualizaodeprincpios de entendimento da realidade em funo de um ordenamentohierrquico(leirner19972001)edecaractersticasmarcadamenteholistas(dumont1992).Concretamente,taisfatossovistosnativamenteapartirdoempregodadisciplina.diferentedens(paraeles,paisanos,masprincipalmentensdauniversidade,seguramenteumimportantecontrapontocomparativodeoficiais),quetemosdiversasdisciplinaseestamosatransitarporelascomoumapartedenossasvidas,4osmilitarestmtodoesseregimeprescritivocon-densadonumafontedecapitalmilitarnicareconhecidacomoa disciplina.assim, senossa etiquetapode estar dissociadadenossas disciplinas inte-lectuais (posso ser um antroplogo brilhante e grosseiro, oumedocre,maspolido),nopodemosdissociaraetiquetadadisciplinamilitar.

    Nacaserna,sentarmesaecombaterpassampelomesmoregimeprescri-tivo.demaneiraanloga,senonossomundoaseparaodepalavrasecoisasparteprovveldenossoentendimentodarealidade,possibilitandoleiturasduplas,paradoxoseconvivnciadeparadigmasantagnicos,nomundomilitaraconstantemarcaorepetitivadarealidadesugeresobretudoqueostermoseconceitosnecessitamdeumatendnciaaunificarapalavraeaao.5esta

    oquenoslevanoododecorarumaidia,transformaramemriaemumfatodocorao,transformandoapalavraemao.voltaremosaissoadiante.4 oquepodemosverdemaneirabastantecrtica,seguindotodaareflexodeFoucault(p.ex.,1987).5 Nocreionessecasoqueessesfatosmereamserpensadosapartirdeteoriasbaseadasnafilosofiadalinguagemoudahermenutica(Geertz),sobretudoporquenosparecequeummaiorrendimentosociolgico da questo no passa nem pelo plano das apreenses subjetivas nem pelo [continua]

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    formadeler(eproduzir)arealidade,evidentemente,paraonossopontodevistatambmestsujeitaaambigidades(porcerto,comoqualqueroutra);noentanto,paraosmilitares,trata-sede(tentativamente)sempreconvergirparaumavisounificada.6assim,sentido!significaacorrespondenteposturacor-poralimediata:procura-sesuprimiraomximo(demaneiraideal,totalmente)ointervaloentreaordemeasuaconsumaoemato,entrecomandoeobe-dincia.7

    ento,sedeumladotenta-seminimizarnoindivduoassuascaracters-ticaspaisanasatumapretensaessnciamilitarnaturalizada,deoutroladopretende-sepreencheroqueestlcomalgo.8aengenhariasocialquerealizaessefeitobaseia-sefortementeemumdia-a-diaritualizado,inteiramentepau-tadopelarepetiodeumordenamentodarealidade.talfatomarcadoporumadiagramaoconstantedoshorrios,dosmodosdeconduta,dereconhe-cimentoautomticodedispositivosdeao,comoordens,posturascorporaise etiqueta, assimcomoo reconhecimentode smbolos enotaes, comoosemblemas e sinais que se estampamnos uniformes, e, finalmente, de umaterminologiarealizadaprincipalmenteatravsdoempregodeumalinguagemcifradapormeiodesiglasetermosnativos.osexemplospodemseragrupadosemalgumasclassesterminolgicaseclassificatriasqueescolhemosafimdeilustraressecorteidentitrio.

    Comecemospelofatoextarordinriodoestabelecimentodeumnomedeguerraparacadamilitar.Quandoseentraparaoexrcitobrasileiro,logoapsumcurtoperodo(quepodevariardediasapoucassemanas),seganha,apar-tirdassugestesdoindivduoeposterioraprovao/escolhafeitapelosupe-riorimediatoquecomandaaunidadeemqueseest(servindo;ou,nocasodaacademiamilitar,ingressando),umaabreviaodonomepessoal/defamliaquepassaraseronome de guerra.assim,umtalemlioGarrastazuMdiciser

    [continuao] domniodaexperinciaindividualouintersubjetiva.temostalvezmaisevidnciasdequesetratadeumsistemadetrocadepalavras-dons,poisremeteaoprincpioprpriodecirculaodecapitalmilitar,baseadonaintegralizaodacadeiadecomandocirculandoadisciplina(leirner2001).aidia,assim,seaproximadanoodehabitusdeP.Bourdieu(1977).6 digamosquehajaumadivergnciaentredoismilitares.oqueimportaqueelacertamenteterque ser resolvida, essa situaonopodepermanecer estacionadana cadeiade comando.assim,tambmseumaverdadeouteoriaexteriorabrirumadivergncianacadeia,necessrioquenofimdascontasseopteporumaverdadesingular.7 duasmximasmilitaresqueilustramesseesprito:Quandoocrebronofunciona,obraoflexiona!;Sotreinamentoexaustivolevaexausto....8 assim se define o objetivo do curso bsico dos cadetes (os dois primeiros anos na aMaN):Nos1.e2.anosdaacademiaMilitarocorreaFormaoBsicadofuturooficial.osobjetivossoajustarapersonalidadedocadeteaosprincpiosqueregemavidamilitar,assegurarosconhecimentosqueohabilitemaoprosseguimentodesuaformaodeoficial,fortalecerocartermilitar,prepararocombatentebsico,obtendoreflexosnaexecuodetcnicasetticasindividuaisdecombate,obtercapacitaofsicaedesenvolverhabilidadestcnicas(retiradoem26/07/2006dehttp://www.aman.ensino.eb.br/pvisaogeral.htm).

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    MdICI,grafadoemletrascapitais.ofatocrucialqueenvolveessamarcaoquejamais pode haver mais de um com o mesmo nome de guerra na mesma turma.assim,entreoscadetesformadosem2005,spodehaverumSIlva.Sehou-veroutro,terqueteroutronome de guerra,JoS,porexemplo.onome,assim,[comotudomaisnosexrcitos]torna-seumepifenmenodahierarquia.Istoporqueestasupequejamaispossahaverduaspessoasemcondioigualnacadeiadecomando:comoumafilaindiana,elapressupedepontaapontasemprehaver,deumpontodevistaegocentrado,algumque[imediatamente]comandaealgumque[imediatamente]obedece.oquesechamadeprece-dnciahierrquica.

    emboraessemecanismoestejaassentadoembasesfortementecompetiti-vas,esseumsistemadeclassificaovoltilquepressupeacmulodecapitalmilitar.9trata-se,comomostrouCastro(1990),deumahierarquiadepares,quetemcomocontrapontoumasriedemecanismosdesolidariedadefunda-mentadosemclivagenssucessivas.essasso,emprincpio,osdaminhaarmaversusosdasoutras(Infantaria,Cavalaria,engenharia,artilharia,Comunica-es,MaterialBlicoeIntendncia);osdaminhaturmaversusosdasoutras(...1999,2000,2001,2002...etc.);osdaminhaforaversusosdasoutras(exrcito,MarinhaeForaarea);militaresversuspaisanos.Cabenotarqueestas clivagens podem ser acentuadas ou afrouxadas, conforme o contexto;so,portanto,situacionais,emboraobedeamaumalgicaestrutural(Castro1990).Neste registro, uma srie de elementos simblicos se agrega a essesparmetrosdeidentificao:canes,emblemas,ditados,crenas,esteretipos,almdasriedeexperinciasqueomilitarterassociadasdivisodetraba-lhoprpriasuaarma,fora,etc.Nofogeaessaregracertosmecanismosdenominaofundamentadosemumalgicadobatismoedapatronagem.

    Nocaso,porexemplo,dasturmasdeformaonaacademiaMilitar[asmes-masnasquaisspodehaverumnomedeguerra],estabelecidaumaespciedesolidariedadetemporalentreseusmembros,representadopelonomedebatismoqueaturmapodelevar:porexemplo,turmade1976(turma1deMaro);turmade1985(turmaFornovo);turmade1999(turmaMarechalZenbiodaCosta),turma2002(turmavoluntriosdaPtria);turmade200(turmaantniodiasCardoso); turmade2004(turmaBrasil500anos),eassimpordiante.taisnomessoescolhidospelaprpriaturma,emvotao,esubmetidosaprovaoporpartedocomandodaacademia(aexceofica

    9 trata-sedeumcomplexosistemadecontagemdepontosacumuladosnacarreiradeummilitarqueestabeleceumduplocritrioparaaprogressonahierarquia:deumlado,o tempo de servioemdeterminadapatentegaranteporsisapromoodetodosnafora;deoutrolado,omritopessoalpodeaceleraressaprogresso,fazendoummilitaravanarsobreoutros(queemprincpioseformaramou passarampela patente anteriormente).uma descrio detalhada desse sistema est emleirner(1997).

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    porcontadedatascomemorativas,comoporexemploos500anosdoBrasil,quebatizaramaturma2000-2004).

    humasriedeoutrasmarcasclassificatriasqueindicamclivagenssoli-driasnointeriordasForasarmadas.Porexemplo,ospatronos,sejamdasarmas(porexemplo,rondondasComunicaes;osrio,daCavalaria;Sam-paio,daInfantaria,etc.),sejamdasforas(Caxias,doexrcito;tamandar,daMarinha;eduardoGomes,daForaarea), indicamemblemasecaracters-ticashericasqueseassociamsauto-imagensarquetpicasqueosmembrosdecadaumadessasclivagenstmdesi.10assim,ospatronos,assimcomoassriesdeesteretiposqueseagregaaeles,atuamcomoumaespciederecursomnemnicoquesintetizacaractersticasfuncionaisdessacomplexadivisodotrabalhodeguerrear.emoutroscasos,temos,porexemplo,acaracterizaodeunidadesmilitaresemsistemasquasetotmicos,que,nocasobrasileiro,cor-respondemexclusivamentessrieshistricas/hericasquepassamgeralmenteporumsistemadeidentificaoentreunidadesmilitaresefigurasemblem-ticasdahistriamilitarbrasileira.

    Porexemplo,o2.GrupodeartilhariadeCampanhalevechamadoderegimentodeodoro,emalusoaomarechaldeodorodaFonseca,primeiroPresidentedarepblica (1889).Note-se,aqui,queusadocomonomedaunidade somente onomede guerra.outros casos, como a10.BrigadadeInfantariaMotorizada,chamadadeBrigadaFranciscoBarretodeMenezes,levandoassimonomeinteiro.h,ainda,casosmenosfreqentes,comoo14.batalhodeInfantariaMotorizada,chamadoderegimentoGuararapes,porcontadabatalhadeGuararapes(19deabrilde1648,emPernambuco,ondeselocalizaoBatalho);curiosamente,nestecaso,eleaindatemcomopadroeiraNossaSenhoradoPerptuoSocorro.Cabe salientarque todos essesnomessooficialmenteestabelecidos,enoraroacompanhamasunidadesmilitaresquando elas semudamde local, oumesmomudam suadesignao tcnica(porexemplo,umaunidadedeartilhariapassaaserumaunidadedeartilharialeve).

    10 transcrevo,aqui,umtrechodaCanodeCaxias,ilustrativadessetipodeimagem:(...)Salve,duqueGloriosoesagrado/Caxiasinvictoegentil!/Salve,flordeestadistaesoldado!/Salve,herimilitardoBrasil./Fosteoalferes,queguiando,nafrente,/onovelpavilhonacional,/Snodeusdosexrcitoscrente,/Coroaste-odelouroimortal!(...)(retiradoem26/07/2006dehttp://www.exercito.gov.br/01Instit/hinoscan/caxias.htm).valenotar,comobemmostrouCastro(2002),queosprocessosdeestabelecimento (invenes,numaacepoque seaproximacautelosamentedehobsbawneranger)detradies,cultoseherisnoexrcitobrasileirotm,emprincpio,umadimensoconsciente,apartirdeumapropostapensadaearticuladaporagentesespecficos(ministros,etc.).Mastambmverdadequeessastomadasdeposiodecantamcomotempoepassamaassumirumestatutodeverdadeeternizada,tantoquenoexrcitobrasileiropoucoounadasesabiadofatodequeCaxiasssetornouopatronodaforamuitotempoapsasuamorte,jnosculoXX.Curiosamente,tambmconstatei,apartirdodilogocomumoficial,queaherldicadoexrcitoeraemboapartecriadaporaquelequeocupaaSeodeherldicadodepartamentoGeraldePessoaldoexrcito.

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    notvel,contudo,queasriedeelementosnominativosnoexrcitobrasi-leirosejatomadaporumaenormepredominnciadaformalidade,emrelaoaelementos informaiscomoapelidos(oualcunhas;estas,contrariamente,existememabundnciaemoutrosexrcitos,comoonorte-americano[vere-mos]).Nofoipossvelconstatarqueasunidadesmilitarestivessemnomesinformais,bemcomoherisoufigurasemblemticas.Porexemplo,ummuitopopular,oduquedeCaxias,passaaserCaxias,simplesmente.

    J no caso dos nomes de guerra, oumesmo dos apelidos que eventu-almente se ganha no interior do exrcito, geralmente a informalidade estrestrita aos gruposdemilitaresmuitoprximosdo apelidado, geralmentedemesmapatente,eraramentevazandooapelidoparaforadocrculodeprximos.ocaso,porexemplo,relatadoaCristinaSilva(2007),quandoumatenentecujonomedeguerraeraPeixotoforaapelidadadePeixoto(note-se,nocaso,queelamulher,eganhaumapelidomasculino,oqueaparente-mentecomumnocasobrasileiro).11Porm,esseumapelidoquepermaneciarestritoaocrculodasuapatenteeaoscolegasqueserviamemsuaunidade.

    Nessecaso,visvelqueoselementos informais (que,note-se,abundamna sociedade brasileira, como j atestoudaMatta [1978]) so fortementeconstrangidospeloselementosformaiseesbarramnoslimitesdahierarquia.deoutromodo,mesmooselementosinformais,comoasgriasmilitares,easriedeelementosformais,comoalinguagemtcnica,acabamporreproduzirdiagramaseprticasdistintivasentreasforaseosmundosdefora(Castro1990),comoelesbemgostamdesalientar.destemodo,almdasolidarie-dadeinternaacadapartefuncional(arma,fora,etc.),podemosdizerqueentreelashumconjuntoorgnicoquesesobrepesdivises,locupletandoumsentimentodeunidade.12Porissomesmo,talvezmaisprofundoaindasejaocortemilitares / paisanos,queindica,nolimite,opertencimentoounoaessaespciedegrandecadeiadoser.

    destemodo,a terminologiaacabaporserumaespciedecara-metadedoprocessodedistinoatravsdanominao.Nocasodasgrias,notvelqueelassousadasparaoestabelecimentodeumprocessodecriaocripto-nmica,commutaesmorfo-fonticasouenxertocomafinalidadedetornar

    11 Comoexistetodaumatensoempapismasculinosenomasculinosnaprofissomilitar,sovriososmecanismos,boapartedasvezesambguos,queoratendemaminimizarognero(porexem-plo,atenenteenoatenenta,oumesmooapelidoflexionadoparaomasculino),oratendemasepar-lo(porexemplo,comanfasedequemulheressomelhoresadministradorasepiorescomba-tentes,eporissomaispaisanas),cf.Silva(2007).talquestoaindaestparasermelhorexplorada.12 difcilaquiescapardatentaoorganicistaderecorreraummodelodesolidariedadeorgnicadecunhodurkheimiano,oumesmoholistadecunhodumontiano.restasaber,contudo,seosexrcitosnotmessaconjecturapositivistacomoideologiadeformaodaauto-imagemqueacabaporsesubstancializardeveznaformadesuaorganizao.enfim,temademasiadocomplexoparaoslimitesdessetexto.

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    acomunicaoacessvelapoucos(Marson1969:25).assim,porexemplo,explicaummilitar:jangalquandoocaboclotnosanhao.Sanhaositua-o instvel, preocupante, que requer do milico ser safo. Safo descolado,malandro,queresolvetodososproblemas.ouentotorar(dormir:aversodiz que o sargento pergunta para o soldado: t dormindo?; ele responde:no,toorando;daajunotorar).ltima forma:esquece,nofazmaisisso.Azm:azarmilitar(utilizado,porexemplo,quandosedesignadoparaaguarda).Cagar mole:noestarnemaip/ascoisasqmandamfazer.Escamar:quemvivefugindodastarefas.Ralar / Ralao:darduro,seesforaraomximo.T voando:significaaquele sabidinhoqueno temnadaoque fazer.Em QAP: significaQuandoacionadoPronto.Em condies:quandoseestprontopraqualquersituao.GDH:significaGrupodatahora,porexemplo270900ago05.tradu-zindo:dia27s09:00hdomsdeagostodoanode2005.1

    estaltimagria,quaseumtermotcnico,seagregaaessesegundocon-junto, bemmais complicado. toda essa srie terminolgica pode ser usadaemtextos,memorandos,documentos,mastambmemconversascorriqueiras,comoaseguinte[emcolchetesastradues]:

    achegaumacaranaoM[organizaoMilitar:nomequesedaqual-querunidademilitar].Qualacoisaqueelefez?FezNPor[NcleoPrepara-triodeoficiaisdareserva:lcusdeinstruotemporriadeoficiaisquenoseguirocarreira].tempodeinstruo:de6a10meses.Noregimedeinternatoesfuncionaemmeioexpediente.escolaridadedeles:2grau.e ele chega comandando os Sgt [sargentos] que com certeza somuitosuperioresaele.Quesituaoruim.Instruoelesdo?No.Missoelescumprem?No.Instruoemissoj[sic]NGa[normageraldeao]osof[oficiais]passaremabolaparaosSgttFM[sargentosdetreinamentofsicomilitar].elessoguias?Semcomentrios(Sargento,exrcitoBrasi-leiro).

    assiglas,nessecaso,correspondemaumuniversoorganizacionalprprio.aquantidadedetermostcnicosesiglasvariveldeexrcitoparaexrcito,edificilmenteummilitartemdomniodetodaselas.Noentanto,notvelquegeralmenteelaspossuemdicionrioselxicosnasprpriasunidadesmilitares(ou,comodizemosnativos,oMs:organizaesmilitares).Porexemplo,naediode1999dostermosmilitarespublicadapelodepartamentodedefesadosestadosunidos,socontabilizadosaproximadamente850abreviaesesiglas,como,porexemplo,CI(command,control,communications and inteligence),

    1 oconjuntoenorme;algunsoutrosexemplos,dasmaisusadas:melindrado,safo,bizonho,arrego,bizu,bizuleu,safar,aloprar,papirar,acoxambrar.umcompndiodessasgrias,aindaquerealizadonosanos60,estemMarson(1969).

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    oua/C(aircraft),aaa(antiaircraft artillery),entreoutrasmuitas.aediobra-sileirade2002,nomanualC21-0:abreviaturas,SmboloseConvenesCartogrficas,somenteemrelaosletrasaeCpossui1427abrevia-turas.

    Note-se,ainda,queboapartedessestermos,siglaseabreviaestemtradu-oparaoutraslnguas,possuindoatdicionriosespecializadoscomoodicio-nrioIngls-PortugusdetermosMilitares(1944),organizadoporhomerodeCastroJobim.aquinoBrasil,Comando,Controle,ComunicaoeIntelignciatambmpautadocomoCI.dissopodemos,porhora,chegaridiadequeosexrcitosdefatopossuemumagramticacomum,traduzidaparasistemaslingsticos e coloraes locais.assim, nesse ponto, estamos entrandonoque entendo comoumalinhade contato,14paraumaperspectivavoltadaparaoexterior,emqueosexrcitosestabelecemumaterminologiaprpria,mascomumagramticacomumentreexrcitosdiferentes.vejamoscomo.

    ParaoeXterIor

    existe toda uma terminologia internacional que tambm se coloca nesseesquemamnemnicodecodificaoda realidade,que,de fato, coincideemparte comconceitos e elementos que circulam internacionalmente.emboramuitasvezeselasereporteaoingls,possvelquenessecasoissosejaumfenmenoparaleloaodainternacionalizaogeraldessalngua.Mastambmdeve-se,etalvezatmuitomais,aofatodeosestadosunidosteremamaiorquantidadedearmas,estarempresentesnamaiorquantidadedeconflitose,principalmente,deseremuminimigopotencialdepraticamentetodomundo.assim,emborasiglascomoaWaCS(airborne warning and controli.e.,sistemasderadaresinstaladossobreaeronaves)ouaStor(antisubmarine torpedo)sejamemingls,seuusoacabasendogenrico.

    oquesaltaaosolhos,contudo,aexistnciadetodoumsistemadenota-esqueindependedalngua:exclusivamentemilitar,efuncionaparatodos.emboraseuacessosejarestrito,nochegaaserconfidencial,qualquerumquetiverpacinciaemempreenderumapesquisaequisersefamiliarizarcomalnguapoderfaz-lo.Porexemplo,possvelobservarumatabela-cdigodeaviesmilitares,paraseentenderdecaraaclassificaoqueumavioini-migopodelevarnoradar.15algocomoYWCh-77asignificaoprottipo(Y)davarianteado77.projetodehelicptero(h)detransporte(C),modificadopara o desempenho demisses de reconhecimentometeorolgico (W), ouGoa-7CsignificandoavarianteCdo7.projetodeavioconvencionalde

    14 Novocabulriomilitar,alinhadecontatoumadivisoimaginriaqueseparaastropasdeumexrcitodeseu(s)inimigo(s).15 omesmoexisteemrelaoaembarcaesmilitares,emsseis(trataremosdissomaisfrente).

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    ataque(a),modificadoparamissesdeobservao(o),colocadoemserviopermanentenosolo(G).

    Creio, porm, que alm dessas notaes, regularmente encontradas emdocumentosmilitares,livrosespecializadosefrunsnaInternet,maisimpor-tante uma simbologia associada a uma estrutura organizacional de longadurao(leirner2001)quepermeiatodososexrcitos(oupelomenostodosquepudeobservar,uns150,pelomenos).assim,porexemplo,umpelotonoBrasilouemPortugalumplatoonnoseuaounaGr-Bretanha;assimcomoumcapitonoBrasilumcapitainnoseuaouumshaoxiaonaChina.evidentemente,seessaestruturapraticamenteamesmaemqualquerlugar,elatambmrecebesuascoloraeslocais(emboracaibaenfatizarofortecarterdetradutibilidadeentreelas).

    assim,emrelaoaosnomesdeguerraprtica,alis,quejtemregistronaFranadesdeosculoXvII,pormassociadageralmenteaonomedoregi-mentoqueseocupava,

    In1716,Frenchmilitaryrulesrequireanom de guerreforallregularsol-diers.theassignmentofthesenicknamesisdoneinaflexiblemanner.ItcanbethesoldierschoiceorthatoftheCompanyscaptain.duringtheame-ricanrevolution,Francesendsthergimentdetourrainetohelptheame-ricanrebels.alistofthesesoldiershasbeenpublished.Ineachcompany,allthenicknamesstartwiththesameletter.thusinthedugrecompany,thesoldiersnicknamesallstartwiththeletterd,inanothercompany,theystartwithB.Itisthuseasytoidentifytowhichcompanyasoldierbelongs.From1764to1768,theCompanyofCasauxofthergimentdeBoulon-nois-infantrieusesnamesofvegetables.Wethusfindlartichaud,laltue,lachicore,lecressonetlecerfeuil(lepine2007:1).

    aindaassim,nessapocaerabastantecomumonomedeguerraassociar-setambmaolocaldeondesevinha,oudaparquiaaqueseestavaassentado.16Curiosamente, j no se costumavaherdar o nomede guerra dopai (idem,ibid.),oquesalientavaquejnosfinsde1600osprocessosderessocializaono interior dos exrcitos eram bastante pronunciados.hoje esta tendnciasemantm;oficialmente,namaioriadosexrcitosoprocedimentosegueos

    16 Note-seassimoenglobamentodessesistemadenominaosobrerelaescoloniaismarcadasporumacertainstabilidade.Porexemplo,conformetrajanoFilho,pequenasvariaesnaformadainscriodosnomesnaslistassugeremqueoregimedecontroledaidentificaonoestavaplenamenteestabele-cidonaGuincolonial.ocasodosregistrosdeantniodomingossoldado4,deJoslussoldado12edeManuelJoaquimSoldado.Nessescasosjnohmaismarcadoresvisuaisasepararonomedocomentrio.ecomonomeiomilitarosindivduostambmsoidentificadospelapatenteepelonmero,parecequeoinstvelregimedenomeaocolonialcomplementavaalgicadeidentificaodadacultu-ralmentepeloparadigmadosprenomescomalgicaracionalmilitardeidentificao(2006).

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    mesmostermosdobrasileiro(acimadescrito).Noentanto,saltaaosolhosqueemexrcitosdelnguaanglo-saxnicaegermnicaosapelidosdecomandantessejamamplamentedivulgados, afrouxandoopadro burocrtico visto empaseslatinos(e. g.Brasil,Portugal,ondeoscomandantesraramentetmpubli-cadosseusapelidos)eexaltando-seumaqualidadecarismtica.Porexemplo,lighthorseharryhenryleeIII,generalnorte-americano;MadanthonyanthonyWayne,generalnorte-americano;MontyBernardMontgomery,marechal de campo ingls (IIGuerraMundial), Schnellerheinz heinzGuderian, general alemo (II Guerra Mundial), Der Rote Kampfflieger Manfredvonrichthofen,pilotoalemo,IGuerraMundial,conhecidonoBra-silcomoBarovermelho.

    omesmocasoseaplicasunidadesmilitares:senoBrasilseguemnomeshistricosougeogrficos,eomesmoemPortugal(porexemplo,o14.regi-mentodeInfantariaoregimentoInfantesdeviriato,ouficamapenascomonometcnico,ouesteassociadoaolocal),nouniversoanglo-saxnico,espe-cialmentenorte-americano,no faltamapelidos.Porexemplo,o2nd Infantrydivisionchegaaterdoisapelidos:WarriordivisionouIndianhead;ouo4thInfantrydivision:IvyjogandocomonmeroromanoIv(4),ouaindaa11tharmoreddivision:thunderbolt11th.dequalquermodo,aindaquesedestaqueomecanismoinformaldeatribuiodeapelidos,parece-mequeelesoperamnoregistrodoestabelecimentodeprticasdedistinoesolidarie-dade orgnica.Note-se, inclusive, a explicaoparao totemismomilitarobservaldoporralphlintonna2.Guerra,nocasoda42.divisonorte-ame-ricana,chamadadearco-ris,tomadaapartirdoregistrodeC.Castro:

    lintonpretendemostrarodesenvolvimento,noexrcitoamericanoemaonaeuropa,deumasriedecrenaseprticasqueapresentamumacon-sidervel semelhanacomoscomplexos totmicosexistentesentrealgunspovosprimitivos.elemostracomoonomedadiviso,arbitrariamenteesco-lhidopormembrosdoestado-Maioramericano,foiaospoucospresidindoumcrescentesentimentodesolidariedadegrupal.Inicialmente,ossoldadoscomearamaresponderperguntaaqueunidadevocpertence?comeusouumarco-ris.emseguida,comopassardotempo,foiestabelecidopelosprpriossoldadosousodeumarco-riscomoinsgnia,orespeitorepresen-taodesenhadadessepatrono,acrenaemseupapelprotetoreemseuvalordepressgiooaparecimentodeumarco-risantesdeumcombatepassouaserconsideradosinaldevitria(Castro1990:59-60;cf.r.linton,totemismandtheamericanexpeditionaryForce,American Anthropologist,26,1924).

    evidentementenoestouquerendotirarconclusessobrediferenascivi-lizacionaisapartirdadiversidadedosnomesquerelatamosacima,mas,pelo

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    contrrio,meateraofatodequeemboraessasdiferenasexistamdefato,naprofundidadehumalinhadeforaquereagenabasedoestabelecimentodefluxosformaisqueultrapassamfronteirasnacionais.Nocaso,eapenasnele,acreditoqueassemelhanasemqueasclassificaesenquadramastermino-logiassoresultantesdofatodaguerraoperaremsistema,decertamaneiraforandoosdiferentesexrcitosaaderiremaformasdeorganizaoeclassifi-caodarealidadebastantesemelhantes.Suaconfiguraoterminolgica,por-tanto,tambmresultantedeumaespciederacionalidadeprpriadaguerraqueoperanoregistrodeumaespciedecombinatria.oqueteramos,assim,umsistemadepossibilidadesamplasderelaoentreas terminologias,asvariantesorganizacionaiseomodocomoomodelofunciona.Cadaqualcon-tingenciadopelassuaslimitaese,principalmente,pelapercepoquesetemdeumsistemadeinimizades(reaisepotenciais,issopoucoimporta,porquesempretemdeseestarpreparadoparadissuadirosinimigos...),jogandocomumacombinatriapossvel.

    Nesseplano,portanto,ocorrealgocomumardefamiliaridadeaossiste-masdeparentesco.emborapossamossemprefalarnarealidadeenaexperin-cia,tambmsemprepodehaverumplanoemquesituamososmodeloseaspossibilidades.Permitam-meassimespecular,porenquanto,queessesmodelosoperamcomosistemastransformacionais,valendoaanalogiacommodelosdeparentescotalcomoestabelecidoemprincpioporlvi-StrausserecentementediscutidoporGodelier,trautmannetjonSieFat(1998:5).17claro,devemostomarestemomentocomoumpontodeentrada,maisqueumpontodepartidaoudechegada(comosevernofimdesteartigo).18

    evidentemente,talcorrelaospossvelseaceitarmosopressupostodeque a guerra, assim comodemais fenmenoshumanos, pode ser entendidacomoumarelao; mas,talvezcomosalgunssistemashumanosapenas,comoumarelaoqueseaplicaaescalasquetranscendemonvellocal,etalvezexa-tamenteporquesehalgumaimanncianaguerra,porqueelaestprojetadaparaoexteriordasunidadessociaisousocietrias(comtodasasressalvasaessaidiadeunidade,nomais,provisria).

    17 Cito: the discussions that follow build upon three fundamental ideas about the nature of kinshipCito:thediscussionsthatfollowbuilduponthreefundamentalideasaboutthenatureofkinshipterminologies,ideasfirstproposedbyMorganthathaveheldupverywelloverthelastcenturyorsoofkinshipanalysis.First,kinshipterminologiesdonotexistinavacuumbutareinfluencedbythemarriagerulesofthesocietiesinwhichtheyarefound.Second,thethousandsofsystemsofkinshipterminology inhumansocietiesaroundtheworldarebutvariantsofa limitednumberofdifferenttypes.andthird,thedifferenttypesofkinshipterminologycanbeshowntobetransformationsofoneanother.thequestionthatremainsopeniswhetherthereisanoveralldirectionalitytosuchtransfor-mations.(Godelier, trautmann e tjon Sie Fat 1998: 5)(Godelier,trautmannetjonSieFat1998:5)18 e,desdej,permitam-medizerquenovoumeesquivardoproblemadoconcretoemrelaoaomodeloaquiprovisoriamentelanado.antecipandooargumento,imaginoqueaetnografia,eoobser-vador,estejamembebidosdeefeitoscolateraisdasrelaesqueseuobjetoprovoca(cf.leirner,2001).Sesousistemticonosentidoestruturalistadotermoporqueassimtambmsoosmeusnativos.

  • SoBreNoMeSdeGuerra:ClaSSIFICaoeterMINoloGIaMIlItareS 207

    Neste ponto, a compreenso de um sistema da guerra (leirner 2001)passaporumarededeinimizades,reaisoupotenciais,extensivaaumplanogeneralizado.ouseja,naperspectivadeumexrcito,havendooutro,elefoi,,oupodeviraser,uminimigo.Porissotalsistemapodeseroperadocomoumacombinatriadepossibilidades.alis,nesseponto,cabenotaraproximidadequevriosmodelos, especialmenteamaznicos, estabelecementreafinidadee inimizade,e,assim,parentescoeguerra(viveirosdeCastro199;Fausto2001).Note-se,noentanto,quesedefatohalgumasemelhanaadeclarar,precisoqueseleveemcontatambmoquevai do interior para o exterior,querdizer,oqueenfimsetroca,transportaoutransfereentreumplanoeoutro?

    aSClaSSIFICaeSINterNaCIoNaIS

    No limite, se levarmos a cabo tanto amaneira pela qual as solidariedadesinternasquantoasdeterminaesexterioresdosexrcitossoconstrudas,veremosqueoslimites,fronteiras,aspectosexclusivosdecadaumdelessopraticamente indetectveis.Maisparecequeesses elementos estoemumaconstante atualizao recproca, escapando de um centro de gravidadecapazdeapresentarumaorigemeumlimiteparaaconstituiodosexrcitos.Claroquesemprepodemosdizerqueosexrcitossoautctones,equemsoseusrespectivosmilitares(ouaquelesqueestodentrodasuahierarquia),eassimpordiante.oproblemasecolocajustamentequandotemosquecolocaraspeasemrelao;quandoentramdeterminaesnemsempreconscientes;quando,enfim,percebemosquepodemosinverteraordemdeaparecimentodascoisas,epartirdopressupostoqueaguerravemdainimizadeenovice--versa(ainspiraoclaramentefundadaemClastres[1980]).opteiassim,nessaltimaparte,emdescrever,aindaquedemaneirabastantepreliminareresumida,algumasrepresentaesqueencampammaisclaramenteaomesmotempo elementos nativos e exgenos, focada sobretudo nos meios decirculaodedonsquetransitamentreexrcitos,aliadoseinimigos:armas,munies,poderdefogo.

    embora o inimigo, do jeito que colocamos acima, seja geral, consciente-mente ele se apresenta comoum fenmeno circunstancial, ou seja, emver-ses.hoje, grandepartedas informaes coletadasnesse mbito, portanto,vemdadaapartirdopontodevistadamquinadeguerra19norte-americana:no s por ela ser amaior inimiga dos outros,mas tambm por possuiromaiornmerode inimigos.assim sendo, ela se torna (alis, j se tornouhalgumtempo),omaiorcentroirradiadordeversessobreasmquinasde

    19 otermomquinadeguerra,aindaqueinspiradoemdeleuzeeGuattari(1997),apareceagoraporenglobaralmdasforasmilitarespropriamenteditas,todosospoderesquesoabsorvidosporessasparaefetuaodeseuspropsitos,comoindstriablica,departamentosdeestado,etc.

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    guerraalheias,assimcomoasoutrasmquinastambmacabamporincorporarefabricarsuasversesdamquinanorte-americana.aindaassim,comopode-remosver,grandepartedanominaodosmeiosdeguerraaomesmotempocontemplasolidariedadesinternaseprincpiosestruturais,quasetotmicos,nasdiferentesversesmilitares.vejamos,porexemplo,algunscasos,partindodefrotasnavaiseseusistemadenominao.

    Se olharmos a frota de armadas to variadas como a norte-americana,brasileira,canadense,russa,portuguesa,francesa,inglesa,argentina,chilena,italianaechinesa,veremosqueasclassificaesseguemdesdeumsistemainter-nacionaldecdigos(similaraodeaviaomilitar,mencionadoacima),comaclassificaodecasco(ouhull classification)porexemplo,Cv=porta-avies;FF=fragata;dd=destrier, etc. atuma nominaodebatismo,prpriadecadanavio.esta,contudo,estinseridaemembarcaesdeclassesXouY.Porexemplo,amarinhabrasileirapossuisubmarinosClassetupi,queincluioS0tupi,S1tamoio,S2timbira,StapajeS4tikuna;ouporta-aviescomooMinasGeraiseoSoPaulo.Nessescasos,emboraaclassedossubmarinosrespondaaonomedaquelequedeuorigemaoformatodafrota(porseremdepadrotupi,osoutrossoclassetupi),podemosnotarqueosporta-avies,ambossingularesemseuspropsitos,levamapenasseunome,considerandoafrotabrasileira.Contudo,nessecaso,incorporamaclassedeseudomnioantecessor:nocasodoMinasGerais,classeColossus,deorigembritnica;nocasodoSoPaulo,classeClemenceau,deorigemfrancesa.Noraro,ainda,osnaviosacabamsendoidentificadosporclassesdeorigem,geralmenteespelhadasnasfrotasdasgrandespotncias,mesmoquejconstituamumaclassenativaousejamproduzidosnoseupasnatal.assim,porexemplo,asfragatasdetaiwanclasseChengKung,podemservistascomosendodaoliverhazardPerryClass.

    aindaassim,levandoounoonomedeumaclasseexemplaroudaex-gena,parecequeamaiorpartedasfrotasseguecritriosbemestreitosemar-cadosparanomearsuasembarcaes.olhandoparaasdiversasfrotasacima,observa-se que amaior tendncia a de nomear a partir de nomes prprios(de militares, ex-presidentes ou grandes personalidades nacionais): assim(tomandounspoucosexemplos,dentre inmeros),hna frotanorte-ameri-cana,porexemplo,osporta-aviesroosevelt,BushouNimitz;naportuguesa,fragatasclasseJooCoutinhoouvascodaGama;nafrancesa,Colbert,Com-mandantrivire,Jeannedarc;naitaliana,Garibaldi,andradoria.Bastantecomum,tambm,anomeaoporlugares:nafrotarussa,Kiev,Moskva;nabritnica,liverpool,Manchester,Bristol;nanorte-americana,ossubmarinosIowa,California ou long-Beach. tambm observamos, alm do caso brasi-leiro,anomeaodegruposindgenasnoscasoscanadense(Iroquois,huron,athabaskan)enorte-americano(Navajo,Mohawk,Sioux).ainda,emnmerobemmenor,podemoscitaranomeaoporentidades,comonasembarcaes

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    portugueses hidra e Cassiopia, ou adjetivos como no francs trionphant(essesltimoscasos,note-se,sempreenvolvendodenotaesdepoder).

    Curiosamente, ainda que tenham esses nomes prprios, comum aembarcaoserolhada[pelosoutros]genericamentepelaclasse,erecodificadaem funo de um apelido recodificado sobre seus prprios termos. almda classificao do casco, comum adicionar um codinome, especialmentequandosetratadeuminimigoreal,enospotencial:porexemplo,umSSBN(Submarinocommssilbalsticocompropulsonuclear)russo,identificadopelosnorte-americanoscomodeclasseQuebecoudeltaoutyphoon;emoutrasclasseselesaindapodemseroscar,Papa,Foxtrot,i.e.,alistapodeirdeaaZ,seguindoumpadrointernacionaldecdigosassociadossletras.algoparecidoocorreemrelaosoutrasclassesdearmamentos.20avies,porexemplo,costumamter,almdeseuprefixoprprio,umnomeassociado.ocasonorte-americano,semdvida,umdosmaisilustrativos,atpelavarie-dadedeaviesqueelespossuem.exemplarmente,suasaeronavesseenqua-dramemtrscategoriasmaiscomuns:entrevrios,vemos[a]pssaros:a-4Skyhawk,F-15eagle,F-16Falcon,eF-111raven;[b]animais:a-7dragonfly,F-5tiger,F-20tigershark;[c]entidadesnaturais/sobrenaturais/mticas:C-10hercules,P-2Neptune,a-10thunderbolt,C-5Galaxy,F-104Starfighter.

    assim,saltamtambmaosolhososcodinomesqueasaeronavesdosinimigosdosnorte-americanosrecebem.Nasegundaguerra,todoaviojaponseracha-madoporumcodinomeprprio21dosnorte-americanos.Porexemplo,aichi

    20 e no s armamentos. Manobras tticas tambm podem ter apelidos. um exemplo aquela deenosarmamentos.Manobrastticastambmpodemterapelidos.um exemplo aquela deumexemploaqueladesubmarinos conhecida como crazy Ivan, como aponta a seguinte descrio: Crazy Ivan is auSNavytermforaSovietsubmarinemaneuver,characterizedbyanynumberofsuddenandsharpturns,usedbysubmarinecrewstolookbehindthem.Becauseoftheacousticdistortionsandnoisecausedbypropellerblades, it isnearly impossible for conventional sonar todetectobjectsdirectlybehinda submarine.So,with sudden turns, theareawhere the sonar isnoteffective shifts relative to thecurrentheadingofthesubmarine,causingpreviousgapsinsonarcoveragetoberevealedwhilemask-ingknownareas.thisgapinsonarcoveragebecauseofthesubmarinesownpropelleriscommonlyknownamongstsubmarinersasthebaffles.theCrazypartofthenamecomesfromthefactthatthesemaneuverswereverysuddenandIvanwasacommonnicknameusedtorefertotherussians.astandardtacticofpursuingsubmarineswouldbetocloselyfollowtheSovietsubmarinehiddenrightinthesonargap,causingtheuSsubmarinetogoundetected.Becauseofthis,thereweretwodangersforthesubmarinescrew.thefirstwouldbe,ofcourse,detectionbytheSovietsubmarineifthesonargapshiftedandtheuSNavysubmarinewouldberevealed.acommoncountermeasurewastostoptheengineandpumpsinthepursuingsubandrapidlygoformaximumsilence,whichwouldleadtotheseconddanger,collision.Withitsinertialmomentum,theuSsubsforwardmovementwouldcontinuewiththepossibilityofcollisionwiththeunknowingSovietsubmarinedeadaheadintheprocessofturningsharply.anexampleofCrazyIvangonewronghappenedonJune20,1970,whenuSStautogcollidedwiththeSovietechoclasssubmarineknownasBlacklila.Fortunately,bothboatssurvivedthecollision.(texto retirado em 27/07/2006 de(textoretiradoem27/07/2006dehttp://en.wikipedia.org/wiki/Crazy_Ivan)21 Creioquenessecasohumadiferenaemrelaoaoscdigosinternacionaisassociadossletras(comoecho=e,Papa=P,etc.),especialmenteporquenalistahletrasnocontempladas,eporqueosnomesnoseguemaumaordemcrescenteoudecrescente,sugerindoumaanalogiacomoalfabeto.

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    d7a=Grace,KawanichiN1K1=George,KawasakiKI102=randy,Mitsubishia5M=Claude,eofamosoMitsubishiZero-Sem=Zeke.Josaviessoviticos(ehojerussos),tmcodinomesdeoutranatureza,sarcsticos,svezesdenotadoresdaespciedeatributodecadaaeronave(svezesno,oqueindicaumcertograudealeatoriedade):porexemplo,Il28=Beagle,quepodeserumco,mastambmumespio;tu160=Blackjack,pirata;YaK8,Forger,falsrio,mentiroso;mastambmhIl18,Coot,quepodeserfrangodgua,mastambmtrouxa,estpido;Na22=Cock,galo.Note--se, nesse sentido, que h uma certa inflexo pela srie animal,mas, nessecaso, sem os atributos positivos das prprias aeronaves, pois os inimigosquasesempreaparecemtomadosporseresdecaractersticasambguas,senomesmoduvidosas.alis,umasrieparecidaaparecenanominaodemsseis,especialmentequandosetratademsseisnuclearesdealcancecontinentalouintercontinental.enquantoosnorte-americanosnomeiamosseuscomoPola-ris(uGM7),titan(lGM25),trident(uGM96),Spartan(XlIM49),elescodificamosrussosdeSavage(SS1),Satan(SS18),Scalpel(SS24),porexemplo.

    oque,enfim,essasriedenomespareceindicar?emprimeirolugar,queosnomescirculamentreosdiversosexrcitos.osbatismosocorrem,masasmquinas guardamou espelhamnomesdosoutros.emsegundo,oquemechamouparticularmentemaisateno,queanomeaoporbatismoeapelidotendeasimplificaracomplicaotcnicaquemarcajustamentea tentativa de fechamento que asmquinas de guerra possuem em rela-ochamadasociedadeenvolvente(denovo,restasaberquemenvolvequem...).Minhahiptese,paraessefato,sebaseianumduplomovimento:aopassoqueosexrcitos se fechamparaaquiloqueentendemcomosocie-dade, se abremparaoplanodas relaesde inimizade.longede seremlivrosabertosparaseusinimigos(etambmparaseusetngrafospoucosqueossejam),nosetrataaquiderevelarsuasubstnciapalpvel,suaversotticaouestratgica,masdeseabrirparaumtipoderelao.enfim,menosdoqueumaaberturavoluntriaparaarelao,oqueestoupropondoaquiumaperspectivaquenessecasodcontadeumduplomovimento:arelaofazosexrcitos,assimcomoexrcitosfazemrelaes.Noh,entreexrcitos,oquedeterminaeoquedeterminado.e,domesmomodo,noh,dopontodevistaetnogrfico,umpontodepartida,nemdechegada:sempreentramosnomeiodocaminho.

    uNIverSal,PartICulareoluGardoetNGraFo

    No se trata assim nem de um caminho do particular ao universal, nemvice-versa.Penso aqui emumcerto ar de familiaridade comoque j suge-riuSahlins(1990:12):seosamigoscriampresentes,ospresentestambm

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    criamosamigos,oucomomelhordiriamosesquims,ddivascriamescravoscomooschicotescriamcachorros.Nocasomilitar,tambmverdadequeassimcomoosesquemaslocaiscriamapropriaesespecficasdeumcdigouniversal,justamenteporestarememrelao,estesmesmosesquemaslocaisdevolvemimposies(sequisermosirbemlonge,porquenoddivas?)quereconfiguramoprprioocamposemnticomilitar.Sobreaterminologiaeasnominaesmilitares,notvelqueseussistemasclassificatriosoperamporanalogias,combinatriaseoposies,e,noraramente(comovimos),seutili-zamdecodinomesqueevocamsriesnaturaisemitolgicas,quesocontudotrabalhadasdeformacriptografadanointeriordecadaunidademilitar.

    assim,emboraosistemaestejaoperandoemumachaverelacional,omodoqueeleapropriado(emcadacaso)temumadisponibilidaderestrita.obvia-menteno se tratadevoltar idiadequehumalgica totmicaope-randoportrsdeexrcitos.22Creioquenessecasoestefenmenoocorrepelanaturezamesmadaatividademilitar,que,comodisseacima,impeumcertomnemonismo classificatrio: uma vez que o sistema semostra eficaz, eletendeasepropagar,mascadaumseapropriadelesuamaneira.Seosnorte--americanosnaIIGuerraeramcesparaosalemes,estesnodeixavamdeserrepolhosparaosnorte-americanos.

    Finalmente, creio que uma ltima questo se coloca. evidentemente, oetngrafonotemacessofcilsclassificaeseterminologiasmilitares,poisvriasdelastmqueoperarnoregistrodomaisabsolutosegredo.e,quantomaisafundooetngrafoobservarumsistemaespecficodeumdeterminadoexrcito, provavelmente mais criptografado ele estar, e mais fundado emsegredosbaseadosemcdigosacionados,porsuavez,atravsdedispositivosespecficos.claroqueissoimpeproblemasparaaprpriaobservao;con-tudo,aomesmotempopermitequeaanliseatenteparaasdisposiesestru-turaisqueasrieinter-exrcitoscolocaparaarelaoconcretaentre exrcitos.eissononecessariamentesetornaumadesvantagemetnogrfica.

    22 Nosetrataassimderetornarscategoriasuniversalistasdedescrioinstitucionalqueherdmosdaantropologiaevolucionista,comosugerePinaCabral(1991:84)particularmenteproblematizandonoescomoototemismo,magia,etc.Concordointeiramentecomelequeacomparaoregional(eportantoarelaoentrelocalidades)devesobretudobasear-seemmodelosindgenas(cf.Needham,1971),e,nessesentidoqueainter-relaodediferenasquecriaaidentidadenosimples;hdife-rentestiposdeidentidadequesebaseiamemtiposdistintosdediferena(PinaCabral,1991:92).Paraocasomilitarqueestamos lidando,enfim, talvezprefiraa idiadeumaperspectivamltiplasobreummesmopontodevista.aaproximaoaquipretendidapodeserindiretamenterelacionadaaoenunciadoperspectivista(cf.viveirosdeCastro2002:47esegs.,especialmentenota1).Comosugerianteriormente(leirner2001),estatalvezsejaumaqualidadeouesquemaquepodeseaplicarespecialmentequelesquenecessariamentetmqueserealizarapartirdeumaprospeodoinimigo.Quemsabeumaestruturadainimizade?ver,tambmnessesentido,aproposiodecarteruniver-salistaparaofenmenodoreiestrangeirorecentementeformuladaporSahlins(2007).

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    Imaginoque,nestenvel,oconcretoestemtodaparte,sdependendodopontodevistaemqueseest(cf.Marques2007).Mesmoumaredeamplacontinuaaserlocalemtodosospontos,comobemdizlatour(1994:114).Note-se,porexemplo,oscdigosdelanamentodeartefatosnucleares,basea-dosemseqnciasdecombinaesalfa-numricasquepememrelaocdi-goslacrados:sozinhosnosignificamnada,mas,aoentraremrelao,podemsignificar uma ordem de lanamento. tal relao, tal qual um lugarejo nazonaruraldoBrasil,umlaboratriodepesquisasouumaassembliadaoNu,podeservistademaneiraanlogaaumaredetcnica(Marques2007:14-15;latour1994:114esegs.).Paraetnograf-la,posso,edevo,entraremqualquerpontodesuamalha,ecomearapercorr-la.tambmsei,nessenvel,queparaentenderomodelodaferrovianoprecisopercorrertodasestaesdetodasferroviasdoplaneta(idem:115).

    emboracadaexrcito(ouanalogamente,localidade)tenhalseuscdigos,pode-sedizerqueosdispositivosqueosrelacionam,quandoserelacionam,sodemesmanatureza.2Preciso,comoetngrafo,saberqualocdigodelana-mentodecadamssilparaseentenderessafacetadofenmenomilitar?No,etampoucochegareipertodesaberqualatotalidadedasplataformasdems-seis,todosseusnomesecaractersticastcnicas.valedizer,enfim,quenessecaso,oqueestsendolidoeanalisado(acima)podeserentendidocomoumaextensodaguerraporoutrosmeios.e,insisto,aguerranoumarelao?Seconcordarmosquesim,entoseusnomesetermosnosomerosenfeitesdasmquinasdeguerra,maspodemrevelaralgodanaturezaedimensodaguerraenquantofenmenohumano.

    2 Criptografias devemassim ser descobertas; por isso elasmudam, e por isso podemos saber osnomescdigoqueelastiveramnopassado,comonocasodosaviesjaponesesacimadescrito.

  • SoBreNoMeSdeGuerra:ClaSSIFICaoeterMINoloGIaMIlItareS 21

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  • 214 PIerodeCaMarGoleIrNer etnogrfica maiode2008 12(1):195-214

    on soldiers nicknames: military classifications and terminology Piero de Camargoleirner departamento de Cincias Sociais, universidade Federal de So Carlosdepartamento de Cincias Sociais, universidade Federal de So Carlos [email protected]

    InthisarticleIintendtodiscusshowisbuiltinthemilitaryworldasingleterminology,witchwidelycallsupsymbolicresourcesintendingtodelimitatetheirfrontiersinrelationtotheoutsideworld.thus,theirsclassificationsarerealizedpointingtowardahierarchicalconstructontheconceptsofrea-lity.Suchhierarchywidelydeterminestheirreality,fromamilitaryworldviewtotheconstructionofthesoldierspersona,thatisdonebyanintenseprocessofsocialization,inwitchoneofthismarksistheacquisitionofasoldiersnickname.atlast,Inotehowthenominationprocessencompassesmilitarycollectivitiesandwarmachines,includingherecodenamesforactionsandweapons.

    KeYWordS: military,war,naming,nicknames,hierarchy,weaponry..